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Universidade Federal do Rio de Janeiro – Programa de Pós-graduação em Letras Clássicas

Curso: Métrica na poesia grega e latina, música e performance. Prof. Dr. Rainer Guggenberger

Valor quantitativo das sílabas


“Os sinais que se costuma utilizar são ᴗ breve (βραχεῖα), equivalente a um tempo primeiro1 ou
mora (χρόνος), e _ lunga (μακρά), equivalente a dois tempos primeiros ou morae.”
(GENTILI/LOMIENTO, 2003, p. 20)


“Pé (πούς): é termo métrico, mas sobretudo rítmico. É uma composição de sílabas de uma certa
qualidade e de uma certa quantidade, longa ou breve, em esquema apropriado, ou também uma
disposição de sílabas abrangendo uma arsis e uma thesis. […] O termo foi assunto como unidade de
medida porque evidentemente assinalava o passo na dança. Aliás, também o uso de βάσις («passo»
[…]) no sentido de ‘pé’ está confirmando isso. As formas fundamentais dos pés na doutrina métrica
são: de dois tempos (díchronoi), pirrichio (ᴗᴗ); de três tempos (tríchronoi), troqueu (_ᴗ), jâmbo
(ᴗ_), tríbraco (ᴗᴗᴗ); di quatro tempos (tetráchronoi), spondeo (_ _), dátilo (_ᴗᴗ), anapesto (ᴗᴗ_),
proceleusmático (ᴗᴗᴗᴗ); de cinco tempos (pentáchronoi), baqueu (ᴗ _ _), crético-peão (_ᴗ_, I _ᴗᴗᴗ,
II ᴗ_ᴗᴗ, III ᴗᴗ_ᴗ, IV ᴗᴗᴗ_), palimbaqueu (_ _ ᴗ); de seis tempos (esáchronoi), molosso (_ _ _).”
(GENTILI/LOMIENTO, 2003, p. 46)

O que é métrica?
“A métrica é a ciência da medição do verso. A métrica grega baseia-se na alternância di sílabas
longas (–) e breves (ᴗ), as primeiras de duração temporal dupla comparada com a das segundas.“2
(GENTILI/LOMIENTO, 2003, p. 3)
“Toda a versificação grega pode ser dividida em duas grandes categorias: estruturas métricas
homogêneas e estruturas métricas não homogêneas (ou mistas) […]. As homogêneas são aquelas
constituidas por pés ou metra de uma mesma natureza (sequências datílicas, anapésticas, jâmbicas,
trocáicas etc.), aquelas não homogêneas […] aquelas que apresentam uma estrutura métrico-rítmica
determinada pela sucessão de pés ou metros não iguais e/ou pela sucessão não uniforme dos tempos
fortes e fracos (quer dizer versos de ritmo descendente, dátilo ou troqueu, e versos de ritmo
ascendente, anapesto e jâmbo)“ (GENTILI/LOMIENTO, 2003, p. 4).
“Na doutrina métrica dos gregos, os dois gêneros (γένη) métrico-rítmicos fundamentais foram os
pares, com proporção 2:2 entre tempo forte e tempo fraco (dátilo _ᴗᴗ e anapesto ᴗᴗ_) e o duplo,
com proporção 1:2 e 2:1, entre tempo forte e tempo fraco (jâmbo ᴗ_ e troqueu _ᴗ).“
(GENTILI/LOMIENTO, 2003, p. 4)

1 πρῶτος χρόνος “é o valor temporal (ou duração) mínimo e indivisível” (GENTILI/LOMIENTO, 2003, p. 49).
2 Todas as traduções são do italiano e da minha autoria.

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Sistemas métricas
“É já communis opinio que os gramáticos do período helenístico tivessem elaborado dois sistemas
teóricos no âmbito da doutrina métrica. Um é aquele dos metra protótypa, quer dizer dos nove
metros fundamentais, jâmbo (ᴗ_ᴗ_), troqueu (_ᴗ_ᴗ), dátilo (_ᴗᴗ), anapesto (ᴗᴗ_ᴗᴗ_), coriambo
(_ᴗᴗ_), antispasto (ᴗ_ _ᴗ), ionico a maiore (_ _ ᴗᴗ), ionico a minore (ᴗᴗ _ _), peone-cretico (ᴗᴗᴗ_,
_ᴗᴗᴗ, _ᴗ_); | o outro aquele da chamada derivatio, que iria reportar todas as formas métricas ao
hexámetro datílico e ao trimetro jâmbico por meio dos critérios da adiectio3, detractio4, permutatio5
e concinnatio.” (GENTILI/LOMIENTO, 2003, p. 4-5)

Divisões métricas
“[…] em época arcaica e clássica o colon é uma entidade claramente percebida que pertencia ao
repertório das estruturas métrico-rítmicas da tradição oral. Na antiga teoria métrica, entendeu-se
propriamente por colon a associação de dois metra ou seja o dímetro. As medidas abrangidas entre
o trímetro e o tetrámetro eram denominadas stichoi, «versos». A medida inferior ao colon era, por
vezes, denominada κόμμα. Entende-se que o termo colon também podia ser usado no senso
genérico de ‘sequência métrica’ contendo medidas superiores ao colon, como por exemplo trímetros
e tetrámetros, mas somente no caso no qual se calculava o número total das sequências métricas de
uma estrofa […] Daí o uso extensivo do termo moderno de ‘colometria’, que inclui além dos cola
em sentido mais restrito também os verdadeiros e próprios stichoi.” (GENTILI/LOMIENTO, 2003,
p. 7)

Troqueu
_ᴗ_ ᴗ | _ ᴗ_ ᴗ | _ ᴗ_ (ᴗ)
“O nome (τὸ τροχαικὸν μέτρον, do verbo τρέχειν) dá-se em relação com o movimento rítmico, ao
mesmo tempo rápido e precipitoso, dos versos trocáicos. Foi também chamado de «coreu» (χορεῖος,
da χορός) porque se adaptava facilmente aos movimentos ágeis da dança.” (GENTILI/LOMIENTO,
2003, p. 120)
Regra que facilita a distinção entre jâmbo e troqueu: Enquanto a característica do jâmbo é manter a
breve na primeira sílaba do segundo pé, a do troqueu é manter a breve na última sílaba do primeiro
pé.
νῦν δὲ Λεώφιλος6 μὲν ἄρχει, Λεωφίλου δ’ ἐπικρατεῖν,

3 πρόσθεσις
4 ἀφαίρεσις
5 μετάθεσις
6 συνεκφώνησις ou συνίζησις “consiste em ligar na dicção duas ou mais vogais dentro de uma palavra ou ao fim de
uma palavra e ao começo da palavra seguinte, produzindo dessa forma uma só sílaba, geralmente longa”
(GENTILI/LOMIENTO, 2003, p. 24).

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Λεωφίλῳ δὲ πάντα κεῖται, Λεώφιλον δ’ ἄκουε.7


E agora domina o Leofilo, é (coisa/prerogativa) do Leofilo exercer o poder,
tudo está colocado em (ou: está no poder de) Leofilo, presta atenção ao Leofilo.

Exercícios
Analise os três seguintes poemas de Arquíloco metricamente e defina os seus metros:
fr. 19 W.
οὔ μοι τὰ Γύγεω τοῦ πολυχρύσου μέλει,
οὐδ’ εἷλέ πώ με ζῆλος, οὐδ’ ἀγαίομαι
θεῶν ἔργα, μεγάλης δ’ οὐκ ἐρέω τυραννίδος·
ἀπόπροθεν γάρ ἐστιν ὀφθαλμῶν ἐμῶν.
A mim não importam os pertences de Giges, de muito ouro,
e nunca a inveja me tomou, e não admiro8
as obras dos deuses, e não busco uma tiranis grande:
pois bem distante fica (isso) dos meus olhos.

fr. 114 W.
οὐ φιλέω μέγαν στρατηγὸν οὐδὲ διαπεπλιγμένον9
οὐδὲ βοστρύχοισι γαῦρον οὐδ’ ὑπεξυρημένον,
ἀλλά μοι σμικρός τις εἴη καὶ περὶ κνήμας ἰδεῖν
ῥοικός, ἀσφαλέως βεβηκὼς ποσσί, καρδίης πλέως.
Não amo um general grande e nem um que caminhe escarranchado
ou um orgulhoso do seu cabelo cacheado ou um com barba bem feita
mas para mim alguém seja pequeno e ao redor das panturrilhas veja-se
as pernas arqueadas. Firme e não abanando com os pés, cheio de coragem.

7 O segundo verso é braquicatalético, quer dizer reduzido por um pé inteiro.

8 Alternativa: „indigno-me com“.


9 hapax legomenon

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fr. 172 W.
πάτερ Λυκάμβα, ποῖον ἐφράσω τόδε;
τίς σὰς παρήειρε φρένας
ᾗς τὸ πρὶν ἠρήρησθα; νῦν δὲ δὴ πολὺς
ἀστοῖσι φαίνεαι γέλως.
Pai Licambes, qual coisa excogitaste aí?
Quem confundiu seu juízo
com o qual no passado estavas dotado? Agora, de fato, muito
ridículo estás parecendo perante os habitantes da cidade.

Coriambo
“O «coriambo» (χορίαμβος), assim denominado porque composto por um coreu (ou troqueu) e por
um jâmbo (_ᴗᴗ_), pertence ao gênero rítmico «doppio» (διπλάσιον), referindo-se à proporção
pódica de 2:1/1:2.” (GENTILI/LOMIENTO, 2003, p. 146)
Por vezes, as longas são substituídas por duas breves, mas as duas breves, na poesia grega, nunca
são substituídas por uma longa.
Não existe nenhum poema que consiste somente de coriambos, mas existem (embora raramente)
versos inteiros em coriambos.
νῦν σέ, τὸν ἐκ θἠμετέρου
γυμνασίου λέγειν τι δεῖ
καινόν, ὅπως φανήσει
(Aristófanes, Vespas, 526-28)
εἰ δὲ κυρεῖ τις πέλας οἰωνοπόλων
(Ésquilo, Suplicantes 57)

Coriambos e jâmbos no mesmo verso:


δακρυόεσσάν τ' ἐφιλησεν αἰχμήν
(Anacreonte, fr. 57 D)
ἐκ' ποταμοῦ 'πανέρχομαι πάντα φερούσα λαμπρά
(Anacreonte, fr. 73 D)

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τοῦτο μὲν αὐτῷ κακὸν ἕν, κᾆθ' ἕτερον νυκτερινὸν γένοιτο


(Aristófanes, Acarnenses 1150)

“A forma catalética mais comum do dimetro coriâmbico é o aristofaneu _ ᴗ ᴗ _ ᴗ _ _, composto por


coriambo e metron jâmbico catalético, chamado assim por causa do uso katà stichon que
Aristófanes fez dele, por exemplo no Eolosicão (PCG fr. 9):
οὐκ ἐτός, ὦ γυναῖκες,
πᾶσι κακοῖσιν ἡμᾶς
φλῶσιν ἑκάστοθ’ ἅνδρες·
δεινὰ γὰρ ἔργα δρῶσαι
λαμβανόμεσθ’ ὑπ’ αὐτῶν
[…]
Mas os primeiros aristofaneus constam no suave canto epitalâmico de Safo (fr. 112, 1-4) […]:
ὄλβιε γάμβρε, σοὶ μὲν δὴ γάμος, ὠς ἄραο,
ἐκτετέλεστ’, ἔχῃς δὲ πάρθενον, ὠς ἄραο.
σοὶ χάριεν μὲν εἶδος, ὄππατα <δ’ …. >
μέλλιχ’, ἔρος δ’ ἐπ’ ἰμέρτῳ κέχυται προσώπῳ”
(GENTILI/LOMIENTO, 2003, p. 147)

Exercícios
Analise os cola dos dois seguintes poemas:
Anacreonte “Para Artemon” (PMG fr. 388)
Πρὶν μὲν ἔχων βερβέριον, καλύμματ’ ἐσφηκωμένα,
καὶ ξυλίνους ἀστραγάλους ἐν ὠσὶ καὶ ψιλὸν περί
πλευρῇσι <δέρριον> βοός,
νήπλυτον εἴλυμα κακῆς ἀσπίδος, ἀρτοπώλισιν
κἀθελοπόρνοισιν ὁμιλέων ὁ πονηρὸς Ἀρτέμων,
κίβδηλον εὑρίσκων βίον,
πολλὰ μὲν ἐν δουρὶ τιθεὶς αὐχένα, πολλὰ δ᾽ ἐν τροχῷ,

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πολλὰ δὲ νῶτον σκυτίνηι μάστιγι θωμιχθείς, κόμην


πώγωνά τ᾽ ἐκτετιλμένος·
νῦν δ᾽ ἐπιβαίνει σατινέων χρύσεα φορέων καθέρματα
παῖς ‹ὁ› Κύκης καὶ σκιαδίσκην ἐλεφαντίνην φορεῖ
γυναιξὶν αὔτως ‹ἐμφερής›

Simias de Rodes (24 Pow.)


Ἀνδροθέᾳ δῶρον ὁ Φωκεὺς κρατερᾶς μηδοσύνας ἦρα τίνων Ἀθάνᾳ
τᾶμος ἐπεὶ τὰν ἱερὰν κηρὶ πυρίπνῳ πόλιν ᾐθάλωσεν
οὐκ ἐνάριθμος γεγαὼς ἐν προμάχοις Ἀχαιῶν
νῦν δ’ ἐς Ὁμήρειον ἔβα κέλευθον
τρὶς μάκαρ ὃν σὺ θυμῷ

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