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21 de outubro
Arte poética
Escrever um poema
é como apanhar um peixe
com as mãos
nunca pesquei assim um peixe
mas posso falar assim
sei que nem tudo o que vem às mãos
é peixe
o peixe debate-se
tenta escapar-se
escapa-se
eu persisto
luto corpo a corpo
com o peixe
ou morremos os dois
ou nos salvamos os dois
tenho de estar atenta
tenho medo de não chegar ao fim
é uma questão de vida ou de morte
quando chego ao fim
descubro que precisei de apanhar o peixe
para me livrar do peixe
livro-me do peixe com o alívio
que não sei dizer
(LOPES, Adília. Aqui estão as minhas contas: antologia poética. Rio de Janeiro: Bazar
do tempo, 2019, p. 21). Originalmente em Um jogo bastante perigoso (1985).
Tempo
O fluxo obriga
qualquer flor
a abrigar-se em si mesma
sem memória.
O fluxo destrona
qualquer flor
de seu agora vivo
e a torna em sono.
O universofluxo
repele
entre as flores estes
cantosfloresvidas.
(FONTELA, Orides. Poesia completa. São Paulo: Hedra, 2015, p. 30) Originalmente
em Transposição (1966-1967).
Mãos
Com as mãos nuas
lavrar o campo:
as mãos se ferindo
nos seres, arestas
da subjacente unidade
as mãos desenterrando
luzesfragmentos
do anterior espelho
(FONTELA, Orides. Poesia completa. São Paulo: Hedra, 2015, p. 36) Originalmente
em Transposição (1966-1967).
A mão
I
A mão destrói imagens
descristaliza signos
e a luz de novo
desabitada
pulsa serenamente
em frio ímpeto.
II
A mão destrói-se
furtando-se
à textura do ser
e do silêncio
e – naufragada a forma –
subsiste uma estrela
sobre as águas.
(FONTELA, Orides. Poesia completa. São Paulo: Hedra, 2015, p. 180). Originalmente
em Alba (1983).
E a flor no túmulo.
É na terra que penso
Quando te despedes
E fico só
Na noite alta e escura.
(HILST, Hilda. Da poesia. São Paulo: Companhia das Letras, p. 211). Originalmente
em Iniciação do poeta (1963-1966).
No poema
No poema ficou o fogo mais secreto
O intenso fogo devorador das coisas
Que esteve sempre muito longe e muito perto.
(BREYNER, Sophia de Mello Breyner Andresen. Coral e outros poemas. São Paulo:
Companhia das Letras, 2018, p. 143). Originalmente em Mar novo.
O primeiro homem
(BREYNER, Sophia de Mello Breyner Andresen. Coral e outros poemas. São Paulo:
Companhia das Letras, 2018, p. 69). Originalmente em Dia do mar.
Liberdade
(BREYNER, Sophia de Mello Breyner. Obra poética. Rio de Janeiro: Tinta da China,
2018, p. 376). Originalmente em Mar novo.
14.
El poema que no digo,
el que no merezco.
Miedo de ser dos
camino del espejo:
alguien en mi dormido
me come y me bebe.
14.
O poema que não digo,
o que não mereço.
Medo de ser duas
a caminho do espelho:
alguém em mim adormecido
me come e me bebe.
Presencia
tu voz
en este no poder salirse las cosas
de mi mirada
ellas me desposeen
hacen de mi un barco sobre un rio de piedras
si no es tu voz
lluvia sola en mi silencio de fiebres
tú me desatas los ojos
y por favor
que me hables
siempre
Presença
tua voz
neste não poder arrancar as coisas
de meu olhar
elas me despossuem
fazem de mim um barco sobre um rio de pedras
se não é tua voz
chuva abandonada em meu silêncio de febres
tu me desatas os olhos
e por favor
que me fales
sempre
Encuentro
Alguien entra en el silencio y me abandona.
Ahora la soledad no está sola.
Tú hablas como la noche.
Te anuncias como la sed.
Encontro
Alguém entra no silêncio e me abandona.
Agora a solidão não está a sós.
Tu falas como a noite.
Te anuncias como a sede.
Madrugada
Desnudo sonhando uma noite solar.
Eu jazi dias animais.
O vento e a chuva me apagaram
como a um fogo, como a um poema
escrito em um muro.
Cuarto Solo
Si te atreves a sorprender
la verdad de esta vieja pared;
y sus fisuras, desgarraduras,
formando rostros, esfinges,
manos, clepsidras,
seguramente vendrá
una presencia para tu sed,
probablemente partirá
esta ausencia que te bebe.
Quarto só
Se te atreves a surpreender
a verdade desta velha parede;
e suas fissuras, ranhuras,
formando rostos, esfinges,
mãos, clepsidras,
seguramente virá
uma presença para tua sede,
provavelmente partirá
esta ausência que te bebe.