A etnia Calon foi a primeira a chegar ao solo brasileiro, no século XVI,
vindos da Península Ibérica, os ciganos Calon foram deportados pela Coroa Portuguesa, enviados pelo rei D. João V para ocupar extensas áreas ainda desconhecidas no Brasil ou pouco habitadas. Uma tentativa de coibição da sua cultura vista de maneira estereotipada (mística, de agitadores, insubmissos e ladrões), bem como para obtenção do controle do comportamento e da quantidade, tida como numerosa. Muitos viviam na Espanha e Portugal, antes de se espalharem pela América do Sul e restante da Europa. Falam a língua Shib Kalé ou Caló, que é uma mistura de Romanês, Português e Espanhol. Os povos ciganos deportados tinham seus corpos marcados pela criminalidade e no imaginário dos não ciganos eram representados como ladrões e trapaceiros. Eram considerados sem pátria, sem bandeiras, nem fronteiras. A Bahia foi um dos estados que mais recebeu povos ciganos no Brasil. Por serem bastante perseguidos em Salvador, os ciganos Calon preferiram viver no interior da Bahia, pois acreditavam que teriam mais liberdade para realizar suas práticas culturais. A partir da década de 1960 são liderados pelo Senhor Salvador Dourado, exercendo o nomadismo como estratégia de sobrevivência biológica e cultural de seu grupo, realizando atividades comerciais como a venda e troca de animais. Salvador liderava um grupo numeroso de ciganos nômades que transitavam entre as cidades de Irecê, Morro do Chapéu, Miguel Calmon, Várzea do Poço e Jacobina (cidades do interior da Bahia). O espaço temporal do cigano era as periferias das cidades, as fazendas ou lugares próximos a rios e árvores, onde armavam suas barracas de lona ou couro e amarravam os animais, que ficavam sempre à vista da comunidade para facilitar o comércio. A morte de Salvador Dourado em um acidente de carro no início da década de 1990 provocou o processo de sedentarização (construir moradia fixa) na cidade de Várzea Nova – Bahia. Em seguida ocorreu uma subdivisão do grupo em famílias extensas, que passaram a ocupar as cidades nas quais antes viviam de forma nômade. Após a sedentarização em residências fixas e adaptação em casas feitas de tijolos, os ciganos sofreram algumas mudanças em suas estratégias de sobrevivência. A partir desse momento o uso de automóveis se fez necessário entre eles, assim como a venda ou troca dos mesmos. Algumas famílias investiram em compras de propriedades e fazendas. E também começaram praticar a agiotagem (empréstimo de dinheiro a juros). Os ciganos Calon de Jacobina se organizaram e processualmente foram adquirindo espaço para construção de suas habitações próximas umas das outras, de modo que se fortaleceram e conquistaram aquele território. À medida que demarcavam sua região para se fixarem, também preservavam segredos considerados seculares, que foram repassados aos filhos através da memória e da oralidade com o intuito de manter viva a tradição: as meninas Calins (ciganas) orientadas à execução de tarefas domésticas e os meninos Calons instruídos a barganhar (negociar por meio de troca), algo extremamente difícil para eles principalmente porque a convivência com o não cigano é um desafio até hoje. A comunidade Calon que vive em Jacobina apresenta algumas singularidades, como: o amor à música, a dança, a liberdade, a natureza e a vida; o deslumbramento pelas cores vivas e alegres; os conselhos sábios a respeito da vida; a visão de trabalho diferenciada, pois acredita que este fica restrito ao necessário para garantir o sustento. Não concebe a ideia de trabalhar o dia todo, sem familiares por perto e em troca de um salário que não considera justo. Atribui grande importância à mulher e filhos, preferem assim viver a vida, investindo tempo com a família: conversar, brincar, festejar e dançar. Não existem dados oficiais contundentes sobre a quantidade de ciganos que vivem em nossa nação, nem muito menos sobre suas diferentes etnias, o que também colabora para muitos brasileiros acreditarem que são povos homogêneos intensificando assim, ainda mais o preconceito. A informação disponibilizada pelo IBGE é a de que existem 291 acampamentos ciganos no Brasil e que os três estados com maior concentração são: Minas Gerais, Bahia e Goiás. A carência de informações contribui para o desconhecimento sobre as comunidades ciganas no Brasil e para falta de integração entre essas comunidades. De qualquer modo, os dados demográficos sobre os ciganos no Brasil são sempre imprecisos. Considerados indesejáveis desde a chegada ao Brasil no período colonial, os ciganos da etnia Calon foram sempre estigmatizados como pessoas não confiáveis até mesmo nos relatos de viajantes estrangeiros e escritores brasileiros. O folclorista Mello Moraes Filho, publicou em 1886 o livro “Ciganos no Brasil e cancioneiros dos ciganos”, que definiu o povo cigano como “misterioso e errante”, mesmo reconhecendo sua contribuição na formação da cultura brasileira. Alguns autores como: Gilberto Freyre (1936), Arthur Ramos (1947) e Câmara Cascudo (1967, 1981), mencionaram os ciganos em suas narrativas. Porém, os estigmas prevaleciam e os povos ciganos só foram considerados “desejáveis” no período de tentativa de branqueamento no Brasil, pela sua ascendência europeia.
Até o século XIX, pouco se escrevia sobre ciganos e quando eram
citados por memorialistas, viajantes e escritores reproduziam-se os estereótipos de sujos e trapaceiros. Por terem uma tradição ágrafa (sem registro escrito), as histórias do povo Calon são escritas pela perspectiva do não cigano, que pouco registra suas culturas e nem ao menos enfrenta os discursos pejorativos elaborados ao longo do tempo. Se os Calon realizam boas ações, essas não são visibilizadas, nem conquistam algum lugar de destaque, mas se brigam ou cometem algum deslize, saem em páginas de jornal ou em outros meios midiáticos.
Desde que chegou ao Brasil, o cigano da etnia Calon tinha acesso
restrito às diversas atividades desenvolvidas na colônia, por isso tiveram dificuldade de ascender socialmente. A mais importante atividade econômica desenvolvida entre eles foi o comércio. Os ciganos Calon comercializavam principalmente animais, mais tarde escravos e outros conseguiram envolver-se com atividades artísticas e com a música. Hoje, negociam principalmente carros, animais, objetos e roças.
As mulheres ciganas colaboravam com a criação dos animais e na
prática da “buena dicha” (leitura de mãos). O papel preponderante da mulher sempre foi à criação dos filhos, ela é responsável por ensinar os traços característicos da sua cultura, o romani, a indumentária e valores como: respeito aos mais velhos, solidariedade e, particularmente para as meninas Calins a pureza do corpo, que deve ser preservado para o casamento. Há uma enorme preocupação por parte da comunidade Calon em instruir as meninas ciganas a só casarem com ciganos da mesma etnia para garantir a continuidade dos aspectos culturais.
Vale ressaltar que o casamento é solenizado por um representante da
comunidade cigana e, não segue os ritos da igreja católica, ação que sempre foi vista como uma afronta às autoridades religiosas e que contribuiu para a estigmatização por parte da Igreja Católica, além do fato de não batizarem suas crianças, favorecendo ainda mais a segregação social da comunidade. Segregados pelas diferentes classes sociais e grupos étnicos no Brasil em diversos aspectos, os ciganos Calon tornaram-se versáteis frente ao anticiganismo, adquiriram uma grande capacidade de sobrevivência e integração.
Mesmo com toda discriminação, segregação social e tentativa de
destruição da sua diversidade, os povos ciganos não abdicaram sua identidade étnica e souberam sobreviver preservando suas diferenças culturais. Mas, eles lutam até hoje pelo seu reconhecimento, valorização, mudança dos estereótipos negativos, garantia de direitos e serviços. Na grande maioria das comunidades ciganas Calon no Brasil ainda há uma grande carência de infraestrutura de habitação, de escolarização básica e de oportunidades de trabalho.