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Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XX, nº 80, pág. 63-66, Out.-Dez.

, 2008

Casos Clínicos / Radiological Case Reports

Osteoma Osteóide
Osteoid Osteoma

José Pedro Patrício, Patrícia Oliveira, Helder Fernandes, Maria Berta Pérez, Jorge Pereira

Serviço de Medicina Nuclear, Hospital de São João, Porto


Director: Dr. Jorge Pereira

Resumo
O osteoma osteóide é o terceiro tumor ósseo benigno mais frequente. Foi identificado, pela primeira vez, em 1935, por Jaffe. É um
tumor de pequeno tamanho, geralmente inferior a 1,5cm. É mais frequente em jovens e caracteriza-se pelo aparecimento de dor
intensa, localizada próximo do tumor, com agravamento nocturno e com a actividade física, e alívio sintomático com anti-
inflamatórios não esteróides.
O diagnóstico de osteoma osteóide pode ser difícil e moroso.
Este trabalho tem como objectivos rever a epidemiologia, a anatomopatologia, os aspectos clínicos, o diagnóstico e o tratamento
do osteoma osteóide.

Palavras-chave
Osteoma Osteóide; Diagnóstico; Tratamento.

Abstract
The osteoid osteoma is the third most commun benign bone tumor. It was first identified in 1935 by Jaffe. The tumor is usually
smaller than 1.5 cm in diameter. Most patients with osteoid osteoma are young. The classic presentation includes focal bone pain,
which worsens at night and increases with activity, and is characteristically relieved with non steroid anti inflammatory drugs.
The diagnosis of osteoma osteoid is sometimes difficult.
The aim of this paper is to review the epidemiology, anatomopathology, clinical presentation, diagnosis and treatment of osteoma
osteoid.

Key-words
Osteoid Osteoma; Diagnosis; Treatment.

Definição Mais de 90% dos doentes têm idade compreendida entre


os 5 e os 25 anos [1,5]. O seu aparecimento antes dos 5
O osteoma osteóide (OO) é uma lesão óssea benigna, de anos, ou depois dos 40 anos, é pouco comum [5]. O OO é
etiologia desconhecida. Foi identificado, pela primeira vez, duas vezes mais comum em homens e é pouco frequente
em 1935, por Jaffe, após relatar cinco casos de tumor na raça negra [5].
esclerosante dos ossos longos [1].
Actualmente, a Organização Mundial de Saúde define OO Anatomopatologia
como “um tumor benigno formador de osso, caracterizado
pelo pequeno tamanho e dor desproporcional” [2]. O OO é constituído por um nidus, formado por tecido
vermelho-acinzentado, rígido, com consistência arenosa.
Epidemiologia Ao exame microscópico, é formado por delicadas
trabéculas de osteóide, rodeadas por osteoblastos,
O OO é o terceiro tumor ósseo benigno mais frequente [2] envolvidos num estroma vascularizado [1]. O tamanho do
e, segundo alguns autores, pode corresponder a 12% dos nidus pode variar entre 0,5 e 2cm [5].
tumores ósseos benignos [3,4].

Recebido a 10/08/2007
Aceite a 04/10/2007

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Localização topográfica do tumor lado, a clínica é fundamental. A dor intensa e as suas
características particulares, em especial o alívio
O OO pode ocorrer em qualquer parte do esqueleto [5,6]. sintomático com pequenas doses de AINES, podem
Contudo, existe uma predilecção pelo esqueleto orientar o diagnóstico (Quadro 1).
apendicular [1,5,7]. As diáfises dos ossos longos são os
locais mais afectados [1], em especial da tíbia (29%) e do
fémur (27%) [3]. Quadro 1 - Contexto clínico e epidemiológico de
O atingimento da coluna vertebral ocorre em 10 a 25% suspeita de osteoma osteóide.
dos casos. A coluna lombar é a região mais afectada, com
predilecção pelos elementos posteriores das vértebras,
sendo o corpo vertebral afectado em apenas 10% dos casos
[7].
A nível micro-estrutural ósseo, podemos distinguir três
tipos de OO – cortical, trabecular e subperiostal [5].
O OO cortical é o tipo mais comum, correspondendo a
cerca de 80% do total. Localiza-se, preferencialmente, na
cortical dos ossos longos.
Os tipos trabecular e subperiostal são menos frequentes e
localizam-se em regiões intra-articulares ou peri-
articulares. Estes tipos de OO são mais difíceis de
diagnosticar e podem associar-se a derrames e sinovites O diagnóstico diferencial depende do tipo de OO (cortical,
[5]. trabecular e subperiostal) e da localização topográfica do
tumor (Quadro 2).
Apresentação Clínica Quando o OO se localiza nas metáfises e diáfises dos ossos
longos, o diagnóstico diferencial deve incluir,
A dor é a manifestação clínica mais frequente do OO e principalmente, as fracturas de stress, os tumores primários
está raramente ausente do quadro clínico (1,6% dos casos) do osso (como osteoblastoma e osteossarcoma), as
[3]. Localiza-se, geralmente, na proximidade do tumor e é metástases, o hemangioma e o abcesso de Brodie [5].
intensa. Nas fases iniciais pode ser intermitente [3], Nas lesões intra-articulares devem excluir-se as artrites
tornando-se, posteriormente, constante [1]. inflamatórias (ex: espondilite anquilosante), as artrites
Quando o OO se localiza na coluna vertebral, podem infecciosas, as sinovites inespecíficas e a doença de Legg-
ocorrer espasmos musculares e dor com irradiação para o Calvé-Perthes [5].
metâmero envolvido, condicionando escoliose secundária
e atrofia muscular [1,5]. O osteoma osteóide é considerado
a causa mais comum de escoliose dolorosa [5]. Quadro 2 - Principais diagnósticos diferenciais no
osteoma osteóide.
Em cerca de 95% dos doentes, a dor agrava com a
actividade física e durante a noite e, em 29% dos casos,
pode ser suficientemente forte para os acordar. [5] Uma
característica interessante é o alívio sintomático completo,
ou quase completo, com pequenas doses de anti-
inflamatórios não esteróides (AINES) [5].
Na realidade, os mecanismos de produção de dor não estão
completamente esclarecidos [8]. Várias fibras nervosas
atravessam o OO e poderão explicar a dor intensa associada
a este tumor [5,9,10]. Por outro lado, os níveis de
prostaglandinas E2 encontram-se elevados no interior do
nidus e são uma possível causa de vasodilatação no interior
do tumor, que alguns autores relacionam com a dor e as
suas características [5,11]. Os exames auxiliares de diagnóstico são essenciais no
As lesões intra-capsulares são menos comuns, mas estabelecimento do diagnóstico diferencial (Quadro 3).
provocam alterações inflamatórias intensas que mimetizam Os exames laboratoriais são úteis, principalmente, na
artropatias erosivas, artropatias por cristais ou artrites exclusão das doenças articulares inflamatórias.
infecciosas [5]. A radiografia identifica a lesão em mais de 75% dos casos
e deve ser o exame imagiológico de primeira escolha
Diagnóstico (Figura 1)[5].
No entanto, a tomografia computorizada (TC) é o exame
O diagnóstico de OO pode ser difícil, em especial nos casos de eleição para a localização anatómica do nidus
clinicamente atípicos. O período de tempo decorrido entre (Figura 2), revelando acuidade diagnóstica superior à da
os primeiros sintomas e o diagnóstico final varia entre 17,9 ressonância magnética (RM). [5,8] O tumor é
a 27,3 meses [1]. O contexto epidemiológico é muito classicamente descrito como uma pequena lesão lucente,
importante, uma vez que a maioria dos tumores (mais de oval ou arredondada, com menos de 2 cm de diâmetro – o
90%) aparece em idades entre os 5 e os 25 anos. Por outro

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Quadro 3 - Exames complementares aconselhados no
diagnóstico de osteoma osteóide.

Fig. 2 - Tomografia computorizada – área de espessamento concêntrico


da cortical da diáfise do fémur esquerdo, no seio da qual se visualiza
imagem hipodensa.

Fig. 3 - Cintigrafia óssea com imagens de corpo inteiro em incidências


anterior e posterior. Foco de intensa fixação do radiofármaco na projecção
do terço médio da diáfise do fémur esquerdo, rodeado por área de
hiperfixação de menor intensidade – sinal de dupla densidade.

Fig. 1 - Radiografia – espessamento focal da cortical com área central tomografia computorizada de emissão de fotão único
lucente ao nível da diáfise do fémur esquerdo. (SPECT) têm indicação na suspeita de OO da coluna
vertebral, nos casos em que o tumor se localiza nos
elementos posteriores das vértebras, uma vez que a
nidus – rodeada por uma região de esclerose periférica radiografia pode apresentar falsos negativos (Figura 4) [5].
uniforme [5,12].
A cintigrafia óssea é um exame muito sensível, mas com Tratamento
especificidade baixa. No entanto, quando o sinal da dupla
densidade está presente, é praticamente diagnóstico (Figura O OO pode regredir espontaneamente por mecanismos
3) [2,12]. Este sinal caracteriza-se por um foco de intensa desconhecidos. No entanto, a maioria dos doentes prefere
fixação do radiofármaco – nidus – rodeado por uma área o tratamento curativo [2].
de hiperfixação de menor intensidade. As imagens de

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6. Brook, S.; Piccora, R. - Osteoid Osteoma: Diagnosis and Treatment.
Disponível em URL: http://www.countryfootcare.com/pdf/
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Fig. 4 - Imagem de fusão de tomografia de emissão de fotão único com brighamrad.harvard.edu/Cases/bwh/hcache/91/full.html
tomografia computorizada da coluna vertebral. Foco de hiperfixação
do radiofármaco, localizado na apófise espinhosa de C1.

O tratamento curativo exige a remoção completa da lesão


(nidus e halo) através de ressecção cirúrgica ou ablação
por radiofrequência [2].
A lesão pode ser identificada cirurgicamente, utilizando
uma sonda detectora de radiação gama, após injecção
endovenosa de metileno-difosfonato marcado com 99mTc
[2].
A ablação por radiofrequência consiste em colocar um
eléctrodo na lesão, por via percutânea, guiado por TC,
provocando o aquecimento electivo (a mais de 90ºC) da
lesão [7].

Correspondência
José Pedro Henriques Patrício
Rua Estado da Índia, nº 702, Bloco B, 3ºDT
4430-094 Vila Nova de Gaia
Email: josepedropatricio@gmail.com

Bibliografia
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