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A EDUCAÇÃO DE SURDOS NA PERSPECTNA INCLUSNA:
UM PARADOXO POLÍTICO EDUCACIONAL
Deafi' education in a inclusive perspective: a political educational parllllox
Daiane Pinheiro
Graduada em Educação Especial, Especialista em Gestão Educacional, especialista em Educação Ambiental e mes-
tranda em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria . Atua na área de educação especial, desenvolvendo
pesquisas sobre educação de surdos com ênfase rios temas: produções culturais surdas e processos inclusivas.
Endereçc; eletrônico : daianepinh@yahoo.com .br
Espaço: Informativo Técnico-Científico do INES. Rio de Janeiro, n. 36, p. 16. Jul./Dez. 2011 .
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Discute-se aqui, portanto, a sur- de Surdos-Mudos de Paris, veio ao
dez do ponto de vista do locus de Discute-se aqui Brasil com o encargo de fundar em
uma governamentalidade neoliberal 1857, no Rio de Janeiro, o Instituto
que atravessa a política educacional
portanto, a surdez de Surdos-Mudos voltado somente
voltada para os sujeitos surdos. Nes- do ponto de vista para meninos. É possível observar
se sentido, é possível articular con- que o enquadramento desses sujei-
cepções acerca do regulamento da do locus de uma tos se tornava importante para se
vida desses sujeitos. A ideia de go- "determinar um lugar, uma loca-
verno, controle e regulação não está governamentalidade lização precisa no interior de cada
aqui no sentido opressor e sim no conjunto" (Varela, 2002, p.82).
sentido de nos constituir. Preocupo- neoliberal que atravessa A criação desse instituto, mar-
-me e procuro discutir as formas que a política educacional cante também na história da educa-
a surdez vem sendo narrada e o lu- ção especial, se constituía como um
gar que essas representações tomam voltada para os sujeitos espaço de segregação onde se apli-
no cenário educacional. É preciso cavam técnicas de normação para
elucidar que "qualquer julgamen- surdos governar e vigiar aqueles que não se
to de valor sobre a educação, sobre enquadravam nos modelos sociais.
os objetivos e processos das ações como resistência política para man- Corroborando com essas ações,
educativas, dependerá sempre do ter esses sujeitos culturais. São outras Foucault (2002) volta ao tempo para
domínio a que se quer conduzir os verdades inventadas, que na força do explicar os dispositivos de governo e
educandos" (Lopes, 2007, p. 60). discurso se legitimam e tencionam regulamento, como a família, o Es-
Proponho olhar para os efeitos as representações postas hoje sobre a tado e as instituições, o que ele cha-
da representação, tomando esse educação das pessoas surdas. mou de "arte de governar". Nesse
conceito como um processo fun- REPRESENTAÇÕES cenário, o poder disciplinar age "por
damental "para a própria consti- HISTÓRICAS DA fiscalizações, por observações, medi-
tuição das coisas" (Hall, 1997, p. das comparativas, que tomam a nor-
EDUCAÇÃO DE SURDOS ma como referêncià' (Bujes, 2001 ,
6). De forma sintetizada a repre-
sentação pode ser entendida aqui, Para entender como as inven- p.139). Nessa lógica, há uma norma
conforme Hall (1997, p. 17), ções sobre a surdez e a educação a ser seguida e tomada como modelo
como o uso da "língua/linguagem desses sujeitos foram se constituin- para assim narrar as diferenças entre
para dizer algo significativo ou re- do ao longo do tempo, foi preciso o normal e o anormal, ou seja, "é
presentar o mundo de forma signi- articular aos processos históricos em relação a essa norma estabelecida
ficativa para outrem". A represen- que balizam essas representações. que a determinação e a identificação
tação se dá por meio da linguagem, No entanto não me detenho aqui do normal e do anormal se tornam
tomando o lugar na produção de em trazer um detalhamento desse possíveis" (Foucault, 2008, p.75).
significados, estando na ordem das processo, posto que meu interesse Tornar o surdo normal estava
invenções, criações, e portanto, na está no cenário educacional nacio- e ainda permanece na ordem das
ordem da cultura. Nesse enten- nàl e nas diferentes interpretações representações educacionais públi-
dimento, pode-se dizer que é por que foram sendo constituídas e re- cas. O processo de normação des-
meio da linguagem que acontece a presentadas nesse campo científico. ses sujeitos tinha como estratégias a
produção e circulação de significa- A educação de pessoas surdas oralização, como forma de aproxi-
dos dentro de uma cultura. no Brasil começou a ser olhada sob mações ao sujeito normal, ouvinte.
Tomando essa direção teórica, uma perspectiva diferenciada das Uso o termo normação tomando
busco problematizar a surdez a par- demais deficiências com a vinda do por referência Foucault (2008),
tir de uma diferença cultural, dentro francês Ernest Huet, por convite que distingue do termo normaliza-
da qual a representação, e, portanto do governo imperial. Esse profes- ção. Entendo normação aqui como
produção de significados, é tomada sor surdo e ex-diretor do Instituto estratégias de aproximações a uma
Espaço: Infonnativo Técnico-Científico do INES, Rio de Janeiro , n. 36. p . 17, Jul ./Dez. 2011.
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norma vigente, possibilitando tra- Muitas dessas técnicas de disci- -terapêutica. Com a organização de
zer o anormal para perto da norma. plinamento foram utilizadas para comunidades surdas, e a potencia-
Entender a condição surda normatizar os surdos tornando-os lização de uma resistência política,
dentro da lógica patológica, do dependentes e subordinados aos por meio das lutas e engajamentos
deficiente anormal, remete a con- ouvintes. Envoltas nessa relação sociais, a surdez, entendida agora
cepção clínico-terapêutica que per- de poder-saber as instituições, por como uma diferença linguística e,
meou e ainda permeia a educação meio de exaustivos treinamentos portanto cultural, roma lugar nas
desses sujeitos. auditivos, se encarregaram de orali- discussões legais. Esse movimento
Medicalizar a surdez significa orientar zar os surdos a fim de aproximá-los conduziu, em 2001, a oficialização
coda a atenção à cura do problema da norma ouvinte. A partir da dé- nacional da Língua Brasileira de Si-
auditivo, à correção dos defeitos da fala, cada de 1960, surdos e especialistas nais, o que fortaleceu ainda mais a
ao treinamento de cerras habilidades da área vêm tencionando essas re- militância surda na busca pelos seus
menores, como a leitura labial e a ar- presentações. Esse tencionamento interesses sociais.
ticulação, mais que à interiorização de pode ser tomado como formas de Ainda que os movimentos de
instrumentos culturais significativos, resistência a uma lógica oralista. grupos organizados de surdos te-
como a Língua de Sinais. E significa Marcado por lutas sociais e políti- nham mostrado uma resistência
também opor e dar a prioridade ao
cas, esses movimentos começam a sob as narrativas clínicas da sur-
poderoso discurso da medicina fren-
narrar os surdos sob uma perspec- dez, as representações sobre esses
te à débil mensagem da pedagogia,
tiva cultural, inventando, portanto sujeitos dominam os projetos da
explicitando que é mais im portante
uma cultura surda. Segundo Lopes educação nacional e impõem uma
esperar a cura medicinal encarnada nos
(2004, p. 50): inclusão pautada no respeito à di-
implantes cocleares, que compensam
O processo de normalização foi virado versidade. Veiga Neto (200 l , p.
o déficit de audição através de meca-
do avesso, ou melhor, teve uma virada 113) comenta q ue a inclusão "pode
n ismos psicológicos funcionalmente
epistemológica. Fala-se de surdos e ser o pnme1ro passo numa opera-
equivalentes (Skliar, 1997, p.111).
se produzem surdos. O referencial ção de ordenamento, pois é preciso
de normalidade é dado sob outras a aproximação com o outro para
Tornar o surdo orientações modernas que d izem da que se dê um primeiro (re)conhe-
diferença cu! rural e do respeito com essa cimento, para que se estabeleça
normal estava e ainda diferença [... ] com o fortalecimento do algum saber, por menor que seja,
discurso cultural e linguístico, aqueles acerca desse outro" e assim trazê-lo
permanece na ordem discursos fo ram se reconfigurando e
o mais próximo possível da norma.
se modernizando para poder ressurgir
das representações Em um contramovimento ao
de ourras formas.
processo educacional inclusivo e
educacionais Nas últimas décadas, muitos
o reconhecimento pela escola de
documentos educacionais foram
surdos como espaço cultural de en-
públicas. O processo propostos para efetivar a educação
contros, aprendizagem e produções,
inclusiva, pautados no direito a
de normação desses a comunidade surda vem produzin-
uma educação especializada, onde
do sua cultura em diferentes espa-
a condição. surda se homogeneizava
sujeitos tinha como com a ideia de outras deficiências
ços como estratégia de legitimação
cultural e política. Dessa forma,
estratégias a oralização, em um mesmo locus discursivo. Ao
mantém-se em um movimenro
mesmo tempo, o modelo socioan-
constante de resistência ao cenário
como forma de tropológico da surdez, atrelado a um
educacional imposto pelo governo.
saber científico de pesquisadores da
aproximações ao sujeito Em documento elaborado pela
área, vinha ganhando força, narran-
comunidade surda em 1999, deno-
do a surdez sob uma outra lógica,
normal, ouvinte. descolada da concepção clínico-
minado "A educação que nós sur-
Espaço: lnformati\ o Técnico-Cientílico do INES. Rio de Janeiro, n ~6. p. 18. Ju l./Dez. 2011.
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dos queremos" já se tinha um posi- é mais tratado pela PNEEPEI, mas
cionamento desses sujeitos sobre o Emum
tal documento continua a propor
processo inclusivo um Atendimento Educacional Es- contramovimento ao
22 . C onsiderar que a integração/
pecializado na escola regular a todos
inclusão é prejudicial à cultura, à processo educacional
os alunos enquadrados no eixo da
língua e à identidade surda.
educação especial, o que não deixa
23 . Propor o fim da política de in-
de ser na verdade uma especializa- inclusivo e o
clusão/integração, pois ela trata o
ção da escola, atuando com uma
surdo como deficiente e, por outro reconhecimento pela
lado, leva ao fechamento de escolas
marca que atenua a representação
de surdos e/ou ao abandono do pro- de segregação social. A diversidade, escola de surdos como
cesso educacional pelo aluno surdo. sugerida legalmente como formato
24 . Considerar que a integração da de respeito social e cultural, "( ... ) é espaço cultural de
pessoa surda não passa pela inclusão 'aceità e 'promovidà, desde que as
do surdo em ensino regular, devendo identidades do 'outro' sejam repre- encontros, aprendizagem
o processo ser repensado. (A ed.ucação sentadas por padrões estáticos e he-
e produções, a
que nós surdos queremos, 1999, p. 6) . gemônicos (... )" (Lunardi-Lazzarin,
Passaram-se onze anos e, ainda 2008, p. 122). comunidade surda vem
que muitas das reivindicações te- Tais proporções legais tomam
nham sido acatadas, principalmen- como evidência uma educação bi- produzindo sua cultura
te pelo reconhecimento legal da língue para surdos, tentando abar-
LIBRAS, a inclusão continua per- car nesse termo a garantia do en- em diferentes espaços
petuando um discurso totalizante volvimento social e político.
Para a inclusão dos alunos surdos,
como estratégia de
e generalizado. Isso ficou eviden-
te na versão preliminar da Política nas escolas comuns, a educação bi- legitimação cultural e
Nacional de Educação Especial na língue - Língua Portuguesa/LIBRAS,
Perspectiva da Educação Inclusiva desenvolve o ensino escolar na Língua política.
Portuguesa e na língua de sinais, o ---~
(PNEEPEI) divulgada em setembro Skliar (2001, p.17) comenta que es-
de 2007, a qual inferira no capítulo ensino da Língua Portuguesa como
segunda língua na modalidade escrita sas"( ... ) políticas de integração trans-
VI a não abertura de novas escolas formam-se rapidamente em práticas
para alunos surdos, os serviços de
especiais, enquadrando nesse termo de assimilação ou produzem, com
tradutor/intérprete de Libras e Língua
as escolas de surdos. Esse documen- um efeito contrário, um maior isola-
Portuguesa e o ensino da Libras para
to partia do entendimento de que mento e menores possibilidades edu-
os demais alunos da escola. O aten-
as escolas especiais se constituíam cativas nessas crianças". Ou seja, há
dimento educacional especializado é
como espaços de segregação, atri- ofertado, tanto na modalidade oral também conceitos predefinidos, os
buindo a escola regular a única e escrita, quanto na língua de sinais. quais vêm sendo constituídos, den-
forma de "salvação" dos alunos de- Devido à diferença linguística, na tre outras narrativas, por meio dos
ficientes. Em consequência a essa • medida do possível, o aluno surdo discursos oficiais, perpassando a no-
divulgação muitas escolas especiais deve estar com outros pares surdos ção da chamada educação inclusiva.
se manifestaram contra tal possível em turmas comuns na escola regular. Nesse sentido, pode-se inferir
situação, em especial as organiza- (MEC/SEESP, 2008, cap. VI). que as políticas públicas para edu-
ções de surdos, por meio da "Carta Essas concepções inferem a uma cação de surdos, sobre o discurso
Aberta ao MEC" (2007) . generalização das estruturas sociais da diversidade, são produtos e pro-
Revisto esse documento legal, o a qual a comunidade surda vem se dutoras de relações de poder/saber,
governo divulga em janeiro de 2008 constituindo, tomando um sentido onde se atribuem sentidos de ver-
a versão oficial dessa política. O fe- que remetem a educação de surdos dades sobre os sujeitos. Conforme
chamento das escolas especiais não a uma simplificação desses fatores. Skliar (1999, p. 21)
Espaço: Informativo Técnico-Científico do INES, Rio de Janeiro, n. 36. p. 19, Jul./Dez. 2011.
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O discurso da deficiência tende a "centros de transmissão" e não como
mascarar a questão política da di- Nesse sentido, pode-se "alvos inertes ou consentidos do po-
ferença; nesse discurso a diferença der" (Foucault, 1998, p. 183).
passa a ser definida como diversidade
inferir que a5 políticas
Ao abordar a analogia de poder/
que é entendida quase sempre como públicas para educação saber, envolto ao processo discursi-
ais varaiante/s aceitáves do projeto vo, é possível entender que a cons-
hegemônico da normalidade. de surdos, sobre o tituição de um desenvolvimento
Ao passo que o discurso produzi- social, cultural e político está im-
do por meio das relações de poder, se discurso da diversidade, plicada a esses conceitos. Dessa
difunde e compõe contextos, é pos- forma, há um constante conflito no
sível compreender as bases estrutu- são produtos e
campo discursivo das relações so-
rais da organização política para sur-
produtoras de relações ciais, sendo que ao resultante desse
dos, como estratégias desse discurso processo cabe a detenção do poder.
sob "[ ... ] mecanismos de controle de poder/saber, onde Nesse sentido, pode-se inferir
através dos quais de obscurecem as que as políticas públicas para edu-
diferenças [... ]" (Skliar; 1999, p.8). se atribuem sentidos cação de surdos, sobre o discurso
Com isso, o discurso da diversidade da diversidade, são produtos e pro-
está pautado em uma lógica da nor- de verdades sobre os
dutoras dessas relações de poder/
malidade, estabelecendo, a partir da saber, onde se atribuem sentidos de
sujeitos.
norma, um modelo a ser seguido. verdades sobre os sujeitos. A ins-
promovedor das relações que se
ATRAVESSAMENTOS tância cultural, nesse sentido, está
estabelecem. Dentro dessas relações sempre atravessada por esse pro-
POLÍTICOS CULTURAIS: são produzidas verdades legitima-
PROBLEMATIZANDO A cesso discursivo, estando situada
das por quem detém o poder, dan-
em uma arena de conflitos gerados
INCLUSÃO DE SURDOS do margem para "ações construtivas
pela busca de significação social.
- tanto em formações sociais mais
As representações da cultura sur- Para dar suporte a esses enten-
da produzem a identidade desses amplas quanto em espaços e usos dimentos culturais e políticos, fica
sujeitos. Esse pertencimento social locais - atuando como forças histó- plausível uma aproximação ao cam-
ricas" (Fischer, 2002, p. 86).
caracteriza-se como o conjunto de po dos estudos surdos, inerente a
Essa compreensão teórica está matriz teórica dos estudos culturais.
grupos diferenciados, com caracte-
atravessada por constantes ques-
rísticas próprias, configurando as- Skliar (1998, p. 29) esclarece que:
tionamentos e problematizações,
sim uma sobreposição entre identi- Os Estudos Surdos em Educação
em que não se buscam ou defi- podem ser pensados como um ter-
dade e diferença. Silva comenta que:
A cultura é um campo de produção de
nem verdades fixas, imutáveis em ritório de investigação educacional e
significados no qual diferentes grupos um regime de certezas. Foucault de proposições políticas que, através
sociais, situados em posições diferen- (1995) destaca que o discurso pode de um conjunto de concepções lin-
ciais de poder, lutam pela imposição ou não caracterizar um processo de guísticas, culturais, comunitárias e de
de seus significados à sociedade mais cadência, sendo que sua mobilida- identidades, definem uma particular
ampla [... J. A cultura é um campo de está constantemente atravessada aproximação - e não uma apropria-
onde se define não apenas a forma por outros discursos efêmeros. ção - como o conhecimento e com
que o mundo deve ter, mas também O sujeito é, portanto, constituí- os discursos sobre a surdez e sobre
a forma como as pessoas e os grupos do dessas relações sendo que o po- o mundo dos surdos.
devem ser. A cultura é um jogo de der está na ordem do saber. Nesse Esses estudos trazem questio-
poder (Silva, 2001, p. 133-134). sentido, faz-se referência à posição namentos referentes à diferença e
O sentido de poder, nessa con- sociocultural do sujeito surdo, o qual à inclusão educacional. Essa pers-
cepção, é arquitetado como tran- se insere, nessa situação, como exer- pectiva faz uma análise do processo
sitório, sendo ele o resultante e ço do poder, no entanto, visto como de inclusão do aluno surdo, sob o
21
prisma da normalização e orienta- tenham acesso às oportunidades e
ção do indivíduo para adaptação ao participação sociais, porém tende-se a Nesse sentido, a Gestão
ambiente ouvinte. Esse processo é reduzir, inúmeras vezes, a inclusão à
experiência escolar dos alunos com as
Democrática ao tentar
reconhecido como uma ênfase das
práticas discursivas, bem como das chamadas necessidades educacionais
promover a igualdade,
diferenças e lutas por poder e saber especiais nas classes regulares.
no âmbito da cultura surda. Portanto, o direito reafirmado a participação de todos
Essas concepções demonstram na Política Nacional de Educação
um afastamento do campo da edu- Especial na Perspectiva da Educa- numa mesma escola,
cação especial, compreendendo a ção Inclusiva de 2008 vem sendo
problematizado no que tange à acaba mascarando as
educação de surdos no litígio da
diferença. Nessa direção, é preciso inclusão de "todos" os alunos com
necessidades educacionais especiais.
diferenças.
problematizar os papéis sobre os
quais se constituem a escola inclusi- Isso se evidencia quando se trata organizada com base nessa perspec-
va. Os sujeitos surdos ainda são nar- da educação de surdos sendo que, tiva, passa a operar como um siste-
rados sob o ideário da normalidade, a diversidade, sugerida legalmente ma determinista de verdades.
evidenciando a formação de uma como ideário de respeito social e Embora essa formatação educa-
alteridade deficiente. Essas repre- cultural, é, discursivamente, pro- cional esteja sendo efetivada sobre
sentações se afastam do movimento movida e difundida, no entanto, o discurso político, problematizar
contemporâneo da educação de sur- dentro de uma rede hegemônica essas evidências dentro das escolas
dos, a qual se reafirma em um pro- que reproduz conceitos formatados . inclusivas torna-se produtivo no
cesso identitário, cultural e político. Nesse sentido, a Gestão Demo- contexto de pesquisas educacionais.
A inclusão de alunos surdos crática, ao tentar promover a igual- As discussões teóricas e práticas que
demanda de aparatos legais es- dade, a participação de todos numa surgem no campo da surdez acabam
truturados, os quais inferem um mesma escola, acaba mascarando propondo um processo de mudan-
processo bem-sucedido (MEC/SE- as diferenças. Nessa perspectiva, a ças, de ~ovas viabilidades, sendo
ESP, 2001). No entanto, as ações gestão democrática dá suporte ao que o normal, nesse sentido, pode
curriculares, praticadas dentro do discurso da educação inclusiva, pois não ser o diferente. Gallo (2005, p.
ambiente inclusivo acabam por quanto mais democrático, parece 223) comenta que "educar para a
dissimular esses aspectos. Ao passo mais inclusivo e igualitário. Nessa diferença é abdicar de todo e qual-
que as políticas públicas inclusi- lógica, produzem-se verdades sobre quer controle, pois a diferença não
vas revelam instrumentos que dão a escola inclusiva como um espaço pode ser domada, controlada, sob
subsídio educacional para alunos mais justo, em que todos, inclusive pena de retornar ao mesmo".
surdos, há também questionamen- os surdos, deveriam se inserir. Isso in- O que está se vivenciando na
tos quanto às produções culturais e fere que outros espaços, como a esco- perspectiva idealista dessas insti-
sociais desses sujeitos dentro do sis- la de surdos, são posicionados como tuições é a concepção do termo
tema de ensino. Skliar (2003, p.13) excludentes, não democráticos. "adaptação do ensino", de forma
comenta que "de fato existem pou- · A prescrição de um modelo que, muitas vezes, por trás des-
quíssimos discursos e práticas que educacional ouvinte, sobre as con- se conceito, os sujeitos acabam se
incluem a questão da deficiência cepções inclusivas, está favorecen- ajustando aos moldes institucio-
em contexto cultural, político e de do a constituição de um processo nais da normalidade ouvinte.
subjetividade mais amplo". normativo e generalizante, sendo A identidade surda, assim como
Nessa direção, Thoma (2004, que reflete "argumentos do 'poli- qualquer outra, é produzida dis-
p. 46) coloca que ticamente correto', do fazer sur- cursivamente de acordo com um
[... ) de forma conceitua!, a socie- dos mais eficazes, mais eficientes" local histórico e institucional em
dade inclusiva pretende que todos (Skliar, 1999, p. 8). Assim, a escola que se encontra. A ideia de iden-
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tidade cultural dos surdos, atrelada são, sendo ela tratada como sinôni-
aos processos educacionais, nos mo de escola regular. Nesse sentido,
Discursos referenciados
remete a questionamentos diante cabe outra conferição que potencia- nas políticas públicas
dos diferentes espaços de ensino liza a importância de manter o espa-
ofertados a esses alunos. Isto é, há a ço educacional da escola de surdos ressaltam o respeito à
necessidade de uma formação cul- como prioritário a esses alunos. A
tural dentro dos contextos escola- utilização da Língua de Sinais como diferença, no entanto
res, sendo que tal desenvolvimento primeira língua corrobora essas
tem como suporte a comunicação constatações promovendo um refle-
esse processo de
e interação entre as crianças surdas, xo na instauração de outro processo reconhecimento ainda
refletindo no seu potencial cogni- ::ultural, e a produção de identidades
tivo. Segundo Bakhtin (1990, p. sedais pertencentes a esse contexto, está distante em muitos
34) "os signos só emergem, decidi- se diferenciando também do ensino
damente do processo de interação regular. Skliar (200 l , p.17) levanta contextos educacionais
entre uma consciêneia individual e questionamentos que são inerentes
outrà'. Nesse caso, evidencia-se a a essas discussões, afirmando que inclusivos, sendo que
facilitação do processo de reconhe- "as políticas de integração transfor- "a identidade cultural
cimento do ser surdo, e da apro- mam-se rapidamente em práticas
priação cultural no seu contexto. de assimilação ou produzem, com é formada por meio do
Esses aspectos permitem um dire- um efeito contrário, um maior iso-
cionamento específico para a escola lamento e menores possibilidades pertencimento a uma
de surdos, a qual se configura em educativas nessas crianças". As po-
um espaço de formação educacio- líticas públicas inclusivas se referem cultura''
nal e cultural sob uma proposta de intrinsecamente a um modelo nor- à diferença, no entanto esse proces-
valorização e identificação do ser mativo e por isso a educação espe- so de reconhecimento ainda está
surdo como diferente. cial perde o sentido quando aborda distante em muitos contextos edu-
É preciso compreender a po- a educação de surdos. cacionais inclusivas, sendo que "a
sição da escola inclusiva frente às Torna-se evidente o estímulo identidade cultural é formada atra-
políticas públicas problematizando à inclusão do aluno surdo na rede vés do pertencimento a uma cultu-
também o papel da escola de sur- regular de ensino, deixando plau- ra" (Hall, 1997, p. 21). A questão
dos nesse processo. síveis instrumentos que possam implícita está relacionada à histori-
O atendimento educacional espe- efetivar esse processo. No entanto, cidade da educação inclusiva, desde
cializado disponibiliza programas de não são abordadas discussões que os formatos de normalização desses
enriquecimento curricular, o ensino se referenciem ou se aprofundem sujeitos (Skliar, 1999). Atualmen-
de linguagens e códigos específicos no litígio cultural e político da te essas concepções ainda estão
de comunicação e sinalização, ajudas educação de surdos. A questão le- impregnadas na educação dos sur-
técnicas e tecnologia assistiva, dentre vantada está implícita na qualidade dos. Lopes e Fabris, Lopes (2003,
outros. Ao longo de todo processo de de educação e formação cultural p. 5) referem-se resumidamente
escolarização, esse atendimento deve desses alunos, discutindo a repre- a esse fenômeno justificando que
estar articulado com a proposta pe- sentação da alteridade surda ú'"'::·.:ro "o colocar junto além de servir de
dagógica do ensino comum 1 • (MEC/
do contexto educacional. estratégia de tornar o estranho um
SEESP, 2008 , cap. VI).
Discursos referenciados nas po- conhecido, também traz o espaço
Tal compreensão política traz o
líticas públicas ressaltam o respeito (...), como limite entre a possibili-
enfoque sobre a concepção de inclu-
1
Grifo meu.
23
dade do (des) estranhamento e da Cabe destacar que o suporte go- gue, ainda assim, essa filosofia não
anormalidade". vernamental brasileiro não garante garante uma efetivação da educa-
Dessa forma, a constituição do a efetividade do sistema inclusivo. A ção do surdo baseada na sua cultu-
que é ser surdo está atravessada por escola deve estar comprometida com ra. A Educação Bilíngue ainda está
diferentes representações, e tomam a facilitação desse processo, propon- pautada sob a égide da educação
lugar nas políticas educacionais em do o respeito à diferença e ressaltan- especial, transparecendo assim, um
conformidade com as narrativas es- do os modelos culturais do surdo. modelo adaptativo para o surdo no
tabelecidas sob sujeitos da falta, da Para isso, é importante que se valo- sistema de ensino regular. Ou seja,
deficiência, reduzidos a um eixo es- rize a presença de professores surdos a Libras ainda não é entendida pe-
pecífico e homogeneizante da edu- como referência cultural e a convi- los ouvintes como língua cultural,
cação especial. Para dar conta do vência com outros alunos em igual e sim como uma forma "( ... ) de
efeito dessa classificação sobre esses condição (MEC/SEESP, 2001). tornar a vida surda mais acessível"
sujeitos, tem-se proposto uma po- Tais concepções direcionam o (Lopes, 2002, p. 122).
lítica da diversidade, julgando esse interesse dessa discussão ao papel da Nesse sentido, institui-se um
termo como sinônimo de diferen- escola frente à representação cultu- processo de exclusão dentro da es-
ça. A diversidade se coloca · como ral da criança surda inserida em um cola regular, tendo em vista que
um disfarce da igualdade, inventa- contexto social ouvinte, tendo em esse modelo acaba direcionando
da para tornar o outro admissível vista a organização e o poder políti- para formas adaptativas culturais e
no convívio social, algo a ser "co- co. A escola está sujeita a diferentes sociais ouvintes (Skliar, 1999). Ou
locada num lugar, no seu "devido formatações sociais que constituem seja, há também conceitos predefi-
lugar" (Klein, 2006, p. 105). relações de poder. Sob essa lógica, nidos, os quais vêm sendo constitu-
Ao contrário, a diferença não entende-se que nesse contexto edu- ídos por meio dos discursos oficiais,
tem sentido pluralista, ela constitui cacional estão as representações po- perpassando muitas vezes a noção
um processo histórico, político e líticas e culturais, constituintes de da chamada educação inclusiva.
social, rejeitando o entendimento conhecimentos deterministas.
de uma anormalidade a ser ajus- Nesse aspecto, a imposição de Cabe destacar que o
tada socialmente. Perlin (2006, p. um modelo educacional estrutura-
139) comenta ainda que: do nessa perspectiva gera uma for- suporte governamental
Por diferença entendemos o ser surdo ma de normalização e adaptação ao
brasileiro não garante a
com sua alteridade. Por exemplo, contexto ouvinte, pois não constitui
se perguntarmos: Por que os surdos identidades, ou representações cul- efetividade do sistema
querem escolas de Surdos? A resposta turais surdas. Assim, a escola não
identifica a caminhada para a di- está apenas atuando como um sis- inclusivo. A escola deve
ferença : "para tornarem-se sujeitos tema de ideias predominante, mas
de sua história", saírem da exclusão, está também se formando sobre estar comprometida
construírem sua identidade em pre- elas. Portanto, o direito à preserva-
sença do outro surdo, para terem com a facilitação desse
ção e valorização cultural deve ser
direito à presença cultural própria. co.nsiderado pelos ouvintes e repre-
Nessa lógica, as narrativas legais,
processo, propondo o
sentado politicamente, não como
ao tratarem da inclusão dissimula- um subsídio à deficiência ou como respeito à diferença e
da por um discurso da diversidade, simples discurso de igualdade, e sim
representam esses sujeitos de forma como diferença cultural e étnica. ressaltando os modelos
hierárquica, sem considerar, ou ter Mesmo partindo do pressupos-
de fato a experiência de ser surdo. to de um sistema inclusivo bilín-
culturais do surdo.
Espaço: Informativo Técnico-Científico do INES, Rio de Janeiro. n. 36. p. 23, JulJDez. 2011.
INES ESPAÇO ABERTO
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Jul-Dez/11
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Referências bibliográficas
Espaço: Informativo Técnico-Científico do INES . Rio de Janeiro , n. 36, p. 24. Jul./Dez. 201 i.
•• ESPAÇO ABERTO INE\
ESPA( O
)ui-Dez/ 11
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Espaço: Infonn ativo Técnico-Científico do INES , Rio de Janeiro. n. 36. p. 25, Ju l./Dez. 201 1.