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Considerações Acerca dos Processos Psíquicos do Luto

SILVA, Ivana de Souza Marins da [1]

SILVA, Ivana de Souza Marins da. Considerações Acerca dos Processos Psíquicos do Luto. Revista Científica
Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Edição 08. Ano 02, Vol. 01. pp 193-207, Novembro de 2017.
ISSN:2448-0959

RESUMO

A morte é vista como tabu nos dias atuais, gerando sofrimento, negação, culpa e ansiedade,
desencadeando tipos de luto que afetam o psiquismo, alterando de forma significativa o modo como as
pessoas veem a vida, bem como suas reessignificações frente à perda do outro, sendo a morte a única
experiência firmada na certeza de separação definitiva e o luto como um evento único vivido na
peculiaridade de cada um. Este artigo tem como objetivo compreender os mecanismos psíquicos
subjacentes ao processo de luto, buscando esclarecer que esse processo é um fenômeno psíquico e
necessário considerando os seus efeitos psicossociais, afetivos e cognitivos, bem como suas reações
provenientes do apego, da identificação e da angústia. O presente trabalho está baseado em uma
pesquisa de levantamento bibliográfico e está ancorada em fontes como: livros, contemplando autores
clássicos e contemporâneos, e artigos encontrados nas bases de dados de reconhecimento científico como
o Scielo e BVSpsi.

Palavras-chave: Luto, Apego, Identificação, Angústia, Morte.

1. INTRODUÇÃO

Ao longo de todo o processo de desenvolvimento do homem é comum se deparar com uma série de
perdas, tais como projetos não concretizados, surgimento ou agravamento de doenças crônicas no
decorrer da vida, rompimentos de relações e, finalmente, a morte de amigos e parentes. Para Moura
(2006) a perda por morte é um grande sofrimento, porque há várias outras perdas que acompanham esse
evento, não se limitando apenas ao ente querido, mas o medo do que não se pode controlar, a finitude da
vida. Qualquer vínculo desfeito é certamente doloroso e todos os indivíduos estão sujeitos a ter essa
vivência, sendo a morte a única experiência firmada na certeza de separação definitiva e o luto como um
processo vivenciado em algum momento por todos algum dia. Quem perde algo ou alguém, vive a tristeza
da ausência e tem que se adaptar a uma nova realidade. (PARKES, 2009).

Para Silva et.al. (2007, p. 98), “a morte de quem se gosta provoca rompimentos profundos, sendo
necessários ajustamentos no modo de se perceber o mundo e de se fazer planos para continuar vivendo
nele”. De acordo com os autores, a morte de uma pessoa querida provoca uma grande desorganização em
vários aspectos, seja no âmbito econômico, social e familiar, sendo um importante processo de
reorganização mental, emocional e até mesmo social. Diante da morte e do luto, provavelmente o

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indivíduo se sentirá desorientado e nada será mais profundo e doloroso do que o sentimento de perda.
Nesse estado ‘doloroso’, a sensação é de que mais nada nem ninguém poderão preencher o vazio que
tanto angustia o enlutado. (GANNZERT; CORREIA, 2011).

Para Parkes (2009) é importante perceber os efeitos do luto na saúde psicológica e física do indivíduo
enlutado, bem como os fatores que influenciam nas suas reações, como apego, a percepção do sujeito
frente ao objeto amado e a sua identificação com a pessoa que perdeu.

Mediante a esse trabalho faz-se necessário compreender a construção do processo de luto dentro das
perspectivas de sequências causais, que são inúmeras perdas que explicam os riscos psicológicos
iminentes na pessoa enlutada. Segundo Parkes (1998), o luto é compreendido como uma importante
transição psicossocial, com impacto em todas as áreas de influência humana.

Freud (1917) aponta que no luto há perda de interesse no mundo externo, desânimo profundamente
penoso e inibição de toda e qualquer atividade e ainda pontua que depois de uma grande perda, não
haverá substituto, ainda que esse vazio seja preenchido, mas ainda algo permanecerá, sendo essa a única
maneira de perpetuar aquele amor que não se deixa abandonar.

O conhecimento da finitude do homem desafia a representação da morte como tema interdito, refletindo
que só através da morte enquanto categoria existencial, a vida se torna ganhar vida, mais que vivê-la,
esclarecendo que esse processo é um fenômeno psíquico e necessário considerando os seus efeitos
psicossociais, afetivos e cognitivos, já que o luto é considerado como um evento único vivido na
peculiaridade de cada um.

Sendo assim, esse trabalho tem como objetivo, a partir de uma revisão bibliográfica, discutir os
mecanismos psíquicos subjacentes ao processo de Luto. Para tanto serão utilizados teóricos que trabalham
o luto a partir da teoria de Bowlby e teóricos que tem como base para análise da perda a psicanálise
Freudo-Lacaniano.

A investigação, organização, utilização de técnicas e análise de dados são condições sinequa non para a
elucidação de uma pesquisa (PRODANOV; FREITAS, 2013). Assim, faz-se necessário a escolha de um
caminho epistemológico que aproximará ao fenômeno. Segundo Lakatos; Marconi (2010) a pesquisa
bibliográfica não é uma repetição do que já foi dito ou escrito acerca de determinado assunto, mas fornece
a compreensão de um tema a partir de um novo enfoque ou abordagem, propiciando dessa forma, novos
olhares e reflexões sobre o mesmo assunto. Neste contexto, opta-se pela pesquisa com privilégio de
técnicas qualitativas e está baseada em uma pesquisa de levantamento bibliográfico que abordará a
“Temática do Luto”, ancorada em fontes como: livros, contemplando autores clássicos e contemporâneos,
e artigos, encontrados nas bases de dados de reconhecimento científico como o Scielo e BVSpsi, a fim de
fundamentar a pesquisa para contribuir com a produção de conhecimento, especialmente nas

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especialidades que lidam com a questão da morte. A partir daí, pretende-se analisar as referências,
alavancando as fontes principais, ou seja, os autores mais citados, formando a coluna vertebral deste
trabalho, que está respaldado na pesquisa exploratória.

2. LUTO E MORTE

2.1 LUTO E MORTE AO LONGO DOS TEMPOS

Moura (2006) traz uma visão da história acerca da morte e do luto até os dias de hoje. Fundamenta-se nos
estudos de Ariés (2003) em transcorrer da Antiguidade até o século XIX. Na Idade Antiga os doentes em
fase terminal eram velados em casa, juntamente com seus familiares, bem como na presença das
crianças, nada era oculto a respeito da morte. Na Idade Média o índice crescente de epidemias e doenças
infecto-contagiosas e sem cura, favoreceu a convivência das pessoas com morte, pois era constante e
passou a fazer parte do cotidiano. Acostumados com esse fenômeno, à morte não causava tanta comoção.

A partir dos meados do século XIX, Ariés (2003) aponta que a morte não mais passa a acontecer em casa,
ao alcance dos olhos da família, mas no hospital. Possivelmente essa mudança tenha influenciado a
maneira como as pessoas passaram a vivenciar o luto advindo da morte de um ente querido, resultando
em um grande distanciamento entre vivos e mortos, trazendo angústia e muitas vezes desespero,
dificultando a elaboração do luto. Segundo Elias (1993) a morte é impelida mais e mais para os bastidores
da vida social durante o impulso civilizador.

Ariés (2003) alerta que o “recalque a dor”, a interdição de sua manifestação pública e a obrigação de
sofrer só e ás escondidas agravam o sofrimento do enlutado. Quando não existem espaços para que a
família se expresse, o sentimento de solidão se amplia, trazendo sofrimento e angústia. (SILVA et al,
2007). Outro fator que segundo Ariés (2003) é de grande importância baseia-se na transferência da
compaixão para o familiar do morto (outrora dirigida ao próprio morto). Entretanto falar sobre a morte
causava dor ao enlutado. Daí surgiu o comportamento das pessoas evitarem o assunto. “A proibição do
tema morte e luto estaria, portanto intimamente ligado ao fato do enlutado a aturdir-se com o trabalho ou,
ao contrário, a atingir o limite da loucura” Ariés(2003). A morte é, assim, temida, por significar uma
anulação completa do instinto de vida. O medo da morte como outras fobias, pode resultar de eventos
internos, ou seja, de situações conflitantes não solucionadas. Na verdade, não são os objetos ou situações
externas que criam nas pessoas o medo da morte, mas a idéia fantasmática de um Eu permanente e
eterno que seria aniquilado com a morte, portanto é importante perceber os efeitos do luto na saúde
psicológica do enlutado, bem como os fatores que influenciam nas suas reações, como apego, a percepção
do sujeito frente ao objeto amado e a sua identificação com a pessoa que perdeu.

2.2 LUTO E APEGO

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O luto é vivenciado em vários contextos nos quais o apego torna-se um fator preponderante no que se
refere à perda e a representação do amor, sendo este a fonte de prazer mais profunda na vida, ao passo
que a perda daqueles a que amamos é a mais profunda fonte de dor. (PARKES, 2009, p.11).

Segundo Parkes (2009), o risco de se vincular a alguém traz insegurança, medo e desconforto frente a
possibilidade de perder. Uma vez estabelecido esse vínculo, alguns estudiosos afirmam que é muito difícil
ser rompido, desta maneira, é pela natureza do laço que resiste ao rompimento. (PARKES,2009). Toda
situação de perda vivida pelo adulto, na verdade, é uma repetição de uma perda antiga, por meio da
forma como essa criança viveu e elaborou as primeiras perdas da vida, tendo um valor significativo e de
grande influência na maneira de como o adulto irá enfrentar perdas no futuro. (NEIVA, 2016).

Por meio da Pesquisa em Havard, do qual participaram 59 jovens viúvas e viúvos Parkes e Weiss [(1983),
p.39 apud PARKES], observaram que a intensidade do sofrimento está associado aos fatores de riscos que
a pessoa enlutada está exposta. Os quais foram identificados a vulnerabilidade pessoal, relação com a
pessoa falecida, eventos e circunstâncias que levaram á morte, bem como da morte em si e apoio social. A
pesquisa apresentou que o apego á pessoa perdida é um fator determinante nas reações ao luto, gerando
dois tipos diferentes de reações problemáticas:

A relação de dependência, que indica a possibilidade de luto crônico;


A relação ambivalente, que indicava a possibilidade de luto conflituoso.

O luto “crônico” segundo Parkes (2009) é intenso desde o princípio permanecendo um longo período nesse
estágio de vazio. Já o luto “conflituoso” requer um tempo de assimilação, demora para se instalar, atingi
seu ápice algum tempo depois da morte e tem como reação sentimentos de raiva e/ou culpa.

Parkes ainda acrescenta que há tipos de apegos no que se refere às reações de luto, sendo diretamente
proporcional ao vínculo desenvolvido e ao tipo gerado. Baseado nos estudos Parkes (2009) sobre a força
do apego e segurança do apego, ela traz um novo olhar frente o vínculo mãe-bebê, observando efeito da
separação, desenvolvendo um método sistemático de observar e classificar padrões de apego
intensificando seus estudos nas relações de “amor” entre mãe e bebê em um patamar científico e
demonstrando a maneira peculiar pela qual as mães amam seus bebês possibilitando um efeito profundo
no modo como os bebês verão a si e o mundo, classificando os tipos de apegos como:

1 – Seguro

2 – Inseguro

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ansioso /ambivalente
evitador
desorganizado /desorientado

2.1.1 APEGO SEGURO

Para Ainsworth (2009, p.24 apud PARKES), pais que são sensíveis e responsivos as necessidades de
segurança do bebê, dando base estável possibilitando a criança explorar o mundo, essas crianças toleram
separações breves sem muito sofrimento e respondem rápida e calorosamente a mãe quando ela retorna
e as conforta. Uma vez esses padrões estabelecidos nos dois primeiros anos de vida mantêm-se
marcadamente estável e são preditores da qualidade do relacionamento com o outro durante a infância,
colaborando para que a criança seja sensível e segura em relação aos outros. Nesse sentido Parkes (2009,
p.48) destaca que “por amar seu bebê, a mãe irá ensiná-lo a se separar dela. Visto por esse enfoque, o
teste mais árduo de um relacionamento de amor pode muito bem-estar no sucesso que obtemos ao
sobreviver á morte daqueles que amamos.”

Então Parkes (2009) aponta que crianças experienciaram apegos seguros em relação aos pais vão sofrer
menos emocionalmente após o enlutamento na vida adulta.

Nessa perspectiva do apego, observa-se então que a reação ao luto possivelmente esteja associado à
forma como os cuidadores ajudam a criança a desenvolver um mundo reconhecido por elas como
presumido e à necessidade infantil de procurar pelo genitor perdido.

2.2.2 APEGO INSEGURO

2.2.2.1 ANSIOSO/AMBIVALENTE

Ainsworth (2009, p.24 apud PARKES), demonstrou que mães insensíveis às necessidades dos filhos,
desmotivadoras, tem filhos que apresentam grande sofrimento durante a separação e se agarram e
choram raivosamente quando as mães retornam.

Para Parkes (2009) aqueles que desenvolveram esse tipo de apego durante a infância vão reportar luto
intenso e duradouro, tendo a tendência de depender dos outros, logo após do enlutamento.

2.2.2.2 EVITADOR

Nessa categoria as mães apresentam indiferença e despreocupação frente às necessidades da criança,


não expressam sentimentos, não toleram proximidade e /ou punem o comportamento de apego, desta
forma as crianças aprendem a inibir suas tendências a se aproximar e a chorar, considerando essas

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crianças “indiferentes”. Parkes (2009).

Aqueles que desenvolveram esse tipo de apego, segundo Parkes (2009) quando adultos vão achar difícil
mostrar afeto ou chorar e vão tender a ser agressivos e assertivos em relação aos outros, tendo
dificuldades em expor sentimentos e/ou confiar nos outros, inibindo ou adiando a expressão de luto, sendo
mais propensos a doenças psicossomáticas após a perda.

2.2.2.3 DESORGANIZADOR/DESORIENTADOR

As crianças apresentam atividades contraditórias e desorganizadas, podem chorar quando separadas, mas
evitam a mãe quando retorna, ou se aproximam dela e ficam quietas, paradas ou se jogam no chão. Main
e Ainsworth (2009, p.24 apud PARKES).

Pesquisas apontam que as mães dessas crianças haviam sofrido perdas significativas ou outro tipo de
trauma antes ou depois do nascimento dessas crianças e muitas reagiram com uma severa depressão.
Mais de 56% das mães que havia perdido um dos pais por morte antes de completar a escola secundária
tiveram filhos que apresentaram apego desorganizado. Main e Hessen (2009, p.25 apud PARKES).

Parkes (2009) traz em sua pesquisa que crianças que formaram apegos desorganizados na vida adulta vão
adotar modos passivos de enfrentamento e vão reagir ao luto tornando-se deprimidos, impotentes e
potencialmente suicidas, tendo dificuldades de procurar ajuda dos amigos e da família, embora busquem a
ajuda de médicos e outros.

O apego, portanto, traz no vinculo a base da representação do amor e também o ponto de partida para
compreender o sofrimento psíquico que ocorre na perda, onde não apenas o elo se configura a ligação do
sujeito frente ao objeto amado, mas também sua percepção e identificação com a pessoa que se foi.

2.3 IDENTIFICAÇÃO E LUTO

A representação da morte frente à dor e sofrimento do outro é um fenômeno que vai além da perda física,
além do significado da inexistência do ser, é um sentido peculiar que cada um tem para o outro
“monotropia” Bowlby (1958, p.13, apud PARKES),“o amor é um vinculo com uma pessoa apenas. Não há
como existir substituto para pai, filho ou parceiro amoroso que tenha sido perdido.”. Cada elo perdido é
único, pois perpassa em uma dimensão de representação e falta, ou seja a identificação do sujeito frente a
perda do outro, qual a função que tinha no outro? Qual a parte em sua vida não mais existirá?

Ao referir-se à Freud, (PARKES, 1998) aponta que ele, uma época, considerou a identificação como uma
única condição que o id pode abrir mão de seus objetos. Ratificando, após dez anos que se uma pessoa
estiver perdido seu objeto de amor, ou tiver abdicado dele, com frequência irá se compensar identificando-

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se com esse objeto, formulando que o sujeito é constituído de partes do outro ou de outros.

Nesse contexto o significado da perda ganha força no que se refere aos papeis que foram desenvolvidos
durante a existência do outro, funções essas que obrigam o enlutado a vivenciar uma transição
psicossocial, coagindo a mudança. Quando alguém morre, uma série de concepções sobre o mundo, que
se apoiava na existência da outra pessoa, para garantir sua validade, de repente, ficam sem essa
validade. (PARKES,1998).

Segundo Freud (1917), mesmo que haja consciência da perda que deu origem ao seu grande sofrimento,
ou seja, ao seu estado melancólico, a pessoa sabe quem ela perdeu, mas não o que perdeu nesse alguém.
A angústia se dá do desligamento libidinal com objeto amado, sendo esse processo executado pouco a
pouco, por um espaço de tempo e de energia catexial, prolongando esse meio tempo, a existência do
objeto perdido.

Para Freud (1914) há uma diferença entre a natureza da melancolia com o afeto normal do luto. Em seus
estudos na obra “Luto e Melancolia” Freud ([1914-1915] 2010) faz distinção entre a reação a perda no que
se refere à perturbação da autoestima presente apenas no luto, correlacionando os dois estados sobre
mesmas condições. Ambas apresentam um desânimo profundo, a cessação de interesse pelo mundo
externo, a perda de capacidade de amar e a inibição de toda e qualquer atividade. Freud (1917) afirma
que o luto nada existe de inconsciente referente à perda e que a inibição e a perda de interesse são
explicadas pelo trabalho de luto o qual o ego é absorvido, sendo que é o mundo que se torna pobre e
vazio, já na melancolia é o próprio ego.

O que se apresenta no processo de luto é um desligamento pouco a pouco das representações que se
tinha ao objeto amado, dando lugar a um desvio de realidade e a um apego pela via de uma psicose
alucinatória carregada de desejo. Cada uma das lembranças, e expectativas em relação a cada uma delas.
Por esse motivo, o domínio da realidade é restaurado fragmentadamente, tornando esse processo penoso,
desconfortável e que seja aceito como algo natural.( FREUD, 1917).

Parkes (1998, p.128) afirma que Freud (1923) em “O Ego e o Id” desenvolveu a noção de que a retirada da
libido que liga uma pessoa a outra pode acontecer apenas quando a pessoa morta estiver “reinvestida”
dentro do ego, alguns psicanalistas consideram a identificação com objeto perdido como um componente
necessário do luto. Abraham (1970) escreveu um ano depois que via o objeto “escondido no ego”: “O
objeto perdido não se foi, pois agora carrego dentro de mim e não poderei perdê-lo jamais”

Krupp (1963, p.129, apud PARKES) considerava a identificação derivada das repetidas frustrações e perdas
da primeira infância: “A criança tenta se tornar amada para prevenir futuras perdas… De partes da
personalidade de outros [a criança em desenvolvimento cria] o mosaico de si mesma.” Nesta visão, a
identificação com a pessoa perdida não é apenas uma forma de adiar a consciência da perda; é a condição

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necessária sem a qual o pesar não terminaria e uma nova identidade não se desenvolveria.

Desta forma, “figuras das quais a pessoa parece haver abdicado ou que foram perdidas são mantidas
permanentemente ligadas por meio de vínculos que não poderiam ser ainda mais estreitos.” Rochlin
(1965, p.129, apud PARKES).

Segundo Freud (1917), a consciência da perda não define o sofrimento, mas a ameaça de perder algo que
se tinha nesse alguém, então a angústia se dá não apenas no conhecimento de um vínculo desfeito, no
entanto se instala no desligamento aos poucos com objeto amado, configurando a existência do objeto
perdido.

2.4 ANGÚSTIA E LUTO

Segundo Lacan (1962) a angustia é um afeto que não iludi. Besset (2007) traz que a ameaça da perda do
objeto e não a perda em si que se trata a teorização desse sentimento, portanto, seria uma reação em
resposta a uma falta imaginária ou seja a angústia se manifesta “diante de algo.” Para Catarina (2008) há
diferentes definições de angústia uma quando se trata da reação ante uma perda iminente; outra
relacionada à castração (a perda de um órgão) e a angústia da perda do amor da pessoa amada ou de um
erro real ou imaginário (angústia moral).

Besset (2007) aponta que a angústia é a presença que escapa qualquer saber. Suas reações muitas vezes
somatizam, afetando o corpo do sujeito que fala. A dor psíquica é algo aniquilador. O corpo perde sua
armadura, sua segurança, e decai. Um antídoto mais primitivo utilizado pelo o homem é o grito, depois as
palavras ressoadas que tentam formar uma ponte entre a realidade conhecida antes e após a perda.

A culpa é uma variante da angústia. É uma reação à ameaça de que o ser amado retire o seu amor.
Catarina (2008) diz que é a consciência do castigo pela falta, seja ela real ou imaginária. Um trauma
psíquico pode ser produzido em decorrência de uma perda brutal ou branda quando acrescentada por uma
série de pequenas perdas não sentidas pelo sujeito que provocam imperceptíveis dores na qual,
somatizadas, levam o indivíduo a um estado de tensão até o ponto em que um simples acontecimento
inócuo bastasse para que essa dor eclodisse de maneira consciente.

Esse sentimento precede a perda e pode também se manifestar logo depois da morte de um ente querido.
Branco (2014) diz que o amor é configurado como a suplência da falta. Nesse contexto o elo do sujeito ao
objeto se dá na busca de preencher o vazio. Se o papel da constituição do sujeito como um ser faltante foi
estabelecido, possibilitando a separação “desmame” então o amor primordial do Outro cumpriu o seu
papel. Função essa de produzir um vazio lógico ao qual toda escolha objetal viria posteriormente operar
como recobrimento da falta, permitindo a elaboração do processo de luto, fazendo com que todo ser
vivente se apegue a vida. Freud (1917). Segundo Besset (1998), o amor vela o afeto da angústia. Portanto

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o apegar-se a algo é um risco inerente ao fato da possibilidade de perdê-lo a qualquer momento ocorrendo
à separação.

2.5 AMOR E LUTO

Acredita-se que, apesar de seu caráter limitador, o nada imposto pela morte possibilita, ao mesmo tempo,
abertura para a compreensão de novas possibilidades de sentido e diferentes formas de pensar e agir, por
meio de um processo de luto vivenciado em variados contextos familiares, evidenciando em uma poderosa
experiência de sofrimento que pode ser ressignificada ou traduzida em possibilidades mais singulares de
existência.

Então o viver passa ser uma trajetória marcada por um processo evolutivo que estabelece algumas
condições para constituir o ser humano, iniciando com o primeiro corte, a primeira separação, o afastar-se
de um elo de extensão chamado de cordão umbilical, e a partir daí inaugura o início da perda com todas
as suas implicações. A busca constante do homem em procurar algo que supostamente o manterá
completo é um caminho que se estende por toda a vida, à vista disso a perda é a repetição de várias
outras perdas, remetendo muitas vezes ao sentimento de abono, ao medo de perder algo ou alguém
sendo esse sentimento definido como angústia.

A falta pode ainda se transformar em uma presença assimilada através de um processo de elaboração de
não se perder os vínculos e afetos com o objeto perdido. Nas palavras do poeta Carlos Drummond de
Andrade (1987, p. 25):

Por muito tempo achei que a ausência é falta. E lastimava ignorante, a falta. Hoje não a lastimo. Não há
falta na ausência. A ausência é um estar em mim.E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus
braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Portanto, o ser faltante sempre irá existir ainda que justifique a sua falta no outro, mas haverá sempre um
lugar a ser preenchido, uma lacuna, a procura do pai, da mãe ou qualquer outro alguém que contribuiu de
forma significativa para sua autonomia. A separação que o torna único é também é a causa da ausência e
a consciência da falta, tornando o vínculo existente só na lembrança. Segundo Freud (1917), a criança
aprende a amar outras pessoas que remediam seu desamparo e satisfazem suas necessidades.

Segundo Zimerman (2010, p.38) outro fator que se faz presente no transcurso desse caminho é um
sentimento universal que se chama amor, sendo usado por muitos para definir variados vínculos, trazendo
na sua etimologia algo interessante de origem latina, mors-mortis, que se relaciona com o grego “moros”,
tendo entre outras significações, também expressa como morte, falecimento, óbito. O que torna possível
uma correlação harmônica com o princípio fundamental de Freud quanto à existência das “pulsões da

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vida” como “pulsões de amor” ou de “Eros” e as pulsões de morte, ditas por ele como “agressivas ou de
“Tânatos”.

Baseado nesse pressuposto Zimerman (2010) refere-se que o sentimento de amor seria resultante de uma
grande predominância dele sobre as pulsões de ódio que, virtualmente, estariam excluídas, sem (=a) uma
presença forte e permanente dessas pulsões de morte (=mors), ou seja, a-mors seria sem pulsão de
morte, então o amor significa a vida (ZIMERMAN, 2010). Então o amor estaria relacionado com a morte,
pois segundo Parkes (2009), o amor e luto estão ligados, não é possível sentir o primeiro sem correr o
risco de confrontar com o segundo. Portanto só é possível compreender o luto por meio do conhecimento
da natureza e dos padrões do amor nos seus variados sentidos, pois a busca de um elo perdido, a angústia
de perdê-lo e a falta são inerentes ao processo evolutivo do homem, sendo, portanto, um fenômeno
necessário para se concluir o ciclo da vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

São só dois lados da mesma viagem…


O trem que chega é o mesmo trem da partida…
A hora do encontro é também despedida.
A plataforma desta estação é a VIDA.
“Encontros e Despedidas”

Conceitos mostram que o luto é visto como um transcurso difícil, mas compreensível no ponto de vista do
desenvolvimento humano, já que se nasce, cresce e morre, seguindo um percurso natural do ciclo da vida.
O enlutar-se é ter a possibilidade de refletir sobre quem as pessoas são em uma perspectiva de encontro
de si. Freud (1917) aponta que o conhecimento da fragilidade humana permite o sujeito a compreensão de
si mesmo e que muitas vezes o homem precisa adoecer para ter acesso a uma verdade dessa espécie.
Muitas vezes essa realidade pode colocar em risco a saúde mental do sujeito em algum momento e nesses
casos existe a necessidade de um trabalho psicológico. O luto é a resposta à ruptura de um vínculo
significativo, no qual havia um investimento afetivo entre o enlutado e o ente que se foi, Diante desse
contexto, o enlutado vivencia uma série de mudanças relacionadas ao meio econômico, familiar, social,
entre outras, de maneira particular e singular, as quais vão estar associadas a como o enlutado
experienciou o processo (de doença, separação conjugal, mudanças geográficas etc.), caracterizado por
sequências causais.

A ambiguidade entre a certeza da mortalidade e a incerteza do desconhecido, faz-se pensar sobre as


possibilidades de falar sobre a morte e do amor tão amplamente discutido e temorizado, segundo Parkes
(1998) o luto, precisamente o processo de perda é o preço que se paga pelo amor.

O amor, o vínculo, a perda e a falta fazem parte de uma linha epistemológica que engendra todo o

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processo de perda embasado nas pesquisas e estudos dos teóricos que fundamentam as questões em
torno do processo do luto. A correlação entre os teóricos sobre o luto se fundem na medida que o discurso
tem o mesmo objetivo: entender o sofrimento humano e os mecanismos psíquicos subjacentes ao
processo de luto para possíveis intervenções, dignificando o ser como vulnerável e ao mesmo tempo
mutável, respeitando seus limites e avançando no que é possível. Para alguns autores o amor e a perda
estão relacionados no que se refere ao apego, identificando os possíveis mecanismos desenvolvidos
através de vínculos a serem formados dentro do contexto mãe-filho, contribuindo na compreensão das
implicações do luto. Já Freud (1917) diferencia as reações do luto baseado da identificação do enlutado
com o objeto perdido, uma função que tinha no outro a falta de uma parte na sua vida que não existirá
mais, enquanto Lacan (1962) traz a falta estrutural como fator determinante para a produção da angústia
frente à perda. Nessa conexão entende-se que a morte sinaliza a descontinuidade de uma vida, marcada
por vínculos, por uma identificação, por uma história compreendida pelas agruras da separação. O luto
pode ter numerosos significados, mas ainda se constitui um fenômeno psíquico e necessário no ponto de
vista psicológico, cognitivo e psicossocial do sujeito, alterando de forma significativa sua visão de mundo,
bem como trazendo a tona seus aspectos mais subjetivos e primitivos.

Diante do exposto a morte em si acompanha o sujeito desde o nascimento, quando as primeiras perdas
são inevitáveis, a separação com mãe possibilitando uma falta necessária no que se refere um ser não
extensivo à mãe, mas um sujeito separado da mãe, autônomo.

Compreender o luto como um processo e não como um estado traz uma nova visão para possíveis
intervenções, fundamentado no conhecimento do homem com todas as suas peculiaridades e desafios em
torno da finitude e o saber lidar com a falta.

REFERÊNCIAS

ABRAHAM, Karl. Teoria psicanalítica da libido: sobre o caráter e o desenvolvimento da libido. Rio de
Janeiro: Imago, 1970.

ANDRADE, C. D. Corpo. Rio de Janeiro: Record, 1987.

ARIÈS, Philippe. História da morte no Ocidente. Ediouro Publicação,2003.

BESSET, Vera Lopes. Luto e angústia: questões em torno do objeto. Lat. Am. j. fundam. psychopathol. On
line, . São Paulo , v. 4, n. 2, p. 185-192, nov. 2007.Disponível em
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[1] Graduada do Curso de Psicologia da FTC-Jequié.

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