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A retórica democrática na Assembleia Nacional Constituinte brasileira: cidadania,

direitos e os discursos populares em plenário.

Nome: Joyce Louback Lourenço


País: Brasil
Instituição: Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-UERJ)

Resumo

O presente trabalho pretende abordar a consciência política de um período de lutas sociais


organizadas durante a Assembleia Nacional Constituinte (ANC) brasileira, a partir da
análise dos sentidos atribuídos aos conceitos de cidadania e direitos, enunciados nos
depoimentos dos representantes populares durante o evento. Diante da conjuntura
analisada, alguns temas concentraram-se em torno de algumas ideias-força que ganharam
proeminência nas formas de articulação entre as pautas reivindicativas e os termos
mobilizados durante os discursos. O conteúdo dos discursos e pautas defendidas pelos
depoentes esboça um quadro geral sobre as prioridades dos setores representados. O intuito
é observar como os juízos elaborados pelos grupos de interesse presentes nas Audiências
Públicas a respeito do papel do Estado. E ainda, de que maneira se estrutura uma retórica
elaborada ao longo de um importante ciclo de mobilização popular, em virtude do
restabelecimento da democracia.

Palavras-chave: democracia; conceitos; cidadania; direitos; movimentos sociais.

Introdução

O processo de redemocratização brasileiro impulsionou a organização de diversos


movimentos populares em prol da convocação de uma Assembleia Constituinte e, por

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suposto, a promulgação de uma Carta Constitucional condizente com aquele momento
histórico. A formação de uma retórica democrática permitiu, naquele cenário, que as várias
pautas reivindicativas confluíssem em torno de um objetivo maior, tornando o campo de
lutas aberto ao diálogo, inclusive pela via institucional. A gana por participação maturou
um novo momento para os movimentos sociais, fazendo-os perceber que o exercício
democrático passava não apenas pela sua organização interna e participação em âmbito
local e regional mas, em larga medida, também pela sua influência em outras arenas
decisórias, de maior alcance, pluralidade e influência. A Constituinte foi, portanto, um
laboratório para as lutas sociais no Brasil, representando um espaço privilegiado em que
movimentos e entidades de classe acompanharam atentamente as decisões, tornando
possível a negociação e interferências diretas no processo final.

A promulgação da Constituição Federal Brasileira, em 1988, pôs fim ao ciclo


ditatorial no país e indicou definitivamente a construção de um projeto democrático de
caráter novo, que consagrou um modelo de sociedade assentado na participação social e na
introdução de grupos sociais até então marginalizados e/ou ultrajados em seus direitos
fundamentais. O texto constitucional apresentou uma tendência que preconizou a afirmação
dos mecanismos de participação popular, da ampliação dos direitos sociais, civis e políticos
e da cidadania plena, os quais inscreveram o Brasil em um processo mais amplo de
modernização do país e fundação de um Estado de Bem-Estar Social.

O presente trabalho é um desdobramento de uma investigação em curso para minha


tese de doutorado, a qual pretende abordar três diretrizes principais de análise. No estudo
para o doutoramento, pretendo analisar os conceitos e noções de igualdade (inclusão,
isonomia), cidadania (reconhecimento, minorias), e democracia (participação, liberdade).
Estas três categorias de análise foram definidas a partir da leitura sistemática dos registros
taquigráficos/atas das Subcomissões temáticas da ANC1. A primeira apreciação do material
revelou que os pronunciamentos e discussões giravam em torno de categorias gerais que

1
Os registros taquigráficos estão disponibilizados em versão digital para download no site do Senado Federal
(http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-
cidada/publicacoes/anais-da-assembleia-nacional-constituinte). A publicação eletrônica oferece uma versão
integral dos Diários da Assembléia Constituinte. Neste documento constam todas as atas e registros dos
debates e discursos nas Subcomissões temáticas.

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extrapolavam os limites dos temas defendidos pelos grupos de interesse representados na
Constituinte. O estudo leva em conta a leitura e transcrição dos pronunciamentos dos 974
depoentes, ao longo das 192 audiências públicas, distribuídas em 24 subcomissões
temáticas, definidas de acordo com grandes temas em 8 comissões temáticas, realizadas
entre os dias 22 de abril e 25 de maio de 1987.

Para a análise desenvolvida neste paper nos concentraremos nos sentidos adquiridos
pelos termos cidadania e direitos, prementes para a discussão sobre a afirmação da
democracia, de acordo com as falas dos representantes da sociedade civil. Deste modo,
selecionamos alguns depoimentos que mobilizaram conceitos/termos na sua argumentação.
Neste caso, a polissemia dos conceitos de cidadania e direitos será tratada, a partir das
discussões em plenário envolvendo os depoentes populares e os deputados Constituinte. Do
confronto de ideias e da construção de novos sentidos a conceitos tão fundamentais,
veremos como tais concepções aparecem nas falas dos grupos populares e, posteriormente,
foram incorporados – ou não – ao texto Constitucional.

Desenvolvimento

A transição democrática brasileira: o momento pré-Constituinte

Ao compreensão da participação popular nos âmbito da Assembleia Nacional


Constituinte (ANC) impõe a necessidade de se resgatar, ainda que superficialmente, o
percurso das lutas sociais até o momento em que os novos atores sociais encaminham suas
pautas para a ANC. Trata-se elencar algumas discussões gerais que podem informar o
padrão da transição democrática, com ênfase na articulação das organizações populares,
permitindo esboçar perspectivas incipientes a respeito da linha argumentativa que os
representantes destes grupos apresentarão nas Audiências Públicas da Constituinte.

O processo Constituinte ocorrido entre 1987 e 1988 finalizou o movimento de


transição para a democracia no Brasil. A conjuntura política do período destaca-se pela
afirmação de um amplo campo oposicionista – formado tanto pelos novos partidos políticos

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como pelo aparecimento de movimentos sociais, e também as realizações do próprio
regime ditatorial, já em declínio na sua capacidade de articulação e força. Neste momento,
o associativismo civil contribuiu para a formação de um novo quadro político, a partir das
intensas mobilizações sociais que tomaram as ruas e bairros de todo o Brasil. Fóruns,
congressos e reuniões construíram e articularam pautas que foram encaminhadas à
Constituinte e, mais do que isso, formaram um campo de lutas que exigiu, sobretudo, a
redefinição das relações entre Estado e sociedade civil.

A complexificação da ação coletiva no Brasil deve-se, entre outros fatores, a criação


de espaços extra-institucionais, em paralelo com os canais de participação consagrados,
como o Estado, assim como outras instâncias de participação, tais quais partidos políticos e
sindicatos (BOSCHI, 1987: 38). A novidade dos movimentos sociais que emergiram no
Brasil no período compreendido entre 1970 e toda a década de 1980 foram, de fato, a
possibilidade de uma ação complementar entre movimentos sociais, Estado, partidos e
entidades de classe, sem agravo de uma ou outra instância.

A maturação de “novas identidades coletivas” (SADER, 1988) é mais um


importante vetor do processo de abertura política. As expressões dos trabalhadores
apresentadas entre os anos 70 e ao longo da década de 1980 concentraram-se na
reivindicação de direitos fundamentais, como moradia, educação, direitos do trabalho e as
relações trabalhistas (CARDOSO, 2002; RAMALHO, 2008), via ação do movimento
sindical, além da projeção das demandas dos trabalhadores rurais e domésticos (FRAGA,
2009), que foram encaminhadas à Constituinte por meio de emendas populares
(BRANDÃO, 2011:38) e contemplados posteriormente no texto Constitucional aprovado.
O sentido atribuído ao termo “povo” ganha importância neste contexto e faz dos novos
atores “personagens centrais da vida pública” (DOIMO, 1995: 75).

A construção da vontade política dos setores populares brasileiros relaciona-se


sensivelmente com a trajetória de luta contra a ditadura militar. Uma nova cultura política
foi criada a partir de processos sociais que articularam a sociedade em torno de uma
retórica pró-direitos e liberdades. Neste sentido, a Constituição Federal é obra da
consciência dos atores que vislumbraram a construção da democracia. O militante, o
sindicalista, os presidentes, assessores e demais representantes dos movimentos são vetores

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para o entendimento dos conceitos gerais que estão presentes no texto constitucional. Suas
falas aparecem como importantes bússolas para a compreensão da mentalidade que
permeou a elaboração da Constituição de 1988. Mais do que isso, são concepções do
pensamento político de uma época. Os depoentes do campo popular são, portanto, legítimos
produtores de conhecimento, cujos conceitos e argumentos, sejam quais forem suas origens,
são ferramentas para o entendimento do momento político da sociedade representada na
ANC.

A definição do campo de análise da ANC estabelece o compromisso de observar, a


partir dos temas das subcomissões temáticas, os principais elementos ideológicos que
estavam em disputa. As audiências públicas foram espaços de construção da cidadania e
participação popular (JÚNIOR, 1987: 9) e, claro, de elaboração de certo tipo de
pensamento político. Os parâmetros de tal modo de pensar e agir politicamente são
baseados na maneira como os atores compreenderam os próprios temas e seus espaços de
militância e os transmitiram nas suas elocuções. Ideias e conceitos, argumentos e disputas
retóricas denotam as formas de pensamento e comportamento das numerosas forças sociais
emergentes e expõem os traços da consciência e do pensamento dos principais atores
envolvidos no processo, a partir dos discursos elaborados em princípio e o debate com
interlocutores situados em um lugar privilegiado da vida política.

(...) “os grupos sociais explicitam suas visões de mundo por meio de formas de
pensamento: são formas de pensamento que carregam em seu bojo as principais
determinações de realidades mais ponderáveis, que estiveram presentes no
instante mesmo de sua elaboração”. (MOTA, 2008: 45).

A “elaboração de formas de pensamento e a cristalização de conceitos” (Ibid: 45)


nos parece um problema central para a análise dos pronunciamentos dos depoentes. A
trajetória dos movimentos sociais e demais grupos produziram raciocínios que agregam
pautas específicas a temas mais gerais e conceitos eivados de conteúdo ideológico forte, os
quais determinaram os lugares sociais de tais atores. As clivagens que marcaram as disputas
durante a luta pelo restabelecimento da democracia são reveladas pelo discurso e conteúdo
argumentativo. Ademais, o tipo de conceituação mobilizado para sustentar os argumentos
também caracteriza certo tipo de modus operandi dos grupos sociais em plenário.

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Perspectivas gerais na ANC

As discussões sobre os vários temas abordados nas subcomissões temáticas da ANC


obedeceram a uma dinâmica singular apresentada pelos próprios assuntos, os quais
demandavam especial atenção e tratamento específico. Por suposto, cada matéria
requisitava certo tipo de argumentação e debate. Algumas de natureza mais técnica, outras
baseadas nas experiências de vida e na militância dos depoentes. Fato é que, mesmo com
temas tão distintos, alguns conceitos eram acionados, a fim de sustentar o argumento
apresentado. A tese geral é a de que a democracia deveria ser radicalizada e vivenciada em
todas as instâncias de governo e poder, sem distinções ou privilégios. Mas, qual
democracia? Qual era a idéia comum entre os participantes oriundos dos quadros –
populares ou não - da sociedade civil? Falar da democracia como um valor a ser perseguido
é, pois, uma tendência que está presente em muitas análises do período. Claro, o entusiasmo
associativista deixou bastante evidente o que estava em jogo naquele contexto. Entretanto,
este processo demanda maior problematização, sobretudo, no que diz respeito às
características mais interessantes presentes no pensamento dos depoentes convidados.

A retórica popular e participação acalorada imprimiram uma dinâmica única a um


contexto no qual os atores principais seriam, por princípio, os deputados e senadores
constituintes, cujas falas e decisões são naturalmente legitimadas. As representações
populares garantiram uma disputa interna acerca da validação e pertinência dos discursos e
dos atores. De fato, as consequências da participação popular ao longo da ANC apontam
que o repertório de ação dos movimentos sociais, construído em suas lutas cotidianas e
através do diálogo com as esferas institucionais, direcionou – com algumas ressalvas - o
escopo do texto final da Constituição.

A retórica popular sobre cidadania e direitos na ANC: alguns exemplos de


ressignificação

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A seguir, trabalharemos alguns trechos de depoimentos selecionados a partir da
leitura sistemática dos registros taquigráficos/atas da ANC. O objetivo é, justamente,
apresentar preliminarmente quatro argumentos/juízos que dão conta dos conceitos de
cidadania e direitos, e que podem lançar luz ao que chamamos de retórica popular, uma
série concepções sobre temas relacionados ao momento político do país em vias de
redemocratização. A perspectiva dos setores populares é colocada sob escrutínio, a fim de
se compreender o que importava a sociedade brasileira pós-ditadura militar.

Cidadania

Jaqueline Pitangui – Pres. Do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher

Assunto: A saúde da mulher

A questão da saúde se insere, portanto, nos parâmetros mais amplos dos conceitos de
organização social, democracia e cidadania. É neste campo que gostaríamos de situar nosso
pronunciamento. De fato, o estabelecimento de novas relações entre Estado e a Sociedade
passa, necessariamente, pela redefinição do conceito de cidadania que, em diferentes momentos
históricos e conjunturas políticas, adquire significados diversos. Sabemos assim que, hoje, ao
discutirmos a questão da saúde como um direito estamos considerando que o exercício pleno da
cidadania requer, não apenas o reconhecimento de direitos civis e dos direitos políticos, mas
também o reconhecimento dos chamados direitos sociais. Neste sentido, o conceito de
cidadania já não se resume a idéia, própria ao liberalismo clássico, de proteção do indivíduo
frente ao Estado, mas incorpora o direito a participação nas decisões públicas bem como a
necessidade de que o indivíduo tenha assegurado garantias para o exercício dos direitos civis e
sociais. E mais, o conceito de cidadania define deveres do Estado frente ao cidadão.

Como já mencionei, a expansão do conceito de cidadania se verifica pelo alargamento dos


direitos e deveres que ele passe a englobar. Ao apresentarmos a esta Assembléia Nacional
Constituinte propostas em torno dos direitos da saúde e da reprodução e ao reivindicarmos uma
participação eficaz e urgente do Estado para que possamos exercer, de fato, tais direitos,
trazemos em nossa bagagem a experiência histórica da resistência à opressão e da luta contra
definições legais, hábitos e costumes que atribuem a nós, mulheres, o papel de cidadãs de
segunda categoria.

Antônio Ernesto de Salvo – Presidente da Federação de Agricultura do Estado de


Minas Gerais (FAEMIG)

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Assunto: Problema fundiário

Diria que o campo precisa de algumas condições, para cumprir a sua missão, e a primeira delas
é a paridade da cidadania. Não podemos ter dois brasileiros neste País: o brasileiro urbano e o
rural. Esse homem do campo – invoco o testemunho dos que os conhecem bem, acredito que V.
Ex.ª seja um deles – vivem em condições altamente deficientes de saúde, de moradia, de
educação, de legislação trabalhista, previdenciária, de transporte e de lazer e, sem dúvida
nenhuma, a paridade econômica.

A questão da cidadania foi tratada por parte dos setores populares a partir de
questões prementes aos grupos de interesse representados na ANC. Os atores sociais
convidados a participar da Constituinte pensaram os conceitos e ideias a partir de questões,
exemplos e vivências muito localizadas, as quais foram utilizadas para sustentar
argumentos e juízos mais gerais. Nos casos selecionados, dois temas importantes para o
avanço dos direitos sociais no Brasil foram utilizados como vetores principais da
argumentação. São eles: a saúde da mulher e a questão fundiária. O que chama atenção nas
falas é, justamente, a percepção da necessidade do alargamento da cidadania no Brasil
democrático. Segundo os depoentes, é fundamental que se pense em um novo sentido para
a cidadania, o qual dê conta dos novos arranjos societários e institucionais.

Uma nova concepção de cidadania deveria ser pensada, portanto, ao largo de uma
ideia importada ou ainda um juízo abstrato, especulativo. As idiossincrasias de uma nova
sociedade em formação, uma vez que se encontrava com a democracia, serviram de alicerce
para o que se deveria considera como cidadania. A expansão dos direitos sociais e o
reconhecimento da igualdade de todos os cidadãos deveria, de acordo com as falas, balizar
a cidadania no Brasil democrático.

Direitos

Paulo Roberto Guimarães Moreira – Representante dos deficientes físicos

Assunto: reivindicações das minorias

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Acabarmos de ouvir toda uma sessão voltada para uma política da energia, que
está preocupada com a questão da administração da energia a que, enfim, é a
questão econômica fundamental, mas está preocupada também com o problema
mais importante da humanidade, que é problema do desarmamento. Estou aqui
representando o fruto negativo dessa política, enquanto imagem de portador de
deficiência. Não falo em nome dos portadores de deficiência nem das minorias,
porque sou branco, homem e tenha toda uma característica de poderoso, um
sujeito que tem um curso superior. Mas uma coisa tem de ficar bem clara na
nossa cabeça – desenvolvimento não é envolvimento com capital internacional.

Este País, a partir do Plano de Metas, envolveu-se completamente com a capital


internacional e o resultado é este que está desenvolvimento é um movimento de
dentro para fora, senão não é desenvolvimento. (...) Desenvolvimento não é
afirmação de virtudes. Toda essa política de vanguarda são virtudes muito
interessantes. Mas a exacerbação de virtudes é um vício.

(...) Todos os seres humanos são abstratamente iguais e, particular e


singularmente diferentes perante a lei. A igualdade abstrata e as diferenças
particulares e singulares, quando desrespeitadas ativa ou passivamente, é urna
violação da liberdade e deve ser punida como um atentado ou discriminação aos
direitos humanos. Fazem parte desse atentado à liberdade, a discriminação por
sexo, raça, trabalho, credo religioso, convicções políticas, condições sociais ou
por ser portador de deficiência de qualquer ordem. Será punida por lei toda
discriminação atentatória aos direitos humanos. Ora, a questão é
fundamentalmente de direito. E o nosso direito fundamental não é simplesmente
ser visto como ser humano, como brasileiro ou como eleitor, porque na hora de
votar não conseguimos votar. Que respeitem e nossa diferença, particulares
porque um é paraplégico, outro é preto, outro é mulher. Se me colocar em nível
de igualdade com qualquer cidade eu, não consigo entrar no banheiro. Então essa
igualdade é uma falácia. Somos iguais, particular e singularmente diferentes ao
mesmo tempo. Somos iguais abstratamente e somos particular e singularmente
diferentes ao mesmo tempo. Essa é uma proposta dialética. A nossa sociedade
precisa deixar de vero mundo com a ótica formal aristotélica, porque está
superada há muito tempo.

A questão dos direitos aparece, aqui, amparada no princípio da igualdade para


todos. O depoente se reporta a uma categoria específica (os deficientes) para falar sobre a
situação de exclusão e preconceito das chamadas minorias. Ao lembrar da igualdade
abstrata, conceito que vai nortear a Constituição de 1988, o convidado fala, na verdade, das
formas arraigadas de preconceito e constantes violações dos direitos humanos e sociais. A
fala selecionada afirma a importância da garantia dos direitos dos vários grupos sociais que
pleiteiam por cidadania e que, na prática, estão alijados da participação na vida política. A
igualdade torna-se uma “falácia”, na medida em que, mesmo quando se asseguram os
direitos políticos – como o direito ao voto -, no cotidiano, alguns setores sociais não se
sentem cidadãos. O lugar do deficiente em uma sociedade pensada para pessoas sem

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problemas de locomoção fornece o exemplo a respeito da falta de igualdade de direitos na
sociedade. A expansão da cidadania não fica restrita, portanto, ao reconhecimento jurídico
dos grupos sociais, mas da efetivação das leis que garantam a igualdade para todos. Em
outros termos, reconhecer a diferença é promover a igualdade e os direitos.

Conclusão

O trabalho pretendeu esboçar um quadro geral do momento constituinte brasileiro,


no que diz respeito ao tratamento das categorias cidadania e direitos A exposição dos
argumentos dos grupos participantes, a partir de trechos dos seus depoimentos nas
subcomissões temáticas apresenta não apenas o pensamento político sobre temas
primordiais para tais setores mas, sobretudo, revela os dilemas e questões que ainda estão
em aberto na sociedade brasileira.

A Constituição Federal de 1988 é reconhecidamente muito avançada em relação aos


direitos das minorias. No entanto, algumas lacunas no seu texto ainda repercutem no
contexto atual, gerando debates e desdobramentos diversos. Os excertos presentes no texto
revelam uma preocupação com o papel do Estado e com o tipo de políticas públicas que se
pretende executar. De fato, muitas das demandas encaminhadas ainda estão em disputa na
sociedade e exigem constante fiscalização e articulação dos movimentos sociais. A retórica
popular e a ressignificação de conceitos primordiais para o texto Constitucional é, portanto,
um esforço dos setores sociais que, historicamente, foram apartados do jogo político.

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Bibliografia

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SADER, Eder. Quando novos personagens entram em cena. Rio de Janeiro: Paz eTerra,
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