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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – UFPB

CENTRO DE COMUNICAÇÃO, TURISMO E ARTES – CCTA


DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO MUSICAL – DEM
CURSO DE LICENCIATURA EM MÚSICA

APOSTILA DA DISCIPLINA
METODOLOGIA DO ENSINO DO INSTRUMENTO I
PROFESSOR
FÁBIO H. G. RIBEIRO

João Pessoa
Fevereiro de 2016
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

Índice

Apresentação ..................................................................................................................... 2
Plano de Ensino ................................................................................................................. 3
Cronograma de Atividades ................................................................................................ 6
Parte A – Ensino de instrumento na educação básica ....................................................... 7
Texto 1 – Por que vamos ensinar música na escola? Reflexões sobre conceitos,
funções e valores da educação musical escolar ....................................................... 7
Texto 2 – Algumas considerações a respeito do ensino de instrumento: trajetória e
realidade ................................................................................................................. 23
Texto 3 – A visão dos professores de música sobre as competências docentes
necessárias para a prática pedagógico-musical no ensino fundamental e médio .. 38
Parte B – Propostas metodológicas para o ensino de instrumento .................................. 47
Texto 4 – O ensino de música extracurricular na Escola Técnica Federal em
Florianópolis/SC: relato de experiência sobre uma oficina de improvisação
musical realizada ................................................................................................... 47
Texto 5 – Reflexões sobre o ensino coletivo de instrumentos na escola ............... 53
Texto 6 – Software musical e sugestões de aplicação em aulas de música ........... 60
Texto 7 – Métodos e manuais para ensino de instrumento: olhares de alunos de
um Curso de Licenciatura em Música ................................................................... 69
Parte C – Pontos convergentes no ensino de instrumento .............................................. 77
Texto 8 – Aprendizagem musical e desenvolvimento ........................................... 77
Texto 9 – A música e o cérebro: algumas implicações do neurodesenvolvimento
para a educação musical ...................................................................................... 105
Texto 10 – A contribuição da neurociência na questão da memorização no
aprendizado pianístico ......................................................................................... 115
Texto 11 – A relação músico-corpo-instrumento: procedimentos pedagógicos..123
Texto 12 – O Repertório na aula de violão: um estudo de caso .......................... 131
Parte D – Elaboração de propostas pedagógicas para o ensino de instrumento na
realidade da educação básica ........................................................................................ 137
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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

Apresentação

Diante das demandas emergentes no campo da educação musical e, consequentemente,


da necessidade de profissionais cada vez mais bem qualificados, os professores de música
precisam manter suas práticas educativas atualizadas e em coerência com a realidade na qual
se inserem. Nesse sentido, a disciplina Metodologia do Ensino do Instrumento I busca lançar
algumas luzes sobre aspectos importantes para a formação de um professor mais bem
capacitado. De forma mais específica e sucinta, a disciplina pretende trabalhar as bases
metodológicas do ensino do instrumento na educação básica.
Na tentativa de facilitar o trabalho pedagógico, esta apostila foi elaborada a partir da
compilação de textos básicos para a compreensão dos principais aspectos conceituais e
metodológicos do ensino de instrumento no contexto da educação básica. É importante
ressaltar que alguns deles não tratam diretamente do ensino de instrumento, mas são
importantes para a compreensão do contexto de trabalho e das habilidades e competências
necessárias a um professor de música, assim como para o delineamento das reflexões. Desse
modo, os textos servirão como base para as discussões em sala de aula, bem como para outras
atividades didáticas e avaliativas. Para isso, eles estão distribuídos de forma a contribuir para
que o aluno possa: (1) compreender o ensino de instrumento no contexto da educação básica;
(2) conhecer algumas possibilidades metodológicas; (3) identificar e compreender os aspectos
mais comuns no ensino de instrumentos em geral; e (4) elaborar propostas metodológicas
para o ensino de instrumento na realidade da educação básica, com base nas informações e
reflexões desenvolvidas.
O que espero com este material é apenas apontar alguns direcionamentos, que podem
ser escolhidos e aprofundados de acordo com as preferências e a identificação de cada um
com os temas propostos. Nesse sentido, outras referências são apontadas no plano de ensino,
extrapolando os escritos compilados, a fim de que os alunos possam buscar outras leituras.
Por fim, desejo que tenhamos um excelente semestre letivo e que a disciplina seja um
passo importante em nossa trajetória acadêmica e profissional!

Fábio H. G. Ribeiro
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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

Universidade Federal da Paraíba – UFPB


Centro de Comunicação, Turismo e Artes
Departamento de Educação Musical
Curso de Licenciatura em Música

PLANO DE ENSINO

CARGA HORÁRIA
DISCIPLINA
TOTAL TEÓRICA PRÁTICA

Metodologia de ensino do instrumento I 30 h/a

DEPARTAMENTO

Educação Musical

CURSO ANO/SEMESTRE

Licenciatura em Música 2015 / 2

PROFESSOR

Fábio H. G. Ribeiro

EMENTA
As bases metodológicas do ensino de instrumento e suas possibilidades de aplicação no
universo de ensino da música na educação básica, enfocando suas distintas concepções e
práticas pedagógicas para a formação musical nesse contexto.

OBJETIVOS
Geral: Ao final da disciplina, o aluno deverá ser capaz de dominar os principais aspectos
conceituais e metodológicos do ensino de instrumento no universo da educação básica,
buscando planejar e avaliar de acordo com as implicações deste contexto.
Específicos:
- Refletir sobre as atuais demandas e perspectivas para o ensino de instrumento na educação
básica;
- Conhecer as principais possibilidades curriculares e extra-curriculares para a prática do
ensino de instrumento na atualidade;
- Identificar e analisar os aspectos metodológicos em comum no ensino de instrumentos
diversos;
- Propor alternativas pedagógicas contextualizadas com a realidade da educação básica.

CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
- Ensino de instrumento na educação básica
- Perspectivas conceituais e pedagógicas
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METODOLOGIA/ATIVIDADES DIDÁTICAS

ESTRUTURA(S) DE APOIO/RECURSOS DIDÁTICOS

AVALIAÇÃO

Aspectos a serem avaliados:

Instrumentos de avaliação:
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BIBLIOGRAFIA

Per Musi

Opus

Per Musi

Opus

Per Musi

Opus

Opus

Ensino de Música

Revista da ABEM

Revista da ABEM

Revista da ABEM

Revista da ABEM

Per Musi
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SOUZA, Maycon José de; MACHADO, Daniela Dotto. O ensino de música extracurricular na
Escola Técnica Federal em Florianópolis/SC: relato de experiência sobre uma oficina de
improvisação musical realizada. XIV Encontro Nacional da ABEM. Anais... Belo Horizonte,
2005.

SLOBODA, John. Aprendizagem musical e desenvolvimento. In.: A mente musical: a


psicologia cognitiva da música. Tradução de Beatriz Ilari e Rodolfo Ilari. Londrina: EDUEL,
2008.

TOURINHO, Cristina. Reflexões sobre o ensino coletivo de instrumentos na escola. I


Encontro Nacional de Ensino Coletivo de Instrumento. Anais... Goiânia, 2004. p. 37-43.

Cronograma de atividades

Aula Data Atividade/Conteúdo


1 Aula expositiva / Ensino de instrumento na educação básica
2 Aula expositiva / Ensino de instrumento na educação básica
3 Aula expositiva / Ensino de instrumento na educação básica
4 Aula expositiva / Possibilidades curriculares e extra-curriculares
5 Aula expositiva / Música e coletividade
6 Aula expositiva / Alternativas tecnológicas
7 Seminário / Manuais e métodos
8 Seminário / Manuais e métodos
9 Aula expositiva / Ptos convergentes (aprendizagem e desenvolvimento)
10 Aula expositiva / Pontos convergentes (A música e o cérebro)
11 Aula expositiva / Pontos convergentes (Memória musical)
12 Aula expositiva / Pontos convergentes (Músico-corpo-instrumento)
13 Aula expositiva / Pontos convergentes (Repertório)
14 Elaboração de propostas pedagógicas
15 Elaboração de propostas pedagógicas

Proposta de avaliação final:


Produção de um artigo científico sobre o tema:
Ensino de instrumentos na educação básica: aspectos conceituais e pedagógicos
- Outros aspectos relativos à produção do artigo serão discutidos e estabelecidos em sala de
aula.
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Por que vamos ensinar música na escola?


Reflexões sobre conceitos, funções e valores da educação musical escolar

Ana Carolina Nunes do Couto (UFPE)


Israel Rodrigues Souza Santos (UEMG)

Resumo: O fato de o Brasil não possuir uma tradição em ensinar música na escola regular
pode levar a diferentes percepções da sociedade sobre essa atividade. Ideias equivocadas sobre
conteúdos, formas e funções podem comprometer o retorno da Educação Musical como
componente curricular obrigatório - garantido através da lei 11.769/08. Neste sentido, o
presente artigo traz uma revisão literária sobre os motivos que tornam válida a aula de música
no contexto escolar. O texto aponta determinados valores tradicionalmente atribuídos à
musica e ao seu ensino, valores ainda hoje utilizados como argumentos de justificativa para sua
presença na escola.
Palavras-chave: educação musical; ensino médio; políticas educacionais.

Abstract: The fact that Brazil does not have a tradition of music teaching in public schools can
lead to different perceptions of the society about this activity. Misconceptions about its
contents, forms and functions can compromise its value as a required curricular component –
as prescribed in the law 11.769/08. In this sense, this article reviews the literature that has
provided reasons for the importance of teaching music in the context of public schools. This
article points out to certain values traditionally attributed to music and its teaching, which are
still used to justify its presence in public schools.
Keywords: music education; middle school; educational policies.
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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

A
inexistência de uma tradição em se ensinar música na escola regular no Brasil pode
levar a diferentes ideias da sociedade a respeito dos conteúdos, objetivos e
funções dessa disciplina. Partindo deste pressuposto, é importante refletir sobre o
papel que a música deve desempenhar na escola regular, bem como suas funções e valores,
para que seu retorno à escola (lei 11.769/2008) aconteça de uma forma bem compreendida
e fundamentada pela comunidade de educadores musicais.

Delimitação de conceitos

A falta de compreensão sobre o que é educação musical, o quê ela aborda e como o
faz, é uma das principais causas da dificuldade que se tem em justificar sua presença na
educação formal básica do indivíduo. Terminologias da área, como musicalização, educação
musical, ou até mesmo o próprio conceito de música, são constantemente concebidas de
forma equivocada, tornando o trabalho do profissional que lida com a educação musical
uma verdadeira incógnita para muitos. De acordo com Hentschke, talvez a explicação para
a falta de entendimento que a sociedade tem sobre o que é educação musical “esteja ligada
à própria concepção que o homem ocidental tem da arte, ou seja, do seu engajamento com
o processo criador em geral, ou ainda pela ideia generalizada de que arte refere-se a um
inatingível processo subjetivo” (HENTSCHKE, 1991, p. 57).
As artes, em geral, são tipos de linguagens que intencionam expressar sensações
e/ou sentimentos, contudo, sem o mesmo grau de automatismo e comunicabilidade da
linguagem falada (DUARTE JUNIOR, 1991, p. 46-47; PENNA, 1991, p. 22). No caso
específico da música, as ideias e sentimentos do homem seriam expressos em formas
sonoras (SWANWICK, 2003, p. 18). Por serem criadas pelo homem, tais formas estão
vinculadas ao tempo e ao espaço, e as combinações de seus elementos ocorrem de
maneiras diferentes em cada época e local, determinando o que chamamos de “estilo”.
Assim, a linguagem musical é uma linguagem socialmente construída e compartilhada, o que
significa que pode ser também estudada e compreendida (PENNA, 1991, p. 20-21). Nesta
perspectiva, abandona-se a ideia de que o estudo da arte, e da música, mais especificamente,
seja um processo tão subjetivo a ponto de ser inatingível.
Para que a linguagem musical seja compreendida e compartilhada, há a necessidade
do conhecimento de seus códigos. Esse conhecimento, segundo Penna, pode ser adquirido
não apenas na escola, mas também de maneira dita “informal”, pela vivência, pelo contato
cotidiano, o que leva à sua familiarização (PENNA, 1991, p. 20-21). De acordo com
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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

Swanwick, para que haja a compreensão da música e sua linguagem, ela precisa ser vista
como uma “forma simbólica com camadas de significados” (SWANWICK, 2003, p. 50).
Swanwick remete a quatro elementos para definir o que ele chama de “discurso”
artístico, o que colabora na compreensão da música enquanto linguagem. São eles:

Internamente, representamos ações e eventos para nós mesmos: nós imaginamos.


Reconhecemos e produzimos relações entre essas imagens.
Empregamos sistemas de sinais, vocabulários compartilhados.
Negociamos e trocamos nossos pensamentos com outros.

Esses elementos, intercalados, caracterizam o pensamento e a produção nas artes, tanto


quanto em deliberação filosófica, racionalização científica ou pensamento matemático. [...]
Minha tese é que o fenômeno dinâmico da metáfora serve de base a todo discurso
(SWANWICK, 2003, p. 23).

O autor argumenta que, ao compreender a música enquanto discurso, o indivíduo


é capaz de trabalhar internamente conhecimentos previamente adquiridos, mas agora em
um novo contexto, assimilando-os em uma nova situação. Assim, confere-lhe novo
significado, tal qual no processo da metáfora. Segundo ele, “o processo metafórico reside
no coração da ação criativa, capacitando-nos a abrir novas fronteiras, tornando possível
para nós reconstituir ideias, ver as coisas de forma diferente” (SWANWICK, 2003, p. 26).
A educação musical existe para auxiliar o indivíduo a alcançar esta compreensão
da música enquanto linguagem. Para o desenvolvimento, manifestação e mesmo para a
avaliação desta compreensão, a pessoa pode utilizar-se das modalidades do “fazer musical”,
conhecidas como execução, onde se faz música através da execução instrumental e/ou vocal;
da apreciação, que é a modalidade na qual a pessoa ouve música de maneira crítica e
participativa; e também da composição, que implica na criação musical através da
manipulação dos elementos da música (FRANÇA; SWANWICK, 2002). Assim, a educação
musical pode envolver diversos estágios da aprendizagem musical, indo dos seus primórdios
até graus mais elevados de instrução, como por exemplo, em níveis superiores da
educação.
A primeira etapa da educação musical é chamada de musicalização (PENNA, 1991,
p. 37). Nessa fase o educador musical busca desenvolver no indivíduo os instrumentos de
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percepção básicos, necessários para que este compreenda o material sonoro de maneira
significativa, enquanto linguagem artística, ou como prefere Swanwick (2003), enquanto
discurso. Contudo, o nível de domínio dos códigos musicais durante a etapa da
musicalização seria diferente do de um profissional, por se ater ao fornecimento de “um
referencial básico, [d]os esquemas de percepção necessários para sustentar uma disposição
de se apropriar de obras musicais” (PENNA, 1991, p. 43). Penna tem o cuidado de ressaltar
que, diferentemente do que comumente se acredita, a musicalização não é um processo
dirigido exclusivamente ao público infantil, mas sim a qualquer faixa etária, embora haja a
necessidade de adaptação da linguagem, dos estímulos motivacionais, do repertório, e o
respeito pela capacidade de abstração de cada faixa etária específica (p. 53).
Um eixo básico comum sugerido por Penna para o trabalho metodológico com a
musicalização envolveria primeiramente a vivência musical, a qual permitiria a “atividade
perceptiva” (PENNA, 1991, p. 53). Em seguida, há a formação de conceitos fundamentais da
linguagem musical, seu reconhecimento e identificação. Tais aspectos devem acontecer
através de atividades que promovam a formação de imagens auditivas e de representações
simbólicas; e atividades de expressão para que os conceitos aprendidos sejam aplicados. Tal
ação pedagógica deve ser capaz de dar condições para a “compreensão crítica da realidade
cultural de cada um” (p. 33). Processo semelhante é também descrito por Martins, o qual
afirma que a aprendizagem musical passaria primeiramente por um momento do
desenvolvimento da percepção, onde se deve focar determinado elemento para a atenção
do indivíduo. Em seguida teríamos “operações internas de classificação, de categorização e
de organização”, momento onde aconteceria a formação de conceitos (MARTINS, 1985, p.
19).
Na etapa da musicalização, diversos autores alertam para a necessidade de tornar
o processo significativo para o aluno (ARROYO, 1990; FREIRE, 2001; GROSSI, 1990). Isso
implica a não redução do trabalho na pura focalização dos elementos musicais, como por
exemplo, a altura, duração, intensidade, andamento, timbre, etc., esquecendo do caráter
musical, pois a “linguagem musical é uma linguagem artística e expressiva, e deverá ser
apreendida enquanto tal” (PENNA, 1991, p. 49). Para Swanwick esses elementos seriam
apenas “materiais” sonoros, e apenas uma maneira de analisar a experiência musical. O
educador musical deve estar consciente de que existe a necessidade de ultrapassar a
simples conceituação e reconhecimento de tais elementos, e fazê-los adquirir sentido
dentro do contexto musical, caso contrário não haverá nenhum envolvimento nos níveis
metafóricos do discurso musical (SWANWICK, 2003, p. 59). Martins adverte para que
tentativas de explicar a percepção a partir do conceito, ao invés da própria percepção deste
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conceito, não evoluam “em um significado musical, o que transforma o estudo de música
numa atividade pseudoteórica, estéril e antimusical” (MARTINS, 1985, p. 19).
Ao compreendermos a musicalização enquanto uma etapa dentro da educação
musical, automaticamente colocamos esta última dentro de uma processo mais amplo. Ela
pode atingir fases que ultrapassam a musicalização, podendo, por exemplo, abordar a
notação musical enquanto representação simbólica convencionada (PENNA, 1991, p. 36). Já
a musicalização trabalharia nos níveis da concreticidade sonora.
Com os pressupostos acima citados, acreditamos que a discussão que se segue a
respeito do papel da educação musical na formação básica do indivíduo, bem como do que
é ensinado e de como se almeja fazê-lo, estará melhor situada. Sintetizando essa seção, de
acordo com Swanwick, “em educação musical a principal meta é, certamente, trazer a
conversação musical do fundo de nossa consciência para o primeiro plano” (SWANWICK,
2003, p. 50).

O papel da Educação Musical na educação formal do indivíduo

Como mencionado anteriormente, o processo de educação musical pode


acontecer de maneira “natural”, ou também dita “informal” (PENNA, 1991, p. 22). Tal fato
pode dificultar uma tentativa de explicar qual seria, então, a função de um trabalho com a
música nas escolas, já que tal processo independeria, até certo ponto, dela.
Apesar de processos não-formais de musicalização estarem presentes na vida de
muitas pessoas, eles não seriam equivalentes, obtendo resultados distintos que
dependeriam diretamente das condições socioculturais de cada um (PENNA, 1991, p. 23).
Neste sentido, a escola, e mais especificamente a escola pública – entidade aberta a todas as
classes e, portanto, um espaço democrático por excelência – seria o espaço ideal para
promover o acesso à linguagem musical a todos que dela participem (LOUREIRO, 2004, p.
66; PENNA, 1991, p. 25-26; QUEIROZ; MARINHO, 2007, p. 70).
Encontramos diversos motivos que legitimam a presença e a necessidade do
ensino artístico nas escolas. O primeiro deles invoca o fato de que as artes e suas diferentes
formas de manifestações são produtos do homem, e por isso uma forma de registro de sua
própria história (SANTOS, 1990, p. 49).
Duarte Júnior (1991) acredita que o ensino das artes permite que o indivíduo
reconheça e eduque o seu próprio processo de sentir, que fora perdido numa concepção
de mundo onde a “primazia da razão”, a “primazia do trabalho” e “a natureza infinita”
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orientam o comportamento e pensamento do mundo ocidental (DUARTE JUNIOR, 1991,


p. 63-77). Neste sentido, o ensino das artes contribuiria para que houvesse o resgate da
capacidade do homem de criar um sentido pessoal que oriente sua ação no mundo. De
acordo com suas palavras:

Encontrando nas formas artísticas Simbolizações para os seus sentimentos, os indivíduos


ampliam o seu conhecimento de si próprios através da descoberta dos padrões e da
natureza de seu sentir. Por outro lado, a arte não possibilita apenas um meio de acesso ao
mundo dos sentimentos, mas também o seu desenvolvimento, a sua educação. Como,
então, podem ser educados e desenvolvidos os sentimentos? Da mesma forma que o
pensamento lógico, racional, se aprimora com a utilização constante de símbolos lógicos
(linguísticos, matemáticos, etc.), os sentimentos se refinam pela convivência com os
Símbolos da arte. [...] Conhecer as próprias emoções e ver nelas os fundamentos de nosso
próprio “eu” é a tarefa básica que toda escola deveria propor, se elas não estivessem
voltadas somente para a preparação de mão-de-obra para a sociedade industrial (DUARTE
JUNIOR, 1991, p. 66-67).

Poder-se-ia dizer então que o papel da educação musical na vida escolar dos
indivíduos seria o de democratizar o acesso à linguagem musical, a partir de um
engajamento dos educadores musicais com uma sólida fundamentação teórica que conduza
sua prática nesse ambiente, buscando ações que possibilitem o desenvolvimento perceptivo
para as diferentes manifestações musicais que nos cercam.

Reflexões sobre os Valores da Educação Musical

Notamos a importância e o valor que determinada área do conhecimento possui


para uma determinada sociedade na medida em que analisamos a estruturação de seu
currículo escolar. O ínfimo espaço atual concedido às artes na escola, e a virtual inexistência
da música, demonstra que esta não faz parte do que se estabeleceu como “importante”
pelo senso comum de nossa sociedade (HENTSCHKE, 1991, p. 56). Duarte Júnior
menciona que o intelectualismo de nossa sociedade é reforçado dentro do ambiente
escolar, onde o que é considerado relevante é apenas aquilo que se pode conceber
racionalmente, logicamente, e as artes não se enquadram nesta perspectiva (DUARTE
JUNIOR, 1991, p. 66). Logo, o papel que a música desempenha numa escola que a encara
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desta forma restringe-se apenas ao lúdico, a um mero lazer e divertimento, em contraste


com “as atividades “úteis” das demais disciplinas” (p. 81).
Hentschke (1991) levanta a questão da necessidade de uma conscientização dos
valores da música e da educação musical entre os agentes de toda prática educacional. Essa
autora, baseada na literatura ocidental de educação musical e em fundamentos encontrados
em diversas áreas, como a filosofia, a sociologia, a psicologia e etnomusicologia, discute
como tais valores sofreram transformações ao longo da história, causando consequências
na estruturação dos currículos em cada época. Fonterrada reforça tal pensamento, ao
afirmar que “o impacto que determinada profissão pode ter na sociedade depende, em
grande parte, do entendimento do que ela tem a oferecer” (FONTERRADA, 2005, p. 11).
Assim, essas duas autoras discutem como a falta de compreensão sobre os valores da
música e da educação musical afetam a inserção do ensino de música nas escolas regulares
brasileiras.
Merriam (apud SWANWICK, 2003, p. 47) identifica e categoriza determinadas
funções que a música geralmente desempenha na sociedade. Swanwick no entanto, tem o
cuidado de separar tais categorias em duas listas distintas. Na primeira lista encontram-se as
categorias que possuem um caráter com potencial para o desenvolvimento do discurso
simbólico, que são: “expressão emocional”, “prazer estético”, “comunicação” e
“representação simbólica”. De acordo com o autor, essas funções simbólicas teriam
“potencial tanto para a transmissão quanto para a transformação cultural” (p. 49). Portanto,
tais funções seriam as mais apropriadas aos objetivos de uma educação musical que busca o
desenvolvimento da linguagem musical enquanto discurso simbólico.
A segunda lista que Swanwick faz sobre as categorias de Merriam, enquadra as
funções da música vinculadas ao apoio e/ou reprodução cultural. São eles: “reforço da
conformidade a normas sociais”, “validação de instituições sociais e rituais religiosos”,
“contribuição para a continuidade e estabilidade da cultura”, “preservação da integração
social”. Já que tais categorias não tendem a criar ou encorajar a exploração metafórica, não
seriam, de acordo com Swanwick (2003, p. 49), funções a serem atribuídas à educação
musical. Contudo, isso não significa que não possam estar presentes, desde que não
ocupem o objetivo primeiro da Educação Musical.
Conhecer e discutir tais valores é importante para que o fazer musical seja
concebido como interligado à outras áreas do conhecimento humano, demonstrando assim
“que a questão do acesso ao fazer artístico ultrapassa a do lazer ou da indústria do
entretenimento” (FONTERRADA, 2005, p. 10-11). Tais valores serão discutidos de forma
mais aprofundada na sequência.
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Valor Estético

A estética é uma área do conhecimento humano ligada aos efeitos que


determinada criação artística pode causar no homem. Estamos falando então sobre a
interação do sujeito com os efeitos que a obra artística, nesse caso a música, lhe
proporciona numa dimensão afetiva.
Ao falar do valor estético entramos numa dimensão muito pessoal, pois as
percepções acerca do belo, de certo modo, podem ser parecidas na linguagem oral, mas as
sensações são particulares e correspondem a uma interação do universo de cada pessoa
com o objeto/música a ser apreciado e não podem ter significação unicamente conceitual.
Essas sensações independem de conhecimento teórico pré-estabelecido. O seu sentido é
intrínseco à questão humana. “Não é pela faculdade de conhecimento intelectual que o belo
é captado, nem a sua impressão corresponde à experiência rudimentar da satisfação de um
desejo físico” (NUNES, 1991, p.12). Contudo, lembramos, como mencionado
anteriormente por Duarte Júnior (1991, p. 66), que isso pode ser educado através de um
trabalho sistemático.
Nunes (1991) menciona duas vertentes para o estudo da experiência estética,
sendo um subjetivo e o outro objetivo. O subjetivo valoriza os “elementos heterogêneos,
como o prazer sensível, os impulsos, os sentimentos e emoções” (NUNES, 1991, p. 14),
sendo que algumas correntes inspiradas pela psicologia, chamadas psicologistas, dedicam-se
a estudar a tendência do aspecto subjetivo da experiência estética. No aspecto objetivo da
experiência estética, valorizam-se os “elementos materiais (sons, cores, linhas, volumes), as
relações formais puras (ritmo, harmonia, proporção, simetria), as formas concretas no
espaço e no tempo, capazes de produzir efeitos estéticos” (NUNES, 1991, p. 14).
De acordo com Hentschke (1991), o argumento utilizado de que a educação
musical possui, sobretudo, um valor estético, permitiu que se libertasse a música e seu
ensino de uma subserviência a outras disciplinas. De acordo com a autora, no século XIX e
princípio do XX o ensino musical servia principalmente de apoio para o desenvolvimento
de preceitos religiosos ou de boa cidadania, e só quando a educação musical passou a ser
vista como possuidora de objetivos e justificativas específicas ela pôde se libertar de tal
subserviência, principalmente nos países mais desenvolvidos (HENTSCKHE, 1991, p. 58).
No entanto, Fonterrada afirma que a falta de clareza na comunidade escolar brasileira sobre
as funções da música continua fazendo com que esta seja destinada a ser utilizada como
auxiliar à outras áreas ou disciplinas: “auxiliar a aula de matemática, contribuir para a instalação
de bons hábitos, e outras” (FONTERRADA, 2005, p. 12).
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Valor Social

O valor social da música foi utilizado como argumento para justificar a presença da
educação musical principalmente em escolas do século XIX, pois servia como reforço aos
valores religiosos e de ornamento em seus rituais, bem como para ajudar no
desenvolvimento de uma boa conduta social, como já mencionado anteriormente neste
trabalho. Contudo, tal visão é limitadora, pois a utilização da música apenas como apoio a
determinadas funções sociais não propicia o seu desenvolvimento enquanto linguagem
simbólica (SWANWICK, 2003, p. 54).
A área da música que se ocupa com a organização social da prática musical é
conhecida por sociologia da música. Segundo Green (1997, p.25), as pessoas se agrupam
socialmente, podendo tais grupos serem organizados por classe, etnia, gênero, etc. Os usos
que tais grupos fazem da música podem ser os mais variados. Neste sentido, a sociologia da
música se interessa em conhecer tanto a organização social da prática musical, quanto em
estudar a construção social do significado musical para os diferentes grupos.
Green coloca-nos o significado musical chamado por ela de “significado delineado”
(GREEN, 1997, p. 28 e 29) como atrelado aos contextos de produção, distribuição e
receptividade da música. Tal significado afeta diretamente nossa forma de compreender
música. Segundo esta autora, ao ouvirmos determinada música costumamos delinear
aspectos extramusicais, consciente ou inconscientemente. Por exemplo, imaginamos o que
o intérprete está vestindo, ou que tipo de pessoa escuta aquela música, etc. Apesar de o
“significado delineado” não se referir aos materiais sonoros propriamente ditos, eles
aparecem para os indivíduos de uma forma tão ligada a estes que parecem emergir da
própria música (GREEN, 1997, p.34). Assim, as pessoas fazem uso da música também como
um símbolo de identidade social.
Green faz um alerta aos professores para a necessidade de se considerar como
tais significados interferem na maneira que o aluno se relaciona com a música, pois as
abordagens que não são capazes de considerar os contextos sociais nos quais os indivíduos
estão inseridos podem afetar seu trabalho em sala de aula. Segundo a autora:

Não importa se se toca, canta, ouve, compõe, estuda ou ensina-se música, pode-se se
apossar da música e usá-la como uma peça de nossa indumentária, indicando alguma coisa
sobre sua situação social, etnia, gênero, preferência sexual, religião, subcultura, valores
políticos, etc. Particularmente no caso de crianças a adolescentes que buscam sua identidade
como adultos novos numa sociedade em constante alteração, a música poderá oferecer um
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 16
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

poderoso símbolo cultural ajudando-os na adoção e representação de um ‘self’ (GREEN,


1997, p. 34).

O conhecimento a respeito dos significados delineados expostos acima, bem


como de sua força influenciadora na forma de nos relacionarmos com música ajuda a
justificar o porquê de a educação musical acreditar que o trabalho pedagógico deve partir
da vivência musical na qual o aluno está inserido, sendo o início de um trabalho que visa a
ampliação do alcance musical destes (PENNA, 2002, p. 18).
Do valor social que se atribui à educação musical espera-se a oportunidade para o
desenvolvimento de um pensamento crítico da realidade de cada um, onde o aluno é capaz
de transformar uma postura de consumidor passivo do que lhe é imposto pela mídia, tendo
condições agir de forma mais refletida sobre aquilo que ouve (HENTSCKHE, 1991, p.59).
Outra função atribuída ao valor social para legitimar a educação musical em
escolas é de que ele seria uma forma de preservar e perpetuar o que é produzido social e
culturalmente, o que proporcionaria uma compreensão e valorização das nossas bases
culturais (HENTSCKHE, 1991, p. 59). Além disso, tais limites poderiam ser ultrapassados,
permitindo que, ao conhecer nossa própria cultura, possamos adentrar contextos distintos
dos nossos (SWANWICK, 2003, p. 36). Schafer (2001) acredita que estudar a música de
outras culturas ajuda a colocarmos a nossa em uma perspectiva adequada (SCHAFER, 2001,
p. 296).
Tais pensamentos geraram uma ramificação do valor social, denominado
multicultural, considerado um dos mais recentes valores atribuídos à educação musical. Ao
considerar a inexistência de sociedades monoculturais, já que todos carregaríamos, de certa
maneira, uma dificuldade de identificar nossas raízes (SWANWICK, 1988, p. 25, apud
HENTSCHKE 1991, p. 59), não poderíamos mais ignorar este aspecto dentro da educação
musical. Por isso, acredita-se na música como um meio de propiciar uma melhor integração
entre as mais diversas culturas nas escolas. Este valor se vincula diretamente com o valor
social, pois ambos tendem a expandir o olhar do individuo sobre a diversidade cultural,
muitas vezes, dentro da própria comunidade onde vive ou até mesmo dentro da escola,
pois “morar no mesmo bairro ou frequentar a mesma escola não corresponde
necessariamente a pertencer à mesma rede de relação social, econômica, simbólica,
ideológica” (SANTOS, 1990, p. 42). Tal diversidade está presente em espaços menores,
como a sala de aula, onde os valores podem se confrontar em virtude do posicionamento
cultural de cada um. Neste sentido a música favoreceria a integração e a socialização através
das trocas de experiências que o educador terá que favorecer.
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 17
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

Valor Psicológico

Houve um aumento considerável em pesquisas que procuram investigar e


conhecer o aspecto cognitivo da experiência musical nas últimas décadas (HENTSCHKE,
1991, p. 59; ILARI 2002 e 2003; PARIZZI, 2006). Através da aquisição destes novos
conhecimentos, a cada dia que passa o valor psicológico vem exercendo uma influência
maior na justificativa da presença da educação musical nas escolas.
De acordo com Hentschke (1991, p. 59), os primeiros interesses por esta área,
datados do início do século XIX até meados da década de 1970, envolviam principalmente a
observação e experimentação da maneira pela qual o indivíduo processa a música e quais
seriam os possíveis efeitos nele exercidos. Após este período, as investigações voltam-se
para a tentativa de conhecer as etapas do desenvolvimento musical nos indivíduos, e o
acúmulo de conhecimento nesta área têm inspirado muitos educadores musicais a
elaborarem currículos baseados em tais descobertas (BEYER, 1995, p. 56).
Hoje em dia sabe-se que a percepção e a cognição musicais podem ser
estimuladas já no primeiro ano de vida do bebê (ILARI, 2002, p. 88). Parizzi, ao estudar o
canto espontâneo da criança de zero a seis anos de idade, afirma que é possível notar uma
previsibilidade da evolução do curso deste canto, assim como já se conhece o
desenvolvimento cognitivo e musical da criança (PARIZZI, 2006, p. 15). Tal dado permite
reforçar a contribuição que um educador musical pode trazer ao desenvolvimento musical
desde a mais tenra idade, principalmente através de atividades que estimulem o
envolvimento da criança com a música, desde que com um bom planejamento.
Desde o surgimento em 1983 da teoria das inteligências múltiplas, de Howard
Gardner, que a partir da constatação da existência de várias áreas distintas de cognição no
cérebro, sugeriu que a inteligência não é unitária, mas sim compartimentada por
competências específicas (ILARI, 2003, p. 12), a música e seu estudo podem encontrar
justificativa a partir do momento que este pesquisador estudou a inteligência musical. Tal
inteligência corresponde à capacidade para perceber e classificar diferenças de sons, de
nuances de intensidade, de andamento, de timbres, estilos, etc., que podem ser manifestos
não apenas na execução instrumental – como não raramente se associa – mas também
através da composição e da apreciação de música. O surgimento dessa teoria ajuda a
separar a inteligência musical do conceito de “talento”. Segundo Ilari (2003):

A teoria de Gardner (1983) sugere que todos os seres “normais” (isto é, não portadores de
doenças congênitas como autismo ou Síndrome de Down) possuem todos os tipos de
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 18
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

inteligência, todos abertos ao desenvolvimento. Ou seja, diferentemente do talento, a


inteligência musical é um traço compartilhado e mutável, isto é, um traço que todos
possuem em um certo grau e que é passível de ser modificado (ILARI, 2003, p. 12).

Também encontramos estudos que procuram demonstrar o desenvolvimento que


pode ocorrer em outros campos do conhecimento humano como decorrência de
experiências musicais. Acredita-se que a prática musical estimule o desenvolvimento do
cérebro da criança, auxiliando, além do aprendizado da música em si, também o
desenvolvimento da afetividade e da socialização, na aquisição da linguagem, etc. (ILARI,
2003, p. 14).

Valor Tradicional

Para uma sociedade que não possui uma tradição no ensino musical escolar, a
concepção acerca do que seria uma educação musical quase sempre se restringe à ideia da
prática musical que ocorre em escolas especializadas, ou seja, de que a performance musical
em um determinado instrumento é tida como “referência de realização musical” (FRANÇA
e SWANWICK, 2002, p. 8). Segundo Hentschke (1991):

Esta concepção parte de certos princípios que asseveram que a música significa demonstrar
habilidade em ao menos um instrumento, capacidade de compor de acordo com o sistema
tonal e capacidade de discriminar elementos, estilos e compositores da música. O papel do
educador musical neste caso restringe-se ao de dispensador de um sistema tradicional
vigente. No entanto se tal valor for tomado como carro-chefe de práticas de Educação
Musical, o mesmo pode encaminhar-nos a uma prática etnocêntrica, ou seja, limitar o
repertório musical do aluno à nossa cultura ocidental, ou mais especificamente a repertórios
regionais (HENTESCKHE, 1991, p. 60).

Entretanto, para a educação musical destinada à escola regular, o tipo de


aprendizado mencionado acima nem sempre é o mais indicado, seja pelas próprias
condições oferecidas pelo sistema (aulas com turmas com número grande de alunos,
ausência de equipamentos tais como instrumentos musicais, além da carga horária
insuficiente), seja pelo próprio objetivo da Educação Musical neste contexto (o de não
formar músicos-instrumentistas, mas sim desenvolver a capacidade de compreensão da
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 19
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

linguagem musical como discurso simbólico) (PENNA, 1991; FRANÇA; SWANWICK,


2002; SWANWICK, 2003).
Neste sentido, França e Swanwick acreditam no que chamam de “uma educação
musical abrangente”, como aquela que vai além da concepção tradicional de ensino de
música (FRANÇA; SWANWICK, 2002, p. 8). Tais autores defendem que não só a
performance, mas também que a composição e a apreciação devem constar de forma
integrada e interativa a Educação Musical. Isto porque “embora diferentes em sua natureza
psicológica, [as modalidade de composição, apreciação e performance] são indicadores da
compreensão musical e as janelas através das quais ela pode ser investigada” (p. 7).
A crença de que o fazer musical restringe-se apenas à performance instrumental
pode reforçar a ideia, preconceituosa, de que a música é uma atividade reservada apenas
para alguns indivíduos portadores de um merecimento “divino”, ou “inspirados”. A prática
instrumental requer determinadas habilidades motoras que são adquiridas tão somente
através de muita prática e esforço ao longo de certo tempo de estudo. Contudo, como já
mencionado, a prática instrumental não é a única maneira de adquirir conhecimento em
música e de demonstrar tal conhecimento. A performance que estará presente numa
educação musical dentro da escola regular vai além da ideia de virtuosismo instrumental
tradicionalmente conhecido. Para França e Swanwick, a “performance musical abrange todo
e qualquer comportamento musical observável, desde o acompanhar de uma canção com
palmas à apresentação formal de uma obra musical para uma plateia” (FRANÇA;
SWANWICK, 2002, p 14).

Conclusão

O sucesso de uma boa educação musical no contexto da educação formal exige a


compreensão sobre suas etapas, valores e funções, que devem ser os principais guias para o
trabalho do educador musical. Saber aonde se quer e se pode chegar através da educação
musical, bem como utilizar de maneira consciente os meios que se podem adotar para se
alcançar determinados objetivos são coisas que precisam estar claras a todos os educadores
musicais.
Para que haja maior clareza em relação a tudo isso, é extremamente importante
refletir e planejar ações para que a educação musical não se torne apenas um elemento
alegórico no currículo escolar. Devemos trabalhar para que seus valores sejam
compreensíveis não só por músicos, mas pela sociedade em geral, incluindo diretores de
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 20
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

escolas, pais, alunos e todos aqueles dispostos pela causa da educação. É preciso conhecer
as potencialidades da música no desenvolvimento humano, desde o aspecto físico até o
mental, explorando todos os níveis de compreensão da música enquanto linguagem. Se
conseguirmos oferecer esse tipo de educação musical, estaremos dando importantes
contribuições para que tenhamos, num futuro próximo, indivíduos mais capazes de agir de
maneira crítica e consciente sobre o produto artístico de sua sociedade, e isso poderá se
refletir em questões sociais, políticas e, sobretudo, aquelas intrinsecamente humanas.

Este artigo é fruto da revisão bibliográfica do projeto de pesquisa “Música e valor: concepções de diretores de
escolas da rede pública estadual de Belo Horizonte sobre a aula de Música”, desenvolvido no Centro de
Pesquisa da Escola de Música da UEMG e financiado pela FAPEMIG. Prevê-se uma futura publicação com o
resultado da pesquisa em momento oportuno

Referências

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HENTSCHKE, Liane. A Educação musical: um desafio para a educação. Educação em Revista,


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Tourinho. São Paulo: Moderna, 2003.
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 22
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

..............................................................................
Ana Carolina Nunes do Couto é mestre e especialista em Educação Musical pela UFMG,
graduada em Licenciatura em Música pela UEL (PR). Atuou como professora da Escola de
Música da UEMG de 2005 a 2009, onde idealizou e iniciou a pesquisa “Música e valor:
concepções de diretores de escolas da rede pública estadual de Belo Horizonte sobre a aula
de Música”, em andamento nesta instituição. Atualmente é professora assistente no
Departamento de Música UFPE.

Israel Rodrigues Souza Santos é aluno do 6° período do curso de Licenciatura em


Educação Musical Escolar na Escola de Música da UEMG. Atualmente é bolsista de iniciação
científica pela FAPEMIG participando da pesquisa intitulada “Música e valor: concepções de
diretores de escolas da rede pública estadual de Belo Horizonte sobre a aula de Música” (em
andamento). Também atua como professor da Fundação de Educação Artística ministrando
aulas de musicalização e violão. Ministra aulas para alunos de escolas públicas no programa de
concertos didáticos da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais e é oficineiro de musicalização
e violão no Programa Fica Vivo!
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 23
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

Algumas considerações a respeito do ensino de instrumento:


Trajetória e realidade

Rejane Harder (UFS)

Resumo: O presente artigo apresenta algumas reflexões relacionadas ao ensino de


instrumento. Em primeiro lugar, são apontados alguns diferentes papéis requeridos ao
professor de instrumento na atualidade, bem como dados referentes ao comportamento
desse professor nas aulas individuais. São apresentados também alguns aspectos históricos que
incluem a tradição oral no ensino de instrumento, bem como as mudanças a partir do advento
da imprensa, entre outros aspectos da transmissão musical. O ensino de instrumento no
mundo ocidental e principalmente no Brasil é discutido. A conclusão a que se chega é a de que
apesar das iniciativas existentes, ainda muito pouco se tem feito em prol dessa subárea da
música e que existe ainda um vasto campo de pesquisa a ser explorado.
Palavras-chave: educação musical; ensino do instrumento.

Abstract: This article presents some thoughts on music instrument teaching. First of all, I
analyze the multiple roles of today’s music instrument teacher and present some data on the
attitude of teachers in individual instructing. I also consider some historical aspects related to
instrument teaching before and after the advent of printing. Then, I discuss the present state of
music instrument teaching in Western countries, particularly Brazil. I conclude by pointing out
that there is a large research field yet to be explored.
Keywords: music education; music instrument teaching.

.......................................................................................

HARDER, Rejane. Algumas considerações a respeito do ensino de instrumento: Trajetória e


realidade. Opus, Goiânia, v. 14, n. 1, p. 127-142, jun. 2008.
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 24
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . HARDER

N
o presente artigo são apresentadas algumas reflexões relacionadas à transmissão
de conhecimentos e habilidades em um instrumento musical, ou seja, a respeito
do Ensino de Instrumento. De acordo com Kraemer (2000), temas relacionados
aos problemas de apropriação e transmissão da música têm sido o centro das reflexões na
área da pedagogia da música. A respeito das questões relativas à transmissão, autores têm
utilizado diferentes abordagens que vêm sendo discutidas através de pesquisas e trabalhos
científicos ao redor do mundo.
Susan Hallam (1998, p. 232), autora que vem pesquisando exaustivamente o tema
nas últimas décadas, define o ensino de instrumento em uma abordagem mais simples,
“tanto como transmissão de conhecimento como facilitação da aprendizagem”1 e afirma
que a cada dia vem sendo colocada maior ênfase na facilitação da aprendizagem.
Formulações mais complexas e específicas têm sido estabelecidas por diferentes
autores para caracterizar um ideal para as aulas de instrumento. De acordo com Sloboda
(2000), para que haja um ensino de instrumento efetivo é necessário que o ambiente de
aprendizagem seja direcionado para a aquisição das habilidades necessárias à performance.
Para o autor, os fatores sociais e a motivação estão diretamente relacionados ao fato de o
aluno manter ou não a constância de atividades relacionadas à aquisição de habilidades, tais
como a prática. Sloboda afirma ainda que as habilidades em performance instrumental não
são apenas técnicas e motoras. São necessárias também habilidades interpretativas que
gerem diferentes performances expressivas de uma mesma peça de acordo com o que se
quer comunicar de forma estrutural e emocional. A esse respeito, diferentes estudos vêem
mostrando que os professores de instrumento gastam menos tempo trabalhando com o
aluno os aspectos expressivos do que as habilidades técnicas (LISBOA et al., 2005),
enquanto, para alguns autores o trabalho dos aspectos expressivos deveria ser de igual ou
maior importância que os aspectos técnicos (JUSLIN; PERSSON, 2002; SLOBODA, 2000).
Para Bastien (1995), as qualidades básicas de um professor bem-sucedido
consistem no conhecimento, personalidade, entusiasmo, autoconfiança, entre muitos outros
atributos pessoais. O autor apresenta quatro características principais necessárias à
personalidade de um professor de instrumento para que este obtenha sucesso em seu
ensino: ser agradável, entusiástico, ser encorajador e ser paciente. Bastien afirma ainda que
professor bem sucedido é usualmente uma pessoa positiva, que sente satisfação ao
trabalhar com pessoas de idades variadas e que isso vem a ser com freqüência um

1
No original: “At the simplest level, teaching can be viewed as either the transmission of knowledge or
facilitation of learning”. (Tradução da autora).

opus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro
Algumas considerações a respeito do ensino do instrumento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

importante fator na escolha do ensino como carreira. O autor defende a postura de que,
apesar de o ensino ser uma arte pessoal, o professor deve estudar e se preparar para isso e
não deixar que seu trabalho simplesmente aconteça. Ele afirma ainda que, desde que os
professores trabalham com pessoas, eles devem estar buscando constantemente novas e
efetivas linhas de comunicação. Já Casey (1993) afirma que o professor de instrumento
deveria ser consciente dos valores, princípios e propósitos da educação musical, sendo essa
uma responsabilidade profissional do mesmo.
Schön (2000, p. 138) ao analisar uma master class em execução musical, apresenta
sua visão do papel do professor na relação mestre-discípulo, como uma “tripla tarefa de
instrução”. Para o autor, a primeira tarefa do professor seria “lidar com os problemas
substantivos da execução”. Para que isso ocorra, o professor necessita dominar diversos
conhecimentos, seja a respeito do próprio instrumento, da acústica, bem como da obra a
ser estudada, seja em relação à estrutura musical da mesma, ao período em que a mesma
foi composta e ao compositor, entre muitos outros aspectos considerados importantes
para uma boa interpretação musical. A segunda tarefa do professor de instrumento, no
exemplo apresentado pelo autor, é a de adaptar seus conhecimentos e o que deve ser
ensinado às especificidades do aluno em questão, levando em conta as necessidades e
potenciais deste aluno e o momento ótimo para a aprendizagem, decidindo ‘o que’,
‘quando’ e ‘como’ falar ao mesmo ao ministrar instruções, conselhos, críticas, e ao levantar
questões a respeito de como tocar determinados trechos ou passagens musicais da obra
estudada. A terceira tarefa do professor, ainda de acordo com o autor, é realizar as tarefas
acima “dentro de um papel que escolhe cumprir e em um tipo de relacionamento que
deseja estabelecer com o estudante”, levando em consideração as questões de
relacionamento pessoal entre ele e o aluno, permanecendo atento aos “perigos sempre
presentes de defensividade e vulnerabilidade”.
Hallam (1998) também apresenta um professor cujo modelo de aula seja mais
centrado no aluno. A autora afirma que as aulas de instrumento a partir desse modelo
obtiveram uma maior participação verbal dos alunos e um nível maior de comunicação
entre o aluno e o professor. Essa modalidade de aulas, de acordo com a autora, gerou nos
alunos um aumento de interesse e gosto pelas aulas, atitudes mais positivas por parte dos
mesmos e um conseqüente aumento na motivação, bem como um aumento no tempo
dispensado pelos alunos na prática de seus instrumentos. A aula centrada no aluno
melhorou consideravelmente a relação professor-aluno e levou os alunos a obterem um
maior progresso em seus estudos. A mesma autora afirma que para que haja um melhor
envolvimento entre o professor e o aluno, é importante que o professor converse com seu
aluno a respeito do que está sendo aprendido. O professor deve também fazer perguntas
ao seu aluno a respeito da prática individual no instrumento, que incluem as dificuldades por

130. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . opus
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. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . HARDER

ele enfrentadas e a necessidade que o mesmo tem de auxílio para saber como praticar, por
exemplo. A autora afirma ainda que um professor que mantém um bom relacionamento
com o aluno deve considerar com o mesmo, questões referentes a recitais e outras
apresentações públicas, bem como aquelas relacionadas com a participação desse aluno em
concursos ou outros tipos de provas. Esse mesmo professor deverá atentar para os pontos
de vista do seu aluno, tentando não tomar todas as decisões quanto ao ensino sozinho, mas
sim em parceria com o mesmo.
Ao refletir a respeito do envolvimento professor-aluno nas aulas individuais de
instrumento, Harder (2003) chega a algumas características ou competências que seriam
necessárias ao professor de instrumento na busca por um ensino mais efetivo. A primeira
seria a capacidade desse professor de instrumento de oferecer ao seu aluno uma
perspectiva de carreira, o que significa que o mesmo deveria apresentar ao seu aluno
diferentes opções de atividades profissionais viáveis, seja como solista, músico de orquestra,
músico de banda, músico popular, músico de igreja ou professor de instrumento, entre
outras, levando sempre em conta tanto as capacidades como as limitações desse aluno.
Uma segunda competência necessária ao professor de instrumento seria a capacitação do
mesmo para oferecer ao seu aluno parâmetros relativos ao desenvolvimento de suas
habilidades técnicas. Tal professor deveria informar seu aluno a respeito de questões
relativas ao tempo de estudo médio (em anos) necessário para que este possa atingir a
excelência em interpretação em seu instrumento, de acordo com os objetivos do mesmo.
Esse mesmo professor poderia fornecer ao seu discípulo uma noção da média de horas
diárias de estudo necessárias para um bom aproveitamento, bem como instruções quanto à
organização de sua prática para que suas metas sejam alcançadas. A terceira competência
necessária ao professor de instrumento seria a de adaptar os programas pré-estabelecidos,
bem como de construir planejamentos pessoais flexíveis, respeitando a cultura, valores e
gosto do aluno. Dessa maneira o professor estaria estabelecendo pontes (OLIVEIRA, 2005),
a partir das características individuais do aluno, visando à transmissão de novos
conhecimentos e habilidades em instrumento. Uma quarta competência desejável ao
professor de instrumento seria o conhecimento profundo que o mesmo deveria ter a
respeito das discussões relacionadas com a interpretação musical, o que incluiria a
expressividade e o conhecimento histórico, entre outros. Tais conhecimentos
possibilitariam a esse professor prover uma melhor orientação ao seu aluno quanto às
decisões interpretativas relacionadas às obras executadas pelo mesmo.
Hallam (2006) mostra uma característica apresentada por alguns professores de
instrumento que seria exatamente o oposto das qualidades realçadas no presente texto
como importantes para que o professor auxilie o aluno em sua aprendizagem. Essa
característica seria a tendência de muitos deles em utilizar abordagens de certa forma

opus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro
Algumas considerações a respeito do ensino do instrumento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

autoritárias em seu ensino, o que a autora denomina como “discurso professor-aluno”. Esse
tipo de abordagem não seria benéfica em relação ao desenvolvimento do aluno, pois, um
processo criativo como a aprendizagem de um instrumento musical toma tempo e exige
um contexto que proporcione ao mesmo a liberdade necessária para que este desenvolva
suas habilidades criativas. Em vez de apresentar um discurso autoritário, seria importante
que o professor oferecesse ao estudante a oportunidade para este refletir a respeito do
que está aprendendo e trabalhar suas idéias e questionamentos. Dessa forma, ao invés de
criticar de forma negativa o trabalho do aluno, o professor deveria oferecer críticas
construtivas a respeito do progresso da aprendizagem do mesmo.
Hallam afirma ainda que professores podem auxiliar os alunos a aumentar sua
aprendizagem de habilidades ao discutir com eles alternativas interpretativas e ao avaliar
com os mesmos seus pontos fortes e fracos. Um bom professor deve aceitar que alunos
cometem erros e buscar auxiliá-los a desenvolver a habilidade de resolver problemas,
dando a estes alunos a liberdade de fazerem suas escolhas. Para a autora:

Professores podem ajudar no desenvolvimento de estratégias de suporte permitindo


oportunidades para discutir com o aluno questões relacionadas ao planejamento, ao
estabelecimento de objetivos, ao monitoramento do trabalho e administração do tempo,
buscando promover concentração, direcionar a motivação e garantir que o envolvimento
com o trabalho seja ideal (HALLAM, 2006, p.177).2

Observando as características acima apresentadas como necessárias e/ou


desejáveis, a um professor de instrumento, é possível concluir que cabe a este professor,
entre os seus muitos papéis, o importante papel de um facilitador da aprendizagem, com
habilidade de identificar o potencial musical em seu aluno, manter com ele um bom
relacionamento pessoal e proporcionar ao mesmo um ambiente favorável para que esta
aprendizagem ocorra, levando em conta as implicações sociais, sejam elas sócio-
econômicas, culturais, familiares ou relacionadas com o círculo de amizade desse aluno,
entre outras. Esse professor deverá buscar que seu aluno esteja informado e preparado
para interpretar as diferentes obras musicais, não apenas de maneira técnica, mas,
desenvolvendo sua expressividade, entre diversas habilidades interpretativas. Mesmo assim,
estes papéis apresentados se constituem apenas em um vislumbre da totalidade do
significado e abrangência da tarefa de ser um professor de instrumento.

2
No original: “Teachers can assist in the development of support strategies by allowing opportunities to
discuss issues relating to planning, goal setting, monitoring of work, time management, promoting
concentration, managing motivation and ensuring that the working environment is optimal”. (Trad. da A.).

132. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . opus
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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro
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A tradição oral no ensino de instrumento


Até a metade do século XIX, a transmissão musical, de uma geração para outra,
acontecia em grande parte de forma oral. Os compositores e professores da época, ao
invés de enfatizar apenas habilidades técnicas no instrumento, visavam o desenvolvimento
integral do músico, aliando a técnica às habilidades criativas através do improviso e da
composição. Os alunos iniciantes aprendiam as passagens freqüentemente “de ouvido”
procurando imitar o professor nas peças desconhecidas e a reconstruir no instrumento
peças e canções já familiares. Nos séculos XVII e XVIII, apesar de livros de exercícios e
peças serem publicados, bem como algumas obras escritas que forneciam diretrizes quanto
à execução das diferentes articulações utilizadas para cada instrumento, bem como
sugestões quanto às ornamentações características, entre outras particularidades, para essas
obras havia acesso apenas de um público restrito.
Após 1850, aproximadamente, com a produção de partituras impressas em
grande quantidade, apesar de a tradição mestre-discípulo ser mantida, agora os exercícios,
mais técnicos que melódicos, passam a ser estudados a partir dos métodos musicais
impressos. O advento dos métodos impressos levou a performance musical a se tornar
uma arte mais reprodutiva, com menos ênfase na criação e ênfase excessiva no
desenvolvimento de habilidades técnicas (McPHERSON; GABRIELSSON, 2002). A
importância atribuída aos estudos técnicos abriu caminho, a partir do final do Século XIX,
para a fase áurea dos grandes e aclamados virtuoses.
Concordando com Kraemer (2000, p. 54) que afirma que “as ações da teoria e da
prática pedagógico-musical estão voltadas para o tempo presente, mas ainda ligadas a idéias
de gerações passadas”, é possível perceber que no século XXI, apesar das modificações
ocorridas ao longo dos séculos, as aulas de instrumento continuam a seguir, quase que
exclusivamente uma tradição oral, em um processo de transmissão no estilo “mestre-
discípulo” em aulas individuais. A esse respeito, Joseph Kermann (1987) apresenta algumas
características observadas no ensino tradicional de instrumento ou canto à época – e que
não sofreram alterações significativas nos últimos vinte anos - dentro dos padrões formais
das principais escolas de música do mundo ocidental. Em primeiro lugar, o autor afirma que
a transmissão musical é efetuada mais por exemplos do que por palavras. Kermann afirma
também que livros didáticos onde um aluno de performance possa ler textos que o
ensinem a tocar ou cantar são ainda insuficientes. Ainda de acordo com o autor, o processo
de transmissão da linguagem musical se concentra em aulas individuais e nessa comunicação
existe uma grande utilização de linguagem corporal, tanto do professor quanto do aluno, o
que acaba por substituir de maneira significativa as palavras durante as aulas. Essa linguagem
é denominada por Kermann como “sinal-gesto-resmungo”.

opus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133
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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro
Algumas considerações a respeito do ensino do instrumento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Em contrapartida à afirmação de Kermann (1987), de que a transmissão musical


aconteceria mais por exemplos de que por palavras, Hallam (1998) apresenta resultados de
pesquisas que demonstram que o comportamento do professor em sala de aula é o de
transmitir, ou seja, falar, enquanto que o comportamento do aluno é tocar. Fundamentada
em pesquisas, a autora afirma que os professores falam, em média, durante
aproximadamente 30% do tempo da aula de instrumento, sendo que alguns professores
chegam a falar durante até 50% do tempo. De acordo com Hallam (2006), os professores
corrigem de forma crítica seus alunos com quatro vezes mais freqüência do que oferecem
demonstração. Para a autora, tais correções são efetuadas principalmente através do uso de
declarações verbais. Mesmo assim, a autora inclui os gestos, ou formas não-verbais dentro
das correções críticas que os professores fazem aos seus alunos de instrumento, dividindo a
comunicação professor-aluno em quatro modelos: declarativo, comando, questões e
formas não verbais. Um outro aspecto das aulas individuais de instrumento é apresentado
por Lisboa, Williamon, Zicari e Eiholzer (2005), bem como Hallam (2006) e refere-se ao
fato de os professores utilizarem parte do tempo da aula exemplificando, ou seja, tocando
em seus instrumentos e servindo de modelo aural para seus alunos.
Susan Hallam (2006) apresenta ainda uma série de conclusões a que chegaram
diferentes autores a respeito da aula individual de instrumento. A primeira delas é de que a
maior parte das aulas de instrumento é dirigida pelo professor, que determina o programa a
ser seguido e seleciona o repertório que será executado bem como a maneira como ele
deve ser executado. Nessas aulas, o estudo técnico muitas vezes é priorizado em
detrimento das questões musicais e os questionamentos representam uma pequena
proporção do tempo. Na educação superior, evidências sugerem que os professores
podem despender grande parte do tempo oferecendo sugestões e soluções, o que deixa
poucas oportunidades para os alunos expressarem suas idéias e opiniões, podendo tornar
os alunos dependentes de seus professores.
Com exceção de uns poucos professores de instrumento que buscam
experimentar novos métodos de ensino a partir de leituras ou de experiências partilhadas
por outros professores, entre outras maneiras, de acordo com Hallam (1998, p. 241):

A maior parte dos professores de instrumento estão isolados e têm pequenas


oportunidades de repartir idéias com outros. A maneira pela qual eles ensinam tende a ser a
mesma que foi usada pelos seus professores para ensiná-los. Isto tem direcionado a um

134. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . opus
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inerente conservadorismo na profissão de professor de instrumento a qual tende a inibir


inovações e barrar novas idéias.3

A mesma autora declara ainda que alguns professores acreditam ser de


importância a opção por um método de ensino enquanto para outros essa preocupação é
desnecessária. Sendo assim, muitos dos professores de instrumento tendem a não ter um
pré-planejamento mínimo das aulas. Para tais professores, é de maior importância planejar o
repertório que planejar as aulas em si. As aulas de instrumento, para muitos destes
professores consistem muitas vezes apenas em acompanhar o aluno na sua prática
(HALLAM, 2006).
Embora munidos das informações acima, que descrevem alguns tipos de aula de
instrumento e o comportamento de professores e alunos em tais aulas, concordamos com
Hallam (1998) quando declara que, na verdade, o que ocorre nas lições individuais de
instrumento é muitas vezes oculto de nossa vista. Parece haver a necessidade de se
investigar mais a respeito das maneiras em que professores de instrumento interagem com
seus alunos.
Demonstrando sua preocupação com a falta de suporte teórico e metodológico
enfrentado pelos professores de performance, Fowler (1986) também declara que a maior
parte, ao transmitir seus ensinamentos depende das lições aprendidas dos seus próprios
modelos. A preocupação do autor a esse respeito é de que tais modelos já não sejam
adequados às diferentes circunstâncias e às demandas que esse professor tem a sua frente.
O autor se preocupa ainda com a falta de um material pedagógico de suporte, sistematizado
e elaborado que auxilie o professor de instrumento em seu trabalho. O mesmo autor
afirma que grande parte dos professores de música tem a consciência de estar sempre em
face de muitas decisões e opções quanto a determinar suas ações em diversos momentos
durante o processo ensino-aprendizagem. Esses mesmos professores, ainda de acordo com
Fowler (1987), sentem dificuldades em relação ao seu papel no ensino de performance
musical, deparando-se constantemente com questões de difícil resposta entre as quais, duas
são destacadas por esta autora: A primeira seria descobrir a razão de alguns alunos
responderem aos estímulos apresentados por seus professores, enquanto outros não
apresentam resposta positiva aos mesmos estímulos. A segunda questão seria saber se tais
respostas, positivas ou negativas dos alunos estariam relacionadas ao talento de cada aluno,

3
No original: “Most instrumental music teachers are isolated and have little opportunity for sharing ideas
with others. The ways that they teach tend to be those that were used by their teachers in teaching them.
This has led to an inherent conservatism in the instrumental teaching profession which has tended to
inhibit innovation and prevent the spread of new ideas”. (Trad. da A.).

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Algumas considerações a respeito do ensino do instrumento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

ou se dependem apenas da maneira com que cada professor consegue trabalhar com seus
alunos.
As questões acima apontadas apenas reforçam a idéia de que, mesmo no século
XXI, professores de instrumento continuam se vendo obrigados a construir
individualmente, aos poucos, ao longo de sua carreira, suas próprias técnicas de ensino,
tentando a partir de sua própria intuição e experiência aliadas à influência de seus modelos
anteriores desenvolverem por si só metodologias muitas vezes fundamentadas em
tentativas e erros.

O que isso também indica é que os professores de instrumento precisam ser providos com
oportunidades para o desenvolvimento de inovações em seu ensino, com a possibilidade de
tentar novas idéias, observando e interagindo em discussão com outros professores
(HALLAM, 1998, p.241) 4.

O ensino de instrumento nas últimas décadas em alguns países do Ocidente


A respeito do que tem sido feito em prol do Ensino de Instrumento no mundo
ocidental nas últimas décadas, um exemplo é a iniciativa que ocorreu no ano de 1986, nos
Estados Unidos, durante o Crane Symposium. O objetivo central desse encontro, que reuniu
catorze renomados pesquisadores nas áreas de Música, Estética, Educação e Psicologia, foi o
de buscar subsídios para estabelecer um direcionamento para o Ensino da Performance
(FOWLER, 1986). No referido simpósio, que discutiu o preparo de conteúdos, programas
e currículos, foi efetuado um levantamento das pesquisas relacionadas ao processo ensino e
aprendizagem da performance musical existentes à época. Desse levantamento, de acordo
com Fowler (1986) foram selecionados dados relevantes para a subárea, sendo que os
resultados apontados foram tanto tranqüilizantes como provocativos, já que algumas
práticas comuns encontradas nos professores de instrumento foram consideradas como
positivas, enquanto que outras práticas também muito difundidas foram consideradas como
negativas. Tais conclusões indicaram caminhos para pesquisas e ações educativas
posteriores na área.
Já na última década, autores, tanto europeus como norte-americanos, tais como
Susan Hallam (1998, 2006), Lisboa, Williamon, Zicari & Eiholzer (2005), Juslin e Persson
(2002), Sloboda (2000), entre outros já citados no início do presente artigo, vêm

4
No original: “What it also indicates is that instrumental teachers need to be provided with opportunities
for the development of innovation in their teaching, the possibility of trying out new ideas, observing and
entering into discussion with other teachers”. (Trad. da A.).

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desenvolvendo trabalhos no sentido de definir o que seria o Ensino de Instrumento e de


apontar as condições necessárias para uma aprendizagem efetiva. Alguns desses estudos
apresentam ainda a maneira como os professores utilizam o tempo das aulas individuais de
instrumento e quais os principais modelos de aulas, enquanto outros estudos apontam
qualidades necessárias a um professor de instrumento.
Observando os principais temas pesquisados em relação ao Ensino de
Instrumento, esta autora concorda com a declaração de Malcom Tait (apud HALLAM 1998,
p. 229), que afirma que “a profissão presentemente não tem um considerável corpo de
pesquisa a partir do qual seja possível construir modelos de ensino de música efetivos”.5 A
declaração feita por Tait há dez anos atrás, continua atual, no sentido de ainda ser muito
pequeno o número de pesquisas voltadas a prover subsídios aos professores de
instrumento a respeito de “como” ensinar, o que demonstra a necessidade de um maior
número, de pesquisas nessa direção.
No Brasil, apesar da atual preocupação existente com os processos de ensino e
aprendizagem de instrumento, ainda é significativa a escassez de trabalhos que venham aliar
o estudo sistemático da performance ao estudo de processos pedagógicos relacionados
com a mesma (BORÉM, 2001 e 2005; DEL BEN; SOUZA, 2007). Essa escassez se acentua
quando a produção de pesquisas em Ensino de Instrumento é comparada à produção que
relaciona a música a subáreas como Composição, Educação Musical, Musicologia /
Etnomusicologia e Performance, ou mesmo a outras áreas do conhecimento como a
Psicologia, a Sociologia, a Filosofia, a Física e a Medicina, por exemplo (BORÉM, 2001 e
2005; GERLING; SOUZA, 2000).
A realidade brasileira até o ano de 2001, de acordo com estatística elaborada por
Fausto Borém (2001 e 2005) é de que, dentre as 585 teses e dissertações produzidas nos
cursos de Música das principais universidades federais - trabalhos estes registrados entre
1981 e 2001 – menos de duas dezenas versam sobre o Ensino de Instrumento, ou seja,
apenas 6% das teses e dissertações em música produzidas no Brasil, aproximadamente. Esta
pesquisadora vem encontrando algumas dissertações e teses que abordam o Ensino de
Instrumento, defendidas a partir do ano de 2002, entre elas: Araújo (2005), Cruvinel (2003),
Cruzeiro (2005), Louro (2004), Oliveira (2007), Paiva (2004), Tourinho (2002), Ducatti
(2005) e Sales (2002); porém não foram realizadas ainda estatísticas que relacionem o
número de teses e dissertações atuais da referida subárea, aos trabalhos defendidos em

5
No original: “the profession does not presently have a comprehensive body of research on wich to build
models of music teaching effectiveness”. Tait, M.J. Teaching strategies and styles. In: R. Cowel (Ed.)
Handbook of Research on Music Teaching and Learning. Music Educators National Conference. New York:
Schirmer Books, 1992. (Trad. da A.).

opus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
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outras subáreas de Música, o que deixa margem para pesquisas posteriores. Mesmo assim o
número de pesquisas atuais em Ensino de Instrumento encontradas, da mesma forma que
no período de 1981 a 2001, é bastante reduzido.
Uma pesquisa mais atual, através da qual podem ser obtidos dados a respeito da
realidade do Ensino de Instrumento no Brasil, foi apresentada no XVII Encontro da
ANPPOM (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Música) realizado no mês
de agosto de 2007. No referido encontro, Del Ben e Souza (2007) mostraram um
levantamento que tomou como dados os trabalhos apresentados em catorze dos quinze
encontros anuais da ABEM (Associação Brasileira de Educação Musical) realizados entre
1992 e 2006. Entre os itens sistematizados foram relacionados os temas dos encontros,
bem como o número e modalidades de trabalhos apresentados, sendo escolhidos também,
“eixos temáticos” dentro dos quais foram agrupados os trabalhos. Observando os temas de
cada encontro, esta autora não encontrou, entre eles, nenhum tema que mencionasse o
Ensino de Instrumento. Já em relação aos “eixos temáticos”, no X Encontro, realizado no
ano de 2001, em Uberlândia, MG, um desses “eixos temático” incluiu a formação do
professor de instrumento, abordando também as aulas de instrumento. Nesse mesmo
encontro, uma iniciativa que impulsionou a subárea no país foi a criação do Grupo de
Trabalho “Performance e Pedagogia do Instrumento”, coordenado por Ray (2001). Entre os
temas sugeridos para discussão na ocasião, podem ser destacados: “As possibilidades de
pesquisa em performance e pedagogia do instrumento musical” e “a formação do professor
de instrumento musical”. Ainda em relação aos “eixos temáticos”, no XI Encontro, em
2002, estes incluíram mais uma vez a formação de professores e as aulas de instrumento.
Portanto, dos encontros da ABEM analisados por Del Ben e Souza (2007), apenas o X e o
XI incluíram o Ensino de Instrumento como um dos “eixos temáticos”.
Um dos prováveis motivos de o número de pesquisas em Ensino de Instrumento
no Brasil ser significativamente pequeno em relação ao número de pesquisas em outras
subáreas da música, é o fato de não serem conhecidos ainda no país cursos de pós-
graduação stricto senso em Música diretamente relacionados à pedagogia do instrumento,
fator que deixa de estimular pesquisas nesse seguimento. Por outro lado, professores de
instrumento estão geralmente tão envolvidos com seus próprios problemas de ensino que,
se não forem motivados, provavelmente não irão se envolver com pesquisas durante todo
o período de sua atividade docente.
Mesmo sendo realizadas na atualidade um certo número de pesquisas em Ensino
de Instrumento no Brasil, algumas ressalvas são apontadas quanto ao foco das mesmas. A
esse respeito, Del Ben e Souza (2007, p. 7) declaram:

138. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . opus
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As temáticas referentes às escolas de música e ao ensino de instrumento parecem ainda


privilegiar a idéia de métodos ou propostas de ensino em detrimento de discussões mais
conceituais, o que sugere a necessidade de ampliar esse campo de investigação e ação para
além dos conteúdos técnico-musicais.

A citação acima aponta a necessidade de mais pesquisas realizadas por e com


professores de instrumento, que possam trazer como resultados maiores reflexões acerca
do Ensino do Instrumento e que forneçam subsídios para a formação continuada de
professores de instrumento, entre outros aspectos.
As informações e dados acima, ao apresentarem um panorama do Ensino de
Instrumento, além de apontar iniciativas que vêm sendo tomadas no sentido de uma melhor
estruturação do mesmo, revelam também que muito ainda há por fazer por esta subárea da
Música, principalmente no Brasil. Esforços necessitam ser concentrados para que a
Pedagogia da Performance venha a se tornar uma subárea de concentração em música
organizada e estruturada, como já ocorre em alguns países como a Inglaterra e Noruega,
por exemplo.
O presente artigo conclui apontando, pois, a necessidade de mais estudos,
principalmente realizados por profissionais dessa subárea que conheçam a realidade das
escolas de música no Brasil, bem como de ações que venham a contribuir para que o
Ensino de Instrumento se fortaleça a cada dia.

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Algumas considerações a respeito do ensino do instrumento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

SANTIAGO, Diana. Sobre a Construção de Representações Mentais em Performance


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..............................................................................
Rejane Harder é Doutora em Música/Educação Musical pela Universidade Federal da Bahia,
Bacharel em Flauta Transversal pela Faculdade Estadual de Música do Espírito Santo. É também
licenciada em Pedagogia com especialização em Administração Escolar pela Faculdade Estadual
de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná. Ocupa atualmente o cargo de Prof. Adjunto de
Educação Musical na Universidade Federal de Sergipe. Atuou como flautista da Orquestra
Filarmônica do Espírito Santo de 1990 a 2008 e como professora de Flauta Transversal da
Faculdade Estadual de Música do Espírito Santo de 1993 a 2002.

142. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . opus
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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

revista da número 11
setembro de 2004
abem

A visão dos professores de


música sobre as competências
docentes necessárias para a
prática pedagógico-musical no
ensino fundamental e médio
Daniela Dotto Machado
Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
daniela_dotto@uol.com.br

Resumo. A pesquisa de que trato neste artigo teve como objetivo investigar as competências
docentes que, na visão dos professores de música atuantes no ensino fundamental e médio, são
necessárias para o exercício da prática pedagógico-musical no contexto escolar. Para a análise
dos dados tomei como fundamentação teórica a noção de competência de Philippe Perrenoud.
Nesse estudo empreguei o método de survey. Através dele foram selecionados 12 professores de
música atuantes no ensino fundamental e médio de Santa Maria (RS), que participaram da pesquisa.
As informações dos docentes foram coletadas por meio de entrevistas semi-estruturadas. Sete
competências docentes foram identificadas: 1) elaborar e desenvolver propostas de ensino musical
no contexto escolar; 2) organizar e dirigir situações de aprendizagem musical “interessantes” aos
alunos; 3) administrar a progressão de aprendizagens musicais dos alunos; 4) administrar os
recursos que a escola dispõe para a realização do ensino de música; 5) conquistar a valorização
do ensino musical no contexto escolar; 6) relacionar-se afetivamente com os alunos, estipulando e
mantendo limites; e 7) manter-se em continuado processo de formação profissional.

Palavras-chave: competências docentes, formação de professores, formação continuada de


professores

Abstract. This research aimed to investigate the teaching competencies necessary for the exercise
of the musical-pedagogical practice in the school context, from the perspective of elementary and
high school music teachers. The theoretical framework adopted was that of Philippe Perrenoud. The
method chosen to carry out this research was the survey. Twelve active music teachers of elementary
and high school levels in Santa Maria (RS) were investigated. Data were collected through semi-
structured interviews. Seven competencies were identified: 1) To elaborate and develop proposals
for music teaching within the school context; 2) To organize and direct “interesting” situations of
music learning for the students; 3) To administrate the progression of musical learning among the
students; 4) To administrate the funds that the school dispose for music making; 5) To conquer the
value of music teaching in the school context; 6) To have a relationship with the students but setting
some limits; and 7) to maintain an updated the process of professional learning.

Keywords: teaching competencies, teacher initial education, in-service education

Introdução

Na literatura da área da educação musical, a ído totalmente à qualificação dos docentes para en-
formação dos professores de música, que se desti- frentarem a realidade do mercado de trabalho
nam a atuar no ensino básico, tem se tornado um (Beineke, 2001; Hentschke, 2000; Souza, 1997). Em
dos assuntos mais enfatizados, uma vez que os função disso, e de outras constatações, como a
cursos de licenciatura em música não têm contribu- amplitude que pode ter a atuação prática dos profes-

37
MACHADO, Daniela Dotto. A visão dos professores de música sobre as competências docentes necessárias para a
prática pedagógico-musical no ensino fundamental e médio. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 37,45, set. 2004.
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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

número 11 revista da
setembro de 2004
abem

sores de música na sociedade (Hentschke, 2001; Na educação, a noção de competência tem


Oliveira, 2001; Souza, 2001), a necessidade de um sido incorporada numa tentativa de aproximar a es-
perfil profissional mais adequado às exigências atu- cola ao mundo do trabalho (Ramos, 2001), pois, como
ais e as novas determinações legais com relação à tem sido possível averiguar, o tipo de educação ofe-
formação dos professores, é que se tem cada vez mais recido tem se apresentado distante das demandas
discutido a formação continuada dos docentes. da atuação prática profissional, acarretando um
Publicações da área educacional encontradas despreparo dos jovens ao ingresso no mercado de
revelam que muitos dos programas de formação con- trabalho. Em função disso é que Tanguy (1997) afir-
tinuada oferecidos até então têm ignorado as ques- ma que o movimento pedagógico centrado na com-
tões que norteiam as práticas pedagógicas, e não petência foi assumido inicialmente no ensino técni-
contribuem para o desenvolvimento de competênci- co e profissionalizante.
as docentes e uma maior autonomia e criticidade
desses profissionais na realização de suas práticas Ainda, é possível verificar que a noção de com-
educativas (ver Barilli, 1998; Gutierrez, 2001). Na área petência foi surgindo e foi sendo empregada cada
específica de educação musical, pude ainda averi- vez mais ao se tratar da formação dos professores
guar a existência de poucas pesquisas sobre os diante das mudanças nas funções sociais da edu-
cursos ou programas de formação continuada exis- cação e da escola, que têm ressignificado tal ativi-
tentes e/ou relatos de experiências que buscam infor- dade profissional. Vista desse modo, a atividade
mações para alimentar discussões sobre a formação docente buscou superar o ato técnico que era dado
continuada dos professores. Desse modo, visando ao ofício de ensinar.
auxiliar nas discussões e nas elaborações de progra-
mas de formação continuada para os docentes de No Brasil, com o sancionamento da atual Lei
música em serviço, essa pesquisa, de que trato neste de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no
artigo, foi proposta e realizada tendo como objetivo 9.394) no ano de 1996, a noção de competência
identificar as competências docentes que, na visão aparece sendo utilizada nos novos documentos go-
dos professores de música atuantes no ensino funda- vernamentais que se destinam a guiar os diversos
mental e médio, são necessárias para o exercício da níveis de ensino, desde o básico até o superior.
prática pedagógico-musical no contexto escolar.
Diante das novas determinações governamen-
Este artigo apresenta-se dividido em quatro tais, a necessidade de um perfil dos docentes mais
partes. Na primeira parte abordo, de forma breve, o adequado às demandas do mercado de trabalho é
processo de adoção do termo “competência” na área reforçada, acarretando discussões no âmbito aca-
educativa e a relevância de se desenvolver pesqui-
dêmico, principalmente com relação às formações
sas na ótica dos docentes. Na segunda, apresento
(inicial e/ou continuada) dos docentes. É possível
a noção de competência que utilizo como fundamen-
perceber que esse assunto tem aparecido ressalta-
tação teórica para análise dos dados colhidos por
esse estudo. Na terceira, procuro descrever sucinta- do nas publicações de autores da literatura nacional
mente o método de pesquisa utilizado. Na quarta, e internacional da área da educação, dos quais des-
trato das competências docentes identificadas na taco: Kincheloe (1997); Marcelo García (1995, 1999);
visão dos professores de música, as quais são ne- Perrenoud (2000, 2001a; 2001b); Schön (1995, 2000).
cessárias à prática pedagógico-musical no ensino Na área da educação musical brasileira verifico au-
fundamental e médio. tores que também refletem sobre esse assunto,
como: Arroyo (1991), Beineke (2000, 2001), Del Ben
A inserção da noção de competência na (2001), Figueiredo (1997), Hentschke (2000, 2001),
educação Hentschke e Oliveira (2000), Souza (1997, 2001).
Na atualidade, o uso da noção de competên-
Na busca por contribuir com as reflexões em
cia não se constitui em uma novidade, pois há tem-
torno da formação docente, bem como para a
pos vem sendo utilizada em diversos contextos e
reestruturação e a criação de novas propostas de
com diferentes significados (Ropé; Tanguy, 1997).
No entanto, seu conceito emerge numa tentativa de formação inicial e continuada desses profissionais,
identificar a ampliação e o singular enriquecimento pesquisas pertencentes à linha de formação de
das habilidades, conhecimentos e entendimento professores vêm sendo realizadas. Inúmeras dessas
demandados no cenário contemporâneo para uma investigações são efetuadas tendo como foco a aná-
performance trabalhista satisfatória (Zúñiga, 2000). lise dos depoimentos de docentes.

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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

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A ótica docente como foco de análise em Segundo Perrenoud (2000, p. 15), as compe-
pesquisas na área educativa tências profissionais são construídas no decorrer da
formação como também do exercício prático. Nesse
Pesquisadores educacionais, ao perceberem sentido, o processo de construção e o grau de com-
e assumirem o protagonismo dos docentes, reco- plexidade da competência depende das circunstân-
nhecendo-os como um dos principais agentes en- cias ou situações enfrentadas pelo professor. É a
volvidos no processo educativo (Nóvoa, 1995; Pimen- partir do reconhecimento da ordem de complexida-
ta, 1997), entendem que o fato de os mesmos parti- de de tais situações que uma competência será
ciparem de pesquisas, expondo suas percepções, edificada.
idéias e concepções, torna-se imprescindível para
entender suas atuações práticas de ensino, assim A construção de uma competência parece ser
como suas formações profissionais. Nesse sentido, uma tarefa impossível de acontecer sem a elabora-
Del Ben (2001) aponta a necessidade de superação ção de esquemas de mobilização de recursos
da representação social de que os docentes sejam (Perrenoud, 1999). O termo “esquemas” é compre-
agentes passivos e não reflexivos. Como essa mes- endido e empregado, na ótica do autor, na mesma
ma pesquisadora destaca, ao refletir sobre a litera- perspectiva de Jean Piaget. Ou seja, como uma es-
tura da área educacional: trutura invariante de uma operação ou de uma ação
que, por permitir acomodações menores, enfrenta
Assumir o protagonismo dos professores supõe aceitar
sua capacidade de fazer julgamentos, refletir e tomar
uma gama de situações que possuem estruturas
decisões, tendo como base suas próprias concepções, idênticas (Perrenoud, 1999, p. 23). Perrenoud (2001b,
crenças, conhecimentos e experiências, articulados p. 161) chama de esquemas de ação “[…] aquilo
com suas percepções sobre os alunos e com fatores que, em ação, é transferível, generalizável ou dife-
externos à sua atuação, pré-figurados, de uma forma
ou de outra, em contextos sociais e institucionais renciado entre uma a situação e outra; em outras
particulares. (Del Ben, 2001, f. 24). palavras, aquilo que há de comum nas diversas re-
petições ou aplicações da mesma ação”.
Assim, estudos como esse, que se dedicam
à análise da ótica de docentes, são propostos e Como aborda Philippe Perrenoud, sua noção
efetuados na tentativa de melhor entender e modifi- de competência insiste em quatro aspectos:
car qualitativamente tanto as formações como as
práticas pedagógicas desses profissionais. É possí- 1. As competências não são elas mesmas
vel destacar que na área de educação musical algu- saberes, saber-fazer ou atitudes, mas mobili-
mas pesquisas foram realizadas sobre a temática zam, integram e orquestram tais recursos.
“competências docentes”, focalizando o estudo de
depoimentos de professores. 2. Essa mobilização só é pertinente em situ-
ação, sendo cada situação singular, mesmo
A definição de competência tomada para a que se possa tratá-la em analogia com ou-
análise dos dados: noção de Philippe tras, já encontradas.
Perrenoud
3. O exercício da competência passa por ope-
Na investigação realizada, a expressão “com- rações mentais complexas, submetidas por
petências profissionais” foi entendida pela ótica de
esquemas de pensamento, que permitem de-
Philippe Perrenoud, como uma gama variada de co-
terminar (mais ou menos consciente e rapi-
nhecimentos da profissão, de esquemas de ação e
de posturas que são mobilizados na atuação prática damente) e realizar (de modo mais ou menos
da profissão, podendo ser de ordem cognitiva, afetiva eficaz) uma ação relativamente adaptada à
e prática (Perrenoud et al., 2001, p. 12). Nessa pers- situação.
pectiva, tendo como base as concepções de Pierre
Bourdieu, a definição de competência é defendida 4. As competências profissionais constro-
por Philippe Perrenoud como sendo a capacidade em-se em formação, mas também ao sa-
humana de mobilizar diversos recursos1 com o pro- bor da navegação diária de um professor,
pósito de enfrentar um conjunto de situações que de uma situação de trabalho à outra.
apresentam analogias de estrutura (Perrenoud, 1999). (Perrenoud, 2000, p. 15).

______________________________________________________________________________________________________________

1
Como destaca o autor, essa concepção “[…] acrescenta o valor de uso dos recursos mobilizados, assim como uma receita
culinária engrandece seus ingredientes, pois ordena-os, funde-os em uma totalidade mais rica do que sua simples união aditiva”
(Perrenoud, 1999, p. 28, grifo do autor).

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Na ótica de Perrenoud (2000), descrever uma Instrumento de coleta de dados: entrevista


competência evoca três aspectos: os tipos de situa- semi-estruturada
ções, a natureza dos esquemas de pensamento e
Na realização da pesquisa, utilizei, como ins-
os recursos mobilizados.
trumento de coleta de dados, a entrevista semi-
Método de investigação estruturada. É mister ressaltar que para a realiza-
ção da coleta de dados com a utilização da entrevis-
Ao refletir sobre o objetivo desse estudo e as ta semi-estruturada elaborarei um roteiro para a mes-
características dos métodos de pesquisa existen- ma, a fim de que diminuíssem as chances de perda
tes, optei por utilizar o método de survey. O método de dados importantes à pesquisa.
de survey não se refere necessariamente a um estu-
do de todos os componentes de uma população, mas Procedimentos de análise dos dados
a uma amostra representativa da mesma (Babbie, O processo de análise dos dados englobou:
1999; Cohen; Manion, 1994). 1) a transcrição das entrevistas realizadas; 2) a
categorização das respostas fornecidas pelos pro-
O método de survey que foi empregado pos-
fessores entrevistados de acordo com: a formação
sui desenho interseccional (ou cross-sectional); nes-
profissional; a atuação profissional e a prática peda-
se tipo de desenho de survey a coleta dos dados é
gógico-musical na escola versus competências do-
realizada uma única vez, em um determinado perío- centes; 3) análise qualitativa de dados através de
do de tempo, com cada indivíduo da amostra seleci- sua codificação por assuntos relevantes à pesquisa;
onada (Babbie, 1999, p. 101). A decisão de optar por 4) redação dos resultados e discussão dos mesmos;
esse tipo de desenho de survey ocorreu a partir das e 5) textualização2 das falas das entrevistas que fo-
reflexões que realizei sobre o objetivo geral dessa ram transcritas.
investigação, os recursos financeiros e o tempo dis-
ponível para a sua realização. Resultados da pesquisa: as competências
docentes necessárias para a prática
Amostra da pesquisa pedagógico-musical no ensino fundamental e
médio, na visão dos professores de música
Para a seleção dos professores de música
que fizeram parte da amostra dessa pesquisa, fo- Elaborar e desenvolver propostas de ensino
ram realizadas duas etapas seletivas. musical no contexto escolar

Na primeira etapa de seleção da amostra Da totalidade dos docentes entrevistados,


totalizei 17 professores de música. Tal processo de 83,33% apontam a necessidade de os professores
seleção da amostra ocorreu tendo em vista três cri- de música apresentarem interesse e disposição para
térios de seleção, que foram os seguintes: 1) atuar elaborar e desenvolver propostas de ensino musical
como professor de música em escola(s) pública(s) no contexto escolar, pois, como salienta um profes-
e/ou privada(s) do ensino fundamental (de 5a à 8a séri- sor: “ele [o professor de música] tem que ter um
es) e ensino médio da cidade de Santa Maria (RS); 2) projeto de trabalho”. Essa competência torna-se re-
desenvolver propostas de ensino musical nessas es- levante à realização da prática pedagógico-musical
específica no contexto escolar, pois foi constatada a
colas, independentemente das mesmas estarem
inexistência de disciplinas3 e currículos estruturados
inseridas no currículo (disciplina) ou fora dele (como
específicos destinados ao ensino musical no ensino
banda, grupo instrumental, coral – desde que a oferta
fundamental e médio onde os professores entrevis-
fosse gratuita); e 3) aceitar colaborar com a pesquisa. tados atuam.
A segunda etapa de seleção ocorreu diante Desses 83,33% de docentes, 90% salienta-
da necessidade e possibilidade de se realizar um ram a necessidade de as propostas de ensino musi-
refinamento da amostra. Assim, objetivando garantir cal irem ao encontro dos interesses dos educandos:
uma representatividade de cerca de 70% da amos-
tra da primeira etapa de seleção, foram seleciona- “[…] Eu acho que basicamente isso: o que que eu
quero […] e o interesse dos alunos também acho que
dos 12 indivíduos dos 17 resultantes da listagem da conta. […] Eu acho que [é] baseado em cima disso que
amostra da primeira etapa. eu vou montar uma proposta.”

______________________________________________________________________________________________________________

2
Segundo Gattaz (1996), o processo de textualização caracteriza-se por uma reformulação dos dados que foram transcritos
literalmente dos depoimentos dos indivíduos.
3
Refiro-me às disciplinas de música propriamente ditas, não às de “educação artística”.

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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

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Como aparece apontado na literatura da edu- Como defende Perrenoud (1999), os docen-
cação musical, talvez o embate entre as práticas de tes devem possibilitar espaços para os interesses
ensino musical e as expectativas e interesses dos dos discentes. Contudo, compreende que “o profes-
alunos possa ter sido uma das causas da grande sor não está ali para atender a qualquer preço as
insatisfação de alunos e de professores de música demandas dos alunos”, mas, sim, realizar negocia-
na escola, ao longo dos últimos tempos (Souza, ções, escutando sugestões e críticas dos discentes
2000). Como destaca Souza (2000), a insatisfação para que possa enfrentar melhor as situações com
quanto às vivências musicais ofertadas no ambiente que irá se deparar durante o processo de ensino e
escolar tem desencadeado a evasão dos alunos e a aprendizagem (Perrenoud, 1999, p. 62). Não obs-
desistência dos professores de música de suas prá- tante, o fato de os professores possibilitarem lugar
ticas de ensino. às sugestões e interesses discentes no ensino de
música sugere que os docentes talvez estejam ci-
O fato de os professores de música acredita- entes que das experimentações que os alunos reali-
rem ser importante considerar os interesses dos alu- zam são produzidos conhecimentos, representações
nos na elaboração de suas propostas de ensino e significados que não podem ser ignorados no pro-
musical denota que tais profissionais estão reconhe- cesso de ensino e aprendizagem musical.
cendo e valorizando as outras vivências musicais que
não somente as oferecidas na escola. Assim, ao Além disso, destaca-se ainda que 25% dos
refletir sobre a ótica dos docentes e dos autores da docentes que participaram da pesquisa abordaram
área da educação musical (Souza, 2000; Tourinho, a necessidade dos professores de música partirem
1995), é possível inferir que as propostas de ensino das representações que seus discentes possuem
musical precisam ser sustentadas no contexto esco- sobre música, como ilustram os relatos que seguem:
lar não só como área de conhecimento, mas também
Faz a ligação da tua vivência com as deles […] Por
por meio do sentido e da importância que os saberes exemplo, […] o gosto musical é traduzido pelas
musicais têm na formação e na vida dos alunos. vivências […] da tua vida, através dos teus pais,
através dos teus irmãos, através dos teus amigos.
Organizar e dirigir situações de aprendizagem Então, disso aí é que eu acho importante partir para
musical “interessantes” aos alunos começar a produzir qualquer coisa.

Durante suas atuações profissionais ensinan- Nesse sentido, as falas dos docentes con-
do música, 58,33% dos professores entrevistados cordam com Perrenoud (2000, p. 28) quando afirma
revelaram que um dos problemas que dificultam a que “[…] o aprendiz não é uma tábula rasa, uma
aprendizagem musical dos discentes é a falta de mente vazia; ele sabe, ao contrário, ‘muitas coisas’,
concentração, interesse e motivação dos mesmos questionou-se e assimilou ou elaborou respostas que
com relação às situações de aprendizagem4 que são o satisfazem provisoriamente”.
promovidas na realização das propostas de ensino
Administrar a progressão de aprendizagens
musical no contexto escolar. Em função disso, es-
musicais dos alunos
ses docentes demonstraram acreditar que os pro-
fessores de música necessitam organizar situações Da totalidade dos docentes entrevistados,
de aprendizagens “interessantes”5 aos alunos, por- 91,66% defendem a necessidade de os professores
que elas podem facilitar o aprendizado e aumentar o de música administrarem a progressão de aprendi-
interesse deles pelas aulas de música. Defendendo zagens musicais dos alunos. Na visão desses do-
a importância dessa competência docente à prática centes essa competência é considerada importan-
de ensino musical, destaco o relato que segue: te, pois nem todos os alunos pensam e aprendem
Eu acho que se você chegar e quiser dar teoria para música ao mesmo tempo e do mesmo modo, como
eles, isso aí eles não vão aceitar. Então tu tens que salienta a fala que segue:
levar, por exemplo, todos elementos da música de um
modo lúdico, para que eles achem interessante. Se tu […] às vezes para mim é fácil assimilar um
fores lá dar pausa, tempo, notação, eles odeiam isso, conhecimento, peguei, pronto. Mas ninguém pensa
dado assim como conteúdo. […] Tem que ser um profes- igual, graças a Deus. É preciso você também conhecer
sor criativo, que ele saiba transformar todo esse os limites, a potencialidade de cada um que trabalha
conteúdo em aulas práticas e lúdicas. contigo (grifo meu).
______________________________________________________________________________________________________________

4
A expressão “situações de aprendizagem” é utilizada nessa pesquisa entendida na ótica de Perrenoud (2000). Segundo o autor,
essa expressão “acentua a vontade de conceber situações didáticas ótimas, inclusive e principalmente para os alunos que não
aprendem ouvindo lições. As situações assim concebidas distanciam-se dos exercícios clássicos, que apenas exigem a
operacionalização de um procedimento conhecido.” (Perrenoud, 2000, p. 25).
5
O termo “interessantes” foi adotado por ser constantemente utilizado pelos docentes, diante de suas preocupações em contemplar
os interesses dos educandos.

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Em função dessa constatação, pude verificar, rem e utilizarem recursos tecnológicos na aula de
de acordo com a ótica dos docentes entrevistados, música. No entanto, apenas 33,33% dos docentes
que aos professores de música é demandada a cons- entrevistados os têm à sua disposição na escola.
trução de seqüências didáticas de acordo com o ní- Entre tais recursos didáticos utilizados para motivar
vel dos alunos. Não obstante, ao colocar tais se- e efetivar a aprendizagem musical dos alunos, 25%
qüências em prática, esses profissionais devem ob- professores de música destacam a Internet. Assim,
servar e acompanhar cuidadosamente os desenvol- 33% dos docentes ressaltam que é necessário aos
vimentos de seus alunos para que possam propor professores de música “[…] saber ocupar todos os
ou inserir, caso necessário, outras situações de meios tecnológicos que ela [a escola] lhe propõe
aprendizagem. Desse modo, os professores podem […]”. Entendo que os professores de música, ao fa-
conduzir os alunos em seus processos de aprendi- zerem uso de computadores, programas, Internet ou
zagem sem que os mesmos “queimem”6 etapas. quaisquer outros recursos tecnológicos no ensino
musical no contexto escolar, estão fornecendo uma
No desenvolvimento do ensino musical nos educação mais interessante e relevante aos alunos,
contextos escolares, 8,33% dos docentes entrevis- pois os preparam para utilizar esses recursos tam-
tados, ao perceberem a existência de alunos com bém em suas vidas, fora da escola. Nesse sentido,
níveis e possibilidades distintas de habilidade instru- Perrenoud (2000, p. 127) destaca que:
mental, acreditam ser imprescindíveis aos professo-
res atitudes quanto à não exclusão de alunos ini- Ninguém pensa que, utilizando um quadro-negro em
aula, preparem-se os alunos para usá-lo na vida. Com
ciantes ou com maiores dificuldades. Assim, os do-
o computador é diferente. Não é um instrumento próprio
centes entrevistados sugerem que o professor de da escola, bem ao contrário. Pode-se esperar que, ao
música deve promover vivências musicais em grupo, utilizá-lo nesse âmbito, os alunos aprendam a fazê-lo
propiciando que todos os alunos possam participar em outros contextos. (Perrenoud, 2000, p. 127).
independentemente dos níveis e possibilidades nos
Ao refletir sobre os avanços tecnológicos e suas
quais possam se encontrar.
influências na educação musical dos estudantes, Sou-
Nesse sentido, os relatos desses docentes za (2000, p. 53) entende que, na atualidade, os pro-
revelam a necessidade dos professores de música fessores de música têm a possibilidade de “responder
respeitarem e saberem lidar como essas diferenças aos desafios tecnológicos e lidar com as influências
entre as pessoas, com muita paciência. Desse modo, das transformações globais na formação musical”.
entendo que os depoimentos docentes parecem con-
Conquistar a valorização do ensino musical
cordar com Perrenoud (2000, p. 41) quando afirma
no contexto escolar
que “não se pode programar as aprendizagens hu-
manas como a produção de objetos industriais”, de- Todos os professores de música entrevista-
vido às diferenças entre as pessoas e suas respec- dos acreditam que tanto os alunos quanto as insti-
tivas autonomias. tuições onde lecionam gostam e valorizam as ativi-
dades musicais desenvolvidas na atualidade, nas
Administrar os recursos que a escola dispõe
escolas de ensino fundamental e médio. No entanto
para a realização do ensino de música
isso não ocorreu, segundo a maioria dos relatos,
Da totalidade dos professores entrevistados, desde o princípio da inserção e atuação desses edu-
66,66% demonstram insatisfação quanto aos espa- cadores no contexto escolar. Ou seja, a conquista
ços físicos e os materiais didáticos disponíveis para da valorização da prática pedagógico-musical no
o desenvolvimento das atividades musicais nas es- contexto escolar tem exigido grande empenho des-
colas de ensino fundamental e médio onde lecionam. ses profissionais desde o início da realização de seus
A partir dos relatos dos professores entrevistados trabalhos. Pode-se verificar isso no relato a seguir:
que não possuem salas de aulas apropriadas e/ou Eu acho [que a valorização ocorreu a partir] da minha
específicas para a realização do ensino de música prática. Por exemplo, […] depois que você se
nas escolas, verifiquei que as práticas de ensino estabelece dentro da escola, que você mostra como é
que é o seu trabalho, as pessoas lhe respeitam como o
musicais têm exigido desses docentes muita profissional que você é.
criatividade e disposição para realizar o aproveita-
mento dos espaços físicos disponíveis. Vale ressaltar que 75% dos docentes afirmam
que esse reconhecimento aconteceu não só pelos
Através dos relatos dos docentes averigüei a membros da administração escolar, mas também
necessidade de os professores de música domina- pelos professores das outras disciplinas da escola
______________________________________________________________________________________________________________

6
Termo utilizado por um dos docentes.

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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

revista da número 11
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que inicialmente não reconheciam a música como […] as professoras não buscam somente desenvolver
um conjunto de habilidades musicais específicas, sem
área de conhecimento, desvalorizando o trabalho e
que isso leve a alguma transformação ou contribua de
a atuação dos docentes entrevistados, como relata algum modo para as formas de pensar, sentir e agir de
um dos professores: seus alunos. Não estão preocupadas somente com a
formação musical específica dos alunos. (Del Ben,
Eu tive dificuldade quando eu comecei. Há quase 20 2001, f. 240).
anos, os professores diziam assim “é…, você ganha
muito para fazer o que faz”. Aí, um dia, […] eu preparei Desse modo, mesmo que a relação entre pro-
os alunos organizei tudo e não fui num dia antes [da
fessores e alunos seja, em sua maioria, caracteriza-
apresentação]. Eu não fui para deixar o último ensaio
com uma das professoras. Aí, eu mostrei para ela que da pela amizade, exige estipulação de alguns limi-
era importante. Que não era assim como eu vou dizer tes pelo professor aos educandos. Sem tais limites,
assim, vai lá e não faz nada. Claro, não tem coisa como o respeito e o discernimento do que é permiti-
melhor do mundo que trabalhar cantando. Não tem! […]
Aí, eu mostrei que não era uma brincadeira. Eu acho do ou não de ser feito nas aulas de música, não
que é por aí, a gente tem que mostrar que a coisa não é existem maneiras de organizar e desenvolver uma
assim, que tu tens que ter uma competência para poder prática pedagógico-musical no contexto escolar,
trabalhar com eles. Não é uma brincadeira. É um trabalho
como qualquer outro. Acho que até mais difícil, porque o
como foi possível se constatar nos relatos dos pro-
outro dá o exercício no quadro enquanto a gente fica fessores entrevistados.
trabalhando com um monte de idéias, com tentar organizar
todo mundo ao mesmo tempo. Eu acho que você tem que Manter-se em continuado processo de
ter uma competência dentro de classe, nesse sentido, formação profissional
assim de mostrar o quanto são importantes as coisas
para não ficar só na brincadeira. E mesmo com esse tom Verifiquei nos relatos da totalidade dos docen-
de brincadeira, fazer uma coisa séria.
tes que suas formações não os têm preparado sufi-
Os professores entrevistados são unânimes cientemente para lecionarem música nos contextos
ao afirmar que os professores de música devem lu- escolares. Desse modo, os docentes entrevistados
tar, através da realização de um trabalho de boa qua- mencionaram que tentam buscar alternativas para
lidade, pela valorização e respeito profissional por melhorar suas qualificações e, conseqüentemente,
parte de toda a comunidade escolar. suas práticas pedagógico-musicais. Uma delas é a
aquisição de materiais como livros, revistas, jornais,
Relacionar-se afetivamente com os alunos, uso da Internet e a realização de outras atividades,
estipulando e mantendo limites como ir a concerto e ouvir rádio. Além da procura e
Embora todos os professores entrevistados utilização desses recursos, 75% dos docentes des-
possibilitem espaços para as brincadeiras e conver- tacam a realização de cursos de formação continua-
sas, eles salientaram a necessidade de os profes- da, como salienta a fala que segue:
sores de música fazerem com que os alunos com- Ele [o professor de música] tem que estar sintonizado
preendam que a relação de amizade estabelecida também com o que está acontecendo no mundo, o que
entre eles deve possuir limites fundamentais para o que está acontecendo além da sala de aula, ele tem
convívio entre ambos (professor e alunos): que estar atento ao que a sociedade, as pessoas estão
cogitando sobre o pensar da humanidade, ele tem que
[…] eu sempre coloco limites para eles. Eu mostro até estar sempre atento, buscando.
onde eu posso ser aquela pessoa simpática, alegre,
legal, que brinca ensinando. Mas, eu também já mostrei Entre as justificativas dadas por esses 75%
para eles onde é que eu preciso deixar de brincar e dos docentes para a procura da formação continua-
falar mais sério.
da salienta-se a velocidade com que as novas infor-
Ao refletir sobre as falas dos entrevistados, mações e conhecimentos são produzidos e comuni-
foi possível verificar a necessidade de o professor de cados. Pude constatar que a aquisição de saberes
música saber quando e como chegar nos alunos e atualizados é relevante à prática dos docentes, pois
interferir, numa tentativa de esclarecer as condutas precisam estar contextualizados para motivar seus
exigidas do grupo para participar da aula de música alunos, inclusive, através de temáticas atuais em
e/ou demandadas ao relacionamento social. torno da música. Confirmando a afirmação dos do-
centes, Barilli (1998, p. 44) afirma que
A partir dos relatos dos docentes, averigüei
que a aula de música, assim como as aulas das […] hoje, a velocidade e dinamismo com que o
outras disciplinas propostas pela escola, busca, entre conhecimento é produzido e transmitido fazendo com
que, num curto espaço de tempo esse mesmo
seus objetivos, preparar os alunos para enfrentar a conhecimento se torne obsoleto, exige do professor
vida e atuar na realidade do mundo. Assim, os resul- uma constante capacitação, não somente para preparar
tados desta pesquisa concordam com os alcança- o aluno para o mercado de trabalho, como também
dos por Del Ben (2001): para fazer uso da tecnologia no ensino.

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UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 45
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

número 11 revista da
setembro de 2004
abem

Verifiquei através dos relatos docentes que, Conclusão


independentemente de realizarem ou não formação
continuada, 91,66% acreditam que “manter-se em Ao tomar o referencial de competências de
contínuo processo de formação profissional” é uma Philippe Perrenoud como auxiliar para a discussão
competência necessária ao professor de música atu- dos dados, percebi que ele não contempla todas as
competências docentes necessárias aos professo-
ante no ensino fundamental e médio:
res de música identificadas na visão dos entrevista-
[…] eu vejo sempre importante fazer uma comparação. dos. Talvez isso ocorra pelas particularidades do
Uma casa sem alicerce, ela não dura muito tempo de ensino musical no contexto educacional onde os
pé. Um profissional sem reforçar os seus alicerces,
ele também não consegue se manter, mas também não
docentes entrevistados atuam. Nesse sentido, os
só isso. Quando eu digo não só isso, é que ele tem que dados dessa pesquisa reforçam o que Perrenoud
buscar essa formação [continuada], ele não pode ficar (2000, p. 14) tem salientado com relação ao fato de
somente no tradicional. que um referencial de competência não é e não pode
ser visto como algo definitivo, exaustivo.
Esse resultado aponta para o que tem sido
ressaltado na literatura da área da educação musi- Considero que as sete competências verificadas
cal nos últimos tempos. Do mesmo modo que os por esse estudo são frutos de um primeiro mapea-
docentes, Hentschke (2000) entende que os profes- mento sobre esse assunto. Sugiro que outras investi-
sores de música não devem se contentar com a for- gações semelhantes a essa sejam realizadas em di-
mação recebida em cursos superiores de licenciatu- ferentes contextos de ensino, uma vez que competên-
ra em música. Conforme essa pesquisadora, os pro- cias docentes, iguais ou não às apontadas pelos pro-
fessores em serviço necessitam recorrer continua- fessores de música entrevistados nessa pesquisa,
mente às atividades de formação continuada exis- podem ser identificadas. A partir desses dados talvez
tentes, para que possam ter maior contato com a se possa oferecer uma formação continuada aos pro-
literatura da área da educação musical e trocar infor- fessores, direcionada para auxiliá-los a desenvolver as
mações com outros professores de música sobre competências docentes necessárias, de acordo com
suas práticas educativas. a realidade que enfrentam.

Referências
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UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 46
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

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setembro de 2004
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Recebido em 14/06/2004

Aprovado em 21/07/2004

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UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro 47

O ensino de música extracurricular na Escola Técnica Federal em Florianópolis/SC:


relato de experiência sobre uma oficina de improvisação musical realizada

Maycon José de Souza1


Universidade do Estado de Santa Catarina – Udesc
mayconjsouza@yahoo.com.br
Daniela Dotto Machado2
Universidade do Estado de Santa Catarina – Udesc
danielamusica2004@yahoo.com.br

Resumo. Esta publicação constitui-se num relato de experiência de estágio orientado, que foi realizado
durante o primeiro semestre de 2005. Tal atividade é desenvolvida na disciplina de Prática de Ensino da
Música - Estágio V, no Curso de Licenciatura Plena em Educação Artística com Habilitação em Música da
Universidade do Estado de Santa Catarina. A atividade prática de estágio, aqui relatada, é caracterizada por
ser uma atividade extracurricular de ensino musical. Foi realizada na Escola Técnica Federal localizada na
cidade de Florianópolis/ SC. Neste trabalho, será apresentada a proposta pedagógico-musical, que foi posta
em prática durante o semestre letivo, bem como algumas considerações gerais sobre o trabalho realizado.

1. Apresentando a proposta de ensino musical


A elaboração desse projeto de ensino extracurricular ocorreu a partir da reflexão do
acadêmico sobre sua formação como músico, que iniciou em bandas de sopros passando
por grupos instrumentais de MPB e Jazz. Ao se ter como uma das funções do educador
musical o desenvolvimento de uma maior musicalidade dos alunos em suas diversas
maneiras, a proposta de estágio foi concebida. Ela tem como objetivo geral viabilizar uma
formação musical mais sólida aos alunos da Escola Técnica, e oriundos da comunidade
local de Florianópolis, através das atividades de improvisação em grupo.
A idéia de elaborar esta oficina surgiu quando o discente estava fazendo o Estágio
IV na Escola Técnica. Nessa instituição, foi convidado pelo professor efetivo da instituição
a participar dos ensaios da banda, que faz parte da escola. A banda tem como repertório
músicas populares, jazz e blues. Durante os ensaios surpreendeu o fato de que a banda não
tinha integrantes com competências para improvisar nos solos das músicas. Foi a partir
deste problema que surgiu a idéia de fazer a última prática de estágio nessa escola, com o
objetivo de desenvolver nos integrantes da banda e da orquestra algumas competências para

1
Acadêmico, formando do Curso de Licenciatura com Habilitação em Música da UDESC.
2
Professora Mestra do Departamento de Música da UDESC.
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 48
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro
2

que pudessem improvisar e solar nas músicas do repertório. Assim, nesta oficina
participaram alunos da Escola Técnica e outras pessoas oriundas da comunidade local de
Florianópolis.
Ao conhecer, antecipadamente, o perfil dos alunos que iriam participar desta
proposta de ensino musical, sendo que uma das características desse perfil é o fato dos
mesmos já tocam e trazem consigo uma bagagem musical, alguns questionamentos
fizeram parte do processo de realização do estágio, que são: Como administrar uma aula
de música para todos e ao mesmo tempo atender estas diferenças musicais entre os
alunos? Já que os alunos estão de livre e espontânea vontade, quais serão os atrativos
para manter os alunos na oficina até ao final do estágio?

1.1 Objetivos da proposta


1.1.1 Objetivo Geral: Viabilizar uma formação musical mais sólida para os alunos da
Escola Técnica e para outras pessoas da comunidade local de Florianópolis, através da
atividade de improvisação em grupo.

1.1.2 Objetivos Específicos:


- Propiciar aos alunos participantes da oficina de improvisação:
- Contato e a aprendizagem da leitura musical formal tradicional;
- Vivências musicais em grupo, priorizando a atividade de improvisação musical;
- Desenvolvimento de algumas habilidades e competências necessárias para a
realização da improvisação em prática em conjunto;
- Contato e o conhecimento sobre os estilos musicais de banda e orquestra*.
- O conhecimento e a realização prática de diversos ritmos musicais pertencentes a
estilos específicos;
- O desenvolvimento da percepção dos alunos com relação à apreciação musical.

1.2 Conteúdos a serem trabalhados: Conhecimentos práticos de:


1. Técnicas instrumentais: digitação, embocaduras, respiração e sonoridade;
2. Conhecimento teórico que englobe: sinais de alteração, compasso simples e compostos,
escalas, intervalos, acordes, arpejos, cifras da harmonia populares.
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 49
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro
3

1.3 Justificativa
No curso de Licenciatura Plena em Educação Artística com Habilitação em Música da
UDESC, os Estágios I, II, III e IV são realizados em escolas, através de atividades
curriculares. O Estágio V abre espaço para que o acadêmico possa realizar seu estágio em
outros locais, além da educação básica, e focar outras propostas de ensino musical. Assim,
o estágio V dá a possibilidade de se desenvolver oficinas de música, onde os participantes
possam participar por livre e espontânea vontade.
Outra justificativa para a realização dessa prática de estágio é a necessidade de se
desenvolver nos alunos e integrantes da comunidade de Florianópolis competências e
habilidades para que esses possam improvisar e solar nas práticas musicais que participam.

1.4 Metodologia
A oficina de improvisação se deu a partir da vivência e do conhecimento musical
que os alunos trouxeram para os encontros. Neste sentido, a prática de improvisação teve
como foco o repertório tocado pela banda e orquestra da Escola Técnica Federal, além
das músicas de interesse dos alunos.
As aulas tiveram o objetivo de desenvolver a formação musical dos alunos através
da prática instrumental em conjunto, focando a atividade de improvisação. Também
nelas buscou-se proporcionar aos alunos o maior contato e reconhecimento de estilos
musicais. A partir disso, promoveu-se um maior engajamento e participação efetiva dos
alunos nos dois grupos musicais da escola: Banda (Big Band) e Orquestra.
As atividades a serem desenvolvidas nas aulas, incluíram também seminários
expositivos, análise de repertório, audição comentada do repertório; leituras orientadas;
exercícios práticos, com distribuições de vozes em naipes, que ira ocorrer à construção
de arranjos com a turma. As aulas abordaram a experimentação em grupo, sendo que
toda teoria exposta foi praticada e comprovada com a performance dos alunos em sala
de aula.
A prática da improvisação se ocorreu, tendo em vista alguns tópicos:
Focalizar a improvisação junto com a técnica do instrumento;
Executar a improvisação em cima de patrões e cadências harmônica;
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 50
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro
4

Desenvolver e criar frases melódicas;


Pedir para que cada aluno faça variações das escalas estudadas, quando tiver
acompanhamento harmônico;
Ouvir gravações de estilos como: Baião, Bossa nova, Blues e Jazz.
Por ser uma oficina prática em música, acredita–se, ser necessário possibilitar aos
participantes um “sentimento de realização” (SWANWICK,1993, pg.27). Ao ter esse
propósito, teve-se a postura de mediar a interação das pessoas com à música e com os
outros membros do grupo. Por isso, a prática musical em grupo tem um papel primordial na
formação de músicos, uma vez que viabiliza vivências musicais que extrapolam as
realizadas individualmente.
O estagiário teve nesta oficina uma função muito importante de desenvolver
competências que, segundo Swanwick (1993), pode ser feita a partir da abertura de um
espaço para discussão e negociação em grupo nas atividades de composição, improvisação,
execução e apreciação. Além disso, “o ensino musical deve incluir a experiência musical
direta Swanwick” (1993, p.28). Esta oficina tem como objetivo e propósito musical sonoro,
crendo que a reflexão musical surge a partir da prática musical direta. A prática musical
poderá motivar o aluno a sentir a necessidade ou curiosidade de ter outras vivências
musicais. Por isso entende-se que por meio desta prática de estágio talvez se consiga
proporcionar as pessoas participantes o desenvolvimento de competências e habilidades
prático instrumental e crítico-teórico. Como salienta Swanwick (1993), “um objetivo básico
da educação musical e o desenvolvimento de uma apreciação rica e ampla, quer o aluno se
torne um músico profissional, um amador talentoso ou um membro sensível de platéias
(SWANWICK, 1993, p.29)”.

1.4.1 Avaliação
A avaliação dos alunos foi feita em cada aula. Nesse sentido, é importante estipular
alguns critérios para avaliá-los, os quais são: interesse pelo assunto tratado; interação com
os membros do grupo; capacidade de habilidade instrumental; grau de entendimento dos
assuntos a serem trabalhados e desenvolvimento musical.
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 51
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro
5

A partir desses critérios pode-se melhor planejar as aulas, discutindo estratégias


pedagógicas que possibilite uma maior comprometimento dos alunos no grupo e o
desenvolvimento de suas capacidades cognitivas na música.

1.6 Considerações Finais sobre a Prática de Estágio


Esta oficina foi uma atividade extracurricular e a maior parte das pessoas que
participaram eram proveniente das aulas de música curriculares ministradas na escola.
Nesta oficina foram oferecidos diversos tipos de experiências musicais em grupo em torno
da improvisação musical. As atividades que foram realizadas priorizando uma abordagem
não dicotômica entre teoria e prática musical. Desse modo, os alunos puderam
contextualizar os assuntos abordados e pertinentes à improvisação nesta atividade
especificamente.
A Escola Técnica Federal, onde foi realizado o estágio, tem um uma boa infra-
estrutura e material didático para execução das aulas de música. Isso facilitou a execução
das aulas, evitando que o acadêmico tivesse que levar instrumentos musicais, aparelhos
eletro-eletrônicos como aparelho de som, teclado, entre outros.
Já no início da oficina, surgiu uma primeira dificuldade, que já era prevista, que foi
os diversos níveis de conhecimento e habilidade musical dos alunos. Foi muito difícil de
lidar com esta questão, pois quando era abordado algum conteúdo musical básico, a metade
da sala se dispersava, ou quando se procurava avançar com o conteúdo, a outra metade da
turma não acompanhava. Uma das conseqüências desse fato foi a de que um grupo de
alunos desistiu de participar da oficina. Os motivos eram evidentes: os alunos que tinham
“poucos” conhecimentos musicais ou possuíam um nível de desenvolvimento musical bem
maior não souberam lidar com as diferenças individuais e acabaram desistindo de participar
da oficina de improvisação. Assim, restaram uma turma de alunos com o conhecimento
musical mais “nivelado” e muito mais interessados em aprender.
Ao longo do trabalho, pode-se perceber que se foi consegui com os alunos um bom
desenvolvimento musical geral. Tinha-se refletido anteriormente à execução da proposta
que talvez a carga horária não fosse dar conta dos conteúdos previstos, esses necessários
para improvisar em todo repertório da banda e da orquestra. Ao perceber que a carga
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 52
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro
6

horária da oficina não possibilitaria que todos os conteúdos pudesses ser abordados,
começou-se a refletir sobre o que era mais importante em cada momento para os alunos.
Então, mudou-se um pouco o foco da oficina e começou-se a propor atividades que
promovesse o maior interesse dos alunos e incentivasse os mesmos a desejarem buscar
outros conhecimentos musicais fora da escola.
Na última aula ministrada, foi realizada uma boa conversa com os alunos sobre a
oficina e sobre a escola. Sobre a oficina os alunos disseram que foi muito boa. Admitiram
que admiram o professor de música efetivo da escola atua, justificando que tudo o que a
escola tem de material musical foi conseguido com muita dificuldade por ele. Assim, se o
docente não tivesse o empenho que parece evidenciar ter, a escola não apresentaria a infra-
estrutura e os materiais didáticos que possui. É possível afirmar que a luta política do
professor de música é um exemplo a ser seguido pelos educadores musicais.
No final desta oficina, surgiram algumas perguntas como: Somente as aulas de
música dentro da sala de aula iram suprir o desenvolvimento musical dos alunos? Na
educação musical o que é e o que não é importe de ser trabalhados? Quais os fatores
positivos e negativos das práticas em conjunto, realizadas nas escolas, para a formação dos
alunos? Acredita-se que o estágio foi muito útil para formação do acadêmico como
educador musical, pois além de melhorar sua preparação para lidar com a diversidade
encontrada na sala de aula, possibilitou ao discente o desenvolvimento um olhar mais
crítico e uma postura muito mais cuidadosa sobre as pessoas e suas possíveis relações com
a música.

6. Referência Bibliográfica

SWANWICK, K. Permanecendo Fiel ã música na Educação Musical. Anaisdo II Encontro


Anual da ABEM, Porto Alegre, 1993.
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 53
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

Reflexões sobre o ensino coletivo de instrumentos na escola


Cristina Tourinho
Universidade Federal da Bahia4

Sumário:

No presente artigo, abordo questões concernentes a implementação do ensino coletivo de


instrumentos musicais na escola regular e na escola especializada de música, em face da
nova legislação brasileira e as mudanças curriculares que estão sendo introduzidas.

Palavras-chave: educação musical, ensino coletivo, música, formação do professor.

O Brasil e a música na escola

A excelente idéia de reunir professores de música que pensam, praticam e


acreditam no ensino coletivo de instrumentos chega em um momento onde fervilha a
reforma universitária, a criação da “Câmara Setorial de Música” no MinC, as avaliações
dos cursos de graduação pelo MEC, enfim, em um momento de muita discussão em várias
camadas do meio artístico e musical. Estamos convivendo com velhos currículos
“engessados” e com muitas possibilidades que parecem (finalmente!) acenar também para
mudanças no ensino da música. Meu objetivo com este texto é aquecer a nossa reflexão
acerca de como concebemos e podemos concretizar o ensino de música através da
implementação do ensino coletivo de instrumentos musicais como uma possibilidade da
inserção da música na escola regular.
Posso dizer que senti algumas mudanças acontecendo para este encontro: foi
possível escrever um texto onde a bibliografia foi quase exclusivamente em língua
portuguesa e dos últimos sete anos, uma tarefa impossível até algum tempo atrás. Isto
representa um avanço memorável, sem desmerecer em nenhum momento a fundamentação
teórica de autores estrangeiros e a verdadeira necessidade de se buscar referências e
experiências em outros países. Vejo com satisfação que caminhamos (ou engatinhamos)
para uma escola de música brasileira, visto que proliferam as pesquisas, os artigos e os
movimentos para a inserção da música na escola regular. Talvez esta afirmação soe, já que
estou falando de música, um tanto ingênua, otimista ou mesmo uma utopia, mas os relatos
de experiência e comunicações de pesquisa que vêm sendo publicados me animam a
pensar que estamos avançando em pensar a nossa brasilidade musical.
4
Doutora em Música – Educação Musical – Professor Adjunto II da UFBA.
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 54
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

Naturalmente, as mudanças não ocorrem afinadas ou de forma harmônica, a


distância entre o que a legislação dita que seja feito e o que efetivamente acontece no
ensino é um grande vale, onde se situa a formação profissional, a competência de saber
posicionar-se no mercado e perante dirigentes escolares e pais, a conquista de melhores
condições para as aulas de música e a efetiva inserção da música como disciplina e área de
conhecimento com o seu valor intrínseco. Ao lembrar disso, Swanwick diz que

A música pode ser agradável, pode manter as pessoas afastadas


das ruas, pode gerar empregos, pode engrandecer eventos sociais.
Mas, por si só, essas razões não são suficientes para justificar a
música no sistema educacional. (Swanwick, 2003, 18).

Devemos, pois, considerar a inserção da música no currículo da escola regular


como uma forma de conhecimento, de conhecer o mundo e interagir com ele através de
sons e de instrumentos, e não como uma forma de lazer e entretenimento para as horas
vagas.
Em 1977 foi realizado o I Seminário Sobre o Ensino Superior de Artes e Design no
Brasil, a cargo de uma comissão de especialistas, que analisou e propôs mudanças para os
cursos vigentes. No discurso de abertura do encontro, ficou patente que:

As estruturas dos cursos, apesar de terem sido relevantes para o


seu tempo, já apresentaram problemas e falta de suporte para
capacitar os profissionais, haja vista a grande demanda do
mercado por pessoas entrosadas com a mídia, com as novas
tecnologias que estão a disposição dos artistas. (....) Necessita-se
hoje, portanto, de uma política educacional que não somente
garanta uma produção científica, mas também uma produção para
a indústria, para a área relacionada com assuntos artísticos, sociais,
humanos e culturais. (Oliveira, 1997: 3)

Acrescente-se a este problema o fato de que existem profissionais que atuam como
professores de instrumentos musicais e que não estão, de fato, habilitados por formação
para atuar como professores. Aqueles que têm “jeito para ensinar” o fazem empiricamente
e não é incomum relacionar o professor de música com o músico fracassado
profissionalmente, que dá aulas por não ter espaço como instrumentista. Souza diz que
“Infelizmente é muito comum, ainda, considerar o professor de música como um
profissional frustrado, que escolhe a pedagogia como segunda opção, por não ter realizado
uma carreira brilhante como solista” (Souza, 1997: 13-4). Portanto, a formação profissional
para o exercício pedagógico é muito importante, ao contrário do que acontece com os
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 55
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

profissionais remanescentes dos cursos de bacharelado, onde instrumentistas, pressionados


pelo mercado, tornam-se professores. Os licenciados, por sua vez, devido a pouca
exigência do nível de performance para ingresso nos cursos de licenciatura, não estão
habilitados para competir nos cursos e concursos para professor-instrumentista. As
reformas que objetivam um perfil profissional diferente, que atenda a estas exigências,
ainda estão sendo implementadas lentamente.
Destaco como tendo um papel relevante para a produção de conhecimento sobre
música, a Associação Brasileira de Educação Musical (www.abem.click3.com.br) que,
através de encontros científicos anuais tem oferecido a possibilidade de discutir e pensar
acerca do ensino de músico no Brasil. A ABEM tem fomentado o encontro de profissionais
preocupados em conseguir melhores resultados para o ensino de música e defendido a
obrigatoriedade da inserção de música na escola regular.

A escola e a música

Quando fui convidada para falar sobre o tema “música e escola” pensei em qual
tipo de escolar deveria focar: regular, profissionalizante, escolas particulares, cursos de
graduação? Para cada uma delas existe uma forma diferenciada de ensino de música, um
público, um objetivo. Prefiro aqui reportar minha fala, de agora em diante, pela escolha do
ensino coletivo de música e instrumentos musicais pelo menos em duas escolas: na escola
especializada e na escola regular. Uma consulta aos anais de 2001 e de 2004 da ABEM
atestam a existência de experiências que relatam um ensino musical geral na escola
regular, quando existente, e muitas vezes desconectado da realidade e do nosso tempo, que
não considera o entorno social e a música que o aluno traz para a sala de aula. De forma
genérica, o mesmo ainda acontece na escola especializada de música, onde prevalecem as
aulas tutoriais.

Para o desenvolvimento de práticas musicais mais “orgânicas”, se


não avaliarmos as concepções e percepções em relação a presença
da música no currículo da escola, a partir dos vários agentes
envolvidos no contexto escolar, corre-se o risco de criar em sala de
aula, práticas pedagógicas totalmente desvinculadas da realidade.
(Braga, 2004:1)

Segundo Braga, é importante colher subsídios para a elaboração de um currículo


significativo para a educação musical. Repertórios e técnicas de trabalho deverão acolher
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 56
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

também a música do aluno, e ao mesmo tempo em que respeitar o conhecimento informal,


oferecer possibilidades de crescimento e transformação cognitiva.

Ensinando instrumentos

O estudante brasileiro que tem a oportunidade de tocar um instrumento, em geral


irá faze-lo a partir de iniciativa própria, freqüentando uma escola de música privada, ou,
com as raras exceções que conhecemos, uma escola pública especializada em música,
mantida pela Prefeitura ou pelo Estado. Para ensinar instrumentos em classes da escola
regular, o mercado exige além de um música-professor com competência no instrumento,
uma pessoa com domínio da técnica do ensino coletivo para grandes grupos. Quais os
cursos de formação superior preparam este profissional? As antigas licenciaturas? Os
antigos bacharelados? Nas reformas curriculares que estão sendo realizadas, por exigência
legal, e que atentam para este aspecto, este perfil ainda levará alguns anos para consolidar-
se.
Tenho presenciado iniciativas na escola de música profissionalizante e em cursos
de extensão universitária que não passam de mini-aulas individuais, compartimentalizadas
e compartilhadas presencialmente por outros estudantes, que levam o nome de “aula em
grupo”. Tocar uma peça a várias vozes é uma das possibilidades do ensino coletivo, usada,
por exemplo, para iniciantes de cordas e sopros, mas não é a única forma do trabalho.
Outros instrumentos harmônicos, como piano e violão, trabalham com acordes e
acompanhamento. O desafio de lidar com indivíduos que progridem como uma arvore
onde cada galho cresce em uma determinada direção não é tarefa das mais fáceis. Apesar
de poucas, são significativas as iniciativas brasileiras de implementar o ensino coletivo de
instrumentos na escola regular. As dificuldades vão desde a disponibilidade do próprio
material e instrumento a condições mínimas de espaço físico.
Centraria meus cuidados numa possível formação para o professor deste tipo de
aula. Um profissional bem preparado poderá não somente defender o “valor da música” ,
como diz Swanwick (2003), mas estará instrumentalizado para agir como músico-
professor/professor-músico. Vai saber requisitar e fazer valer melhores condições para
realizar o seu trabalho. Vai se manter atualizado com o que acontece em sua área. Vai ler,
adquirir bibliografia, discutir e pensar de forma criativa na solução para os problemas que
surjam. Sobretudo fará um trabalho musical, onde a manipulação instrumental seja um
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 57
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

estágio e não uma finalidade. Na escola regular muitas aulas de música servem apenas de
apoio para outras disciplinas e trabalham música de forma “indireta”.
Como formadores de professores, presenciamos muitos docentes
que, por falta de oportunidade de reflexão induzida e de material
didático apropriado, acabam esquecendo o objeto principal da
educação musical, passando a utilizar a música como mero
instrumento para alcançar objetivos educacionais de outras áreas
do conhecimento. (Hentschke e Del Ben, 2003:11)

Ainda existe a música de comando na educação infantil, a paródia de letra no


ensino fundamental e médio, o professor “festeiro” e outros tantos exemplos de “não-
música”, que contemplam um ensino não musical porque os professores muitas vezes não
sabem o que fazer e como requisitar as condições de trabalho quando têm uma sala com
40, 50 alunos, e apenas uma hora semanal. Na escola especializada é preciso ainda
preparar este profissional, para que as aulas coletivas de instrumento não sejam colchas de
retalho e realmente se possa aplicar os princípios do ensino coletivo, onde uns aprendem
com os outros, o professor orienta e media a aprendizagem e ainda assim, a individualidade
é respeitada. (Tourinho, 2003).

Buscando caminhos

Os nossos ouvidos atualmente recebem uma carga de informações sonoras


completamente diferente e inexistente até alguns anos atrás. Estamos comumente mais
expostos a ruídos e a sons muitos decibéis acima do que normalmente poderíamos
suportar. Os adolescentes estão mais surdos, informam as pesquisas. Exigir acuidade
auditiva para sons não amplificados é pedir uma outra escuta. Fazer soarem as notas como
melodias, pérolas no fio de um colar, com graça e movimento, apoio, fraseado, sonoridade,
limpeza, não é nada fácil! Quando se conseguem condições razoáveis para as aulas de
instrumento, imagine sons multiplicados, estudantes que se movem todo o tempo e que não
resistem a vontade de tocar enquanto acontecem outros eventos na sala! A aula de música
precisa ser dinâmica, viva, não pode haver espaços “em branco”, o professor precisa ser
assíduo, pontual, exigente, flexível... um super-professor! Precisa ser competente para
conferir autonomia e possibilidade de participação ao estudante, e ainda assim manter o
controle da classe. Segundo Freire, é preciso que este profissional abranja efetivamente
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 58
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

todos os níveis e situações, integre teoria e prática, seja instrumentista e possa lidar com a
multiplicidade da cultura brasileira (Freire, 2001,: 17). Será que ele existe?
As iniciativas brasileiras de Maria de Lourdes Junqueira Gonçalves e do Prof. José
Coelho, seguidas por Alda Oliveira, Diana Santiago e Maria Isabel Montandon agora estão
brotando por toda parte e ai reside o nosso grande desafio neste encontro: fornecer
subsídios para que o ensino coletivo de instrumentos musicais cresça e apareça como uma
oportunidade real de ensino.
É fundamental nos voltarmos para o exemplo do ensino tutorial de instrumentos se
quisermos pensar nas diferenças, dificuldades e vantagens do ensino coletivo. Para que as
aulas de música da escola regular possuam dinamismo e não fiquem na sombra, como
coadjuvantes de outras disciplinas. Para que se possa além de apreciar (ouvir) música, se
fazer música. Para que exista um espaço onde os alunos possam trazer suas composições,
instrumentos, grupos musicais, para que exista um fazer reflexivo e contato musical direto
com o instrumento. Ensino coletivo na escola regular deve ter em mente não a formação do
músico com as funções específicas do instrumentista, mas da possibilidade de oferecer um
fazer musical concreto, que vá ao encontro da expectativa da maioria dos estudantes, que
quer manipular um instrumento, diferente de um “programa de audição capaz de apresentar
tendências musicais de diferentes épocas e culturas, e distribui-lo ao longo do processo
educativo”. (Pinheiro, 1995: 5). A audição crítica complementaria, bem como as outras
atividades sugeridas por Swanwick (2003)com o modelo C(L)A(S)P, Joly (2003: 124-5) e
Bellochio (2003: 130-7) mas o cerne das atividades musicais estaria centrado no fazer
musical pelo próprio estudante, cuja educacão musical se daria pelo fazer direto, caso
optasse por ele. Todos teriam oportunidade e a seleção de instrumentistas ativos ou
ouvintes e apreciadores seria natural. Reconheço as dificuldades e utopia desta proposta no
contexto educacional brasileiro da atualidade, mas as iniciativas de sucesso me animam a
pensar na possibilidade de se concretizar um ensino musical de instrumentos, de forma
coletiva, na escola regular.

Não me atrevo aqui a dar uma receita, a traçar algum plano aleatório. Prefiro me
basear nos exemplos concretos de alguns destes professores com os quais teremos
oportunidade de assistir e conviver durante estes três dias, entre os quais me incluo e que, a
despeito de todas as dificuldades que apontei acima, conseguem bons resultados com o
ensino coletivo de instrumentos musicais na escola regular e na escola especializada.
Também conheço professores que desacreditam completamente nessa idéia, insistindo em
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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

oportunizar somente os “talentosos” e “vocacionados”. Poderia citar muitos exemplos


brasileiros de ensino coletivo, mas provavelmente cometeria injustiças, mas provavelmente
cometeria injustiça, deixando de fora professores-músicos ativos, pertencentes a uma
facção ainda não mapeada cientificamente. Deixo apenas a certeza de que somos exemplo
de profissionais que priorizam a fluência musical, o fazer musical direto e não o
desenvolvimento de habilidades técnicas ou subtilizamos a música.

Referências Bibliográficas:

ABEM, Anais do XIII Encontro Regional, Programa de Cadernos e Resumos. Rio de


Janeiro, 2004.

Bellochio, Claudia Ribeiro. Educação Musical e Professores dos Anos Iniciais de


Escolarização: Formação Inicial e Práticas Educativas. Ensino de Música, propostas
para pensar e agir na sala de aula. São Paulo, Moderna, 2003, 127-139.

Braga, Reginaldo Gil. Subsídios para a elaboração de um currículo significativo de


Educação musical. In: Anais do XIII Encontro Anual da ABEM, Programa de
Cadernos e Resumos. Rio de Janeiro, 2004, 27.

Freire, Vanda Lima Bellard. Educação Musical, música e espaços atuais. In: Anais do X
Encontro Nacional da ABEM. Uberlândia, 2001, 11-18.

Hentschke, Liane e Del Bem, Luciana (org.). Ensino de Música, propostas para pensar e
agir na sala de aula. São Paulo, Moderna, 2003, 10-16.

Joly, Ilza Zenker Leme. Educação e Educação Musical: Conhecimentos para compreender
a criança e suas relações com a música. Ensino de Música, propostas para pensar e
agir na sala de aula. São Paulo, Moderna, 2003, 113-125.

Oliveira, Alda de Jesus. I Seminário sobre Ensino Superior de Artes e Design no Brasil.
MinC, Departamento de Políticas no Ensino Superior. Salvador, 1977, 1-3.

Pinheiro, Elizabeth Rangel. Ensino de Artes nos níveis fundamental, médio, superior e pós-
graduação e suas relações com a formação profissional em Artes. I Seminário sobre
Ensino Superior de Artes e Design no Brasil. MinC, Departamento de Políticas no
Ensino Superior. Salvador, 1977, 4-8.

Souza, Jusamara. Da formação do profissional em Música nos cursos de Licenciatura. I


Seminário sobre Ensino Superior de Artes e Design no Brasil. MinC, Departamento
de Políticas no Ensino Superior. Salvador, 1977, 13-20.

Swanwick, Keith. Ensinando Música Musicalmente. Trad. Alda Oliveira e Cristina


Tourinho. São Paulo, Moderna, 2003.

Tourinho, Cristina. Relações entre os Critérios de Avaliação do Professor e uma Teoria de


Desenvolvimento Musical. Tese de doutorado não publicada. UFBA, Salvador, 2001.
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Métodos e manuais para ensino de instrumento: olhares de alunos


de um Curso de Licenciatura em Música

Maria Cecilia de Araujo Rodrigues Torres


mariaceciliaartorres@yahoo.com.br/ceciliatorres@brturbo.com.br
Fundação Municipal de Artes de Montenegro/
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul

Resumo. Este relato de experiência constitui-se em uma análise de um conjunto de dezesseis


métodos e manuais para ensino de instrumentos. Os materiais escolhidos estão relacionados
com as práticas instrumentais desenvolvidas em aulas e cursos de diferentes instrumentos, como
piano, teclado, trompete, flauta doce, saxofone, violão e guitarra. Esta atividade foi uma das
propostas realizadas no componente curricular Metodologia e Prática do Ensino da Música I,
com um grupo de alunos que cursava o terceiro semestre do Curso de Graduação em Música:
Licenciatura, da FUNDARTE/UERGS, durante o primeiro semestre de 2006. O interesse em
propor este exercício de comentário e análise de diferentes abordagens e metodologias para o
ensino de um instrumento estava relacionado com questões que englobam os múltiplos tempos
de ensino, as concepções de performance e, sobretudo, o campo de reflexões da pedagogia do
instrumento. Em relação a este tema, busquei fundamentação em autores dos campos da
Educação Musical, da Musicologia e da Educação, destacando, dentre outros, os trabalhos de
Torres (2004), Torres e Beineke (2006), Souza (1997) e Borém (2006), os quais discutem
questões relacionadas a performances e ensino de instrumentos musicais. Considero que foi um
exercício que articulou teoria e prática e veio compor o nosso diversificado repertório de
escolhas metodológicas para as aulas de música no espaço de um Curso de Graduação em
Música.

Palavras-chave: análise de métodos, ensino de instrumento, manuais.

Introdução

Este relato de experiência constitui-se em uma análise de um conjunto de


métodos e manuais1 para ensino de instrumentos. Os materiais escolhidos estão
relacionados com as práticas instrumentais desenvolvidas em aulas e cursos de
diferentes instrumentos como piano, teclado, trompete, flauta doce, saxofone, violão e
guitarra. Esta atividade foi uma das propostas realizadas no componente curricular
Metodologia e Prática do Ensino da Música I, com um grupo de dezesseis alunos que
cursava o terceiro semestre do Curso de Graduação em Música: Licenciatura, da
FUNDARTE/UERGS, durante o primeiro semestre de 2006.

1
Entendo como métodos “modelos de ação que abrangem uma série de formas características e que ao
mesmo tempo realizam princípios metodológicos de uma maneira específica (ver Souza, 1994, p.49) e
manuais como instrumento “impresso, intencionalmente estruturado para se inscrever num processo de
aprendizagem, com um fim de lhe melhorar a eficácia” (ver Gerard e Roegiers, 1998, p.19).
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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro
2

Para organizar e discutir coletivamente esta temática busquei inspiração na


pesquisa organizada por Souza (1997) acerca de Livros de Música para a escola – uma
bibliografia comentada realizada na disciplina Pesquisa em Educação Musical do Curso
de Licenciatura em Música da UFRGS e que alertava: “Para complementar a formação
do profissional de música são necessárias pesquisas de novos métodos educacionais ou
mesmo o conhecimento de antigos.” (Souza, 1997, p.19).
O interesse em propor este exercício de comentário e análise de diferentes
abordagens e metodologias para o ensino de um instrumento está relacionado com
questões que englobam os múltiplos tempos de ensino, as concepções de performance e,
sobretudo, o campo de reflexões da pedagogia do instrumento. Em relação a este tema,
busquei fundamentação em autores dos campos da educação musical, da musicologia e
da educação, destacando dentre outros os trabalhos de Souza et al.(1997), Torres (2004),
Torres e Beineke (2006), e Borém (2006), os quais discutem questões relacionadas a
performances e ensino de instrumentos musicais.
Nesse sentido, trago esta afirmação de Borém (2006) sobre alguns métodos para
aprendizagem de instrumentos. O autor pontua:
Ainda hoje, os métodos de aprendizagem dos diversos instrumentos musicais mais
divulgados não explicitam a lógica por trás de cada estudo técnico-musical e como este
levará ao passo seguinte. Assim, ainda predomina a prática instrumental repetitiva,
exaustiva, aleatória e não consciente, onde os erros muitas vezes não são antecipados ou
controlados (2006, p.51).

Apresentando a atividade
Como um dos objetivos do planejamento de Metodologia e Prática do Ensino da
Música I no semestre era o de “conhecer parte dos métodos de Educação Musical
(nacionais e estrangeiros) que construíram nossa história” (2006), foi organizada esta
proposta de se trabalhar em sala de aula com as escolhas dos alunos e, depois, socializá-
las, por meio da apresentação dos materiais escolhidos. Cada aluno levou o método
selecionado para a aula, juntamente com uma ficha preenchida, na qual constavam os
seguintes dados:
Nome do aluno: -----------------------------------------------------------------------------------------------
Título do Método: --------------------------------------------------------------------------------------------
Autores: --------------------------------------------------------------------------------------------------------
Data de publicação e editora: -----------------------------------------------------------------------------
Instrumento: -----------------------------------------------------------------------------------Nível: -----
Motivos da escolha deste material para análise:
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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro
3

Comentários sobre a metodologia, exercícios, escalas, estudos, atividades e outras questões


pertinentes para o ensino do instrumento:

Houve a apresentação de cada um dos métodos, na qual foram destacados os


aspectos considerados relevantes para o ensino destes instrumentos, assim como as
críticas e sugestões de modificações, acréscimos e adaptações acerca das atividades
musicais ali propostas. Um exercício metodológico e analítico musical.

Quais são os métodos?


Trago a seguir a relação dos métodos escolhidos, com seus autores e para quais
instrumentos foram organizados, perfazendo um total de dezesseis. Destaco que alguns
destes manuais trazem exercícios para mais de um instrumento e também muitos deles
são utilizados pelos professores para o ensino de outros instrumentos, com adaptações
ou criação de arranjos para uma das vozes. Foram adotados os nomes das obras como
mencionadas pelos alunos nas fichas.

Título Autor Instrumento(s)

1- Método completo para flauta doce contralto Mario A. Videla Flauta doce contralto
2- Acordes, arpejos e escalas Nelson Faria Violão e guitarra
3- Estudos escolhidos Carl Czerny Piano
4- Curso de Piano Mário Mascarenhas Piano
5- Segredos do Violão Turíbio Santos Violão
6 - Leila Fletcher Piano Course Leila Fletcher Piano
7 -Pedrinho toca flauta Isolde Frank Flauta doce soprano
8 - ARBAN Joseph Baptiste Arban Trompete
9 - Método de Violão opus 59 Matteo Carcassi Violão
10 - Explorando música através do Teclado Marion Verhaalen/tradução Teclado
e adaptação: Denise Frederico
11 - Musica para niños compuesta por niños Violeta H. De Gainza Piano
12 - Mèthode complete pour tous les saxophones Henry Klosé Saxofone
13 -Curso de Piano Mário Mascarenhas Piano
14 -Hanon Charles Louis Hanon Piano
15 - Método completo para divisão Paschoal Bona Indeterminados
16 - Ciranda das seis cordas Henrique Pinto Violão
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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro
4

Chamo a atenção, nesta lista de manuais, para a diversidade de instrumentos


apresentados, como por exemplo: violão, guitarra, piano, teclado, flauta doce soprano e
contralto, saxofone, trompete e um método que pode ser utilizado para o ensino de
qualquer instrumento como o Método completo para divisão de Pachoal Bona. Dentre
os dezesseis métodos selecionados pelos alunos, seis deles são brasileiros, um deles foi
adaptado e traduzido para o português e os outros nove são de autores de países como
Alemanha, Estados Unidos, França e Argentina.
Estes materiais foram editados e publicados entre as décadas de 1950 e 1999,
por diferentes editoras brasileiras ou estrangeiras como Irmãos Vitale, Editores Brasil,
Ricordi Brasileira, Lumiar, Montgomery Music Inc., Editora Sinodal, Editora Carl
Fischer, Editora Guadalupe e Alphonse Leduc Edições Musicais. Quanto ao fato de que,
em alguns dos métodos, não constava a data de publicação, considero que esta ausência
nestas publicações poderia significar: [...] a atemporalidade das obras e métodos
musicais, a inexistência de pressão no sentido de uma “atualização constante”, o que
ocorre em outros tipos de materiais impressos, livros didáticos de outras áreas, por
exemplo, em que a “atualidade e renovação” são uma credencial (Torres, 2004, p.46).

Este ou aquele método? Quais são os motivos desta escolha

Em relação à escolha, os alunos trouxeram os seus motivos, destacando dentre


eles aspectos relacionados à técnica para o ensino do instrumento, conforme os excertos
abaixo:
“Estou estudando-o no momento, o que facilita a análise” (A16)2
“Ensina a formar acordes de todos os tipos, com todas as suas inversões, em toda a
extensão do braço, além disso, os padrões modernos de cifragem” (A2.)

“Ele trabalha a coordenação motora, musicalidade e agilidade” (A15.)

“Fácil utilização, boa abordagem para iniciantes” (A13)

“Agilidade, técnica, precisão, nivelamento de pressão dos dedos sobre as teclas” (A4).

2
Dedico este Relato aos alunos do componente curricular Metodologia e Prática do Ensino da Música I,
semestre 2006/1. Para manter o anonimato de cada aluno serão utilizados os códigos de A1 a A16.
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 73
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro
5

Surgiram também os motivos ligados ao uso destes materiais nas vivências como
alunos de instrumentos, e, desta maneira, escolheram estes manuais para uma análise
mais detalhada. Trago alguns exemplos nos excertos abaixo:
“Por ser o que mais usei” (.A5),
“Aprendi a tocar flauta neste método” (A9)
“Foi o método que me iniciou nos estudos musicais” (A4.)
“As obras desta autora fizeram parte da minha iniciação musical” (A8).
“Por ser um método que usei na minha formação, considero bastante eficiente para
alunos iniciantes” (A12).

Aparecem ainda os métodos “mundialmente conhecidos” ou “publicados


originalmente durante o período clássico”, como o material para trompete por “ser
usado praticamente por todos os professores de faculdades e conservatórios de todo o
mundo” (A5). Já o método do compositor italiano Matteo Carcassi, de acordo com o
aluno, é “interessante para comparar a mudança de pensamento com relação à música e
às técnicas do instrumento deste método para outros contemporâneos” (A3). Os
aspectos pedagógicos musicais e a escassez de materiais também são destacados entre
os motivos das escolhas, conforme os depoimentos: “é um método escolhido por vários
professores, entre os poucos que existem no mercado” (A14) e consiste em uma maneira
“simplificada, explicativa, que o aluno absorve o conteúdo facilmente” (A10).
Foram múltiplos os motivos que levaram cada um dos alunos deste grupo a
selecionar e fazer a análise de um determinado manual ou método, mas certamente a
grande maioria escolheu aquele que já tinha em casa, o qual já havia manuseado e
utilizado, seja na situação de aluno, seja na de professor de instrumento.

Aspectos metodológicos para o ensino de instrumentos

Este tópico englobou os comentários gerais sobre questões metodológicas,


envolvendo os exercícios, as escalas propostas, a seqüência de atividades, assim como
os estudos e repertórios contidos nos métodos.
Após a discussão em aula sobre as análises de cada um dos manuais e a entrega
das fichas preenchidas, faço uma síntese de questões que foram recorrentes nos
comentários dos alunos, destacando dentre outras, as características de determinados
exercícios, o objetivo específico de alfabetizar os alunos no instrumento, a dinâmica que
ia aumentando a “dificuldade gradualmente”, as informações sobre o instrumento para
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 74
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro
6

alunos principiantes como no exemplo do método para saxofone, as peças compostas


por crianças para crianças executarem e outras argumentações. Ressalto, ainda, alguns
comentários sobre métodos específicos para aulas de instrumentos em grupo:

“O método desenvolvido pela professora Marion Verhaalen é voltado para aulas em


grupo, algo relativamente novo quando apresentado no final da década de 80, em Porto
Alegre. A metodologia adotada por Verhaalen procurava, como já diz o título, explorar
o universo musical por meio do teclado, através de exercícios variados, muita
improvisação e, principalmente, atividades em grupo” (A2).

“Este método trabalha todos os exercícios que um trompetista deve desenvolver sobre
escalas (n maiores e menores), escalas cromáticas, intervalos, ritmo, flexibilidade,
arpejos, ligaduras e estacado, etc [...] Além do estudo, o Arban trabalha a musicalidade
através do clássico e melodias populares, procurando explorar a musicalidade do
trompetista...” (A5).

Um aspecto que permeou as duas análises acima é o das propostas dos métodos
de “explorar a musicalidade” ou de “explorar o universo musical” dos alunos,
extrapolando o foco nas questões de técnica, no que concerne ao aprender a tocar um
instrumento. Uma outra análise de um método para flauta doce merece destaque para
reflexões acerca da temática de tocar um instrumento:

“O método destina-se a crianças de 6 a 9 anos. É composto apenas por músicas. As


questões de técnicas estão inseridas nas músicas e não como estudos específicos
(escalas, por exemplo). Também não há nenhum tipo de atividade a ser realizada pelo
aluno além de tocar” (A3.).

“Um dos primeiros métodos a utilizar as duas claves desde o livro um (para piano).
Partituras maiores para fácil visualização. A utilização de músicas populares.
Aprendizado gradual com níveis de dificuldade, sendo apresentado dentro das
melodias” (A6).

“O autor traz, de uma maneira simplificada, explicações que em outros métodos (para
violão) são colocadas de maneira muito complexa, fazendo deste uma divertida
brincadeira de aprender, e dos demais um ‘manual de como montar uma nave espacial’”
(A1).

Estes depoimentos permitem conhecer as razões e argumentações dos


licenciandos em relação a estas escolhas.

Finalizando

Encerro estas reflexões ressaltando o quanto este trabalho foi instigante,


não só para os alunos deste componente curricular, mas, especialment, para
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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro
7

mim, professora de Metodologia e Prática do ensino da Música I. Tive a


oportunidade de ser apresentada a vários métodos e manuais que não conhecia.
Foram momentos de discussões, questionamentos, estranhamentos,
lembranças, críticas e argumentações entremeadas por trechos de algum
exemplo de atividades musicais propostas, exercícios, melodias e outras
abordagens metodológicas discutidas e apresentadas nestes manuais. Considero
que foi um exercício que articulou teoria e prática e veio compor o nosso
diversificado repertório de escolhas metodológicas para as aulas de música.
Ressalto ainda que este componente curricular, por ter como seqüência
no segundo semestre o componente Metodologia e Prática do Ensino da Música
II, e, que no ano seguinte, estes alunos vão para os Estágios nas escolas,
funciona como um espaço de trocas, de esclarecimentos e também de ensaios de
propostas e planejamentos articulados aos modos de ser professor de música.
Desta forma, penso que as contribuições e escolhas deste grupo ao longo do
semestre e, especificamente com esta atividade, foram fundamentais para muitas
reflexões e proposições que certamente vão emergir nos espaços das aulas
sejam de instrumentos, nos grupos instrumentais, bandas ou no currículo regular
destes professores e futuros professores de música.

Referências
BORÉM, Fausto. Por uma unidade e diversidade da pedagogia da performance.
Revista da ABEM, n.14, março 2006, p.45-54.

GÉRARD, François-Marie, ROEGIERS, Xavier. Conceber e avaliar manuais


escolares. Porto: Porto Editora, 1998.

SOUZA, Jusamara. Aspectos metodológicos na formação didática do professor


de instrumento. IN: Anais do 3º. Simpósio Paranaense de Educação Musical.
Londrina: Paraná, 1994, p.43-60.

SOUZA, Jusamara et. Al. (Org.). Livros de música para a escola – uma
bibliografia comentada.Porto Alegre: PPG em música/UFRGS, 1997.

TORRES, Maria Cecilia A. R. Entre livros e métodos musicais para ensino de


instrumentos: diferenças e semelhanças. In: GOBBI, Valeira (Org.) Questões em
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TORRES, Maria Cecilia A. R.; BEINEKE, Viviane. Grupo instrumental: uma


possibilidade de educação musical na escola. IN: CAPISTRANO, Naire Jane
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 76
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro
8

(Org.) O ensino de Arte e Educação Física na infância. Coleção cotidiano


escolar, n. 01, v.02, Paidéia: UFRN, 2006, p.80-86.
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A seção intitulada
Enculturação musical (p.
262-284 do texto ou p. 80-91
da apostila) pode ser
omitida na leitura prévia
para a aula.
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abem

A música e o cérebro: algumas


implicações do
neurodesenvolvimento para a
educação musical
Beatriz Ilari
Departamento de Artes - UFPR
beatriz.ilari@elf.mcgill.ca / beatrizilari@yahoo.ca

Resumo. Este artigo tem como objetivo discutir alguns resultados de pesquisas recentes sobre o
desenvolvimento do cérebro e as implicações destas na área da educação musical. Na primeira parte
do artigo há uma breve introdução ao cérebro e seu desenvolvimento, incluindo suas partes, sinapses
e lateralização. Em seguida, são discutidos os sistemas envolvidos no neurodesenvolvimento, bem
como os fatores que influenciam o desenvolvimento do perfil da mente de cada criança. As questões
da inteligência e do talento são abordadas na terceira parte do artigo. Algumas implicações dos estudos
da neurociência para a educação musical são discutidas na quarta e última parte do artigo, na qual
diversas sugestões para o ensino e para a avaliação também são propostas.

Palavras-chave: desenvolvimento do cérebro, cognição, educação musical

Abstract. This paper aims to discuss recent brain development research and some of its implications
for music education. In the first part of the paper there is a brief introduction to the brain and its development,
including its parts, synapses and lateralization. The second part includes a discussion on the systems
involved in neurodevelopment and the factors that influence the development of the mental profile of
each individual child. Issues such as intelligence and talent are tackled in the third part of the article. The
implications of neuroscience research for music education are discussed in the fourth and last part of the
article, in which suggestions for education and assessment are also proposed.

Keywords: brain development, cognition, music education

Introdução

As descobertas recentes da pesquisa cien- são causadas quando alguém sofre um acidente e
tífica sobre o cérebro exercem um fascínio enorme o cérebro é lesado (Marin; Perry, 1999; Morato,
sobre todos nós. Isso ocorre porque praticamente 2000; Peretz, 2001; Peretz et al., 2002). Não há
todas as atividades de nossa vida cotidiana estão novidade alguma em dizer que o cérebro controla
relacionadas ao funcionamento desse importante nossas ações e pensamentos, entre elas nossas
orgão vital (Herculano-Houzel, 2002). Hoje em dia, atividades musicais. Nesse contexto, este artigo
todos nós sabemos qual a importância do cérebro tem como objetivo descrever alguns resultados de
no desenvolvimento humano e também na apren- pesquisas recentes da neurociência sobre o de-
dizagem e na cognição. Sabemos também dos atra- senvolvimento da mente, bem como discutir as im-
sos cognitivos e motores e das deficiências que plicações destas na área da educação musical.

7
ILARI, Beatriz. A música e o cérebro: algumas implicações do neurodesenvolvimento para a educação musical. Revista da ABEM,
Porto Alegre, V. 9, 7-16, set. 2003.
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número 9 revista da
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Antes de mais nada, é necessário fazer uma trilhões de sinapses ocorrem entre as células ce-
breve introdução ao cérebro e suas principais ca- rebrais. Por se tratar de um orgão auto-organizável,
racterísticas, incluindo as questões das sinapses o cérebro do bebê é faminto de novas experiênci-
e da lateralização. Em seguida, aprenderemos so- as que o transformarão em redes neurais para a
bre os oito sistemas que constituem o neurodesen- linguagem, o raciocínio lógico, o pensamento raci-
volvimento (Levine, 2003) e os fatores que influen- onal, a resolução de problemas e os valores mo-
ciam no desenvolvimento da mente da criança. rais (Kotulak, 1997). Essas redes neurais já estão
Também discutiremos a questão da inteligência e sendo formadas antes mesmo de o bebê comple-
do talento e retomaremos alguns estudos específi- tar um ano de idade. São elas que permitem a as-
cos sobre o funcionamento do cérebro na presen- sociação de idéias e o desenvolvimento de pen-
ça de estímulos musicais. Para concluir, discutire- samentos abstratos, que constituem as bases da
mos as contribuições e implicações dos estudos inteligência, imaginação e criatividade. Contudo,
da neurociência para a aprendizagem e a cognição essas redes podem ser destruídas quando as ex-
musical das crianças. periências na infância são destituídas de estimu-
lação mental ou sobrecarregadas de estresse
Uma breve introdução ao cérebro humano (Kotulak, 1997).
A idéia do cérebro como orgão da sensação Em seu livro, Kotulak (1997) fala de quatro
e da inteligência existe desde a Antiguidade. Con- fases principais do desenvolvimento estrutural do
tudo, foi apenas no século XIX que surgiram os cérebro. A primeira fase ocorre durante o estágio
primeiros estudos científicos sobre o cérebro fetal. Nos primeiros meses da vida fetal, bilhões de
(Morato, 2000). O interesse pela cognição surgiu células são formadas. Metade delas morre; estí-
também nessa mesma época, quando a psique mulos externos organizam algumas e eliminam
deixou de ser vista como um atributo divino e pas- outras para formar a estrutura básica do cérebro,
sou a ser vista como um atributo humano. Desde ou seja, a estrutura que caracteriza e diferencia as
então, o estudo do cérebro vem avançando de crianças em meninos e meninas. A segunda fase
maneira rápida e significativa. se dá logo após o nascimento, quando surgem
Em linhas gerais, o cérebro pode ser defini- trilhões de conexões entre as células, que formam
do como um labirinto em forma de noz, mais ou os “mapas mentais” do cérebro, responsáveis, en-
menos do tamanho de duas mãos fechadas colo- tre outras coisas, pela visão, linguagem e audição.
cadas frente a frente, e composto por aproximada- Na terceira fase, que vai dos 4 aos 10 anos de ida-
mente 12 bilhões de células (Campbell, 1996). de, novos aprendizados reorganizam e reforçam
Segundo Campbell (1996), o cérebro se parece com as conexões entre as células do cérebro humano.
uma série de montinhos e linhas de massa cinzen- Novas conexões são formadas à medida que no-
ta e rosa, com uma textura macia. As células do vos conhecimentos são adquiridos. A quarta e últi-
cérebro, também conhecidas por neurônios, rece- ma fase ocorre após os 10 anos de idade. Ainda
bem, analisam, coordenam e transmitem informa- capaz de sofrer mudanças físicas, o cérebro apren-
ções (Kotulak, 1997). No decorrer da vida, o cére- de e memoriza informações no decorrer de toda a
bro aprende e memoriza através de constantes vida (Kotulak, 1997). Segundo Herculano-Houzel
mudanças em sua imensa rede de conexões entre (2001), alguns neurônios novos aparecem no cé-
neurônios. Essas conexões são chamadas rebro do adulto porém, somente em algumas par-
sinapses, e ocorrem em decorrência de estímulos tes específicas do cérebro. São muitos os mistéri-
provenientes do meio (Kotulak, 1997). Muitas os da mente que a neurociência vem procurando
sinapses formam conexões sólidas com as células investigar. Contudo, para fins deste artigo, nós nos
do cérebro e se tornam partes do cérebro em de- concentraremos no cérebro em formação, ou seja,
senvolvimento. Já as outras sinapses, as desco- no cérebro da criança, e deixaremos de lado as
nexas, desaparecem com o tempo (Herculano- especificidades do cérebro adulto. Entretanto, uma
Houzel, 2001). De acordo com Kotulak (1997), essa introdução superficial às partes principais do cére-
é a maneira que o cérebro encontra para eliminar bro se faz necessária, bem como uma rápida intro-
sinapses em excesso, para que as restantes, ain- dução ao conceito de lateralização.
da em quantidade considerável, possam formar um
Lateralização: os hemisférios do cérebro
cérebro funcional.

O desenvolvimento estrutural do cérebro A neurociência já mapeou o cérebro. O cé-


rebro do ser humano normal é composto por duas
Logo após o nascimento, o cérebro do bebê metades ou hemisférios: o direito e o esquerdo. Os
passa por um crescimento fantástico, no qual hemisférios são unidos por diversos feixes de fi-

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bras de comunicação, sendo o corpo caloso o mai- Os oito sistemas do neurodesenvolvimento e


or deles (Carneiro, 2001). Embora os hemisférios o perfil da mente
direito e esquerdo pareçam ser idênticos a olho nu,
existem diferenças fundamentais entre eles. Na Como já ficou dito, existem cerca de 30 mi-
maioria das pessoas, o hemisfério direito coman- lhões de sinapses que formam uma rede no cére-
da o lado esquerdo do corpo, e o hemisfério es- bro humano. Essa rede suporta uma quantidade
querdo comanda o lado direito do corpo. Carneiro enorme de conexões, desconexões, conexões es-
(2001) nos ensina que diversas investigações já tranhas ou mal feitas, ou seja, uma variedade enor-
comprovaram que o predomínio de um lado do cor- me de combinações de possibilidades que afetam
po sobre o outro (como no caso da dextralidade, o neurodesenvolvimento. Algumas conexões per-
ou seja, dos membros que usamos “melhor” do que mitem que as crianças adquiram certas habilida-
outros) tem bases neurofisiológicas e des específicas, como tocar violão ou memorizar
neuroanatômicas, e pode ainda ser generalizável uma série de jogadas numa partida de xadrez. As
para outras áreas das funções cerebrais. conexões do cérebro originam diferentes compor-
tamentos, movimentos, percepções e habilidades.
Aliás, essa é outra diferença fundamental dos Para melhor compreendê-las, é interessante ver
hemisférios cerebrais: as funções que cada um dos como se organizam em “construtos do neurodesen-
hemisférios comanda. De maneira geral, a lingua- volvimento”ou sistemas, como sugere Levine
gem, o raciocínio lógico, determinados tipos de (2003). Estes sistemas não existem de maneira iso-
memória, o cálculo, a análise e resolução de pro- lada, mas estão entrelaçados e combinados entre
blemas são comandados pelo hemisfério esquer- si. São eles:
do do cérebro, freqüentemente citado como hemis-
fério dominante ou principal. Já as habilidades 1) Sistema de controle da atenção – respon-
manuais não-verbais, as intuições, a imaginação, sável pelo direcionamento e distribuição da
os sentimentos e a síntese são comandadas pelo energia mental dentro do cérebro. É esse
hemisfério direito (Cardoso, 2001; Carneiro, 2001). controle que mantém a criança concentra-
Com relação à percepção de sons, Carneiro (2001) da, permitindo que dê atenção exclusiva a
sugere que é predominantemente no hemisfério uma determinada tarefa e ignore as distra-
esquerdo que se percebem os sons relacionados ções.
com a linguagem verbal, e no hemisfério direito que
são percebidos a música e os sons emitidos por 2) Sistema da memória – responsável pelo
animais. armazenamento de informações, é importan-
tíssimo no aprendizado de qualquer discipli-
Embora se diga que a percepção da música na. Devido ao fato de a música ser uma arte
se localize primordialmente no hemisfério direito temporal (isto é, que existe num determina-
do cérebro, sabe-se hoje que o aprendizado musi- do tempo e espaço), o sistema da memória
cal depende dos dois hemisférios, uma vez que ele tem uma importância fundamental para a
é interdependente de outras funções cerebrais, educação musical.
como a memória, a linguagem verbal, a resolução
de problemas e a análise, entre outras. A propósi- 3) Sistema da linguagem – responsável pela
to, sabe-se hoje que o cérebro do músico treinado detecção dos diferentes sons de uma língua,
é diferente do cérebro do não-músico (veja Costa- pela habilidade de compreender, lembrar e
Giomi, 2001). Enquanto o não-músico processa utilizar um vocabulário novo, pela capacida-
informação musical primordialmente no hemisfério de de expressão de pensamentos na forma
direito do cérebro, o músico treinado processa in- da fala ou escrita, e pelo ritmo de compre-
formação musical nos dois hemisférios, e apresenta ensão com que o indivíduo atende às expli-
uma quantidade maior de conexões entre os he- cações e instruções verbais.
misférios durante as atividades de escuta musical
(Bever; Chiarello, 1974), o que indica uma escuta 4) Sistema de orientação espacial – respon-
musical analítica. Esse e outros estudos (Besson sável pela capacitação do indivíduo para li-
et al., 1998; Costa-Giomi, 2001) sugerem que a dar ou criar informações organizadas em
aprendizagem e o treino musical exercem efeitos Gestalt, em padrões visuais ou em configu-
sobre a atividade cerebral e a lateralidade. Seja rações específicas. A orientação espacial
como for, não se pode falar em lateralidade e nos permite perceber que várias partes se
neurodesenvolvimento sem falar nos sistemas que encaixam em um todo, como num quebra-
compõem o desenvolvimento e o perfil da mente. cabeça.

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número 9 revista da
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5) Sistema de ordenação seqüencial – res- senvolvimento das crianças. A pobreza, por exem-
ponsável pela capacitação do indivíduo para plo, afeta o modo de vida, o desenvolvimento das
lidar com as cadeias de informação que têm comunidades, os níveis de estresse dos indivídu-
uma ordem ou seqüência. No caso da músi- os, o acesso à informação e, logicamente, os valo-
ca, é esse sistema que permite ao aluno com- res e interesses das famílias e das crianças que
preender o conceito de escalas e seqüência fazem parte das mesmas. Relacionado a este, está
musical. o terceiro fator listado por Levine (2003): o fator
cultural. A cultura de onde a criança vem exerce
6) Sistema motor – responsável pelas co- uma influência enorme sobre o desenvolvimento
nexões entre o cérebro e os diversos mús- da criança. Ao compararmos o cotidiano de crian-
culos do corpo humano. Por exemplo, o sis- ças de culturas diferentes, como, por exemplo, uma
tema motor possibilita que uma determina- criança brasileira, uma berbere-marroquina e uma
da criança toque violino ou pratique um es- alemã, notamos algumas diferenças fundamentais.
porte. A cultura exerce um papel preponderante, da ali-
mentação ao modo de vestir, da língua falada aos
7) Sistema do pensamento superior – res-
comportamentos.
ponsável pelo raciocíno lógico, pela resolu-
ção de problemas, pela formação e utiliza- Como não poderia deixar de ser, o meio so-
ção de conceitos, pela compreensão de cial também exerce uma influência considerável
como e onde as regras são aplicadas e váli- sobre o desenvolvimento da mente da criança.
das, e pela percepção do ponto central de Sabemos hoje que os amigos das crianças são fi-
uma idéia complexa. guras importantes, que exercem um papel primor-
dial no desenvolvimento do perfil da mente. Um
8) Sistema do pensamento social – respon-
exemplo típico é o caso da criança que estava indo
sável pela capacidade de interagir através
muito bem na escola até conhecer um amigo X,
de relações interpessoais e de pertencimento
que foi chamado de “má influência” por ter ajudado
em um grupo. Na educação musical, é o sis-
a despertar na criança outros interesses que não
tema de pensamento social que permite que
os escolares. Ou então o caso do adolescente que
as crianças façam música de câmara ou can-
se apaixona por uma determinada causa (política
tem juntas em um coral.
estudantil, esporte, música) por influência de um
O desenvolvimento do cérebro depende, líder na turma. Ambos os exemplos ilustram bem a
entre outras coisas, do desenvolvimento dos siste- influência do meio social no desenvolvimento do
mas acima citados. Além disso, Levine (2003) cita perfil da mente.
diversos fatores que influem no desenvolvimento
do perfil da mente de cada criança. Enquanto al- A saúde física e mental constitui um quinto
guns fatores são mutáveis e podem ser modifica- fator de influência no neurodesenvolvimento. Des-
dos pelos pais e educadores, há outros que são nutrição, enfermidades, deficiências e doenças
fixos e que, portanto, estão além do controle hu- congênitas e traumas físicos são alguns exemplos
mano. Como exemplo, a herança genética que a de como a saúde pode afetar o desenvolvimento
criança recebe dos pais, apesar de todos os avan- do cérebro humano durante o período escolar. Cri-
ços científicos dos últimos tempos, ainda não pode anças portadoras de síndrome de Down, por exem-
ser alterada. Querendo ou não, há certas caracte- plo, apresentam algumas dificuldades característi-
rísticas dos pais (como a facilidade para aprender cas na aprendizagem, e necessitam de uma edu-
línguas estrangeiras ou a aptidão especial para cação especial. O mesmo ocorre com as crianças
jogar futebol) que também são transmitidas aos portadoras de diversas síndromes. A desnutrição
seus filhos. Como sugere Levine (2003), embora a também influencia na saúde. As crianças desnutri-
genética seja poderosa, isso não nos impede de das e mal alimentadas freqüentemente apresen-
trabalhar nossas próprias deficiências e dificulda- tam dificuldades cognitivas e motoras, resultado da
des. A herança genética constitui, obviamente, o fome numa época em que o cérebro está em pleno
primeiro fator que influencia o neurodesenvolvi- desenvolvimento e necessita de alimento para
mento. transformá-lo em energia. A saúde é, sem sombra
de dúvida, um fator de extrema importância no de-
Vida familiar e o nível de estresse são ou- senvolvimento da mente humana.
tros fatores que influenciam o desenvolvimento do
perfil da mente da criança. Nós sabemos muito a As emoções também influenciam o
respeito da influência das condições socioeco- neurodesenvolvimento infantil. Tomemos por exem-
nômicas nas relações entre pais e filhos e no de- plo uma criança que vive a experiência da separa-

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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

revista da número 9
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ção dos pais após anos de crises conjugais e vio- cem uma influência fundamental no desenvolvimen-
lência doméstica. As emoções que essa criança to do perfil mental de cada criança.
experimenta podem afastá-la das atividades esco-
lares e dos amigos, vindo a prejudicar seu desen- Ainda com relação à experiência educacio-
volvimento, e tendo conseqüências sérias na for- nal, Levine (2003) discute como o estilo de vida
mação de seu perfil mental. pode influenciar o estilo de aprendizagem de cada
criança. Segundo ele, vários aspectos da vida con-
A experiência educacional constitui o oitavo temporânea são, de fato, nocivos ao pleno desen-
e último fator de influência na formação do perfil volvimento do cérebro bem como da formação do
da mente da criança, citado por Levine (2003). O perfil da mente de cada criança. A televisão e os
autor entende experiência educacional como o jogos eletrônicos, a linguagem simples, as músi-
modo e a qualidade da educação recebida. A cri- cas infantis que são repetitivas e supersim-
ança que estuda em uma escola voltada para o plificadas, entre outros, incentivam atitudes passi-
desenvolvimento do raciocínio lógico e a resolu- vas e pouco estimulam o cérebro e funções como
ção de problemas terá um perfil mental bastante a resolução de problemas, a memória e o sistema
diferente de uma segunda criança que freqüenta motor. Em contrapartida, Levine também chama
uma escola que incentiva a mera repetição e nossa atenção para o caso das crianças
memorização de frases. Embora cada criança te- superestimuladas, cujas mentes e corpos estão
nha um modo singular de aprender (isto é, algu- sobrecarregadas. Em ambos os casos, vê-se o re-
mas crianças aprendem com maior facilidade quan- flexo do estilo de vida moderna no desenvolvimen-
do têm imagens e diagramas de apoio; outras pre- to do perfil da mente das crianças.
ferem o aprendizado através da repetição de con-
ceitos e fórmulas), é importante lembrarmos que A Figura 1, abaixo, ilustra os fatores que influ-
tanto o modo quanto a qualidade do ensino exer- enciam o neurodesenvolvimento de cada criança.

Herança
Genética
Meio Emoções
ambiente

Família Perfil do Meio social-


neurodesenvolvimento amigos
da criança

Fatores
Culturais Saúde
Experiência
educacional

Figura 1: Os fatores que influenciam o desenvolvimento do perfil da mente de cada criança (adaptado de Levine, 2003, p. 31).

Do nascimento à idade adulta, o cérebro ta, ora de maneira subliminar. Por essa razão, é
passa por uma quantidade enorme de transforma- importante delinearmos o conceito de inteligência,
ções através de experiências e estímulos. Estes de modo que ele possa ser aplicável às práticas
auxiliam no desenvolvimento de cada um dos oito educacionais.
sistemas e dão origem a diferentes comportamen-
tos, movimentos, percepções e habilidades. Cada Inteligência e cérebro
criança tem um cérebro diferente, assim como um Testes de inteligência, inatismo e aquisição
perfil da mente único, este último formado por di-
versos fatores. Em outras palavras, o desenvolvi- A idéia de equacionar o cérebro com a inte-
mento do cérebro da criança é um processo extre- ligência é antiga. Gould (1981) nos ensina que, por
mamente complexo e dependente de uma combi- muitos anos, persistiu a idéia de que a inteligência
nação de muitos fatores. Entretanto, quando fala- humana era um correlato do tamanho do cérebro.
mos em desenvolvimento do cérebro, o conceito Por exemplo, o célebre psicólogo Alfred Binet
de inteligência sempre surge, ora de maneira dire- (1857-1911), cujo nome é mais comumente asso-

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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

número 9 revista da
setembro de 2003
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ciado aos testes de Q.I. (Quociente de Inteligên- cias múltiplas, do americano Howard Gardner
cia), investigou e formulou teorias sobre a inteli- (1983). Baseado em pesquisas da neurobiologia,
gência humana baseadas em observações Gardner notou a existência, ainda que aproxima-
comportamentais e medidas dos crânios humanos. da, de áreas distintas de cognição no cérebro, cada
Em 1904, Binet foi comissionado pelo ministério uma específica para um tipo de competência e
da educação francês para criar técnicas para iden- processamento de informações (Antunes, 2002),
tificar crianças com problemas de aprendizagem Com isso, Gardner sugeriu que a inteligência não
escolar. Foi então que surgiu, possivelmente, um é unitária, mas, sim, compartimentada por compe-
dos primeiros testes sistemáticos de inteligência: tências específicas. Quando publicou a primeira
a escala Binet. Alguns anos depois, a escala Binet edição de sua teoria em 1983, Gardner propôs a
foi modificada e se transformou no chamado teste existência de pelo menos oito inteligências. São
Stanford-Binet, ainda hoje bastante utilizado na elas: a inteligência lingüística ou verbal, a lógico-
América do Norte para medir o quociente de inteli- matemática, a espacial, a musical, a cinestésica
gência das crianças e adultos. corporal, a naturalista, a intrapessoal e a inter-
pessoal. Cada uma dessas inteligências aparenta
Segundo Gould (1981), o próprio Binet sali- estar localizada em uma parte distinta do cérebro
entou que os testes de sua escala deveriam ser humano. Todo ser humano possui todas essas in-
utilizados apenas como diagnóstico e nunca como teligências, embora cada indivíduo tenha algumas
uma forma de segregar indivíduos. Infelizmente, os delas mais predominantes do que as outras. Por
testes nem sempre foram utilizados da maneira que exemplo, há indivíduos que têm uma predominân-
ele recomendou. Em decorrência da superva- cia das inteligências cinestésica-corporal e
lorização da inteligência e daqueles que a possu- interpessoal, enquanto em outros predominam as
em no mundo ocidental (Gardner, 1983), muitos inteligências musical e lógico-matemática. Uma vez
relatos de preconceitos, injustiças e segregações que nossa preocupação aqui é com a cognição
decorrentes dos resultados de testes administra- musical, é importante discutirmos a questão da in-
dos em massa são encontrados na literatura. Há teligência musical em maior profundidade. Por uma
muita controvérsia, ainda hoje, a respeito dos be- questão de espaço, deixaremos a discussão sobre
nefícios e prejuízos decorrentes da aplicação de as demais inteligências para uma outra ocasião.
testes como o Stanford-Binet, bem como da vali-
dade de seus resultados. A inteligência musical

Contudo, não se pode negar que a existên- A inteligência musical é provavelmente a


cia dos testes de inteligência traz à tona a antiga mais discutida de todas (Antunes, 2002). Em prati-
discussão sobre o inato versus o adquirido camente todas as culturas do mundo, fala-se em cri-
(Newcombe, 2002; Spelke, 2000). Quando pensa- anças com “maiores aptidões”, “com bom ouvido para
mos em inteligência ou ainda em talento, sempre música” ou “com talento musical”, e crianças “que
remetemos a essa questão. Há quem acredite que não levam jeito para música”. Ou seja, ainda existe
a hereditariedade e o código genético é que deter- muita confusão entre a inteligência musical e o ta-
minam o que somos e como seremos. Ou seja, al- lento. Mesmo assim, é importante salientar que es-
guns seres humanos já nascem inteligentes ou ses termos não são sinônimos. Segundo Antunes
talentosos enquanto outros são menos dotados, e (2002), é notável o fato de o talento ser geralmente
assim permanecerão. Uma segunda corrente su- visto como uma característica excludente. Em ou-
gere que somos um produto de nosso meio. Em tras palavras, o talento não existiria em todos, mas
outras palavras, que as experiências adquiridas em apenas em alguns seres “privilegiados”. Uma segun-
vida é que resultam na inteligência e no talento do da característica do talento é a idéia bastante difun-
ser humano. Entretanto, há hoje uma forte tendên- dida de que o talento é inato, fixo e já vem “pronto”,
cia em se pensar que a combinação das caracte- ou seja, que a criança talentosa já nasce assim e
rísticas inatas e adquiridas é que nos transforma não necessita de muito treino ou aperfeiçoamento.
em quem somos; que, em última análise, é essa Já a inteligência é bastante diferente. A teoria de
combinação que impulsiona o desenvolvimento de Gardner (1983) sugere que todos os seres normais
nossa inteligência. Mas como definir inteligência, (isto é, não portadores de doenças congênitas como
esse termo tão usado em nossas vidas cotidianas? autismo ou síndrome de Down) possuem todos os
tipos de inteligência, todos abertos ao desenvolvi-
A teoria das inteligências múltiplas mento. Ou seja, diferentemente do talento, a inteli-
gência musical é um traço compartilhado e mutável,
Com relação à inteligência, uma das teorias isto é, um traço que todos possuem em um certo
mais aceitas na atualidade é a teoria das inteligên- grau e que é passível de ser modificado.

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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

revista da número 9
setembro de 2003
abem

A inteligência musical pode ser definida Janelas de oportunidades


como a capacidade de percepção, identificação,
Um outro conceito, comumente associado à
classificação de sons diferentes, de nuances de
teoria de Gardner, é o que os neurobiólogos cha-
intensidades, direção, andamento, tons e melo- mam de “janelas de oportunidades”. Essas janelas
dias, ritmo, freqüência, agrupamentos sonoros, são, na verdade, os períodos em que as crianças
timbres e estilos, entre outros (Antunes, 2002). parecem ter maiores facilidades para desenvolve-
A inteligência musical inclui também as diver- rem cada tipo de inteligência. É importante notar que
sas formas envolvidas no “fazer música”, tais o aprendizado não se limita ao “período de abertura”
como execução, canto, movimento e represen- de cada janela. Em outras palavras, todas as inteli-
tações inventadas (veja Ilari, 2002b). Na escola gências podem ser estimuladas e desenvolvidas no
decorrer da vida. Contudo, é durante o período de
Projeto Zero, da Universidade de Harvard, onde
“abertura” das janelas que tal estimulação e desen-
Gardner formulou e testou sua teoria, a educa- volvimento se dão de forma mais eficiente (Antunes,
ção musical das crianças incluía uma variedade 2002; Gardner, 1983). Na Figura 2, adaptada de
enorme de atividades e métodos de avaliação, Antunes (2002, p. 22-23), estão destacados os perí-
que serão discutidos na parte final deste artigo. odos de maior abertura de cada janela.

Tipo de Hemisfério Períodos de Desenvolvimento Como estimular


Inteligência abertura da cerebral/cognitivo
janela
Espacial Direito Dos 5 aos 10 Aperfeiçoamento da Exercícios físicos,
anos de idade coordenação motora; jogos, movimentos,
percepção do corpo mapas e
no espaço. representações de
sons e melodias.
Lingüística ou Esquerdo Do nascimento Conexões que Jogos vocais,
verbal aos 10 anos de transformam sons em conversas, estórias,
idade palavras com sentido. lendas, rimas,
parlendas, estórias
musicadas.
Musical Direito Do nascimento A partir dos 3 anos, Canto, audição,
aos 10 anos de as áreas do cérebro movimento, dança,
idade* que dominam a jogos musicais,
coordenação motora identificação de sons,
são muito sensíveis e e outras atividades
já permitem a que desenvolvam o
execução musical. ouvido interno.
Cinestésica Esquerdo Do nascimento O cérebro Brincadeiras que
corporal aos 6 anos desenvolve a estimulam o tato,
capacidade de paladar e o olfato,
associação entre a mímica, interpretação
visualização e o ato de movimentos, jogos
de agarrar um objeto. e atividades motoras
diversas, com ou sem
objetos.
Interpessoal e Lobo frontal Do nascimento à As conexões entre os Brincadeiras,
Intrapessoal puberdade circuitos do sistema demonstrações de
límbico aumentam e afeto e de limites,
se tornam bastante estímulo às
sensíveis aos descobertas pessoais
estímulos provocados e também ao
por outros seres. compartilhamento de
objetos e idéias.
Naturalista Lado direito Do nascimento A conexão de Estimular a
aos 14 anos* circuitos cerebrais percepção do ar, da
transforma os sons água, da temperatura
em sensações. através de jogos.
Lógico- Lobos Do nascimento A cognição é Desenhos,
matemática parietais aos 10 anos desenvolvida através representações,
esquerdos das ações da criança jogos, atividades
com os objetos do musicais, resolução
mundo, e suas de problemas simples
expectativas em em diversas áreas e
relação aos mesmos. que estimulem o
raciocínio lógico.
* Idades diferentes são apresentadas por Antunes (2002). Alteração da autora.

Figura 2: Janelas de oportunidades

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número 9 revista da
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É importante notar que os períodos de aber- aprendizado de conceitos, idéias, formas de soci-
tura das janelas não foram fixados em caráter defi- alização e cultura, sempre através das atividades
nitivo, e podem mudar profundamente de acordo musicais.
com os avanços da ciência. Por exemplo, embora
Antunes (2002) sugira que as janelas de oportuni- Muitos educadores questionam quais as for-
dade para o estímulo e desenvolvimento das inte- mas de estimular o desenvolvimento do cérebro e
ligências musical e lógico-matemática se abram a da inteligência musical de cada criança. Há até
certos mitos em relação a isso, como por exemplo
partir de, respectivamente, 3 e 1 ano de idade, as
a idéia errônea de que utilizamos somente 10% da
pesquisas recentes da psicologia cognitiva já indi-
capacidade de nosso cérebro (Herculano-Houzel,
caram que tais aprendizados ocorrem com um re-
2002). Muitos livros e vídeos sugerem fórmulas
lativo sucesso antes mesmo dos bebês completa- mágicas e exercícios que visam o desenvolvimen-
rem 1 ano de vida (ver Ilari, 2002a; Spelke, 2000). to pleno do cérebro como um todo ou de um dos
Com o avanço das pesquisas científicas e as des- hemisférios (ver Campbell, 1996). Segundo Her-
cobertas sobre as capacidades dos bebês e crian- culano-Houzel (2002), embora esta “neuróbica”,
ças pequenas, é possível que essa estimativa seja como ela os chama, tenha alguma base nas des-
profundamente alterada nos próximos anos. Ainda cobertas científicas, não há nenhuma garantia de
assim, ela nos dá uma noção geral do quanto a que funcione. Cabe então apelarmos para o bom
infância é um período propício para o desenvolvi- senso, ou para a idéia de que o cérebro saudável
mento do cérebro da criança. é o cérebro ativo (Herculano-Houzel, 2002). Em
outras palavras, ninguém precisa fazer mágica:
Implicações para a educação musical para desenvolver a inteligência musical e o cére-
bro da criança, basta fazer música.
Os estudos da neurociência apontam para a
infância como um período propício para o desen- É importante que o educador utilize uma gran-
volvimento do cérebro. Tudo indica que do nasci- de variedade de atividades e tipos de música. Can-
mento aos 10 anos de idade, o cérebro da criança tar canções em aula, bater ritmos, movimentar-se,
está em pleno desenvolvimento e apresenta as dançar, balançar partes do corpo ao som de música,
melhores “condições” de aprendizado, as chama- ouvir vários tipos de melodias e ritmos, manusear
das janelas de oportunidades. As conexões do cé- objetos sonoros e instrumentos musicais, reconhe-
rebro infantil dão origem aos diversos sistemas do cer canções, desenvolver notações espontâneas
neurodesenvolvimento, que por sua vez auxiliam antes mesmo do aprendizado da leitura musical,
no desenvolvimento das diversas inteligências. Os participar de jogos musicais, acompanhar rimas e
estímulos, desde que não em demasia, podem be- parlendas com gestos, encenar cenas musicais, par-
neficiar o meurodesenvolvimento como sugerem, ticipar de jogos de mímica de instrumentos e sons,
para o cérebro como um todo, Cardoso e Sabbatini aprender e criar histórias musicais, compor canções,
(2000): inventar músicas, cantar espontaneamente, construir
instrumentos musicais; essas são algumas das ativi-
A educação de crianças em um ambiente sensorialmente dades que devem necessariamente fazer parte da
enriquecedor desde a mais tenra idade pode ter um musicalização das crianças. Todas essas atividades
impacto sobre suas capacidades cognitivas e de memória
são benéficas e podem contribuir para o bom desen-
futuras. A presença de cor, música, sensações (tais como
a massagem do bebê), variedade de interação com volvimento do cérebro da criança. O canto, os jogos
colegas e parentes das mais variedades idades, musicais, a execução instrumental, a construção de
exercícios corporais e mentais podem ser benéficos instrumentos musicais, a composição e a notação
(desde que não sejam excessivos). (Cardoso; Sabbatini, são discutidas em maiores detalhes a seguir. A mai-
2000).
or parte dessas atividades integra o currículo de edu-
Cardoso e Sabbatini (2000) sugerem que a cação musical da escola Projeto Zero.
música pode constituir um estímulo importante para
O canto infantil e o movimento corporal
o desenvolvimento do cérebro da criança. O hábi-
to de cantar e dançar com bebês e crianças, pre- O canto acompanhado por gestos e movi-
sente em praticamente todas as culturas do mun- mento corporal faz parte da musicalização de cri-
do (Ilari; Majlis, 2002), auxilia no aprendizado mu- anças em todas as partes do mundo, especialmen-
sical, no desenvolvimento da afetividade e sociali- te da educação musical das crianças pequenas em
zação, e também no progresso da aquisição da lin- idade pré-escolar e daquelas nas primeiras séries
guagem (Ilari, 2002a; Costa-Giomi, 2001). Quan- do ensino fundamental. Tanto o canto quanto o
do a criança está em idade escolar, o aprendizado movimento em resposta aos estímulos sonoros fa-
musical, além de ter valor em si mesmo, também zem parte de comportamentos que muitos psicólo-
exerce uma segunda função, que é o ensino e o gos e educadores consideram naturais e espontâ-

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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

revista da número 9
setembro de 2003
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neos das crianças pequenas. O ato de cantar, es- A composição e a improvisação musical
pontaneamente ou de forma dirigida em sala de
aula, pode ativar os sistemas da linguagem, da O ato de compor música envolve a experi-
memória, e de ordenação seqüencial, entre outros. mentação com sons, a utilização do ouvido interno
Já o movimento corporal parece ajudar a desen- e a resolução de problemas. Ao compor uma can-
volver os sistemas de orientação espacial e motor. ção, a criança pode estar ativando os sistemas de
Sem falar que, quando o canto acompanhado de controle da atenção, da memória, da linguagem,
movimentos corporais acontece em salas de aula, de ordenação seqüencial e de pensamento supe-
as crianças ainda têm a possibilidade de desen- rior, entre outros. Independentemente de ser re-
volver o sistema de pensamento social. Através do presentada graficamente, as canções e obras com-
canto acompanhado por gestos e movimentos cor- postas pelas crianças parecem ser benéficas ao
porais, a criança pode vir a ter pelo menos seis neurodesenvolvimento. Entre essas composições
sistemas de seu cérebro estimulados. estão as canções espontâneas e improvisadas das
crianças pequenas. A improvisação musical, acom-
Os jogos musicais
panhada ou não de gestos e movimentos corpo-
Os jogos musicais, quando utilizados de for- rais, também pode servir para ativar os sistemas
ma lúdica, participativa e não-competitiva, podem motor e de orientação espacial.
constituir uma fonte rica de aprendizado, motiva-
ção e neurodesenvolvimento. Em geral, os jogos A notação musical
acontecem em aulas coletivas, o que obviamente A questão do uso da notação musical é bas-
visa a estimulação dos sistemas de orientação es-
tante controversa na educação musical moderna.
pacial e do pensamento social. Jogos de memória
Alguns educadores ainda acham que a notação tra-
de timbres, notas e instrumentos, dominós de cé-
dicional deve ser introduzida “de cara”, tão logo a
lulas rítmicas ou instrumentos musicais e brinca-
criança inicie seu treino musical. Mesmo assim, há
deiras de solfejo podem ativar os sistemas de con-
muitos educadores como, por exemplo, os da es-
trole de atenção, da memória, da linguagem, de
cola Projeto Zero que investem na chamada “cons-
ordenação seqüencial e do pensamento superior.
trução da notação” a partir daquilo que a criança
Já os jogos que utilizam o corpo, tais como mímica
traz consigo. Esse processo se inicia com a utiliza-
de sons imaginários, brincadeira da cadeira, canti-
ção de representações musicais que são inventa-
gas de roda, encenações musicais e pequenas
das pela criança. Através dessas representações,
danças podem incentivar o sistema da memória,
é possível detectarmos alguns aspectos da
de orientação espacial, motor e de pensamento
cognição musical infantil (Ilari, 2002b). As repre-
social, entre outras. Além de prazerosos, os jogos
sentações das crianças diferem de acordo com as
musicais de participação ativa podem constituir
diferentes idades e fases do aprendizado musical.
exemplos típicos do “aprendizado divertido”.
Enquanto as crianças bem pequenas (3 a 5 anos)
A execução instrumental utilizam muitos desenhos que ilustram a letra das
canções, as crianças maiores (6 a 10 anos) repre-
Tudo indica que o aprendizado instrumental sentam ritmos e alturas com símbolos inventados
auxilia no desenvolvimento dos sistemas de con- e desenhos. Contudo, quando a notação musical
trole de atenção, de memória, de orientação espa- tradicional é introduzida, a maioria das crianças
cial, de ordenação seqüencial, motor e de pensa- apresenta dificuldades em representar canções
mento superior. Quando o aprendizado instrumen- usando símbolos inventados (Ilari, 2002b). Ainda
tal ocorre em grupos (Suzuki, Orff) e/ou quando há assim, a utilização de notações tradicionais e in-
apresentações e recitais familiares, as crianças têm ventadas pode auxiliar no desenvolvimento dos sis-
oportunidades de desenvolver o sistema de pen- temas de orientação espacial, de ordenação
samento social. Ou seja, apesar de todas as suas seqüencial e do pensamento superior.
dificuldades inerentes, o aprendizado instrumental
aparenta ser benéfico para o desenvolvimento do A construção de instrumentos musicais
cérebro infantil. Entretanto, é importante que o edu-
Além de divertidos, os projetos de constru-
cador esteja atento à adequação do instrumento
musical para cada criança. Assim como sugeriu Carl ção de instrumentos musicais podem constituir ex-
Orff, é recomendável a utilização de instrumentos periências ricas de aprendizado, como sugere o
simples e de fácil execução para as aulas de currículo da escola Projeto Zero (Koetszch, 1997).
musicalização das crianças bem pequenas. Dessa Ao construir um instrumento, as crianças experi-
forma, desenvolve-se um senso de competência mentam com os sons produzidos por diferentes ti-
na criança pequena, que pode inclusive motivá-la pos de materiais, aprendem “na prática” sobre os
a tocar um instrumento musical “mais difícil” em fase diversos tipos de instrumentos, discutem algumas
subseqüente de seu desenvolvimento. questões de física (proporções de tamanho de ins-

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trumentos e alturas das notas musicais, materiais tar uma atenção especial ao desenvolvimento in-
e timbres, entre outras). Tudo indica que a cons- dividual de cada criança, não como alguém que
trução de instrumentos musicais é benéfica para o quer simplesmente diagnosticar, mas como alguém
desenvolvimento dos sistemas do pensamento su- que quer ajudar o aluno a desenvolver sua inteli-
perior, de ordenação seqüencial, motor e de con- gência musical e construir seu conhecimento, in-
trole da atenção. A construção de instrumentos centivando suas propensões e sanando suas difi-
musicais, entre outras, é mais um exemplo de ati- culdades. Os sistemas do neurodesenvolvimento
vidade musical prazerosa e enriquecedora. podem ser úteis para que o educador detecte quais
as facilidades e quais as dificuldades de cada alu-
Considerações finais no, em cada estágio de seu desenvolvimento. Como
sugere Levine (2003), é importante que o educa-
A maioria de nossas atividades musicais tem dor seja capaz de reconhecer as particularidades
potencial para auxiliar no desenvolvimento do cé- de cada aluno, bem como os fatores que estão in-
rebro das crianças. Cada atividade, quando cuida- fluenciando o seu aprendizado. Além disso, o edu-
dosamente planejada e realizada, parece benefici- cador deve se lembrar que além do desenvolvimen-
ar os sistemas do neurodesenvolvimento, alguns to do cérebro e da inteligência musical, a educa-
mais do que outros. Por isso, o educador necessi- ção musical da criança deve ser divertida, de modo
ta estar atento e planejar suas aulas com muito zelo a desenvolver prazer, cultura e gosto musical du-
e cuidado. Entrementes, o educador precisa pres- radouro nestes futuros adultos.

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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

revista da número 12
março de 2005
abem

A contribuição da neurociência
na questão da memorização no
aprendizado pianístico1

Márcia Kazue Kodama Higuchi


higuchikodama@uol.com.br

Resumo. Esta pesquisa consiste em uma análise descritiva multidisciplinar apoiada em trabalhos
desenvolvidos nos campos da psicologia e, principalmente, na neurociência, que visam explicar ou
dar sentido às vastas extensões de fenômenos relacionados à memorização no aprendizado
pianístico. O objetivo deste estudo é conhecer melhor o processo da memorização e, a partir desse
conhecimento, encontrar explicações e meios produtivos para obter um desenvolvimento mais
adequado da memorização no aprendizado pianístico. A constatação neurocientífica da existência
de pelo menos dois tipos distintos de memória – denominados neste trabalho como consciente e
inconsciente – esclareceu as razões da existência de alguns problemas enfrentados por vários
alunos de piano, como dificuldades em desenvolver a fluência da leitura musical, assim como em
tocar peças começando de qualquer lugar que não seja do seu início. Além das explicações, as
pesquisas neurocientíficas proporcionaram informações a respeito do processo de memorização
que permitiram elaborar procedimentos eficientes para se desenvolver uma memorização mais
adequada para um aprendizado pianístico elaborado.

Palavras-chave: memorização, neurociência, música

Abstract. The present paper is a multidisciplinary, descriptive analysis based on psychological


data, particularly on Neuroscience. It aims to explain the vast extension of phenomena related to
pianistic learning memorization. The main objective is to understand the human memorization process
in better manner, and through this specific knowledge try to reach some proper explanations as well
as more productive studying procedures, which could lead to a better memorization development in
pianistic learning. Findings about the existence of at least two different types of memory – which will
be referred to as conscious and unconscious – have clarified the reasons for several problems
faced by a number of piano students such as the difficulty in achieving musical reading fluency, or
the difficulty in playing a work starting from any other part than its beginning. Furthermore, research
on Neuroscience has provided information on the memorization process which has enabled the
construction of effective procedures to evolve a more adequate memorization in a more elaborated
pianistic learning.

Keywords: memorization, neuroscience, music

“De cor e automático” sem saber

Há muitos anos, participei de um master class. da cena da execução da peça que logo iria apresen-
Como de costume, estava nervosa e, para tentar me tar, entrei em pânico. Descobri que não lembrava
acalmar, resolvi me valer de um recurso, ou seja, sequer de seu acorde inicial. Fiquei desesperada.
imaginar-me tocando. Ao tentar compor a imagem Antes de poder pensar no que fazer, a professora

1
Este artigo tem por base o segundo capítulo da dissertação de mestrado intitulada Técnica e Expressividade – Diversidade e
Complementaridade no Aprendizado Pianístico, que conferiu à autora o título de Mestre em Artes pela Universidade de São Paulo,
em 2003.

111
HIGUCHI, Márcia Kazue Kodama. A contribuição da neurociência na questão da memorização no aprendizado pianístico. Revista
da ABEM, Porto Alegre, V. 12, 111-118, mar. 2005.
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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

número 12 revista da
março de 2005
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chamou o meu nome. Era a minha vez de tocar. Sem H. M. era capaz de conversar normalmente, desde que
não fosse distraído (Pribram, 1986), sua atividade
outra alternativa, fui até o piano e apenas pensei “seja
intelectual estava normal (Scoville e Milner, 1957), sua
o que Deus quiser”. Coloquei as minhas mãos sobre memória de curta duração3 estava preservada (Milner
o teclado e, mesmo trêmulas, elas começaram a e col.,1968), o seu desempenho em testes de
tocar as Cenas Infantis, de Schumann, de cor. percepção era normal (Milner e col., 1968; Scoville e
Milner, 1957), assim como sua capacidade para adquirir
Esse desconfortável episódio deu início a um novas habilidades motoras, perceptuais e cognitivas.
(Cohen, 1984 apud Xavier, 1996, p. 108).
profundo e intenso questionamento. Como é possí-
vel tocar uma peça de cor (sem a necessidade de O notável foi descobrir que H. M. – assim como
ler, sem a partitura), sem domínio consciente de quais pacientes com lesões semelhantes – era incapaz
são as notas que compõem seu acorde inicial? de, por exemplo, identificar um médico que conhe-
ceu depois da cirurgia, ainda que se encontrassem
Minhas próprias experiência e inquietação me diariamente, ou seja, na prática, todo dia o médico
levaram a buscar respostas em áreas diferentes da precisava se apresentar, porque pacientes como H.
pedagogia e da música – em especial, em relação M. não têm recursos de memória suficientes para
ao piano –, mas que possuem uma relação íntima e desencadear o processo de reconhecimento. Ape-
significativa com o processo de aprendizado, como sar disso, são capazes de adquirir novas habilida-
será descrito a seguir. des motoras, perceptivas e cognitivas – como, por
Nas últimas décadas, várias pesquisas foram exemplo, aprender a andar de bicicleta – e manter
essas habilidades por muito tempo, sem ao menos
realizadas na neurociência para entender melhor
saberem ou lembrarem que foram treinados.
como ocorre o processo de memorização. Apesar
dos muitos conceitos, teorias, resultados e hipóte- A importância desse caso diz respeito à se-
ses serem questionáveis e, em alguns casos, até guinte questão: ela compromete a idéia de que o ser
polêmicos, pode-se observar que alguns estudos humano tenha apenas um tipo de memória. Se a
estão chegando a um consenso, fornecendo dados, memória entre os humanos fosse única, a perda da
informações e análises bastante esclarecedores para capacidade de formar novas memórias tornaria o
a busca de respostas a essa questão. sujeito incapaz de aprender algo novo. Mas o caso
H. M. mostrou que essa concepção da realidade
Neste artigo foi adotada a definição de memó-
estava equivocada. A hipótese da existência de mais
ria como “a capacidade de alterar o comportamento
de um tipo de memória estava em evidência e os
em função de experiências anteriores” (Xavier, 1993
avanços nos estudos demonstraram que esses ti-
apud Magila, 1997, f. 1), ou seja, “a aquisição, a for- pos seriam tanto de ordem consciente quanto de
mação, a conservação e a evocação de informações” ordem inconsciente.4
(Izquierdo, 2002, p. 9), enquanto a memorização é o
ato de trazer as informações à memória. A memória consciente está relacionada prin-
cipalmente às lembranças de dados e fatos, referin-
O marco na história dos estudos de memória do-se aos conhecimentos no qual as informações
aconteceu em 1957, quando um paciente conhecido armazenadas são conscientemente acessíveis, ou
como H. M. foi submetido a uma cirurgia cerebral seja, “saber que”. A memória inconsciente abrange
para tentar controlar os ataques de epilepsia. Na in- operações, habilidades e vieses relacionados ao
tervenção, foram retiradas algumas partes do seu desempenho, ou seja, “saber como” (Squire, 1987
cérebro.2 Após a cirurgia, H. M. perdeu a capacida- apud Magila, 1997).
de de formar novas memórias. O comprometimento
estava relacionado à acuidade de H. M. para lembrar Esse apanhado sobre a questão da memória
eventos ocorridos durante os três anos que antece- é importante para explicar o caso relatado no início
deram a cirurgia, mas as informações anteriores a deste artigo. A execução das Cenas Infantis, de
esse período eram lembradas normalmente. Schumann, foi possível porque eu a havia praticado

2
As partes removidas fazem parte do chamado lobo temporal medial, que se encontra nos dois lados do cérebro (a cirurgia atingiu-
os bilateralmente, retirando-os). Uma estrutura que faz parte do lobo temporal medial é conhecida como hipocampo. A retirada do
hipocampo seria responsável pela perda da capacidade de H. M. para formar novas memórias (Xavier, 1996).
3
Conhecida também como memória operacional, tem a capacidade de estocar e manipular informações durante alguns minutos.
4
As memórias conscientes são denominadas na literatura neurocientífica como memórias declarativas ou explícitas; e as memórias
inconscientes como memórias de procedimento, não declarativas ou implícitas. Neste trabalho optou-se por adotar as denominações
“conscientes” e “inconscientes” para evitar excesso de termos técnicos e facilitar a compreensão dos princípios.

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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

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ao piano, apenas repetindo suas peças inúmeras mações que não só confirmaram a minha hipótese,
vezes do começo ao fim. Dessa forma, os dedos como a ampliaram. No decorrer da execução, quan-
passaram a executar a seqüência de movimentos do esses estudantes pensavam nas notas ou dedi-
automaticamente (memória digital). lhados, essa atenção – ao invés de ajudar a não
errar – atrapalhava, descontrolando os dedos e pre-
Esse modelo de estudo acaba desenvolvendo judicando a performance.
apenas a memória inconsciente, sem produzir efei-
tos ou beneficiar a memória consciente. O resultado Essa revelação colabora para reforçar a evi-
dessa prática foi tornar viável a execução da peça dência de que esses fenômenos não são coincidên-
(em uma situação de grande estresse), mas não atri- cias aleatórias, mas conseqüências da forma de
buiu – naquela circunstância – a capacidade para memorização. É preciso reconhecer que aparente-
resgatar, de forma consciente, os dados a respeito mente existe um paradoxo na formulação dessa
de notas e acordes que compõem a música. questão. Eu era alfabetizada musicalmente e a memo-
rização das peças foi feita a partir da leitura de parti-
Memórias conscientes tura. Se houve uma leitura, deveria haver o reconhe-
cimento das notas e, portanto, sua consciência. Qual
Segundo vários pesquisadores, a caracterís-
seria então a razão desse caso ser analisado desde
tica fundamental – que permite às memórias se tor-
o começo como uma forma de memorização que
narem acessíveis conscientemente – é a ativação
desenvolveu apenas a memória inconsciente?
da atenção no decorrer do processo de retenção,
pois a atenção possibilita raciocinar, tomar decisões, A resposta provavelmente se encontra no fato
planejar estratégias e controlar o comportamento. da memória consciente ter outras subdivisões, ou
Sem a atenção não existiria a consciência, nem a seja, existem vários tipos de memória consciente.
ação voluntária (Shallice, 1988 apud Magila, 1997), Segundo pesquisadores, há pelo menos dois ti-
apenas comportamentos automáticos. pos relacionados à duração,6 os quais são conhe-
Em minha experiência pessoal de tocar piano cidos como memória operacional e memória de
automaticamente (“De cor e Automático” sem sa- longa duração.
ber), baseei a memorização das peças das Cenas
A memória operacional – também conhecida
Infantis na memória digital (inconsciente). Por isso,
como memória de trabalho – é uma memória de cur-
minhas mãos foram capazes de reproduzir a seqüên-
ta duração que tem muitas definições, mas neste
cia de movimentos de uma forma automática. Mas
artigo será definida como uma memória de capaci-
esse processo de memorização terminou me trazen-
do uma grande desvantagem. Pelo fato da dade limitada, que permite a estocagem e a manipu-
performance ter sido executada utilizando a memó- lação temporária de informações, necessárias para
ria digital, ou seja, guiada e desencadeada por um tarefas complexas, tais como compreensão, apren-
impulso automático, durante sua execução, a se- dizagem e raciocínio (Baddeley, 2000). De acordo
qüência não poderia ser interrompida. Sem acesso com Izquierdo (2002, p. 19), a memória operacional
ao conhecimento consciente da seqüência das no- é mais bem definida por exemplos: ela é usada
tas que compunham a obra, eu não tinha recursos quando, por exemplo “perguntamos para alguém
disponíveis para controlar os movimentos para pros- o número de telefone do dentista: conservamos
seguir a execução. Como conseqüência desse pro- esse número o tempo suficiente para discá-lo e,
cesso, quando ocorria uma interrupção, eu não con- uma vez feita a comunicação correspondente, o
seguia mais prosseguir a execução e, para tocar a esquecemos”.
peça até o fim, precisava reiniciá-la, seguir “no em-
A memória de longa duração é o armazena-
balo” sem errar, pois, se isso acontecesse, teria de
retomar desde o princípio.5 mento de dados e fatos conscientemente acessí-
veis. Pode durar várias horas, dias, meses, anos ou
Procurei descobrir junto a vários estudantes décadas (Izquierdo, 2002), como, por exemplo, con-
que utilizavam a mesma forma de memorização se seguir recitar de cor uma poesia que foi memorizada
esse fenômeno era familiar a todos. Levantei infor- há muitos anos.

5
Casos similares são abordados em vários livros da didática pianística, como no de Fontainha (1956).
6
Segundo algumas pesquisas, há uma importante distinção entre tipos de memórias conscientes relacionadas à duração, mas essa
questão é bastante polêmica, pois existem várias teorias com diversas definições para cada tipo de duração das memórias
conscientes. Porém pelo menos duas (a operacional e de longa duração) e suas respectivas características principais são bastante
consensuais.

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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

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Em seu livro O Mistério da Consciência, Retomando minha experiência pessoal, des-


António Damásio (2000) descreve o caso de um pa- crita na passagem “De cor e automático sem sa-
ciente portador de amnésia7 chamado David que, ber”, eu e a maioria dos alunos que se comportam
apesar de possuir uma memória operacional normal, da mesma maneira não temos qualquer tipo de le-
apresentava uma memória de longa duração total- são cerebral. Além disso, nossa memória de longa
mente comprometida. Esse caso foi selecionado para duração pode ser considerada normal. Portanto as
esta pesquisa pelo fato de fornecer uma série de razões que levaram à falta de memorização consci-
informações que facilitam a compreensão da dife- ente das peças podem ser atribuídas a alterações
rença entre a memória operacional e a memória de no processo de memorização de dados.
longa duração.
Pesquisas revelam que, no processo de
David teve uma encefalite aos 46 anos de ida- memorização de longa duração, uma determinada in-
de, e partes do seu cérebro8 foram substancialmen- formação necessariamente é submetida, em primeira
te lesadas. Quando o processo da doença terminou, instância à memória operacional.9 Entretanto, nem
David perdeu a capacidade de aprender fatos novos. todos os dados que passam pela memória operacional
David não conseguia lembrar de fatos muito antigos. são armazenados pela memória de longa duração.
Ele lembrava-se de seu nome, de sua esposa, fi-
lhos e parentes próximos, mas não sabia mais Os processos de transferência, fixação e con-
qual a aparência deles, quais eram suas vozes, solidação de registros da memória operacional para
enfim não dispunha de recursos para reconhecê- a memória de longa duração não são muito simples.
los pessoalmente. Para que dados ou fatos se armazenem na memória
de longa duração, é necessária a manutenção do
Damásio conta que um certo dia, ao encontrá- pensamento (a percepção e a análise dos fatos pela
lo, eles se cumprimentaram como velhos amigos. A mente) no mínimo por vários segundos na mente, o
conversa fluiu normalmente como se não houvesse suficiente para o seu armazenamento. Assim, para
nada de incomum, até que Damásio perguntasse a memorizar conscientemente uma seqüência de no-
David quem ele (Damásio) era. Sem se perturbar tas, por exemplo, uma pessoa normal geralmente
David respondeu que não sabia. Mas, ao insistir na necessita repetir esta seqüência várias vezes até
pergunta, David lhe disse que ele era seu primo decorá-la. De qualquer forma, a capacidade da me-
George McKenzie, ou seja, David não tinha referên- mória operacional é bastante limitada.
cias suficientes para distinguir Damásio, seu próprio
médico e neurologista, que acompanhava e estuda- Alguns testes realizados por meio da apre-
va seu caso há mais de 20 anos. sentação de uma seqüência de várias palavras (mos-
tradas ou faladas) revelaram ser comum pessoas
Apesar dessa profunda amnésia, David con- começarem a cometer erros ao tentarem se lembrar
seguia reter informações durante aproximadamente de seqüências que excedam a cinco ou seis pala-
um minuto. Nessa breve fração de tempo, sua me- vras. Pelo fato da quantidade de notas das músicas
mória para fatos novos funcionava da mesma forma extrapolarem totalmente esses números, os estu-
que a das pessoas normais. Quando Damásio se dantes, ao tocarem a música integralmente, não têm
apresentava a ele, saía da sala e retornava após 20 condições de atribuir os nomes às notas. E, e por
segundos, David prontamente reconhecia Damásio, exceder o limite, os dados são esquecidos antes mes-
dizia que acabara de conhecê-lo, e que Damásio mo de serem guardados na memória de longa dura-
havia se retirado da sala, mas estava de volta. Quan- ção. Na realidade, a quantidade das notas não é a
do a saída do médico demorava três minutos, David única razão para que os dados sejam esquecidos.
deixava de reconhecer Damásio. Por isso quando,
naquelas condições, era levado a identificar o pró- Muitas vezes a própria leitura é feita automa-
prio médico, para David ele poderia ser qualquer pes- ticamente, ou seja, sem consciência. Esta afirma-
soa, inclusive o seu primo George McKenzie. ção é baseada no fato de que em várias ocasiões ter

7
Perda patológica da memória. A amnésia pode ser anterógrada (perda da capacidade de criar novas memórias explícitas) ou
retrógrada (perda da memória de fenômenos ocorridos antes da lesão cerebral).
8
Lobos temporais esquerdo e direito.
9
Memória operacional e memória de longa duração eram inicialmente tratadas como totalmente distintas, pois pacientes com claras
e específicas deficiências no aprendizado fonológico de curta duração pareciam ter a memória de longa duração intacta. Pesquisas
subseqüentes têm mostrado que tais pacientes realmente apresentam deficiências na aprendizagem fonológica de longa duração
(Baddeley: 2000, p. 2).

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UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 119
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

revista da número 12
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experimentado perguntar, sem sobreaviso, aos alu- minado sistema – significa que o próprio ato de ana-
nos, “qual foi a seqüência das notas (contendo me- lisar já facilita a memorização.
nos de sete notas) que você acabou de tocar?” Pou-
Mais um fator que explica outro benefício que
cas vezes obtive como resposta a seqüência execu-
essa forma de memorização poderia proporcionar foi
tada. Na grande maioria das vezes os alunos não levantado. Nos testes que apresentam uma seqüên-
conseguem se lembrar. Entretanto, quando esses cia de várias palavras – descrito anteriormente – as
mesmos alunos eram avisados de que a lembrança pessoas começam a cometer erros quando tentam
das notas lhes seria cobrada, passavam a realizar lembrar de seqüências que excedam cinco ou seis
os exercícios com mais atenção e reter os dados palavras sem relação entre si. Porém, essa exten-
sobre as notas durante a tarefa. Com isso, conse- são aumenta para 16 ou mais quando as palavras
guiam lembrar a seqüência executada. formam uma sentença que possa ser atribuída de
sentido (Baddeley, 1987 apud Baddeley, 2000).
Por esses motivos (ver Figura 1), o desenvol-
vimento da memorização consciente das músicas Daí, é possível concluir que o conhecimento
não é uma tarefa muito fácil. Mas é possível desen- da estrutura musical proporciona um sentido para
volver a memória consciente. Uma opção é estudar seqüências de várias notas, aumentando a capaci-
a música repetindo e analisando parte por parte (a dade da memória operacional. Por exemplo, quando
divisão de cada parte tem que ser compatível com o um estudante não conhece harmonia, as notas sol,
limite da memória operacional), com atenção até o ré, si, ré, sol, ré, si, ré são consideradas aleatórias,
seu armazenamento. Mesmo que essa opção seja portanto sem relação entre si. Mas para o estudante
trabalhosa, oferece muitos benefícios em vários as- que conheça harmonia, a análise fará identificar as
pectos, tanto da aprendizagem musical como tam- notas sol, ré, si, ré, sol, ré, si, ré como arpejo do
bém na questão da memorização em si, tornando-a acorde de sol maior, portanto as notas deixam de
bastante compensadora. ser aleatórias, ganhando um sentido harmônico.

De acordo com alguns especialistas em me- A memória analítica traz ao aprendizado


mória (Craik; Tulving, 1975 apud Magila, 1997), um pianístico outros benefícios, por ser bem mais
processamento profundo, ou seja, a manipulação de abrangente e cumulativa, proporcionando melhor
dados retidos na mente, facilita a sua estocagem na entendimento das estruturas musicais, permitindo
memória de longa duração. O fato de a análise ser uma melhor comparação entre as músicas, inclusi-
uma manipulação de dados – pois exige a classifi- ve o reconhecimento de similaridades e diferenças
cação os dados da música de acordo com um deter- de elementos entre as peças estudadas. Assim,

Figura 1: Memórias conscientes

Transferência, fixação e consolidação de registros da memória operacional para a de longa duração


• Operacional • De longa duração

Memória de curta duração com capacidade limitada Armazenamento de dados e fatos conscientemente
que permite a estocagem e a manipulação acessíveis, que podem durar várias horas, dias,
temporária de informações necessárias para meses, anos ou décadas.
tarefas complexas, tais como compreensão,
aprendizagem e raciocínio.

Nem todos os dados que passam pela memória operacional são armazenados pela memória de longa duração.
Para que haja o armazenamento são necessárias a focalização da ATENÇÃO e a manutenção do pensamento
(a percepção e a análise dos fatos pela mente), no mínimo por vários segundos, tempo suficiente para o seu
armazenamento.

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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

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muitos dados já analisados em músicas estudadas coordenação motora entre as mãos e os pés; ouvir o
anteriormente poderão ser utilizados como suporte resultado sonoro; além de inúmeros outros fatores.
para facilitar a memorização das peças que ainda
serão estudadas. Mas apesar do ser humano ser capaz de rea-
lizar várias atividades simultaneamente, a capacida-
Uma forma bastante eficiente de para se me- de da atenção também é limitada. Se a demanda da
morizar conscientemente é estudar dividindo a peça atenção exceder a capacidade da memória
em partes pequenas; analisar uma parte de cada operacional, as tarefas se influenciarão mutuamente
vez e, enquanto os dados da análise ainda permane- (Kihlstrom, 1987). Para citar um exemplo, Kihlstrom
cerem na mente, tocar várias vezes essa mesma (1987) descreve uma pesquisa realizada por Spelke
parte, até sua memorização. e seus colegas, na qual as pessoas precisavam ler
uma prosa desconhecida ao mesmo tempo em que
Memórias inconscientes lhes eram ditado um outro material. No início, a
performance de ambas as tarefas eram muito po-
A definição da memória inconsciente ainda não
bres, mas após seis semanas de prática, as pesso-
é bem precisa. De acordo com as teorias propostas
as eram capazes de escrever o material ditado e ler
por diversos pesquisadores, a memória inconscien-
simultaneamente com 80% de compreensão. Tes-
te é manifestada através do desempenho. O seu
tes posteriores revelaram, porém, que as pessoas
conhecimento não está acessível à introspecção sob
geralmente não conseguiam lembrar as palavras
nenhuma circunstância, e o seu repertório é com-
transcritas e tinham pouco ou nenhuma idéia de como
posto de habilidade, regras e estratégias (Magila,
a lista de palavras havia sido estruturada. Portanto,
1997). O seu desempenho é inconsciente e automá-
ao automatizar a tarefa do ditado, esta atividade pou-
tico no sentido estrito da palavra. As pessoas teriam
co interferia na compreensão da leitura. Todavia, o
a percepção das condições do procedimento, e dos
rendimento da memorização desse material trans-
produtos da sua execução, mas não das operações
crito era altamente prejudicado.
em si (Kihlstrom, 1987).

As memórias inconscientes são em geral ad- O fato de pessoas conseguirem desenvolver


quiridas de maneira mais ou menos automática, sem a capacidade de ler uma prosa e, simultaneamente,
que o sujeito perceba de forma clara que aprende transcrever outro material sem consciência do que
(Izquierdo, 2002). Essa informação coincide com foi transcrito demonstra que a capacidade da me-
relatos de pessoas que memorizam as peças de mória inconsciente é extremamente grande.
modo similar ao processo que aconteceu comigo,
Isso pode levar à constatação da possibilida-
que descrevi no início deste artigo. O processo de
de da alfabetização musical também ocorrer de uma
memorização é ignorado. As peças são repetidas
forma inconsciente. Foi observado que embora algu-
inúmeras vezes. Os músicos não percebem que estão
mas pessoas estudem piano durante muitos anos –
aprendendo. Essa percepção só fica clara no mo-
e que consigam tocar peças com certo grau virtuo-
mento em que a peça é executada sem a partitura.
sístico, tenham sido alfabetizadas musicalmente
Mas nem todas as atividades inconscientes são (aprenderam a ler partituras musicais), e estudem
adquiridas de uma forma totalmente automática. Há “lendo” as partes –, elas demonstram grande dificul-
habilidades inconscientes que, na elaboração prévia dade em descrever quais são as notas escritas na
de sua aprendizagem, dependem do monitoramento partitura que estão tocando e qual é a duração de
consciente ou intencional (Xavier apud Magila, 1997), cada figura musical.
ou seja, essas habilidades são adquiridas inicialmen-
te com o auxílio da atenção, do controle de movimen- Apesar desses estudantes não conseguirem
tos e da consciência, porém com a prática se tornam nomear as notas, nem definir a duração de cada uma
rotineiras, inconscientes e automáticas como o caso delas, conseguem tocar, e o mais curioso é que, de
do “De cor e automático sem saber”. alguma forma, eles estão lendo as partes, pois se
antes de ocorrer a memorização a partitura for tirada
Esse processo de automatização é fundamen- da vista do estudante, a sua execução poderá ser
tal para o aprendizado pianístico, pois é ele que per- seriamente prejudicada.
mite ao ser humano realizar várias atividades simul-
taneamente, e a execução pianística requer essa De acordo com alguns relatos de estudantes
habilidade imensamente. Ao tocar piano, o estudan- que apresentam essas características, os professo-
te precisa decodificar a partitura; localizar as notas res ensinaram-lhes como se processa a leitura das
no instrumento, e tocá-las nos ritmos adequados notas e a duração das figuras musicais. Mas, ao
com dedilhados e articulações determinadas; ter estudarem, ao invés de nomear nota por nota e sen-

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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

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tir a pulsação de forma precisa, geralmente liam a De acordo com especialistas em memória, a
partitura de uma forma intuitiva. E quando a leitura execução automática seria guiada por esses estí-
da altura das notas e suas respectivas durações de mulos, conhecidos como pré-ativação. Eles podem
tempo eram feitas de forma precisa e consciente, a ser entendidos como uma espécie de dica (Izquierdo,
quantidade de dados a serem decifrados excedia a 2002), com capacidade para estimular as memóri-
capacidade da atenção, portanto os dados não fica- as. Por exemplo, uma pessoa gosta muito de uma
vam retidos na mente o tempo suficiente para possi- gravação do Concerto Italiano, de Bach, e a escuta
bilitar o seu armazenamento pela memória consci- integralmente várias vezes. Após algumas audições,
ente de longa duração. ao terminar o primeiro movimento, ela parece já co-
meçar a ouvir o início do segundo andamento, ante-
A forma como se dá essa associação incons- cipando a gravação. E se, ao invés do segundo mo-
ciente também é difícil de descrever. Os estudantes vimento, for tocado o terceiro movimento, essa pes-
parecem nem perceber que estão fazendo uma as- soa acaba tendo uma sensação estranha de que-
sociação, e todo esse processo ocorre automatica- bra. Portanto, a repetição fez com que o final do pri-
mente. Porém, esse modo de leitura apresenta mui- meiro movimento evocasse o início do segundo, ou
tas desvantagens. É bastante problemático, pois não seja, o final do primeiro movimento pré-ativou o início
permite rapidez de decodificação e apresenta mui- do segundo.
tos erros tanto na questão da altura como do ritmo.
De acordo com depoimentos, a leitura fica muito vul- A memorização de músicas baseada apenas
nerável a qualquer mudança, ou seja, a falha de uma na automatização também pode ser guiada pela pré-
nota, um andamento muito mais lento, um piano di- ativação, cada nota da música serviria de estímulo
ferente do que se está acostumado ou a utilização para a nota seguinte da seqüência; esta seria a ra-
de uma partitura diferente da mesma peça são fato- zão de uma interrupção, ou a falha em uma nota,
res que podem dificultar bastante e até mesmo im- comprometer tanto uma execução, pois haveria uma
pedir a execução, tornando-a insegura e imprecisa. quebra na corrente de pré-ativações.

Uma explicação plausível para esses fenôme- Conclusão: as contribuições ao educador


nos está relacionada à característica da memória musical
inconsciente. Diferentemente da memória operacional
– com a sua capacidade bastante limitada e que Apesar deste trabalho estar voltado para o
necessita de tempo para processar as informações aprendizado pianístico, essa pesquisa pode trazer
para poder armazená-las na memória de longa dura- importantes contribuições para todos os educado-
ção –, a memória inconsciente, além de ser extre- res musicais, pois a compreensão do processo da
mamente rápida, é capaz de armazenar vários da- memorização pode ser uma grande aliada para se
dos simultaneamente (Kihlstrom, 1987). Em outras desenvolver qualquer tipo de aprendizado. Porém, para
palavras, a vulnerabilidade da leitura referente à mu- o aprendizado musical, o benefício obtido através
dança de qualquer natureza poderia ser explicada dessa compreensão pode ser bem mais significati-
pelo fato dessa leitura ser baseada no automatismo vo, uma vez que, para se atingir um aprendizado mu-
e no paralelismo (capacidade de estímulos de várias sical mais elaborado, é necessário conseguir a con-
naturezas – como visual, auditiva e tátil – serem pro- ciliação de vários tipos de memórias distintas.
cessados simultaneamente). No meio musical, é bem difundida a existência de
memórias distintas como memória digital, visual,
Em relação à questão da leitura, a explicação auditiva e analítica, porém as suas característi-
é a seguinte: sendo o processo da aprendizagem cas são descritas de uma maneira pouco especí-
inconsciente paralelo, ao tocar lendo uma peça, os fica, não permitindo a apreensão de como elas
dados referentes a figuras e localizações das notas são processadas.
na partitura são processados simultaneamente com
as suas respectivas durações, sons e localizações Portanto os dados obtidos através de pesqui-
no instrumento. Repetições com a mesma causa e sas neurocientíficas trouxeram muitos esclarecimen-
efeito fazem com que esses dados sejam associa- tos para o aprendizado pianístico, uma vez que a
dos automaticamente. Mas essa forma de associa- descrição pormenorizada das memórias consciente
ção parece não proporcionar dados objetivos, espe- e inconsciente proporcionou compreender melhor o
cíficos ou precisos. Estudantes questionados sobre processo da memorização. A revelação de que exis-
a duração das figuras musicais responderam que as tem pelo menos duas memórias conscientes relaci-
colcheias, por exemplo, são tocadas mais rapida- onadas à duração temporal explica por que a prática
mente que as mínimas, mas eles não conseguem de se tocar uma peça apenas repetindo do começo
definir o quanto. ao fim desenvolve apenas a memória inconsciente.

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Por outro lado, o desvendar das características me- estudantes de piano, facilitando a elaboração de
mória inconsciente (como a pré-ativação e o para- procedimentos mais eficientes para sanar esses
lelismo) possibilitou compreender que o desenvolvi- problemas.
mento apenas da memória inconsciente acarreta
A literatura pedagógica pianística brasileira
sérios problemas no aprendizado musical, como lei-
está predominantemente voltada ao desenvolvimen-
tura e memorização vulnerável, imprecisa e sem con- to técnico instrumental e à interpretação estilística,
trole. Relacionar a memória consciente com a aten- dando menos atenção à abordagem das dificulda-
ção, assim como as características da atenção, pro- des que muitos estudantes de iniciação pianística
porcionou a compreensão de que o estudo profundo costumam enfrentar. Assim, a contribuição mais sig-
e lento, segmentado em partes favorece a memória nificativa deste trabalho foi tentar diminuir essa lacu-
consciente. na e colocar em evidência a necessidade de se
aprofundar as pesquisa desses aspectos. Nesse
Portanto as descrições mais detalhadas favo- sentido, a neurociência pode ser um importante cam-
receram encontrar diagnósticos mais precisos para po de investigação, aliado de uma abordagem
várias dificuldades comumente encontradas nos interdisciplinar coerente e significativa.

Referências
BADDELEY, Alan. The episodic buffer: a new component of working memory? Trends in Cognitive Science, v. 4, n. 11, p. 417-423,
Nov. 2000.
DAMÁSIO, António R. O mistério da consciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
FONTAINHA, Guilherme Halfild. O ensino do piano e seus problemas técnicos e estéticos. Porto Alegre: Carlos Wehrs,1956.
IZQUIERDO, Iván. Memória. Porto Alegre: Artmed, 2002.
KIHLSTROM, John F. The cognitive unconscious. Science, v. 237, p. 1445-1452, 1987.
MAGILA, Maria C. Interação entre sistemas e processos de memória em humanos. Dissertação (Mestrado em Neurociência e
Comportamento)–Núcleo de Neurociência e Comportamento, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997.
XAVIER, Gilberto F. Memória: Correlatos anátomos funcionais. In: NITRI, R.; CARAMELLI, P.; MANSUR,L. L. (Ed.). Neuropsicologia:
das bases anatômicas à reabilitação. São Paulo: Clínica do Hospital das Clínicas, FMUSP, 1996. p.107-129.

Recebido em 12/06/2004

Aprovado em 10/12/2004

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Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

revista da número 11
setembro de 2004
abem

A relação músico-corpo-
instrumento: procedimentos
pedagógicos

Patrícia Lima Martins Pederiva


Escola de Música de Brasília
Universidade Católica de Brasília (UCB)
pat.pederiva@uol.com.br

Resumo. Este artigo tem como objetivo discutir sobre o tratamento corporal no período de formação
do músico, no âmbito da performance e da educação musical. Tendo em vista que as pesquisas
citadas sobre corpo abordam, em sua maior parte, o músico profissional, assinalando somente o
produto final, o músico que adoece e deixando de lado o processo pedagógico, este artigo visa
responder à crescente demanda de pesquisas que solicitam que se lance um olhar dessa natureza
para o corpo que faz música durante o processo ensino-aprendizagem de instrumentos musicais.
Inicia-se fazendo uma breve revisão sobre o corpo no processo civilizatório ocidental. Após,
busca-se situar o corpo na escola, na educação musical, na performance e na prática musical,
respectivamente. Por fim, busca-se traçar perspectivas preventivas para um quadro que, nos dias
de hoje, se apresenta preocupante para os músicos em formação.

Palavras-chave: corpo, educação musical, performance musical

Abstract. This paper aims to discuss how the body is treated in the education of musicians, in the
context of studios and schools. Considering that most of research about the body focuses the
professional musician and your injuries as a final product, this research focuses the uses of body
during the processes of teaching and learning. First, a brief introduction about the body in civilisation
occidental process is presented. After that, the text discusses the body in the school, in music
education practices, and in the musical performance. And finally, preventive actions are suggested.

Keywords: body, music education, musical performance

Introdução

Observa-se que, durante o aprendizado de ins- dos objetivos a serem alcançados: a decodificação
trumentos musicais, a formação do intérprete é do símbolo, o domínio técnico do instrumento e da
delineada em função da técnica musical. Esquece- expressão musical.
se que o músico é um ser humano possuidor de um
corpo que abrange o físico, o cognitivo e o emocio- O desequilíbrio existente na relação que en-
nal. Trata-se o intérprete como se este fosse uma volve o músico, seu corpo e seu instrumento em sua
“máquina de fazer música”. O corpo, como conse- prática tem sido evidenciado por diversas investiga-
qüência dessa percepção, é fragmentado em função ções. Pesquisa realizada por Costa (2003), por exem-

91
PEDERIVA, Patrícia Lima Martins. A relação músico-corpo-instrumento: procedimentos pedagógicos. Revista da ABEM,
Porto Alegre, V. 11, 91-98, set. 2004.
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 124
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

número 11 revista da
setembro de 2004
abem

plo, constatou que a organização do trabalho dos am diversos problemas dessa ordem. A autora relata
músicos, as relações hierárquicas, a pressão tem- que talvez isso aconteça devido à crença tradicio-
poral, os picos de demanda, o número insuficiente nalmente solidificada da supremacia da mente em
de violistas na orquestra e a inexistência de folgas e relação ao corpo, bem como ao desprezo dado à
de revezamento que possibilite maior descanso dos percepção.
músicos poderiam estar contribuindo significativa-
mente para a presença de dor relacionada ao tocar. O corpo na escola

Em artigo onde trata do risco da profissão do Gonçalves (2002) afirma que, na sociedade
músico, Costa e Abrahão (2002) afirmam que, no capitalista, o processo de trabalho, ao alienar-se de
Brasil, as ações preventivas ainda não contemplam suas raízes humanas, aliena também o ser humano
os músicos em formação, o que já ocorreria em ou- em sua corporalidade, integrado a seu corpo. O cor-
tros países que já utilizam vários tipos de orientação po do trabalhador torna-se um corpo mecanizado e
como, por exemplo, a eutonia, ou a técnica alienado, um corpo deformado pela mecanização e
Alexander. Já em pesquisa realizada com harpistas, pelas condições precárias de realização do movimen-
Silva (2000) alerta para a necessidade de estudos to. O sistema nervoso é agredido no trabalho em
sobre o corpo, pois o harpista possuiria diversos pro- máquinas, reprimindo-se o jogo polivalente dos mús-
blemas corporais, variando entre uma baixa resis- culos, confiscando todas as atividades livres,
tência para o estudo até dores e desvios ósseos. corpóreas e espirituais. O único objetivo do capital é
fazer com que o corpo subsista como força de traba-
Ray (2001), por sua vez, ressalta a importân- lho. Nesse contexto está a possibilidade para a com-
cia do aspecto corporal relacionado a tocar um ins- preensão do ser humano contemporâneo e a reali-
trumento, com fundamentos emprestados das artes dade sócio-histórica em que se vive, desvelando-se
marciais, propondo a identificação e o domínio dos as relações fetichizadas de cada um consigo mes-
elementos que interagem em uma performance ar- mo e com os outros.
tística. Andrade e Fonseca (2000) desenvolvem re-
flexão sobre a utilização do corpo na performance A escola, por ser uma instituição social, en-
dos instrumentos de cordas, sugerindo que a forma- contra-se em uma relação dialética com a socieda-
ção do músico deveria ser pensada como a forma- de em que se insere, reproduzindo as estruturas de
ção de um atleta, tendo em vista que tocar um ins- dominação existentes. Constitui-se, de outro modo,
trumento demanda um alto preparo físico e psicoló- em um espaço onde se pode lutar pelas transforma-
gico para a execução da tarefa. Galvão e Kemp (1999) ções sociais. As práticas escolares originam-se da
afirmam que pesquisas que se referem a um sentido marca da cultura e do sistema dominante. A forma
corporal de espaço e movimento são ainda campos de a escola controlar e disciplinar o corpo encontra-
pouco explorados, podendo ter grandes implicações se ligada aos mecanismos das estruturas do poder,
para o ensino-aprendizagem de instrumentistas. resultantes do processo histórico da civilização oci-
dental. Houve uma supervalorização das operações
As questões relativas à aprendizagem motora cognitivas e um progressivo distanciamento da ex-
também foram contempladas em pesquisa realiza- periência sensorial direta. Nos últimos 150 anos de
da por Lage et al. (2002). Os autores afirmam que o processo civilizatório, a escola pretendeu não so-
estudo da aprendizagem motora seria de particular mente disciplinar o corpo, e com ele os sentimen-
interesse tanto para o intérprete quanto para o pro- tos, idéias e lembranças a ele associadas, como
fessor de música, pois, por meio da compreensão e também buscou anulá-lo (Fonseca, 1995).
da aplicação de conhecimentos que regem o movi-
mento, poder-se-ia buscar uma diminuição significa- Em seus estudos históricos, Focault discorre
tiva dos erros de performance, bem como um con- como o poder disciplinar sobre o corpo se efetivava
trole maior da variabilidade dos movimentos corpo- nas escolas do século XVIII e XIX. As escolas funci-
rais. Os autores asseveram que restam ainda mui- onavam como fábricas, que produziam disposições
tas carências nas interfaces da performance musi- para ações racionais voluntárias ao mesmo tempo
cal com áreas como a medicina, a psicologia, a físi- em que procuravam eliminar dos corpos movimen-
ca e as ciências do esporte. tos voluntários. O comportamento corporal dos alu-
nos em sua distribuição no espaço e para a divisão
Em estudo realizado com pianistas em con- do tempo escolar era rigorosamente e minuciosa-
servatório público mineiro, Martins (2000) relata que mente estipulado em regulamentos. Objetivava-se
a percepção sobre o corpo entre os professores des- controlar as erupções afetivas, que com seus movi-
se instrumento é um fator que dificulta o processo mentos espontâneos e suas forças heterogêneas
ensino-aprendizagem, já que pianistas apresentari- poderiam surgir do corpo. Perpetuando-se o contro-

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le e a manipulação, os movimentos corporais torna- pela incorreta organização dos movimentos dos cor-
vam-se dissociados das emoções momentâneas pos. Cultuava-se o recolhimento dos gestos a fim de
(Gonçalves, 2002). não inquietar os outros, renunciando a uma gesticu-
lação excessiva, pois a temperança facilitava a re-
Crespo (1990), em sua História do Corpo, pressão do desejo, anulando a força das paixões.
aborda como se realizou o tratamento corporal em Os alunos eram submetidos a uma ordem e unifor-
Portugal nos séculos XVIII e XIX. O autor relata a midade assumida por cada interveniente no proces-
inexistência de um controle social “eficaz”, que, des- so educativo, e não apenas pelo professor. Reco-
se modo, revelava os desregramentos dos corpos. nhecia-se, aí, um processo sutil de domínio dos cor-
Buscou-se, então, uma estratégia de controle sobre pos, que, ao longo do tempo, viria a aprofundar-se
estes, com o fim de regulação de hábitos, dando por diversas formas.
margem aos educadores para a propagação das vir-
tudes correspondentes aos novos modos de vida. O corpo na escola de hoje

Visando o estabelecimento e o reforço de um Observando a escola de hoje, Rumpf (Gon-


único código de comportamento, os educadores, çalves, 2002) analisou as formas atuais de controle
apoiados no saber e na experiência do contato com do corpo que estariam presentes nos regulamentos
as grandezas e as misérias do ser humano, forma- da escola, no conteúdo das disciplinas, nos livros
vam base indispensável à eficácia do emergente pro- didáticos e nos discursos e hábitos metodológicos
cesso de civilização. O corpo, dessa maneira, esta- do professor. Os regulamentos da escola teriam
va a serviço dos novos valores da sociedade, isto é, como objetivo eliminar do corpo movimentos
de atenuar os excessos e de eliminar as condutas involuntários e uma participação espontânea, ao per-
do prazer, sob os limites da expressão gestual. As- mitir somente realizar ações voluntárias com objeti-
sim, a idéia de saúde do corpo era inseparável da vos racionais definidos, regidos pelas normas soci-
idéia de uma sólida formação moral. ais. Observa-se esse controle na distribuição espa-
cial dos alunos na sala de aula, na distribuição do
O objetivo da educação era colocado na se- tempo escolar, na postura corporal dos alunos e pro-
guinte ordem: saúde, instrução, temperamento, com- fessores, cujos movimentos refletiriam a repressão
portamento e costumes. Em sua perspectiva utilitá- de sentimentos espontâneos, procurando não reve-
ria, a educação deveria orientar as crianças e os jo- lar nada de pessoal e de subjetivo. O discurso do
vens para as tarefas da vida futura, propiciando, por professor, por sua vez, seria, em geral, impessoal,
outro lado, a descoberta de vocações. O corpo as- livre de qualquer tonalidade emocional, com o objeti-
sumia um caráter urbano, medindo-se pela sua ca- vo de estabelecer um limite entre a racionalidade ofi-
pacidade de ser repetido pela sua maioria, de ser cial, de um lado, e a experiência pessoal carregada
acessível a todos, com o objetivo de tornar-se públi- de sentimentos, idéias e lembranças, de outro.
co. O processo civilizatório do corpo era então um
processo constante e uma prática em movimento A aprendizagem de conteúdos seria uma
sugerindo trabalho, superação e pedindo algum so- aprendizagem “sem corpo”, não somente pela exi-
frimento, solicitando a busca penosa e esforçada do gência de o aluno ficar sem movimentar-se, mas,
melhor, com o intuito de contribuir para o bem da sobretudo, pelas características dos conteúdos e dos
coletividade. Traduzia-se em um conjunto de precei- métodos de ensino, que o colocariam em um mundo
tos e técnicas, de gestos e maneiras de viver, abrin- diferente daquele no qual ele viveria e pensaria com
do caminho para a consciência que havia sobre as seu corpo. O conhecimento do mundo seria feito de
potencialidades da educação, em especial sobre os forma fragmentada e abstrata. As disciplinas, limita-
corpos, sendo estes suscetíveis de se transforma- das a um horário prefixado e rígido, sendo distribuí-
rem e se aperfeiçoarem pelo exercício da vontade. das diferentemente. A avaliação privilegiaria sobretu-
do as operações cognitivas, e os alunos tornar-se-
A imitação, no tocante às crianças, era a téc- iam objeto de mensurações quantitativas. A aprendi-
nica aconselhada para a formação de hábitos, visan- zagem na escola, na maior parte das vezes, não
do demonstrar a falta de moderação em certas atitu- seria considerada como elaboração das experiênci-
des. A idéia de um todo exemplar formava a base as sensoriais, mas sim como acumuladora de co-
das regras sociais, requerendo um controle intenso. nhecimentos abstratos, tendo pouca participação do
A idéia de repressão era vivida nos gestos proibidos, corpo, originada de uma cinética reprimida e frustra-
e o corpo era valorizado na medida em que se tor- da, o que poderia ser fator gerador de violência e
nasse silencioso e discreto, procurando evitar a evi- agressividade nos alunos.
dência de uma presença, com o fim de não incomo-
dar, excluindo também as emoções responsáveis Em pesquisa realizada com um grupo de pro-

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fessoras, Almeida (1997) demonstrou que o afeto, a priorizar a questão de estilos, evoluir na análise téc-
cognição e o aspecto motor são definidos por estas nica de execução e experimentar novos timbres ou
como diferentes categorias. Uma possibilidade de efeitos dinâmicos, entre outras variáveis, nada mais
articulação entre esses aspectos não aparece como seriam do que exemplos dessa atividade (Gerschfeld,
prática pedagógica entre as docentes. As diversas 1996).
reações posturais entre alunos foram consideradas
pelas mesmas como responsáveis pela falta de Nas escolas de música e conservatórios, a
aprendizagem entre eles. Para as professoras educação musical de elementos teóricos acontece,
investigadas, o aspecto motor é um fator que impe- muitas vezes, antes da escolha por um instrumento
de o desenvolvimento cognitivo. Foi também eviden- musical, tendo como um de seus objetivos a prepa-
ciado que as professoras não sabiam lidar com o ração do aluno para o ingresso no instrumento. As
aspecto motor em sala de aula. Há, portanto, um metodologias empregadas são diversas, desde as
completo desconhecimento de como o movimento mais tradicionais, onde apenas se repassam con-
colabora para o desenvolvimento psicológico de cri- teúdos, até aquelas que buscam considerar o aluno
anças. como co-construtor de seu conhecimento. Algumas
dessas metodologias, Dalcroze, Gainza, Alexander,
Um dos atributos do movimento é, por exem- Orff, entre outras, consideram o corpo como base
plo, a sua capacidade de representar as emoções. do aprendizado em música no processo de
É também um aspecto considerado importante no musicalização.
desenvolvimento psicológico da criança. A autora aler-
ta para o fato que a escola não pode apenas prover A euritimia, criada em 1903, em Genebra, por
funções intelectuais. Tanto o aspecto motor quanto Jean Jaques Dalcroze, por exemplo, surge em res-
o emocional devem também ser observados, para posta à observação que Dalcroze fez sobre a forma
que possa haver benefícios para a prática pedagógi- mecânica e artificial com que seus alunos realiza-
ca do professor. Tanto movimento quanto emoção, vam música. A experimentação se tornou a base do
além do cognitivo, também são aspectos vivenciados método, em oposição a técnicas virtuosísticas de
no dia-a-dia da escola. Sua participação em todas leitura e escrita, desprovidas de criatividade. Segun-
as realizações humanas é evidente. A escola, por- do Paz (2000), a rítmica de Dalcroze entroniza o
tanto, deveria procurar compreender e abarcar es- corpo como catalisador do ritmo e do fenômeno
ses aspectos da dimensão humana no processo musical como um todo. O sentir ocupa seu lugar ao
ensino-aprendizagem. lado do saber. É a partir de Dalcroze que a educa-
ção musical dá lugar a um ensino de música ativo e
O corpo na educação musical intuitivo. A euritimia considera que é necessário fa-
zer música fisicamente para expressá-la.
A expressão sonora é o domínio do ruído. Para
dominar um ruído é preciso dominar um gesto. Além O objetivo do método é a realização expressi-
de ser um aprendizado motor, é uma aprendizagem va do ritmo, bem como a sua vivência por meio do
psicológica. Para conseguir exprimir-se em uma evo- movimento corporal. A representação de movimen-
lução progressiva até os meios de expressão mais tos corporais expressa o fenômeno musical de cará-
abstratos, é preciso reconhecer as pulsões da vida, ter rítmico, melódico, harmônico, frases, estruturas
reconhecê-las em seu nível mais primitivo: o nível e formas musicais. A rítmica de Dalcroze também
corporal (Lapierre; Aucouturier, 1988). A educação objetiva expressar e equilibrar o movimento corporal
musical visa propiciar o conhecimento teórico e a de modo consciente, desenvolvendo a coordenação
vivência de diversos aspectos da linguagem musi- dos movimentos e a capacidade de concentração,
cal. O aprendiz deve ser capaz de, pouco a pouco, bem como a capacidade de dissociar o movimento,
representar mentalmente, ler, escrever, analisar, re- libertar, expandir e comunicar.
compor estruturas e compor novas combinações
musicais. O método também possibilita a coordenação
física da musculatura, que, segundo Dalcroze, pode
A decodificação de um texto musical em to- ser transferida para atividades relacionadas. Os mo-
dos os seus níveis, e o preparo técnico para a exe- vimentos musculares amplos seriam mais significa-
cução, compreendem a tomada de uma série de tivos, com uma corporificação de esquemas musi-
decisões, sendo resultado de profunda elaboração cais, ao invés de movimentos estreitos e conceitos
intelectual. Desse modo, escolher dedilhados, defi- intelectuais. O corpo possibilitaria a liberação de ten-
nir o tipo ideal de sonoridade, melhorar a projeção sões emocionais, incentivando a integração da per-
do som na sala de concerto, aperfeiçoar a compre- sonalidade e, se realizado em grupo, poderia promo-
ensão da estrutura da obra e idéias do compositor, ver a sociabilidade. O curso de euritimia contempla

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exercícios de adaptação e flexibilidade dos movimen- ses nas ciências que estudam o corpo humano em
tos, técnicas de movimento, exercícios de reação, atividade, realizar um processo de consciência cor-
de relaxamento, jogos e improvisação. Paz (2000) poral entre músicos (Gainza, 1988). A autora reco-
comenta que o registro por intermédio do corpo pos- menda a prática de expressão corporal, ginástica
sibilitaria fixar a aprendizagem mais profunda e raci- consciente e a prática da eutonia.
onalmente. A educação rítmica corporal deveria ser
contemplada em qualquer método. Alexander (Gainza, 1997) criou a eutonia,
método que busca o conhecimento e o estudo do
Compagnon e Thomet (1966) consideram que tônus ótimo. Alexander relata que músicos acumu-
o método de Dalcroze beneficia uma cultura corpo- lam tensão na base da pelve, tendo influência direta
ral sem pretender substituir uma educação física. sobre o coração e a pressão sanguínea. Tensões
Seria, antes de tudo, um fator de formação e de equi- também são notadas nas articulações, especialmen-
líbrio do sistema nervoso. Ele visa uma educação te dedos de mãos e pés. Instrumentistas costumam
simultânea do ouvido musical e fazer do corpo um desconhecer o seu próprio corpo, baseando a sua
instrumento dócil do ritmo e emoção musical, opon- atividade na imitação do professor, uma atitude
do-se à imitação passiva. Dalcroze, entretanto, tem equivocada em relação ao instrumento, já que isso
sofrido críticas por priorizar o elemento rítmico, ne- limita a capacidade de expressão, provocando
cessitando do suporte de outros métodos para pro- grandes dificuldades. O corpo não mente, por isso
piciar uma formação mais global em música. Tam- é preciso reconhecê-lo em ato, ampliando a cons-
bém por extrapolar a música em prol de um “ades- ciência da ação.
tramento corporal”. É bastante difundido e aplicado
nas escolas e faculdades de educação física, pois O corpo na performance e na prática musical
foi o precursor da ginástica rítmica (Paz, 2000).
A performance musical exige uma alta deman-
Para Gainza (1986), por meio do movimento da de trabalho corporal. No tocante à atividade hu-
corporal são possíveis a aproximação e a compre- mana, é uma das que exigem maiores habilidades
ensão da linguagem musical, mediando a aprendi- motoras finas. As demandas corporais pertinentes à
zagem dos signos e da notação rítmica, que em atividade musical costumam ocasionar freqüentes
outras épocas se realizou de modo puramente teóri- problemas médicos em músicos, tal como síndrome
co e abstrato. Já a filosofia de Orff, criada na Alema- do superuso, distonias focais e estresse psicológi-
nha (Gainza, 1984), considera o corpo como um ins- co. Fry (apud Gabrielsson, 1999) apresenta extensi-
trumento de percussão que pode produzir variadas vos dados sobre a síndrome do superuso em músi-
combinações de timbre, utilizando várias partes do cos de orquestra sinfônica e em escolas de música.
corpo (pés, mãos, dedos, entre outros), realizando A síndrome é causada por fatores genéticos, de téc-
uma diversidade de timbres e ritmos. nica musical e intensidade e tempo de prática. O
Medical Problems of Performing Artists e o Interna-
Para Orff, o aluno aprende no momento da tional Journal of Arts Medicine demonstram uma
aula, não tendo lições para casa. Preconiza a vivência ampla evidência da grande quantidade de casos neste
musical, não prescindindo de documentos grafados. campo (Gabrielsson, 1999).
O controle do corpo é realizado por meio de noções
de espaço e coordenação (Paz, 2000). O corpo cum- Costa (2003) relata que sintomas como ner-
pre a função primária como sede e origem dos pro- vosismo, tremores, taquicardia, palpitações, hiper-
cessos psíquicos. A expressão artística pode ser tensão arterial, falta de ar, sudorese na palma das
encontrada no equilíbrio entre o físico, o emocional e mãos, boca seca, náusea e micção imperiosa são
o mental. A descoberta de um instrumento para o manifestações somáticas, sintomas físicos decor-
músico pode ser comparada à descoberta do corpo rentes de descarga adrenergética excessiva, encon-
pela criança. tradas na atividade musical e publicadas pelo Medical
Problems of Performing Artists. Já em 1887, a pane
O contato físico com o instrumento pode deli- dos pianistas começa a ser estudada, por Poor. Em
mitar a relação do músico com a música. A maioria 1932 surge a primeira publicação sobre distúrbios
dos instrumentistas, no entanto, ignora as leis natu- no aparelho músculo-esquelético dos músicos, por
rais de funcionamento e movimento do corpo. Na K. Singer (Jouber et al. apud Costa, 2003).
medida em que for capaz de atuar sem tensões, em
acordo com as leis do movimento, o músico poderá Gabrielsson (1999) define a performance mu-
prolongar sua vida profissional ativa. A falta de cons- sical como um tema que pode ser tratado de diferen-
ciência corporal entre músicos é evidente, mesmo tes maneiras. Alguns manuais de psicologia da mú-
entre grandes executantes. É necessário, com ba- sica acercam-se da performance musical discutin-

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do questões de interpretação e técnica sob vários cessivo da musculatura. O tensionamento em


aspectos e diversas abordagens. Bayle (Deutsch, instrumentistas pode ser causado pela alta carga de
1999), afirma que processos motores também fazem estresse, predispondo à ansiedade. A atividade re-
parte do estudo da performance musical. Embora a quer um bom condicionamento físico, alongamentos
questão sobre o processo motor seja um assunto específicos e pausas sistemáticas. Músicos e edu-
central em performance musical, é ainda um tema cadores deveriam efetuar maiores questionamentos
que requer um maior aprofundamento. Nesse setor, e críticas positivas sobre o que pode ser feito quanto
Sidnell (Deutsch, 1999) tem se destacado por reali- à saúde do músico (Brandfonbrener; Kjelland, 2002).
zar pesquisas sobre eficiência da prática motora, É imprescindível estabelecer meios para avaliar suas
memória motora, propriocepção, transferência de necessidades físicas e psicológicas, buscando
habilidade motora e aplicação de modelos motores. reaprender hábitos e habilidades motoras.

Wilson e Roehmann (Deutsch, 1999) refletem Costa (2003) chama a atenção dos responsá-
sobre a complexidade do comportamento humano veis pelo ensino de instrumentos para a questão da
em música, não crendo que se possam solucionar dor no período de formação de músicos, afirmando
os problemas dessa área em futuro próximo. Costa que o ensino ocupa uma posição-chave quanto a
(2003) destaca a criação de centros de pesquisa e esclarecimentos sobre esse assunto junto a alunos.
atendimento, no Brasil, destinados à saúde do mú- As cobranças de desempenho por parte de profes-
sico. A literatura sinaliza dados alarmantes, eviden- sores resultam em períodos intensos de estudos, e
ciando o adoecimento expressivo de músicos, o que demanda psicológica por parte dos alunos, contribu-
estaria contribuindo para abreviar suas carreiras. indo para o surgimento de dores e desconforto. O
Haveria também entre músicos, uma cultura silenci- período de formação denuncia a falta de orientação
osa da dor, como se esta fizesse parte da profissão. de professores sobre tensões, uso excessivo de for-
A autora alerta, ainda, para a necessidade de ça e incorreções posturais.
gerenciar as exigências da tarefa e dos limites
psicofisiológicos existentes em cada músico. O fazer musical envolve o desenvolvimento
total do corpo, conclamando o sentido aural, tátil e
O Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, da consciência cinestésica. Trabalhar em uma pers-
unidade da Fundação Oswaldo Cruz, no Recife, criou pectiva integralizada causará mudanças altamente
em 2001 um serviço especializado que atende a positivas na performance musical (Lieberman, 1995).
músicos e atores que apresentem problemas nos Ao buscar os meios para alicerçar compromissos
ossos e músculos. Além de desenvolverem técni- satisfatórios, integrando as circunstâncias físicas,
cas de reabilitação dirigidas a esses profissionais, químicas e biológicas do organismo, bem como sua
os responsáveis pelo serviço fazem campanhas pre- realidade afetiva e relacional imersas da realidade
ventivas. Estudos realizados em diversos países in- social, estar-se-á edificando o processo básico de
dicam que 75% dos instrumentistas são portadores saúde (Dejours apud Costa, 2003).
de algum dos chamados distúrbios osteomusculares
relacionados com o trabalho. Muitos perdem a ca- A prática musical é um subcampo da
pacidade de tocar (Pereira, 2002). performance musical, que envolve o desenvolvimen-
to e a manutenção de aspectos técnicos, aprendi-
A medicina das artes performáticas tem cres- zado de novas músicas, memorização, interpreta-
cido no mundo desde 1980. A partir dessa data é ção e preparação para performances (Barry; Hallan,
que se voltou a atenção para a necessidade de uma 2002). A prática capacita o músico para habilidades
medicina da música, quando renomados pianistas físicas e cognitivas. Brandfonbrener e Kjelland (2002)
resolveram falar publicamente sobre os problemas afirmam que a interação física e psicológica do mú-
médicos que afetavam suas habilidades na sico com o repertório musical, a performance técni-
performance. Um certo medo por parte dos músicos ca e as questões específicas de cada instrumento
em falar de seus problemas, o receio em prejudicar a poderiam ser fatores geradores de problemas médi-
carreira, ou ainda experiências de colegas que haviam cos em músicos. Alertam que a prevenção deve fa-
recebido tratamentos inadequados contribuíram para zer parte da rotina, antes que se necessite de trata-
que o trabalho nesse campo fosse instituído. mentos, mas que ainda serão necessárias muitas
pesquisas que visem esclarecer a prática musical,
Sterbach (apud Costa, 2003) relata que exis- tal como a identificação de fatores de risco em sua
te um alto estresse ocupacional na profissão de atividade.
músico. Do período de formação ao ingresso no
mercado de trabalho evidencia-se o medo de palco e Apontam também para a necessidade de co-
os incidentes musculares ocasionados pelo uso ex- laboração entre a medicina e a educação musical.

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Os autores asseguram que a melhor maneira de pre- to, deve permanecer estático. Isso impede uma per-
venir problemas deveria ser trabalhar preventivamen- feita oxigenação do organismo, restringindo a cons-
te nos primeiros anos de educação musical no ins- ciência e um feedback dos músculos. De modo con-
trumento. Tal processo se daria com o desenvolvi- trário, o objetivo deve ser o de aprender a utilizar a
mento de bons hábitos de postura nos alunos, um gravidade, distribuindo continuamente o peso do cor-
estilo saudável de vida, atitudes positivas, técnica po, quase que imperceptivelmente, buscando cons-
eficiente, evitando excessivas repetições, cuidando ciência dos músculos que estão sendo utilizados na
da fadiga e tensão e mantendo exercícios de rotina tarefa.
desde as primeiras lições no instrumento.
As causas mais comuns de dor são: utiliza-
A excessiva tensão muscular e emocional, ção de um novo instrumento ou uma nova técnica,
freqüentemente inseparáveis, a que os músicos se atividade muscular excessiva, repetição demasiada,
expõem e são expostos, são importantes fatores de utilização de força inadequada, estresse psicológi-
risco. Rotinas básicas de aquecimento como ioga, co (no caso de medo em competições, apresenta-
método Feldrenkais, exercícios de consciência cor- ções, frustação), tocar cansado ou lesionado, entre
poral, entre outros, ajudam, mas não parecem ser outros fatores. Quando os sinais do corpo são igno-
ainda suficientes para resolver o problema, já que as rados, os problemas aparecem. É necessário
causas que originam esses fatores ainda estão por monitorar constantemente as tensões presentes no
serem esclarecidas. Costa (2003) descreve que o corpo. O controle respiratório pode ser um grande
estudo da práxis interpretativa e da fisiologia da exe- aliado para esse fim, já que,oxigenando as células
cução musical é um dos aspectos fundamentais, que pode se reverter o processo da dor, iniciado pela
faz parte da pedagogia de instrumentos musicais. A descarga de ácido lático no organismo. Uma boa
formação de um intérprete envolve intensamente o respiração contribui para a inibição dessa substân-
desenvolvimento sensório-motor. Controle corporal, cia, dificultando assim a presença da dor. O aqueci-
destreza motora e habilidades de execução são so- mento muscular também é um outro aliado na pre-
mados a esta atividade. Professores necessitam venção de desconfortos físicos.
estar alerta quanto a sinais que alterem a prática,
pois a educação deve ser considerada como um fa- Considerações finais
tor de cautela, tendo em vista que as bases motoras
Os referencias teóricos utilizados demonstram
e posturais são adquiridas no período de formação
existir no campo da reflexão e prática musicais um
do aluno.
grande distanciamento acerca da reflexão de como
Brandfonbrener e Kjelland (2002) declaram que o corpo pode ser considerado em sua integralidade,
é necessário chamar a atenção de educadores para no processo ensino-aprendizagem de instrumentos
esse tema, o qual faz parte do processo de educa- musicais, em relação a teorias que já delimitam ba-
ção musical no instrumento. Professores e pais de- ses para uma ação concreta. A reflexão sobre a prá-
vem desenvolver uma consciência de todas as variá- tica estabelecida demonstra estar arraigada a prin-
veis que afetam a prática musical, ampliando méto- cípios dicotômicos da relação mente-corpo, bem
dos de desenvolvimento físico e psicológico para a como dos princípios da sociedade capitalista no que
se refere a um corpo mecanizado e alienado, e ain-
saúde de jovens músicos.
da de uma “aprendizagem sem corpo”. Seria por isso
Caminhos para a prevenção que, como as pesquisas anteriormente citadas em
música apontam, os músicos precocemente estari-
Lieberman (1995) traça o contorno de um tra- am adoecendo? Ainda há muito que pesquisar, mas é
balho preventivo no ensino de instrumentos musicais visível a necessidade de interagir com outros campos
quanto a problemas de ordem corporal. A autora as- esclarecedores de conhecimento a respeito da ques-
segura que professores de instrumento costumam tão humana, do corpo e das relações estabelecidas a
demonstrar uma postura “ideal” para tocar, onde o partir de então, para que o fenômeno vá sendo aos
aluno, em pé ou sentado, dependendo do instrumen- poucos compreendido e sistematizado.

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Recebido em 13/06/2004

Aprovado em 12/08/2004

98
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 131
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

O Repertório na Aula de Violão: um estudo de


caso
milsonfireman@oi.com.br

Resumo:

Introdução
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 132
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

Pressupostos Teóricos

Avaliar as condições atuais do estudante

Estabelecer objetivos para o futuro

Determinar um conjunto de recursos conhecidos

Avaliar aquela música que apresenta as características desejadas

Predizer os possíveis resultados a alcançar com o material escolhido


UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 133
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

Metodologia
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 134
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

Considerações Finais
UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 135
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

Lista de Referências
Music matters

Music
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Does practice make perfect?


Current theory and research on instrumental music practice. ,

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UFPB - CCTA - DEM - CLM - Metodologia do Ensino do Instrumento I 136
Apostila elaborada pelo professor Fábio H. G. Ribeiro

International Journal of
Music Education

Ensinando música musicalmente

Ensino de Música: Propostas Para Pensar e Agir em Sala de Aula

A Motivação e o Desempenho Escolar na Aula de Violão em Grupo:


influência do Repertório de Interesse do Aluno.

: Ensino de Música: Propostas Para


Pensar e Agir em Sala de Aula

Seleção de repertório para o ensino da música

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