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Estudo Sobre

SOLUÇÕES ALTERNATIVAS
PARA CONFLITOS
FUNDIÁRIOS AGRÁRIOS
E TRADICIONAIS
Cejus | Centro de Estudos sobre o Sistema de Justiça

SRJ Seus Direitos


Sua Proteção
MINISTÉRIO DA
JUSTIÇA
Secretaria de Reforma do Judiciário Sua Segurança
Secretaria de Ministério da
Reforma do Judiciário Justiça
Relatorio Terra de Direitos 2013 - novo_Layout 1 27/08/13 13:44 Page 3

Ministério da Justiça
Secretaria de Reforma do Judiciário
Centro de Estudos sobre o Sistema de Justiça

CASOS EMBLEMÁTICOS E EXPERIÊNCIAS DE MEDIAÇÃO


Análise para uma cultura institucional de soluções alternativas de conflitos fundiários rurais

Pesquisa elaborada em parceria estabelecida


em acordo de cooperação internacional por
meio de carta de acordo firmado entre a
Secretaria de Reforma do Judiciário, o
Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento e a organização Terra de
Direitos (Projeto BRA/05/036).

Brasília
2013
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Casos Emblemáticos e Experiências de Mediação


Análise para uma Cultura Institucional de Soluções Alternativas
de Conflitos Fundiários Rurais
Instituição Proponente:
Terra de Direitos – Organização de Direitos Humanos
Endereço: Rua Des. Ermelino de Leão, 15, sl 72, centro, Curitiba, Paraná. CEP 80410-230.
CNPJ: 05.145.844-0001.44
Telefone: (41) 3232-4660 // (61) 3327-2448
E-mail: terradedireitos@terradedireitos.org.br
Responsável: Darci Frigo
Telefone: (41) 3232-4660, (41) 9987-4660

Coordenadores da Pesquisa:
Prof. Dr. CARLOS FREDERICO MARÉS
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)
Prof. Dr. SÉRGIO SAUER
Universidade de Brasília (UnB) – Faculdade da UnB de Planaltina

Cocoordenadores da Pesquisa:
Ms. ANTONIO ESCRIVÃO FILHO – Terra de Direitos – Doutorando Unb
DARCI FRIGO – Terra de Direitos
FERNANDO GALLARDO VIEIRA PRIOSTE – Terra de Direitos

Equipe de Pesquisa – Terra de Direitos


ANA CAROLINA BROLO – Curitiba/PR
ANDRÉ BARRETO – Recife/PE e Santarém/PA
ÉRICA GOMES – Santarém/PA
Ms. JÚLIA ÁVILA FRANZONI – Curitiba/PR
Prof.ª Dr.ª KATYA ISAGUIRRE – Curitiba/PR - UFPR
NAIARA BITTENCOURT – Curitiba/PR – Graduanda UFPR
PAULA COZERO – Curitiba/PR – Mestranda UFPR
RAMON SANTOS – Santarém/PA
Prof. Ms. ROBERTO EFREM FILHO – Recife/PE – UFPB
RÓBSON GIL – Curitiba/PR – Graduando UFPR
TCHENNA MAZO FERNANDES – Curitiba/PR
THIAGO HOSHINO – Curitiba/PR – Mestrando UFPR

Revisão
ALEXANDRE L. CARDOSO

Diagramação e Editoração
SK EDITORA LTDA. – Curitiba/PR

342.1251
C341
Casos emblemáticos e experiências de mediação: análise para uma cultura
institucional de soluções alternativas de conflitos fundiários rurais /
coordenadores: Sérgio Sauer, Carlos Frederico Marés. – Brasília: Ministério
da Justiça, Secretaria de Reforma do Judiciário, 2013.
155 p. – (Diálogos sobre a Justiça)

ISBN : 978-85-85820-48-0
Pesquisa elaborada em parceria entre a Secretaria de Reforma do Judiciário,
o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a Organização Terra
de Direitos.

1. Posse de terra, solução de conflito, Brasil. 2. Conflito social, Brasil. 3.


Direitos humanos. I. Sauer, Sérgio (coord.). II. Marés, Carlos Frederico (coord.).
III. Brasil. Ministério da Justiça. III. Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento. IV. Organização Terra de Direitos.

CDD

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do Ministério da Justiça


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Casos Emblemáticos e
Experiências de Mediação
Análise para uma Cultura Institucional de Soluções
Alternativas de Conflitos Fundiários Rurais

Pesquisa realizada junto ao Ministério da Jus-


tiça/Secretaria da Reforma do Judiciário/
Programa das Nações Unidas para o Desen-
volvimento (PNUD).

Convocação 01/12/SRJ/ Projeto BRA/05/036

Área temática: Pesquisa Sobre Soluções Alter-


nativas para Conflitos Fundiários Agrários e
Tradicionais.

Instituição Proponente: Terra de Direitos –


Organização de Direitos Humanos.

Coordenadores: Prof. Sérgio Sauer e Professor


Carlos Frederico Marés.

Brasília/DF
2013
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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 10

CONTEXTO DA PESQUISA: O CENÁRIO DE


CONFLITOS FUNDIÁRIOS RURAIS NOS ESTADOS
DO PERNAMBUCO, PARANÁ E PARÁ 11

CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS 15

Sobre os Estudos de Casos Emblemáticos 15


Sobre a Análise das Experiências Público-Institucionais de Mediação 17

SEÇÃO I
ESTUDOS DE CASOS EMBLEMÁTICOS DE CONFLITOS
FUNDIÁRIOS AGRÁRIOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS 19

INTRODUÇÃO 19

Caso nº 1
Conflito Fundiário Camponês: Caso do Engenho Contra-Açude/Buscaú –
Estado do Pernambuco 19

Caso nº 2
Conflito Fundiário Camponês: Caso da Fazenda Santa Filomena –
Acampamento Elias de Meura – Estado do Paraná 35

Caso nº 3
Conflito Fundiário Quilombola: Caso da Comunidade Quilombola
Manoel Siriaco – Estado do Paraná 52

Caso nº 4
Conflito Fundiário Indígena – Caso da Terra Indígena Maró –
Gleba Nova Olinda I, Santarém - Estado do Pará 58

ANÁLISE E CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ESTUDOS DE CASOS EMBLEMÁTICOS 76

a. Os elementos constitutivos do conflito 76


b. O cenário e a implicação panorâmica da judicialização do conflito 79
c. Análise de resultados: os elementos constitutivos dos conflitos
fundiários em sede do cenário da sua judicialização 80
i) Sobre os quadros de agentes e instituições envolvidas nos conflitos 82
ii) Sobre os quadros de judicialização dos conflitos 83
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SEÇÃO II
ANÁLISE DE EXPERIÊNCIAS PÚBLICO-INSTITUCIONAIS DE
MEDIAÇÃO DE CONFLITOS FUNDIÁRIOS RURAIS 89

INTRODUÇÃO 89

Experiências Público-Institucionais analisadas 89


1. Ouvidoria Agrária Nacional – Ministério do Desenvolvimento Agrário 89
2. Assessoria Especial de Assuntos Fundiários – Estado do Paraná 95
3. Vara Agrária de Marabá – Poder Judiciário do Estado do Pará 101
4. Promotoria de Justiça da Cidadania de Promoção e
Defesa da Função Social da Propriedade Rural – Ministério Público
do Estado de Pernambuco 106

Considerações Gerais acerca dos Estudos de Casos e Experiências


de Mediação: Análise para uma Cultura Institucional de Mediação
e Soluções Alternativas de Conflitos 113

SEÇÃO III
MANUAL PARA UMA CULTURA INSTITUCIONAL
DE MEDIAÇÃO E SOLUÇÕES ALTERNATIVAS
DE CONFLITOS FUNDIÁRIOS RURAIS 115

INTRODUÇÃO 115

Parte I

IDENTIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS DO CONFLITO FUNDIÁRIO RURAL 117

1º) Noção, Conceito e Características dos Conflitos Fundiários Rurais 117


2º) Elementos Constitutivos dos Conflitos 118
3º) Diferentes Categorias de Sujeitos Coletivos de Direitos e Respectivos
Direitos e Políticas Públicas Implicadas 119
4º) Classes Processuais e Litigantes Frequentes: Visão Panorâmica da
Judicialização do Conflito 121

Parte II
A MEDIAÇÃO PARA SOLUÇÕES ALTERNATIVAS
DO CONFLITO FUNDÁRIO RURAL 123

Para uma Cultura Institucional de Mediação e Soluções


Alternativas dos Conflitos 123
Considerações Finais 125
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Parte III
ARCABOUÇO NORMATIVO: REFERENCIAL PARA UMA HERMENÊUTICA
DOS CONFLITOS FUNDIÁRIOS RURAIS 126

INTRODUÇÃO 126

Âmbito Nacional 126


Âmbito Internacional 138

DOCUMENTOS CONSULTADOS 144

BIBLIOGRAFIA 151

ANEXO 154
Roteiro de Entrevista
Análise de Experiências Público-Institucionais de Mediação de
Conflitos Fundiários Rurais 154
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APRESENTAÇÃO

O cenário dos conflitos fundiários rurais se apresenta de modo latente no coti-


diano dos movimentos sociais e organizações de direitos humanos que atuam desde a
perspectiva da assessoria jurídica e advocacia popular. De fato, a luta pela terra e ter-
ritório no Brasil tem aliado a combinação do enfrentamento a velhas e novas estratégias
de violação de direitos de camponeses e camponesas, povos indígenas, comunidades
quilombolas e demais povos e comunidades que vivem no campo.

O estudo deste cenário – visando a construção de uma compreensão analítica


capaz de projetar sugestões, medidas e procedimentos aptos ao enfrentamento das
causas dos conflitos fundiários rurais, de modo a produzir soluções adequadas nas suas
consequências econômicas, sociais, étnicas e culturais – permite à Terra de Direitos
apresentar o resultado final desta pesquisa, intitulada “Casos Emble-máticos e
Experiências de Mediação: Análise para uma Cultura Institucional de Soluções
Alternativas de Conflitos Fun-diários Rurais”.

Observando, hoje, que tais conflitos encontram-se inseridos em um cenário mais


amplo de expansão do protagonismo judicial, a pesquisa focou o olhar sobre a sua tra-
dução enquanto tendência à judicialização dos conflitos fundiários rurais, de modo a
investigá-los desde o referencial da sociologia do acesso à justiça, a fim de descobrir e
apresentar elementos constitutivos, quer dos conflitos fundiários, quer da sua tradução
judicializada, para, a partir disto, projetar elementos para a contribuição com uma cul-
tura institucional voltada à mediação e solução alternativa dos conflitos fundiários rurais
no Brasil.

É nestes termos que a Terra de Direitos propõe um debate junto à sociedade e às


instituições do sistema de justiça, com vistas a construir um caminho dialógico para a
democratização da justiça.

Saudamos, por fim, o apoio da Secretaria da Reforma do Judiciário, do Ministério


da Justiça, nesta importante iniciativa orientada para o aprimoramento do acesso à
justiça no Brasil.

Uma boa leitura a todas e todos.

Prof. Carlos Frederico Marés


e Prof. Sérgio Sauer
Coordenadores da Pesquisa

Equipe da Terra de Direitos

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CONTEXTO DA PESQUISA:
O CENÁRIO DE CONFLITOS FUNDIÁRIOS
RURAIS NOS ESTADOS DO
PERNAMBUCO, PARANÁ E PARÁ

A busca pela erradicação da Embora esse processo de expropria-


pobreza extrema deve estar atrelada a ção não seja recente, a expansão do
políticas de acesso à terra e desconcen- agronegócio e os investimentos espe-
tração fundiária. Coube historicamente culativos a aprofundam e a generali-
aos movimentos sociais camponeses, aos zam, abarcando inclusive comunidades
povos indígenas e às comunidades tradi- tradicionais, como ribeirinhos, indíge-
cionais o papel de lutar pelo acesso à nas, extrativistas, resultando em cons-
terra. Apesar dos avanços conquistados tante desterritorialização em uma
no processo histórico, no entanto, ainda região rica em recursos territoriais.
não foi possível estruturar o Estado para Cientes, portanto, que conflitos
que realmente enfrente o problema agrá- socioterritoriais fazem parte do contexto
rio em sua complexidade, sobretudo tra- brasileiro, torna-se indispensável desen-
tando-se dos novos conflitos referentes às volver mecanismos eficazes para a
comunidades e povos tradicionais. devida mediação e solução pacífica des-
Como ressalta Carlos Frederico tes conflitos.
Marés, “a ideologia da propriedade pri- O Brasil, hoje, é a 6ª maior economia
vada, individualista e absoluta, mesmo do globo e o 84º país no ranking de desen-
contra o texto da lei ainda impera no seio volvimento humano. Não por acaso, tam-
do Estado, ou no seio da elite dominante bém possui um alto índice de concentração
que dita a interpretação que lhe favorece” de terras: “Um por cento dos proprietários
(MARÉS, 2003, p. 13). rurais controla 45% de todas as terras cul-
Num contexto de concentração fundiá- tiváveis da nação, ao passo que 37% dos
ria, de avanço do modelo do agronegócio, de proprietários rurais possuem apenas 1% da
mobilizações populares de luta por direitos mesma área” (CARTER, 2010).
socioterritoriais, ausência de eficazes políti- Segundo o Censo Agropecuário de
cas públicas estruturantes de acesso à terra, 2006, do IBGE, à concentração fundiária
a ocorrência de conflitos socioterritoriais se brasileira, corresponde um índice Gini de
reitera no tempo e no espaço, sendo previsí- 0,872, ocupando a segunda posição mun-
vel a ocorrência de novas situações. Em rela- dial na concentração de terras, perdendo
ção à Amazônia, por exemplo, afirma apenas para o Paraguai1, com índice de
Mesquita (2011, p. 45): Gini de 0,942. Ressalte-se que o índice de

1
Destaque para o fato de que a concentração de terras no Paraguai advém da grande participação brasileira no
agronegócio do país.
2
Dados do Banco Mundial, 2007.

11
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concentração fundiária de 2006 demons- pela terra materializa esta recriação,


trou uma tendência crescente ante aos agregando novos elementos e pers-
apurados nos censos de 1985 (0,857) e pectivas à vida no meio rural,
1995 (0,856), confirmando, assim, uma criando uma nova ruralidade.
tendência ainda atual de concentração
No plano internacional, a Organi-
fundiária no Brasil, o que notadamente
zação das Nações Unidas para Agricultura
contribui para o incremento dos conflitos
e Alimentação (FAO) editou, no ano de
fundiários rurais no país.
2011, diretrizes voluntárias com o objetivo
Historicamente, as políticas fundiá- de assegurar a governança da terra,
rias do Estado brasileiro não satisfizeram entendendo que a democratização do
as demandas por democratização do acesso a terra é fundamental para superar
acesso à terra, em que pese tenham sido desigualdades sociais. Nesse sentido,
obtidos importantes avanços na criação apontou a FAO:
de novos projetos de assentamentos de El alivio del hambre y la pobreza y
reforma agrária, criação de unidades de el uso sostenible del ambiente
conservação, demarcação de terras indí- dependen en gran medida de la
genas e titulação de territórios quilom- forma en que las personas, las
bolas. comunidades y otros grupos consi-
De fato, foi somente a partir das guen acceder a la tierra, la pesca y
lutas dos movimentos sociais que ocor- los bosques. Los medios de vida de
reu a criação de assentamentos de muchos individuos, en especial la
reforma agrária e unidades de conserva- población rural pobre, están deter-
ção de uso sustentável, demarcação de minados por el acceso seguro y
terras indígenas e titulação de territórios equitativo y el control de unos
quilombolas. Através, portanto, da prá- recursos que son fuente de alimen-
xis social emancipatória, que se constitui tos y refugio; constituyen el funda-
em “expressões ou lutas sociais e políti- mento de las prácticas sociales,
cas por um lugar e pelo direito de ser e culturales y religiosas, y represen-
existir” (SAUER, 2010). Não fosse a tan un elemento primordial del cre-
atuação destes novos sujeitos de direi- cimiento económico. (FAO, 2011).
tos, a concentração fundiária teria Da mesma forma, em 2010, o Relator
aumentado em índices ainda mais alar- Especial da ONU para o Direito à
mantes, com aumento da pobreza, desi- Alimentação, Oliver de Shutter, também
gualdade social e, consequentemente, reconheceu explicitamente a necessidade
dos conflitos fundiários. Como afirma de democratizar o acesso à terra como
Sauer (2010, p. 37): medida indispensável para buscar reduzir
desigualdades sociais. Nesse sentido,
Mobilizações, lutas e conquistas de
apontou que:
sem terras, quilombolas, indígenas,
ribeirinhos, quebradeiras, faxinalen- Acesso à terra e à segurança da
ses, extrativistas, agricultores fami- posse são essenciais para garantir o
liares, camponeses e populações gozo do direito à alimentação, mas
tradicionais são parte de um “pro- também outros direitos humanos,
cesso social de ‘reinvenção” do incluindo o direito ao trabalho (para
campo no Brasil, sendo que a luta agricultores sem terra) e o direito à

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moradia. Este fato levou o ex- esforços na busca pela superação das
Relator Especial do Direito à situações de conflito, ainda há necessi-
Moradia adequada a concluir que o dade de aprimorar os instrumentos e
Conselho de Direitos humanos da meios utilizados. Prova disso é a intensa
ONU deveria “garantir o reconheci- discussão social feita quando da elabora-
mento do direito a terra como um ção do 3º Programa Nacional de Direitos
direito humano na legislação inter- Humanos, onde se podem observar diver-
nacional sobre direitos humanos”. O sas propostas de busca de aperfeiçoa-
presente relatório também confirma mento dos instrumentos e medidas que
tal conclusão, tendo o direito à ali- devem ser adotadas na mediação de con-
mentação como ponto de partida. flitos fundiários. Observando este con-
Este relatório descreve uma cres- texto, buscou-se, através da presente
cente pressão sobre a terra. Assim, pesquisa, aprofundar as reflexões sobre o
discute sobre o direito dos agricul- tema com vistas a apresentar uma pro-
tores garantirem a posse da terra e posta de incremento dos instrumentos e
o acesso a recursos naturais. meios de mediação de conflitos fundiários
Também argumenta em favor de rurais no Brasil.
uma distribuição mais equitativa da
terra. (FAO, 2011). Destaca-se que a Terra de Direitos
constitui-se em uma organização de direi-
As considerações acima transcritas tos humanos que, há dez anos, se dedica
reforçam o que, no plano nacional, a a estudar e atuar na mediação de confli-
sociedade brasileira tem afirmado há tos socioterritoriais através da advocacia
anos: a concentração fundiária contribui popular junto aos sujeitos coletivos de
para o aumento da desigualdade social e direitos. Neste sentido, na presente pes-
eclosão de conflitos socioterritoriais. quisa, apresenta-se o estudo de quatro
casos emblemáticos de conflitos fundiá-
Nestes termos, é necessário desta-
rios distribuídos em três regiões de
car que a pressão internacional por terras
grande conflituosidade agrária do país
– seja devido à demanda crescente por
(Regiões Norte, Nordeste e Sul), consti-
alimentos, seja pelas preocupações em
tuindo um objeto representativo da diver-
torno das mudanças climáticas e seus
sidade de casos em âmbito nacional.
impactos sobre a produção agrícola –
acirra as disputas territoriais, impactando O Estado de Pernambuco é conhe-
grupos sociais vulnerabilizados e poten- cido pelos altos índices de conflitos fun-
cializando a eclosão de conflitos socioter- diários rurais. Conforme veiculado no
ritoriais. último Caderno de Conflitos no Campo,
da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o
Sabendo que a superação das cau-
Estado de Pernambuco foi palco, em 2011,
sas estruturais que geram conflitos fun-
de 27 conflitos por terra (despejos, amea-
diários rurais é medida que não se
ças de despejo forçado, pistolagem e
alcançará no curto prazo, avançar na
desocupações em cumprimento de
busca por instrumentos eficazes de
ordem judicial) em face da realização de
mediação é medida indispensável para
31 novas ocupações de imóveis rurais.
evitar violações de direitos humanos.
Atualmente, são cerca de vinte mil famí-
Ocorre, entretanto, que, apesar dos lias acampadas em aproximadamente 163

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acampamentos de trabalhadores rurais nato de 16 trabalhadores rurais, 31 tenta-


sem terra. tivas de homicídio, 516 prisões arbitrárias
e 140 despejos forçados4. Foi no Paraná,
Importante destacar, também, como
que milícias privadas organizadas por
elementos novos, no último ciclo histórico,
entidades como a União Democrática
a presença de Grandes Projetos no estado
Ruralista geraram grande violência no
– como a construção da Transnordestina,
meio rural. Essa situação de violência,
Porto de Suape, construção de Barragens
conjugada com a impunidade e a falta
Hidroelétricas, novos polos industriais e
de políticas públicas eficazes de acesso
imobiliários, todos esses marcados por
à terra, fez com que o Estado Brasileiro
grandes impactos socioambientais – e a
fosse condenado por duas vezes5 pela
retomada e modernização econômica do
Corte Interamericana de Direitos
agronegócio, com destaque no sertão do
Humanos, dada a incapacidade de solu-
São Francisco para o setor hortifrutigran-
cionar os conflitos fundiários. Outros
jeiro. Assim, tem-se um avanço de gran-
casos envolvendo conflitos socioterrito-
des grupos econômicos agrícolas,
riais ainda tramitam na Comissão
industriais e empreendedores, principal-
Interamericana de Direitos Humanos,
mente de capital estrangeiro, sobre as ter-
como o caso “Tavares vs Brasil”, e
ras camponesas e territórios tradicionais,
podem render novas condenações ao
o que vem retomando a tradição de con-
estado.
flitos agrários do estado.
Já o oeste do Pará desponta como
O Estado do Paraná, por seu turno,
uma região de fronteira na expansão de
ao passo em que ostenta o quinto maior
frentes de desenvolvimento em direção à
PIB do Brasil, sendo considerado um dos
Amazônia. As recentes iniciativas de inte-
maiores produtores nacionais de com-
gração dessa região ao “desenvolvimento
modities agrícolas, também consiste no
nacional” ou à chamada “globalização”,
estado que apresenta grande quanti-
mediante vultosas obras de infraestrutura,
dade de povos tradicionais3, contando,
ao tomarem corpo no espaço geográfico,
ainda, com 312 assentamentos de refor-
geram conflitos fundiários, na medida em
ma agrária e com 72 áreas atualmente
que estes territórios já são historicamente
ocupadas por movimentos camponeses
ocupados por povos indígenas, comunida-
de luta pela terra. Esse cenário de proje-
des tradicionais e agricultores familiares.
tos agrários antagônicos tem gerado, ao
longo dos anos, muitos conflitos fundiá- Na região, existem, portanto, inten-
rios no estado. sos conflitos socioterritoriais com comu-
nidades de ribeirinhos, indígenas,
Conforme dados da Comissão Pas-
extrativistas e outras comunidades tradi-
toral da Terra de 1985 até 2006, o Estado
cionais. Os conflitos que envolvem a
do Paraná apresentou alto nível de con-
Resex de Prainha, no Município de
flituosidade no campo com o assassi-

3
Povos indígenas Xetá, Guaranis e Kaingangs, cerca de 227 comunidades tradicionais faxinalenses, 36 comunidades
quilombolas reconhecidas pela fundação cultural palmares entre outras comunidades como benzedores e benze-
deiras, pescadores artesanais, caiçaras, cipozeiras, religiosos de matriz africana e ilhéus que se identificam como
povos tradicionais.
4
Dados obtidos nos cadernos Conflitos no Campo, da CPT, 2010.
5
Condenações nos casos “Escher e outros vs Brasil” e “Garibaldi vs Brasil”, levados à CIDH pela Terra de Direitos e
outras organizações de direitos humanos.

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Itaituba, a demarcação da Terra Indígena estarem inseridas no Programa Nacional


Maró, no curso do rio Maró, no Município de Proteção a Defensores de Direitos
de Santarém, são paradigmáticos, a Humanos, da Secretaria de Direitos
ponto de lideranças indígenas da região Humanos da Presidência da República.

CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

Sobre os Estudos de Casos Emblemáticos

Os estudos de casos emblemáticos fundiários, conforme o que Haguette


de conflitos fundiários rurais foram inseri- (2001) identifica por método das homo-
dos no âmbito da pesquisa a partir de uma logias estruturais, realizando a compara-
dupla perspectiva metodológica: em pri- ção entre componentes estruturais dos
meiro lugar, uma dimensão de apresenta- casos analisados, no intuito de estabele-
ção descritiva dos conflitos fundiários cer parentescos entre eles.
como dado empírico, com vistas à revela-
ção dos elementos concretos que com- Desse modo, os diferentes estudos
põem um quadro característico, ciente de seguem um padrão metodológico que
seus limites e da sua utilidade desde uma busca identificar e apresentar qual a rede
perspectiva comparada, aliado, em social e institucional que participa do pro-
segundo lugar, a uma dimensão analítica de cesso social, jurídico e político de consti-
orientação para a construção de propostas tuição dos conflitos fundiários, analisando
voltadas à solução pacífica dos conflitos esta complexidade social e institucional
fundiários desde uma perspectiva voltada desde uma perspectiva comparada entre
para a efetivação dos direitos humanos. os casos, com vistas a identificar elemen-
tos replicados entre eles, e, assim, projetar
Tendo em vista, portanto, a constru- um quadro social e institucional dos con-
ção de uma análise que projeta elementos flitos, que possa servir à compreensão da
para a solução dos conflitos fundiários sua complexidade econômica, social, cul-
rurais, os estudos de casos aqui apresen- tural, política e institucional, e, assim,
tados foram construídos a partir de uma potencializar e capacitar os agentes públi-
orientação metodológica voltada para a cos no processo de solução pacífica des-
captura empírica e projeção analítica da tes conflitos.
presença e dos papéis políticos e sociais
exercidos pelos atores sociais e institui- A fim de ilustrar a teia formada por
ções públicas envolvidas nos conflitos uma característica complexidade social

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e institucional que envolve os conflitos vés do corpus empírico pesquisado, a par-


fundiários, será apresentado em cada tir de fontes primárias coletadas em
estudo de caso um Quadro de Agentes campo, como documentos de instituições
e Instituições Envolvidas no Conflito. públicas, entidades civis e movimentos
sociais, bem como informações dos pro-
Identificados os atores sociais e ins-
cessos administrativos e judiciais, como
tituições públicas envolvidas nos confli-
despachos, decisões, atas de audiências e
tos fundiários rurais, cumpre conhecer
demais elementos que compõem o seu
descritivamente e analisar como se dá a
acervo documental.
sua participação, buscando conhecer os
seus padrões de atuação, instrumental e Dessa forma, os estudos de casos
ferramentas políticas e jurídicas usual- seguem um padrão de apresentação e
mente manejadas e, de um modo espe- análise orientado pelo seguinte roteiro
cial, avaliar se a sua atuação contribui lógico inspirado no referencial analítico da
para a solução pacífica ou não dos con- sociologia do acesso à justiça (CAPPEL-
flitos analisados. LETTI, 1988; SOUSA JR., 2008; SANTOS,
2011; GARAVITO & FRANCO, 2010):
A partir daí, incorpora-se à análise a
observação de que os conflitos fundiários 1. Histórico do conflito;
rurais estão inseridos no âmbito do fenô-
2. Natureza dos direitos reivindicados;
meno da expansão do protagonismo judi-
cial, traduzidos por uma complexa e 3. Agentes sociais;
reiterada judicialização, verificada e siste- 4. Instituições públicas envolvidas;
matizada em quadros específicos, de
forma a projetar elementos para a análise 5. Agentes privados;
de uma cultura institucional disposta e 6. Quadro de agentes e instituições
apta à mediação e solução alternativa dos envolvidas no conflito;
conflitos fundiários rurais.
7. Quadro da judicialização do conflito;
De um modo geral, portanto, os
8. Panorama atual do conflito.
estudos de caso apresentam informações
de caráter descritivo e objetivo acerca Nos termos do Quadro 1, foram estu-
dos conflitos fundiários analisados, par- dados quatro casos chamados de em-
tindo de uma descrição dos achados atra- blemáticos, selecionados pelos critérios

Quadro 1 - Casos Estudados

NATUREZA DO CASOS POR ESTADO


CONFLITO PERNAMBUCO PARANÁ PARÁ
Camponês Engenho Fazenda
Contra-Açude/ Santa Filomena –
Buscaú Acampamento
“Elias de Meura”
Comunidades Comunidade Terra
Quilombolas e – Quilombola Indígena Maró
Povos Indígenas “Manoel Ciriaco”

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inspirados no modelo descrito por Pires gação. Desse modo, foram analisados qua-
(2008, p. 183): a) pertinência teórica com tro conflitos distribuídos por três regiões
o objeto da pesquisa; b) características e do país que apresentam altas taxas de con-
qualidade intrínseca do caso; c) tipicidade flituosidade agrária, buscando abranger,
ou emblematicidade; d) a possibilidade de ainda, a diversidade da natureza de sujeitos
aprender com o caso escolhido; seu inte- de direitos e conflitos existentes, distribuí-
resse social; e) sua acessibilidade à investi- dos da seguinte maneira.

Sobre a Análise das Experiências


Público-Institucionais de Mediação

Buscando incorporar uma diversi- tituições que possuem diferentes funções


dade institucional representativa da pró- e responsabilidades no que tange à solu-
pria complexidade institucional dos ção destes conflitos.
conflitos fundiários, a pesquisa analisa um
quadro diversificado de experiências que Desse modo, nos termos do Qua-
partem não somente de diferentes insti- dro 2, foi analisada uma experiência
tuições públicas diretamente envolvidas ligada ao Poder Executivo da União, uma
nos conflitos fundiários rurais, mas de ins- vinculada a um Poder Executivo Esta-

Quadro 2 – Experiências Analisadas

PODER EXECUTIVO SISTEMA DE JUSTIÇA


UNIÃO ESTADUAL JUDICIÁRIO MINISTÉRIO
PÚBLICO
Ouvidoria Agrária Assessoria de Vara Agrária Promotoria de
Nacional – Assuntos de Marabá – Justiça da
Ministério do Fundiários – Tribunal de Cidadania de
Desenvolvimento Estado do Justiça do Promoção e
Agrário Paraná Estado do Pará Defesa da Função
Social da
Propriedade Rural
- Ministério Público
do Estado de
Pernambuco

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dual, uma inserida no âmbito do Poder Desse modo, os estudos partiram


Judiciário, e outra, por fim, realizada desta tríplice base de dados primários, a
junto ao Ministério Público: fim de explorar as especificidades dos
órgãos selecionados em sua dimensão de
Desse modo, foram selecionadas experiências de referência na mediação
para análise quatro experiências público- de conflitos fundiários rurais, sobretudo
institucionais de mediação que se apre- em função de apresentarem elementos de
sentaram como experiências positivas nos uma cultura político-jurídica e capacidade
casos estudados acima, ou que se conso- institucional mais adequadas à solução
lidaram em sua referência de atuação nos pacífica destes conflitos.
últimos anos junto ao cenário dos confli-
tos fundiários no Brasil. Assim, o primeiro bloco da análise
detém-se em uma abordagem objetiva da
Nestes termos, as análises das expe- estrutura normativa e institucional que
riências foram divididas em dois blocos constitui o órgão analisado, focando-se na
diretamente vinculados à estrutura de atuação do órgão e suas atribuições e
questões organizadas no roteiro semi- competências específicas, além dos ins-
estruturado de entrevista, utilizado como trumentos utilizados para o cumprimento
uma das fontes que fundamentam as aná- de tal escopo institucional. Já o segundo
lises, complementada, ainda, pela utiliza- bloco concentra-se na cultura institucio-
ção de documentos oficiais dos órgãos nal de mediação de conflitos presente
analisados, como atas de audiência e ofí- naquele órgão, buscando informações e
cios, por exemplo, complementados, por compreensões de caráter também subje-
fim, pela análise do instrumento norma- tivo, com vistas a identificar e explorar
tivo que dá origem e fundamento ao res- elementos de potência nas experiências
pectivo órgão estudado. estudadas.

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SEÇÃO I
ESTUDOS DE CASOS EMBLEMÁTICOS DE
CONFLITOS FUNDIÁRIOS RURAIS

INTRODUÇÃO

Como dito acima, os diferentes estu- forma, potencializar e capacitar os agen-


dos seguem um padrão metodológico tes públicos no processo de solução pací-
que busca identificar e apresentar a rede fica destes conflitos.
social e institucional que participa do pro-
cesso social, jurídico e político de consti- De um modo geral, portanto, os
tuição dos conflitos fundiários, analisando estudos de caso apresentam informações
esta complexidade social e institucional de caráter objetivo acerca dos conflitos
desde uma perspectiva comparada, e, fundiários analisados, partindo de uma
assim, apresenta um quadro dos elemen- descrição dos achados através de fontes
tos constitutivos dos conflitos fundiários primárias coletadas em campo, aqui
rurais que possa servir à compreensão da seguindo um padrão de apresentação e
sua complexidade econômica, social, cul- análise orientado pelo roteiro lógico des-
tural, política e institucional, e, dessa crito acima.

Caso nº 1
Conflito fundiário agrário:
Caso do Engenho Contra-Açude/Buscaú –
Estado do Pernambuco

1. Histórico do conflito possui uma área total de 938,7132 hecta-


res, situado no Município de Moreno (PE),
O Engenho Contra-Açude/ Buscaú onde moram cerca de 100 famílias esta-

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belecidas no local há quase cinquenta Enquanto o processo burocrático se


anos. Os moradores dos engenhos foram arrasta, as famílias de moradores do enge-
vítimas do desemprego provocado pelo nho estão submetidas a precárias condi-
fechamento de indústrias sucroalcooleira ções de vida, decorrentes da falta de
na Zona da Mata de Pernambuco, que garantia do direito à terra e atos de crimi-
encerraram suas atividades sem quitar os nalização. Destaque-se ser área bastante
débitos trabalhistas. Sem emprego, os tra- conflituosa, conforme se descreverá
balhadores permaneceram vivendo na abaixo, com constatação de trabalho
propriedade e fazendo da terra e do plan- escravo, trabalho infantil e existência de
tio meios para a sobrevivência6. milícias privadas, ao passo em que os
moradores denunciam inúmeras e suces-
Em 1998, o INCRA iniciou o processo
sivas violações de direitos humanos.
de desapropriação dos engenhos consi-
derados improdutivos e aptos para desa- Quanto à situação de trabalho
propriação para fins de Reforma Agrária. escravo, constatada em operação de fis-
Porém, após mais de dez anos, a área calização do Ministério do Trabalho e
ainda não foi desapropriada. Adquirida Emprego, foi instaurado inquérito na
em 2001 por Fernando Vieira de Miranda, Polícia Federal, que resultou na ação
da então falida Usina LAISA Agropecuária penal que tramitou na 13ª Vara Federal de
SA, desde então começaram as pressões Pernambuco (0017720-86.2007.4.05.8300),
sobre as famílias de trabalhadores rurais na qual o proprietário foi condenado em
posseiros – antigos empregados da usina, sentença, encontrando-se, hoje, o pro-
que ficaram nas terras a elas cedidas para cesso no TRF 5ª região para apreciação
lavouras de subsistência após a falência de recurso de apelação. Já quanto à ocor-
da mesma – para que saíssem de suas ter- rência de danos ambientais, ao mesmo
ras. Visto o engenho já estar sendo alvo foram aplicadas multas administrativas,
de procedimento de desapropriação no em 2009, por desmatamento de trechos
Incra, seu registro de inscrição de imóvel de Mata Atlântica, não respeito a áreas de
rural naquela autarquia estaria bloqueado preservação permanente em topos de
para qualquer forma de transação, de morros e os limites de reserva legal, a par-
forma que não poderia ter sido alienado tir de fiscalização da Agência Estadual de
a outro particular – à época foi instalado Meio Ambiente, por requisição da
inquérito na Polícia Federal para apurar Promotoria Agrária8. Some-se, ainda, a
suposta fraude no cadastro do Incra e ile- destruição de lavouras de subsistência e
galidade da compra e venda. Tal investi- violações ao meio ambiente, causadas
gação, porém, foi arquivada, visto a pelo plantio de cana-de-açúcar em área
principal testemunha – o escrivão do car- de preservação ambiental. Entre as
tório que realizou a operação imobiliária – denúncias de ameaças, por seu turno,
ter sido assassinada; e o servidor do Incra além das referidas anteriormente, há a
que teria autorizado a mudança no cadas- existência de uma lista de pessoas “mar-
tro não ter sido identificado7. cadas para morrer”.

6
Informações presentes no Terra de Direitos; NAJUP. Relatório de violações de direitos humanos no Engenho
Contra-Açude/Buscaú. Recife: 2009, p. 04.
7
Ibidem, p. 06.
8
Agência Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – CPRH. Relatório Técnico UGUC/SAUC n. 14/2009.
28.08.2009.

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Desse modo, tem-se instalado um que foi concedida nelas decisão liminar
conflito fundiário coletivo multidimensio- em tutela de urgência, suspendendo qual-
nal com o descumprimento da função quer andamento do procedimento admi-
social da terra rural, conforme disposto no nistrativo expropriatório do Incra. Nos
art. 186 da Constituição Federal, em vários autos da ação de nulidade, em dezembro
de seus aspectos. de 2009, foi proferida sentença no sen-
tido de dar procedência do pedido do
Como dito, desde 1998 o Incra ini-
autor, de modo que determinou a suspen-
ciou o procedimento administrativo de
são de qualquer processo expropriatório
desapropriação da área, o qual foi arqui-
sobre a área pelo prazo de dois anos.
vado, sendo apenas retomado com novas
Após interposição de Apelação pelo Incra
provocações da autarquia no ano de
e pela Terra de Direitos, com pedido de
2005, sob o número 54.140000513/2005-
assistência pela Terra de Direitos, sendo
68. Mesmo já sendo a área objeto de
este negado em sede de primeiro e
desapropriação para fins de Reforma
segundo grau, o processo foi remetido ao
Agrária, o proprietário ingressou com a
TRF 5ª Região em novembro de 2010,
ação de Reintegração de Posse Nº 227-
encontrando-se até o presente momento
98.2007.8.17.0970 contra os moradores
aguardando julgamento.
da área.
Já na ação declaratória de produti-
Segundo alegação do proprietário,
vidade, correndo em apenso à ação de
teria havido esbulho no imóvel, visto a
nulidade, em dezembro de 2009, foi pro-
ocorrência de uma ocupação do MST na
ferida sentença declarando que o imóvel
casa-sede do Engenho, tendo sido has-
rural em questão era produtivo, sendo
teada bandeira do movimento. Mesmo
acolhida a perícia judicial realizada, em
tendo sido realizado acordo em audiência
detrimento do laudo de vistoria, fruto do
de conciliação em agosto de 2010, o pro-
trabalho especializado antes feito pelos
prietário seguiu com os atos de pressão e
técnicos do Incra.9 Desse modo, além
criminalização contra os posseiros. Em
dessa problemática no aspecto da produ-
outubro de 2011, foi proferida sentença
tividade, foram também desconsiderados
em favor do proprietário, a qual não foi
os outros requisitos para cumprimento da
ainda cumprida.
função social da propriedade, os quais,
Com o intuito de retardar o proce- neste caso, são de notória violação (res-
dimento administrativo de desapropria- peito ao meio ambiente, existência de
ção no Incra, o proprietário ingressou, na tensões e conflitos locais e existência de
7ª Vara de Justiça Federal, com duas trabalho escravo). Também neste pro-
ações, uma de Obrigação de Não-Fazer, cesso, os autos encontraram-se conclusos
para que o Incra se abstivesse de conti- para despacho a serem remetidos ao TRF
nuar com a desapropriação, cujo número 5ª Região, ao longo do ano de 2010. Após
é 2267-22.2005.4.05.8300; e outra, uma ser remetido ao Tribunal Regional, encon-
ação Declaratória de Produtividade, de tra-se até o presente momento aguar-
número 13431-81.2005.4.05.8300, que dando julgamento.
questionava a classificação dada à pro-
Enquanto tal imbróglio no processo
priedade na vistoria do Incra.
de desapropriação não é solucionado, a
Ambas tramitam em dependência, situação do conflito e de ameaça às vidas
estando os autos em apenso, de modo dos posseiros moradores do engenho se

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agrava devido a “ações de intimidação” ração o cumprimento ou não da função


por parte dos “seguranças” do engenho, social da terra rural, conforme o art. 186
conforme abaixo será relatado. da Constituição Federal, pelo imóvel em
questão. Afirma, ainda, que se deve ter em
tela, no caso, o fato da política de reforma
2. Natureza dos direitos agrária ser um meio viável para pacifica-
reivindicados ção dos conflitos no campo, provocados
pela desigualdade na estrutura fundiária.
No conflito em tela, ao ser conside-
rado como um conflito fundiário agrário, Já os advogados dos posseiros, em
as famílias de camponeses, em sua luta sede de Memoriais, esclarecem que o
social, reivindicam a efetivação do direito caso não envolve situação de ocupação
humano à terra, meio de acesso funda- de terras ou esbulho, conforme conside-
mental a outros direitos humanos, princi- rado na decisão liminar, mas o que se rei-
palmente o direito ao trabalho, à vindica é a regularização fundiária da
alimentação adequada, à educação, à posse-trabalho e posse-moradia já exer-
saúde e à moradia. Tal conteúdo jurídico cida por essas famílias, considerando-se a
da reivindicação dos posseiros pode ser terra como bem essencial aos meios de
observada por algumas manifestações produção de alimentos e na realização da
processuais de sua defesa e da dignidade humana dessas famílias.
Promotoria Agrária nos autos da ação de Afirma-se, também, a necessidade se
reintegração de posse (Processo nº 227- demonstrar a comprovação do exercício
98.2007.8.17.0970). da posse segundo os limites da função
social da terra rural pelo proprietário:
Em manifestação nos autos do pro-
cesso referido, em 25.07.2008, a A função social da posse como prin-
Promotoria Agrária ofereceu petição de cípio constitucional positivado é a
Promoção10 requerendo a realização de exigência de funcionalização das
audiência de conciliação, sob fundamen- situações patrimoniais, especifica-
tos que aclaram a natureza dos direitos mente para atender as exigências de
em jogo naquele conflito. Inicialmente, moradia, de aproveitamento do solo,
alega-se que, com o cumprimento de bem como aos programas de erra-
decisão liminar, resultante na destruição dicação da pobreza, elevando o
de lavouras dos posseiros, caracteriza- conceito da dignidade da pessoa
ram-se graves e irreparáveis violações de humana a um plano substancial e
direitos humanos, principalmente o direito não meramente formal.11
à terra e à alimentação adequada.
Desse modo, coloca-se que o con-
Desse modo, em tal petição, aponta teúdo jurídico do pleito das famílias de
ainda que a apreciação adequada da posseiros está intrínseco ao direito
situação para a necessária tutela de direi- humano à terra, direito-meio de promo-
tos envolvidos deveria levar em conside- ção da dignidade humana naquela situa-

9
Ressalte-se, portanto, que a justiça afasta um laudo produzido pelo órgão constitucionalmente competente, vali-
dado através de um processo administrativo com fulcro no contraditório, para acatar um laudo produzido em
juízo, por um único profissional escolhido pelo próprio magistrado. Este fato, recorrente nos casos de conflitos
fundiários agrários, deverá ser retomado no conjunto da análise de resultados no momento oportuno.
10
Processo nº 227-98.2007.8.17.0970. Promoção Ministerial. Fl. 361-4.
11
Processo nº 227-98.2007.8.17.0970. Memoriais réus. Fl. 391.

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ção: “O desrespeito a tais preceitos ape- dade à margem da lei, sem qualquer vin-
nas demonstra o descaso e sobressalên- culação ao sistema jurídico, visto ser
cia dos interesses patrimoniais individuais situação revestida de tipicidade penal,
do demandante em detrimento do bem- caracterizando-se como ato criminoso”.
estar e dignidade dos trabalhadores”12. Seria, assim, inadmissível que, em uma
sociedade democrática, se admitisse a rei-
Em manifestação da defesa do pro-
teração de condutas inaceitáveis de vio-
prietário em sede de Memoriais13, tem-se
lência e de ilicitude como as que se
alegações descaracterizando os argu-
apresentam nos autos do processo, atra-
mentos e preocupações levantadas tanto
vés das reiteradas invasões e destruições
pela Promotoria Agrária como pelos
praticadas no imóvel do autor – haveria no
advogados dos posseiros. Afirma-se
caso inadmissível desrespeito ao “império
lamentar as posições trazidas pelo
da Lei”: “O Poder Judiciário não pode
Promotor Agrário em sua Promoção, visto
ceder às pressões de movimentos sociais
que “defende que a invasão de terra seja
que se apresentam mascarados de legali-
‘interpretada como instrumento da demo-
dade na tentativa de legitimar atos de
cracia participativa’ e que ‘não constitui
extrema violência e desrespeito ao
uma violação ao direito de propriedade’,
sagrado direito de propriedade”15.
fazendo crer que a ocupação é ‘um ato de
cidadania’”.

Em petição posterior14, afirma-se,


3. Atores sociais envolvidos
ainda, que o posicionamento do Parquet
mereceria repulsa, pois está na contramão 3.1. Sujeitos Coletivos de Direitos
da Constituição Federal, dos princípios
Conforme acima exposto, enquanto
norteadores de um Estado Democrático
ator social de reivindicação do acesso à
de Direito. Assim, seria afronta ao direito
terra rural, estão cerca de 100 famílias de
de propriedade dos autores a presença
trabalhadores rurais, posseiros e morado-
dos moradores e posseiros, em vistas da
res da área do engenho, muitos antigos
situação de esbulho possessório presente
empregados deste. Assim, estas famílias
no caso e que agrediria ao “sagrado
de camponeses não estão organicamente
direito de propriedade” – dentro de uma
organizadas em algum movimento social
concepção de que a proteção possessória
camponês, apesar de terem relações de
objetiva tutelar a propriedade e não a
solidariedade com o Movimento dos
posse funcionalizada.
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
Tais argumentos apenas reiteram os Sem Terra (MST). Sua forma de organiza-
já presentes na petição inicial da ação, na ção mínima vem a se constituir no âmbito
qual expõem a concepção de prevalência da Associação de Agricultores Familiares
da tutela da propriedade privada em do engenho, de modo que, através desta,
detrimento dos direitos humanos funda- as famílias se articulam com os órgãos
mentais dos posseiros, ao expor que a públicos agrários e com as organizações
reivindicação dos moradores seria “ativi- da Sociedade Civil parceiras.

12
Ibidem. Fl. 395.
13
Processo nº 227-98.2007.8.17.0970, Memoriais autores. Fl. 370.
14
Ibidem. Petição autores. Fl. 422.
15
Processo nº 227-98.2007.8.17.0970. Petição inicial. Fl. 07.

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Desse modo, conforme será notório Estado, através de alguns de seus órgãos,
nos próximos itens, os trabalhadores rurais vem tendo uma postura de violação de
posseiros, organizados em associação, direitos através de seus agentes do sis-
foram e são sujeitos bastante ativos neste tema de segurança pública (polícia militar
caso ao manterem um diálogo intenso e e civil), conforme já exposto acima.
permanente com os órgãos estatais res- Também se pode apontar como agente
ponsáveis pela mediação do conflito. violador de direitos, neste conflito, alguns
Várias das situações de violação de direi- agentes públicos vinculados ao sistema
tos humanos ocorridas frequentemente de justiça: promotor de justiça local e juiz
neste caso, e abaixo relatadas, foram apu- de direito da comarca, ao atuarem nas
radas e comprovadas a partir de denún- ações criminais e na ação possessória, em
cias realizadas por lideranças dos proteção absoluta da propriedade pri-
posseiros, bem como todas as situações vada em detrimento dos direitos huma-
de descumprimento das várias dimensões nos das famílias e na criminalização das
da função social da terra naquele imóvel. mesmas; e o juiz federal da Vara Agrária
de Pernambuco, ao dar interpretação pre-
Em vários de seus pronunciamentos, judicial à realização da política de reforma
deixou-se sempre claro que o objeto de agrária na área nas ações judiciais perti-
reivindicação na sua luta social por direitos nentes ao processo de desapropriação.
era o acesso à terra, este encarado como Já como agente estatal mediador do
meio de realização de direitos humanos, conflito fundiário, pode-se apontar a
econômicos, sociais e culturais, de forma Promotoria Agrária do Ministério Público
que se efetive a política pública de de Pernambuco, e o Programa Estadual
reforma agrária e todo um pacote de de Proteção de Defensores de Direitos
medidas de desenvolvimento rural alter- Humanos, vinculada à Secretaria Execu-
nativo. No plano fático, conforme deba- tiva de Justiça e Direitos Humanos do
tido acima, já se caracteriza o exercício Governo do Estado de Pernambuco, ao
pleno da posse-moradia e posse-trabalho, ter incluído o caso do Engenho Contra-
aspectos da posse agrária, mais qualifi- Açude/Buscaú dentre os casos por este
cada e funcionalizada que a mera posse acompanhados, e a Ouvidoria Agrária
civil, pelos trabalhadores rurais, o que, no Regional do Incra, uma vez que todos
caso em tela, vem resultando no conflito também vêm trabalhando em diálogo
fundiário coletivo, visto as oposições e com a Ouvidoria Agrária Nacional nas
tentativas em negar tal fato pelo proprie- situações de emergência e violação de
tário. O que resta ainda ausente no pre- direitos pela mediação do conflito.
sente caso é a respectiva proteção desse
4.1. Sistema de Justiça Estadual –
exercício fático pela tutela jurídico-estatal,
Judiciário e Ministério Público da
a qual inclusive foi negada em várias situa-
Comarca de Moreno
ções por órgãos jurisdicionais e do sistema
de justiça, conforme abaixo se relatará. Em linhas gerais, a partir de análise
dos autos do processo de reintegração de
posse, bem como nas diversas ações
4. Instituições públicas
penais vinculadas à criminalização dos
envolvidas
trabalhadores rurais posseiros, observou-
No caso do conflito agrário havido se que, nas posturas do juiz de direito e
no Engenho Contra-Açude/Buscaú, o do promotor de justiça da Comarca de

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Moreno (PE), em pouco se levou em con- riormente nos autos. Em todos esses epi-
sideração os instrumentos e mecanismos sódios, apenas não se caracterizou uma
da mediação de conflitos coletivos para grave lesão aos direitos fundamentais das
resolução do caso em tela, apesar de famílias por incidência dos atores sociais
diversas provocações e incidências reali- e dos órgãos de mediação sobre a sus-
zadas pela Promotoria Agrária e pelo pensão do cumprimento da decisão.
PEPDDH junto a tais órgãos do sistema de
Constata-se, no caso em tela, o não
justiça. Verificou-se muito mais uma pos-
trato adequado do conflito nos ditames
tura de encarar e enfrentar tal caso atra-
da mediação de conflitos fundiários cole-
vés de seus processos judiciais de forma
tivos não apenas pelo não exercício pelo
isolada, como se houvesse ali um mero
órgão jurisdicional de um papel mediador,
conflito individual de direitos.
papel de coordenador da mediação e diá-
No processo de reintegração de logo com outros órgãos estatais para a
posse, por exemplo, foi adotado estrita- resolução do mesmo, ou seja, pelos atos
mente o rito presente nos arts. 926/31 do processuais tomados, mas, também,
Código de Processo Civil, como se indivi- materialmente pelos sentidos jurídicos fir-
dual fosse o litígio. Apesar de, por duas mados nas decisões judiciais proferidas.
vezes, se pronunciar aos autos a Cabe, ainda, ressaltar que em nenhum
Promotoria Agrária; e três vezes à momento, aos autos, foram pedidas pelo
Superintendência do Incra, esta última, a juiz informações à Justiça Federal sobre o
partir de despacho do juiz pedindo infor- estado dos processos de desapropriação
mações, substancialmente não se adotou do imóvel, mesmo sendo a existência
um rito processual que prezasse pela desse processo informada várias vezes
mediação do conflito, nos ditames do pela Promotoria Agrária e Incra, como se
Manual de Mediação de Conflitos da fossem matérias totalmente alheias.
Ouvidoria Agrária Nacional, em grande
Em análise da sentença17 proferida
apego ao formalismo. Cite-se, ilustrativa-
nesta ação possessória, materialmente,
mente, a concessão de decisão liminar16
pode-se afirmar que foi firmado sentido
de reintegração no início do processo,
jurídico sobre os institutos da posse e da
sem realização de audiência de concilia-
propriedade com orientação resultante na
ção e mediação prévia do conflito.
violação aos direitos humanos econômi-
Ao longo do processo, por diversas cos, sociais e culturais dos trabalhadores
vezes, também os advogados do proprie- rurais, conforme em item anterior carac-
tário peticionaram aos autos alegando terizado. Afirma-se que a posse estaria
novos atos de danos ao patrimônio do pressuposta com a existência do direito
engenho e invasão da área do engenho, e, de propriedade, de modo que não cabe-
por diversas vezes, também se concedeu ria, no caso, falar em se levar em conside-
decisão interlocutória de reintegração de ração os aspectos da função social da
posse para despejo forçado das famílias, terra, nem o exercício fático desempe-
sem qualquer oitiva anterior dos réus ou nhado pelas famílias. Cabe, ainda, relatar
dos órgãos de mediação de conflito, que, ao longo dos fundamentos da deci-
mesmo estes já tido se pronunciado ante- são, observa-se que foram apenas levados

16
Processo nº 227-98.2007.8.17.0970. Decisão Liminar. Fl. 48.
17
Ibidem. Sentença. Fl. 581-3.

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em consideração, logo firmados como sistema de justiça, alheios ao fim institu-


relevantes, os argumentos trazidos aos cional de resolução do conflito agrário
autos pelo autor, não se fazendo qualquer pela mediação, constata-se, deram trato
remissão às alegações e argumentos atomizado a tais processos criminais, ins-
levantados pela Promotoria Agrária ou truindo em audiência e decidindo um por
pela defesa dos réus. um, em vez de uma solução estrutural,
integrada e em consideração à complexi-
Já o promotor de justiça local veio
dade social que envolve o caso.
atuar também como um agente violador
dos direitos humanos dos trabalhadores
4.2. Sistema de Justiça Federal –
rurais, uma vez que, ao longo do processo
7ª Vara Federal de Pernambuco
de reintegração, também apresentou
(Vara Agrária)
comportamento semelhante ao do juiz.
Constata-se, em realidade, quase uma ati- O mesmo comportamento de não
tude omissiva nos autos por parte deste adoção do diálogo institucional foi cons-
agente estatal, visto que ele apenas veio tatado nos autos das duas ações relacio-
a se manifestar no processo na audiência nadas à desapropriação do imóvel, que
prévia, pugnando pelo despejo imediato tramitaram na 7ª Vara Federal de Per-
das famílias, e, ao final, em sede de pare- nambuco. Mesmo sendo aquela uma vara
cer ministerial. Nesta peça, constata-se agrária especializada, ou seja, para tratar
que se recepcionam, praticamente, todas de processos judiciais e conflitos dessa
as alegações levantadas nos autos pelos natureza, o juiz federal responsável pela
advogados dos autores, alegando a exis- vara pouco adotou de uma postura ade-
tência de esbulho possessório e de neces- quada para resolução do conflito pela
sidade de uma tutela plena e absoluta do mediação.
direito de propriedade18.
Em análise dos autos do processo
Tal postura, de individualizar o con- de ambas as ações (ação de nulidade de
flito na condução jurisdicional, também se ato administrativo n. 2267-22.2005.4.05.8300
repete nas ações penais relacionadas ao e ação declaratória de produtividade n. 13431-
caso. Mesmo sendo cerca de 15 ações 81.2005.4.05.8300), verifica-se que não há
penais, a maioria decorrentes de crimes qualquer preocupação em instruir e deci-
de menor potencial lesivo, como lesões dir no processo, tendo em vistas o conflito
corporais, ameaças e danos, e tanto o juiz também analisado no processo possessó-
como o promotor de justiça serem os rio em trâmite na Justiça Estadual, corro-
mesmos da ação possessória, observa-se borando com antes afirmado de uma
que não se dá um trato integrado aos pro- postura atomizada e formalista dos pro-
cessos: seja das ações criminais com a cessos judiciais. Não se encontra nos
ação civil, seja as ações criminais entre si. autos qualquer requisição de informações
Conforme já acima relatado, essas ações do estado da ação possessória à Justiça
penais são decorrentes de atos quase Estadual ou a outros órgãos estatais,
cotidianos de violência contra os traba- como a Ouvidoria Agrária Nacional ou a
lhadores rurais e instrumento de crimi- Promotoria Agrária, informações sobre o
nalização, porém, tais autoridades do estado de conflituosidade existente na

18
Ibidem. Parecer ministerial. Fl. 579.

26
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área, apesar de tal fato ser trazido aos pesquisa empírica, verificou-se que os
autos diversas vezes pelo Incra. órgãos neste item descritos atuaram no
presente caso prezando pela busca e rea-
Destaque-se, inclusive, que alega-
lização de diálogos institucionais e coo-
ções de que tais matérias seriam alheias
peração dos órgãos competentes pela
aos processos em trâmite na Justiça
mediação do conflito. Desse modo, ana-
Federal seriam de difícil sustentação, visto
lisa-se primeiro a atuação da Promotoria
que o fundamento de uma das ações (a
Agrária, vinculada ao Ministério Público
de nulidade de ato administrativo) é jus-
de Pernambuco.
tamente a suposta ocorrência de “inva-
são/esbulho possessório” no imóvel, Conforme se pode já verificar a par-
devendo o processo expropriatório ser tir do exposto acima, tal órgão teve e vem
suspenso com base no art. 2º, §6º, da Lei tendo uma atuação proativa pela media-
8.629/93. A preocupação com a ade- ção do conflito fundiário, em que pese o
quada resolução do conflito agrário ali teor de suas manifestações no processo
existente, fim institucional, por exemplo, de reintegração de posse, pugnando sem-
de uma “vara agrária”, passaria pela aten- pre junto ao órgão jurisdicional a realiza-
ção das consequências e da eficácia ção de audiências prévias de mediação e
social que teria as decisões proferidas por conciliação antes do proferimento ou
aquele juízo: se contribuiriam, ou seja, ele mesmo cumprimento de decisões limina-
estaria em cooperação com outros res reintegratórias que pudessem resultar
órgãos agraristas, para a pacificação do em grave e irreparável lesão às famílias de
conflito ou se intensificariam a tensão posseiros.
social existente, como deveras verificou- Nas situações em que não se pode
se que aconteceu no presente caso, uma evitar o cumprimento da decisão liminar
vez que, após a sentença suspendendo a reintegratória, importante registrar que se
desapropriação, o clima de animosidade constatou a atuação desta Promotoria na
na área aumentou. busca da articulação com órgãos do
Executivo Estadual competentes a este
Assim, a não preocupação em si
ato (como as Secretarias de Defesa Social
com a situação concreta de desamparo e
e Articulação Social do Governo do
não contemplação pelas políticas sociais
Estado), a fim de negociar-se que se con-
agrárias das famílias de trabalhadores
cilie o cumprimento de uma decisão judi-
rurais, ou seja, a repercussão social das
cial com o respeito aos direitos humanos
decisões proferidas, conforme se verificou
fundamentais das famílias. No levanta-
na sentença, já se entende nesta pesquisa
mento de documentos para este estudo,
como um elemento para uma atuação
constatou-se que, por diversas vezes, o
visando a mediação do conflito fundiário,
Promotor Agrário levou o caso do conflito
bem como a tutela dos direitos humanos
no Engenho Contra-Açude para reuniões
vinculados ao direito à terra das mesmas.
da Comissão de Prevenção, Conciliação e
4.3. Agentes estatais de mediação Resolução de Conflitos Agrários do
de conflitos fundiários rurais Estado de Pernambuco, instância interins-
titucional composta por diversos órgãos
Diferentemente dos órgãos estatais do Executivo e Sistema de Justiça fede-
acima considerados, a partir da análise rais e estaduais, presidida pelo próprio
dos documentos e dados coletados na Promotor.

27
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Cite-se, por exemplo, a apreciação Cite-se o ofício enviado a vários


do caso feita na reunião do dia 16 de órgãos competentes do conflito, bem como
setembro de 201119, na qual se tratou das aos autos do processo de reintegração
denúncias de novos danos ambientais (o informações de inspeção in loco feita por
plantio de duas mil mudas de eucalipto técnicos da autarquia, na qual constataram
sem licença do órgão ambiental estadual) danos ambientais (plantação de cana-de-
de modo que se consignou que tal açúcar em topo de morros), reclamação
Promotoria oficiaria ao CPRH pedindo dos posseiros de atos de ameaça e a visua-
informações sobre o projeto de reflores- lização de segurança do engenho armado
tamento, e da necessidade de diálogo com espingarda e facão. Por diversas vezes,
com o TRF 5ª Região para tratar do julga- também, foram os próprios posseiros rece-
mento do recurso de apelação relacio- bidos na sede da superintendência para
nado aos processos de desapropriação oitiva e registro de denúncias, bem como o
do engenho, diálogo esse que seria feito seu encaminhamento à Ouvidoria Agrária
pela Promotoria, Ouvidoria Agrária nacio- Nacional e outros órgãos de mediação, nos
nal e Incra. Conforme já se trouxe exausti- ditames próprios da cooperação e diálogo
vamente acima, constatou-se, também, institucional20.
uma plena abertura deste órgão para o
Por fim, relate-se uma atuação
diálogo com as lideranças dos posseiros,
semelhante desempenhada pelo Progra-
visto recebê-los por diversas vezes em
ma Estadual de Proteção a Defensores de
audiência e para tomada de depoimento
Direitos Humanos, na articulação e coo-
para registro de denúncias e tomada de
peração com outros órgãos estaduais e
providências, como requisição de infor-
federais, para tratar de conflitos agrários
mações a outros órgãos estatais e insta-
na busca por contribuir na mediação do
lação de diligências e fiscalizações na
conflito no Engenho Contra-Açude.
área, enxergando-os, portanto, na sua
Conforme já dito acima, foram coletadas
condição de sujeitos coletivos de direitos.
diversas denúncias dos posseiros dos
Em uma atuação em forte sinergia descumprimentos da função social da
com a Promotoria Agrária, deve-se desta- terra e de violações de direitos humanos
car o papel desempenhado pelo Incra, – cite-se audiência pública realizada no
coordenado pela sua Ouvidoria Agrária próprio engenho com presença dos pos-
Regional em Pernambuco. Conforme já seiros e representantes de entidades da
acima dito, por diversas vezes subsidia- Sociedade Civil e órgãos estatais federais
ram e peticionaram aos processos judi- e estaduais, bem como o acompanha-
ciais relacionados aos conflitos, mesmo mento de posseiros em audiências de
ainda que sem pedido de pronuncia- depoimento na Promotoria Agrária e
mento dos respectivos juízes, com infor- Procuradoria Regional do Trabalho. No
mações sobre o conflito e as várias desempenho da articulação, verifica-se o
constatações de descumprimento da fun- envio de vários ofícios para requisição de
ção social da terra. informações e diligências21.

19
Comissão de Prevenção, Conciliação e Resolução de Conflitos Agrários do Estado de Pernambuco. Ata de reunião
– 16.09.2011.
20
INCRA. Relatório de Visitação, 03 de abril de 2007; Ofício n. 185/06, 16.02.2006; Relatório de Visitação, 15 de
março de 2007; Ofício n. 228/2007, 05.03.2007; ofício n. 197/2005, 07.03.2005.
21
PEPDDH. Termo de Declaração, dia 22.11.2010; Ofício PEPDDH n. 76/2010; oficio n. 75/2009; ofício n. 21/2011.

28
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5. Agentes privados observava as atividades da equipe do


programa de longe. Situação semelhante
Como já exposto acima, para a ins-
também foi informada por técnicos do
talação da situação de conflito fundiário
Incra, ao fazerem visita in loco para levan-
coletivo, contrapõe-se ao pleito das famí-
tamento topográfico da área do engenho,
lias camponesas o atual proprietário do
em 3 de abril de 2007: durante a visita foi
engenho, e, de forma imediata, o suposto
visto, a poucos metros de distância da
administrador do imóvel, conhecido na
equipe, um segurança armado de “espin-
área por “Arrocha-o-nó”. Destaque-se a
garda 12” e facão, fato registrado, inclu-
recente condenação, em sede de sen-
sive, em fotografia e encaminhado às
tença em ação penal, do proprietário do
autoridades policiais24.
imóvel por trabalho escravo e degradante
de trabalhadores rurais do corte da cana- Em ofício expedido pelo delegado
de-açúcar no Engenho Contra-Açude/ de polícia civil de Moreno, endereçado ao
Buscaú, o que vem a reforçar a postura Promotor Agrário25, prestam-se informa-
desse polo na violação de direitos huma- ções sobre um dos inquéritos policiais
nos fundamentais no conflito agrário ins- que investigaram tais episódios decorren-
talado na área em questão, conforme se tes do conflito fundiário. Neste docu-
procurará colocar neste item, come- mento, fala-se da existência na região de
çando-se pelas situações de violação do uma “lista de marcados para morrer”, na
bem-estar social e dos trabalhadores qual constaria o nome de alguns possei-
rurais. ros do engenho, bem como se relata a
postura omissiva de alguns agentes da
Apesar de serem situações recorren- polícia civil e da polícia militar em prote-
tes as ameaças e atentados à integridade ção e conivência aos atos praticados pelo
física dos moradores, alguns episódios proprietário do engenho e seus seguran-
tomaram maior destaque, sendo levados ças. Apesar de atestar tais fatos, na con-
a conhecimento para investigação e reso- clusão do relatório do inquérito,
lução por parte dos órgãos estatais de declara-se que a polícia não teria encon-
mediação de conflitos agrários no Estado trado elementos materiais suficientes das
de Pernambuco. Cite-se, por exemplo, os práticas delitivas denunciadas.
relatos presentes no termo de depoi-
Tais denúncias foram também leva-
mento, tomados pelo Programa Estadual
das à Promotoria Agrária, vinculada ao
de Proteção de Defensores de Direitos
Ministério Público Estadual, visto esta se
Humanos (PEPDDH)no dia 22 de novem-
apresentar no estado como principal ins-
bro de 201022.
tância de mediação de conflitos agrários,
Em ofício expedido pelo PEPDDH23, como, por exemplo, o registro de depoi-
a coordenadora do programa informa mento26 de um dos trabalhadores rurais
que, ao fazer uma visita in loco no dia 11 posseiros em 30 de agosto de 2006, o
de agosto de 2010, um dos “capangas” do qual apresentou um panorama geral das
proprietário andava a cavalo, armado, e violações de direitos humanos havida na

22
Termo de Declaração, dia 22.11.2010, PEPDDH/Governo do Estado de Pernambuco.
23
Ofício PEPDDH n. 76/2010.
24
INCRA. Relatório de Visitação, 03 de abril de 2007.
25
Ofício DEPOL n. 01475/2010.
26
Ministério Público de Pernambuco. Termo de depoimento. 30.08.2006.

29
Relatorio Terra de Direitos 2013 - novo_Layout 1 27/08/13 13:44 Page 30

área. Tais denúncias voltaram a serem da, que essa seria uma prática corri-
expostas em novo depoimento no dia 22 queira do morador-réu, chegando a des-
de janeiro de 200727. Em Ata de audiência truir mais de 5 hectares de cana-de-
pública realizada nas dependências do açúcar. Testemunhou, também, o pro-
engenho, no dia 5 de abril de 201128, pos- prietário do engenho, quem declarou
seiros do engenho tiveram a oportunidade que logo após o fato o morador acusado
de expor publicamente mais algumas teria também ameaçado-o com uma
situações de ameaça e intimidação. estrovenga e o ofendido moralmente,
Tais episódios de violência e crimi- confirmando também que o acusado é
nalização dos trabalhadores rurais possei- sempre visto por outras pessoas fazendo
ros do engenho, por diversas vezes, tais práticas de dano ao patrimônio do
também foram objeto de processos judi- engenho. Já na versão dos fatos presen-
ciais criminais, em grande parte das vezes tes tanto no testemunho do acusado,
respondendo como agressores, visto a como de outros posseiros moradores
prática recorrente de o proprietário pres- que depuseram em juízo, o que teria
tar queixa na delegacia de polícia de acontecido foi que o administrador do
supostas ameaças e danos materiais pro- engenho foi de moto à casa do acusado,
vocados pelos posseiros, em uma verda- armado de revólver, e correu atrás dele
deira inversão dos fatos. Do levantamento com facão, de modo que o mesmo só foi
feito de 2007 a 2012, por esta pesquisa, impedido de agredir o posseiro pela
registrou-se cerca de 15 (quinze) proces- intervenção de outros três moradores do
sos criminais, sendo que, em apenas dois engenho. Outros trabalhadores rurais
deles, os moradores constavam como víti- que presenciaram o fato não puderam
mas. A título de exemplo, cita-se alguns depor em juízo nesta audiência, inclu-
relatos presentes em termo de depoi- sive, porque sentiam-se ameaçados
mento registrado em Ata de Audiência de (uma estaria hospitalizada com suspeita
Instrução e Julgamento do processo n. de derrame após o administrador jogar
1959-46.2009.8.17.0970, do dia 15 de veneno em sua lavoura; outra, porque
setembro de 2010, no qual o posseiro teve sua plantação danificada pelo
morador do engenho protegido pelo mesmo agente ao passar por cima dela
PEPDDH responde como parte ré de crime com um trator).
de ameaça e lesão corporal ao administra- Por fim, quanto às situações de vio-
dor do engenho, “Arrocha-o-nó”. lência física e moral decorrentes do con-
No depoimento do administrador flito em análise, cabe dizer que as mesmas
do engenho, este afirmou que o posseiro também foram objeto de Informe à
morador, réu no processo, estava danifi- Relatoria Especial da ONU sobre defenso-
cando a plantação de cana do engenho, res de direitos humanos, por parte da
ateando fogo, quando o mesmo abor- organização Terra de Direitos. Tal provo-
dou-o pedindo para parar, momento em cação intentou que o Estado Brasileiro,
que aquele correu atrás dele portando diante da omissão de vários de seus
um facão, fugindo de moto. Afirma, ain- órgãos competentes para tratar do caso,

27
Ministério Público de Pernambuco. Ata de Audiência. 22.01.2007.
28
Juízo de Direito da Comarca de Moreno/PE. Processo n. 1959-46.2009.8.17.0970. Termo de Audiência de Instrução
e Julgamento.

30
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fosse constrangido por instância interna- exposto acima, tal situação já tinha sido
cional a agir, principalmente para investi- levada a conhecimento da Promotoria
gação e responsabilização da suspeita de Agrária em audiência e tomada de
formação de milícia privada na área. depoimento em agosto de 2006 e
janeiro de 2007. Em 13 de agosto de
O suposto proprietário, como dito,
2010, em audiência que contou com a
também é investigado pela existência de
presença de representante do PEPDDH
trabalho na área em condições análogas
e da organização Terra de Direitos, o
à escravidão. Em sede de sentença nos
proprietário firmou TAC para resolução
autos da ação penal n. 0017720-86.
das violações de direitos humanos traba-
2007.4.05.8300, que tramitou na 13ª Vara
lhistas no engenho29.
Federal de Pernambuco, estando atual-
mente o processo no TRF 5ª Região para A situação de permanência do uso
apreciar recurso de apelação, este foi de mão-de-obra em condições precárias
condenado ao crime constante no art. e degradantes, porém, perdurou, de
149 do Código Penal por submeter cerca forma que os trabalhadores rurais possei-
de 150 trabalhadores rurais do corte da ros do engenho foram à Procuradoria do
cana a condições de labor degradantes, Trabalho em 26 de outubro de 201030
análogas à de trabalho escravo, visto para, em audiência, depor e relatá-la.
que lhes eram negados situações bási- Segundo depoimento de um deles, conti-
cas de segurança e higiene no ambiente nua a situação de não fornecimento de
de trabalho. EPI’s (equipamentos de proteção indivi-
dual) e que, após a operação de fiscaliza-
Os fatos que resultaram na denún-
ção, apenas foram feitos alguns retoques
cia do MPF e consequente condenação
nas casas e fornecimento de água potável
foram apurados e constatados em ope-
apenas por um período, perdurando a
ração do Grupo Especial de Fiscalização
situação anterior.
Móvel do Ministério do Trabalho e
Emprego, que resultou na lavratura de Além dos atores privados vincula-
62 (sessenta e dois) autos de infração, dos ao engenho, caracterizam-se tam-
além do resgate de 40 (quarenta) traba- bém como agentes violadores dos
lhadores do ambiente laboral, em agosto direitos das famílias de posseiros no pre-
de 2010. Tal situação apenas atesta mais sente conflito em análise, alguns atores
uma das dimensões de violação da fun- estatais, dentre eles órgãos do sistema
ção social da terra rural na área em de justiça, do judiciário federal, estadual
estudo e, consequentemente, do conflito e do Ministério Público Estadual, os quais
fundiário coletivo. atuaram nos processos judiciais relacio-
nados ao conflito.
Importante destacar que a referida
operação de fiscalização só foi defla- Conforme presente no relatório do
grada após diversas denúncias pelos tra- inquérito do delegado da polícia civil,
balhadores rurais posseiros do engenho acima citado, e objeto de denúncias em
junto à Promotoria Agrária e Procura- audiências na Promotoria Agrária, foi
doria Regional do Trabalho. Conforme já comprovado a presença, por diversos epi-

29
Procuradoria Regional do Trabalho 6ª região. Ata de Audiência – Rep 07.2010. 13.09.2010.
30
Idem. Ata de Audiência – Rep 07.2010. 26.10.2010.

31
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sódios, de policiais militares acompa- 6. Quadro de agentes


nhando o proprietário do engenho em e instituições envolvidas
situações de intimidação e ameaça a pos- no conflito
seiros, comprovando, inclusive, um episó-
dio de ida de um membro da polícia O Quadro 3 é ilustrativo da comple-
militar intimar um dos trabalhadores xidade social e institucional que envolve o
rurais para depoimento em delegacia uti- conflito fundiário no Engenho Contra-
lizando-se de carro do proprietário, acom- Açude/Buscaú, revelando uma teia de
panhado por este. Nos depoimentos já agentes e instituições que sugere, tam-
acima citados, prestados pelos trabalha- bém, o sentido e o caráter da complexi-
dores rurais em audiências na Promotoria dade que uma adequada solução do
Agrária, relatou-se, também, diversas referido conflito reivindica.
situações de eles dirigirem-se à delegacia
para prestar queixas de ameaças e violên-
cias físicas, não sendo, porém, os boletins 7. Quadro da Judicialização
de ocorrências registrados por expressa do Conflito
recusa de agentes policiais. Tal fato tam-
bém foi atestado por ofício do PEPDDH, Como foi possível observar, à com-
também já citado acima. plexidade social e institucional corres-

Quadro 3 - Agentes e Instituições Envolvidas no Conflito - Caso Contra Açude/Buscaú

SOCIEDADE CIVIL ESTADO


Sistema de Justiça Poder
Sujeitos
Entidades
Coletivos Agentes Poder
Sociedade Poder Ministério Defensoria Legislativo
de Privados Executivo
Civil Judiciário Público Pública
Direitos

Famílias Terra de Proprietário Vara da Promotoria Ouvidoria


de Direitos Engenho comarca Agrária Agrária
posseiros de Moreno (MPPE) Nacional
(TJPE)
MST Funcionários 7ª Vara Procuradoria Ouvidoria
proprietário Federal Regional do Regional
(Vara Trabalho Incra SR-23
Agrária 6ª Região
JFPE)
Promotoria Programa
de Justiça Estadual
comarca de de Proteção
Moreno a Defensores
(MPPE) de Direitos
Humanos
Polícia
Civil PE
circunscrição
Moreno
Polícia Militar

32
Relatorio Terra de Direitos 2013 - novo_Layout 1 27/08/13 13:44 Page 33

ponde, também, uma intensa prática liti- agentes e instituições, conforme o


gante envolvendo os respectivos sujeitos, Quadro 4 demonstra:

Quadro 4 - Judicialização do Conflito Caso Engenho Contra-Açude/Buscaú

CLASSE PROCESSUAL MANEJADA


CATEGORIAS DE
JUSTIÇA
LITIGANTES TIPO PENAL OBSERVAÇÃO
CÍVEL
Advocacia Terra de Pedido de Na ação de declaração de produtividade
Popular Direitos Assistência - discussão da sentença - interposição de
recurso de apelação.
Terra de Pedido de Na ação de nulidade de ato administrativo
Direitos Assistência - discussão da sentença - interposição
de recurso de apelação.
Terra de Ameaça Vítimas: Lideranças da comunidade;
Direitos Réu: capanga engenho
Agentes Ministério Trabalho
do Estado Público Escravo
Federal
Polícia Civil Pedido de Prisão Preventiva Contra liderança dos posseiros. Motivo
alegado: não comparecimento em
delegacia e Fórum para audiências dos
TCOs
Agentes Proprietário Ação de Manifestações da Promotoria de Justiça
Privados do Engenho reintegração Agrária pela mediação do conflito //
de posse Atuação da Terra de Direitos na defesa
processual dos posseiros
Proprietário Ação Objeto: decretar que o imóvel rural é
do Engenho declaratória produtivo e houve falha na vistoria do Incra.
de
produtividade
Proprietário Ação de Objeto: decretar a nulidade do
do Engenho nulidade procedimento administrativo do Incra
de ato de desapropriação do imóvel rural
administrativo
Proprietário Ação Penal Privada - Réu: Liderança da Comunidade
do Engenho Dano Simples; Abandono
de Animal em Propriedade
Alheia
Proprietário Ação Penal privada - Réu: Liderança da Comunidade
do Engenho Ameaça
Proprietário Ação Penal privada - Réu: Liderança da Comunidade
do Engenho Ameaça e Dano Simples
Proprietário Ação Penal Privada - Réu: Liderança da Comunidade
do Engenho Dano Simples) e Abandono
de Animal em Propriedade
Alheia
Proprietário Ação Penal Privada - Réu: Liderança da Comunidade
do Engenho Ameaça
Proprietário Ação Penal Privada - Réu: Liderança da Comunidade
do Engenho Ameaça
Proprietário
do Engenho Ação Penal privada - Réu: Liderança da Comunidade
Abandono de Animal em
Propriedade Alheia
Total 4 5 10 Total Ações Judiciais 15

33
Relatorio Terra de Direitos 2013 - novo_Layout 1 27/08/13 13:44 Page 34

8. Panorama atual do conflito sitada em julgado, de modo que há risco


iminente de despejo forçado e violento em
Por fim, coloque-se que a área ainda face das famílias de posseiros, sendo fun-
se encontra em pleno conflito, com damental a atuação dos órgãos estatais
denúncias quase cotidianas de atos de de mediação do conflito.
violência e ameaça por parte dos capan-
A despeito da intensa atuação dos
gas e pistoleiros do proprietário contra os
órgãos de mediação de conflitos fundiá-
moradores e posseiros do engenho.
rios coletivos, em destaque a Promotoria
Nessas situações, vem a ser de grande
Agrária e o PEPDDH, para a pacificação
importância a atuação dos órgãos esta-
social com respeito e promoção dos direi-
tais, principalmente o PEPDDH e a
tos humanos fundamentais das famílias,
Promotoria Agrária, de mediação do con-
verifica-se, no caso estudado, que tais atos
flito, provocando a ação dos agentes
não foram ainda suficientes para a resolu-
públicos do governo do estado na solu-
ção do conflito. Sem a adoção dos instru-
ção desses atos atentatórios à vida e inte-
mentos processuais e de cooperação
gridade física das famílias.
institucional próprios da mediação de
No âmbito da judicialização do con- conflitos rurais por aqueles órgãos com-
flito, o recurso de apelação interposto pelo petentes pela coordenação de tal situação
Incra, que busca reverter a sentença que complexa, visto o conflito estar judiciali-
declarou o imóvel rural produtivo e proibiu zado, quais sejam, os órgãos jurisdicionais
a tramitação do procedimento de desa- estaduais e federais do sistema de justiça,
propriação por razão de suposto esbulho o não sucesso na superação do presente
possessório na área, ainda está pendente conflito com o devido respeito aos direitos
de julgamento na Primeira Turma do humanos das famílias de trabalhadores
Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Já rurais, entende-se, será ainda uma marca
a ação de reintegração de posse está tran- recorrente neste caso estudado.

34
Relatorio Terra de Direitos 2013 - novo_Layout 1 27/08/13 13:44 Page 35

Caso nº 2
Conflito fundiário agrário: Caso da
Fazenda Santa Filomena – Acampamento
Elias de Meura – Estado do Paraná

1. Histórico do conflito meio ambiente e para a economia.32

O caso da Fazenda Santa Filomena A fazenda, situada entre os municí-


se insere em um contexto de conflitos pios de Guaiçará e Planaltina do Paraná,
agrários acirrados no Estado do Paraná. no Estado do Paraná, foi objeto de uma
As ocupações de terra, especialmente no vistoria, realizada pelo Instituto Nacional
período entre o início dos anos 90 e mea- da Colonização e Reforma Agrária (Incra),
dos dos anos 2000, foram violentamente em outubro de 1997, que considerou a
reprimidas, resultando em despejos força- área como grande propriedade improdu-
dos e mortes. É um caso bastante com- tiva, uma vez que o imóvel rural apresen-
plexo que envolve vários atores sociais, tava Grau de Eficiência na Exploração
sendo que o litígio sobre a área é discu- (GEE) de 81,99 %, taxa inferior à legal-
tido em diversos processos judiciais.31 mente exigida. Segundo a Constituição
Brasileira de 1988, o reconhecimento da
A área onde está localizada a
improdutividade implica na sua desapro-
Fazenda Santa Filomena passou a ter uma
priação para fins de reforma agrária.33
ocupação humana mais intensiva nas
Dessa forma, foi editado, em 17 de agosto
décadas de 60 e 70, com a derrubada da
de 1998, Decreto Presidencial declarando
floresta para extração de madeira. O des-
o imóvel rural de interesse social, para fins
matamento foi seguido pela ocupação
de reforma agrária, estabelecendo, assim,
das terras com lavouras de café, pasta-
expressamente em seu artigo 3°, que o
gens para criação extensiva de gado e
Incra estava autorizado a promover a
lavouras de cana-de-açúcar. Atualmente,
desapropriação na forma prevista na Lei
a pecuária bovina e a monocultura de
Complementar n° 76/1993.
cana dominam a produção agrícola na
região, com impactos negativos para o Diante das informações acerca da

31
Informações disponíveis em: <http://terradedireitos.org.br/biblioteca/acampamento-elias-de-meura-fazenda-
santa-filomena/>. A discussão judicial do caso envolve cerca de 24 instrumentos processuais, dentre ações origi-
nárias e recursos em diversas instâncias, além de um inquérito policial que investiga o assassinato do trabalhador
rural sem terra Elias de Meura por uma milícia privada na área.
32
Informações que constam no a laudo econômico e social sobre o Acampamento Elias de Meura, elaborado em
maio de 2012 (Autos da Ação de Desapropriação Judicial, Evento 1, Documento LAU7, páginas 1/33, Processo n°
5002397-91.2012.404.7011/PR).
33
“Nem toda propriedade privada há de ser considerada direito fundamental e como tal protegida (...) quando a pro-
priedade não se apresenta, concretamente, como uma garantia da liberdade humana, mas, bem ao contrário, serve
de instrumento ao exercício do poder sobre outrem, seria rematado absurdo que se lhe reconhecesse o estatuto
de direito humano, com todas as garantias inerentes a essa condição, notadamente a de uma indenização reforçada
na hipótese de desapropriação.” COMPARATO, Fábio Konder. Direitos e deveres fundamentais em matéria de pro-
priedade. In: STROZAKE, Juvelino José. (Org.). A Questão Agrária e a Justiça. São Paulo: RT, 2000. p. 139 -141.

35
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desapropriação, trabalhadores rurais sem- Regional da Polícia Federal no Paraná e da


terra ocuparam a área declarada como de Secretaria de Segurança Pública do Paraná
interesse social em outubro de 1999. Esta na “Operação Março Branco” e através das
primeira ocupação durou apenas alguns investigações da Comissão Parlamentar
meses, vez que a Polícia Militar realizou Mista de Inquérito da Terra (CPMI da Terra)
uma operação de despejo forçado em 24 (TELLES MELO, 2006).
de fevereiro de 2000 na fazenda.
O inquérito policial instaurado para
Em 2004, como forma de denun- averiguar o caso do assassinato de Elias
ciar a morosidade na concretização da de Meura durante a ocupação da Fazenda
reforma agrária, vez que depois de cerca Santa Filomena foi arquivado pelo
de seis anos da publicação do Decreto, a Ministério Público do Estado do Paraná.
desapropriação ainda não havia ocorrido, Diante da gravidade da ocorrência e da
o imóvel foi ocupado novamente por inoperância da justiça brasileira para
cerca de 400 famílias de trabalhadores investigar e punir os responsáveis, a Terra
rurais ligados ao Movimento dos de Direitos, o Programa de Educação
Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). No Tutorial (PET) da Faculdade de Direito da
momento da ocupação, jagunços da Universidade Federal do Paraná (UFPR),
fazenda atacaram a tiros as famílias, pro- e o MST enviaram, em maio de 2012, uma
vocando a morte do trabalhador Elias denúncia à Comissão Interamericana de
Gonçalves de Meura, de 20 anos, e dei- Direitos Humanos da OEA, requerendo
xando outras seis pessoas feridas34. abertura do caso contra o Estado
Brasileiro, e que fosse dado prossegui-
Cabe aqui uma breve exposição sobre
mento imediato aos trâmites cabíveis,
a grave situação de violência rural pela qual
com a investigação do crime, a punição
passava o Estado do Paraná no período em
dos responsáveis, a indenização à família
questão. Entre 1994 e 2002, foram assassi-
da vítima e, ainda, a criação políticas
nados 6 trabalhadores rurais no Estado,
públicas para o meio agrário.
havendo 516 prisões arbitrárias. A Comissão
Pastoral da Terra registrou ainda, no Ressalte-se que este foi o quinto caso
período, 31 tentativas de homicídio, 49 de assassinato de um trabalhador rural sem
ameaças de morte, 7 casos de tortura e 325 terra enviado para a CIDH/OEA só no
pessoas vítimas de lesões corporais em Estado do Paraná, o que demonstra a situa-
consequência de conflitos por terra (TEL- ção de violência no estado. O caso Elias de
LES MELO, 2006). Nesta época, agiam no Meura ainda está sob exame de admissibi-
Estado grupos armados que promoviam a lidade na Comissão Interamericana, sendo
segurança privada e ilegal de propriedades que todos os outros cinco casos foram
rurais, que, por serem improdutivas, eram admitidos e processados pela Comissão,
objetos de protestos e ocupações do MST. sendo que, em dois casos, foram proferidas
Essas milícias privadas tinham relação recomendações ao Estado Brasileiro, ao
direta com a União Democrática Ruralista passo que, em um outro caso, o Brasil foi
(UDR), conforme foi constatado após inves- condenado pela Corte Interamericana de
tigações conjuntas da Superintendência Direitos Humanos (OEA)35.

34
Fonte: IP n. 49/2004 e 108/2004 da Delegacia de Polícia do Município de Terra Rica/PR.
35
Cf. Caso Garibaldi x Brasil. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/pais.cfm?id_Pais=7>. Acesso em: 10 de janeiro
de 2013.

36
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Após a ocupação, os proprietários bem em litígio com expressa autorização


ingressam com Ação de Reintegração de do Judiciário, construindo possibilidades
Posse na qual obtiveram o deferimento de reais de vida digna e dando destinação
liminar de reintegração de posse36. Depois social ao imóvel, o que os retira da situa-
de apresentada a contestação pelos ocu- ção de miséria. O acampamento recebeu
pantes da área, a ação passou a tramitar o nome de “Elias Gonçalves de Meura”,
perante a Justiça Federal (autos n° em homenagem ao trabalhador assassi-
2004.70.11.002001-3) e a liminar foi revo- nado durante a ocupação.
gada, ficando por vários anos suspenso o
Na região em questão, a agricultura
trâmite da ação possessória.
familiar é a maior responsável pela pro-
O Juiz Federal retomou o anda- dução de leite, ovos, mandioca, hortali-
mento da Ação de Reintegração de Posse ças e derivados da carne, por exemplo.
em maio de 2012 e realizou audiência de Os cultivos do Acampamento Elias de
tentativa de conciliação entre as partes. Meura servem não só para o autossus-
Nesta audiência, realizada em julho de tento dos moradores, mas abastecem o
2012, o Incra se dispôs, dadas as peculia- comércio da região. Todas as famílias
ridades do caso e a iminência de grave têm, como atividade principal, o trabalho
conflito social, a pagar à vista e em agrícola e pecuário e aproximadamente
dinheiro aos proprietários o valor de mer- 70 pessoas são filiadas à Cooperativa de
cado da área objeto de litígio, mas os Comércio e Reforma Agrária Avante
fazendeiros recusaram a proposta. Ltda. (COANA), com sede na cidade de
Buscando outros mecanismos pro- Querência do Norte (PR).
cessuais para garantir o direito das famí- Outra questão a ser ressaltada é
lias de viver na área do litígio, os que, por iniciativa própria, os moradores
ocupantes do imóvel, com assessoria da do Acampamento Elias de Meura, desde
Terra de Direitos, ajuizaram, em agosto de o ano de 2004, trabalharam para ter
2012, na Vara Federal de Paranavaí (PR) a acesso a processos formais de educação
Ação de Desapropriação Judicial (autos de crianças, jovens e adultos. Nessa
nº 5002397-91.2012.404.7011), com funda- busca, alcançaram o estabelecimento,
mento no artigo 1.228, §§ 4º e 5º, do dentro da área em litígio, de uma escola
Código Civil. formal que oferece turmas do 1º ao 9º ano
No dia 6 de setembro de 2012, foram do Ensino Fundamental, além de ofertar
prolatadas sentenças na Ação de também a Educação de Jovens e Adultos
Desapropriação Judicial e na Ação de (EJA) para tentar suprir a baixa escolari-
Reintegração de Posse desfavoráveis aos dade entre os adultos da comunidade.
trabalhadores rurais que ocupam a área.
Apesar dos recursos interpostos contra as
sentenças, na presente data a liminar de 2. Natureza dos direitos
reintegração de posse está vigente e reivindicados
pode ser cumprida a qualquer momento.
O conflito fundiário ora analisado é
Nesses oito anos, as famílias de tra- decorrente, em um primeiro plano, da
balhadores rurais estiveram na posse do reivindicação do movimento social de

36
Fls. 83 da Ação de Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3.

37
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luta pela terra para a realização da polí- propriedade, deixando-a abando-


tica pública da reforma agrária no imóvel nada e improdutiva, sem observân-
rural, pelo descumprimento da função cias das normas protetivas do meio
social econômica e do bem-estar social, ambiente, quer proteger o que a
conforme a previsão do artigo 5º, inciso Constituição não resguarda. A
XXIII e artigo 186, incisos I e IV da “constitucionalização” da solução
Constituição Federal. Em um segundo dos conflitos emergentes das ocu-
plano, há vários outros direitos em jogo, pações rurais em imóveis de exten-
que advêm da política de reforma agrá- sões latifundiárias, improdutivas e
ria: alimentação, educação, habitação, que descumpram sua função
trabalho, dignidade etc. social, impõe ao julgador uma nova
postura, diversa do proceder clás-
Como já exposto, a propriedade
sico emergente da dicção estrita
mencionada foi declarada de interesse
do Código Civil. (FACHIN, 2000, p.
social para fins de reforma agrária, con-
290)
forme Decreto datado do ano de 1998,
por ter sido considerada propriedade A intervenção dos sujeitos coletivos
improdutiva. Nesse sentido, questiona-se de direitos e da assessoria jurídica popular
a possibilidade de conceder-se proteção nesse caso foi pautada na prevalência dos
possessória a propriedades em condições direitos humanos sobre o direito indivi-
como a da Fazenda Santa Filomena, dual à propriedade privada, a ilegalidade
como o faz Eros Roberto Grau: de se conferir proteção judicial à proprie-
Sendo assim – isto é, não merecendo dade que não cumpre sua função social e
proteção jurídica, salvo a correspon- a necessidade de garantir a posse da terra
dente a uma indenização, na desa- aos trabalhadores – garantindo, assim,
propriação –, a propriedade rural direitos à moradia, alimentação, educa-
que não cumpra sua função social ção, trabalho etc.37
não goza da proteção possessória A Constituição Federal, no art. 6o,
assegurada pelo Código Civil, visto estabelece dentre os direitos sociais o tra-
ter ela como pressuposto o cumpri- balho e a assistência aos desamparados.
mento da função social da proprie- O despejo das famílias da área nega tais
dade. (GRAU, 2000, p. 145 e 146) prerrogativas, uma vez que os trabalhado-
E, também, o prof. Edson Luiz res em questão, por se encontrarem pri-
Fachin: vados de quaisquer outros meios de
sobrevivência que não através da ocupa-
O deferimento da proteção pos-
ção da área, enquadram-se na classifica-
sessória, a partir da Constituição
ção de “desamparados”, posta pela Lei
Federal de 1988, passou pela
Maior. Ademais, os acampados seriam
observação do cumprimento da
despojados do seu meio de trabalho – o
função social da propriedade, e,
cultivo das terras – necessário para a sub-
nessa perspectiva, afronta a Carta
sistência das famílias.
Magna o deferimento de reintegra-
tória ao titular do domínio que, Está ainda qualificado como direito
descumprindo a função social da social a educação (que é dever do

37
PIVATO, op. cit., p. 231.

38
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Estado conforme o artigo 205 da objetivo fundamental da República, na


Constituição Federal), a qual só é asse- medida em que age no sentido de “garan-
gurado às crianças acampadas devido à tir o desenvolvimento nacional”, e da
ocupação da área. “erradicação da pobreza, marginalização
e desigualdades sociais”39, estes movi-
A responsabilidade pública pelas
mentos sociais identificaram a legitimi-
famílias em questão fica ainda mais evi-
dade da ocupação de propriedades
dente ao ter-se em consideração o
declaradas improdutivas. Dessa forma,
artigo 5o da Lei de Introdução ao Direito
pressionam as autoridades para a realiza-
Brasileiro, que estabelece que o juiz deve
ção da reforma agrária, numa tentativa de
atender aos fins sociais a que a lei se
obter justiça e melhora das suas precárias
dirige e às exigências do bem comum na
condições de vida.
aplicação da norma. Assim, o Estado-
Jurisdição não pode ficar alheio às conse- Dessa forma, através das ocupações
quências de sua decisão, como aconteceu, de imóveis que não cumprem a sua fun-
por exemplo, na sentença da ação de rein- ção social e de outros atos políticos de
tegração de posse que determinou a saída reivindicação de políticas públicas para o
imediata das famílias que, há oito anos, campo, o MST, criado em 1984, se fortale-
constroem sua vida no local e não tem ceu, tendo um papel fundamental na luta
outro lugar para viver. histórica pela democratização da terra no
Brasil. E, se por um lado o movimento
ganhou força e visibilidade, por outro
3. Agentes sociais sofreu um intenso processo de criminali-
zação.40
3.1. Sujeitos Coletivos de Direitos
A proposta de reforma agrária tra-
O ator social que reivindica o acesso
zida pelo MST é aquela que enfrenta os
à terra é o conjunto das famílias que vive
latifundiários e seu modo de fazer agricul-
na área em litígio. Elas estão organizadas
tura – o agronegócio pautado na expor-
no Movimento dos Trabalhadores e
tação de commodities – e pretende
Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST).
disponibilizar as terras improdutivas para
Os movimentos sociais de luta pela produzir alimentos saudáveis, possibilitar
terra, no Brasil, possuem uma raiz histó- condições de vida digna no campo e na
rica marcada pela expropriação e violên- cidade, assim como contribuir para a
cia contra os trabalhadores rurais. Com a construção de uma sociedade igualitária.
Constituição Federal de 1988, que estabe- Dessa forma, o caso do Acampamento
leceu o mandamento constitucional da Elias Gonçalves de Meura é exemplar, pois
realização da reforma agrária38, enquanto a resistência das famílias na área, somada

38
Artigos 184 a 186 da Constituição Federal.
39
Artigo 3º, incisos II e III, respectivamente, da Constituição Federal.
40
“A grande novidade são ações de diferentes aparelhos de Estado (Parlamento, Judiciário, Ministério Público,
Tribunal de Contas da União) para, utilizando mecanismos e instrumentos legais e/ou constitucionais, dar caráter
de crime a ações e lideranças populares. Consequentemente, criminalizar não é utilizar a força policial para reprimir
manifestações (tratar como “caso de polícia”), mas é transformar (caracterizar ou tipificar) uma determinada ação
em um crime. Utilizando mecanismos legais, a intenção é fazer com que ações e pessoas sejam vistas e julgadas
(pela opinião pública, pelo órgão estatal responsável) como atos criminosos e bandidos (iniciativas feitas à margem
da lei).” SAUER, Sérgio. Processos recentes de criminalização dos movimentos sociais populares. Disponível em:
<http://terradedireitos.org.br/wp-content/uploads/2008/10/Processos-recentes-de-criminaliza%C3%A7%C3%A3o
-dos-movimentos-sociais-populares.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2013.

39
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à importância da produção do acampa- a desapropriação do imóvel para fins de


mento para a movimentação da econo- reforma agrária.
mia local, à disponibilização de alimentos
saudáveis para a população da região e à As ações da Terra de Direitos partem
promoção dos direitos sociais para deze- do entendimento de que a assessoria jurí-
nas de famílias, demonstra como a demo- dica popular não se restringe à prestação
cratização da terra é caminho essencial de serviços de advocacia ou à litigância
para a realização dos direitos humanos e judicial, mas que deve ter uma perspec-
para a construção de uma sociedade efe- tiva bem mais ampla. Assim, a organiza-
tivamente democrática. ção utiliza-se de outros meios de
exigibilidade política e justiciabilidade dos
3.2. Entidades Parceiras direitos humanos, tais como: missões in
loco, informação e formação sobre direi-
A Terra de Direitos acompanha o
tos humanos; campanhas, monitoramento
caso desde a ocupação e é a responsá-
de processos administrativos, incidência
vel pela assessoria jurídica aos ocupan-
política, mediação de conflitos e litigância
tes da área relativa aos processos que
nas esferas nacional e internacional
envolvem a Fazenda Santa Filomena,
(PIVATO, 2010).
tendo acompanhado a Ação de Reinte-
gração de posse desde o início, e tendo A complexidade de casos como o
recentemente, em 2012, realizado a ora tratado, especialmente no tocante ao
denúncia à Organização de Estados distanciamento entre a real efetivação de
Americanos sobre o descaso do Estado direitos e as soluções formais apontadas
Brasileiro em relação ao assassinato de pelo Judiciário e outras instituições públi-
Elias Gonçalves de Meura. Desta forma, cas, coloca a assessoria jurídica popular
a Terra de Direitos trabalha nesse caso em um constante desafio de construção
como organização afirmadora de direi- de estratégias jurídicas e articulações
tos humanos por meio da assessoria jurí- políticas e sociais.42
dica popular41 em duas perspectivas
principais: buscando impedir a impuni- Além da Terra de Direitos, é possível
dade dos responsáveis pela ação da milí- citar outras parcerias do movimento
cia privada e visando garantir o direito à social que têm influência sobre o conflito,
posse, evitando o despejo e efetivando como redes locais e estaduais de comuni-

41
Eliane Botelho Junqueira entende que a advocacia popular “está voltada para os segmentos subalternizados e
enfatiza a transformação social a partir de uma atuação profissional que humaniza o indivíduo, politiza a demanda
jurídica e cria estratégias de luta e resistência, encorajando a organização coletiva”. (Apud GORSDORF, Leandro
Franklin. Advocacia popular – novos sujeitos e novos paradigmas. Cadernos RENAP, n.º 6, 2005, p. 12).
42
Como exemplo dessa incidência no caso da Fazenda Santa Filomena, pode-se citar que: “Na esfera local, concen-
tramos esforços para que o sistema de justiça criminal atuasse de forma eficiente na apuração das violações.
Porém, conhecedora do histórico de parcialidade e comprometimento de autoridades locais com fazendeiros e
latifundiários da região, a Terra de Direitos fez diversas interlocuções com a Procuradoria de Justiça do Estado do
Paraná e com a Secretaria de Segurança Pública do Estado, para que garantissem uma eficaz investigação da vio-
lência cometida contra os trabalhadores. Ainda no âmbito do Ministério Público Estadual, incidimos junto ao Centro
de Apoio Operacional Para Questões da Terra Rural. E, em âmbito nacional, foram feitas diligências junto à
Ouvidoria Agrária Nacional e Secretaria Especial de Direitos Humanos. Além da incidência voltada à investigação
e reparação das violações de direitos humanos, desde o início foi importante o diálogo junto ao Incra, pois a solu-
ção do conflito só pode se dar, ao nosso ver, evitando-se o despejo e desapropriando-se definitivamente a área
para reforma agrária. Portanto, ao Incra, diligenciamos por celeridade e eficiência na condução do processo de
desapropriação”. PIVATO. Luciana C. F. O acampamento Elias de Meura e uma experiência de assessoria jurídica
popular na defesa dos direitos humanos dos trabalhadores rurais sem terra. In: FRIGO, Darci; PRIOSTE, Fernando;
ESCRIVÃO FILHO, Antonio Sergio. (Orgs.). Justiça e Direitos Humanos: experiências de assessoria jurídica popular.
Curitiba: Terra de Direitos, 2010, p. 230.

40
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cadores populares, responsáveis reporta- exemplo dos casos de assassinatos envia-


gens e divulgação de campanhas, univer- dos à CIDH/OEA, ocupava o cargo de
sidades que mantêm laços com o Governador do Estado, Jaime Lerner,
-acampamento, se disponibilizando a tra- conhecido por ter um caráter de combate
balhar no local ou a pesquisar o caso,43 ou aos movimentos sociais do campo. Dessa
associações de produtores da região que forma, ao invés de buscar uma conciliação
contribuem com a produção e comercia entre os interesses em jogo, o Governo
tinha uma postura que prejudicava direta-
A Ouvidoria Agrária Nacional tam-
mente os trabalhadores sem-terra.45 Des-
bém esteve presente no conflito. Já em 3
sa forma, o Executivo Estadual foi um dos
de agosto de 2004, o Ouvidor Agrário
principais violadores de direitos no caso,
Nacional, Gercino José da Silva Filho, vin-
coadunando e mantendo ligação direta
culado ao Ministério de Desenvolvimento
com a violência praticada contra os traba-
Agrário e, ainda, presidente da Comissão
lhadores que ocuparam a Fazenda Santa
Especial de Combate à Violência no
Filomena.
Campo, solicitou ao juiz da causa cópia da
decisão liminar de reintegração de posse Por outro lado, atualmente, o Estado
do imóvel em questão aos proprietários.44 do Paraná conta com uma Assessoria de
A Ouvidoria Agrária, mais recentemente, Assuntos Fundiários que vem tentando
esteve presente nas negociações sobre o mediar os conflitos no campo. Na audiên-
cumprimento das recomendações da cia de tentativa de composição, realizada
Comissão Interamericana de Direitos em julho de 2012, o representante do
Humanos sobre o caso de Elias de Meura, Governo do Estado desempenhou um
que envolve também a Assessoria papel de conciliador, visando indicar que
Internacional da Secretaria de Direitos não há interesse do Executivo em realizar
Humanos da Presidência da República e o despejos forçados no Estado, sendo que
Governo do Estado do Paraná. muitos deles resultaram em graves violên-
cias. A Assessoria de Assuntos Fundiários
A Polícia Federal também teve atua- do Governo evidenciou, ainda, que os
ção relevante no caso, como será melhor assentamentos dinamizam a economia da
explicitado no item sobre instituições liga- região, trazendo benefícios sociais para
das à segurança pública. todos.46
Ressalte-se, ainda, que Governo do
4.2. Governo do Estado do Paraná: Estado do Paraná é mantenedor, desde
o início de setembro de 2004, de uma
Na época em que os conflitos agrá- Escola Itinerante no Acampamento Elias
rios estiveram mais intensos no Paraná, a de Meura. A escola está sob a Coorde-

43
O Acampamento Elias de Meura mantém relações com as diversas Universidades e Faculdades de Maringá e região
(UEM, UNESPAR e FAFIPA), além da Universidade Federal do Paraná (UFPR), sendo que o Programa de Educação
Tutorial (PET) da UFPR também foi um dos responsáveis pela denúncia à OEA sobre o descaso do Estado
Brasileiro com a morte de Elias de Meura (Notícias da imprensa local sobre a relação do Assentamento com as
Universidades constam às fls. 1824/1842 dos autos da Ação de Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3).
44
Fls. 116 dos autos da Ação de Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3.
45
Essas violências foram analisadas e julgadas pelo Tribunal Internacional dos Crimes do Latifúndio e da Política
Governamental de Violação dos Direitos Humanos no Paraná, realizado no ano de 2001, em Curitiba/PR. (Cf. Anais
do Tribunal Internacional dos Crimes do Latifúndio e da Política Governamental de Violação dos Direitos
Humanos no Paraná. Curitiba, 1° e 2 de maio de 2001)
46
Ata da audiência às fls. 1679/1681 dos autos da Ação de Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3.

41
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nação da Educação do Campo da 2004.70.11.002001-3) referente à ocu-


Secretaria de Educação Estadual.47 Esta pação de 2004 e a recente Ação de
escola funciona até os dias atuais e Desapropriação Judicial (autos n°
atende não só as crianças, jovens e adul- 5002397-91.2012.404), todas elas trami-
tos do Pré-Assentamento Elias Gonçalves tam na Justiça Federal. Afora as ações, é
de Meura como também os assentamen- de se ressaltar a existência do inquérito
tos vizinhos. policial que trata do assassinato de Elias
de Meura.
O papel do Poder Executivo, dessa
forma, é bastante ambivelente ante ao con- Após a classificação da Fazenda
flito, tendo atuado como violador e afirma- Santa Filomena como improdutiva pelo
dor de direitos, dependendo do momento, Decreto Presidencial, o proprietário ajui-
dos agentes públicos envolvidos e da pos- zou, em julho de 1998, a Ação Cautelar
tura quanto à política fundiária. (autos n° 2001.70.11.00100-18) que trami-
tou na Vara Federal de Paranavaí, na qual
4.3. Sistema de Justiça
foi concedida liminar para proibir o Incra
O Sistema de Justiça reage e inte- de ingressar com ação judicial de desa-
rage com as instituições públicas e atores propriação. Posteriormente, na Ação
da Sociedade Civil presentes no conflito. Declaratória de Produtividade48, essa limi-
O Poder Judiciário é normalmente provo- nar foi revogada.
cado quando o Executivo, responsável
4.3.1. Justiça Estadual
por realizar a política pública de reforma
agrária, não cumpre seu papel – seja por A Ação de Reintegração de Posse
ações ou por omissões. referente à ocupação ocorrida em 31 de
julho de 2004 foi proposta em 2 de agosto
Resumo das principais ações
de 2004 perante a Justiça Estadual. A 1ª
judiciais que tratam do caso:
Vara Cível de Terra Rica recebeu a ação e
O conflito agrário da Fazenda Santa concedeu a liminar de reintegração de
Filomena é discutido em diversas ações posse aos proprietários sem maiores ave-
judiciais. São quatro Ações Principais, sem riguações ou questionamentos49. Houve
contar as diversas Ações Cautelares e uma tentativa de cumprimento da decisão
recursos interpostos: a Ação de Desa-pro- no mesmo dia em que a decisão foi profe-
priação proposta pelo Incra (autos n° rida, 2 de agosto de 2004. Mas, como
2001.70.11.001013-4), a Ação Declaratória consta no “Auto de Resistência”50 lavrado
de Produtividade ajuizada pelos proprietá- por oficiais de justiça e juntado à Ação de
rios (autos n° 2001.70.11.000098-0), a Reintegração de Posse, os ocupantes da
Ação de Reintegração de Posse (autos n° área se opuseram à medida.

47
A implantação dessa escola foi autorizada pela Resolução nº 614/2004 da Secretaria de Educação do Estado,
considerando o disposto na LDB nº 9.394/96, Resolução nº 01/02 – CNE/CEB e o Parecer nº 1012/03 do Conselho
Estadual de Educação. (Declaração da Secretaria do Estado da Educação às fls. 330 dos Autos da Ação de
Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3).
48
Ação Declaratória de Produtividade n° 2001.70.11.000098-0
49
Consta na decisão do Juiz Luiz Henrique Trompczunski, que concedeu a liminar em 2 de agosto de 2004:
“Determino, pois, a expedição de mandado de reintegração de posse, e desde já, defiro o reforço policial, se neces-
sário, pois é inadmissível que as pessoas façam o que bem querem ofendendo a propriedade privada” (fls. 83 dos
autos da Ação de Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3).
50
Fls. 85 dos Autos da Ação de Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3.

42
Relatorio Terra de Direitos 2013 - novo_Layout 1 27/08/13 13:44 Page 43

Antes que a liminar fosse cumprida, com os demais direito ou garantias


o processo passou a tramitar na Justiça constitucionais. (...)
Federal, vez que foi apresentado nos Destarte, o interesse individual,
autos Incidente de Exceção de Incom- quando não atende a sua função
petência51, pelos assessores jurídicos da social, resta superado pelo interesse
Terra de Direitos, que atuam no processo coletivo. Se propriedade não cum-
como procuradores das famílias acampa- pre sua função social, fica sujeita ao
das. instituto da desapropriação, onde o
expropriado sofre a perda do exer-
4.3.2. Justiça Federal
cício de qualquer dos poderes rela-
A postura do Judiciário em relação tivos à propriedade, entre eles a
ao conflito da Fazenda Santa Filomena posse. (...)
passou por diversas transformações, Dessa forma, a desocupação do
dependendo, especialmente, do juiz res- imóvel, antes de uma decisão defini-
ponsável pelo ato. A liminar de reintegra- tiva, em especial, diante da possibi-
ção de posse, inicialmente deferida pela lidade de imitir o Incra na posse do
Justiça Estadual, foi suspensa após inspe- imóvel, poderia ser demasiada-
ção judicial realizada pelo Juiz Federal mente danosa, gerando riscos talvez
Anderson Furlan Freire da Silva em 6 de desnecessários.
dezembro de 2004 na fazenda. Depois Ressalto que não se está a legitimar
desse acontecimento incomum, já que a conduta daqueles que promove-
são raras as vezes que juízes se dispõe a ram a invasão, todavia, parece
verificar pessoalmente a realidade social razoável que tal medida deva ser
de famílias de trabalhadores rurais sem efetivada após a solução definitiva
terra, o Juízo Federal de Paranavaí revo- das questões abordadas. (...)
gou a liminar. Seguem trechos da decisão: Destarte, diante dos acontecimen-
tos, mencionados na Certidão de
O caso em análise mostra-se com-
Constatação de fls. 362-363, consi-
plexo, mormente considerando a
derando, em especial, a situação
existência das ações acima mencio-
instalada e a supremacia do inte-
nadas, em especial a ação declara-
resse social, REVOGO A LIMINAR
tória de produtividade que, apesar
anteriormente concedida e, nos
de julgada improcedente, ainda
termos do artigo 265, IV, “a”, do
impede a continuidade do processo
CPC, SUSPENDO O PROCESSO até
de desapropriação que permitiria
o julgamento da ação declaratória
que o Incra fosse imitido na posse
de produtividade pela superior ins-
do bem, promovendo, consequente-
tância.52
mente, o assentamento das famílias
selecionadas. (...) Este ponto merece atenção: o Juiz
Assim, em que pese a proteção Federal apenas suspendeu a liminar
constitucional, o direito à proprie- depois de visitar a área, conhecer as con-
dade não é absoluto e ilimitado, pois dições de vida dos ocupantes e o trabalho
deve ser apreciado em harmonia que vinham desenvolvendo na fazenda,

51
Fls. 92/97 dos autos da Ação de Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3.
52
Decisão às fls. 432/439 dos autos da Ação de Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3.

43
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tornando-a produtiva. Isso possibilitou ao é bastante complexa, demonstrando que


magistrado que sopesasse o prejuízo que a resolução de conflitos como este não é
causaria às famílias se a liminar fosse simples. Uma decisão terminativa de
cumprida imediatamente. mérito em uma Ação de Reintegração de
Posse não resolveu o conflito, pelo con-
Outra decisão que merece atenção
trário, em casos como este a sentença
especial é a sentença da Ação de
pode encerrar o processo, mas vir a ser a
Reintegração de Posse, que julgou proce-
causa de novos conflitos sociais.
dente a Ação, estabeleceu uma multa R$
200.000,00 aos trabalhadores rurais Importante analisar, inclusive, o que
sem-terra caso não saíssem da proprie- os próprios atores envolvidos entendem
dade em 30 dias, e, ainda, multa de mais por conflito. Na maioria dos momentos, é
R$ 10.000,00 por cada dia de atraso a possível perceber que o Judiciário encara
partir do trigésimo. A mesma multa foi como problema maior a questão da ocu-
estabelecida ao Estado do Paraná, ao pação da propriedade pelos sem-terra,
Incra e à União caso não realizem o des- quando o problema social que motiva e
pejo forçado em cento e vinte (120) dias. fundamenta a ação dos outros órgãos é a
Com tal medida, ficou mais dificultosa má distribuição de terra país. Muitas
nova negociação, com tentativa de solu- vezes, ainda, fica evidente que essa raiz
ção pacífica do conflito, tornando mais dos problemas agrários – a estrutura
difícil a possibilidade de o Incra disponibi- agrária desigual – não é enfrentada pelo
lizar outra área para assentar as famílias, Estado, e nem mesmo encarada pelos
vez que se coloca um prazo exíguo para atores como um real problema.
a desocupação, sob pena de uma multa Outro ponto a ser ressaltado sobre
exorbitante tanto para os ocupantes o papel do Judiciário é o fato de os pro-
quanto para o Estado. prietários utilizarem de estratégias jurídi-
cas para a paralisação da reforma agrária,
Durante anos, as famílias acampa-
sendo ilustrativo neste caso concreto o
das na Fazenda Santa Filomena espera-
ajuizamento pelos fazendeiros, na Vara
ram a decisão do Poder Judiciário.
Federal de Paranavaí, da Ação
Quando a decisão foi proferida, ela
Declaratória de Produtividade, que sus-
impôs uma solução de certa forma sim-
pendeu o trâmite da Ação de
plista para um problema complexo e,
Desapropriação proposta pelo Incra. Esta
ainda, uma solução de execução ime-
judicialização da política pública de
diata (desocupação em trinta dias) para
reforma agrária pelos latifundiários,
um conflito que envolve oito anos de
levanta a questão sobre a responsabili-
construção de habitações, condições de
dade do Poder Judiciário decorrente da
trabalho, plantações, escola etc.
paralisação dos processos de desapro-
Como demonstrado, a teia formada priação judicializados53. A tática dos
pelos atores sociais e instituições públicas advogados dos grandes proprietários

53
Em 2009, um levantamento preliminar da Procuradoria Federal Especializada do INCRA apontou “a existência de
pelo menos 220 processos de desapropriação obstruídos na Justiça. Eles estão parados em decorrência de ações
judiciais contrárias dos mais variados tipos. Caso esses processos fossem concluídos, seria possível assentar mais
de 11 mil famílias em todo o território nacional”. (INCRA. Relatório do Incra aponta mais de 200 processos de desa-
propriação parados no Judiciário. 27 abr. 2009 16:55. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/index.php/noti-
cias-sala-de-imprensa/noticias/8825-relatorio-do-incra-aponta-mais-de-200-processos-de-desapropriacao-parad
os-no-judiciario>. Acesso em: 25 jan. 2013.

44
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consiste no ajuizamento de ações que o Judiciário negou a participação dos


obstam a desapropriação, como ações moradores da área em uma Ação que
declaratórias de produtividade, ações decidiria o próprio destino deles. Contra
anulatórias de ato administrativo ou ações tal decisão, foram interpostos recursos,
cautelares. E essa estratégia tem sido sendo que um deles ainda não foi julgado
aceita pelo Judiciário.54 pelo Superior Tribunal de Justiça e o outro
foi julgado improcedente, mantendo a
4.3.3. Tribunal Regional Federal
decisão do TRF. O debate nos autos se
da 4ª Região:
esgota na consideração de produtividade
A 4ª Câmara Cível do Tribunal e improdutividade (GUT e GEE), vez que
Regional Federal da 4ª Região tornou-se o Poder Judiciário se exime de considerar
preventa para análise dos casos relaciona- a presença das famílias no local. O
dos ao conflito agrário da Fazenda Santa ingresso dos moradores da área como
Filomena. Logo que foi concedida a limi- assistentes seria importante, inclusive,
nar de reintegração de posse, em 2004, a para que o Judiciário fosse provocado a
decisão foi agravada e o Tribunal Regional se manifestar sobre a matéria de direitos
Federal proferiu decisão em 7 de dezem- humanos que está presente no conflito.56
bro de 2004, deferindo o pedido de atri-
4.3.4. Ministério Público
buição de efeito suspensivo ao Agravo de
Instrumento, nos seguintes termos: O Ministério Público intervém nas
ações que tratam do conflito agrário na
Em sede de cognição sumária, tendo Fazenda Santa Filomena, conforme disci-
em vista as peculiaridades que o plina o artigo 82, inciso III, do Código de
caso encerra, mormente no que se Processo Civil.57 Os pareceres do
refere à dúvida sobre a produtivi- Ministério Público Federal nos agravos
dade do imóvel o que se discute no interpostos pelos proprietários contra a
feito principal, bem como na ação decisão que revogou a liminar de reinte-
declaratória (julgada improcedente) gração de posse foram favoráveis à manu-
e na ação de desapropriação, não tenção da revogação e, assim, à
considero que esteja presente o manutenção das famílias na área até o jul-
necessário fumus boni iuris a autori- gamento da Ação Declaratória de
zar o deferimento do pedido liminar, Produtividade. Neste sentido, segue tre-
ao contrário, a situação apresenta cho de uma manifestação:
evidente polêmica, razão pela qual
[...] os elementos carreados aos
considero que um liminar pode acar-
autos, embora logrem provar certa
retar mais prejuízos do que benefí-
perda patrimonial, nada convencem
cios ao feito, sem falar que considero
acerca de permanente e irreversível
inegável que o periculum in mora
perda, muito menos demonstram
favorece os ora recorrentes.55
ofensa a direito indisponíveis ou pri-
Dessa forma, através dessa decisão, vação do essencial à subsistência.

54
PIVATO, op. cit., p. 224 e 244.
55
Decisão do Relator Desembargador Federal Edgard Lippmann Junior às fls. 368/369 dos autos da Ação de
Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3.
56
PIVATO, op. cit., p. 246.
57
“Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir: III - nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra
rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.”

45
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De modo diverso, a imediata acima, o Ministério Público teve uma pos-


retira[da] dos assentados acarreta- tura condizente com sua função de defesa
ria efeitos sociais indesejáveis e con- dos interesses da sociedade. Entretanto, é
trários aos objetivos declarados pela de se frisar que, durante a audiência de
Carta Republicana de 1988, em tentativa de conciliação realizada em julho
especial os relativos à construção de de 2012, diante do fato de o representante
uma sociedade justa e solidária, à do Incra esclarecer que havia dificuldades
erradicação da pobreza e da margi- em disponibilizar outra área no Estado do
nalização, à redução das desigualda- Paraná para assentar as famílias, o repre-
des sociais e à promoção do bem de sentante do Ministério Público presente na
todos, tudo conforme o vigoroso e audiência perguntou ao Incra se não havia
eloquente princípio da dignidade terras em Estados como Goiás ou Mato
humana.58 Grosso para assentá-las. Assim, não mani-
festou consideração quanto à origem das
No ano de 2012, instado a se mani-
famílias e os vínculos sociais criados no
festar novamente sobre o deferimento da
local. Ressalte-se que, conforme consta no
liminar, o Ministério Público manifestou-se
laudo agronômico-social realizado em
no sentido de aguardar até o desfecho da
2012, que instrui a Ação de Desapropriação
outra ação que discutia a produtividade
Judicial referida acima, a maioria dos
da área, como se vê:
moradores da Fazenda Santa Filomena é
Assim, seria temerário, antes da natural do Paraná, sendo que alguns vie-
decisão definitiva, e marcada para ram de outras regiões do Estado, mas
breve audiência de conciliação entre grande parte é do próprio noroeste para-
as partes, deferir-se uma liminar de naense. Preservam, assim, vínculos com a
reintegração de posse ou declinar o região e têm vontade de manter os laços
feito à Justiça Estadual, tendo em sociais construídos.
vista que tanto a reversão quanto o
Quanto ao papel da Polícia civil e do
provimento provisório concedido
Ministério Público no tocante à questão
seria de difícil concretização, incor-
criminal, é importante ressaltar, ainda, a
rendo em alto custo humano e
situação de morosidade ativa que acabou
material, trazendo prejuízos muito
por produzir um resultado de impunidade
maiores aos réus do que benefícios
no que diz respeito ao assassinato de Elias
aos autores, e possivelmente colo-
de Meura. Após seis anos de paralisação
cando em risco a segurança e a paz
do inquérito policial, o Ministério Público
pública, e até a incolumidade física
do Estado do Paraná promoveu o seu
dos indivíduos. Tais providências
arquivamento. Para justificar o arquiva-
também teriam o efeito prático de
mento, o representante do Ministério
muito provavelmente inviabilizar
Público alegou inexistirem indícios sufi-
qualquer acordo que viesse even-
cientes de autoria delitiva e que, ainda
tualmente a ser exarada na já desig-
que existissem esses indícios, os autores
nada audiência de conciliação.59
da ação teriam praticado o homicídio em
Dessa forma, nas duas manifestações legítima defesa da propriedade.60

58
Fls. 1376 dos autos da Ação de Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3
59
Fls. 1649 dos autos da Ação de Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3
60
Fls. 768/771 dos Autos do Inquérito Policial n° 49/2004.

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4.3.5. Segurança Pública tes violadores em um conflito agrário pode


ser bastante complicada, especialmente
Em relação às instituições públicas
quando se entende que a própria estrutura
ligadas à segurança, como a Polícia Militar,
fundiária desigual, a má distribuição de ter-
é possível perceber que elas estiveram pre-
ras, pode ser considerada uma violação de
sentes nos momentos em que houve con-
direitos. Analisando sob esta ótica, o que
flito físico mais direto entre os atores sociais,
gerou o ato político de ocupação da
como no despejo das famílias que ocupa-
fazenda declarada improdutiva foi o pro-
ram a Fazenda Santa Filomena em 2000.
cesso de violação de direitos pelo qual
O relatório de reintegração de posse passaram as famílias, privadas de garantias
da Polícia Militar do Paraná61 descreve a constitucionais, de direitos fundamentais.
operação de despejo que ocorreu em 24 Constitucionalmente, a reforma agrária
de fevereiro de 2000, deixando trinta (30) constitui uma política pública (art. 184), e
ocupantes da área feridos, entre eles crian- o acesso à terra um direito (art. 5º, caput),
ças e adolescentes, além de três (3) poli- assim como a habitação e o exercício de
ciais. Na desocupação forçada, foram um trabalho (art. 6º).
presas onze (11) pessoas, nove (9) delas sob
Toda propriedade deve cumprir sua
a justificativa de desobediência, uma por
função social. Dessa forma, quando os pro-
formação de quadrilha ou bando e uma por
prietários de um imóvel rural mantêm o
porte de arma. Aqui, desponta a questão
seu imóvel improdutivo, estão violando um
da criminalização dos movimentos e mili-
direito, cujo titular é a própria sociedade.
tantes sociais, quando atos políticos de
Para além disso, a contratação de milícias
protesto e reivindicação de direitos, como
privadas para “proteger” imóveis rurais de
o caso da ocupação de terra são transfor-
ocupações constitui em si um crime, sem
mados em crimes no discurso e na atuação
fundamento de validade ou legitimidade.
dos agentes de justiça e segurança pública.
Como se verifica em diversos docu-
Fato relevante é o envolvimento da
mentos levantados pela pesquisa de
Polícia Militar na milícia privada que
campo, como ofícios endereçados aos
atuava ilegalmente contra o MST, o que foi
poderes públicos, denúncias às autorida-
demonstrado na “Operação Março
des e organismos internacionais, reco-
Branco” da Polícia Federal. A operação
mendações e condenações do Sistema
desvendou que a milícia era chefiada pelo
Interamericano de Direitos Humanos da
então Coronel da Polícia Militar. Tais fatos
OEA, inquéritos policiais e processos judi-
são aprofundados no item a seguir, sobre
ciais, o uso dessas milícias pelos grandes
os agentes violadores privados.
proprietários do Paraná, sendo que, antes
da morte de Elias de Meura, outros traba-
lhadores rurais sem-terra do Estado foram
5. Agentes privados
assassinados em despejos ilegais ou em
Uma análise profunda sobre os agen- emboscadas e manifestações62. A maioria

61
O Relatório da PM consta às fls. 628/648 dos autos da Ação de Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3.
62
Como o caso de Sebastião Camargo Filho, morto em 7 de fevereiro de 1998 (com recomendações ao Estado
Brasileiro, algumas até hoje sem cumprimento); o Caso n. 12.478, sobre o assassinato de Sétimo Garibaldi, em 27
de Novembro de 1998 (com sentença condenatória do Brasil exarada pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos); o Caso n. 11.517, sobre a execução de Diniz Bento da Silva, o Teixeirinha, cometida por policiais militares
em Campo Bonito, em 8 de Março de 1993 (igualmente com recomendação não cumpridas pelo Estado Brasileiro).

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dos crimes ocorreu com a participação ou Março Branco” da Polícia Federal. Tal ope-
com a conivência da Polícia Militar – atra- ração policial desarticulou uma quadrilha
vés da formação de grupos armados, armada especializada no patrulhamento
milícias privadas, contratadas pelos fazen- de fazendas ocupadas por membros do
deiros63, como foi o caso do assassinato MST e sua subsequente desocupação for-
do trabalhador Elias de Meura e do pró- çada. A quadrilha também praticava o
prio Poder Judiciário nacional, que se crime de tráfico internacional de armas e
mostra omisso e, por vezes, protagonista violações diversas aos direitos humanos.
dessas violações.64 Oito pessoas foram presas, incluindo um
Tenente-Coronel da Polícia Militar do
Para explicitar melhor o contexto
Estado do Paraná. Houve a apreensão de
das milícias privadas especializadas em
armas de diversos calibres usadas pelos
perseguir trabalhadores sem-terra no
membros da quadrilha.
Paraná, é bastante elucidativo descrever
o contexto do assassinato de Elias
Gonçalves de Meura e as investigações
sobre o homicídio – ou a falta de investi- 6. Quadro de Agentes e
gações. Essa conjuntura evidencia o papel Instituições Envolvidas no
não só dos proprietários e da milícia como Conflito
violadores de direitos, mas do próprio O Quadro 5 é ilustrativo da comple-
Estado com um agente que contribui para xidade social e institucional que envolve o
gerar e perpetuar conflitos agrários. conflito fundiário na Fazenda Santa
Depois do despejo ilegal e violento Filomena, revelando uma teia de agentes
e do assassinato de Elias de Meura, foi ins- e instituições que sugere também o sen-
taurado, na delegacia de Terra Rica, o tido e o caráter da complexidade que uma
Inquérito Policial nº 46/04, pelo qual se adequada solução do referido conflito rei-
buscou investigar a ocorrência de delitos vindica.
e sua autoria. Contudo, após anos de
investigação, o Ministério Público do
Estado do Paraná opinou pelo arquiva- 7. Quadro da Judicialização
mento do inquérito policial. do Conflito
As provas contidas nos autos do Como foi possível observar, à com-
inquérito também apontam que a situa- plexidade social e institucional corres-
ção ocorrida na Fazenda Santa Filomena ponde também uma intensa prática
não consistiu um fato isolado. A manuten- litigante envolvendo os respectivos sujei-
ção da milícia armada estava ligada à qua- tos, agentes e instituições, conforme o
drilha que fora investigada na “Operação Quadro 6 (página 50) demonstra.

63
Segundo declaração notória de Humberto Sá (representante do Primeiro Comando Rural, PCR), no dia 10 de março
no Jornal do Estado, da Rede Paranaense de Televisão, onde assume abertamente a formação desta quadrilha de
pistoleiros: “Será formada ou criada uma força tarefa, uma milícia, como quer que seja chamado, ou contratação
de uma firma especializada para que tenhamos proteção fora dos padrões normais”. Ainda afirma: “Se formos
agredidos, certamente nos defenderemos com as armas que tivemos disponíveis”. (Disponível em:
<http://www.pco.org.br/conoticias/ler_materia.php?mat=14415>. Acesso em: 17 jan. 2012).
64
A Corte Interamericana de Direitos Humanos já reconheceu tais fatos, como no Caso n. 12.353 (Arley José Escher
e Outros contra Brasil), entre outros.

48
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Quadro 5 - Agentes e Instituições Envolvidas no Conflito

SOCIEDADE CIVIL ESTADO


Sujeitos Entidades Agentes Sistema de Justiça
Coletivos de Sociedade Privados Poder Ministério Defensoria Poder Poder
Direitos Civil Judiciário Público Pública Executivo Legislativo
MST Terra de Latifundiários Vara Federal Ministério Presidência
Direitos de Público da
Paranavaí Federal República
Universidades Milícias Tribunal Ministério Ouvidoria
privadas Regional Público do Agrária
Federal da Estado do Nacional/
4ª Região Paraná MDA
Associações UDR 1ª Vara Cível Secretaria
de da Comarca de Direitos
Produtores de Terra Humanos
Rurais Rica/PR Presidência
da República
Coletivos de Veículos Assessoria
comunicação Midiáticos de Assuntos
popular Fundiários
do Governo
do Estado
do Paraná
Assessoria Incra
Jurídica
Universitária
Governo do
Estado do
Paraná
Polícia Militar
Advocacia
Geral da
União

8. Panorama atual do conflito primeiro deles é que parte das famílias


foi contemplada por outros dois projetos
Em setembro de 2012, quando foi de assentamentos na região (Pré-assen-
concedida a liminar de reintegração de tamento Milton Santos em Planaltina do
posse em favor dos fazendeiros, mora- Paraná e Pré-assentamento Companheira
vam 76 famílias na Fazenda Santa Roseli Nunes em Amaporã). Outro ele-
Filomena. Inicialmente, em 2004, a ocu- mento que contribuiu para a diminuição
pação foi realizada por cerca de 400 do número de famílias foi o fato de a
famílias. Segundo o Laudo Agronômico área da fazenda ser insuficiente para o
e Social sobre o “Pré-Assentamento Elias assentamento de todas as 400 que a
de Meura”, elaborado em maio de 2012 a ocuparam. Assim, esse deslocamento
fim de dar suporte à propositura da se deu mediante consenso entre as
Ação de Desapropriação judicial, a redu- famílias, representantes do MST e o
ção no número de famílias acampadas se Governo Federal, através do Incra. A
deu principalmente por dois motivos. O área da fazenda, conforme registrado

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Quadro 6 – Judicialização do Conflito

Categorias Classe Processual Manejada


de Justiça Justiça
Observação
Litigantes Cível Criminal
Advocacia Sujeitos Pedido de Assistência para Pedido negado sem a
Popular Coletivos de figurar junto ao Incra na Ação apreciação do mérito
Direitos Declaratória de Produtividade
Advocacia Sujeitos Ação de Desapropriação Objetivo: Desapropriação da
Popular Coletivos de Judicial fazenda em favor das famílias
Direitos acampadas com fundamento no
art. 1.228, §§ 4º e 5º do Código Civil.
Agentes do Procuradoria Ação de Desapropriação Objetivo: Desapropriação por
Estado do Incra interesse social para Reforma
Agrária com fundamento na
improdutividade do imóvel.
Agentes Proprietários da Ação Cautelar Objetivo: Concessão de liminar
Privados fazenda para suspender o andamento do
processo administrativo de
desapropriação.
Proprietários Ação Cautelar Objetivo: Produção antecipada de
da fazenda provas para ingresso com Ação
Declaratória de Produtividade
Proprietários Ação Declaratória de Objetivo: Declaração de que a
da fazenda Produtividade Fazenda Santa Filomena é
produtiva
Proprietários Ação de Reintegração Objetivo: Concessão de
da fazenda de Posse reintegração da posse do imóvel
aos proprietários
Total 3 7 0 Total Ações Judiciais: 10

pelo Incra no Decreto de 1997, é de trabalho das famílias sem-terra perderia


1.889,50 hectares. seu principal fundamento. Entretanto,
mesmo com a possibilidade jurídica de
Depois da decisão de reintegração se suspender o cumprimento da liminar
de posse, as lideranças do Acampamento ante o risco de lesão grave e de difícil
Elias de Meura relataram que houve certa reparação, a juiz competente decidiu
desmobilização das famílias, que foram manter sua posição.
tomadas, de alguma maneira, por um
desânimo diante da forma como o Com o risco de despejo eminente, o
Judiciário tratou o caso. MST buscou negociar com o Incra e o
Governo do Estado, através da Assessoria
Contra a decisão do Juízo Federal de Assuntos Fundiários do Paraná, uma
de Paranavaí, foram interpostos diversos área para assentar essas famílias, evitando
recursos pelos advogados da Terra de o despejo forçado e garantindo que as
Direitos visando reverter a situação ou, famílias tivessem minimamente um local
ao menos, suspender o cumprimento da para morar. Ou seja, o Poder Judiciário, na
liminar – vez que, uma vez cumprida e verdade, ao dar uma solução formal para
realizado o despejo, a Ação de Desa- o caso, acabou consolidando um pro-
propriação Judicial baseada na posse- blema social que outros atores sociais

50
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envolvidos no processo tentaram solucio- almejado. Da mesma forma, a impunidade


nar de forma material, com garantia efe- sobre o assassinato do camponês Elias
tiva dos direitos das famílias envolvidas. Gonçalves de Meura permanece.

Dessa forma, depois de mais de oito


Como se vê, um caso de complexi-
anos acampadas na região Noroeste do
dade como este coloca permanentemente
Paraná, cerca de 60 famílias que moravam
a necessidade de buscar ações estratégi-
na Fazenda Santa Filomena foram assen-
cas articuladas entre várias entidades, uma
tadas, em abril de 2013, no município de
construção coletiva entre a Sociedade Civil
Carlópolis, região norte do Estado.
e as instituições públicas. Entretanto, tanto
A criação do assentamento em a ação institucional quando a ação da
Carlópolis foi reconhecida como uma Sociedade Civil visando a efetivação dos
vitória para as famílias, que agora têm direitos dos trabalhadores sem-terra apre-
definitivamente um lugar para viver e tra- sentaram limites, esbarrando na decisão
balhar. Por outro lado, a denúncia feita judicial de reintegração de posse. A
pelo MST – quando da ocupação da área Fazenda Santa Filomena, declarada área
–, sobre a improdutividade da Fazenda de interesse social para fins de reforma
Santa Filomena e a necessidade de sua agrária por Decreto Presidencial, ao final,
desapropriação, não teve o resultado não foi desapropriada.

51
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Caso nº 3
Conflito Tradicional – Caso da
Comunidade Quilombola Manoel Ciriaco –
Guaíra - Estado do Paraná

1. Histórico do conflito situação sociocultural colocou a comuni-


dade em uma condição de exclusão social
A comunidade quilombola Manoel
e econômica que dificultou muito a sua
Ciriaco dos Santos está localizada na zona
sobrevivência. Desde que chegaram à
rural do Município de Guaíra, Estado do
região, coube a seus integrantes a realiza-
Paraná, na localidade conhecida como
ção dos trabalhos menos valorizados
Maracaju dos Gaúchos. Atualmente, cerca
social e financeiramente, além da exclusão
de dez famílias quilombolas vivem nos
sociorracial que marca a comunidade.
dez alqueires de terras que foram com-
Essa situação conflituosa, entretanto,
prados por Manoel Ciriaco dos Santos na
sempre foi mascarada, como é próprio da
década de 1950. A situação de conflito
expressão do preconceito racial no Brasil.
coletivo pela posse da terra rural que a
comunidade enfrenta hoje está intima- Porém, foi a partir do ano de 2007
mente ligada à história de preconceitos que a situação de conflito entre os qui-
raciais típicos de um Estado que se afirma lombolas e os não quilombolas da região
de colonização europeia. de Maracaju dos Gaúchos tornou-se explí-
A história desta comunidade quilom- cita e grave. Pois foi nesse ano de 2007
bola é singular quanto à ocupação territo- que a comunidade quilombola passou de
rial em Guaíra. Os integrantes da uma histórica situação de passividade nas
comunidade descendem de negros e relações socioeconômicas que lhes eram
negras que foram escravizadas no desfavoráveis, para passar a lutar pela
Município de Itambé do Serro, no Estado titulação do território quilombola nos
de Minas Gerais. Após o período escravo- marcos do Decreto Federal 4887/03.
crata, já na década de 1950, um grupo de
O início dos trabalhos do Incra para
pessoas, lideradas por Manoel Ciriaco dos
a titulação do território, o que com-
Santos, migrou da região de Itambé do
preende uma ação do Estado para desti-
Serro, Minas Gerais, para a região de Guaíra,
nar mais terras aos quilombolas, foi o
no Paraná. Com muito esforço e trabalho,
estopim da atual situação de conflito na
os familiares de Manoel Ciriaco dos Santos
região. Os proprietários rurais vizinhos
compraram dois lotes de terras na locali-
dos quilombolas, com o apoio de proprie-
dade rural conhecida como Maracaju dos
tários rurais de outras regiões políticos e
Gaúchos e lá se estabeleceram.
agentes de estado, iniciaram um processo
A comunidade quilombola Manoel intenso de ações violentas contra a comu-
Ciriaco dos Santos é a única negra na nidade e contra os agentes públicos que
localidade do Maracaju dos Gaúchos. Essa tinham como missão dar andamento ao

52
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processo de titulação do território qui- vel, intensificou-se e tornou-se expresso


lombola. quando os quilombolas passaram a se
mobilizar por direitos e tiveram alguma
Com o objetivo de impedir que a
resposta positiva por parte do Estado.
comunidade tivesse êxito no seu pleito
pela titulação do território os proprietá-
rios rurais da região ameaçaram de morte
2. Natureza dos direitos
a atual liderança da comunidade; impedi-
reivindicados
ram que funcionários do Incra fizessem
estudos de campo; roubaram materiais e Os direitos reivindicados pela comu-
mantiveram funcionários do Incra em cár- nidade quilombola Manuel Ciriaco dos
cere privado; impediram que o Incra Santos têm natureza fundamental, são
entregasse cestas básicas na comunidade, direitos econômicos, sociais, culturais e
entre outras tantas ações65. ambientais. A comunidade luta por políti-
cas públicas para a produção no campo,
Frise-se que os opositores dos qui-
luta para manter sua cultura viva e respei-
lombolas também buscaram sufocar eco-
tada na região, luta para ter acesso a ser-
nomicamente a comunidade, para que,
viços básicos de educação, entre outros
assim, desistissem do pleito pela titulação
direitos humanos.
do território, vendessem suas terras e se
retirassem da região. Para tanto os pro- Contudo, para fins deste trabalho,
prietários rurais deixaram de contratar merece especial relevo a luta da comuni-
integrantes da comunidade para trabalhar dade pela titulação de seu território qui-
na roça por diárias, como era de costume. lombola. Após quase meio século da
Da mesma forma, passaram a coagir chegada dos primeiros integrantes da
comerciantes da região a não empregar comunidade à região, os atuais integran-
membros da comunidade e a dificultar tes do grupo têm dificuldades de se man-
qualquer atividade econômica da comu- terem no campo em razão da pouca terra
nidade na região66. Também com esse que possuem. Apesar de nunca terem
objetivo, diziam inverdades aos quilom- tido acesso a uma porção de terra que
bolas quanto ao direito de titulação. fosse necessária para manter o grupo sem
que fossem necessários trabalhos exter-
Dado esse breve contexto, é possível
nos, hoje a comunidade ocupa uma área
afirmar que a situação de conflito está ali-
que tem cerca da metade da área original.
cerçada na ação violenta e racista que
Se acaso a comunidade não obtiver êxito
proprietários rurais engendraram no
na sua luta pela titulação do território, há
momento em que observaram que a
uma grande possibilidade de desagrega-
comunidade quilombola poderia vir a ter
ção do grupo como comunidade rural.
algum êxito no pleito pela titulação de seu
território. O conflito, que, desde a década Assim, os direitos reivindicados têm
de 1950, era mascarado e colocava os qui- natureza fundamental e são essenciais
lombolas sempre em posição desfavorá- para a continuidade da existência do

65
Fonte: parecer Incra SR(09) F4/nº 003/2010 e termo de declarações de Joaquim dos Santos, Adir Rodrigues dos
Santos ao Ministério Público Federal em 19 de outubro de 2009.
66
Termo de declarações de Joaquim dos Santos, Adir Rodrigues dos Santos ao Ministério Público Federal em 19 de
outubro de 2009, termo de declarações de Adir Rodrigues dos Santos à Polícia Federal em 24 de novembro de
2009 e parecer Incra SR (09) F4/nº 003/2010.

53
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grupo como tal, nos termos do art. 68 do acesso a outros serviços (como a entrega
ADCT e da Convenção 169 da Organi- de sextas básicas) e, de outro, tem violado
zação Internacional do Trabalho (OIT), direitos da comunidade, seja pela grande
sendo diretamente referidas a políticas lentidão do processo de titulação67, seja
públicas de titulação dos territórios qui- pelo erro cometido com a contratação da
lombolas, vinculadas ao Incra e SEPPIR. ONIOESTE para realização do Laudo
Antropológico68. Também atuou reali-
zando reuniões com proprietários rurais
3. Agentes sociais não quilombolas para informar sobre os
procedimentos que seria adotados no
O principal agente social envolvido
processo administrativo de titulação.
no conflito, na qualidade de sujeito cole-
tivo de direitos, é a própria comunidade Polícia Federal: atuou nas situações
quilombola Manoel Ciriaco dos Santos. em que o conflito físico envolveu proprie-
Também atua no conflito a Federação das tários rurais e os funcionários do Incra. De
Comunidades Quilombolas do Paraná forma geral, atuou para garantir que o
(FECOQUI) e a Coordenação Nacional Incra pudesse realizar suas atividades
das Comunidades Negras Rurais Quilom- ante às ameaças advindas de proprietá-
bolas (CONAQ). rios rurais.

A Terra de Direitos é uma organiza- Ministério Público Federal: atuou nas


ção da sociedade que atua assessorando situações de conflito, ajuizando ações
juridicamente a comunidade, principal- penais contra os proprietários rurais que
mente no monitoramento do processo teriam praticado crimes contra os inte-
administrativo de titulação e nas situa- grantes do Incra69. Também monitora o
ções de conflito explícito, tendo realizado, processo de titulação do território qui-
por exemplo, o pedido de ingresso da lombola no Incra. Ajuizou ação civil pú-
comunidade e o acompanhamento do blica para coagir o Incra a realizar a
caso no Programa Nacional de Defen- titulação do território em doze meses70.
sores de Direitos Humanos. Justiça Federal: processou ações
penais contra os proprietários rurais não
quilombolas e processa a ação civil
4. Instituições públicas pública ajuizada pelo Ministério Público
envolvidas Federal.

Incra: órgão responsável pelo pro- SEPPIR: a SEPPIR teve uma atuação
cesso de titulação do território quilom- relevante para assegurar direitos da
bola. É ao mesmo tempo violador e comunidade, seja através da realização de
garantidor dos direitos da comunidade. De reuniões informativas com proprietários
um lado, tem buscado garantir os direitos rurais não quilombolas, seja através do
da comunidade dando andamento ao pro- monitoramento do processo administra-
cesso de titulação e possibilitando o tivo de titulação junto ao Incra

67
Processos administrativos MEMO SR (09) F 519/2008.
68
Parecer Incra SR (09) F4/nº 003/2010.
69
Ação Penal nº 5000888-10.2012.404.70, Ação Penal nº 5000919-64.2011.404.70, Ação Penal nº 5000920-
49.2011.404.7017.
70
Ação Civil Pública 5001103-83.2012.404.7017.

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UNIOESTE: teve uma atuação fla- ajudaram a fortalecer a comunidade, ao


grante contra as comunidades quilombo- tempo em que demonstrou aos opositores
las na medida em que dois professores dos direitos dos quilombolas que o estado
desta instituição foram indicados para também atua em defesa da comunidade.
realizar o laudo antropológico da comu-
Grupo de trabalho Clóvis Moura:
nidade. Ao elaborarem o laudo, negaram
órgão do Estado do Paraná que realizou
à comunidade, explicitamente, a condição
um levantamento sobre as comunidades
de quilombola e o direito ao território. O
quilombolas do Estado. Foi um dos pri-
laudo não foi recebido oficialmente pelo
meiros órgãos públicos a dialogar com a
Incra e os professores sofreram represen-
comunidade sobre a questão dos quilom-
tação ante à Associação Brasileira de
bolas. A iniciativa de contato com a
Antropologia71.
comunidade foi muito importante para
Supremo Tribunal Federal: pode ser que esta pudesse se reconhecer como
considerado um violador dos direitos da remanescente das comunidades dos qui-
comunidade na medida em que deixa de lombos. Contudo, ao dialogar com a
declarar a constitucionalidade formal de comunidade sobre as políticas públicas
material do Decreto Federal 4887/03 nos que teriam direito, não os alertou sobre os
autos da Ação Declaratória de Inconstitu- conflitos que poderiam advir com a busca
cionalidade 4887/03. Essa situação gera por essas políticas, inclusive a territorial.
insegurança para órgãos públicos, a Tal fato colocou a comunidade em uma
exemplo do Incra, e é utilizada por grupos situação de extrema vulnerabilidade.
contrários ao interesse da comunidade Partido Democratas: partido político
para deslegitimar o direito constitucional que ajuizou a ADI 3239 no STF, gerando
de acesso ao território da comunidade instabilidade no direito de titulação dos
quilombola. territórios quilombolas, inclusive no caso
Polícia Civil: teve uma atuação pou- em apreço.
co eficaz na investigação dos crimes Deputado Estadual Élio Rusch: visi-
cometidos contra os integrantes da co- tou a área de conflito em atuação
munidade quilombola, não contribuindo expressa contra o direito da comunidade
para refrear as ações ilegais contra a quilombola, chegando mesmo a afirmar
comunidade. que a comunidade não era quilombola73.
Programa Nacional de Proteção a
Defensores de Direitos Humanos: teve
5. Agentes privados
uma atuação positiva na medida em que
incluiu uma das lideranças da comunidade Proprietários Rurais: grupo de pro-
no programa72. A inclusão no programa e prietários rurais da região do conflito, que
as visitas e monitoramentos à distância se opõe à titulação do território quilom-
feitos pela equipe técnica do programa bola. O grupo é formado tanto por pro-

71
Representação realizadas pela Terra de Direitos à Associação Brasileira de Antropologia, fevereiro de 2011.
72
Fonte: <http://novoportal.sdh.gov.br/importacao/noticias/ultimas_noticias/2010/06/24-jun-2010-programa-de-
protecao-aos-defensores-de-direitos-humanos-vai-em-missao-a-comunidade-quilombola-em-guaira-pr>. Acesso
em: 31 jul. 2013.
73
Fonte: <http://www.aquiagora.net/noticias/ver/4221/Para-Rusch-caso-de-Maracaju-dos-Gauchos-e-agressao-ao-
estado-de-direito/>. Acesso em: 31 jul. 2013.

55
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prietários rurais, que podem vir a ser afe- 6. Quadro de agentes e


tados em uma situação de desapropria- instituições envolvidas
ção, como por pessoas que não serão no conflito
atingidas diretamente pelas desapropria-
ções ou outras medidas do estado. Atuam O Quadro 7 é ilustrativo da comple-
de forma a impedir que a comunidade xidade social e institucional que envolve o
tenha acesso a políticas públicas, princi- conflito fundiário na Comunidade
palmente a de titulação do território, Quilombola Manoel Siriaco, revelando
agindo muitas das vezes de forma ilegal. uma teia de agentes e instituições que
Há fundada suspeita de que estão envol- sugere também o sentido e o caráter da
vidos nas ameaças a integrantes da complexidade que uma adequada solu-
comunidade e funcionários do Incra. ção do referido conflito reivindica.

Quadro 7 - Agentes e Instituições Envolvidas no Conflito

SOCIEDADE CIVIL ESTADO


Sujeitos Entidades Sistema de Justiça
Agentes Poder Poder
Coletivos de Sociedade Poder Ministério Defensoria
Privados Executivo Legislativo
Direitos Civil Judiciário Público Pública
Comunidade Terra de Proprietários Supremo Ministério SEPPIR Dep.
quilombola Direitos Rurais Tribunal Público Estadual
Manuel Federal Federal Élio Rusch
Ciriaco dos
Santos
Federação Incra Partido
quilombola Democrata
do Estado
do Paraná
CONAQ Programa
Nacional de
Defensores e
Defensoras
de Direitos
Humanos
Polícia
Federal
Grupo de
trabalho
Clóvis Moura
- do Estado
do PR
Polícia Civil
Universidade
do Oeste
do Paraná

7. Quadro da Judicialização ponde, também, uma intensa prática liti-


do Conflito gante envolvendo os respectivos sujeitos,
agentes e instituições, conforme o
Como foi possível observar, à com-
Quadro 8 demonstra:
plexidade social e institucional corres-

56
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Quadro 8 - Judicialização do Conflito

CASO COMUNIDADE QUILOMBOLA MANOEL SIRIACO


Classe Processual Manejada
Categorias de Litigantes
Justiça Cível Tipo Penal Observação
Advocacia Popular

Agentes do Estado Ministério Público Ação Civil Pública Busca-se a titulação do


Federal território em 12 meses
Ministério Público Injúria em razão de Agentes privados
Federal raça, cor, etnia, processados por ato contra
religião funcionários do INCRA
e contra a comunidade.
Absolvidos
Ministério Público Ameaça Agentes privados
Federal processados por ato contra
funcionários do Incra e
contra a comunidade.
Absolvidos
Ministério Público Sequestro e Cárcere Agentes privados
Federal Privado; Auxílio à processados por ato contra
fuga de autoridade; funcionários do Incra e
contra a comunidade.
Absolvidos
Agentes Privados
Total 1 1 3 Total Ações Judiciais 5

8. Panorama atual do conflito A atuação da Polícia Federal e do


Ministério Público Federal nas questões
No atual momento, a situação de
relacionadas aos crimes cometidos pelos
conflito permanece, principalmente ante
fazendeiros também contribuiu para que as
às incertezas quanto ao desfecho final do
intimidações e violências praticadas contra
processo administrativo de titulação do
a comunidade arrefecessem. Contudo, a
território quilombola. A fragilidade da
absolvição de todos os proprietários rurais
política pública de titulação de territórios
nos processos criminais abre caminhos
quilombolas é o principal entrave para a
para novas ações truculentas. Estima-se
solução do conflito.
que, se o Incra efetivamente voltar a traba-
No atual momento, a situação não lhar pela titulação do território, as situações
está exacerbada quanto à dimensões vio- de conflito podem se acirrar.
lentas do conflito. Isso, porque a comuni-
dade consegue, ainda que de forma Acredita-se que só há possibilidade real
precária, sobreviver com políticas públicas de resolução do conflito se for garantido o
como o Bolsa Família, entrega esporádica direito de acesso à terra para a comunidade
de cestas básicas e programas como o quilombola Manoel Ciriaco dos Santos. Sem
Compra Direta. Por outro lado, a ausência a garantia desse direito a comunidade per-
de capacidade do Incra em dar andamento manecerá em situação de vulnerabilidade
ao processo administrativo de titulação faz social e econômica. A continuidade da luta
com que os opositores da comunidade da comunidade pelo acesso à terra não dei-
não adotem medidas mais enérgicas para xará de gerar reações por parte de grupos
tentar inviabilizar a titulação do território. opositores e o conflito dificilmente cessará.

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Caso nº 4
Conflito Tradicional – Caso da Terra
Indígena Maró – Gleba Nova Olinda I,
Santarém - Estado do Pará

1. Histórico do caso A Gleba Nova Olinda I é a área na


qual a TI Maró está sobreposta e onde
A Terra Indígena Maró compreende
tem sido palco de conflitos que perdu-
as etnias Borari e Arapium e está locali-
ram ao longo dos últimos anos, moti-
zada na margem esquerda do rio Maró,
vados pela disputa por terras, pela
município de Santarém, oeste do Pará.
exploração e uso de seus recursos natu-
Com uma população de 239 habitantes,
rais e pela indefinição fundiária. A luta do
distribuídos em 43 famílias, a TI Maró é
povo indígena Borari-Arapiun na conso-
constituída pelas aldeias Novo Lugar,
lidação e defesa de sua identidade e de
Cachoeira do Maró e São José III, em uma
seu território se identifica com a história
área aproximada de 42.373 ha74.
recente da Nova Olinda I.
A Terra Indígena Maró está encra-
vada numa vasta extensão de terras públi- Em 2000, o Instituto de Terras do
cas devolutas75 sob a jurisdição do Estado Pará (ITERPA) iniciou os trabalhos para a
do Pará76 denominadas Gleba Nova Olinda destinação e a delimitação da área para a
I, Gleba Nova Olinda II, Gleba Nova Olinda população tradicional local. Durante as reu-
III, Gleba Mamuru e Gleba Curumucuri, niões, “ficava claro que o governo do Pará
sudoeste do Município de Santarém e sul pretendia destinar o restante que sobraria
do município de Juruti, numa região mar- para outras atividades econômicas, como
cada por um alto potencial de recursos os Planos de Manejo Florestais e planta-
naturais e pela multiplicidade cultural e ções de soja78”. Nesse ínterim, “já se identi-
territorialidades tradicionais, sendo resi- ficava a presença e a movimentação de
dentes comunidades indígenas, extrativis- pessoas estranhas” requerendo protocolos
tas, pescadores e ribeirinhos77. de posse na gleba79, alguns até em áreas

74
Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação dos Limites da Terra Indígena “Maró” (Rio Maró), elabo-
rado conforme a Portaria nº 14/MJ/1996, processo nº 086620.000294/2010-DV. A TI Maró ainda aguarda a demar-
cação de seu território.
75
Portaria do ITERPA nº 798, de 22 de dezembro de 1999.
76
O Decreto-Lei nº 2.375/87 revogou o Decreto-Lei nº 1.164/71, que havia federalizado grandes extensões de terras
dos Estados-membros, pois declarava indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacionais as terras devo-
lutas situadas na faixa de cem quilômetros de largura em cada lado do eixo das rodovias na Amazônia Legal, já
construídas, em construção ou projetadas (art. 1º).
77
Relatório Ambiental da TI Maró, elaborado conforme portaria nº 14/MJ/96, Decreto 1775/96 e Portaria Funai nº
775/08, fls. 586/639 do processo nº 086620.000294/2010-DV/Funai.
78
A lei estadual nº 6.745/05, a despeito do conflito entre madeireiras e comunidades tradicionais, instituiu a área da
Gleba Nova Olinda I como “zona destinada a consolidação de atividades produtivas”.
79
Em outubro de 2003, o Ibama constatou a existência de um grupo de 50 pessoas, notadamente madeireiros, que
pretendiam montar uma Cooperativa do Oeste do Pará (COOEPA), cada um com uma área demarcada de 2.500
ha, além de outras áreas que invadiram, com derrubadas ilegais, forjando documentos, alegando serem moradores
da região. O Ibama ainda constatou a abertura de mais de 109 km de estradas em meio à floresta nativa para con-
cretizar a exploração ilegal na área.

58
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que sobrepunham às pretensões das moradores acerca da ordenação de seus


comunidades (BRITO, 2010). Denúncias já territórios e acompanhar os trabalhos da
davam conta da situação conflituosa na demarcação na área83. Por outro lado,
região.80 também foi fundada pelas comunidades
A partir da pressão de organizações Fé em Deus, Repartimento, Sociedade
e movimentos sociais, o Ibama, em outu- dos Parentes e Sempre Serve a
bro de 2003, realizou fiscalizações na área Associação das Comunidades dos
e recomendou no seu Relatório Técnico Trabalhadores Rurais do Maró (ACO-
de Vistoria e Fiscalização a necessidade TARM), que passou também a realizar
da presença efetiva dos órgãos responsá- reuniões com o intuito de propagar as
veis na Gleba Nova Olinda I, a fim de ideias de promoção do desenvolvimento
garantir a efetivação dos direitos dos local, com o apoio da organização dos
moradores locais e a preservação dos madeireiros por meio da Cooperativa do
recursos naturais, tendo em vista a cons- Oeste do Pará (COOEPA). A ACOTARM
tatação de grilagem de terras, desmata- apregoava que a oferta de empregos
mento e exploração ilegal de madeira81, as pelos empresários do setor madeireiro
violações dos direitos das comunidades seria a melhor saída para a gleba.
locais e dos trabalhadores locais das Acusava, ainda, que os contrários a essa
empresas madeireiras, a cooptação de proposta atrasavam o desenvolvimento
lideranças82, a presença de grupos arma- da região e que estavam a serviço de
dos e a sobreposição de áreas estaduais organizações não governamentais
e federais, entre outros. estrangeiras (BRITO, 2010).

Sem uma atuação efetiva do Ao invés de viabilizar as reivindica-


ITERPA e da Funai e o aumento da pres- ções de regularização fundiária das
são madeireira e por terras, foi criado comunidades, coibir a presença de grilei-
por movimentos sociais e organizações, ros e a prática de crimes ambientais, o
em 2004, o “Grupo de Trabalho em Estado do Pará resolve, em 2006, criar
Defesa da Nova Olinda”, com o objetivo uma regularização fundiária provisória,
de promover discussões orientadas aos concedendo na área 4 Autorizações de

80
O Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém expediu, desde 2002, uma série de ofícios ao
Ministério da Justiça, à OAB/PA, à Delegacia do Ministério do Trabalho em Santarém, ao ITERPA, ao MPE-PA, ao
MPF, ao Ibama, ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, ao Ouvidor Agrário Nacional, ao Incra, ao Ministério do
Meio Ambiente e à Polícia Federal em Santarém relatando grilagens, trabalho escravo, pessoas portando armas
de fogo, ameaças e violações de direitos e a tentativa de cooptação das lideranças comunitárias. A grande maioria
dos ofícios não teve respostas. Também foram realizados diversos convites para as mesmas autoridades se faze-
rem presentes nas assembleias promovidas pelas comunidades da Gleba Nova Olinda I, sem sucesso.
81
Autos de Infração - Ibama nº 370444-D; nº 370445-D, nº 370446-D, nº 370447-D, nº 370448-D, nº 370449-D, nº
370450-D, nº 012826 – D e nº 012828 – D, lavrados, em sua maioria, em face de gerentes de madeireiras da região,
por conta de crimes ambientais (art. 50 e 51 da lei nº 9.605/98) e resultando em R$ 205.279,41 em multas. Entre
os autuados, consta o deputado estadual Antonio Rocha (PMDB-PA).
82
Um morador da comunidade Sociedade dos Parentes, Rio Aruã, Gleba Nova Olinda I, registrou ocorrência na
Delegacia de Polícia Federal relatando que um servidor do Ibama ofereceu-lhe R$ 15.000,00 a fim de que con-
vencesse outras comunidades a não aceitarem a regularização coletiva na gleba. O informante teria sofrido diver-
sas ameaças e foi inserido no programa de proteção às testemunhas, onde ficou por 5 anos. O inquérito policial
tramita em segredo de justiça;
83
Integrava o GT: o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR/STM), Comissão Pastoral
da Terra (CPT), Federação dos Trabalhadores na Agricultura dos Estados do Pará e Amapá (FETAGRI), Projeto
Saúde & Alegria (PSA), Colônia de Pescadores Z – 20, Associação Cooperativa dos Trabalhadores Agroextrativistas
no Oeste do Pará (ACOSPER), Conselho Nacional dos Seringueiros (atual Conselho Nacional das Populações
Extrativistas – CNS), Tapajoara, Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns (CITA), Centro de Formação e Pesquisa dos
Trabalhadores do Baixo Amazonas (CEFTBAM).

59
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Detenção de Imóvel Público84 (ADIP’s) e cação dos indígenas87e88. O órgão ambi-


25 lotes da gleba a pessoas diversas dos ental federal constatou, ainda, 47 falhas
antigos habitantes85, sobrepondo áreas graves na execução dos Planos de
ocupadas pelas antigas populações e de Manejo Florestais e uma pista de pouso
uso dos Borari-Arapiun, aumentando o construída sem autorização no interior
conflito sobre a titularidade das áreas. da gleba. A SEMA-PA lavrou autos de
Com áreas legalizadas, Planos de Manejo infrações pela abertura de ramais para
Florestal Sustentável foram autorizados exploração madeireira sem autorização
pela Secretaria de Meio Ambiente do Pará e pela supressão de áreas de Preser-
(SEMA-PA). Tal fato acirrou ainda mais os vação Ambiental89. Durante a vistoria, foi
conflitos entre as populações tradicionais possível ao ITERPA retomar as discus-
e indígenas e a exploração ilegal de sões sobre a regularização e ordena-
madeira86. As denúncias aos órgãos ambi- mento territorial da área90, onde
entais e fundiários seguiam. procedeu ao levantamento socioeconô-
mico das comunidades tradicionais91 e
Em agosto de 2007, a partir de arti-
ainda se comprometeu a “não titular nin-
culação realizada pelo MPE/PA e
guém na área indígena”.92
MPF/PA, ocorreu uma vistoria intergo-
vernamental formada pelo Ibama, Apesar de um aparente progresso
ITERPA, Incra e SEMA-PA. O Ibama iden- nas demandas pela regularização fundiá-
tificou diversos empresários tomando ria, o governo do Pará não se dispôs a
posse de grandes lotes de 2.500 ha, retirar os grileiros, os madeireiros e os
explorando ilegalmente os recursos permutados que já ocupavam a área,
naturais, a prática de grilagem de terras, inclusive aceitava suas propostas no pro-
a dependência das comunidades em cesso de discussão da destinação da
relação aos empresários e a desqualifi- área da Nova Olinda I93. As ameaças de

84
A natureza jurídica das ADIP’s é questionável. Não há notícia de qual o instrumento normativo que subsidiou essa
concessão pelo Estado do Pará, através do ITERPA: BRITO, 2010, p. 42.
85
O Decreto do Estado do Pará nº 2.472, de 29 de setembro de 2006, permitiu a permuta de áreas da Nova Olinda
I para particulares integrantes do Projeto Integrado do Trairão que tiveram suas terras interditadas por estarem
dentro do território indígena da etnia Kaiapó, Município de São Félix do Xingu, Pará. Os permutados formalizaram
a Associação dos Proprietários de Terra do Projeto Integrado Trairão (ASPIT), que começou a atuar juntamente
com a COOEPA.
86
Em dezembro de 2006, o Ibama solicitou à SEMA-PA a suspensão da execução de 6 planos de manejo na Gleba
Nova Olinda I.
87
Folhas 24/25 do Relatório Técnico de Vistoria da Gleba Nova Olinda I – Ibama/PA – 2007.
88
Em 2007, o cacique Odair José Alves de Souza, conhecido como Dadá Borari, recebeu o prêmio José Carlos Castro
de Direitos Humanos da OAB-PA, pela sua luta na defesa dos direitos humanos do povo indígena. Desde 2007,
Dadá Borari, após violências físicas e ameaças, integra o Programa Estadual de Proteção aos Defensores de
Direitos Humanos (PA).
89
Auto de Infração nº 0617 e 0618 – SEMA/PA.
90
Como resultado da vistoria intergovernamental, em 2008, o Estado do Pará estabeleceu Área de Limitação
Administrativa Provisória nas áreas onde seriam demarcados os limites das comunidades. Para isso, proibiu nessas
áreas (art. 2º do Decreto Estadual 1.149/08): I – atividades e empreendimentos efetiva ou potencialmente causa-
dores de degradação ambiental; II – atividades que importem em exploração a corte raso da floresta e demais
formas de vegetação nativa; e III – atividades que impliquem no uso direto dos recursos naturais, excetuando-se
o uso direto sustentável por parte das comunidades tradicionais.
91
Relatório Técnico – ITERPA – 2007.
92
Ata de reunião, realizada em 19 de abril de 2007, na sede do ITERPA, Belém (PA), inclusa no PAD nº. 587/2009-
23, 23, volume I, fls. 30-34, oriundo do Procedimento Administrativo instaurado no Ministério Público Federal –
Procuradoria da República no Município de Santarém (PA), sob o nº 1.23.002.000587/2009-23, para acompanhar
a demarcação da TI Maró.
93
Carta Aberta do Movimento em defesa da vida e da cultura do Arapiuns: Rio Arapiuns: conflitos sociais e ambien-
tais na Gleba Nova Olinda”. Santarém, outubro de 2009.

60
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violência94, a exploração ilegal de madeira descaso das instituições públicas às rei-


e a invasão do território indígena95 não vindicações das populações tradicionais
cessaram96 e 97. O processo de demarcação locais, a lentidão dos processos de
da Terra Indígena Maró não progredia98 e 99. demarcação da TI Maró e a exploração
O estopim se deu quando o ITERPA, final- ilegal de madeira e conflitos na região da
mente, institui um dos assentamentos Gleba Nova Olinda I. A fim de chamar a
prometidos, o Projeto Estadual de Assen- atenção da sociedade e exigir respostas
tamento Agroextrativista Vista Alegre100, aos seus anseios, integrantes do movi-
com uma área cinco vezes menor do que mento ficaram acampados à beira do rio
a proposta feita pela comunidade101, o que Arapiuns, na praia Ponta do Pedrão,
significaria a permanência das ADIP’s e da Resex Tapajós-Arapiuns, de 14 de outu-
exploração madeireira que tanto atormen- bro a 14 de novembro de 2009, tempo
tavam as comunidades.102 no qual interceptaram e impediram de
descer o rio duas balsas carregadas de
Nessa conjuntura, as organizações madeira oriunda de Planos de Manejo
se articularam e criaram o Movimento provenientes da Nova Olinda I. Sem
em Defesa da Vida e Cultura do Rio nenhuma reivindicação atendida pelas
Arapiuns,103 que passou a denunciar o autoridades durante o período do mani-

94
A Relatoria do Direito Humano à Terra, Território e Alimentação, ligada à Plataforma de Direitos Humanos
Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais – Brasil, recomendou a presença urgente das instituições responsáveis
pelas questões agrárias, ambientais e indígenas na região. Solicitou ainda a inclusão de lideranças no programa
de proteção aos defensores de direitos humanos.
95
Com o processo de demarcação indígena Maró sem avanços, os Borari-Arapiun realizaram a autodemarcação dos
limites de seu território em 2005. Em 2007, em parceria com a organização Projeto Saúde e Alegria, foi realizado
o georeferenciamento dos pontos identificados.
96
Por conta disso, os indígenas Borari-Arapiun e os comunitários encaminharam denúncias ao MPF/Procuradoria
da República de Santarém e ao MPE/PA requerendo providências imediatas sobre a situação. Os ofícios encami-
nhados à Funai e ao MPF pelo Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns, Grupo Consciência Indígena e STTR-STM dão
conta sobre a situação conflituosa e cobram providência para a demarcação da TI Maró e do ordenamento fundiário
das comunidades tradicionais (fls. 17 a 32 e 103 a 108 do Procedimento Administrativo instaurado no Ministério
Público Federal – Procuradoria da República no município de Santarém/PA, sob o nº 1.23.002.000587/2009-23,
para acompanhar a demarcação da TI Maró);
97
Em sentido contrário, uma equipe da SEMA-PA se deslocou à Gleba Nova Olinda I, em setembro de 2009, e con-
cluiu não haver qualquer ilícito ambiental ou qualquer conflito na região e, inclusive, que os comunitários estão
satisfeitos com os benefícios sociais e econômicos que os Planos de Manejo Florestais proporcionam. Relatório
de Fiscalização nº 149/2009 – GEFLOR – SEMA/PA. A visita ocorrera a pedido dos detentores do Plano de Manejo
e da Associação das Comunidades Unidas dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Maró (ACUTARM) nas comu-
nidades Vista Alegre, Fé em Deus, Repartimento e Parintins, todas na Gleba Nova Olinda I. Tais comunidades
apoiam o setor florestal e estão entre as que solicitaram ao ITERPA a demarcação individual de suas terras.
98
Em 2001, foi constituído Grupo Técnico com o objetivo de realizar estudos e levantamentos preliminares sobre a
ocupação indígena no baixo Tapajós e Rio Arapiuns (Portaria/PRES 84, de 31 de janeiro de 2001), a fim de subsidiar
os encaminhamentos administrativos cabíveis, amparados na legislação vigente. A TI Maró fora incluída no Projeto
Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia (PPTAL). Foi somente em abril de 2008,
que a Funai lançou o edital para contratação de antropólogos e técnicos ambientais, com o objetivo de compor
os GT’s de identificação e delimitação das Terras Indígenas do Rio Maró (Portarias – Funai nº 775/08 e 1155/10).
99
O MPF e o MPE/PA emitem em conjunto a Recomendação nº 08/2009 a fim de que a Funai conclua o procedi-
mento demarcatório da TI Maró.
100
Decreto do Estado do Pará nº 1.740, de 17 de junho de 2009.
101
Plano Participativo de Mosaico de Uso da Terra nas Glebas Nova Olinda I, II e III, Curumucuri e Mamuru, Plano de
Uso e de Utilização discutidos no STTR – STM.
102
Ofícios 85/2009 e 103/2009 do STTR-STM questionando ao ITERPA sobre a demarcação do PEAEX Vista Alegre.
O MPE-PA emitiu a Recomendação nº 02/2010, alegando haver descumprimento da legislação por parte do ITERPA
na demarcação dos assentamentos na Gleba Nova Olinda I, agindo em desfavor das populações tradicionais, soli-
citando a retirada das ADIP’s sobrepostas aos assentamentos e a revisão das dimensões do PEAEX Vista Alegre.
103
O MDVCA era formado pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR/STM),
Comissão Pastoral da Terra (CPT), Frente em Defesa da Amazônia, Federação dos Trabalhadores na Agricultura
dos Estados do Pará e Amapá (FETAGRI), Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns (CITA), Grupo Consciência
Indígena, o povo indígena Borari-Arapin e a Associação das comunidades da região da Nova Olinda I, do rio Aruã
e ao longo do Rio Arapiuns.

61
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festo e ausente a comprovação da ori- ordem pública. Pela via judicial, as


gem legal da madeira retida, o acampa- empresas madeireiras moveram ações
mento encerrou seus trabalhos, e a civis para desobstrução do rio, pela res-
madeira acabou queimada. tituição da madeira apreendida106, a proi-
bição dos integrantes do movimento de
A criminalização e a retaliação ao
entrarem nas áreas de manejo107 (inclu-
movimento se deram de inúmeras manei-
sive os que se sobrepunham a TI Maró) e
ras e atingiu, sobretudo, as lideranças do
a representação criminal pela prática de
movimento. Na Câmara dos Deputados,
sequestro, cárcere privado, formação de
o deputado federal e integrante da ban-
quadrilha armada, ameaça, falsidade
cada ruralista, Joaquim de Lira Maia
ideológica, incitação ao crime, entre
(DEM-PA), denunciou a presença de “fal-
outros.108 Por sua vez, sete associações
sos índios” na região da Nova Olinda I,
de comunidades favoráveis à presença
alegando interesses estrangeiros em “tra-
de madeireiras na região impetraram
var” o desenvolvimento regional, criando
ação civil requerendo a anulação do pro-
“reservas indígenas artificiais”, que enga-
cesso administrativo da demarcação da
nam o povo e o Estado Brasileiro e promo-
TI Maró e a declaração de inexistência da
vem conflitos sociais entre comunidades
etnia Borari-Arapiun e da posse indí-
irmãs na área104. A imprensa local e nacio-
gena.109
nal reverberou as alegações do depu-
tado105. Além disso, os detentores dos O Movimento em Defesa da Vida e
planos de manejo florestal oficiaram ao Cultura do Rio Arapiuns enviou uma série
Estado do Pará, MPF, ITERPA, SEMA/PA, de documentos requerendo providências,
Polícia Civil e Militar, MPE, Ibama, Funai, informações e manifestações dos órgãos
Polícia Federal e o Ministério da Justiça responsáveis110. Seguiu também uma
requerendo providências urgentes e a agenda de reuniões com o MPF, MPE/PA,
responsabilização pelos crimes contra a ITERPA, SEMA/PA e Funai111. Ameaças e

104
Pronunciamento proferido pelo Deputado Joaquim de Lira Maia na Sessão da Câmara dos Deputados de
11/11/2009, fls. 157/165 do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação dos Limites da Terra Indígena
“Maró” (Rio Maró), elaborado conforme a Portaria nº 14/MJ/1996, processo nº 086620.000294/2010-DV.
105
Em 5 de maio de 2010, a revista “VEJA”, na edição 2163, publicou uma matéria especial sob o título “A farra da
antropologia oportunista”, onde corrobora com a versão de “índios inventados” na Gleba Nova Olinda I, apontando
que a “indústria da demarcação” acaba diminuindo o território dos brasileiros que querem “produzir”.
106
Ação Ordinária de desobstrução do rio, obrigação de fazer e restituição de bem, sob o nº 051.2009.1.007124-6,
distribuído na 5ª Vara Cível da Comarca da Justiça do Estado do Pará em Santarém. Acabou arquivado com o fim
da manifestação no rio Arapiuns e a queima da balsa.
107
Ações de Interdito Proibitório, sob os números 051.2009.1.007477-9 e 051.2009.1.007643-6, distribuídos na 5ª Vara
Cível da Comarca da Justiça do Estado do Pará em Santarém. Estas ações encontram-se arquivadas.
108
Ação Penal, sob o nº 051.2010.2.000500-0, distribuído na 4ª Vara Penal da Comarca da Justiça do Estado do Pará
em Santarém. Ainda está em andamento.
109
Ação Ordinária de Anulação de processo administrativo de Demarcação de Terras Indígenas, sob o nº 2091-
80.2010.4.01.3902, distribuído na Justiça Federal em Santarém. Ainda está em andamento.
110
Entre os principais documentos estão: abaixo-assinado elaborado durante a manifestação no rio Arapiuns solici-
tando providências às autoridades quanto a situação da Nova Olinda; ofício TDD/STM nº 12/2010 da Terra de
Direitos à Funai, solicitando urgência na demarcação da TI Maró; ofício TDD/STM nº 11/2011, solicitando intervenção
do MPF na suspensão de planos de manejo florestais dentro da área da TI Maró; convites às instituições para par-
ticipar de assembleias dentro da TI Maró; Of. Nº 18/2010 de 09/04/10, solicitando apoio da Secretaria de Justiça
e Direitos Humanos do Pará para reuniões com as instituições competentes em Belém/PA.
111
Uma nova vistoria intergovernamental foi realizada nos Planos de Manejo de onde a madeira apreendida pelos
manifestantes no Rio Arapiuns originava. A conclusão dos relatórios de fiscalização não apontou quaisquer irre-
gularidades. Os indígenas e moradores da Nova Olinda I contestaram a metodologia utilizada e as conclusões dos
órgãos ambientais na fiscalização na Representação ao MPE/PA contra a Secretaria de Meio Ambiente do Pará
no MPE/PA em 30/10/09.

62
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violências às lideranças indígenas tam- Convenção 169 da Organização Interna-


bém foram registradas.112 cional do Trabalho (OIT) consagrou o
entendimento de que os índios são os
Em resposta às pressões, o estado
naturais detentores da terra. Delimitá-la e
do Pará publicou o Decreto 2.240/10 de
estabelecer os limites físicos para a sua
07/04/10 impedindo a realização de com-
demarcação constitui ato meramente
pra e venda de áreas dentro da Gleba
declaratório do Estado Brasileiro. O artigo
Nova Olinda I e obrigando a SEMA e
231 da Constituição define que terras tra-
ITERPA a realizarem fiscalizações e a
dicionalmente ocupadas são aquelas por
regularizarem os assentamentos com
eles habitadas em caráter permanente, as
base nos processos iniciados em 2008.
utilizadas para suas atividades produtivas,
No entanto, permitiu a realização de con-
as imprescindíveis à preservação dos
cessão florestal dentro da gleba.113
recursos naturais necessários ao seu bem
A Funai publicou o Relatório da TI estar e as necessárias à sua reprodução
Maró em 10 de outubro de 2011 no Diário física, cultural, segundo seus usos, costu-
Oficial da União. Fora aberto o prazo para mes e tradições. O direito à terra tradicio-
as contestações. Os Borari-Arapiun conti- nalmente ocupada pelo indígenas é
nuam aguardando a homologação de seu garantida a partir de sua autoidentifica-
território pela Presidência da República. ção. Esse autorreconhecimento dá auto-
ridade e legitimidade às demandas por
extensões de terra por parte dos indíge-
2. Natureza dos direitos nas, algo ainda a ser garantido pela União.
reivindicados
Os indígenas Borari-Arapiun, da TI
3. Atores sociais envolvidos
Maró, reivindicam, precipuamente, o seu
direito ao território. A demarcação do ter- 3.1. Sujeitos Coletivos de Direitos
ritório indígena se mostra como fator fun-
Os Borari-Arapiun e os grupos indí-
damental para assegurar as condições
genas do Baixo Tapajós e do Rio Arapiuns
materiais para a sobrevivência econômica
integram o movimento denominado de
e cultural desses povos, um direito
“emergência étnica ou etnogênese”
humano que gera outros direitos.
(BARTOLOMÉ, 2006), que abrange os
A Constituição Federal de 1988 e a processos de construção e afirmação de

112
Termo de declarações realizada pelo indígena Adenilson Alves de Sousa, conhecido como “Poró”, irmão do cacique
Dadá Borari, por conta de agressões sofridas no interior da TI Maró (IPL 102/2010 – PF); Oficio TDD/STM nº
15/2010, enviado pela Terra de Direitos à Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e à Comissão Estadual
de Direitos Humanos da OAB/PA, relatando violências sofridas pelas lideranças indígenas do Maró; Of. SDDH/DIDH
nº 118/10, 120/10, 122/10 e 123/10 enviados pela Terra de Direitos e Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos
Humanos ao Presidente do Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, ao Ouvidor do
ITERPA, ao Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/PA, ao Programa Estadual de Proteção aos
Defensores de Direitos Humanos/PA relatando o processo de criminalização das lideranças do Movimento em
Defesa da Vida e Cultura do Rio Arapiuns; Of. TDD/STM nº 60/2010 enviado à Coordenação do Programa Estadual
de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do Estado do Pará pela Terra de Direitos com propostas de
atuação do programa em relação a liderança indígena Dadá Borari; entrega de um dossiê dos conflitos em torno
da TI Maró à Relatora Especial das Nações Unidas sobre a situação dos Defensores de Direitos Humanos da ONU,
em novembro de 2010, por representantes do povo Borari-Arapiun; Reunião na Ouvidoria Nacional da Funai em
27/10/10, onde foi relatado a situação da TI Maró pelo cacique Dadá Borari, além de representantes da Terra de
Direitos, CPT – Santarém e da SDDH/PA.
113
O ITERPA (portarias nº 786 e 788 de 20/04/10) criou o PEAEX Mariazinha-Aracati e o PEAS Repartimento, ambos
na Gleba Nova Olinda I.

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identidades compartilhadas, baseadas em pressões exteriores que começou a sofrer.


práticas e representações culturais pree- Esse movimento é caracterizado pela afir-
xistentes ou elaboradas, e operadas por mação de sua ancestralidade indígena e o
sistemas simbólicos específicos que ilumi- resgate dos laços culturais e territoriais
nam sua experiência social e sustentam com o passado de ocupação de diversas
sua ação coletiva, diante de outros grupos etnias anteriormente consideradas dizi-
e do aparto institucional do Estado. madas e/ou miscigenadas durante a colo-
O movimento de reafirmação étnica nização no Pará. Neste sentido, assume
nasceu da articulação política dos habi- particular importância o enfoque a res-
tantes nativos para a defesa de um terri- peito da definição de suas territorialida-
tório que começava a ser apropriado e des, na medida em que são expressão de
organizado sob uma lógica totalmente seus lugares de memória coletiva, espa-
distinta daquela até então vigente. ços de sustentabilidade de suas práticas
Coagidos dentro do seu próprio território, socioculturais e marcos físicos de suas rei-
os grupos nativos passara a assumir suas vindicações territoriais contemporâneas.116
identidades étnicas como medida para Com efeito, em seu artigo 231, a
manter o modo de vida tradicional, emi- Constituição Federal de 1988 reconhece
nentemente coletivista. O fenômeno re- aos indígenas sua organização social, cos-
cente de grupos sociais que recorrem à tumes, línguas, crenças e tradições, bem
afirmação étnica para ter acesso a direitos como os direitos originários sobre as ter-
e recursos (materiais e simbólicos) deve ras que tradicionalmente ocupam. Estas
ser apreendido como uma estratégia legí- são definidas como aquelas habitadas
tima de sobrevivência física e cultural para pelos índios em caráter permanente, as
fazer frente ao processo de confinamento utilizadas para suas atividades produtivas,
territorial realizado, muitas vezes, com a as imprescindíveis à preservação dos
anuência do Estado. As primeiras reivin- recursos naturais necessários a seu bem-
dicações fundiárias dos grupos indígenas estar e as necessárias à sua reprodução
datam do final dos anos 1990.114e115 física e cultural, segundo seus usos, cos-
Neste sentido, no caso específico da tumes e tradições (§1º). Cabe lembrar,
Terra Indígena Maró, estamos diante de ainda, que o reconhecimento de uma
um fenômeno em que uma coletividade terra tradicionalmente ocupada dá ensejo
com uma história comum, ocupando tra- à anulação e à extinção dos atos que
dicionalmente em mesmo território, sen- tenham por objeto sua ocupação, seu
tiu a necessidade de expressar uma domínio e sua posse, cessando de produ-
identidade diferenciada, face às intensas zir efeitos jurídicos (§ 6º).

114
Desde 1998, eram encaminhados à Fundação Nacional do Índio solicitações para demarcação de terras indígenas.
Vale citar que, por ocasião do II Encontro dos Povos Indígenas do Baixo Tapajós e Arapiuns, realizado na comu-
nidade de São Francisco, rio Arapiuns, em dezembro de 2000, representantes de diversas etnias, comunidades e
organizações solicitaram da Funai o início da agenda de processos de demarcação dos povos indígenas da região,
considerando, ainda, que tais terras sofriam ameaças de invasores, madeireiros, pesca predatória e fazendeiros.
115
Em 2001, o MPF/PRM Santarém instaurou o Procedimento Administrativo nº 1.23.002.000013/2001-06 a fim de
acompanhar a solicitação de apoio no processo de reconhecimento indígena ao longo do baixo Tapajós e Arapiuns.
116
Relatório da Viagem às Aldeias Indígenas Novo Lugar, Cachoeira do Maró e São José III, situadas no rio Maró, Gleba
Nova Olinda I, realizado pelo Analista Pericial em Antropologia do Ministério Público Federal, Raphael Frederico
Acioli Moreira da Silva, como parte integrante do Procedimento Administrativo nº 1.23.002.000792/2005-65, ins-
taurado no Ministério Público Federal – Procuradoria da República no Município de Santarém (PA), para acompanhar
os conflitos na Gleba Nova Olinda.

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Pelos termos da Convenção 169, da ção de direitos, grilagens, exploração ile-


Organização Internacional do Trabalho, gal de madeiras e o abandono governa-
ratificada pelo Estado Brasileiro por meio mental na Nova Olinda I. O STTR-STM
do Decreto nº 5051 de 19/04/04, é reco- constitui uma das maiores organizações
nhecido aos povos indígenas e tribais o do oeste paraense, e, com a sua influência,
direito de autorreconhecimento de sua detém uma capacidade de mobilização e
condição cultural e social diferenciada, articulação notável, chegando a interme-
cabendo única e exclusivamente a eles o diar os interesses das comunidades locais
poder de elaborar critérios de pertenci- com o ITERPA, realizando audiências e
mento ao grupo. assembleias públicas, além de apresentar
propostas e estudos ao ordenamento fun-
Como a TI Maró está encravada na
diário em andamento. Foi um dos ideali-
Gleba Nova Olinda I, área que sofre cons-
zadores do Grupo de Trabalho em Defesa
tantes pressões da indústria madeireira e
da Nova Olinda de 2004 e esteve à frente
da grilagem, os argumentos de ordena-
do Movimento em Defesa da Vida e
mento fundiário, a reafirmação étnica indí-
Cultura do Rio Arapiuns.
gena, a destinação das terras para os
moradores tradicionais locais e indígenas Trabalho semelhante foi realizado
e a presença do Estado Brasileiro para pela Frente em Defesa da Amazônia e
garantir estes direitos foram as principais pela Comissão Pastoral da Terra em
bandeiras do movimento. Tal fato se faz Santarém, com constantes atividades de
presente nas constantes denúncias, mani- formação no Maró sobre o processo de
festações e requerimentos de providências demarcação do território indígena, direi-
às instituições responsáveis no conflito tos indígenas, nas denúncias de violações
fundiário instalado na região, articulados dos direitos indígenas ao território e aos
com os moradores locais, organizações atentados às lideranças do movimento.
representativas e entidades parceiras. O Projeto Saúde & Alegria, além de
3.2. Entidades da Sociedade Civil integrar os espaços de discussões e mobi-
lizações, foi determinante no processo de
Como demonstrado, o conflito em
autodemarcação do território indígena
torno da TI Maró e Nova Olinda I envolveu
Maró, em 2007, por dispor de tecnologia
diversos agentes. Ao lado do movimento
para georeferenciar os pontos anterior-
indígena, e na luta pelo ordenamento fun-
mente identificados pelos Borari-Arapiun
diário destinado às comunidades tradicio-
como seu território. A autodemarcação
nais, algumas entidades tiveram atuações
reforçou o sentimento de pertença a um
imprescindíveis e em momentos importan-
espaço comum, legitimando o processo
tes em mais de uma década de conflitos.
de reivindicação política territorial numa
A primeira delas foi o Sindicato dos construção coletiva do território e na afir-
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de mação indígena. Com o mapa de autode-
Santarém (STTR-STM), que já realizava marcação, se constitui como uma
atividades de formação técnica e política referência política, simbólica e, principal-
com os seus filiados na região desde a mente, de reconhecimento dos espaços
década de 90, constituída essencialmente de significação territorial dos indígenas,
de comunidades de agricultores familia- reforçando as denúncias de invasão de
res. Além disso, foi a primeira organização seus territórios por grileiros e planos de
a denunciar às instituições oficiais a viola- manejo florestal.

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O Conselho Indígena Tapajós- complexidade do contexto e dinâmicas


Arapiuns e o Grupo Consciência Indígena locais e pela falta de diálogo entre as ins-
constituem as organização indígenas da tituições acabaram por acirrar ainda mais
região, dando suporte ao movimento no os conflitos.
Maró e integrando as atividades de for-
4.1. Instituto de Terras do Pará
mações e mobilizações políticas. Tais
organizações refletem o processo de Em 2000, quando o governo do
etnogênese, difundindo a identidade indí- Pará decidiu realizar o ordenamento fun-
gena e intercedendo junto a Funai. diário, as comunidades locais já tinham
acumulado o debate junto aos órgãos ofi-
Por fim, a organização Terra de
ciais no sentido de serem reconhecidos
Direitos, presente na região desde 2009,
pelo Estado como comunidades tradicio-
acompanha todo o desenrolar da demar-
nais, seja através da tentativa inicial de
cação da TI Maró desde o bloqueio do rio
fazer da Reserva Extrativista Tapajós-
Arapiuns. Presta assessoria jurídica ao
Arapiuns (o que não ocorreu), seja pela
movimento indígena, realizando a defesa
criação de um Projeto de Assentamento
judicial das lideranças criminalizadas em
Agroextrativista, ou ainda pela demarca-
ações judiciais movidas pelas empresas
ção da Terra Indígena reivindicada pelos
madeireiras, encaminhando diversos
Borari-Arapiun. O oeste do Pará, conside-
pedidos de proteção aos defensores de
rado a mais nova fronteira de expansão
direitos humanos ameaçados, intervindo
do capital na Amazônia, vivia uma euforia
junto às instituições, alertando sobre a
econômica provocada pela expansão do
situação da TI Maró e articulando as
agronegócio (a partir da monocultura de
demandas indígenas em diferentes níveis
soja), pelas promessas da conclusão de
da federação, além das atividades de for-
obras de infraestrutura (como a conclusão
mação jurídica-política.
do asfaltamento da BR – 163, rodovia
Santarém – Cuiabá), e pela retomada de
grandes projetos na região (como a mine-
4. Instituições Públicas
ração em Juruti/PA e hidrelétricas)117. A
envolvidas
possibilidade de novas áreas florestais
As Instituições estiveram presentes serem destinadas à exploração empresa-
de maneira conflituosa em torno da ques- rial animou o setor, até então carente de
tão da Terra Indígena Maró: ora afirmando áreas legalizadas para a exploração flores-
os direitos dos indígenas, ora os negando tal, aumentando a pressão sob o governo
e até mesmo os violando. O impasse estadual para viabilizá-las118. Tais circuns-
gerado pela longa ausência dos órgãos tâncias condicionaram as discussões do
responsáveis, pelas decisões e atuações ITERPA com as comunidades tradicionais,
unilaterais, pelo total desconhecimento da delimitando suas áreas em 105.000 ha a

117
Cf. SAUER, Sérgio. Violação dos direitos humanos na Amazônia: conflito e violência na fronteira paraense. Goiânia:
CPT; Rio de Janeiro: Justiça Global; Curitiba: Terra de Direitos, 2005.
118
A pressão madeireira junto às esferas governamentais também se deu junto ao Incra, com a criação de dezenas assen-
tamentos na região, sem licença ambiental, sobrepondo áreas de Unidade de Conservação e zonas de amortecimento,
com o objetivo de “legalizar” a exploração de madeira nos locais onde os assentamentos foram criados. Cf. SANTANA,
Raimundo Rodrigues. Justiça Ambiental na Amazônia: análise de casos emblemáticos. Curitiba: Juruá, 2010. E o
Relatório “Assentamentos de Papel, Madeiras de Lei”. Disponível em: <http://www.greenpeace.org/brasil/Global/bra-
sil/report/2007/8/greenpeacebr_070821_amazonia_relatrela_assentamentos_incra_port_v2.pdf>. Acesso em: 24 jan.
2010.

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fim de que áreas “sobrassem” para as “ati- Ibama a averiguar situações específicas
vidades produtivas” (MATOS, 2010 apud nos Planos de Manejo ou em vistorias
BRITO, 2010, p. 37 e 39). A lei estadual de intergovernamentais orientadas pelo
macrozoneamento ecológico-econômico MPE/PA e o MPF, a SEMA conduzia seus
(lei nº 6.745/05), que classificou a Nova trabalhos na tentativa de negar qualquer
Olinda I como área de “consolidação de conflito ou crime ambiental nas áreas de
atividades produtivas”, não foi precedida exploração florestal e a valorizar a pre-
de discussões ou negociações com os sença de empreendimentos dessa natu-
povos indígenas e as comunidades tradi- reza na região, com a geração de
cionais das glebas, a despeito de todo o emprego e renda na região. Para isso,
aparato jurídico positivo que preceitua o visitava somente comunidades favoráveis
contrário, como a Convenção 169 da OIT. a presença das empresas madeireiras.
Outro fato curioso é que as “ações de fis-
O processo de ordenamento fundiá-
calização” eram realizadas utilizando
rio das comunidades locais caminhou a
avião e automóveis das próprias madei-
passos lentos (o primeiro assentamento
reiras a serem fiscalizadas, por alegar
só viria a ser criado nove anos depois),
falta de recursos e infraestrutura. O escri-
enquanto, no mesmo período, foram con-
tório regional da SEMA/PA, em Santarém,
cedidos quatro Autorizações de Detenção
ainda não possui setor de fiscalização.
de Imóvel Público (ADIP’s) e 25 lotes da
Somente há servidores para viabilizar
gleba por meio de permutas a pessoas
licenciamentos ambientais.
estranhas às comunidades. A reivindica-
ção dos indígenas Borari-Arapiun pelo seu 4.3. Poder Judiciário do Estado do
território, bem como o reconhecimento Pará – Comarca de Santarém
de tal pretensão, não foi levada em consi-
O Poder Judiciário do Estado do
deração pelo ITERPA, que chegou a regu-
Pará foi instado a decidir sobre seis ações
larizar áreas sobrepondo ao território
judiciais referentes ao conflito na Nova
indígena, em discordância com a legisla-
Olinda I. Em todas as ações civis movidas
ção. Outro fator a ser analisado é a ausên-
pelas empresas madeireiras RONDOBEL
cia de compromisso do ITERPA em coibir
Indústria e Comércio de Madeiras LTDA,
a presença de grileiros na região, apesar
HP do Mojú Indústria, Comércio e
das inúmeras denúncias.
Exportação de Madeiras LTDA e M2000
4.2. Secretaria de Meio Ambiente Madeiras LTDA, as alegações jurídicas se
do Estado do Pará fundaram em argumentos discriminató-
rios e difamatórios contra o movimento
A conduta omissiva também ocor-
indígena Maró e os movimentos sociais
reu com a Secretaria de Meio Ambiente
locais e as organizações que os apoiam,
do Estado do Pará, que, apesar das
alertam para o perigo caso tais movimen-
denúncias da presença de grileiros e da
tos continuarem a por em risco a ordem
exploração ilegal de madeira e outros cri-
pública e as instituições e ressaltam os
mes ambientais encaminhados ao órgão
prejuízos econômicos e sociais causados
ao longo da última década, pouco se fez
pela paralisação/encerramento da explo-
presente para verificar a situação ou
ração madeireira na região.
tomar medidas eficazes para coibir o sta-
tus quo de ilegalidade. Com a exceção Nas Ações de Interdito Proibitório
das vezes em que foi notificada pelo (processos nº números 051.2009.1.007477-

67
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9 e 051.2009.1.007643-6), a RONDOBEL 250, §1º, II, c), atentado contra a segu-


Indústria e Comércio de Madeiras LTDA rança de transporte marítimo (art. 261, §1º
requereu que as lideranças do movi- do CP), quadrilha armada (art. 288 do
mento indígena não transitassem nas CP), desobediência (art. 330 do CP) e
áreas de Planos de Manejo da empresa, exercício arbitrário das próprias razões
mesmo parte delas estando sobrepostas (art. 345 do CP) às lideranças, e a um
ao território indígena Maró. Assim, os cacique indígena foi além, imputando-lhe
indígenas não deveriam mais permanecer o crime de falsidade ideológica (art. 299
e transitar em seu próprio território. O do CP, fls. 258/263 do Relatório do IP),
pedido da empresa madeireira foi apre- indicando um processo de criminalização
ciado e deferido em caráter liminar pelo do movimento indígena120. O Inquérito
juízo da 5ª Vara Cível da Comarca de Policial transformou-se na Ação Penal nº
Santarém em 17/12/2009, demonstrando 2010.2.0005000-0, promovida pelo
um desconhecimento dos direitos indíge- Ministério Público do Estado do Pará sem,
nas ao território. contudo, imputar o crime de falsidade
ideológica ao indígena. O processo ainda
O Poder Judiciário acabou por não
está em andamento.
se posicionar definitivamente nas ações
civis119. Tais processos foram arquivados, Um argumento sempre presente nas
seja pela perda de objeto, com o fim da petições do movimento indígena, e não
manifestação e o bloqueio do rio, seja a apreciado nas ações judiciais pelo Poder
pedido das próprias empresas madeirei- Judiciário do Estado do Pará, refere-se à
ras, que, a partir de 2011, decidiram adqui- questão da competência da Justiça
rir a certificação de sustentabilidade Federal em julgar casos onde há disputa
social e ambiental chamado FSC (Forest por interesses indígenas (TI Maró), causas
Stewardship Council). Reconhecida inter- relativas a direitos humanos decorrentes
nacionalmente, tal certificação credencia de tratados internacionais (Convenção
as empresas madeireiras a serem mais 169 OIT) e onde estiver interesse da União
bem avaliadas no mercado internacional (Funai), em total descumprimento ao que
e um dos seus requisitos exige que a área dispõe a Constituição Federal no art. 109,
de exploração madeireira não seja palco incisos I, V - A e XI.
de conflitos.
4.4. Ministério Público do Estado
Na esfera penal, no entanto, o re- do Pará
latório do Inquérito Policial nº 302/2009.
000187-5 – PC/PA, instaurado por conta Da análise dos documentos, é possí-
da manifestação realizada no rio Ara- vel observar que o Ministério Público do
piuns, imputou os crimes de ameaça (art. Estado do Pará apenas passou a realizar
147 do CP), cárcere privado (art. 148, §1º, medidas consistentes a partir do agrava-
III do CP), incêndio em embarcação (art. mento do conflito. Antes, porém, tomava

119
Além das ações judicias já citadas, a RONDOBEL Indústria e Comércio de Madeiras LTDA ainda ingressou com a
Ação Indenizatória por Danos Morais (processo nº 2010.1.007683-9) e com o Processo-Crime (nº 0287/2010) em
face de Odair José Alves de Sousa, liderança indígena conhecida como Dadá Borari, e os professores Gilson Costa
e Gilberto Rodrigues por declarações referentes aos conflitos na Gleba Nova Olinda I e a demarcação da Terra
Indígena Maró publicada na blogosfera.
120
O delegado ainda requereu a Prisão Preventiva das lideranças do movimento. Pedido esse negado pelo juízo (pro-
cesso nº 2009.2.004092-6).

68
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medidas superficiais, sem resultados práti- garantir a integridade do território indí-


cos e sem levar em consideração as reco- gena e de seus habitantes, mesmo com o
mendações que o Ibama encaminhava ao agravamento do conflito na região da
órgão ao final de cada vistoria. Os ofícios Nova Olinda I. A Funai também não inter-
enviados pelos movimentos sociais e orga- viu junto ao ITERPA a fim de representar
nizações alertando sobre o processo defi- os interesses indígenas no processo de
ciente de ordenamento fundiário realizado ordenamento fundiário daquela região, o
pelo ITERPA não foram capazes de provo- que gerou sobreposições de áreas entre
car uma iniciativa mais enfática do Parquet. madeireiros e indígenas. Políticas públicas
Somente após a deflagração da manifes- ainda são deficientes e ainda não há pre-
tação no rio Arapiuns, o MPE-PA agiu de visão de instalação de um escritório da
forma a mediar o conflito, realizando Funai na região.
audiências e reuniões interinstitucionais,
4.6. Ibama
solicitando fiscalizações e requerendo
medidas eficazes e não protelatórias dos Com a ausência de equipe de fisca-
órgãos responsáveis. Ainda assim, o MPE- lização da SEMA/PA no oeste paraense, a
PA é autor da ação penal movida contra as proximidade da Resex Tapajós-Arapiuns,
lideranças do movimento em defesa da a presença de empresas madeireiras e o
vida e cultura do Arapiuns. alto valor comercial dos recursos madei-
reiros na região, o Ibama era constante-
4.5. Fundação Nacional do Índio mente solicitado pelos moradores da
(Funai) Nova Olinda para averiguar as denúncias
de exploração ilegal e de danos ambien-
A Funai vem sendo demandada pelo
tais. As suas ações de fiscalização e vis-
povo Borari-Arapiun pelo menos há 13
torias aos Planos de Manejo resultavam
anos. Apesar de alguns avanços imedia-
numa série de autuações, recomenda-
tos, como a formação de Grupo Técnico121
ções às entidades competentes e notifi-
para conhecer as reivindicações étnicas
cações à SEMA/PA e ao ITERPA a fim de
nos rios Arapiuns, Maró e no Lago Grande,
alertá-los sobre a grave situação fundiá-
resultando no “Relatório do Levanta-
ria, social e ambiental presente na área.
mento Preliminar das Comunidades do
Os Relatórios de Fiscalização do Ibama
Rio Arapiuns e Baixo Rio Tapajós (PA)”, de
foram utilizados pelo movimento indí-
março de 2004122, somente em 4 de julho
gena para embasar as denúncias sobre o
de 2008 foi criado o GT Terra Indígena
conflito.
Maró123, com o objetivo de realizar os estu-
dos necessários à Identificação e Delimi- 4.7. Ministério Público Federal
tação da TI Maró. O Relatório deste GT só
Desde 2000, o MPF começou a
viria a ser publicado no Diário Oficial da
receber demandas dos povos indígenas
União em 11 de outubro de 2011.
da região. Única instituição constitucional-
Durante todo esse período, nenhuma mente competente e presente na região
medida foi tomada pela Funai a fim de para tratar das questões indígenas, o MPF

121
Departamento de Assuntos Fundiários – Coordenação Geral de Identificação e Delimitação (GT/DAF-CGID),
Instrução Executiva Funai nº 66, de 9 de maio de 2003.
122
FUNAI/08620.001528/2004-DV.
123
Portaria Funai nº 775, de 4 de julho de 2008.

69
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é constantemente procurado pelos povos declarar a nulidade do processo de


indígenas para encaminhar demandas, demarcação da TI Maró pela Funai, fun-
acompanhar a demarcação de terras indí- dada em razão de “falsos índios”, requeria
genas, a violação de seus direitos e as que o juízo declarasse pela inexistência da
políticas públicas nos seus territórios. etnia Borari-Arapiun, bem como a posse
do seu território, além da declaração de
Nesse sentido, foi instaurado uma
resguardo de todos os direitos patrimo-
série de procedimentos administrativos
niais das comunidades sobre os recursos
para acompanhar as demandas indígenas
naturais de seus territórios. As alegações
na região, dentre os quais o PA nº 1.23.
jurídicas, novamente, se fundaram em
002.000792/2005-65, que tinha como
argumentos discriminatórios e difamató-
objeto o conflito fundiário na Gleba Nova
rios contra o movimento indígena Maró;
Olinda I e acompanhamento da demarca-
alertam para o perigo caso tais movimen-
ção TI Maró. Como resultado das diligên-
tos continuem a por em risco a ordem
cias e a demora nos trabalhos da Funai na
pública, a enganar instituições como a
região, o MPF acabou por promover a
Funai e ressaltam os prejuízos econômi-
Ação Civil Pública nº 2010.39.02.000249-
cos e sociais causados pela paralisação/
0, no intuito de compelir a Funai a pros-
encerramento da exploração madeireira
seguir com a demarcação da TI Maró, até
na região.
então aguardando a publicação de seu
relatório no DOU. O pedido liminar foi O juízo federal, observando a trami-
deferido pela Justiça Federal em San- tação da Ação Civil Pública do MPF em
tarém. A ação está aguardando a sen- face da Funai na mesma vara, acabou por
tença. não conceder a liminar, decidindo aguar-
dar a apresentação do Relatório de iden-
4.8. Vara Única da Justiça Federal
tificação e demarcação da TI Maró. Em
em Santarém – TRF 1º Região
setembro último, as autoras da ação pro-
Duas ações judiciais transitam na tocolaram petição de desistência da ação.
Justiça Federal com o pano de fundo a TI
A Justiça Federal, assim como a
Maró desde 2010. Na primeira, já citada, o
Estadual, acabou por não se posicionar
MPF visava compelir a Funai a prosseguir
em definitivo nas ações judiciais movidas
com o processo de demarcação da TI
pelos interessados em torno do conflito
Maró. A segunda, por sua vez, visava exa-
na Nova Olinda I.
tamente o contrário. Sete associações de
moradores – das comunidades de Prainha,
Vista Alegre, São Luiz, São Francisco, São
5. Agentes privados
Raimundo, Novo Paraíso, Fé em Deus,
Sempre Serve, Repartimento, Vista Alegre No desenrolar do conflito, observa-se
Parintins e dos Parentes –, contrárias à a presença de diferentes agentes violado-
demarcação da TI Maró, interpuseram a res de direitos agindo de maneira articu-
Ação de Anulação de Processo Adminis- lada durante o processo de demarcação
trativo cumulada com Ação Declaratória da TI Maró. Com o vazio institucional
de Inexistência de etnia e posse indígena característico da Amazônia, o despreparo
em desfavor da Funai e do cacique da dos agentes do Estado, contando com a
aldeia Novo Lugar (processo nº 2091- morosidade da demarcação da Terra
80.200.4.01.3902). A ação judicial visava Indígena e do ordenamento fundiário da

70
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Nova Olinda I, a condição de pobreza das piuns e do acirramento do conflito no


comunidades tradicionais locais, a falta de Maró, políticos da região e setores empre-
comunicação entre os órgãos responsá- sariais ligados à exploração madeireira
veis e até a conivência destes – como manifestaram seu apoio em notas, ofícios,
demonstrado nos itens anteriores –, os cartas e reivindicações aos órgãos res-
agentes privados encontraram poucos ponsáveis. O discurso do deputado fede-
obstáculos que pudessem impedi-los de ral Lira Maia apresentando uma pesquisa
operar seus interesses e violações naquele científica realizado por seu assessor,
território. Inácio Régis, que comprovou uma “muta-
ção genética induzida” aos comunitários
Já em 2003, a Cooperativa do Oeste
do Maró, “transformados” em indígenas
do Pará (COOEPA), formada por, pelo
pelas “ONGs”, reverberou em quase todos
menos, 50 madeireiros, já tencionava os
os meios de comunicação da cidade e da
trabalhos de ordenamento fundiário para
região Amazônica, chegando até a ser
a regularização de suas posses recentes.
publicada na Revista Veja.
Oferecendo empregos temporários aos
comunitários da região, distribuindo Tal argumento também aportou na
benesses às comunidades em troca da esfera judicial, gerando uma nova forma
exploração madeireira e da construção de de criminalização. Neste sentido, as em-
portos e estradas em suas áreas, a presas Rondobel Ind. e Com. de Madeiras
COOEPA ainda deu todo o apoio à cria- LTDA, HP do Mojú Indústria, Comércio e
ção da Associação das Comunidades dos Exportação de Madeiras LTDA, M2000
Trabalhadores Rurais do Maró (ACO- Madeiras Ltda, detentores de Planos de
TARM), formada por comunitários que Manejo na Nova Olinda, moveram diver-
defendiam essa visão de desenvolvimento sas ações judiciais, fundamentadas em
para a região, além de combater a demar- argumentos discriminatórios e difama-
cação coletiva dos assentamentos a tórios apoiados pela mídia, aparente-
serem criados, inclusive judicialmente. mente com o intuito de intimidar as
lideranças do movimento indígena. A
Em 2006, com a legalização de suas
Polícia Civil do Pará chegou a incriminar
áreas pelo ITERPA, os permutados se
a liderança indígena, cacique do Novo
organizaram e criam a Associação dos
Lugar, pela prática de falsidade ideoló-
Proprietários de Terra do Projeto Integra-
gica, pelo simples fato de se afirmar
do Trairão (ASPIT), atuando juntamente
como indígena.
com a COOEPA na defesa de suas pro-
priedades e contra a presença dos indíge- Mais emblemática ainda foi a Ação
nas naquela região. Para isso, reforçou Declaratória de Inexistência de etnia e
nas comunidades a ideia já diluída no posse indígena proposta pelas comunida-
senso comum regional de que os índios des contrárias a demarcação da TI Maró e
foram “criados por ONG’s internacionais com o apoio de empresas madeireiras,
que querem internacionalizar a Amazô- que ofereceram seus advogados para
nia”. Todos os não-índios perderiam suas atuar na demanda.
terras. Os conflitos sociais denunciados
Por fim, e a partir deste estudo de
eram sumariamente desconsiderados
caso, verifica-se que um dos principais
pelo órgão fundiário.
agentes violadores dos direitos indígenas é
A partir do manifesto no rio Ara- o Estado Brasileiro, que, por meio de suas

71
Relatorio Terra de Direitos 2013 - novo_Layout 1 27/08/13 13:44 Page 72

instituições, deveria garantir a consolidação ponde, também, uma intensa prática liti-
dos direitos humanos dos grupos indíge- gante envolvendo os respectivos sujeitos,
nas, mas, por atender a interesses econô- agentes e instituições, conforme o Qua-
micos e políticos, acaba por postergar e dro 10 demonstra.
violar estes direitos. Como dito acima, o
ITERPA não levou em consideração as pre-
tensões indígenas sob a área de sua juris- 8. Panorama Atual do Conflito
dição, muito menos realizou consultas
A história do Território Indígena
prévias sobre a legalização de proprieda-
Maró expõe a situação de inoperância das
des estranhas às comunidades locais. A
esferas governamentais em gerir proble-
SEMA legalizou planos de manejo sobre-
mas fundiários complexos, sobretudo na
postos a áreas de interesse indígena, sem
Amazônia. Os governos estadual e federal
realizar consultar prévias e sem capacidade
apenas responderam positivamente às
de realizar operações de fiscalizações isen-
demandas dos povos indígenas e comu-
tas. O Programa Estadual de Defensores de
nidades tradicionais da Nova Olinda I
Direitos Humanos, onde o cacique está
após muita pressão social, em meio a um
inserido desde 2007, funciona de forma
estado avançado de conflitos deflagra-
deficiente e precária. A Funai viola os direi-
dos, o que favorece os interesses privados
tos devido à morosidade do processo
e empresariais na aquisição, posse e titu-
demarcatório do território indígena Maró e
lação dessas áreas, em oposição e franca
à omissão durante o aprofundamento do
violação aos direitos das comunidades
conflito. A omissão também atinge em
indígenas.
parte o Ministério Público do Estado do
Pará, que só viria a realizar medidas consis- Todas as medidas tomadas pelas ins-
tentes após o manifesto no rio Arapiuns, e tituições públicas, no sentido do enfrenta-
ainda propôs a ação penal contra lideran- mento do problema fundiário, visavam
ças indígenas por falsidade ideológica. apenas soluções paliativas e urgentes, não
os resolvendo em sua amplitude. De outro
lado, diversas medidas efetivas foram
6. Quadro de agentes e tomadas no sentido de atender às deman-
instituições envolvidas das de interesses privados de apropriação
no conflito sobre o território indígena. De modo ana-
O Quadro 9 é ilustrativo da complexi- lítico, afirma-se que o tratamento frag-
dade social e institucional que envolve o mentado do conflito tendeu a agravá-lo. O
conflito fundiário na Terra Indígena Maró, diálogo interinstitucional é precário.
revelando uma teia de agentes e instituições Através do estudo de caso, verifica-se que
que sugere, também, o sentido e o caráter os agentes públicos pouco entendem
da complexidade que uma adequada solu- sobre os direitos dos povos indígenas e os
ção do referido conflito reivindica. órgãos estatais não possuem em suas
estruturas espaços para solução de confli-
tos ambientais e fundiários.
7. Quadro da Judicialização do
O povo Borari-Arapiun ainda a-
Conflito
guarda a homologação do seu território,
Como foi possível observar, à com- enquanto que, ao lado, os Planos de
plexidade social e institucional corres- Manejo Florestais das empresas madei-

72
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Quadro 9 - Agentes e Instituições Envolvidas no Conflito

SOCIEDADE CIVIL ESTADO


Sujeitos Entidades Sistema de Justiça
Agentes Poder Poder
Coletivos de Sociedade Poder Ministério Defensoria
Privados Executivo Legislativo
Direitos Civil Judiciário Público Pública
Indígenas STTR-STM Empresas Poder Promotoria Programa Dep. Fed.
Borari- Madeireiras Judiciário do de Meio Estadual de Lira Maria
Arapiun Estado do Ambiente em Proteção a (DEM-PA)
Pará – Santarém Defensores
Comarca de (MPE/PA) de Direitos
Santarém Humanos
CPT - STM Imprensa Justiça Procuradoria Funai
Federal em da República
Santarém em Santarém
Projeto COOEPA TRF 1ª Reg. Promotoria Ibama
Saúde & de Justiça
Alegria Criminal da
Comarca de
Santarém
(MPE/PA)
CITA ACOTARM ITERPA
Relatoria de SEMA
Segurança
Alimentar/
Plataforma
Dhesca
Terra de PC/PA
Direitos
GCI
11
Associações
de Moradores
das
Comunidades
Locais

Quadro 10 - Judicialização do Conflito

CASO – TERRA INDÍGENA MARÓ


Classe Processual Manejada
Categorias de Litigantes
Justiça Cível Tipo Penal Observação
Advocacia Popular Terra de Direitos Defesa das ações civis e
criminais movidas pelas
empresas madeireiras e o
Ministério Público Estadual
em face do movimento
indígena
Agentes do Estado Ministério Público Ação Civil Pública Objeto: compelir a FUNAI a
Federal prosseguir com a
demarcação da TI Maró
Continua na página 74

73
Relatorio Terra de Direitos 2013 - novo_Layout 1 27/08/13 13:45 Page 74

Continuação na página 73 – Quadro 10

CASO – TERRA INDÍGENA MARÓ


Classe Processual Manejada
Categorias de Litigantes
Justiça Cível Tipo Penal Observação
Agentes do Estado Ministério Público Ameaça; Cárcere Réus: lideranças do
Estadual Privado; Incêndio em STTR/STM, da CPT, da
Embarcação; FETAGRI (PA e AP), CITA,
Atentado Contra a do povo indígena
Segurança de Borari-Arapin e a Associação
Transporte das Comunidades da Região
Marítimo; Quadrilha da Nova Olinda I
Armada;
Desobediência;
Exercício Arbitrário
das Próprias Razões
Polícia Civil Pedido de Prisão Contra liderança do
Preventiva movimento indígena Maró
Agentes Privados Empresas Ação de Interdito Objeto: impedir que as
Madeireiras Proibitório lideranças do movimento
indígena não transitassem
nas áreas de plano de manejo
da empresa, mesmo parte
delas estando sobrepostas
ao território indígena Maró
// Atuação da Terra de
Direitos na defesa processual
dos indígenas
Ação de Indenização Ações movidas em
por Danos Morais decorrência de denúncias
contra a exploração
madeireira realizadas pela
liderança indígena e por
Calúnia professores
Ação de Objeto: desobstruir o rio e
Desobstrução do liberar as balsas que
Rio Arapiuns   transportavam madeira
provenientes de planos de
manejo na Gleba Nova
Olinda I
Associações de Ação de Anulação Objeto: a nulidade do
Moradores de de Processo processo de demarcação da
Comunidades Locais Administrativo TI Maró pela Funai e a
cumulada com Ação declaração judicial da
Declaratória de inexistência da etnia
Inexistência de etnia Borari-Arapiun, bem como
e posse indígena a posse do seu território,
além da declaração de
resguardo de todos os
direitos patrimoniais das
comunidades não indígenas
sobre os recursos naturais
de seus territórios //
Atuação da Terra de Direitos
na defesa processual
dos indígenas
TOTAL 6 6 3 Total de Ações Judiciais 9

74
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reiras continuam em vigor. Ainda há sar das solicitações dos indígenas. As


denúncias de exploração madeireira políticas públicas, enfim, verificam-se
dentro da terra indígena124. A SEMA não quase inexistentes ou prestadas preca-
realizou mais fiscalizações na área, ape- riamente pelo Estado.

124
Cf. o “Relatório da Missão ao Território Indígena Maró: violações de direitos humanos aos povos da terra indígena Maró,
no oeste do Estado do Pará”, produzido pela Relatoria do Direito Humano à Terra, Território e Alimentação em visita
ao Território Indígena Maró, com a relatoria de Sérgio Sauer e Assessoria de Gladstone Leonel da Silva Júnior. Setembro
de 2011. Disponível em: <http://www.dhescbrasil.org.br/attachments/500_Relatorio%20da%20miss%C3%A3o%20-
%20Mar%C3%B3%20-%202011.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2013.

75
Relatorio Terra de Direitos 2013 - novo_Layout 1 27/08/13 13:45 Page 76

ANÁLISE E CONSIDERAÇÕES SOBRE OS


ESTUDOS DE CASOS E A SOLUÇÃO DE
CONFLITOS FUNDIÁRIOS RURAIS

a. Os elementos Os estudos de casos revelam, neste


constitutivos do conflito sentido, o “primeiro elemento constituinte
dos conflitos fundiários rurais: o envolvi-
A análise dos quatro Casos Emble- mento de sujeitos coletivos de direitos”126,
máticos de conflitos fundiários rurais nos que possuem os seus modos de vida atre-
permite identificar os elementos que lados à terra, às águas, às florestas e ao
compõem a complexidade histórica, território, de onde emanam e são amea-
social, econômica, cultural, política, jurí- çadas diferentes categorias de direitos
dica e institucional característica dos fundamentais econômicos, sociais, étni-
conflitos fundiários. De um lado, uma cos e culturais resguardados e garantidos
dimensão histórica, social, econômica e pela Constituição de 1988. São sujeitos
cultural que caracteriza os sujeitos envol- que assumem diversas manifestações
vidos, e, de outro, uma dimensão política, sociais, étnicas e culturais na realidade
jurídica e institucional diretamente impli- agrária brasileira, dentre elas as de cam-
cada nas responsabilidades, compromis- poneses, indígenas, quilombolas, como se
sos e deveres do Estado Democrático de percebem nos quatro estudos de casos,
Direito em relação àqueles sujeitos. além de comunidades tradicionais diver-
sas, como as babaçueiras, ribeirinhos,
Desde uma perspectiva dos sujeitos,
pescadores, açaizeiras, comunidades de
o referencial da sociologia rural – indispen-
fundo de pasto, faxinalenses, dentre ou-
sável para uma análise que se pretenda
tras manifestações regionais.
adequada para uma eficaz compreensão e
solução dos conflitos fundiários – nos Atrelados a estes sujeitos coletivos
indica que os conflitos fundiários apresen- de direitos, pode-se observar dois elemen-
tam-se, hoje, como reiteração ou reação a tos correlatos e também constitutivos dos
um modelo histórico de exclusão, expro- conflitos fundiários: de uma lado, os direi-
priação e violência contra os sujeitos que tos fundamentais que emanam da sua
aliam de forma intrínseca e indissociável a condição histórica de vida junto à terra e
posse da terra ao trabalho e aos seus ao território, e, de outro, as políticas públi-
modos de vida, em oposição à expansão cas diretamente referidas e implicadas a
do agronegócio, dos empreendimentos de estes direitos fundamentais, ao menos na
infraestrutura e mineração sobre suas ter- forma constituída pelo Estado Democrá-
ras e territórios.125 tico de Direito instaurado nos termos da

125
Cf. SAUER, op. cit, 2010; ALMEIDA, Alfredo Wagner. Terras tradicionalmente ocupadas: terras de quilombo, terras
indígenas, babaçuais livres, castanhais do povo, faxinais e fundos de pasto. 2. ed. Manaus: Universidade do
Amazonas, 2008.
126
Cf. SOUSA JUNIOR, José Geraldo. Movimentos Sociais – Emergência de Novos Sujeitos: O Sujeito Coletivo de
Direito. In: SOUTO, Cláudio; FALCÃO, Joaquim. (Org.). Sociologia e direito. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1999.

76
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Constituição de 1988. Eis, portanto, o assumem formas distintas de manifesta-


segundo e terceiro elementos constitutivos ção fundadas sobre matrizes sociais,
dos conflitos fundiários rurais, agora já dire- étnicas e culturais, verifica-se que os
tamente emanados do Estado Democrá- agentes privados também assumem
tico de Direito pelo qual eles são garantidos: diferentes categorias de apresentação,
direitos fundamentais vinculados aos mo- geralmente representativas de setores e
dos de vida junto à terra e ao território, e as interesses econômicos. Neste sentido, pu-
políticas públicas que lhes são correlatas no deram ser observados nos quatros casos
Estado Democrático de Direito. estudados, por exemplo, o envolvimento
das categorias: proprietário de engenho de
De modo complementar e intrinse-
cana-de-açúcar e jagunços empregados127;
camente vinculado a estes três primeiros
proprietários de terras128 e milícia armada129;
elementos constitutivos dos conflitos fun-
e empresas madeireiras130.
diários, encontramos as instituições e
órgãos públicos diretamente implicados, Nestes termos, é possível apresentar
quer na promoção e defesa dos direitos um quadro exemplificativo com os cinco
daqueles sujeitos coletivos – compreendi- elementos constitutivos mínimos caracte-
dos em sua situação de vulnerabilidade rísticos dos conflitos fundiários rurais,
econômica e social –, quer na realização com vistas à análise e projeção de medi-
das políticas públicas fundiárias e correla- das para a mediação e soluções alternati-
tas que constituem parte da estrutura vas de conflitos. Quadro 11 (página 78).
organizacional, econômica, social, étnica e
cultural da República Federativa do Brasil. De fato, compreende-se que a iden-
Neste sentido, apresentam-se no cenário tificação dos elementos constitutivos, no
como quarto elemento constitutivo dos caso concreto, é condição de possibilidade
conflitos fundiários os órgãos públicos para uma adequada estratégia de media-
fundiários e correlatos (de políticas sociais, ção para a solução pacífica do conflito.
econômicas, étnicas e culturais).
A título de validação do Quadro 11,
Em oposição aos quatro primeiros apresenta-se, no Quadro 12 (página 78), a
elementos constitutivos dos conflitos fun- relação entre os elementos constitutivos
diários, pode ser identificado, finalmente, dos conflitos fundiários rurais e os casos
um quinto elemento constitutivo que pos- estudados acima:
sui, por seu turno, uma distinção e forma
Desse modo, evidencia-se a implica-
mista na sua constituição interna: ora se
ção da identificação dos elementos cons-
apresenta como agentes privados, ora
titutivos dos conflitos fundiários rurais
como órgãos públicos, ora confundem-se
sobre uma projeção voltada para a media-
na figura de consórcios ou concessioná-
ção e solução alternativa dos conflitos.
rias voltados à realização de grandes
Neste sentido, compreende-se que a
empreendimentos.
identificação destes cinco elementos
Se os sujeitos coletivos de direitos constitutivos dos conflitos fundiários

127
Caso nº 1 – Contra-Açude/Buscaú – Pernambuco.
128
Caso nº 2 – Fazenda Santa Filomena – Acampamento “Elias de Meura” – Paraná e Caso nº 3 – Comunidade
Quilombola Manoel Siriaco – Paraná.
129
Caso nº 2 – Fazenda Santa Filomena – Acampamento “Elias de Meura” – Paraná.
130
Caso nº 4 – Terra Indígena Maró.

77
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Quadro 11 - Cinco Elementos Mínimos Constitutivos do Conflito Fundiário Rural

1 Sujeitos Coletivos Emanam das Manifestações Sociais,


de Direitos Étnicas e Culturais

2 Direitos Fundamentais Emanam do Reconhecimento dos


Correlatos Modos de Vida Atrelado à Terra,
às Águas, às Florestas ou ao
Território no Estado Democrático
de Direito

3 Políticas Públicas Emanam da Organização Social,


Correlatas Econômica e Cultural do Estado
Brasileiro

4 Instituições Públicas Emanam da Organização Política do


Implicadas Estado Brasileiro

5 5.1 Agentes Privados Motivados por interesses


econômicos privados

5.2 Órgãos Públicos Motivados pelo Interesse Público

5.3 Consórcios/ Motivados pela Forma Mista de


Concessionárias Interesses Econômicos Privados
e Interesse Público

Quadro 12 - Elementos Constitutivos e os Casos Estudados

Elementos Constitutivos Caso nº 1 Caso nº 2 Caso nº 3 Caso nº 4


1 Sujeitos Coletivos Camponeses Camponeses Comunidade Povo
de Direitos Posseiros Sem Terra Quilombola Indígena
2 Direitos Acesso à Terra, ao Acesso à Terra, ao Reconhecimento da Reconhecimento da
Fundamentais Trabalho, à Trabalho, à Propriedade Organização Social,
Correlatos Alimentação, à Alimentação, à Definitiva sobre o Costumes, Língua,
Moradia, à Educação, Moradia, à Educação, Território e a Crença, Tradição e
à Saúde e ao Lazer à Saúde e ao Lazer Proteção das suas os Direitos
Manifestações Originários sobre as
Culturais Terras que Ocupam
3 Políticas Públicas Reforma Agrária Reforma Agrária Titulação do Demarcação da
Correlatas Território Terra Indígena
4 Instituições Públicas Instituto de Instituto de Instituto de Fundação Nacional
Implicadas Colonização e Colonização e Colonização e do Índio (Funai)
Reforma Agrária – Reforma Agrária – Reforma Agrária
(Incra) (Incra) (Incra); Fundação
Cultural Palmares;
Seppir
5 Agentes Privados Proprietário de Proprietário Rural Proprietários Rurais Empresas
Engenho e e Milícia Armada Madeireiras
Funcionários

78
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apresenta-se como condição de possibi- Para Boaventura de Sousa Santos, a


lidade para uma adequada e eficaz tendência de expansão do protagonismo
mediação e solução pacífica do conflito, judicial é observada junto ao desenvolvi-
na medida em que permite a compreen- mento e crise do Estado de Bem-Estar
são acerca da sua complexidade constitu- (2009, p. 95). Neste sentido, será anali-
tiva, e, desse modo, fornece as condições sada aqui a judicialização dos conflitos
para a produção de uma resposta capaz fundiários no Brasil.
de solucioná-lo a partir das suas diversas
Isto importa, passando ao segundo
dimensões.
elemento, na medida em que este pro-
Cumpre ressaltar, por fim, a com- cesso de expansão judicial carrega con-
preensão de que esta proposição dos sigo a ampliação e desenvolvimento das
cinco elementos constitutivos dos confli- funções sociopolíticas do sistema de jus-
tos fundiários representa um esforço ana- tiça. Em países como Brasil, onde as insti-
lítico que, no entanto, está longe de tuições não passaram por processos
esgotar as diversas manifestações con- históricos de transformações políticas em
cretas dos conflitos fundiários em sua relação à cultura jurídica (SANTOS, 2009,
variação no tempo e no espaço, de modo p. 104), nem reformas institucionais inse-
que, a estes cinco elementos, certamente ridas no debate sobre a justiça de transi-
devem ser somados outros tantos com- ção (SANTOS, 2009, p. 107; SILVA FILHO,
ponentes necessários à compreensão 2011, p. 282 e 289), este fenômeno confi-
para a adequada solução dos conflitos gura um quadro em que se amplia a inter-
fundiários rurais no caso concreto. ferência das instituições de justiça em
temas econômicos, políticos e sociais,
sem que estas instituições tenham sido
b. O cenário e a implicação capacitadas e seus agentes (trans)forma-
panorâmica da dos em sua cultura jurídica, a fim de
judicialização do conflito absorver demandas que não mais dizem
Um fator de especial relevância no respeito à solução de problemas patrimo-
que diz respeito à análise para a contribui- niais e contratuais entre indivíduos, mas
ção a uma cultura institucional de media- agora dizem respeito a litígios sobre
ção e soluções alternativas dos conflitos casos estruturais (GARAVITO; FRANCO,
fundiários rurais é o fato da sua inserção no 2010), envolvendo, de um lado, as garan-
cenário e fenômeno da expansão do pro- tias e direitos fundamentais de sujeitos
tagonismo judicial, o que gera uma tendên- coletivos de direitos, aliados à realização
cia à judicialização dos conflitos sociais. de políticas públicas inseridas no bojo do
estado democrático de direito, implicada
Nestes termos, é necessário com-
na atuação de instituições públicas, e em
preender três elementos: de um lado, que
oposição, de outro lado, a interesses pri-
a judicialização dos conflitos fundiários
vados de forte cunho e influência política
não é fenômeno isolado, específico ou
e econômica. Eis o cenário em que se
intencional, mas está inserido em uma
insere a judicialização dos conflitos fun-
tendência maior que afeta todo o mundo
diários.
ocidental de maneira variada, na medida
das diferentes estruturas políticas e eco- O terceiro elemento, enfim, res-
nômicas dos estados. ponde a uma questão mais pragmática:

79
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no cenário da judicialização dos conflitos car, como alerta Santos (2007), que
fundiários, torna-se praticamente inevitá- determinada categoria de atores talvez
vel que o conflito fundiário não seja cana- possuam maior confiança no sistema de
lizado para a via judicial. Neste ponto, justiça para a defesa dos seus interesses,
inserem-se as categorias analíticas da o que certamente se produz na medida
sociologia da justiça para uma compreen- de uma via de mão dupla, onde a maior
são dos elementos constitutivos da judi- confiança no acionamento da justiça tam-
cialização dos conflitos fundiários, a fim bém significa uma melhor experiência no
de se projetar medidas voltadas à media- contato com a justiça.
ção e solução alternativas destes confli-
Este referencial analítico permitiu, ao
tos. Como dito anteriormente, sem
cabo dos estudos de casos, identificar
ignorar a importância da construção her-
diversos elementos que indicam os fatores
menêutica da solução do conflito judicia-
que caracterizam o cenário da judicializa-
lizado, portanto, a presente pesquisa
ção dos conflitos fundiários rurais no Brasil,
orientou-se e aposta no aprofundamento
de modo compreender o fenômeno em
da análise e ferramentas da sociologia
sua complexidade para, enfim, construir as
jurídica como elementos potenciais para
condições para uma adequada projeção
uma mudança na cultura institucional e
de uma cultura institucional voltada à
jurídica de soluções de conflitos fundiá-
mediação e soluções alternativas destes
rios no Brasil.
conflitos. É o que se passa a apresentar.
Desse modo, ao invés de desenvol-
ver uma discussão acerca da eficácia dos
direitos envolvidos nos conflitos fundiá- c. Análise de resultados: os
rios rurais, optou-se por mirar a análise elementos constitutivos
para a orientação metodológica de dos conflitos fundiários
Cappelletti & Garth (1988), identificando em sede do cenário da
quem são, investigando quais os papéis sua judicialização
desempenhados e quais as disparidades A compreensão e análise dos cinco
de condições socioeconômicas observa- elementos constitutivos dos conflitos fun-
das entre as partes litigantes. Alia-se, diários rurais (quadro 12) produzem um
neste ponto, a proposta analítica de efeito imediato sobre a análise do cenário
Santos (2007), no que diz respeito ao da judicialização destes conflitos. De fato,
olhar sobre a hipótese de serem reprodu- ao identificar-se que tais conflitos produ-
zidos certos padrões judiciais entre cate- zem litígios intrinsecamente ligados a
gorias de litigantes que frequentemente sujeitos coletivos, direitos fundamentais,
se enfrentam na justiça, e as classes pro- políticas públicas e órgãos públicos cor-
cessuais usualmente manejadas por eles. relatos, coloca-se em questão o dilema
acerca da capacidade institucional do sis-
Na esteira deste referencial concei-
tema de justiça em lidar com uma
tual e orientação metodológica, foi possí-
demanda desta natureza e complexidade
vel identificar, por exemplo, em que polo
econômica, social, étnica, cultural, política,
processual usualmente se situam os dife-
jurídica e institucional.
rentes litigantes. Neste sentido, verificar
também quem são os “responsáveis” pela Em um conflito fundiário rural, o sis-
judicialização do conflito, o que pode indi- tema de justiça vê-se diante de um caso

80
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estrutural, portanto, deve compreender das sobre a realização ou falhas de políti-


que precisa, necessariamente, produzir cas públicas; 3) implicar ordens judiciais
respostas estruturais. Para Garavito & de execução complexa, as quais determi-
Franco (2010, p. 16 e 41), os casos estru- nam a realização de ações coordenadas
turais são caracterizados por: 1) afetar um para proteger a população afetada.
número amplo de pessoas que alegam
No Quadro 13, é possível identificar
violações a seus direitos; 2) envolver
os elementos que compõem a natureza
várias entidades estatais como demanda-

Quadro 13 - Componentes da Natureza Estrutural dos Conflitos Fundiários Rurais

Sujeitos Direitos Proteção Política Pública Órgãos Públicos


Coletivos Implicados Constitucional Correlata Implicados
Camponeses Acesso à terra,
trabalho, moradia, Art. 1º, III e IV; Reforma Agrária Instituto de Colonização
alimentação, Art. 3º, I III; Art. 5º, e Reforma Agrária -
educação, saúde caput e XXIII; INCRA/MDA; Institutos de
e lazer Art. 170, III e VII; Terras Estaduais
Arts. 184 e 186;
Indígenas Reconhecimento Art. 1º, III e IV; Demarcação do Fundação Nacional do
da organização Art. 3º, I, III e IV; Território Índio - FUNAI/MJ
social, costumes, Art. 170, VI e VII;
línguas, crenças e Art. 215, §1º;
tradições, e os Art. 216, II;
direitos originários Art. 231;
sobre as terras que Art. 232;
tradicionalmente
ocupam
Quilombolas Reconhecimento da Art. 1º,III e IV; Titulação do Instituto de Colonização e
propriedade Art. 3º, I, III e IV; Território Reforma Agrária - INCRA/MDA;
definitiva sobre o Art. 170, VII; , Fundação Cultural
território e a Art. 215 §1º; Palmares/MinC; Secretaria
proteção das suas ` Art. 216, II e §5º; Especial de Promoção da
manifstações Igualdade Racial - SEPIR
culturais
Povos e Reconhecimento, Art. 1º, III e IV; Regularização dos Comissão Nacional de
Comunidades fortalecimento e Art. 3º, I, III e IV; Direitos Territoriais, Desenvolvimento
Tradicionais garantia dos seus Art. 170, III, VI e VII; Sociais, Ambientais, Sustentável
direitos territoriais, Art. 186, II e IV; Econômicos, dos Povos e
sociais, ambientais, Art. 215, §1º; Culturais Comunidades
econômicos e Art. 216, II; Tradicionais
culturais por analogia
Art. 231;
Art. 68 do ADCT
(cf. Dec.
Nº 6.040/07)

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estrutural dos diferentes conflitos fundiá- titutivos dos conflitos fundiários em sua
rios rurais: apresentação característica, e Quadro 13,
que faz a sua aplicação aos 4 casos estu-
Desse modo, ao deparar-se com
dados, é possível verificar esta natureza
um caso estrutural, é necessária a reali-
de complexidade social e institucional que
zação de um procedimento de identifi-
caracteriza os conflitos fundiários rurais
cação dos elementos que compõem esta
como casos estruturais.131
natureza estrutural dos conflitos fundiá-
rios rurais, de modo a projetar estraté- De fato, nos termos do Quadro 14
gias e ações voltadas à satisfação e (abaixo), foi possível observar o envolvi-
coordenação de direitos e deveres fun- mento de, no mínimo, cinco, e, no
cionais que compõem o caso em ques- máximo, nove instituições do Poder
tão. Para Garavito & Franco (2010, p. 41), Executivo da União e dos Estados nos
a natureza estrutural de um caso deman- casos analisados, ao passo em que não se
da uma postura e cultura institucional observou, por seu turno, a inserção de ins-
dialógica por parte do poder judiciário, tituições municipais no âmbito dos confli-
compreendendo-se a tendência à judi- tos estudados, o que se apresenta, desde
cialização na qual estão inseridos os logo, como um achado de pesquisa que
conflitos fundiários no Brasil. indica a omissão dos Poderes Executivos
i) Sobre os quadros de agentes Municipais no sentido da assistência ou
e instituições envolvidas nos mediação para a solução dos conflitos.
conflitos Ainda no que tange ao envolvimento
e complexidade institucional nos conflitos
Da análise dos quadros sobre atores
fundiários rurais, outro fator que chamou a
e instituições envolvidas nos casos estu-
atenção nos casos estudados foi a interven-
dados (Quadros 4, 6, 8 e 10), aliado ao
ção do Poder Legislativo. Verifica-se que
Quadro 12, que indica os elementos cons-

Quadro 14 - Síntese dos Agentes e Instituições Envolvidas nos Casos Estudados

Sociedade Civil Estado


Sujeitos Entidades Sistema de Justiça
Caso Agentes Poder Poder Poder
Coletivos Sociedade Ministério Defensoria
Privados Judiciário Executivo Legislativo
de Direitos Civil Público Pública
Nº 1 -
1 2 1 2 3 _ 5 _
Agrário/PE
Nº 2 -
1 4 4 3 2 _ 9 _
Agrário/PR
Nº 3 -
Quilombo- 3 1 1 2 1 _ 7 2
la/PR
Nº 4 -
Indígena 1 18 8 3 3 _ 7 1
/PA

131
Compreende-se que, ainda que alguns casos concretos não mais envolvam uma escala de milhares de pessoas, a
manifestação estrutural dos conflitos fundiários por todo o Brasil, sem uma ligação direta entre eles, mas certa-
mente eclodindo de situações motivadas pelas mesmas raízes históricas, econômicas, sociais, étnicas e culturais,
aliada aos outros fatores constitutivos dos conflitos fundiários rurais, confere-lhe o caráter os casos estruturais.

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somente os casos referentes aos conflitos dos Defensores de Direitos Humanos


de natureza quilombola e indígena (Casos (Casos nº 1 e 4), bem como a Comissão
nº 3 e nº 4, respectivamente) acusaram Interamericana de Direitos Humanos da
algum envolvimento de agentes do Poder Organização dos Estados Americanos/OEA
Legislativo Estadual e Federal (Casos nº 3 e (Caso nº 2), o que confere, ainda, maior
nº 4, respectivamente), com um elemento complexidade institucional aos conflitos
preocupante, porém revelador: em ambos fundiários rurais em nosso país.132
os casos, os agentes do Poder Legislativo
interviram para manifestar a sua oposição
às reivindicações dos sujeitos coletivos ii) Sobre os quadros de
envolvidos. Some-se a isso, ainda, uma ter- judicialização dos conflitos
ceira intervenção, esta de caráter nacional:
a propositura no Supremo Tribunal Federal Os Quadros 5, 7, 9 e 11 indicam o
de uma Ação Direta de Inconstitucionali- cenário panorâmico da judicialização dos
dade contra o instrumento normativo que conflitos fundiários estudados. De um
regulamenta o acesso aos direitos quilom- modo geral, estes quadros revelaram
bolas (Cf. Caso nº 3). Por fim, uma último informações e elementos importantes
achado: todas as três incidências dizem res- para a análise no termos das categorias
peito a um mesmo partido político, o analíticas da sociologia do acesso à jus-
Partido dos Democratas. tiça, como demonstrado a seguir.
Desde uma primeira perspectiva
No que diz respeito ao sistema de
quantitativa, foi observada uma incidência
justiça, por seu turno, observa-se a inter-
mínima de cinco e máxima de quinze pro-
venção do Poder Judiciário e do Ministério
cessos judiciais por caso, dentre os quatro
Público em todos os casos estudados,
estudados. No que se refere às partes liti-
quer em sua dimensão federal ou estadual,
gantes, verifica-se que os agentes privados
observando-se até mesmo a incidência do
são a categoria que mais possui disposição
Supremo Tribunal Federal no caso
para acionar o judiciário, correspondendo
Quilombola (nº 3), em sede de controle de
à autoria de 20 de um total de 35 ações
constitucionalidade. Já a Defensoria
judiciais manejadas nos quatro casos estu-
Pública, por seu turno, não foi observada
dados. Destas 20 ações, seis possuem o
em nenhum dos casos estudados.
objetivo de suspender, paralisar ou anular
Por fim, vale ressaltar que, para além os procedimentos da política pública fun-
das instituições de âmbito nacional envol- diária, ajuizados contra o Incra133 e Funai,
vidas e inseridas nos quadros, também se enquanto as outras quatorze foram ajuiza-
verificou, nos casos estudados, o aciona- das contra os sujeitos coletivos de direitos,
mento de órgãos internacionais, como a mais especificamente as suas lideranças,
Relatoria Especial da ONU sobre a situação defensores de direitos humanos134. Res-

132
Para um debate sobre a questão da justiciabilidade internacional enquanto estratégia de direitos humanos inserida
no instrumental das entidades de assessoria jurídica e advocacia popular, cf. a pesquisa realizada pela Terra de
Direitos sobre o tema (GEDIEL, GORSDORF, ESCRIVÃO FILHO et al, 2012).
133
Ressalte-se que o Incra ajuizou apenas uma ação judicial de desapropriação para fins de reforma agrária, mas res-
pondeu juridicamente em outras seis ações que visavam sustar o andamento de processos administrativos e judi-
ciais, e uma ação em que o Ministério Público o demanda a realizar a titulação do território quilombola.
134
Vale mencionar que o Programa de Proteção aos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, da Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República, atuou nos casos quilombola e indígena, ao passo que o Programa
Estadual de Proteção atuou no caso dos posseiros de Pernambuco.

83
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salte-se que, no Caso nº 3, referente ao informação sobre o cenário da judicializa-


conflito envolvendo a comunidade quilom- ção dos conflitos fundiários e o acesso à
bola, não foi verificada nenhuma ação judi- justiça para os sujeitos coletivos de direi-
cial interposta pelos agentes privados. tos ligados à terra e ao território no Brasil.
Ao passo em que eles pouco acionam a
Por outro lado, verifica-se que, nas
justiça, são, por outro lado, acionados em
35 ações judiciais manejadas nos quatro
metade das ações judiciais presentes à
casos analisados, ao passo em que os
pesquisa. Isto demonstra, de certa forma,
sujeitos coletivos de direitos são proces-
que, no cenário da judicialização dos con-
sados em quatorze ações ajuizadas pelos
flitos fundiários, os sujeitos coletivos de
agentes privados, e três ações criminais
direitos não vêm constituindo-se enquan-
manejadas pelo Ministério Público e
to sujeitos da judicialização, quer dizer,
Polícia Civil (pedidos de prisão temporá-
não buscam ou acionam a justiça para a
ria), em apenas quatro ações judiciais,
defesa de seus direitos, mas são chama-
eles, sujeitos coletivos de direitos, apre-
dos à justiça de maneira involuntária,
sentam-se como autores, mediatizados
portanto. Isto fornece indícios de que o
pela advocacia popular135. Ressalte-se que
cenário de judicialização dos conflitos
todas estas quatro ações judiciais são
fundiários não aponta para um ambiente
referentes aos conflitos agrários envol-
de acesso ou busca voluntária da justiça
vendo camponeses posseiros e sem ter-
pelos sujeitos coletivos de direitos.
ras, nos termos dos Casos nº 1 e nº 2,
respectivamente. Em ambos os casos
Esta informação sobre a disposição
estudados, as ações foram ajuizadas dire-
dos litigantes para o acionamento da jus-
tamente em representação das famílias
tiça indica, conforme o alerta de Boaven-
camponesas, e diziam respeito, todas elas,
tura de Sousa Santos, que os agentes
a processos judiciais de natureza fundiá-
privados possuem maior confiança e expe-
ria, ou seja, ações que discutem os direitos
riências exitosas na utilização da justiça
referentes à propriedade do imóvel rural
para a defesa e realização de seus interes-
em litígio. Em todos os casos, ressalte-se,
ses, em oposição aos interesses, direitos
os pedidos dos camponeses sequer foram
fundamentais e a realização das políticas
admitidos pela justiça, ou seja, sequer
públicas referidas aos sujeitos coletivos de
chegaram a ser julgados, pois foram
direitos, em sede dos conflitos fundiários
negados sem a análise do que se buscava
rurais. Esta é uma informação empírica de
discutir, no caso, os direitos fundamentais
extrema relevância no cenário da política
de acesso à terra e correlatos.
pública de acesso e debate sobre a demo-
Neste ponto emana uma importante cratização da justiça no Brasil.

135
Sobre o papel da assessoria jurídica e advocacia popular no trabalho de tradução, e mediação jurídica das demandas
políticas dos movimentos sociais de lutas por direitos, vide: GEDIEL, J.; GORSDORF, L.; ESCRIVÃO FILHO, Antonio et al.
et al. Mapa territorial, temático e instrumental da assessoria jurídica e advocacia popular no Brasil. Observatório da
Justiça Brasileira. Belo Horizonte: FAFICH-CES/AL, 2012; SÁ E SILVA, Fábio. ‘É possível, mas agora não’: a democratização
da justiça no cotidiano dos advogados populares. In: SÁ E SILVA, Fábio; LOPEZ, F. G.; PIRES, R. R. C. Estado, Instituições
e Democracia: Democracia. Série Eixos Estratégicos do Desenvolvimento Brasileiro; Fortalecimento do Estado, das
Instituições e da Democracia; Livro 9, Volume 2. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2010.
Disponível em: <http://www.redeopbrasil.com.br/html/biblioteca/docs_2011/Livro_estadoinstituicoes_vol2.pdf>. Acesso
em: 25 jan. 2012; SANTOS, Boaventura de Sousa; CARLET, Flávia. The Landless Rural Workers’ Movement and its Legal
and Political Strategies for Gaining Access to Law and Justice in Brazil. Preliminary Draft, Prepared for World Justice
Forum. Vienna, 2008. 41p. Disponível em: <http://www.lexisnexis.com/documents/pdf/20080924043058_large.pdf>.
Acesso em: 23 nov. 2011.

84
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Já o Ministério Público se apresenta inércia, burocracia ou captura por grupos


com sete ações de natureza cível e crimi- de interesses, em detrimento de grupos
nal, estadual e federal, ajuizadas. O com menos força, no caso, as comunida-
Ministério Público Federal também lançou des quilombola e indígena dos estudos
mão de Ação Civil Pública para movimen- realizados.
tar o Incra no sentido da titulação do ter-
ritório quilombola. Aqui, novamente, se O Quadro 15 apresenta, enfim, o
apresenta um achado de pesquisa refe- cenário da judicialização dos conflitos
rente aos conflitos envolvendo sujeitos e estudados:
direitos de natureza étnica e cultural: tam-
Vêm à evidência, desse modo, duas
bém no caso da Terra Indígena Maró, o
questões de relevância para o estudo,
Ministério Público Federal ajuizou Ação
compreensão, e mediação para a solução
Civil Pública com vistas a compelir a Funai
pacífica dos conflitos fundiários rurais: de
a prosseguir com o processo administra-
um lado, o cenário de uma judicialização
tivo de demarcação da terra indígena.
do conflito imposta aos sujeitos coletivos
O que se verifica, nestes dois casos, de direitos e presente em todos os casos
é o órgão ministerial federal buscando, aí, estudados136; de outro, a presença com-
algo similar ao que Garavito & Franco plexa, variada e coordenada de classes
(2010, p. 49) chamariam de efeito de des- processuais usualmente manejadas pelas
bloqueio institucional, caracterizado pela mesmas categorias de litigantes, em
judicialização de uma medida de política casos distintos, conforme o Quadro 16
pública com a finalidade de movimentar (página 86), meramente ilustrativo, pro-
o órgão público competente que se duzido a partir de informações que ultra-
encontra bloqueado em sua função por passam os limites da presente pesquisa137:

Quadro 15 - Síntese da Judicialização dos Casos Estudados

Caso nº 1 Caso nº 2 Caso nº 3 Caso nº 4 Total


Categorias
Polo Polo Polo Polo Polo Polo Polo Polo Polo Polo
de Litigantes
Ativo Passivo Ativo Passivo Ativo Passivo Ativo Passivo Atovo Passivo
Sujeitos
Coletivos de 2 10 2 1 – – – 7 4 18
Direitos
Ministério
1 – – – 4 – 2 – 7 –
Público
Órgãos
Públicos de
– 2 1 3 – 1 – 1 1 7
Regularização
Fundiária
Agentes
10 1 4 2 – 3 6 – 20 7
Privados
Polícia Civil 1 – – – – – 1 – 2 –
Total 15 7 4 9 35

136
No mesmo sentido, Boaventura alerta para o fato de que o contato das classes populares com a justiça constitui-
se na história, usualmente, pela via repressiva, raras vezes observando-as como mobilizadores ativos da justiça:
SANTOS, 2011, p. 28.
137
Base de dados processuais da Terra de Direitos.

85
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Quadro 16 - Panorama da Judicialização do Conflito Fundiário Rural

Classe Processual Litigantes Instituição Natureza do


Polo Ativo Polo Passivo de Justiça Conflito
Ação Civil Pública Ministério Público Órgão Público de Justiça Federal Tradicional, Étnica,
Federal Regularização Cultural
Fundiária
Ação Judicial de Órgão Público de Agentes Privados Justiça Federal Reforma Agrária
Regularização Fundiária Regularização
Fundiária
Ação Anulatória de Agentes Privados Órgão Público de Justiça Federal Reforma Agrária
Ato Administrativo Regularização
Fundiária
Ação Cautelar/ Declaratória Agentes Privados Órgão Público de Justiça Federal Reforma Agrária
de Produtividade Regularização
Fundiária
Ação Possessória Agentes Privados Sujeitos Coletivos Justiça Estadual Ambos
de Direitos Cível
Representação Criminal Agentes Privados Sujeitos Coletivos Justiça Estadual Ambos
de Direitos Criminal
Ação Penal Ministério Público Sujeitos Coletivos Justiça Estadual Ambos
Estadual de Direitos Criminal
Representação Criminal Sujeitos Coletivos Agentes Privados Justiça Estadual Ambos
de Direitos Criminal
Pedido de Assistência Sujeitos Coletivos Agentes Privados Justiça federal Reforma Agrária
em Ação de Discussão de Direitos
Fundiária

Nos termos do Quadro 16, verificam- Direitos, a partir de motivações


se as seguintes informações sobre o pa- específicas;
norama de judicialização dos conflitos iii) Enfrentamento frequente: obser-
fundiários rurais: va-se que, entre as cinco categorias
i) Litigantes: observam-se cinco de litigantes e as oito classes pro-
categorias de litigantes usuais que cessuais manejadas, é produzida
se enfrentam de modo coordenado, uma relação padrão de quatro en-
na medida de determinadas classes frentamentos frequentes e seis tipos
processuais; de enfrentamento, variando-se os
polos entre os mesmos litigantes;
ii) Classes Processuais: observam-se
iv) Dentre as categorias de litigan-
oito classes processuais sempre
tes, os Agentes Privados apresen-
manejadas por categorias específi-
tam-se como os mais frequentes,
cas de litigantes, o que significa que,
caracterizando-se, assim, como os
à categoria de litigante, corresponde
litigantes habituais138 dos conflitos
uma ou mais classes processuais
fundiários rurais.
usualmente manejadas somente por
ela, com exceção à representação Este achado, que indica os Agentes
criminal, que é manejada por Agen- Privados como os litigantes habituados e
tes Privados e Sujeitos Coletivos de confiantes na judicialização do conflito

138
Cf. CAPPELLETTI, op. cit, 1988; SANTOS, 2011, p. 45.

86
Relatorio Terra de Direitos 2013 - novo_Layout 1 27/08/13 13:45 Page 87

fundiário, coloca para um debate mais brasileiro apresenta-se como um exemplo


aprofundado a demanda por uma análise vigoroso de um processo de transição
sobre as questões da i) disparidade de controlada (ABRÃO; TORELLY, 2011, p.
armas; ii) da tensão entre o formalismo 232), ausente de rupturas e marcado
jurídico e a diversidade étnica, econômica, pelos paradigmas políticos e institucionais
social e cultural dos sujeitos coletivos; iii) do esquecimento e da negação de justiça
da cultura jurídica e capacidade institucio- que caracterizou a Justiça de Transição
nal do sistema de justiça em produzir res- brasileira até um período recente. De fato,
postas eficazes às novas categorias de a literatura crítica indica, em diversas pas-
sujeitos de coletivos e seus respectivos sagens, que a postura de envolvimento
direitos em um cenário de expansão do institucional e cultural do poder judiciário
protagonismo judicial. brasileiro com o regime militar (SILVA
FILHO, 2011, p. 282 e 289) de um lado,
No que diz respeito à cultura jurídica aliado à ausência de rupturas, depuração
do sistema de justiça brasileiro, a título e reforma institucional adequada permitiu
apenas de contribuição, porém sem con- que, ali, se mantivesse viva uma mentali-
dições de aprofundar o debate neste dade elitista e autoritária, legitimadora da
espaço, valem duas considerações a fim impunidade dos detentores de poder
de projetar elementos para uma cultura político e econômico (ABRÃO & TORE-
institucional de mediação e soluções LLY, 2009; BOAVENTURA, 2009).
alternativas destes conflitos.
De maneira indissociada, este cená-
Segundo Santos, a cultura jurídica rio de transição política controlada e con-
está inserida, de maneira indissociável, no tinuada, e de curto-circuito histórico
âmbito maior da cultura política de uma (SANTOS, 2009, p. 104) sem rupturas e
sociedade, devendo ser compreendida reformas institucionais voltadas à supera-
como “o conjunto de orientações sobre ção de uma cultura jurídica de cunho téc-
valores e interesses que configuram um nico-formalista e autoritária no sistema de
padrão de atitudes frente ao direito e aos justiça, também se comunicou para baixa
direitos, e frente às instituições do Estado capacidade institucional, em sentido téc-
que produzem, aplicam, garantem ou vio- nico e operacional, da justiça brasileira
lam o direito e os direitos” (2009, p. 116). para lidar de forma adequada com as
Dessa forma, a questão da cultura jurídica novas demandas de direitos fundamentais
dos agentes do sistema de justiça, e a sua e casos estruturais, gerando um efeito
reprodução no tempo na forma de uma bloqueio institucional diferente do discu-
cultura institucional, dizem muito a res- tido por Garavito & Franco, na medida em
peito do cenário de judicialização dos que, no Brasil, é o próprio Poder Judiciário
conflitos fundiários rurais no Brasil. que responde, em grande medida, pela
dimensão de bloqueio institucional nos
Neste sentido, o poder judiciário casos e litígios estruturais.139

139
Cf. neste sentido, levantamento realizado pela Procuradoria Federal do Incra, apontando a existência de cerca de
200 ações judiciais de desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, paralisadas na justiça federal
no ano de 2009. Segundo levantamento realizado pela PFE em parceria com a Terra de Direitos em 2011, a este
número ainda somavam-se cerca de 250 ações judiciais de retomada de terras públicas também paralisadas na jus-
tiça. Fonte: INCRA. Relatório do Incra aponta mais de 200 processos de desapropriação parados no Judiciário. 27
abr. 2009 16:55. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/index.php/noticias-sala-de-imprensa/noticias/8825-rela-
torio-do-incra-aponta-mais-de-200-processos-de-desapropriacao-parados-no-judiciario>. Acesso em: 25 jan. 2013.

87
Relatorio Terra de Direitos 2013 - novo_Layout 1 27/08/13 13:45 Page 88

A questão da capacidade institucio- acostumada ou sequer ciente da possibi-


nal e judicial para lidar com estas deman- lidade de utilização de novos e diversos
das é forjada, portanto, sobre processos instrumentais mais aptos para a com-
históricos referentes à formação da cul- preensão e o diálogo com os elementos
tura jurídica dominante, e diz respeito ao constitutivos do conflito fundiário rural, de
debate acerca do resultado possível, em modo a produzir resultados adequados
oposição ao resultado adequado em para o problema trazido à apreciação
demandas de alta intensidade política e jurisdicional.
jurídica como os conflitos fundiários rurais
(SANTOS, 2009, p. 84). Neste sentido, Eis que surge no horizonte da pes-
apresenta-se para o debate o problema, quisa a análise das experiências público-
de um lado, de uma cultura jurídica essen- institucionais de mediação, com vistas a
cialmente legalista e formalista, aliada e analisar modernas formas e culturas insti-
coordenada, de outro lado, com uma tucionais projetadas para a superação da
estrutura e cultura institucional auto- situação de incapacidade e bloqueio ins-
engessada na via judicial em uma com- titucional e judicial em relação aos confli-
preensão estritamente adversativa, não tos fundiários rurais.

88
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SEÇÃO II
ANÁLISE DE EXPERIÊNCIAS PÚBLICO-
INSTITUCIONAIS DE MEDIAÇÃO DE
CONFLITOS FUNDIÁRIOS RURAIS

INTRODUÇÃO

Como referido anteriormente, as Nestes termos, o primeiro bloco da


análises das experiências modelo foram análise detém-se em uma abordagem da
divididas em dois blocos diretamente vin- estrutura normativa e institucional que
culados à estrutura de questões organiza- constitui o órgão analisado, focando-se na
das no roteiro semi-estruturado de atuação do órgão e suas atribuições e
entrevista, roteiro utilizado como uma das competências específicas, além dos instru-
fontes primárias que fundamentam as mentos utilizados para o cumprimento de
análises, complementadas, ainda, pela uti- tal escopo institucional. Já o segundo bloco
lização de documentos oficiais dos concentra-se na cultura institucional de
órgãos analisados, como atas de audiên- mediação de conflitos presente naquele
cia e ofícios, por exemplo, complementa- órgão, buscando informações e compreen-
dos, por fim, pela análise do instrumento sões de caráter também subjetivo, com vis-
normativo que dá origem e fundamento tas a identificar e explorar elementos de
ao respectivo órgão estudado. potência nas experiências estudadas.

Experiências Público-institucionais
Analisadas

1. Ouvidoria Agrária Nacional – A Ouvidoria Agrária Nacional foi


Ministério do regulamentada pelo Decreto nº 7.255, de
Desenvolvimento Agrário 4 de Agosto de 2010. Como órgão inte-
grante da Secretaria-Executiva do Minis-
Bloco A tério do Desenvolvimento Agrário, a
Sobre a Estrutura e Atribuições para a Ouvidoria tem competência normativa
Mediação de Conflitos Fundiários Rurais voltada para a prevenção, mediação e

89
Relatorio Terra de Direitos 2013 - novo_Layout 1 27/08/13 13:45 Page 90

resolução de tensões e conflitos sociais sujeitos coletivos, atores sociais, privados


no campo, através das estratégias: i) e instituições públicas, mas possuir capa-
promover gestões junto a representantes cidade de agir ofício, a partir da tomada
do Sistema de Justiça, Poder Executivo de conhecimento da existência da tensão
e Legislativo; ii) estabelecer interlocução ou conflito.142 De fato, tratando-se de um
com governos estaduais e municipais, problema de tamanho dinamismo e
além de movimentos sociais rurais, pro- potencial lesivo como as tensões e confli-
dutores rurais e Sociedade Civil; iii) diag- tos sociais, tal capacidade institucional
nosticar tensões e conflitos sociais no aparece como importante elemento para
campo, a fim de propor soluções pacífi- uma ação de prevenção, mediação e reso-
cas; iv) consolidar informações sobre lução do conflito.
conflitos, a fim de subsidiar a tomada de
decisão pelas autoridades; v) garantir os No que se refere ao desenho institu-
direitos humanos e sociais das pessoas cional, verifica-se que o órgão é coman-
envolvidas em tensões e conflitos sociais dado pelo Ouvidor Agrário Nacional143,
no campo.140 possuindo, ainda, quatro assessores e seis
assistentes para a realização do seu tra-
Estando voltada para a prevenção, balho em âmbito nacional.144 No sentido
mediação e resolução de tensões e con- do complemento deste desenho institu-
flitos sociais no campo, observa-se que a cional, foi instituída, no ano de 2006, da
Ouvidoria atua junto às temáticas agrárias Comissão Nacional de Combate à
em sentido amplo, abrangendo a questão Violência no Campo (CNVC)145, composta
camponesa e das comunidades tradicio- por representantes dos Ministérios da
nais a partir do critério de tratar-se de Justiça (inclusive das Polícias Federal e
conflitos coletivos pela posse da terra141. Rodoviária Federal), do Desenvolvimento
Em relação à temática indígena, por Agrário, do Meio Ambiente, da Secretaria
seu turno, observa-se a existência de de Direitos Humanos e do Instituto de
órgão de ouvidoria próprio no âmbito da Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Fundação Nacional do Índio (Funai), de
Além disso, a capilaridade da
modo que a Ouvidoria Agrária atue
Ouvidoria Agrária Nacional é alcançada
somente em casos em que, aliado à ques-
de forma indireta pela parceria com uma
tão indígena, também haja o envolvi-
espécie de rede de ouvidorias e outras
mento de camponeses e comunidades
instituições agrárias especializadas, con-
tradicionais.
forme mapa anexo146, contando com 27
Neste sentido, uma informação se ouvidorias agrárias regionais, criadas no
faz relevante no âmbito de atuação da âmbito das superintendências regionais
Ouvidoria Agrária: o fato de agir não ape- do Incra em todos os estados da federa-
nas mediante provocação formal dos ção. Esta rede é constituída por oito tipos

140
BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto nº 7.255, de 4 de Agosto de 2010, Anexo I, art. 7º.
141
Fonte: Entrevista realizada dia 10/06/2013.
142
Idem.
143
O cargo é desempenhado pelo Desembargador Gercino José da Silva Filho.
144
BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto nº 7.255, de 4 de Agosto de 2010, Anexo II.
145
BRASIL. Portaria Interministerial nº 1.053, de 14 de Julho de 2006.
146
BRASIL. OUVIDORIA AGRÁRIA NACIONAL (OAN). Medidas em Execução para Combater a Violência no Campo.
Material impresso, dossiê fornecido pela Ouvidoria Agrária Nacional por ocasião da presente pesquisa.

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de instituições, distribuídas por diferentes (que institui e define os objetivos e com-


Poderes da República e entes da federa- petência da CNVC – vide supra).
ção:
Em relação ao instrumental utilizado
i) Varas agrárias federais; para a realização das suas atividades e
alcance dos objetivos de prevenção,
ii) Varas agrárias estaduais;
mediação e resolução de tensões e con-
iii) Promotorias agrárias estaduais; flitos sociais no campo, a Ouvidoria
Agrária Nacional dispõe de um amplo
iv) Delegacias de polícia civil agrárias
leque de ferramentas. Neste sentido,
estaduais;
observa-se a:
v) Ouvidorias agrárias estaduais;
■ Realização de reuniões de mediação
vi) Ouvidorias agrárias regionais; da CNVC com o convite à participa-
ção das autoridades e representan-
vii) Defensorias públicas agrárias esta-
tes de instituições e atores sociais
duais;
que possuam interesse, competên-
viii) Polícias militares agrárias; cia ou responsabilidade sobre o con-
flito151;
No que diz respeito aos instrumentos
normativos que dão fundamento e subsí- ■ Participação em audiências judiciais
dio à atuação da Ouvidoria, identifica-se a e extra-judiciais de mediação;
inspiração em Normas Internacionais de
■ Visitas in loco para a mediação das
Direitos Humanos147, normas constitucio-
situações de tensão e conflito;
nais como os princípios fundamentais
insertos nos arts. 1º, 3º e 4º148, e o art. 5º, ■ Atendimento e processamento de
incisos XXII e XXIII (referentes ao direito de denúncias;
propriedade e à função social da proprie-
■ Participação e realização de audiên-
dade, respectivamente)149. Também se
cias públicas;
encontra referência, em sua atuação, ao
Código de Processo Civil, sobretudo em se ■ Participação da Reunião da Coor-
tratando de manifestação exarada pela denação Nacional do Programa de
Ouvidoria em sede de processo judicial, Proteção aos Defensores e Defen-
bem como a referência a jurisprudência de soras de Direitos Humanos da Pre-
Tribunais Superiores150. sidência da República;

Desde uma perspectiva operacional, ■ Peticionamento judicial: Apresen-


a Ouvidoria sustenta suas ações na tação de pedido de preferência de
Portaria Interministerial nº 1.053/2006 julgamento em ações judiciais.

147
Cf. Considerandos da Portaria Interministerial nº 1.053/2006.
148
Constituição da República: art. 1º; art. 3º; e art. 4º.
149
BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO (MDA). Manual de Diretrizes Nacionais para a Execução
de Mandados Judiciais de Manutenção e Reintegração de Posse Coletiva. Material impresso. Sem data.
150
Fonte: Entrevista 10/06/2013.
151
Fonte: BRASIL. OAN. Ata da 385ª Reunião da CNVC. Brasília. 08 de outubro de 2012. Reunião realizada com a
participação de representantes de diversas Secretarias de Governo e autarquias do Distrito Federal, representantes
do Incra, do Min. do Meio Ambiente, do Min. do Planejamento, Orçamento e Gestão, do Ministério Público Federal,
da Polícia Militar Agrária/DF, assessores parlamentares, representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), e o advogado do alegado proprietário do imóvel rural objeto da reunião.

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Pedido de suspensão de reintegra- 1. Criminal policial - inquéritos policiais


ção de posse em caso de audiência que investigam homicídios decor-
judicial com a Ouvidoria Agrária rentes de conflitos fundiários;
Nacional agendada;
2. Criminal judicial - processos judiciais
■ Envio de ofícios aos órgãos jurisdi- que julgam homicídios decorrentes
cionais, ministeriais, policiais e de de conflitos fundiários;
governo envolvidos no processa-
3. Agrário – demarcação e construção
mento ou cumprimento de ações
de estradas, moradias, escolas e
judiciais referentes a conflitos fun-
postos de saúde nos projetos de
diários coletivos152;
assentamento do Incra;
■ Celebração de Acordos de
4. Regularização fundiária – demarca-
Cooperação Técnica com órgãos
ção (georreferenciamento) das ter-
públicos, em especial do Sistema de
ras públicas federais e ações em
Justiça153;
curso do Programa Terra Legal;
■ Celebração de Comodato com
5. Retomada de lotes em projetos de
órgãos públicos, em especial do
assentamento do Incra e áreas públi-
Sistema de Segurança Pública
cas.
Federal e Estadual154;
Em sua atuação, a Ouvidoria chama
■ Garantia de assistência social às
para participar da mediação os órgãos do
famílias acampadas155;
sistema de justiça envolvidos no conflito,
■ Estudos e sistematização de infor- como o juiz e promotor de justiça compe-
mações sobre conflitos. tente, além da defensoria pública. Do
mesmo modo, chama à mediação os
Além disso, conforme as informa- representantes dos órgãos de polícia, dos
ções disponíveis e apresentadas pela governos federal e estaduais, órgãos
Ouvidoria Agrária Nacional, estão em ambientais e fundiários, além dos movi-
andamento, no âmbito de sua atuação e mentos sociais e organizações da
parcerias, os seguintes mutirões voltados Sociedade Civil organizada, e os agentes
à agilização dos respectivos procedimen- privados diretamente interessados, geral-
tos envolvendo temas que constituem mente os que estão na posse dos imóveis
seus objetos: rurais objeto dos conflitos.156

152
Cf. Processo nº 2012.01.1.109728-2 – Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
153
Cf. v.g., Termo de Acordo de Cooperação Técnica nº 042/2009, celebrado junto ao Conselho Nacional de Justiça
– CNJ, objetivando implementar ações conjuntas para a resolução de conflitos fundiários, como o intercâmbio das
informações, troca de subsídios técnicos, especialização e capacitação de servidores, implementação de unidades
judiciais e ouvidorias especializadas.
154
Cf. v.g., “Modelo de Termo de Comodato”, material impresso, fornecido pela Ouvidoria Agrária Nacional por ocasião
da presente pesquisa. Conforme informações apresentadas em entrevista, os termos de comodato geralmente
são celebrados para a transferência de equipamentos de infraestrutura, como veículos, por exemplo, para a garan-
tia da realização das atividades dos órgãos agrários especializados, geralmente os que compõem a rede mencio-
nada acima. Vide mapa anexo.
155
Cf. “Programa Paz no Campo” – Ouvidoria Agrária Nacional. In: Dossiê, op. cit. Garantia de assistência social con-
siste na promoção e articulação de atendimento social junto às diferentes esferas governamentais e não-gover-
namentais.
156
Informação fornecida em entrevista realizada na data de 10/06/2013, e sistematizada também a partir dos mate-
riais empíricos coletados, como atas de audiência da CNVC.

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Bloco B Acerca da melhor forma de atuar em


Sobre a Cultura Institucional de prol da prevenção, mediação e resolução
Mediação de Conflitos Fundiários Rurais do conflito, verifica-se a prática e incen-
tivo de uma cultura dialógica entre as
diversas instituições e atores sociais e pri-
A percepção que o Ouvidor Agrário vados envolvidos, buscando solucionar o
Nacional imprime à instituição sobre a conflito sem a realização de despejos for-
natureza, dimensão, os sujeitos e os direi- çados que envolvam a utilização de força
tos envolvidos nos conflitos fundiários policial. Para isso, a OAN lança mão do
pode ser identificada na compreensão da seu instrumental de atuação, manejando
OAN acerca das causas destes conflitos: as diversas ferramentas de forma combi-
grilagem de terras, despejo sem ordem nada, ou seja, oficiando as autoridades e
judicial, impunidade, extração ilegal de órgãos envolvidos para tomar providên-
madeira, reconcentração de lotes em pro- cias, realizando audiências com o juízo
jetos de assentamento, porte ilegal de competente, e realizando visita in loco,
arma de fogo, presença de pistoleiros, por exemplo.160 Neste sentido, a questão
ocupação de terras públicas e particula- da capacidade de agir e se movimentar
res.157 sem rigidez de procedimentos e formalis-
mos, porém observando os princípios
De fato, observa-se que a percepção
constitucionais da administração pública,
do Ouvidor e da instituição é permeada
constitui um elemento ressaltado na
pela identificação das diversas dimensões
capacidade institucional de atuação da
da complexidade do conflito fundiário, no
OAN, sobretudo no que diz respeito ao
sentido do envolvimento: i) de diversas
timing da ação, importante elemento em
instituições públicas do sistema político e
situações dinâmicas e de tensão como as
de justiça; ii) de sujeitos coletivos de direi-
que caracterizam os conflitos fundiários.161
tos; iii) de violações a direitos fundamen-
tais de natureza econômica, social, Observa-se que, no caso da Ouvido-
cultural e ambiental; de políticas públicas; ria Agrária Nacional, a compreensão da
iv) de agentes privados que dão causa complexidade econômica, social, cultural,
aos conflitos fundiários. Pode-se afirmar, jurídica e institucional que constituem o
portanto, que esta compreensão e estes conflito agrário orienta e fundamenta uma
elementos constitutivos do conflito agrá- cultura institucional voltada para o enfren-
rio permeiam todo o material empírico tamento das causas e consequências dos
coletado para a presente análise158. Isto conflitos. Neste sentido, verifica-se a atua-
fica evidente ao observar a utilização rei- ção integrada em ao menos duas diferen-
terada, em diversas matérias institucionais tes dimensões do conflito162: i) mediação
e na ocasião da entrevista, de termos junto aos atores sociais, privados e insti-
como movimentos sociais, direitos huma- tuições do sistema justiça e segurança
nos e reforma agrária, por exemplo159. pública nos processos judiciais que envol-

157
BRASIL, OAN, dossiê (impresso).
158
Cf., BRASIL, OAN, Dossiê; BRASIL, MDA, Manual; BRASIL. Portaria Interministerial nº 1.053/2006; BRASIL. OAN.
Ata da 385ª Reunião da CNVC.
159
Cf. BRASIL, OAN, Dossiê; BRASIL. MDA, Manual.
160
Fonte: Entrevista, 10/06/2013.
161
Fonte: Entrevista, 10/06/2013.
162
Cf. BRASIL. OAN. Ata da 385ª Reunião da CNVC, 2012.

93
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vam pedidos de reintegração de posse; ii) 3. Estrita execução da ordem judicial,


mediação junto aos órgãos ambientais e sem poder a força policial realizar
fundiários de um lado, e do sistema de atos além do determinado;
justiça, de outro, no sentido de buscar
4. Documentação audiovisual da rein-
resolver a situação fundiária do imóvel
tegração e respectiva publicização;
rural reivindicado pelos sujeitos coletivos
de direitos envolvidos. 5. Planejamento prévio da operação e
Quando, por outro lado, a mediação comunicação da sua realização para
não atinge o resultado voltado para a os ocupantes e Ouvidoria Agrária
manutenção das famílias na área reivindi- Nacional;
cada, a Ouvidoria se posiciona pela indi- 6. Comunicação aos ocupantes com
cação, pelos órgãos fundiários, de outra antecedência mínima de 48 horas da
área para o assentamento das famílias. realização do despejo, que deve
Neste sentido, passa a orientar as famílias ocorrer no dias úteis, entre as 6 e 18
sobre a saída da área em litígio, atuando horas;
também junto às autoridades policiais
com vistas a conferir transparência e 7. Vedação da utilização de mão de
regularidade ao despejo forçado, nos ter- obra privada para quaisquer fins;
mos do “Manual de Diretrizes Nacionais 8. Identificação do armamento e poli-
para a Execução de Mandados Judiciais ciais, além da orientação à tropa
de Manutenção e Reintegração de Posse sobre o interesse social e garantia
Coletiva”, elaborado pela própria dos direitos fundamentais que
Ouvidoria Agrária Nacional em parceria devem orientar a operação;
com a Comissão Nacional de Combate à
Violência no Campo, “para evitar embates 9. Transparência das informações;
fundiários decorrentes do cumprimento 10. Orientação do efetivo policial sobre
de ordens judiciais e para auxiliar as auto- a conotação social, política e econô-
ridades públicas encarregadas da aplica- mica da ação, com a necessidade do
ção da lei nas ações coletivas decididas devido respeito aos direitos huma-
pelo Poder Judiciário”. nos e sociais dos ocupantes, além da
Desse modo, os procedimentos que orientação sobre os limites do poder
envolvem a desocupação de imóveis de polícia;
rurais por determinação judicial devem
11. Envio pelo comandante da opera-
ser realizados, segundo a OAN, obser-
ção aos órgãos fundiários e do sis-
vando-se163:
tema de justiça, de relatório
1. Apoio estrito da Polícia Militar ou circunstanciado sobre a execução
Polícia Federal no que diz respeito da operação.
ao eventual uso de força;
Uma diretriz geral que a OAN indica
2. Ampla divulgação e convocação de nos procedimentos relacionados aos con-
órgãos públicos para tomarem flitos fundiários é a oitiva prévia do
medidas cabíveis; Ministério Público, Incra e Institutos de

163
BRASIL, MDA. Manual (sem data).

94
Relatorio Terra de Direitos 2013 - novo_Layout 1 27/08/13 13:45 Page 95

Terras, em ações possessórias coletivas, a uma inovação normativa no sentido de


fim de empreender esforços no sentido conferir capacidade postulatória e legiti-
da mediação e solução pacífica do con- midade ativa à Ouvidoria Agrária Nacional
flito, na medida do amplo envolvimento e para ingresso e participação nas ações
diálogo com os órgãos públicos de judiciais referentes aos conflitos fundiários.
governo e do sistema de justiça respon-
sáveis pelas diversas dimensões do pro-
blema. Desse modo, a concepção é a de
2. Assessoria de Assuntos
que a solução pacífica do conflito passa
Fundiários – Estado do
pelo enfrentamento tanto das suas cau-
Paraná
sas, quanto do cuidado na realização de
uma eventual ação de despejo.

No que tange a uma concepção de Bloco A


desenho institucional adequado para a Sobre a Atuação e Atribuições para a
mediação e solução pacífica dos conflitos Mediação de Conflitos Fundiários Rurais
fundiários, a OAN se mostra entusiasta da
implementação das instituições públicas
agrárias especializadas, no sentido da A atuação da Assessoria de Assun-
ampliação e consolidação da rede apre- tos Fundiários do Governo do Estado do
sentada acima. Desse modo, consta do Paraná é tomada como referência para a
“Plano Nacional de Combate à Violência presente pesquisa, fundamentalmente,
no Campo”164 a indicação das ações de pelos avanços consideráveis que tem
criação e implantação das varas, procura- alcançado no sentido de pacificação dos
dorias e promotorias, defensorias, ouvido- conflitos existentes e de uma atuação pre-
rias, delegacias e polícias agrárias federais ventiva em relação a possíveis futuros
e estaduais. conflitos fundiários.

O Estado do Paraná passou por um


Em relação ao desenho normativo
período de violência intensa no campo,
adequado, por seu turno, observam-se
especialmente entre meados da década
nos materiais institucionais, sobretudo no
de 1990 e início da década de 2000. Eram
“Plano Nacional de Combate à Violência
comuns os despejos ilegais, realizados
do Campo”, manifestações no sentido da
por milícias privadas, além da própria vio-
alteração do rito das ações possessórias
lência institucional, realizada especial-
no Código de Processo Civil, a fim de que
mente pela Polícia Militar. Neste período,
seja observado cumprimento da função
aconteceram diversas mortes de trabalha-
social da propriedade como requisito para
dores rurais ligados ao Movimento dos
o deferimento da liminar de reintegração
Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) no
de posse, além da inserção da oitiva prévia
Estado.
do Ministério Público, Incra e Institutos de
Terras nestas ações. De modo comple- Apesar de ainda latentes os confli-
mentar, em entrevista, também foi mani- tos, nos últimos anos, tem sido observada
festada a indicação da necessidade de uma diminuição de despejos violentos ou

164
BRASIL, OAN, Dossiê.

95
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ilegais. Entre diversos fatores – inclusive a O órgão analisado raramente age de


desarticulação de milícias armadas orga- ofício. Suas ações normalmente decorrem
nizadas por latifundiários – a instalação da da provocação dos movimentos sociais e,
Assessoria de Assuntos Fundiários do algumas vezes, da Polícia. Normalmente,
Governo do Estado do Paraná é apontada a provação vem do MST e, na grande
como um elemento importante para a maioria dos casos, tratam-se de questões
melhoria deste quadro. 165 agrárias e não de conflitos sobre territó-
rios tradicionais, entretanto, recente-
A entrevista realizada com o
mente, a questão indígena tem estado
Assessor de Assuntos Fundiários em 11 de
mais presente.168
março de 2013166 é a fonte principal de
informações para a realização deste A assessoria, segundo Serighelli, tem
estudo sobre a atuação do órgão e sobre como tarefa primordial a realização da
sua cultura institucional. intermediação dos diversos atores sociais,
instituições e órgãos públicos envolvidos
Criada recentemente, no início do
na contenda. Na maior parte dos casos,
ano de 2011, a Assessoria Especial de
seu papel é de fazer a negociação da
Assuntos Fundiários é diretamente vincu-
compra de terras dos proprietários das
lada à Casa Civil, mantendo relação com
áreas de conflitos.169 Assim, é preciso um
diversas Secretarias do Governo do
contato direto com os fazendeiros e com
Estado, sobretudo a de Segurança
entidades de representação dos latifun-
Pública, além de sustentar um contato
diários, como a Federação da Agricultura
direto com a Procuradoria do Estado.
do Estado do Paraná (FAEP).
Um fator fundamental, a ser desta-
Para realizar a mediação, prioriza-se
cado inicialmente, é que a assessoria é
sempre a realização de reuniões, que são
marcada por certa informalidade e pela
realizadas, sempre que possível, antes do
desburocratização, tanto na sua criação
conflito se acirrar. A reunião é o principal
quanto na sua atuação. A instauração
instrumento institucional utilizado.170 O
desta Assessoria Especial tem, como
Assessor afirma que “foge do papel”, evi-
marco, o Decreto nº 286 do Governador
tando a burocratização do processo de
do Estado do Paraná, nomeando o atual
mediação, e que utiliza ofícios somente
Assessor, Hamilton Serighelli, para “res-
quando é estritamente necessário.
ponder por Assuntos Fundiários”167. No
Decreto, não constam as atribuições O órgão conta com 7 (sete) funcio-
específicas do cargo nem informações nários, sendo a maioria de cargos em
sobre sua instalação e organização. comissão. Vários deles são pessoas que

165
AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DO PARANÁ. Governo federal indica Paraná como exemplo na solução de conflitos
agrários. 10 jun. 2012. Disponível em: <http://www.aen.pr.gov.br/modules/noticias/article.php? storyid=69375>.
Acesso em: 10 mai. 2013.
166
Entrevista 11 mar. 2013. Arquivo da Terra de Direitos.
167
Decreto n° 286 – Diário Oficial do Paraná – Executivo: “O GOVERNADOR DO ESTADO DO PARANÁ Resolve
nomear, de acordo com o art. 24, inciso III, da Lei n° 6.174, de 16 de novembro de 1970, HAMILTON SERIGHELLI,
RG nº 1.306.579-9, para exercer, em comissão, o cargo de Assessor – Símbolo DAS-4, da Casa Civil, a partir de 17
de janeiro de 2011, ficando designado para responder por Assuntos Fundiários. Publicado em Curitiba, Quinta-
feira, 20 de Janeiro de 2011”.
168
Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 1, Bloco A.
169
Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 2, Bloco A.
170
Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 4, Bloco A.

96
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tiveram envolvimento direto com os pró- Governador é um fator fundamental para


prios movimentos sociais ou tiveram con- a atuação eficaz do órgão, que precisa
tato próximo, o que faz com que tomar decisões rapidamente e agir de
conheçam a concretude dos conflitos. Um forma instantânea para dirimir conflitos
dos profissionais que integra o desenho latentes.
institucional é uma assistente social que
Depois da instalação da assessoria,
realiza laudos sobre as condições de vida
a primeira ação do órgão foi a realização
nas áreas em litígio.171 A atuação conjunta
de um levantamento dos conflitos fundiá-
com a PM faz com que haja um esforço
rios no Estado, identificando-se a quanti-
para que os policiais tenham mais infor-
dade, a localidade e a gravidade. Diante
mações e formações sobre os conflitos de
do panorama geral, foi possível estabele-
terra. Hamilton Serighelli entende que,
cer quais seriam os casos prioritários, que
muitas vezes, os policiais estariam usando
tinham maior probabilidade de conflitos
de violência contra os movimentos sociais
graves. Atualmente, a Assessoria Especial
por desconhecimento de suas reivindica-
identifica 110 (cento e dez) áreas de con-
ções e de sua organização.
flito no Paraná, sendo que 72 (setenta e
Além das lideranças dos acampa- duas) dessas áreas têm mandado de rein-
mentos ou comunidades envolvidas e dos tegração de posse já expedido pelo
proprietários de terra, estão entre os Judiciário. Em 59 (cinquenta e nove) casos
órgãos que geralmente são chamados à a assessoria está trabalhando diretamente
mediação o Incra, a Polícia Militar, a na negociação. O levantamento foi feito
Secretaria de Segurança Pública, o Minis- com base em dados dos movimentos
tério Público e a Procuradoria do Estado sociais e da Polícia Militar e demorou
e a Funai.172 A assessoria também faz con- quase 6 (seis) meses para ser finalizado. O
tatos pontuais com as Secretarias de Assessor de Assuntos Fundiários afirma
Estado, como a de Saúde e de Educação, que o contato direto com movimentos
quando se faz preciso. E, ainda, é neces- sociais é fundamental porque permite
sário um contato constante com organi- uma ação antes de o conflito mais direto
zações que agem em parceria com os estar instalado.
movimentos sociais e comunidades tradi-
O órgão ora analisado atua em con-
cionais, como a Terra de Direitos e, tam-
flitos fundiários de toda a natureza. Além
bém, ONGs e Universidades que realizam
dos agrários e tradicionais, atua em con-
atividades com comunidades indígenas e
flitos fundiários urbanos, especialmente
quilombolas e com movimentos de luta
os que dizem respeito aos “sem-teto”. O
por reforma agrária.
Assessor do Governo Estadual entrevis-
O entrevistado aponta que a criação tado afirma que há diferenças de atuação
da assessoria específica para este fim, de conforme a natureza do conflito e que
atuar na mediação de conflitos fundiários, aqueles relacionados a comunidades tra-
foi realizada devido a pedidos dos movi- dicionais são os que apresentam maior
mentos sociais, especialmente do MST. dificuldade na mediação. Haveria, assim,
Indica, ainda, que a ligação direta com o uma maior facilidade de se trabalhar com

171
Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 5, Bloco A.
172
Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 6, Bloco A.

97
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o MST, porque é uma organização que per- de negociação, busca estipular um prazo
mite uma melhor troca de informações e para uma resposta sobre a mediação. A
direcionamento das ações – há coordena- partir daí, a Procuradoria do Estado
dores regionais, estaduais, lideranças em informa o Juízo competente sobre a
cada acampamento. Segundo o Assessor, negociação, visando evitar reintegrações
os quilombolas “são mais desorganiza- de posse enquanto o conflito sobre a área
dos”. Cada “quilombo é uma negociação” está em processo de mediação.175
diferente. Os conflitos relacionados aos
Como é possível observar, a atuação
indígenas também exigem negociações
da Assessoria Especial é marcada pela
específicas para cada área, devido à falta
articulação entre vários órgãos. A troca de
de centralidade na organização.173
informações entre eles torna a ação mais
Para garantir uma atuação efetiva, a efetiva e garante atuação nos diferentes
Assessoria Especial mantém contato conflitos.
direto, especialmente, com a Procuradoria
do Estado e com a Polícia Militar. A
Procuradoria do Estado é informada de Bloco B
todas as áreas que são objeto de media- Sobre a Cultura Institucional de
ção pela Assessoria Especial e, nos casos Mediação de Conflitos Fundiários Rurais
em que já existe processo judicial, notifica
as instâncias do Judiciário e do Ministério
Público responsáveis pelos processos que A percepção do entrevistado sobre
discutem cada uma delas. Dessa forma, a os conflitos em que a Assessoria Especial
PGE faz a interlocução com outros órgãos de Assuntos Fundiários do Estado do
do Sistema de Justiça, visando cientificá- Paraná atua e sobre a própria atuação do
los de que o Executivo também está órgão coloca elementos importantes para
agindo e buscando soluções para as áreas a presente análise. Para além de ser
em litígio.174 aquele que coordena os trabalhos da refe-
rida assessoria, é possível observar que a
Da mesma forma, quando a Polícia
ausência de diretrizes específicas para a
Militar é notificada do mandado de rein-
atuação do órgão faz com que a sua ação
tegração de posse em qualquer região do
esteja bastante vinculada ao perfil e à
Estado, ela comunica a Secretaria
vontade política do Assessor.
Regional da PM, que entra em contato
com a Secretaria Geral na capital do Hamilton Serighelli entende que é
Estado. A Secretaria Geral da PM e a necessário buscar desfazer o preconceito
Secretaria de Segurança Pública infor- que existe hoje contra os movimentos de
mam a Assessoria Especial para Assuntos luta pela terra, como o MST, para que haja
Fundiários sobre o mandado, aguardando avanços no processo de resolução de
informações sobre possíveis tentativas de conflitos agrários. O entrevistado coloca
negociação acerca da área em conflito que as diversas mortes de trabalhadores
antes de realizar o despejo. Quando a sem-terra e a violência no campo no
assessoria informa que está em processo Estado do Paraná, há alguns anos, foram

173
Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 7, Bloco A.
174
Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 6, Bloco A.
175
Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 6, Bloco A.

98
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frutos da ausência de diálogo político toso. Na questão indígena, algumas


entre Estado e Sociedade Civil. Aponta, OSCIPs (OSCIP Guarany, por exemplo) e
também, que a interlocução com os movi- ONGs – além de sindicatos e associações
mentos tem sido no sentido de resolver os – têm tido um papel importante na inter-
conflitos já instalados e que o Governo mediação. As conversas têm sido feitas
busca atuar para que não sejam criados mais diretamente com lideranças indíge-
novos conflitos. Ele indica que compreen- nas e conselhos de caciques do que pro-
der o acesso à terra como o começo e não priamente com a Funai – que é acessada
como o final do processo é importante, quando é necessário um respaldo institu-
por isso é preciso trabalhar para que seja cional.179
oferecida assistência técnica e infraestru-
Sobre a questão quilombola, afirma
tura aos assentamentos.176
que a Fundação Cultural Palmares não
Avaliando as capacidades institucio- está muito presente na mediação dos
nais de solução dos conflitos dos órgãos conflitos, atuando apenas no reconheci-
públicos geralmente envolvidos ou res- mento das áreas. E, quanto ao Incra, con-
ponsáveis pela mediação, Serighelli sidera que esta autarquia deveria
coloca que Judiciário, o Ministério Público apresentar mais agilidade no processo de
(Estadual e Federal) e o Executivo devem desapropriação de terras. A avaliação dos
“sair mais dos gabinetes” para conhecer a imóveis, normalmente, é demorada e,
realidade e estar mais perto dos conflitos. apesar de o instituto “fazer o seu papel”,
Os órgãos públicos deveriam, desta ao que parece, faltam funcionários, instru-
forma, sair da burocracia e estabelecer mentos e estrutura para a desapropriação
diálogos com os sujeitos envolvidos nos de terras de forma mais eficaz.
conflitos.177 Há juízes que mudam de posi-
Perguntado sobre o desenho institu-
cionamento sobre uma liminar de reinte-
cional que avalia ser o mais adequado e
gração de posse depois de conhecer
eficaz para a mediação e solução dos
pessoalmente a área em litígio. O excesso
conflitos fundiários rurais e tradicionais, o
de burocracia e a falta de proximidade
Assessor indica que as pessoas que tra-
com a concretude dos conflitos faz com
balham nos órgãos devem entender de
que alguns agentes públicos “esqueçam-
questão fundiária e ter conhecimento
se” que existem pessoas envolvidas no
sobre os movimentos. Além disso, é
processo. Entende, assim, que o principal
necessário que haja capacidade para um
procedimento para uma mediação de
diálogo constante com os movimentos
conflitos efetiva é “ir até o conflito”,
sociais, com os proprietários e com o
conhecê-lo de perto, e, também, ouvir os
Estado, buscando um contato com os
dois lados envolvidos.178
sujeitos “de forma verdadeira”, com o
Em relação à Funai, a percepção é a mesmo discurso com todos os atores. E,
de que há falta de contato desse órgão ainda, adverte sobre a necessidade de se
com os proprietários, o que faz com que separar os conflitos de questões políticas
o processo de mediação seja mais dificul- partidárias ou eleitorais. É importante,

176
Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 1, Bloco B
177
Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 3, Bloco B
178
Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 2, Bloco B
179
Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 2, Bloco B.

99
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também, que o órgão tenha meios de que nela trabalham, vez que os mecanis-
locomoção para estar nos conflitos – a mos, para exigir a atuação da assessoria,
assessoria dispõe, hoje, de um automóvel são limitados, não sendo possível apontar
e um motorista para tanto.180 exatamente quais são suas funções ou os
instrumentos que pode utilizar.
O Assessor entende que um dese-
nho normativo adequado para a media- De forma geral, o papel do Estado na
ção e solução de conflitos deve apontar mediação de conflitos é marcado pela
apara a necessidade de o Judiciário ambiguidade. Ao mesmo tempo em que a
conhecer melhor o conflito antes de expe- interferência estatal implica na possibili-
dir decisões sobre reintegração de posse. dade de a mediação acontecer de forma a
Em relação à criação de uma política uni- respeitar marcos regulatórios sobre o
ficada de mediação e solução de conflitos assunto, balizada por normas de respeito
fundiários no âmbito das instituições do aos direitos humanos, há, também, um ten-
Poder Executivo e do Sistema de Justiça dência de conservadorismo na atuação do
e Segurança Pública, o Assessor mostra Estado – que é reconhecidamente uma ins-
preocupação de que haja engessamento tituição que tende à manutenção do status
dos órgãos, entretanto, aponta que a obri- quo. A clareza política dos agentes envol-
gatoriedade de uma audiência pública na vidos, no sentido de não tolher a atuação
qual todos os interessados possam se da Sociedade Civil organizada, é funda-
manifestar sobre o assunto, antes de qual- mental para que o processo de mediação
quer decisão sobre o conflito, seria ideal seja realmente democrático. Por ser o ente
para garantir uma solução mais eficaz. dotado da legitimidade social para reco-
Para finalizar, avalia também que é neces- nhecer, formalizar e efetivar acordos, o
sário que esta Assessoria Especial, que foi Estado é um ator necessário, mas sua atua-
criada recentemente no Paraná, seja ção deve ser a todo o momento questio-
reproduzida em outros Estados do país.181 nada, buscando-se, sempre, enfrentar o
fato de que os conflitos fundiários são um
A partir da entrevista concedida
problema estrutural, cuja raiz está na pró-
pelo Assessor, e da conjuntura geral da
pria forma como a sociedade está organi-
mediação de conflitos no Estado, é possí-
zada, sendo que o próprio Estado
vel observar que o fato de a Assessoria de
desempenha o papel de mantenedor do
Assuntos Fundiários do Paraná ser mar-
conflito – é também responsável pela falta
cada pela informalidade apresenta pontos
de acesso a direitos, tanto por suas ações,
positivos e negativos. Se, por um lado, a
quanto por suas omissões.
referida informalidade garante que o
órgão não esteja engessado pela burocra- Não é raro observar casos em que a
cia, por uma agenda institucional rígida atuação do Estado na mediação se dá no
ou por limites de atuação inflexíveis, esti- sentido de buscar soluções para problemas
pulados por um ato normativo que criados pelo ele próprio, como no caso do
podem “imobilizá-lo”, por outro, a ação da conflito relacionado ao caso do Pré-
assessoria acaba por depender bastante Assentamento da Fazenda Santa Filomena,
da vontade política dos agentes estatais que ilustra bem essa ambiguidade na ação

180
Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 4, Bloco B.
181
Entrevista 11 mar. 2013. Perguntas 5, 6 e 7, Bloco B.

100
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estatal – mostrando os limites da atuação Especial para Assuntos Fundiários em sua


do Estado e, ao mesmo tempo, o papel entrevista, revela um despreparo do Estado
fundamental que teve na garantia de direi- em lidar com as diferentes formas de orga-
tos às famílias afetadas. Ante a decisão nização social. É papel do Estado buscar
desfavorável do Judiciário (mesmo com adequar seus mecanismos de atuação ao
uma ação de desapropriação judicial em contexto do conflito, lidando com a con-
trâmite) e da expedição de mandado de tenda tal como ela é e não exigindo do
reintegração de posse, a Assessoria de sujeito social coletivo que se adeque à
Assuntos Fundiários atuou junto ao Incra organização do Estado para que a media-
buscando outra área para assentar as famí- ção aconteça de forma mais fácil ou da
lias. O Poder Executivo atuou, dessa forma, forma como costuma se dar com outros
como um reparador de um problema social atores. Apesar de apresentar características
criado pelo Poder Judiciário, problema que, comuns, os atores sociais que reivindicam
por sua vez, se fundamenta na falta de polí- diretos têm suas especificidades, que pre-
tica pública de reforma agrária no país, cisam ser reconhecidas e respeitadas pelo
competência do Executivo Federal. Através Estado no processo de mediação.
da mediação, as famílias deixaram a região
onde construíram suas vidas por 8 (oito)
anos, e foram assentadas em outro local. 3. Vara Agrária de Marabá –
Não é difícil perceber que a desapropria- Tribunal de Justiça do Estado
ção, com o pagamento de indenização ao do Pará
proprietário e o assentamento das famílias
na área onde já moravam, seria a solução
mais adequada. Entretanto, neste caso, Bloco A
ante a decisão do Judiciário, poucas eram Sobre a Atuação e Atribuições para a
as soluções possíveis. O Poder Judiciário se Mediação de Conflitos Fundiários Rurais
colocou como mantenedor do conflito ao
conceder a reintegração de posse. Casos
A Vara Agrária de Marabá, vinculada
como este também evidenciam a necessi-
à Comarca daquele município no Estado
dade de problematização de se entender o
do Pará, foi criada no ano de 2002 e tem
mecanismo de mediação apenas como
seu fundamental legal, assim como toda
uma reparação – e não como um instru-
estrutura de organização judiciária na
mento de efetivação de direitos e de solu-
temática agrária no estado do Pará, a par-
ções realmente democráticas.
tir de algumas mudanças legislativas rea-
Neste sentido, compreender a organi- lizadas, estas, em grande parte, motivadas
zação dos movimentos é algo basilar para por episódios de conflitos agrários ocor-
que a mediação seja feita de forma a não ridos naquele Estado de repercussão
prejudicar o elo mais fraco do processo de nacional e internacional, como o Massacre
negociação. A dificuldade que o Estado de Eldorado dos Carajás. A criação das
apresenta ao lidar com as comunidades tra- varas agrárias neste estado tem sua pri-
dicionais, por não terem uma centralidade meira previsão legislativa na Lei
organizativa, como afirmou o Assessor Complementar nº 14, de 1993182, a qual

182
Assembleia Legislativa do Estado do Pará. Lei Complementar n. 13, de 17 de novembro de 1993.

101
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modificou o Código de Organização Judi- que estas varas apreciem as ações indivi-
ciária no Estado, criando as varas privati- duais no tocante a terras rurais, desde que
vas na área de direito agrário, minerário e haja interesse público evidenciado pela
ambiental. Segundo o seu art. 1º, as sedes natureza da lide ou qualidade da parte, a
dessas varas, de entrância com natureza ser definido por ato da Presidência do
especial, serão definidas mediante resolu- Tribunal de ofício ou por requerimento
ção do Tribunal de Justiça. das partes, do juiz, Ministério Público, ou
órgão fundiário da união ou estadual, em
Outra previsão destas varas está na
qualquer fase do processo.
Constituição do Estado do Pará, a qual
passou a ter constando em seu art. 167, a No art. 2º da referida resolução,
partir da EC n.30 de 2005183, a necessi- consta, também, a competência no que
dade de sua criação a fim de dirimir con- concerne a registros públicos de imóveis
flitos fundiários, tendo competência rurais, tanto administrativos como judiciais.
exclusiva para questões agrárias. Na Consta, ainda, a previsão e competência
Resolução n. 21/2006, do Tribunal de sobre ações de desapropriação e constitui-
Justiça do Pará, modificando o disposto ção de servidões administrativas em áreas
na Res. N. 21/2003, ficou estabelecida a rurais, ressalvada as matérias da Justiça
existência de 5 Regiões Agrárias naquele Federal. Tais matérias e resolução também
estado: Castanhal, Santarém, Marabá, foram referidas na entrevista realizada187.
Altamira e Redenção, de modo que cada
Importante destacar que, através
um desses municípios seria a sede da 1º
de tal ato, se restringiu devidamente as
vara agrária a qual teria competência
matérias de apreciação desta vara às
jurisdicional sobre a respectiva região
situações direta ou indiretamente rela-
agrária184. Em relação à Região Agrária de
cionadas a conflitos fundiários coletivos
Marabá, esta engloba 23 municípios.185
rurais, uma vez que a previsão anterior,
Quanto à competência material des- conforme constava no art. 3º da LC n. 14,
tas varas agrárias, elas ficam restritas às de 1993, era mais ampla, englobando
questões agrárias, na qualidade de varas todas as causas relativas ao Estatuto da
especiais, de modo que tal previsão as Terra, Código Florestal, Águas, Caça e
restringe ao conhecimento e julgamento Pesca; políticas agricolas, agrárias, fun-
de ações judiciais que envolvam litígios de diária, minerárias e ambiental; registros
natureza coletiva pela posse e proprie- públicos rurais; crédito, tributação e pre-
dade da terra em área rural, conforme dis- vidência rural; e delitos motivados pelas
posto no art. 1º da Resolução n. 18/2005 matérias anteriores. Tal previsão também
do Tribunal de Justiça186. Há a previsão se fazia constar no art. 167 da Constitui-
também, no parágrafo único deste artigo, ção Estadual por via da EC. 30/2005.

183
Assembleia Legislativa do Estado do Pará. Emenda Constitucional n. 30, de 20 de abril de 2005.
184
Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Resolução n. 21/2006-GP. Diário de Justiça n. 3.742, de 05 de outubro de
2006.
185
Abel Figueiredo; Água Azul do Norte; Bom Jesus do Tocantins; Brejo Grande do Araguaia; Breu Branco; Canaã
dos Carajás; Curionópolis; Dom Eliseu; Eldorado dos Carajás; Goianésia do Pará; Itupiranga; Jacundá; Marabá; Nova
Ipixuna; Novo Repartimento; Palestina do Pará; Parauapebas; Rondon do Pará; São Domingos do Araguaia; São
Geraldo do Araguaia; São João do Araguaia; Tucuruí; e Ulianópolis.
186
Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Resolução n. 18/2005-GP. Diário de Justiça n. 3.515, de 27 de outubro de
2005.
187
Entrevista 2013. Perguntas 02 e 03, p. 01.

102
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Quanto à estrutura, a Vara Agrária audiências de justificação prévia, antes da


de Marabá é presidida por um juiz de análise do pleito liminar requerido pelo
direito, de 2ª entrância na carreira de autor, sendo este o principal instrumento
magistrado estadual, com especialização institucional para tais mediações. Na
em direito agrário, cargo hoje ocupado entrevista realizada junto a este órgão,
pelo Dr. Jonas de Conceição Silva. Além este esclareceu que, no despacho desig-
dele, tal órgão conta também com uma nando à respectiva audiência, é determi-
servidora pública, bacharel em direito, nada a notificação também dos órgãos
que atua na assessoria jurídica da vara; fundiários como o Incra e o ITERPA, para
e, na secretaria, local em que se dá o participação desta audiência onde se rea-
andamento dos processos em trâmites lizará a mediação na busca da solução
na respectiva vara, tem-se a diretora de pacífica do conflito. Ele ainda esclareceu
secretaria, também bacharel em direito, que, caso não haja a conciliação, a audiên-
que tem a função de organizar os pro- cia de justificação prévia se revela de fun-
cessos e dar cumprimento aos despa- damental importância, também, para que
chos e decisões proferidos pelo Juiz. o magistrado obtenha dos depoimentos
Sob sua coordenação, estão dois técni- das testemunhas e demais provas colhi-
cos judiciários e um estagiário. É perti- das na audiência, o subsídio para a análise
nente destacar que tal organização do pedido liminar da ação possessória.
interna da vara é exigida no art. 6º da LC Aponta-se, ainda, como prática usual do
n. 14/93 acima referida. magistrado para uma melhor compreen-
Segundo dados presentes em pes- são da complexidade fática envolvida nos
quisa realizada por Quitans (2011), em casos de conflitos agrários, a realização
agosto de 2008, havia cerca de 213 pro- de inspeção judicial188.
cessos nesta vara. Desse total, 162 seriam Analisando a efetiva participação
ações de natureza possessória, das quais desses órgãos fundiários, o entrevistado
90 seriam apenas de reintegrações de colocou que o Incra é bem participativo,
posse, 34 de manutenção de posse e 32 pois sua presença é constante nas audiên-
de interdito proibitório. Nesta, se reafirma cias, cooperando efetivamente nos casos
informação, também presente na entre- em que é convidado a participar da reso-
vista, de que tais ações são, em sua maio- lução e mediação do conflito – sua atua-
ria casos de conflitos fundiários de caráter ção, segundo responde, parece ser
coletivos, de forma que não são julgados fundamental na viabilização de acordos
outros temas agrários como arrendamen- entre as partes e resolver pacificamente o
tos e contratos e que os processos judi- conflito, seja por meio de desapropriação
ciais possessórios que não sejam dessa da área ou indicação de outra área rural
feição coletiva são encaminhados para as para o assentamento dos ocupantes ou
varas cíveis comuns. membros do movimento campesino. A
Sobre a forma de atuação do órgão mesma postura cooperativa, na percep-
na mediação dos conflitos agrários, prin- ção do entrevistado, não se pode afirmar
cipalmente em ações possessórias, ficou quanto ao ITERPA, órgão fundiário esta-
destacado o uso amplo da realização de dual, uma vez que este dificilmente parti-

188
Entrevista 2013. Perguntas 06, p. 02.

103
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cipa das audiências e apresenta informa- exemplo, contou-se na audiência com a


ções tardias quando lhe é solicitado, o participação da Ouvidoria Agrário
que, muitas vezes, retardaria o anda- Nacional, da Coordenação de Mediação e
mento processual189. Conflitos Agrários da Ouvidoria Nacional
Tais posturas durante o processo de de Direitos Humanos, representantes da
mediação e essa forma de atuação do polícia militar e federal e as partes com
juízo agrário, diante de sua missão institu- seus advogados. Quanto ao papel desem-
cional de pacificação dos conflitos no penhado pelo juízo agrário no processo
campo, são condizentes com a verificada de mediação, neste caso exemplar, vis-
em outras varas estaduais agrárias do lumbra-se uma atuação em perspectiva
Estado do Pará e de outras regiões do país, mais preventiva, buscando evitar maiores
conforme atesta Quintans (2011, p. 131). danos e lesões aos direitos envolvidos.
Neste processo de mediação e resolução Dentre as deliberações registradas nesta
de conflitos agrários, esclareceu, ainda, o ata, destaca-se a decisão judicial de sus-
magistrado entrevistado que sua atuação pensão do cumprimento de medida de
e decisões são motivadas e orientadas a reintegração de posse até que o ITERPA
partir de textos normativos que tratam da expeça manifestação conclusiva quanto à
matéria de posse e propriedade, principal- regularidade do título de propriedade da
mente encontrada nos Código de área rural, palco do conflito agrário, des-
Processo Civil e Código Civil, além de legis- tacando já a presença de fortes indícios
lações específicas tal como o Estatuto da de que se trata de área pública estadual.
Terra, sendo interpretados segundo o prin- Esse perfil de atuação do atual
cípio da função social da terra rural cons- magistrado da vara agrária de Marabá é
tante no art. 186 da Constituição Federal190. aproximado aos dos que ocuparam
Pode-se verificar o descrito também aquele juízo anteriormente, se coloca-
na prática cotidiana do órgão, a partir de dos em comparação com as conclusões
ata em que se assentou os termos de uma realizadas na pesquisa acima referida.
dessas audiências de justificação em que Segundo Quitans, que, durante sua pes-
se trabalhou com a mediação do con- quisa, entrevistou todos os magistrados
flito191. Sendo o caso uma ação de reinte- que tinham ocupado aquela vara agrá-
gração de posse, na busca da pacificação ria, é perceptível que há uma tendência
do conflito com respeito aos direitos maior dos juízes a apenas decidir sobre
humanos envolvidos, chama a atenção a a liminar possessória após a realização
ampla participação de vários órgãos que da audiência. Destaca a autora, porém,
atuam institucionalmente nesta perspec- que alguns atores entrevistados desta-
tiva, a sua maioria membros da Comissão caram que esta prática começou a ser
Nacional de Violência no Campo – em ver- adotada como rotina apenas após a pas-
dadeiro exercício de aplicação da teoria sagem de um juiz progressista pela vara
dos diálogos institucionais na prática da agrária de Marabá – somente após este
mediação de conflitos coletivos. que também se passou a adotar como
diretriz para investigar a caracterização
Assim, neste caso tomado como

189
Entrevista 2013. Perguntas 07, p. 02.
190
Entrevista 2013. Perguntas 08, p. 02.
191
Termo de Audiência. Processo 8055-48.2007.814.0028 – Fazenda Água Branca. 12.06.2013.

104
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da posse o princípio da função social da ponto, afirma o atual ocupante da Vara


terra rural (QUITANS, 2011, p. 215). Agrária de Marabá (PA) que, em grande
medida, não seria necessária a criação de
Na referida pesquisa, aponta-se
um sistema judiciário especializado em
também outro importante instrumento na
conflitos agrários se os órgãos fundiários
pacificação de conflitos agrários com o
do Poder Executivo (Incra e ITERPA) não
devido respeito aos direitos humanos em
atuassem de forma deficitária nessas
questão: a realização de audiência judicial
situações em que se instala a mediação
para discutir como será cumprida a deci-
do conflito coletivo. Em suas palavras:
são liminar possessória, em caso de pro-
vimento deste pedido. Esta medida é uma Entendo que se os órgãos fundiários
das orientações previstas no Manual de realizassem a fiscalização e distribui-
Diretrizes Nacionais para o cumprimento ção de terra que lhe compete, com
das medidas de manutenção e reintegra- a retomada das áreas que não esti-
ção de posse coletiva, que compõe o vessem cumprindo a função social
Plano Nacional de Combate à Violência da terra ou cujo título fosse manifes-
no Campo, elaborado pela Ouvidoria tamente falso e, por conseguinte,
Agrária Nacional, na qual se estabelecem realizasse o assentamento de famí-
várias cautelas que devem ser seguidas lias nessas áreas, evidentemente que
para o cumprimento das medidas limina- não haveria conflito agrário. Mas,
res com os menores impactos possíveis às observa-se que as medidas perti-
famílias de trabalhadores rurais, como nentes são tomadas pelos referidos
forma de reduzir os índices de violência. órgãos, após intervenção judicial no
Assim, vê-se como o problema agrário conflito e, mesmo assim, com atua-
deixa de ser tratado como um problema ção lenta e deficitária.192
policial e passa ser resolvido no âmbito do
Estaria, pois, neste perfil deficitário na
Judiciário com mais diálogo e menos
atuação desses órgãos fundiários do
repressão policial (QUITANS, 2011, p. 248).
Executivo Federal e Estadual, grande parte
das dificuldades e obstáculos para a devida
Bloco B implementação de uma cultura institucio-
Sobre a Cultura Institucional de nal de mediação de conflitos coletivos nos
Mediação de Conflitos Fundiários Rurais órgãos responsáveis pelas políticas agrá-
rias. Somada a tal ausência de cultura insti-
tucional, ter-se-iam leis inapropriadas para
Com intuito de se observar as per- mediar e solucionar os conflitos agrários
cepções tidas a partir da prática institu- com dimensões complexas e pluralidades
cional da mediação de conflitos por sociológicas, econômicas culturais, res-
aquele órgão, além das análises já presen- tando para o desempenhar de seu ofício –
tes difusamente no subitem anterior, pri- “as normas em vigor não contemplam as
meiro buscou-se descrever como tal especificidades que circundam os conflitos
agente público encara o conflito fundiário fundiários e, tampouco, são eficazes para a
e os atores sociais envolvidos. Neste solução definitiva dos litígios agrários”193.

192
Entrevista 2013. Pergunta 09, p. 02-3.
193
Entrevista 2013. Pergunta 14, p. 03.

105
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A título de aperfeiçoamento dos Justiça de Defesa da Cidadania com tal


procedimentos de mediação de conflitos atribuição específica.
fundiários, sugere o entrevistado que
Conforme disposto no art. 2º da
seriam necessárias alterações normativas
RES-CPJ nº 001/04, o promotor de justiça
para a concretização de uma política efi-
que estiver no exercício desta não poderá
caz de mediação de conflitos, principal-
atuar nos processos judiciais cíveis ou cri-
mente editando-se normas de âmbito
minais relativos ao conflito agrário,
cível e processual específicas, que versem
podendo apenas agir em conjunto com
sobre tais conflitos sobre a posse e pro-
devido promotor de justiça competente.
priedade da área rural, com ênfase nos
Nos termos do texto mencionado, tal pro-
princípios constitucionais, principalmente
motor de justiça “poderá atuar conjunta-
o princípio da dignidade da pessoa
mente com outro Promotor de Justiça,
humana e o princípio da função social 194.
Cível, Criminal ou de Defesa da Cidadania,
sempre que essa medida, em razão da
4. Promotoria de Justiça da matéria, se torne necessária para a garan-
Cidadania de Promoção e tia de maior eficiência na atuação do
Defesa da Função Social da Ministério Público”195.
Propriedade Rural - Segundo presente em resposta
Ministério Público do Estado dada pelo atual ocupante do cargo da
de Pernambuco Promotoria Agrária, Dr. Edson José
Guerra, o órgão, atualmente, não conta
com uma estrutura ou desenho institucio-
Bloco A nal muito complexo, visto que não conta
Sobre a Atuação e Atribuições para a com profissionais técnicos especializados,
Mediação de Conflitos Fundiários Rurais nem com câmara técnica especializada
para tratar de conflitos fundiários. O
órgão é composto apenas pelo próprio
A Promotoria de Justiça da Cidada-
Promotor de Justiça, assessorado por um
nia de Promoção e Defesa da Função
estagiário de Direito, um analista ministe-
Social da Propriedade Rural, mais comu-
rial de nível superior e um técnico minis-
mente chamada de Promotoria Agrária,
terial de nível médio, além de ter a
foi criada pela Resolução nº 001/2004 do
possibilidade de requisição de um veículo
Colégio de Procuradores do Ministério
com motorista para a realização de dili-
Público de Pernambuco, publicada no
gências externas196.
Diário Oficial do Estado em 27 de março
de 2004. Prevê tal resolução que o Nas palavras do atual Promotor
âmbito de atuação da promotoria é sobre Agrário: “A mesma atua sempre nos con-
todo o estado de Pernambuco, apesar de flitos coletivos pela posse da terra rural,
o promotor que venha a ser seu titular destinados a reivindicar as políticas públi-
deva estar lotado na capital – neste caso, cas de acesso à terra (Reforma Agrária).
foi criado o cargo do 31º Promotor de Visa também combater a violência no

194
Ibidem.
195
Ministério Público de Pernambuco – Procuradoria Geral de Justiça. Resolução RES-CPJ n.001/2004. 27.03.2004.
196
Entrevista. 21.01.2013. Pergunta 5, p. 02.

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campo e promover direitos humanos dos tar medidas que assegurem o direito
trabalhadores rurais assentados nos PAs”. humano à terra rural e o direito humano
Ele também fala que a promotoria age à alimentação adequada, bem como pro-
tanto com a provocação dos sujeitos de mover e defender os direitos humanos
direito vinculados a essas atribuições das pessoas acampadas e assentadas; e
específicas, como também age de ofício, 8- desenvolver ações conjuntas com
sem provocação, desde que se depare órgãos públicos e entidades da Socie-
com uma situação enquadrada dentre as dade Civil, visando à prevenção dos con-
acima, seja colhendo informações ou flitos agrários.
registrando fatos para apreciação197.
Detendo a presente análise no
No Anexo I, ao qual o art. 1º da Reso- objeto desta pesquisa, observa-se que
lução de criação da Promotoria faz refe- resta delimitada no instrumento norma-
rência, consta-se um rol exauriente das tivo acima referido as atribuições especí-
atribuições especificas e exclusivas da ficas da promotoria agrária quanto à
Promotoria Agrária, reforçando sua atua- mediação de conflitos fundiários coletivos
ção especial no âmbito dos conflitos rurais, principalmente nos itens 2, 5, 6, 7 e
agrários do estado. Dentre essas atribui- 8. Desse modo, pode-se perceber que o
ções especificas, é pertinente destacar promotor agrário atua na mediação dos
que cabe como competência do promo- conflitos agrários, buscando, como fim e
tor de justiça agrário: 1- fiscalizar, nas escopo geral de sua atuação, a promoção
áreas de conflito agrário, o cumprimento e garantia dos direitos humanos das famí-
simultâneo dos requisitos relativos à fun- lias de trabalhadores rurais sem terra,
ção social da propriedade rural em ques- principalmente os direitos relativos ao
tão; 2- intervir judicialmente nas ações acesso à terra (o direito à terra rural e o
que envolvam litígios fundiários e coleti- direito à alimentação adequada).
vos pela posse da terra rural, zelando pela
observância dos direitos humanos dos Explica o Promotor, que, na prática,
trabalhadores rurais e de suas famílias; 3- tais atribuições se apresentam, principal-
atuar no favorecimento da reforma agrá- mente, em situações de conflito envol-
ria, principalmente em situações de des- vendo famílias de trabalhadores rurais
cumprimento da legislação trabalhista e mobilizadas na luta pela reforma agrária e
de defesa do meio ambiente; 4- fiscalizar infrações penais praticadas durante a
a implantação e execução dos projetos mobilização ou decorrentes do conflito,
de assentamento de trabalhadores rurais logo vem a ter competência jurídica tanto
desenvolvidos por instituições estaduais; cível como criminal198. Frisa o mesmo, tam-
5- atuar preventivamente na garantia da bém, que, no caso de processos judiciais,
paz social, com fim de evitar a violência ou seja, no âmbito contencioso, tal promo-
no campo, adotando e acompanhando a toria não atua enquanto único membro do
execução de medidas extrajudiciais e Ministério Público no processo, não
judiciais cabíveis; 6- mediar os conflitos podendo litigar e instruir processos.
agrários existentes, buscando a solução Apenas colabora, geralmente, agindo em
conciliatória entre os envolvidos; 7- ado- conjunto com o promotor local, conforme

197
Entrevista. 21.01.2013. Pergunta 1, p. 01.
198
Entrevista. 21.01.2013. Pergunta 2, p. 01.

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previsto no art. 2º da Resolução supraci- casos que serão tratados nesta, bem
tada. Desse modo, comumente, mani- como as informações já necessárias para
festa-se nos autos por meio de “promoção os encaminhamentos devidos200. Nestas
ministerial”, na qualidade de custo legis, reuniões, geralmente, participam a
opinando qual seu entendimento sobre o Ouvidoria Agrária regional do Incra, repre-
litígio objeto da contenda. sentante da Polícia Militar, representante
da Secretaria de Articulação Social do
Esclarece, ainda, que a atuação da
Governo Estadual, representante da
promotoria tem muito a ver com a repar-
Secretaria de Agricultura do Governo
tição constitucional e infraconstitucional
Estadual, além de atores sociais envolvi-
das competências entre os órgãos fede-
dos nos conflitos como movimentos
rais, estaduais e municipais, empregando,
sociais (p. ex. CPT, MST, Fetraf etc.) e
porém, a promotoria em suas atividades
organizações da Sociedade Civil (p. ex.
a perspectiva da integração, articulação e
Terra de Direitos). Relata o promotor de
atuação compartilhada, de modo a se
justiça em sua entrevista, no entanto, que,
enfrentar as demandas sociais e institu-
além dessas entidades, são convidados
cionais de forma cooperativa199 – verda-
também representantes da Procuradoria
deira aplicação da teoria dos diálogos
do Estado e do Incra, autoridades munici-
institucionais na prática da mediação de
pais e do sistema de justiça, como outros
conflitos coletivos.
promotores e magistrados, mas que difi-
Tal atuação fica evidenciada na prá- cilmente participam desse espaço media-
tica cotidiana do órgão, por exemplo, no ção e diálogo institucional201.
caso da Comissão Estadual de Prevenção,
Importante, também, relatar que
Conciliação e Resolução de Conflitos
tanto a Promotoria Agrária como a própria
Agrários, tendo seus trabalhos presididos
Comissão estadual buscam atuar em siner-
pelo Promotor Agrário. Essa instância vem
gia com, respectivamente, a Ouvidoria
a ter uma perspectiva mais preventiva, em
Agrária Nacional e a Comissão Nacional de
caso de instalado o conflito buscar evitar
Combate à Violência no Campo. Fica fla-
maiores danos e lesões aos direitos envol-
grante tal prática, compulsando-se as atas
vidos; de resolução mais estrutural, visto
das reuniões desta comissão, realizadas no
atuar pela pacificação do conflito com o
Estado de Pernambuco, muitas vezes em
cumprimento das políticas públicas rela-
conjunto com a Estadual, além de que os
cionadas à reforma agrária e o direito à
casos, muitas vezes, são coincidentes, de
terra; ou mesmo investigativa, em caso da
modo que, ao serem levados para a
realização de denúncias de situações de
Comissão Nacional, intenta-se diálogos
violação a direitos em reunião pelos atores
institucionais que envolvam órgãos fede-
sociais que costumam participar.
rais ou representações nacionais localiza-
Tendo reuniões mensais, como pre- das em Brasília para a devida mediação do
paração para a mesma, é acordada entre conflito e efetivação da política de acesso
os participantes previamente a pauta de à terra202.

199
Ibidem. Pergunta 3, p. 02.
200
Ministério Público de Pernambuco/ Promotoria Agrária. Ofício n. 918/2011. 08.09.2011.
201
Entrevista. Pergunta 7. P. 03.
202
Ministério do Desenvolvimento Agrário/Ouvidoria Agrária Nacional. Ata da 221ª Reunião da Comissão Nacional
de Combate à Violência no Campo. 06.07.2011; Ata da 270ª Reunião da Comissão Nacional de Combate à Violência
no Campo. 13.12.2011.

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Na busca por diálogo e cooperação tiva – o que geraria na perda de credibili-


institucional entre a própria Promotoria e dade e confiança dos trabalhadores rurais
a Ouvidoria Nacional, tem-se, como e organizações camponesas em tal instru-
exemplo, ofício daquela enviado para mento de mediação, visto a ausência de
esta em fevereiro de 2010, solicitando o respostas efetivas às reivindicações e,
apoio institucional para a adoção de pro- consequentemente, ausência de expecta-
vidências administrativas indispensáveis tivas de inclusão social ao programa
à solução de vários conflitos agrários nacional de reforma agrária205. Essa ava-
deflagrados no estado, colocando, em liação de não cumprimento dos acordos
anexo, a pauta de casos que envolveriam firmados nas audiências extrajudiciais
tal atuação sinérgica, estado do conflito pelo Incra também é reafirmada pelo
e medidas mais adequadas a serem atual membro da Promotoria Agrária em
tomadas para sua resolução. Neste, sua entrevista, o que só vem a destacar a
aponta-se como principal instrumento centralidade desta autarquia federal na
institucional da Promotoria utilizado para resolução dos conflitos fundiários206.
a mediação as audiências extrajudiciais
Além dos obstáculos encontrados a
de tentativa de conciliação203.
partir da atuação do Incra, o atual mem-
Em tais audiências, fórmula reco- bro deste órgão também aponta como
mendada pelo Plano Nacional de Direitos entrave à pacificação dos conflitos fundiá-
Humanos 3 (PNDH-3), relata-se, no ofício, rios a ausência de cooperação institucio-
que se busca a resolução do conflito com nal com outros órgãos do próprio sistema
a persuasão dos trabalhadores rurais de justiça. Vem a ser concretização disso
envolvidos nas ocupações reivindicatórias a resistência muitas vezes encontrada no
a desocuparem o imóvel rural, evitando- Judiciário de levar em consideração as
se a violência própria dos despejos força- investigações do cumprimento da função
dos. Em contrapartida, aguarda-se a social da terra, mesmo ainda que seja
manifestação do Incra sobre a viabilidade após o proferimento de decisão liminar de
da desapropriação do imóvel reivindicado reintegração de posse207.
e sua destinação para a reforma agrária
Aliados às audiências extrajudiciais,
ou, alternativamente, a indicação de outro
são também instrumentos institucionais
imóvel para tal fim. Aponta o mesmo, que,
utilizados na mediação dos conflitos fun-
neste ponto, reside o principal obstáculo
diários pela Promotoria Agrária a partici-
à solução dos litígios agrários204.
pação em audiências judiciais para fins de
Em tal manifestação, a Promotoria composição do conflito, a assinatura de
Agrária identificaria, na carência de pes- Termos de Ajustamento de Conduta e
soal e de verbas orçamentárias, além dos audiências públicas com adoção de medi-
entraves administrativos e judiciais, a das administrativas conciliatórias. Em
causa de uma quantidade razoável de todas, busca-se, como finalidade, a desa-
conflitos fundiários rurais no estado per- propriação das propriedades rurais
sistir sem perspectiva de solução defini- improdutivas e sua destinação para pro-

203
Ministério Público de Pernambuco/ Promotoria Agrária. Ofício n. 116/2010. 05.02.2010.
204
Ibidem.
205
Ibidem.
206
Entrevista. 21.01.2013. Pergunta 6, p. 03.
207
Entrevista. 21.01.2013. Pergunta 6, p. 03.

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moção da política pública de reforma destes defensores de direitos humanos,


agrária, através de propostas de notifica- em decorrência do conflito agrário. Assim,
ção prévia para investigar a função social a atuação da Promotoria Agrária,
da terra rural no imóvel em discussão208. enquanto órgão do Ministério Público,
seria pela apuração dos fatos para res-
Nesta investigação do cumprimento
ponsabilização dos ofensores e preven-
da função social da terra, conforme o art.
ção dos atos de violência e conflito, tão
186 da Constituição Federal, verifica-se,
ainda marcantes nessas situações – neste
também, que, em vários casos, a
caso, em claro trabalho integrado com os
Promotoria Agrária, ao instalar procedi-
órgãos de segurança pública.
mento investigativo preliminar, também
realiza ela própria tal investigação em Por fim, destaca-se, também, como
determinado imóvel rural, palco de um importante instrumento institucional de
caso de conflito fundiário. Cite-se a ativi- mediação a intervenção judicial da
dade oficiante deste órgão ao, por exem- Promotoria Agrária nos processos judiciais
plo, tomar depoimento de trabalhadores decorrentes de conflitos fundiários coleti-
rurais envolvidos em determinado con- vos rurais, principalmente em ações pos-
flito, de modo que emergem várias situa- sessórias. Manifestando-se por meio de
ções de violação de direitos humanos209. “Promoção ministerial”, busca-se pela
Também observa-se, dentro de tal tutela jurisdicional dos direitos fundamen-
instrumento de mediação, a atividade ofi- tais dos trabalhadores rurais e a composi-
ciante para apuração prévia de descum- ção dos conflitos – na realização desta, em
primento da função social, a requisição geral, provocando a realização de audiên-
de informações aos órgãos administrati- cia prévia de conciliação, a fim de evitar
vos e de fiscalização de tais aspectos: despejos forçados e violentos dos traba-
sobre a produtividade do imóvel pelo lhadores acampados, quando do cumpri-
Incra210, bem-estar social junto aos órgãos mento da decisão liminar possessória213.
do sistema de segurança pública211 ou o
A fim de ilustrar, em uma primeira
cumprimento das leis de proteção
manifestação processual analisada, o
ambiental junto ao órgão estadual de
membro da Promotoria Agrária requereu
meio ambiente212.
ao juízo a designação de audiência de
Ainda dentro deste escopo, ter-se-ia conciliação a fim de se encontrar uma
também atuação no mesmo sentido, solução negociada e pacífica para com-
porém em casos particulares (que, noto- por caso de conflito possessório, sob fun-
riamente, não são poucos) de criminaliza- damento de que a adoção de tal medida
ção dos trabalhadores rurais, seja em seria útil para construção de um ambiente
ações criminais, seja em atos atentatórios democrático e legítimo para negociar as
e de ameaça à vida e integridade física ocupações de forma pacífica, com a pre-

208
Idem.
209
Ministério Público de Pernambuco/ Promotoria Agrária. Ata de audiência. 22.01.2007; Termo de depoimento.
30.08.2006.
210
INCRA. Ofício n. 185/2006 (remetido à Promotoria Agrária).
211
Polícia Civil de Pernambuco. Ofício n. 01475/2020 (remetido à Promotoria Agrária).
212
Agência Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – CPRH. Ofício n. 390/2010 (remetido à Promotoria
Agrária).
213
Ministério Público de Pernambuco/ Promotoria Agrária. Processo n. 224.2007.000227-4. Promoção Ministerial;
Processo n. 222.2006.001315-8. Promoção Ministerial.

110
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servação do patrimônio e da integridade Figurariam, assim, como legítimas, a


física das partes envolvidas no processo. luta pela terra ou contra a injustiça social, a
Isto, ao mesmo tempo em que se conso- falta de política pública eficiente para desa-
lide no sistema de justiça o entendimento propriar terras improdutivas ou produtivas,
de ser a ocupação de terras um ato de má condução dos conflitos agrários por
cidadania exercido para exigir do Estado algumas autoridades administrativas, judi-
a implementação de políticas indispensá- ciárias, membros do Ministério Público e a
veis ao combate à pobreza e desigualda- falta de recursos e de estrutura institucional
des sociais, não constituindo uma adequada215. Desse modo, entende-se que
violação automática ao direito de proprie- restariam, na sua percepção, os movimen-
dade. Assim, seria, desse modo, forma de tos sociais de reivindicação pelo acesso à
convocação para o Estado, administração terra como sujeitos de direitos e para par-
e juiz investigar a função social da pro- ticipação ativa no processo de medicação
priedade rural. Em segunda manifestação de conflito.
processual analisada, sob os mesmos fun-
Já sobre as dificuldades e obstácu-
damentos, juntam-se diversos documen-
los para a devida consolidação de uma
tos informativos que demonstram o
cultura institucional de mediação de con-
estado de cumprimento da função social
flitos coletivos nos órgãos responsáveis
por determinado imóvel rural.
pelas políticas agrárias, o mesmo afirma
que falta a muitos órgãos públicos no
Estado de Pernambuco “incorporarem, na
Bloco B
gestão administrativa, câmaras multidis-
Sobre a Cultura Institucional de
ciplinares de mediação e resolução de
Mediação de Conflitos Fundiários Rurais
conflitos agrários para articularem-se e
interagirem de forma coordenada e coo-
perativa com os movimentos sociais de
A fim de se observar as percepções
luta pela terra e com o sistema de
tidas a partir da prática institucional da
justiça”.216 Dentre tais órgãos, enumera o
mediação de conflitos por aquele órgão,
Incra, Instituto Estadual de Terras (Iterpe)
além das análises já presentes difusa-
e Gerência de Patrimônio do Estado, vin-
mente no subitem anterior, primeiro bus-
culado à Procuradoria Geral do Estado.
cou-se descrever como tal agente público
encara o conflito fundiário e os atores Sobre a relação com o Incra, o
sociais envolvidos. Neste ponto, afirma o mesmo voltou a reafirmar o papel deste
atual membro da Promotoria Agrária, em no descumprimento de acordos firmados
entrevista com ele realizada, que “os valo- em audiências extrajudiciais de mediação
res, bens e interesses protegidos nas nor- e conciliação. Relata que, assim como esta
mas e princípios constitucionais garantem autarquia federal, grande parte dos
a mobilização social dos trabalhadores demais órgãos que participam dessas
rurais e dos povos tradicionais, em busca audiências extrajudiciais de cumprimento
de cidadania plena e garantia de digni- de medida liminar e de proposta de inves-
dade da pessoa”.214 tigação da função social da terra encami-

214
Entrevista. 21.01.2013. Pergunta 8, p. 3.
215
Idem.
216
Entrevista. 21.01.2013. Pergunta 9, p. 4.

111
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nham para mediar os conflitos funcioná- fundiários, sugere, em sua entrevista, a


rios sem poder de decisão administrativa, instalação de Câmaras multidisciplinares
gerando grande insatisfação e descon- no âmbito interno de cada órgão adminis-
fiança nos trabalhadores rurais – o mesmo trativo, a fim de desenvolver um processo
reiterou quanto à ponderação de priorida- de decisão coletiva segundo ponderações
des de tutela presentes nas decisões jurí- entre as prioridades orçamentárias e as
dicas. Desse modo, ele avaliou como demandas emergentes. Daí, a instituição
baixíssima a capacidade de resolutividade de um desenho institucional pautado pela
dos órgãos administrativos e do sistema gestão democrática, coordenada, partici-
de justiça envolvidos na resolução dos pativa e tomadas de decisões envolvendo
conflitos agrários217. interação social e institucional, bem como
a criação de ouvidorias especializadas
Somada a tal ausência de cultura ins-
para o desempenhar adequado da capa-
titucional, ter-se-iam leis inapropriadas
cidade de interação demandas sociais –
para mediarem e solucionarem os confli-
políticas públicas institucionais. O mesmo
tos agrários com dimensões complexas e
ainda reitera a necessidade de formulação
pluralidades sociológicas, econômicas e
de propostas de regulamentação norma-
culturais, restando, para o desempenhar
tiva inovadoras, balizadas no escopo de
de seu ofício, as normas jurídicas presen-
concretização das políticas públicas pre-
tes no art. 181 e 82, 926-8, todos do Código
vistas no PNDH-3218.
de Processo Civil e nos arts. 1.210 e 1.228
do Código Civil, para os casos específicos
Por conseguinte, a partir de toda a
de ações possessórias. Assim, grande
análise acima exposta, entende-se que a
parte do trabalho da Promotoria Agrária,
Promotoria Agrária, enquanto órgão com
substantivamente, teria suas teses ancora-
fim institucional específico de mediação
das em princípios, valores e normas cons-
de conflitos agrários, busca, a partir de
titucionais protetores e promovedores dos
seus procedimentos e protocolos internos
princípios da cidadania, democracia parti-
de operação, alargar a competência do
cipativa, dignidade da pessoa humana,
trato de tais conflitos, de forma a não se
função social da terra rural, direitos sociais,
restringir às autoridades competentes do
fundamentos e objetivos da República,
sistema de justiça, mas envolver, também,
princípios e normas da ordem econômica
os agentes público-administrativos perti-
e social – todos tendo que ser interpreta-
nentes e adequados para a efetivação das
dos em adaptação à situação concreta
políticas públicas de acesso à terra. Desse
segundo os contornos sociais, econômi-
modo, a solução do conflito não seria o
cos e culturais das dimensões dos confli-
encerramento do processo judicial pos-
tos agrários, não havendo tutela específica
sessório, por exemplo, mas a promoção
para tal realidade complexa.
de direitos humanos vinculados à posse
A título de aperfeiçoamento dos agrária e ao cumprimento da função
procedimentos de mediação de conflitos social da terra rural.

217
Idem.
218
Entrevista. 21.01.2013. Pergunta 10, 11, 12. p. 4-5.

112
Relatorio Terra de Direitos 2013 - novo_Layout 1 27/08/13 13:45 Page 113

Análise e Considerações acerca das


Experiências Público-Institucionais de
Mediação de Conflitos Fundiários

A análise das experiências público- institucional, podem ser identificados, na


institucionais de mediação de conflitos foi medida da interação dos estudos de
inserida na pesquisa a partir de uma cons- casos com as experiências modelo, os
tatação de duas ordens: em primeiro seguintes elementos:
lugar, a observação de que os conflitos
1. Quanto à capacitação e formação
fundiários estão inseridos em um cenário
especializada: um processo de me-
mais amplo de expansão da função judi-
diação eficaz se produz na medida
cial, produzindo uma tendência quase ine-
da compreensão da complexidade
vitável que tende à sua judicialização. Em
estrutural do conflito, conhecendo e
segundo lugar, a observação sobre os
reconhecendo as suas múltiplas
problemas de cultura jurídica e capaci-
dimensões de sujeitos, agentes e
dade judicial que geram o bloqueio insti-
interesses públicos e privados, direi-
tucional do sistema de justiça, em especial
tos fundamentais, órgãos e políticas
o Poder Judiciário, na lida com demandas
públicas implicadas. Neste sentido,
de caráter estrutural, como os conflitos
aparece como primordial o fator da
fundiários rurais.
formação e capacitação especiali-
Diante deste verdadeiro dilema, que zada dos agentes responsáveis pela
apresenta um cenário da tendência à judi- solução dos conflitos;
cialização dos conflitos fundiários rurais,
2. Quanto ao manejo instrumental:
em oposição à perspectiva de bloqueio
uma cultura de mediação e solução
institucional do Poder Judiciário no que
alternativa de conflitos aponta,
diz respeito à solução adequada destes
necessariamente, para a renovação
conflitos, a apresentação e análise destas
do instrumental tipicamente utili-
experiências buscaram contribuir com a
zado na solução dos conflitos. Desse
produção de um efeito de desbloqueio
modo, se faz necessária a incorpora-
institucional do Poder Judiciário, na
ção de procedimentos e ferramen-
medida do incentivo à incorporação à sua
tas com baixo grau de formalismo,
cultura judicial e institucional, de mecanis-
sem ignorar os princípios da admi-
mos, procedimentos e manejo de instru-
nistração pública e as regras dos
mentais extra ou não estritamente
processos judiciais. Neste sentido, se
judiciais, quando se encontra diante de
fazem indispensáveis o uso de ferra-
um conflito fundiário rural judicializado.
mentas dialógicas e comunicativas,
Com vistas à sistematização dos bem como a realização de procedi-
achados de pesquisa que apontam para mentos extra gabinetes, como a ins-
este efeito de desbloqueio institucional do peção judicial e a realização de
Poder Judiciário, em sua cultura judicial e audiências de mediação e públicas,

113
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supra partes processuais. Um de- latos, é possível destacar uma última


bate mais avançado neste sentido já observação que se configura em
se observa nas experiências de jus- uma espécie de síntese para a eficá-
tiça distributiva, e cumpre agora ser cia de uma cultura institucional de
adaptado à mediação e solução dos mediação: em sede da judicialização
conflitos fundiários; do conflito fundiário, a abertura ins-
titucional do poder judiciário para o
3. Quanto ao tratamento panorâmico
diálogo deliberativo com os atores
do caso: os conflitos fundiários
sociais e instituições públicas apre-
rurais produzem um complexo cená-
senta-se como a essência de um
rio de judicialização que demanda
procedimento apto a produzir solu-
do judiciário um tratamento coorde-
ções adequadas, alternativas e pací-
nado e integrado em suas diferentes
ficas para o conflito.
classes e ações judiciais, compreen-
dendo a complexidade judicial na De fato, em acordo com Garavito &
medida da complexidade dos ele- Franco, apenas uma jurisdição dialógica é
mentos constitutivos do conflito capaz tanto de compreender como de
fundiário rural, aliado ao reconheci- construir e apresentar soluções adequa-
mento da ação coordenada das suas das para a natureza estrutural do conflito,
categorias de litigantes em relação coordenando de forma deliberativa,
ao manejo combinado de diferentes desde uma visão panorâmica, os atores e
classes processuais. Compreende-se instituições diretamente implicados no
que este tratamento panorâmico da conflito, desbloqueando a execução de
judicialização do conflito constitui políticas públicas (efeitos coordenador,
condição de possibilidade para sua deliberativo, de desbloqueio e de políticas
mediação e adequada solução, e públicas), traduzindo, desse modo, para a
pode ser estrategicamente plane- sociedade, a sua natureza de direitos
jado e desenhado na medida das humanos (efeito criador), e, enfim, garan-
funções normativas no âmbito da tindo os direitos fundamentais dos sujei-
administração da justiça. tos coletivos de direitos (efeito social).

4. Quanto ao diálogo institucional e os Ressalte-se, por fim, a convicção de


efeitos correlatos: por fim, na que esta saída dialógica junto às institui-
medida da incorporação das três ções públicas e sociais em problemas
análises descritas acima, e da conse- referidos aos direitos humanos econômi-
quente observação e compreensão cos, sociais e culturais é caminho que for-
da complexidade dos elementos talece, em sua essência, a legitimidade,
constitutivos dos conflitos fundiários autonomia, independência e eficácia da
rurais, ressalvando o caráter estrutu- jurisdição, ao contrário do que um dis-
ral da demanda e a implicação direta curso enviesado, superficial ou mera-
de políticas e órgãos públicos corre- mente corporativo possa denunciar.

114
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SEÇÃO III
MANUAL PARA UMA CULTURA INSTITU-
CIONAL DE MEDIAÇÃO E SOLUÇÕES
ALTERNATIVAS DE CONFLITOS FUNDIÁ-
RIOS RURAIS

INTRODUÇÃO

O cenário dos conflitos fundiários no grupos vulneráveis, distribuídos por uma


Brasil ainda revela-se preocupante. diversidade social, econômica, étnica e
Segundo dados da Ouvidoria Agrária cultural que desafiam as instituições do
Nacional, entre os anos de 2001 e 2012, Estado Brasileiro em sua função, poder-
foram registrados 189 assassinatos decor- dever, de garantia e proteção dos direitos
rentes, diretamente, de conflitos fundiá- fundamentais e erradicação das desigual-
rios rurais. Para a Comissão Pastoral da dades sociais enquanto núcleos da ativi-
Terra (CPT), este número sobe para a cifra dade estatal e existência social.
de 370 assassinatos, somente entre os
Diante deste cenário, e compreen-
anos de 2003 e 2012219. De fato, são cons-
dendo que os conflitos fundiários estão
tantes as notícias de conflitos fundiários
inseridos em uma tendência geral de
rurais, e crescentes, por seu turno, aquelas
expansão do protagonismo judicial – que
referentes aos povos indígenas e comuni-
se traduz na judicialização de conflitos de
dades tradicionais.
diversas matizes, canalizando a sua
Tratando-se de conflitos referidos ao mediação, via de regra, para as institui-
envolvimento de sujeitos coletivos de ções de Justiça – o presente “Manual para
direitos, e reivindicações diretamente vin- uma Cultura Institucional de Mediação e
culadas, de um lado, à proteção e garantia Soluções Alternativas de Conflitos
de direitos fundamentais, e de outro, à Fundiários Rurais” vem apresentar um
correlata implementação ou consolidação debate sobre propostas e medidas que
de políticas públicas fundiárias, a questão tendem à resolução eficaz e pacífica dos
da mediação e solução pacífica dos con- conflitos fundiários. Acredita-se que tal
flitos fundiários assume contornos que solução se realiza através de procedimen-
dizem respeito a toda uma população de tos focados na compreensão do pro-

219
A diferença de números entre as entidades se deve ao referencial de coleta: a Ouvidoria Agrária Nacional se baseia
em números referidos a Inquéritos Policiais, ao passo em que a Comissão Pastoral da Terra incorpora os assassi-
natos que chegam ao seu conhecimento, muitos dos quais, alega, não chegam sequer a gerar Inquéritos Policiais
ou acabam por não serem considerados, em sede de Inquéritos Policiais, como decorrentes de conflitos fundiários
rurais.

115
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blema e projeção de ações coordenadas, desta mesma complexidade social e insti-


voltadas ao enfrentamento das causas e tucional coordenada em prol da supera-
prevenção das consequências historica- ção do estado de tensão social decorrente
mente vinculadas a estes conflitos, com do conflito fundiário.
vistas à construção de uma cultura jurisdi-
Aliado à perspectiva desta nova cul-
cional e institucional dialógica, aberta a
tura institucional, e integrado ao instru-
uma cultura jurídica compreensiva da
mental dialógico, cumpre identificar,
complexidade estrutural que compõe o
também, qual o arcabouço normativo
cenário de judicialização dos conflitos fun-
diretamente referido a esta cultura de
diários rurais. Uma cultura apta e disposta,
mediação para soluções alternativas dos
enfim, ao manejamento de instrumentais
conflitos, a fim de fornecer os elementos
e procedimentos extra-processuais dialó-
para uma espécie de hermenêutica dos
gicos, e que enfrente, de modo adequado,
conflitos fundiários rurais no Brasil.
a complexidade social, institucional e jurí-
dica destes conflitos para, a partir daí, ofe- Eis o que se apresenta nas páginas
recer-lhes uma resposta eficaz, na medida a seguir:

116
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PARTE I
IDENTIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS DO
CONFLITO FUNDIÁRIO RURAL

1º) Noção, Conceito e associação, movidos por interesses par-


Características dos ticulares de natureza eminentemente
Conflitos econômica.

A dimensão política e institucional,


por sua vez, emana dos objetivos e
Os conflitos fundiários são caracteri-
garantias fundamentais da República
zados por disputas pela posse de imóveis
Federativa do Brasil no Estado
rurais ou territórios indígenas, extrativistas
Democrático de Direito, na medida em
ou de comunidades tradicionais. Envol-
que, aos conflitos fundiários rurais, são
vem uma complexidade característica,
sempre referidos uma fórmula de prote-
composta de uma agregação de dois blo-
ção a direitos e garantias fundamentais,
cos de elementos complementares: de um
aliada de maneira indissociável à realiza-
lado, uma dimensão histórica, social, eco-
ção de políticas públicas fundiárias e
nômica, étnica e cultural; de outro, uma
correlatas. Diretamente vinculadas à
dimensão política e institucional.
dimensão política, serão encontrados
A dimensão histórica, social, econô- órgãos públicos competentes incumbi-
mica, étnica e cultural se manifesta na dos da garantia de proteção destes direi-
figura dos atores sociais geralmente tos ou realização das políticas públicas
envolvidos. Eles fazem dos conflitos fun- respectivas.
diários, na medida de sua especificidade
em cada caso concreto, uma reiteração e
reação da história agrária brasileira, carac- Desse modo, os conflitos fun-
terizada pela disputas de terras e ausên- diários são, geralmente e dire-
cia de regularização fundiária realizada tamente, referidos a uma
pelo Estado. tríade de elementos intrínse-
cos e correlatos, que devem
Neste sentido, serão sempre en-
ser identificados a fim de pro-
contrados em conflitos fundiários campo-
duzir uma mediação e solução
neses, indígenas, quilombolas ou diversas
adequada:
manifestações de culturais comunitárias
que assumem a condição de sujeitos i) sujeitos coletivos de direitos
coletivos de direitos e disputam historica- em situação de vulnerabilidade
mente a posse-trabalho e posse-existên- econômica, social, étnica e cul-
cia de um determinado imóvel ou território. tural, em oposição a agentes
De outro lado, em conflito com os sujeitos privados mobilizados por inte-
coletivos de direitos, serão encontrados resses econômicos, associados
agentes privados, individualizados ou em ou não com órgãos públicos;

117
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ii) garantia e proteção e direi- conflitos fundiários rurais: o envolvimento


tos fundamentais em oposição de sujeitos coletivos de direitos que pos-
a direitos patrimoniais; suem os seus modos de vida atrelados à
terra, às águas, às florestas e ao território,
iii) realização de políticas
de onde emanam e são ameaçadas dife-
públicas fundiárias e correlatas
rentes categorias de direitos fundamen-
em oposição à não intervenção
tais econômicos, sociais, étnicos e
do Estado na propriedade pri-
culturais resguardados e garantidos pela
vada.
Constituição de 1988. São sujeitos que
assumem diversas manifestações sociais,
étnicas e culturais na realidade agrária
Vale ressaltar que, de modo comple-
brasileira, dentre elas as de camponeses,
mentar, os conflitos fundiários decorren-
indígenas e quilombolas, como se perce-
tes da implementação de grandes obras
bem nos quatro estudos de casos, além
e projetos de infraestrutura possuem uma
de comunidades tradicionais diversas,
variação estrutural no que diz respeito a
como as babaçueiras, ribeirinhos, pesca-
esta tríade, em especial no que se refere
dores, açaizeiras, comunidades de fundo
à atuação dos órgãos públicos, que pas-
de pasto, faxinalenses, dentre outras
sam a desempenhar o papel aqui caracte-
manifestações regionais.
rizado pelos agentes privados, ao passo
em que a realização de políticas públicas Atrelados a estes sujeitos coletivos de
fundiárias e correlatas passam a se aliar à direitos, pode-se observar dois elementos
não remoção dos sujeitos coletivos de correlatos e, também, constitutivos dos
direito de seus territórios. conflitos fundiários: de uma lado, os direitos
fundamentais que emanam da sua condi-
ção histórica de vida junto à terra e ao ter-
ritório, e, de outro, as políticas públicas
diretamente referidas e implicadas a estes
2º) Os Elementos direitos fundamentais, ao menos na forma
Constitutivos do Conflito constituída pelo Estado Democrático de
Direito instaurado nos termos da Constitui-
ção de 1988. Eis portanto, o segundo e ter-
A análise dos conflitos fundiários ceiro elementos constitutivos dos conflitos
rurais nos permite, portanto, identificar os fundiários rurais, agora já diretamente ema-
elementos que compõem a complexidade nados do Estado Democrático de Direito
histórica, social, econômica, cultural, polí- pelo qual eles são garantidos: direitos fun-
tica, jurídica e institucional característica damentais vinculados aos modos de vida
dos conflitos fundiários. De um lado, uma junto à terra e ao território; e as políticas
dimensão histórica, social, econômica e públicas que lhes são correlatas no Estado
cultural que caracteriza os sujeitos envol- Democrático de Direito.
vidos, e, de outro, uma dimensão política,
De modo complementar e intrinse-
jurídica e institucional diretamente impli-
camente vinculado a estes três primeiros
cada nas responsabilidades, compromis-
elementos constitutivos dos conflitos fun-
sos e deveres do Estado Democrático de
diários, encontramos as instituições e
Direito em relação àqueles sujeitos.
órgãos públicos diretamente implicados,
Primeiro elemento constituinte dos quer na promoção e defesa dos direitos

118
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daqueles sujeitos coletivos – compreendi- como agentes privados, ora como órgãos
dos em sua situação de vulnerabilidade públicos, ora confundem-se na figura de
econômica e social –, quer na realização consórcios ou concessionárias voltados à
das políticas públicas fundiárias e correla- realização de grandes empreendimentos. Se
tas que constituem parte da estrutura os sujeitos coletivos de direitos assumem
organizacional, econômica, social, étnica e formas distintas de manifestação fundadas
cultural da República Federativa do Brasil. sobre matrizes sociais, étnicas e culturais,
Neste sentido, apresentam-se no cenário verifica-se que os agentes privados também
como quarto elemento constitutivo dos assumem diferentes categorias de apresen-
conflitos fundiários os órgãos públicos tação, geralmente representativas de seto-
fundiários e correlatos (de políticas sociais, res e interesses econômicos.
econômicas, étnicas e culturais).
Nestes termos, é possível apresentar
Em oposição aos quatro primeiros ele- um quadro exemplificativo com os cinco
mentos constitutivos dos conflitos fundiá- elementos constitutivos mínimos caracte-
rios, pode ser identificado, finalmente, um rísticos dos conflitos fundiários rurais,
quinto elemento constitutivo, que possui, com vistas à análise e projeção de medi-
por seu turno, uma distinção e forma mista das para a mediação e soluções alternati-
na sua constituição interna: ora se apresenta vas de conflitos em casos concretos:

Quadro 17 - Cinco Elementos Mínimos Constitutivos do Conflito Fundiário Rural

1 Sujeitos Coletivos Emanam das Manifestações Sociais,


de Direitos Étnicas e Culturais

2 Direitos Fundamentais Emanam do Reconhecimento dos


Correlatos Modos de Vida Atrelado à Terra,
às Águas, às Florestas ou ao
Território no Estado Democrático
de Direito

3 Políticas Públicas Emanam da Organização Social,


Correlatas Econômica e Cultural do Estado
Brasileiro

4 Instituições Públicas Emanam da Organização Política do


Implicadas Estado Brasileiro

5 5.1 Agentes Privados Motivados por interesses


econômicos privados

5.2 Órgãos Públicos Motivados pelo Interesse Público

5.3 Consórcios/ Motivados pela Forma Mista de


Concessionárias Interesses Econômicos Privados
e Interesse Público

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3º) Diferentes Categorias de coletivos de direitos presentes na reali-


Sujeitos Coletivos de dade agrária brasileira são diversos, assu-
Direitos e Respectivos mindo características regionais e culturais
Direitos e Políticas próprias nas diferentes regiões do país.
Públicas Implicadas: No entanto, é possível e necessário iden-
tificar ao menos quatro categorias encon-
tradas ao longo de todo o território
Como um dos elementos caracterís- nacional, e os respectivos direitos e polí-
ticos dos conflitos fundiários, os sujeitos ticas públicas correlatas que compõem os

Quadro 18 - Componentes da Natureza Estrutural dos Conflitos Fundiários Rurais

Sujeitos Direitos Proteção Política Pública Órgãos Públicos


Coletivos Implicados Constitucional Correlata Implicados
Camponeses Acesso à terra,
trabalho, moradia, Art. 1º, III e IV; Reforma Agrária Instituto de Colonização
alimentação, Art. 3º, I III; Art. 5º, e Reforma Agrária -
educação, saúde caput e XXIII; INCRA/MDA; Institutos de
e lazer Art. 170, III e VII; Terras Estaduais
Arts. 184 e 186;
Indígenas Reconhecimento Art. 1º, III e IV; Demarcação do Fundação Nacional do
da organização Art. 3º, I, III e IV; Território Índio - FUNAI/MJ
social, costumes, Art. 170, VI e VII;
línguas, crenças e Art. 215, §1º;
tradições, e os Art. 216, II;
direitos originários Art. 231;
sobre as terras que Art. 232;
tradicionalmente
ocupam
Quilombolas Reconhecimento da Art. 1º,III e IV; Titulação do Instituto de Colonização e
propriedade Art. 3º, I, III e IV; Território Reforma Agrária - INCRA/MDA;
definitiva sobre o Art. 170, VII; , Fundação Cultural
território e a Art. 215 §1º; Palmares/MinC; Secretaria
proteção das suas ` Art. 216, II e §5º; Especial de Promoção da
manifstações Igualdade Racial - SEPIR
culturais
Povos e Reconhecimento, Art. 1º, III e IV; Regularização dos Comissão Nacional de
Comunidades fortalecimento e Art. 3º, I, III e IV; Direitos Territoriais, Desenvolvimento
Tradicionais garantia dos seus Art. 170, III, VI e VII; Sociais, Ambientais, Sustentável
direitos territoriais, Art. 186, II e IV; Econômicos, dos Povos e
sociais, ambientais, Art. 215, §1º; Culturais Comunidades
econômicos e Art. 216, II; Tradicionais
culturais por analogia
Art. 231;
Art. 68 do ADCT
(cf. Dec.
Nº 6.040/07)

120
Relatorio Terra de Direitos 2013 - novo_Layout 1 27/08/13 13:45 Page 121

elementos característicos dos conflitos caso concreto, e o fazem de maneira


fundiários rurais no Brasil, Quadro 18. combinada em diversos casos judiciais e
diversas classes processuais.
Desse modo, ao deparar-se com
um caso estrutural, é necessária a reali- Nestes termos, em sede de um con-
zação de um procedimento de identifi- flito fundiário, é necessário investigar quais
cação dos elementos que compõem esta as classes processuais manejadas a fim de
natureza estrutural dos conflitos fundiá- identificar as relações processuais frequen-
rios rurais, de modo a projetar estraté- tes. O Quadro 19 (página 122) apresenta
gias e ações voltadas à satisfação e um cenário comumente observado de
coordenação de direitos e deveres fun- judicialização do conflito fundiário a título
cionais que compõem o caso em ques- exemplificativo, mas indicando metodolo-
tão. Para Garavito & Franco (2010, p. 41), gicamente um procedimento de formação
a natureza estrutural de um caso do cenário da judicialização, como condi-
demanda uma postura e cultura institu- ção de eficácia da compreensão do con-
cional dialógica por parte do poder judi- flito e, consequentemente, da mediação
ciário, compreendendo-se a tendência à para uma solução adequada:
judicialização na qual estão inseridos os Diante de um conflito fundiário rural,
conflitos fundiários no Brasil. portanto, tal relação deve ser identificada,
a fim produzir, ao menos, dois resultados:
de um lado, montar o cenário da judiciali-
zação do conflito fundiário, a fim de
enxergá-lo desde uma perspectiva judicial
4º) Classes Processuais e panorâmica, integrada e coordenada; de
Litigantes Frequentes: outro, desde esta perspectiva coordenada,
Visão Panorâmica da identificar a complexidade jurídica, política,
Judicialização do social e institucional do conflito, e, desse
Conflito modo, produzir as condições de possibili-
dade para o enfrentamento adequado das
Conforme estudos de sociologia do causas e consequências do conflito.
acesso à justiça revelam, geralmente Desse modo, à complexidade estru-
pode ser identificado um padrão do tural, social, política e institucional do con-
manejo de certas classes processuais em flito fundiário rural, passa a corresponder
relação a determinados atores que, fre- uma jurisdição informada para enfrentar
quentemente, se encontram em litígios o problema com uma visão, técnicas e ins-
judiciais. Neste sentido, litigantes fre- trumentos capazes de produzir soluções
quentes, ou habituais, manejam determi- complexas tendentes à mediação em prol
nadas classes processuais de forma da resolução pacífica do conflito, con-
estratégica, supra lide, para além do forme Seção II infra.

121
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Quadro 19 - Panorama da Judicialização do Conflito Fundiário Rural

Classe Processual Litigantes Instituição Natureza do


Polo Ativo Polo Passivo de Justiça Conflito
Ação Civil Pública Advocacia Popular / Órgão Público de Justiça Federal Tradicional, Étnica
Ministério Público Regularização
Federal Fundiária ou
Licenciamento
Ambiental
Ação Judicial de Órgão Público de Agentes Privados Justiça Federal Reforma Agrária
Regularização Fundiária Regularização
Fundiária
Ação Anulatória de Agentes Privados Órgão Público de Justiça Federal Reforma Agrária
Ato Administrativo Regularização
Fundiária
Ação Cautelar/ Agentes Privados Órgão Público de Justiça Federal Reforma Agrária
Declaratória de Regularização
Produtividade Fundiária
Ação Possessória Agentes Privados Sujeitos Coletivos Justiça Estadual Ambos
de Direitos Cível
Representação Criminal Agentes Privados Sujeitos Coletivos Justiça Estadual Ambos
de Direitos Criminal
Ação Penal Ministério Público Sujeitos Coletivos Justiça Estadual Ambos
Estadual de Direitos Criminal
Representação e Sujeitos Coletivos Agentes Privados Justiça Estadual Ambos
Assistência de Acusação de Direitos Criminal
Criminal
Assistência em Ação de Sujeitos Coletivos Agentes Privados Justiça federal Reforma Agrária
Discussão Fundiária de Direitos

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PARTE II
A MEDIAÇÃO E SOLUÇÕES
ALTERNATIVAS DO CONFLITO
FUNDÁRIO RURAL

Para uma Cultura nal, quando se encontra diante de um


Institucional de Mediação e conflito fundiário rural judicializado.
Soluções Alternativas dos
Deste modo, uma cultura institucio-
Conflitos
nal voltada à mediação para soluções
alternativas dos conflitos fundiários rurais
é composta e se realiza na medida dos
A necessidade de novos procedi-
seguintes elementos e procedimentos:
mentos e manejamento de novos instru-
mentais de mediação de conflitos foi
inserida neste manual a partir de uma
1. Quanto à capacitação e for-
constatação de duas ordens: em primeiro
mação especializada: um
lugar, a observação de que os conflitos
processo de mediação efi-
fundiários estão inseridos em um cenário
caz se produz na medida da
mais amplo de expansão da função judi-
compreensão da complexi-
cial, produzindo uma tendência quase ine-
dade estrutural do conflito,
vitável que tende à sua judicialização. Em
conhecendo e reconhe-
segundo lugar, a observação sobre os
cendo as suas múltiplas
problemas de cultura jurídica e capaci-
dimensões de sujeitos,
dade judicial que geram o bloqueio insti-
agentes e interesses públi-
tucional do sistema de justiça, em especial
cos e privados, direitos fun-
o Poder Judiciário, na lida com demandas
damentais, órgãos e
de caráter estrutural, como os conflitos
políticas públicas implica-
fundiários rurais.
das. Neste sentido, aparece
Diante do cenário da tendência à como primordial o fator da
judicialização dos conflitos fundiários formação e capacitação
rurais, em oposição à perspectiva de blo- especializada dos agentes
queio institucional do Poder Judiciário no responsáveis pela solução
que diz respeito à solução adequada des- dos conflitos.
tes conflitos, este manual busca contribuir
com a produção de um efeito de desblo-
queio institucional do Poder Judiciário, na
medida do incentivo à incorporação de
2. Quanto ao manejo instru-
procedimentos dialógicos e manejo de
mental: uma cultura de
instrumentais extra ou não estritamente
mediação e solução alterna-
judiciais à sua cultura judicial e institucio-

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tiva de conflitos aponta, fundiário rural, aliado ao


necessariamente, para a reconhecimento da ação
renovação do instrumental coordenada das suas cate-
tipicamente utilizado na gorias de litigantes em rela-
solução dos conflitos. Desse ção ao manejo combinado
modo, se faz necessária a de diferentes classes pro-
incorporação de procedi- cessuais. Compreende-se
mentos e ferramentas com que este tratamento pano-
baixo grau de formalismo, râmico da judicialização do
sem ignorar os princípios da conflito constitui condição
administração pública e as de possibilidade para sua
regras dos processos judi- mediação e adequada solu-
ciais. Neste sentido, se ção, e pode ser estrategica-
fazem indispensáveis o uso mente planejado e
de ferramentas dialógicas e desenhado na medida das
comunicativas, bem como a funções normativas no
realização de procedimen- âmbito da administração da
tos extra-gabinetes, como a justiça.
inspeção judicial e a realiza-
ção de audiências de
mediação e públicas, supra
partes processuais. Um
4. Quanto ao diálogo institu-
debate mais avançado neste
cional e os efeitos correla-
sentido já se observa nas
tos: por fim, na medida da
experiências de justiça dis-
incorporação das três análi-
tributiva, e cumpre agora
ses descritas acima, e da
ser adaptado à mediação e
consequente observação e
solução dos conflitos fun-
compreensão da complexi-
diários.
dade dos elementos consti-
tutivos dos conflitos
fundiários rurais, ressal-
vando o caráter estrutural
3. Quanto ao tratamento da demanda e a implicação
panorâmico do conflito: os direta de políticas e órgãos
conflitos fundiários rurais públicos correlatos, é possí-
produzem um complexo vel destacar uma última
cenário de judicialização, observação, que se confi-
que demanda do judiciário gura em uma espécie de
um tratamento coordenado síntese para a eficácia de
e integrado em suas diferen- uma cultura institucional de
tes classes e ações judiciais, mediação: em sede da judi-
compreendendo a comple- cialização do conflito fun-
xidade judicial na medida da diário, a abertura
complexidade dos elemen- institucional do poder judi-
tos constitutivos do conflito ciário para o diálogo delibe-

124
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rativo com os atores sociais nas uma jurisdição dialógica é capaz de


e instituições públicas apre- compreender, construir e apresentar solu-
senta-se como a essência ções adequadas para a natureza estrutural
de um procedimento apto a do conflito fundiário rural, coordenando,
produzir soluções adequa- de forma deliberativa, desde uma visão
das, alternativas e pacíficas panorâmica, os atores e instituições dire-
para o conflito. tamente implicados no conflito, desblo-
queando a execução de políticas públicas,
traduzindo, desse modo, para a sociedade
a natureza de direitos humanos intrínseca
a estes conflitos, e, enfim, garantindo os
Considerações Finais direitos fundamentais dos sujeitos coleti-
vos de direitos.

Ressalte-se, por fim, a convicção de


Inspirado em análises clássicas e
que esta saída dialógica junto às institui-
modernas sobre o cenário do acesso à jus-
ções públicas e sociais – em problemas
tiça, este manual busca apresentar ele-
referidos aos direitos humanos econômi-
mentos para uma cultura institucional
cos, sociais e culturais – é caminho que
voltada à solução pacífica dos conflitos
fortalece, em sua essência, a legitimi-
fundiários rurais, em oposição a uma cul-
dade, autonomia, independência e eficá-
tura institucional direcionada para a celeri-
cia da jurisdição, ao contrário do que um
dade e encerramento do processo judicial.
discurso apressado e superficial possa
Neste sentido, verifica-se que ape- denunciar.

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PARTE III
ARCABOUÇO NORMATIVO: REFEREN-
CIAL PARA UMA HERMENÊUTICA DOS
CONFLITOS FUNDIÁRIOS RURAIS

INTRODUÇÃO

A uma nova cultura judicial e institu- fundiários rurais na realidade social, e à


cional de mediação de conflitos fundiários incorporação de instrumentais e procedi-
rurais, compreensiva da sua complexi- mentos institucionais dialógicos, cumpre,
dade estrutural; disposta à coordenação enfim, identificar o arcabouço normativo
dialógica e deliberativa dos diversos ato- nacional e internacional adequado à cons-
res e instituições públicas envolvidos; e trução de uma nova cultura judicial vol-
apta ao manejamento de instrumentais tada para a mediação e solução
não-estritamente judiciais, corresponde alternativa destes conflitos.
uma nova compreensão hermenêutica
Diante disso, apresenta-se, nesta
sobre a dimensão jurídica, social e política
Parte III, o que se compreende constituir
dos conflitos fundiários.
um arcabouço normativo referencial para
Neste sentido, aliado à compreensão uma hermenêutica dos conflitos fundiá-
dos elementos constitutivos dos conflitos rios rurais.

Âmbito Nacional

1. Constituição da República II - a cidadania;


Federativa do Brasil de 1988 III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da


livre iniciativa;
- Art. 1º - A República Federativa do Brasil,
formada pela união indissolúvel dos Parágrafo único. Todo o poder emana do
Estados e Municípios e do Distrito Federal, povo, que o exerce por meio de represen-
constitui-se em Estado Democrático de tantes eleitos ou diretamente, nos termos
Direito e tem como fundamentos: desta Constituição.

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- Art. 3º - Constituem objetivos funda- V-A as causas relativas a direitos humanos


mentais da República Federativa do a que se refere o § 5º deste artigo;
Brasil: (Incluído pela Emenda Constitucional nº
45, de 2004)
I - construir uma sociedade livre, justa e
solidária; XI - a disputa sobre direitos indígenas.

III - erradicar a pobreza e a marginalização


e reduzir as desigualdades sociais e regio-
nais; - Art. 127 - O Ministério Público é institui-
ção permanente, essencial à função juris-
IV - promover o bem de todos, sem pre- dicional do Estado, incumbindo-lhe a
conceitos de origem, raça, sexo, cor, defesa da ordem jurídica, do regime
idade e quaisquer outras formas de dis- democrático e dos interesses sociais e
criminação. individuais indisponíveis.

- Art. 4º - A República Federativa do Brasil - Art. 170 - A ordem econômica, fundada


rege-se nas suas relações internacionais na valorização do trabalho humano e na
pelos seguintes princípios: livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os dita-
II - prevalência dos direitos humanos;
mes da justiça social, observados os
VII - solução pacífica dos conflitos; seguintes princípios:

III - função social da propriedade;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive


- Art. 5º - Todos são iguais perante a lei,
mediante tratamento diferenciado con-
sem distinção de qualquer natureza,
forme o impacto ambiental dos produtos
garantindo-se aos brasileiros e aos estran-
e serviços e de seus processos de elabo-
geiros residentes no País a inviolabilidade
ração e prestação; (Redação dada pela
do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
Emenda Constitucional nº 42, de
à segurança e à propriedade, nos termos
19.12.2003)
seguintes:
VII - redução das desigualdades regionais
XXIII - A propriedade atenderá a sua fun-
e sociais;
ção social;

- Art. 184 - Compete à União desapro-


- Art. 109 - Aos juízes federais compete
priar por interesse social, para fins de
processar e julgar:
reforma agrária, o imóvel rural que não
I - as causas em que a União, entidade esteja cumprindo sua função social,
autárquica ou empresa pública federal mediante prévia e justa indenização em
forem interessadas na condição de auto- títulos da dívida agrária, com cláusula de
ras, rés, assistentes ou oponentes, exceto preservação do valor real, resgatáveis no
as de falência, as de acidentes de trabalho prazo de até vinte anos, a partir do
e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça segundo ano de sua emissão, e cuja uti-
do Trabalho; lização será definida em lei.

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- Art. 185 - São insuscetíveis de desapro- - Art. 189 - Os beneficiários da distribui-


priação para fins de reforma agrária: ção de imóveis rurais pela reforma agrária
receberão títulos de domínio ou de con-
I - a pequena e média propriedade rural,
cessão de uso, inegociáveis pelo prazo de
assim definida em lei, desde que seu pro-
dez anos.
prietário não possua outra;
Parágrafo único. O título de domínio e a
II - a propriedade produtiva.
concessão de uso serão conferidos ao
Parágrafo único. A lei garantirá trata- homem ou à mulher, ou a ambos, inde-
mento especial à propriedade produtiva e pendentemente do estado civil, nos ter-
fixará normas para o cumprimento dos mos e condições previstos em lei.
requisitos relativos a sua função social.

- Art. 190 - A lei regulará e limitará a aquisi-


- Art. 186 - A função social é cumprida ção ou o arrendamento de propriedade
quando a propriedade rural atende, simul- rural por pessoa física ou jurídica estran-
taneamente, segundo critérios e graus de geira e estabelecerá os casos que depende-
exigência estabelecidos em lei, aos rão de autorização do Congresso Nacional.
seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;


- Art. 191 - Aquele que, não sendo proprie-
II - utilização adequada dos recursos tário de imóvel rural ou urbano, possua
naturais disponíveis e preservação do como seu, por cinco anos ininterruptos,
meio ambiente; sem oposição, área de terra, em zona
rural, não superior a cinquenta hectares,
III - observância das disposições que
tornando-a produtiva por seu trabalho ou
regulam as relações de trabalho;
de sua família, tendo nela sua moradia,
IV - exploração que favoreça o bem-estar adquirir-lhe-á a propriedade.
dos proprietários e dos trabalhadores.
Parágrafo único. Os imóveis públicos não
serão adquiridos por usucapião.

- Art. 188 - A destinação de terras públicas


e devolutas será compatibilizada com a
- Art. 215 - O Estado garantirá a todos o
política agrícola e com o plano nacional
pleno exercício dos direitos culturais e
de reforma agrária.
acesso às fontes da cultura nacional, e
§ 1º - A alienação ou a concessão, a qual- apoiará e incentivará a valorização e a
quer título, de terras públicas com área difusão das manifestações culturais.
superior a dois mil e quinhentos hectares
§ 1º - O Estado protegerá as manifesta-
a pessoa física ou jurídica, ainda que por
ções das culturas populares, indígenas e
interposta pessoa, dependerá de prévia
afro-brasileiras, e das de outros grupos
aprovação do Congresso Nacional.
participantes do processo civilizatório
§ 2º - Excetuam-se do disposto no pará- nacional.
grafo anterior as alienações ou as conces-
sões de terras públicas para fins de
reforma agrária. - Art. 216 - Constituem patrimônio cultural

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brasileiro os bens de natureza material e são inalienáveis e indisponíveis, e os direi-


imaterial, tomados individualmente ou em tos sobre elas, imprescritíveis.
conjunto, portadores de referência à iden-
§ 5º - É vedada a remoção dos grupos
tidade, à ação, à memória dos diferentes
indígenas de suas terras, salvo, “ad refe-
grupos formadores da sociedade brasi-
rendum” do Congresso Nacional, em caso
leira, nos quais se incluem:
de catástrofe ou epidemia que ponha em
II - os modos de criar, fazer e viver; risco sua população, ou no interesse da
soberania do País, após deliberação do
§ 5º - Ficam tombados todos os docu-
Congresso Nacional, garantido, em qual-
mentos e os sítios detentores de reminis-
quer hipótese, o retorno imediato logo
cências históricas dos antigos quilombos.
que cesse o risco.

§ 6º - São nulos e extintos, não produ-


- Art. 231 - São reconhecidos aos índios zindo efeitos jurídicos, os atos que
sua organização social, costumes, línguas, tenham por objeto a ocupação, o domínio
crenças e tradições, e os direitos originá- e a posse das terras a que se refere este
rios sobre as terras que tradicionalmente artigo, ou a exploração das riquezas natu-
ocupam, competindo à União demarcá- rais do solo, dos rios e dos lagos nelas
las, proteger e fazer respeitar todos os existentes, ressalvado relevante interesse
seus bens. público da União, segundo o que dispuser
lei complementar, não gerando a nulidade
§ 1º - São terras tradicionalmente ocupa-
e a extinção direito a indenização ou a
das pelos índios as por eles habitadas em
ações contra a União, salvo, na forma da
caráter permanente, as utilizadas para
lei, quanto às benfeitorias derivadas da
suas atividades produtivas, as imprescin-
ocupação de boa fé.
díveis à preservação dos recursos ambi-
entais necessários a seu bem-estar e as § 7º - Não se aplica às terras indígenas o
necessárias a sua reprodução física e cul- disposto no art. 174, § 3º e § 4º.
tural, segundo seus usos, costumes e tra-
dições.
- Art. 232 - Os índios, suas comunidades
§ 2º - As terras tradicionalmente ocupa-
e organizações são partes legítimas para
das pelos índios destinam-se a sua posse
ingressar em juízo em defesa de seus
permanente, cabendo-lhes o usufruto
direitos e interesses, intervindo o Minis-
exclusivo das riquezas do solo, dos rios e
tério Público em todos os atos do pro-
dos lagos nelas existentes.
cesso;
§ 3º - O aproveitamento dos recursos
hídricos, incluídos os potenciais energéti-
cos, a pesquisa e a lavra das riquezas ATO DAS DISPOSIÇÕES
minerais em terras indígenas só podem CONSTITUCIONAIS
ser efetivados com autorização do TRANSITÓRIAS
Congresso Nacional, ouvidas as comuni-
- Art. 68 - Aos remanescentes das comu-
dades afetadas, ficando-lhes assegurada
nidades dos quilombos que estejam ocu-
participação nos resultados da lavra, na
pando suas terras é reconhecida a
forma da lei.
propriedade definitiva, devendo o Estado
§ 4º - As terras de que trata este artigo emitir-lhes os títulos respectivos.

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2. Lei Complementar nº 76, de condicionada pela sua função social, na


06 de Julho de 1993 forma prevista nesta Lei.

- Preâmbulo: Dispõe sobre o procedi- § 1° A propriedade da terra desempenha


mento contraditório especial, de rito integralmente a sua função social quando,
sumário, para o processo de desapropria- simultaneamente:
ção de imóvel rural, por interesse social,
a) favorece o bem-estar dos proprietários
para fins de reforma agrária.
e dos trabalhadores que nela labutam,
assim como de suas famílias;

- Art. 1º - O procedimento judicial da desa- b) mantém níveis satisfatórios de produ-


propriação de imóvel rural, por interesse tividade;
social, para fins de reforma agrária, obe- c) assegura a conservação dos recursos
decerá ao contraditório especial, de rito naturais;
sumário, previsto nesta lei Complementar.
d) observa as disposições legais que
regulam as justas relações de trabalho
- Art. 6º - O juiz, ao despachar a petição entre os que a possuem e a cultivem.
inicial, de plano ou no prazo máximo de § 2° É dever do Poder Público:
quarenta e oito horas:
a) promover e criar as condições de
I - mandará imitir o autor na posse do
acesso do trabalhador rural à propriedade
imóvel; (Redação dada pela Lei
da terra economicamente útil, de prefe-
Complementar nº 88, de 1996).
rência nas regiões onde habita, ou,
quando as circunstâncias regionais, o
aconselhem em zonas previamente ajus-
- Art. 18. As ações concernentes à desa-
tadas na forma do disposto na regula-
propriação de imóvel rural, por interesse
mentação desta Lei;
social, para fins de reforma agrária, têm
caráter preferencial e prejudicial em rela- b) zelar para que a propriedade da terra
ção a outras ações referentes ao imóvel desempenhe sua função social, estimu-
expropriando, e independem do paga- lando planos para a sua racional utiliza-
mento de preparo ou de emolumentos. ção, promovendo a justa remuneração e
o acesso do trabalhador aos benefícios do
- § 1º Qualquer ação que tenha por objeto
aumento da produtividade e ao bem-
o bem expropriando será distribuída, por
estar coletivo.
dependência, à Vara Federal onde tiver
curso a ação de desapropriação, determi- § 3º A todo agricultor assiste o direito de
nando-se a pronta intervenção da União. permanecer na terra que cultive, dentro
dos termos e limitações desta Lei, obser-
vadas sempre que for o caso, as normas
3. Estatuto da Terra – Lei nº dos contratos de trabalho.
4.504 de 30 de Novembro
§ 4º É assegurado às populações indíge-
de 1964
nas o direito à posse das terras que ocu-
- Art. 2° - É assegurada a todos a oportu- pam ou que lhes sejam atribuídas de
nidade de acesso à propriedade da terra, acordo com a legislação especial que dis-

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ciplina o regime tutelar a que estão sujei- rural e o desenvolvimento econômico do


tas. país, com a gradual extinção do minifún-
dio e do latifúndio.

- Art. 9º - Dentre as terras públicas, terão


prioridade, subordinando-se aos itens - Art. 18 - À desapropriação por interesse
previstos nesta Lei, as seguintes: social tem por fim:

I - as de propriedade da União, que não a) condicionar o uso da terra à sua função


tenham outra destinação específica; social;

II - as reservadas pelo Poder Público para b) promover a justa e adequada distribui-


serviços ou obras de qualquer natureza, ção da propriedade;
ressalvadas as pertinentes à segurança c) obrigar a exploração racional da terra;
nacional, desde que o órgão competente
considere sua utilização econômica com- d) permitir a recuperação social e econô-
patível com a atividade principal, sob a mica de regiões;
forma de exploração agrícola; e) estimular pesquisas pioneiras, experi-
III - as devolutas da União, dos Estados e mentação, demonstração e assistência
dos Municípios. técnica;

f) efetuar obras de renovação, melhoria e


valorização dos recursos naturais;
- Art. 12 - À propriedade privada da terra
cabe intrinsecamente uma função social e g) incrementar a eletrificação e a indus-
seu uso é condicionado ao bem-estar trialização no meio rural;
coletivo previsto na Constituição Federal h) facultar a criação de áreas de proteção
e caracterizado nesta Lei. à fauna, à flora ou a outros recursos natu-
rais, a fim de preservá-los de atividades
predatórias.
- Art. 13 - O Poder Público promoverá a
gradativa extinção das formas de ocupa-
ção e de exploração da terra que contra- 4. Código de Processo Civil –
riem sua função social. Lei nº 5.869, 11 de janeiro de
1973
- Art. 82 - Compete ao Ministério Público
- Art. 15 - A implantação da Reforma
intervir:
Agrária em terras particulares será feita
em caráter prioritário, quando se tratar de III - nas ações que envolvam litígios cole-
zonas críticas ou de tensão social. tivos pela posse da terra rural e nas
demais causas em que há interesse
público evidenciado pela natureza da lide
- Art. 16 - A Reforma Agrária visa a esta- ou qualidade da parte. (Redação dada
belecer um sistema de relações entre o pela Lei nº 9.415, de 1996)
homem, a propriedade rural e o uso da
terra, capaz de promover a justiça social,
o progresso e o bem-estar do trabalhador - Art.  924 - Regem o procedimento de

131
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manutenção e de reintegração de posse V - garantir aos índios a permanência


as normas da seção seguinte, quando voluntária no seu habitat, proporcio-
intentado dentro de ano e dia da turbação nando-lhes ali recursos para seu desen-
ou do esbulho; passado esse prazo, será volvimento e progresso;
ordinário, não perdendo, contudo, o cará-
VI - respeitar, no processo de integração
ter possessório.
do índio à comunhão nacional, a coesão
das comunidades indígenas, os seus valo-
res culturais, tradições, usos e costumes;
- Art. 926 - O possuidor tem direito a ser
mantido na posse em caso de turbação e IX - garantir aos índios e comunidades
reintegrado no de esbulho. indígenas, nos termos da Constituição, a
posse permanente das terras que habi-
tam, reconhecendo-lhes o direito ao usu-
fruto exclusivo das riquezas naturais e de
- Art. 927 - Incumbe ao autor provar:
todas as utilidades naquelas terras exis-
I - a sua posse; tentes;

II - a turbação ou o esbulho praticado pelo


réu;
- Art. 23 - Considera-se posse do índio ou
III - a data da turbação ou do esbulho; silvícola a ocupação efetiva da terra que,
de acordo com os usos, costumes e tradi-
IV - a continuação da posse, embora tur- ções tribais, detém e onde habita ou
bada, na ação de manutenção; a perda da exerce atividade indispensável à sua sub-
posse, na ação de reintegração. sistência ou economicamente útil.

- Art. 928 - Estando a petição inicial devi- 6. Lei Federal nº 8.629, de 25 de


damente instruída, o juiz deferirá, sem Fevereiro de 1993
ouvir o réu, a expedição do mandado limi-
- Art. 2º - A propriedade rural que não
nar de manutenção ou de reintegração;
cumprir a função social prevista no art. 9º
no caso contrário, determinará que o
é passível de desapropriação, nos termos
autor justifique previamente o alegado,
desta lei, respeitados os dispositivos
citando-se o réu para comparecer à
constitucionais. (Regulamento)
audiência que for designada.
§ 1º Compete à União desapropriar por
interesse social, para fins de reforma agrá-
5. Estatuto do Índio – ria, o imóvel rural que não esteja cum-
Lei nº 6.001, de 19 de prindo sua função social.
Dezembro de 1973
§ 6o O imóvel rural de domínio público ou
- Art. 2° - Cumpre à União, aos Estados e particular objeto de esbulho possessório
aos Municípios, bem como aos órgãos das ou invasão motivada por conflito agrário
respectivas administrações indiretas, nos ou fundiário de caráter coletivo não será
limites de sua competência, para a prote- vistoriado, avaliado ou desapropriado nos
ção das comunidades indígenas e a pre- dois anos seguintes à sua desocupação,
servação dos seus direitos: ou no dobro desse prazo, em caso de

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reincidência; e deverá ser apurada a res- dade dos recursos ambientais, na medida
ponsabilidade civil e administrativa de adequada à manutenção do equilíbrio
quem concorra com qualquer ato omis- ecológico da propriedade e da saúde e
sivo ou comissivo que propicie o descum- qualidade de vida das comunidades vizi-
primento dessas vedações. (Incluído pela nhas.
Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)
§ 4º A observância das disposições que
regulam as relações de trabalho implica
tanto o respeito às leis trabalhistas e aos
- Art. 6º - Considera-se propriedade pro-
contratos coletivos de trabalho, como às
dutiva aquela que, explorada econômica
disposições que disciplinam os contratos
e racionalmente, atinge, simultaneamente,
de arrendamento e parceria rurais.
graus de utilização da terra e de eficiência
na exploração, segundo índices fixados § 5º A exploração que favorece o bem-
pelo órgão federal competente. estar dos proprietários e trabalhadores
rurais é a que objetiva o atendimento das
necessidades básicas dos que trabalham
- Art. 9º - A função social é cumprida a terra, observa as normas de segurança
quando a propriedade rural atende, simul- do trabalho e não provoca conflitos e ten-
taneamente, segundo graus e critérios sões sociais no imóvel.
estabelecidos nesta lei, os seguintes
requisitos:
- Art. 13 - As terras rurais de domínio da
I - aproveitamento racional e adequado;
União, dos Estados e dos Municípios ficam
II - utilização adequada dos recursos destinadas, preferencialmente, à execu-
naturais disponíveis e preservação do ção de planos de reforma agrária.
meio ambiente;
Parágrafo único. Excetuando-se as reser-
III - observância das disposições que vas indígenas e os parques, somente se
regulam as relações de trabalho; admitirá a existência de imóveis rurais de
propriedade pública, com objetivos diver-
IV - exploração que favoreça o bem-estar
sos dos previstos neste artigo, se o poder
dos proprietários e dos trabalhadores.
público os explorar direta ou indireta-
§ 1º Considera-se racional e adequado o mente para pesquisa, experimentação,
aproveitamento que atinja os graus de uti- demonstração e fomento de atividades
lização da terra e de eficiência na explo- relativas ao desenvolvimento da agricul-
ração especificados nos §§ 1º a 7º do art. tura, pecuária, preservação ecológica,
6º desta lei. áreas de segurança, treinamento militar,
educação de todo tipo, readequação
§ 2º Considera-se adequada a utilização
social e defesa nacional.
dos recursos naturais disponíveis quando
a exploração se faz respeitando a vocação
natural da terra, de modo a manter o
7. Código Civil – Lei 10.406 de
potencial produtivo da propriedade.
10 de Janeiro de 2002
§ 3º Considera-se preservação do meio
- Art. 1.228 -
ambiente a manutenção das característi-
cas próprias do meio natural e da quali- § 1º O direito de propriedade deve ser

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exercido em consonância com as suas cas, com presunção de ancestralidade


finalidades econômicas e sociais e de negra relacionada com a resistência à
modo que sejam preservados, de confor- opressão histórica sofrida.
midade com o estabelecido em lei espe-
§ 1o Para os fins deste Decreto, a caracte-
cial, à flora, a fauna, as belezas naturais, o
rização dos remanescentes das comuni-
equilíbrio ecológico e o patrimônio histó-
dades dos quilombos será atestada
rico e artístico, bem como evitada a polui-
mediante autodefinição da própria comu-
ção do ar e das águas;
nidade.
§4º O proprietário também pode ser pri-
§ 2º São terras ocupadas por remanes-
vado da coisa se o imóvel reivindicando
centes das comunidades dos quilombos
consistir em extensa área, na posse inin-
as utilizadas para a garantia de sua repro-
terrupta e de boa-fé, por mais de 5(cinco)
dução física, social, econômica e cultural.
anos, de considerável número de pessoas,
e estas nela houverem realizado, em con-
junto ou separadamente, obras e serviços
- Art.  3º - Compete ao Ministério do
considerados pelo juiz de interesse social
Desenvolvimento Agrário, por meio do
e econômico relevante.
Instituto Nacional de Colonização e
§5º No caso do parágrafo antecedente, o Reforma Agrária - INCRA, a identificação,
juiz fixará a justa indenização devida ao reconhecimento, delimitação, demarca-
proprietário; pago o preço, valerá a sen- ção e titulação das terras ocupadas pelos
tença como título para o registro do imó- remanescentes das comunidades dos qui-
vel em nome dos possuidores. lombos, sem prejuízo da competência
concorrente dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios.
8. Lei de Introdução às Normas § 4º A autodefinição de que trata o § 1º
do Direito Brasileiro – do art. 2º deste Decreto será inscrita no
Lei nº 12.376, de 30 de Cadastro Geral junto à Fundação Cultural
Dezembro de 2010 Palmares, que expedirá certidão respec-
- Art. 5º - Na aplicação da lei, o juiz aten- tiva na forma do regulamento.
derá aos fins sociais a que ela se dirige e
às exigências do bem comum;
- Art. 4º - Compete à Secretaria Especial
de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial, da Presidência da República, assis-
9. Titulação de Territórios
tir e acompanhar o Ministério do Desen-
Quilombolas - Decreto
volvimento Agrário e o INCRA nas ações
nº 4.887, de 20 de Novembro
de regularização fundiária, para garantir
de 2003
os direitos étnicos e territoriais dos rema-
- Art. 2º - Consideram-se remanescentes nescentes das comunidades dos quilom-
das comunidades dos quilombos, para os bos, nos termos de sua competência
fins deste Decreto, os grupos étnico- legalmente fixada.
raciais, segundo critérios de auto-atribui-
ção, com trajetória histórica própria,
dotados de relações territoriais específi- - Art.  5º - Compete ao Ministério da

134
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Cultura, por meio da Fundação Cultural § 2º O INCRA regulamentará as hipóte-


Palmares, assistir e acompanhar o ses suscetíveis de desapropriação, com
Ministério do Desenvolvimento Agrário e obrigatória disposição de prévio estudo
o INCRA nas ações de regularização fun- sobre a autenticidade e legitimidade do
diária, para garantir a preservação da título de propriedade, mediante levanta-
identidade cultural dos remanescentes mento da cadeia dominial do imóvel até
das comunidades dos quilombos, bem a sua origem.
como para subsidiar os trabalhos técnicos
quando houver contestação ao procedi-
mento de identificação e reconhecimento - Art. 14 - Verificada a presença de ocu-
previsto neste Decreto. pantes nas terras dos remanescentes das
comunidades dos quilombos, o INCRA
acionará os dispositivos administrativos e
- Art. 10 - Quando as terras ocupadas por legais para o reassentamento das famílias
remanescentes das comunidades dos qui- de agricultores pertencentes à clientela
lombos incidirem em terrenos de marinha, da reforma agrária ou a indenização das
marginais de rios, ilhas e lagos, o INCRA e benfeitorias de boa-fé, quando couber.
a Secretaria do Patrimônio da União
tomarão as medidas cabíveis para a expe-
dição do título. - Art. 15 - Durante o processo de titulação,
o INCRA garantirá a defesa dos interesses
dos remanescentes das comunidades dos
- Art. 12 - Em sendo constatado que as quilombos nas questões surgidas em
terras ocupadas por remanescentes das decorrência da titulação das suas terras.
comunidades dos quilombos incidem
sobre terras de propriedade dos Estados,
- Art. 16 - Após a expedição do título de
do Distrito Federal ou dos Municípios, o
reconhecimento de domínio, a Fundação
INCRA encaminhará os autos para os
Cultural Palmares garantirá assistência
entes responsáveis pela titulação.
jurídica, em todos os graus, aos remanes-
centes das comunidades dos quilombos
para defesa da posse contra esbulhos e
- Art. 13 - Incidindo nos territórios ocupa-
turbações, para a proteção da integridade
dos por remanescentes das comunidades
territorial da área delimitada e sua utiliza-
dos quilombos título de domínio particu-
ção por terceiros, podendo firmar convê-
lar não invalidado por nulidade, prescrição
nios com outras entidades ou órgãos que
ou comisso, e nem tornado ineficaz por
prestem esta assistência.
outros fundamentos, será realizada visto-
ria e avaliação do imóvel, objetivando a
adoção dos atos necessários à sua desa-
- Art.  17 - A titulação prevista neste
propriação, quando couber.
Decreto será reconhecida e registrada
§ 1º Para os fins deste Decreto, o INCRA mediante outorga de título coletivo e pró-
estará autorizado a ingressar no imóvel de indiviso às comunidades a que se refere o
propriedade particular, operando as publi- art. 2º, caput, com obrigatória inserção de
cações editalícias do art. 7º efeitos de cláusula de inalienabilidade, imprescritibi-
comunicação prévia. lidade e de impenhorabilidade.

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Parágrafo único.  As comunidades serão 11. Programa Nacional de


representadas por suas associações legal- Direitos Humanos - PNDH-3
mente constituídas. (Decreto nº 7.037, de 21 de
Dezembro de 2009)
- Diretriz 4: Efetivação de modelo de
10. Decreto dos Povos e desenvolvimento sustentável, com inclu-
Comunidades Tradicionais - são social e econômica, ambientalmente
Decreto nº 6.040, de 07 de equilibrado e tecnologicamente responsá-
fevereiro de 2007. vel, cultural e regionalmente diverso, par-
- Preâmbulo: Institui a Política Nacional de ticipativo e não discriminatório.
Desenvolvimento Sustentável dos Povos Objetivo estratégico I: Implementação de
e Comunidades Tradicionais. políticas públicas de desenvolvimento
com inclusão social.

Ações programáticas:
- Art. 3º - Para os fins deste Decreto e do
seu Anexo compreende-se por: d) Avançar na implantação da reforma
agrária, como forma de inclusão social e
I  -  Povos e Comunidades Tradicionais:
acesso aos direitos básicos, de forma arti-
grupos culturalmente diferenciados e que
culada com as políticas de saúde, educa-
se reconhecem como tais, que possuem
ção, meio ambiente e fomento à
formas próprias de organização social,
produção alimentar.
que ocupam e usam territórios e recursos
naturais como condição para sua repro- g) Fomentar o debate sobre a expansão
dução cultural, social, religiosa, ancestral de plantios de monoculturas que geram
e econômica, utilizando conhecimentos, impacto no meio ambiente e na cultura
inovações e práticas gerados e transmiti- dos povos e comunidades tradicionais,
dos pela tradição; tais como eucalipto, cana-de-açúcar, soja,
e sobre o manejo florestal, a grande
II  -  Territórios Tradicionais: os espaços
pecuária, mineração, turismo e pesca.
necessários a reprodução cultural, social
e econômica dos povos e comunidades i) Garantir que os grandes empreendi-
tradicionais, sejam eles utilizados de mentos e projetos de infraestrutura res-
forma permanente ou temporária, obser- guardem os direitos dos povos indígenas
vado, no que diz respeito aos povos indí- e de comunidades quilombolas e tradicio-
genas e quilombolas, respectivamente, o nais, conforme previsto na Constituição e
que dispõem os arts. 231 da Constituição nos tratados e convenções internacionais.
e 68 do Ato das Disposições Constitu-
cionais Transitórias e demais regulamen-
tações; e - Diretriz 7: Garantia dos Direitos Humanos
de forma universal, indivisível e interdepen-
III - Desenvolvimento Sustentável: o uso
dente, assegurando a cidadania plena.
equilibrado dos recursos naturais, vol-
tado para a melhoria da qualidade de Objetivo estratégico III: Garantia do
vida da presente geração, garantindo as acesso à terra e à moradia para a popula-
mesmas possibilidades para as gerações ção de baixa renda e grupos sociais vul-
futuras.  nerabilizados.

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Ações programáticas: de vida dos povos indígenas.


d) Garantir demarcação, homologação,
regularização e desintrusão das terras
- Diretriz 17: Promoção de sistema de jus-
indígenas, em harmonia com os projetos
tiça mais acessível, ágil e efetivo, para o
de futuro de cada povo indígena, assegu-
conhecimento, a garantia e a defesa dos
rando seu etnodesenvolvimento e sua
direitos.
autonomia produtiva.
e) Assegurar às comunidades quilombo- Objetivo estratégico III: Utilização de
las a posse dos seus territórios, acele- modelos alternativos de solução de con-
rando a identificação, o reconhecimento, flitos.
a demarcação e a titulação desses territó- Ações programáticas:
rios, respeitando e preservando os sítios
de valor simbólico e histórico. a) Fomentar iniciativas de mediação e
conciliação, estimulando a resolução de
f) Garantir o acesso a terra às populações
conflitos por meios autocompositivos,
ribeirinhas, varzanteiras e pescadoras,
voltados à maior pacificação social e
assegurando acesso aos recursos naturais
menor judicialização.
que tradicionalmente utilizam para sua
reprodução física, cultural e econômica. Objetivo estratégico VI: Acesso à Justiça
no campo e na cidade.

- Diretriz 9: Combate às desigualdades Ações programáticas:


estruturais.
c) Promover o diálogo com o Poder
Objetivo estratégico I: Igualdade e prote- Judiciário para a elaboração de procedi-
ção dos direitos das populações negras, mento para o enfrentamento de casos de
historicamente afetadas pela discrimina- conflitos fundiários coletivos urbanos e
ção e outras formas de intolerância. rurais.

Ações programáticas: d) Propor projeto de lei para institucionalizar


f) Fortalecer a integração das políticas a utilização da mediação nas demandas de
públicas em todas as comunidades rema- conflitos coletivos agrários e urbanos, prio-
nescentes de quilombos localizadas no rizando a oitiva do INCRA, institutos de ter-
território brasileiro. ras estaduais, Ministério Público e outros
órgãos públicos especializados, sem pre-
g) Fortalecer os mecanismos existentes
juízo de outros meios institucionais para
de reconhecimento das comunidades qui-
solução de conflitos.  (Redação dada pelo
lombolas como garantia dos seus direitos
Decreto nº 7.177, de 2010)
específicos.
Objetivo estratégico II: Garantia aos povos
indígenas da manutenção e resgate das 12. Código de Ética Magistratura
condições de reprodução, assegurando Nacional - Aprovado na 68ª
seus modos de vida. Sessão Ordinária do
Ações programáticas: Conselho Nacional de Justiça,
do dia 06 de agosto de 2008
a) Assegurar a integridade das terras indí-
genas para proteger e promover o modo - Art. 3º - A atividade judicial deve desen-

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volver-se de modo a garantir e fomentar que pode provocar;


a dignidade da pessoa humana, objeti-
vando assegurar e promover a solidarie-
dade e a justiça na relação entre as - Art. 32 - O conhecimento e a capacita-
pessoas; ção dos magistrados adquirem uma
intensidade especial no que se relaciona
com as matérias, as técnicas e as atitudes
- Art. 24 - Especialmente ao proferir deci- que levem à máxima proteção dos direi-
sões, incumbe ao magistrado atuar de tos humanos e ao desenvolvimento dos
forma cautelosa, atento às consequências valores constitucionais;

Âmbito Internacional

Normativas Internacionais em fome, adotarão individualmente e por


vigor no Brasil: meio da cooperação internacional as
medidas necessárias, incluindo programas
concretos:
1. Pacto Internacional de
a) Para melhorar os métodos de produ-
Direitos Econômicos, Sociais
ção, de conservação e de distribuição dos
e Culturais (PIDESC)
produtos alimentares pela plena utilização
(Promulgado pelo Decreto nº
dos conhecimentos técnicos e científicos,
591 - de 6 de julho de 1992)
pela difusão de princípios de educação
nutricional e pelo desenvolvimento ou a
Artigo 11º: reforma dos regimes agrários, de maneira
a assegurar da melhor forma a valoriza-
1. Os Estados Partes no presente Pacto
ção e a utilização dos recursos naturais;
reconhecem o direito de todas as pessoas
a um nível de vida suficiente para si e para
as suas famílias, incluindo alimentação,
vestuário e alojamento suficientes, bem 2. Convenção Americana de
como a um melhoramento constante das Direitos Humanos – Pacto de
suas condições de existência. Os Estados San José da Costa Rica
Partes tomarão medidas apropriadas des- (Promulgada pelo Decreto
tinadas a assegurar a realização deste No 678, de 06 de Novembro
direito reconhecendo para este efeito a de 1992)
importância essencial de uma cooperação
internacional livremente consentida.
Artigo 5.1
2. Os Estados Partes do presente Pacto,
reconhecendo o direito fundamental de Toda pessoa tem direito a que se respeite
todas as pessoas de estarem ao abrigo da sua integridade física, psíquica e moral;

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- Artigo 26: Os Estados Partes compro- reno ou habitação; d) a presença de fun-


metem-se a adotar providências, tanto no cionários do governo ou seus represen-
âmbito interno como mediante coopera- tantes no despejo, especialmente quando
ção internacional, especialmente econô- afeta grupos de pessoas, e) a identifica-
mica e técnica, a fim de conseguir ção precisa de todas as pessoas que exer-
progressivamente a plena efetividade dos cem o despejo; f) não realizar despejos
direitos que decorrem das normas econô- quando houver mau tempo ou à noite, a
micas, sociais e sobre educação, ciência e menos que haja o consentimento das pes-
cultura, constantes da Carta da soas afetadas; g) oferecimento de recur-
Organização dos Estados Americanos, sos recursos, e h) oferecimento de
reformada pelo Protocolo de Buenos assistência jurídica sempre que possível,
Aires, na medida dos recursos disponíveis, para as pessoas que precisam buscar
por via legislativa ou por outros meios reparação dos tribunais.
apropriados;

- Parágrafo 16. As expulsões não devem


resultar em situações de indivíduos desa-
3. Comentário Geral nº 7:
brigadas ou vulneráveis à violação de
Despejos Forçados - Comitê
outros direitos humanos. Quando os afeta-
de Direitos Econômicos,
dos não disponham de recursos, o Estado
Sociais e Culturais das
Parte deve tomar todas as medidas ade-
Nações Unidas (Adotado no
quadas, na medida em que os recursos
16ª Período de Seções do
permitirem, para garantir uma alternativa
Comitê DESC/ONU no ano
habitacional, reassentamento ou acesso a
de 1997):
terra produtiva, conforme o caso.

- Parágrafo 15. Ainda que a proteção pro-


4. Convenção nº 169 da
cessual adequada e o devido processo
Organização Internacional do
sejam aspectos essenciais de todos os
Trabalho - OIT sobre Povos
direitos humanos, eles são especialmente
Indígenas e Tribais (promul-
pertinentes à questão dos despejos força-
gada pelo Decreto n.
dos, que está diretamente relacionado a
5.051/2004)
muitos dos direitos reconhecidos nos pac-
tos internacionais de direitos humanos. O
Comitê considera que as garantias pro-
PARTE l - POLÍTICA GERAL
cessuais que se aplicam no contexto de
despejos forçados incluem: a) uma opor- Artigo 1º
tunidade para a consulta genuína das pes-
1. A presente convenção aplica-se:
soas afetadas; b) aviso adequado e
razoável para todas as pessoas afetadas a) aos povos tribais em países indepen-
antes da data prevista para o despejo; c) dentes, cujas condições sociais, culturais
prestar a todos os interessados num e econômicas os distingam de outros
prazo razoável, as informações sobre os setores da coletividade nacional, e que
despejos previstos, e, se for o caso, a fina- estejam regidos, total ou parcialmente,
lidade para a qual será destinado o ter- por seus próprios costumes ou tradições

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ou por legislação especial; lhes sejam concernentes;

b) aos povos em países independentes, c)  estabelecer os meios para o pleno


considerados indígenas pelo fato de des- desenvolvimento das instituições e inicia-
cenderem de populações que habitavam tivas dos povos e, nos casos apropriados,
o país ou uma região geográfica perten- fornecer os recursos necessários para
cente ao país na época da conquista ou esse fim.
da colonização ou do estabelecimento
2.  As consultas realizadas na aplicação
das atuais fronteiras estatais e que, seja
desta Convenção deverão ser efetuadas
qual for sua situação jurídica, conservam
com boa fé e de maneira apropriada às
todas as suas próprias instituições
circunstâncias, com o objetivo de se che-
sociais, econômicas, culturais e políticas,
gar a um acordo e conseguir o consenti-
ou parte delas.
mento acerca das medidas propostas.
2. A consciência de sua identidade indí-
gena ou tribal deverá ser considerada
como critério fundamental para determi- PARTE II - TERRAS
nar os grupos aos que se aplicam as dis-
posições da presente Convenção. Artigo 13.

3. A utilização do termo “povos” na pre- 1. Ao aplicarem as disposições desta parte
sente Convenção não deverá ser interpre- da Convenção, os governos deverão res-
tada no sentido de ter implicação alguma peitar a importância especial que para as
no que se refere aos direitos que possam culturas e valores espirituais dos povos
ser conferidos a esse termo no direito interessados possui a sua relação com as
internacional. terras ou territórios, ou com ambos,
segundo os casos, que eles ocupam ou
utilizam de alguma maneira e, particular-
Artigo 6º mente, os aspectos coletivos dessa rela-
ção.
1. Ao aplicar as disposições da presente
Convenção, os governos deverão: 2.  A utilização do termo “terras” nos
Artigos 15 e 16 deverá incluir o conceito de
a)  consultar os povos interessados,
territórios, o que abrange a totalidade do
mediante procedimentos apropriados e,
habitat das regiões que os povos interes-
particularmente, através de suas institui-
sados ocupam ou utilizam de alguma
ções representativas, cada vez que sejam
outra forma.
previstas medidas legislativas ou adminis-
trativas suscetíveis de afetá-los direta-
mente;
Artigo 14
b) estabelecer os meios através dos quais
os povos interessados possam participar 1. Dever-se-á reconhecer aos povos inte-
livremente, pelo menos na mesma medida ressados os direitos de propriedade e de
que outros setores da população e em posse sobre as terras que tradicional-
todos os níveis, na adoção de decisões mente ocupam.  Além disso, nos casos
em instituições efetivas ou organismos apropriados, deverão ser adotadas medi-
administrativos e de outra natureza res- das para salvaguardar o direito dos povos
ponsáveis pelas políticas e programas que interessados de utilizar terras que não

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estejam exclusivamente ocupadas por que possam sofrer como resultado dessas
eles, mas às quais, tradicionalmente, atividades.
tenham tido acesso para suas atividades
tradicionais e de subsistência. Nesse par-
Artigo 16
ticular, deverá ser dada especial atenção
à situação dos povos nômades e dos agri- 1. Com reserva do disposto nos parágrafos
cultores itinerantes. a seguir do presente Artigo, os povos
interessados não deverão ser translada-
2. Os governos deverão adotar as medi-
dos das terras que ocupam.
das que sejam necessárias para determi-
nar as terras que os povos interessados 2. Quando, excepcionalmente, o translado
ocupam tradicionalmente e garantir a e o reassentamento desses povos sejam
proteção efetiva dos seus direitos de pro- considerados necessários, só poderão ser
priedade e posse. efetuados com o consentimento dos mes-
3. Deverão ser instituídos procedimentos mos, concedido livremente e com pleno
adequados no âmbito do sistema jurídico conhecimento de causa. Quando não for
nacional para solucionar as reivindicações possível obter o seu consentimento, o
de terras formuladas pelos povos interes- translado e o reassentamento só poderão
sados. ser realizados após a conclusão de proce-
dimentos adequados estabelecidos pela
legislação nacional, inclusive enquetes
Artigo 15 públicas, quando for apropriado, nas
quais os povos interessados tenham a
1. Os direitos dos povos interessados aos
possibilidade de estar efetivamente repre-
recursos naturais existentes nas suas ter-
sentados.
ras deverão ser especialmente protegi-
dos.  Esses direitos abrangem o direito 3. Sempre que for possível, esses povos
desses povos a participarem da utilização, deverão ter o direito de voltar a suas ter-
administração e conservação dos recur- ras tradicionais assim que deixarem de
sos mencionados. existir as causas que motivaram seu trans-
lado e reassentamento.
2. Em caso de pertencer ao Estado a pro-
priedade dos minérios ou dos recursos do 4. Quando o retorno não for possível, con-
subsolo, ou de ter direitos sobre outros forme for determinado por acordo ou, na
recursos, existentes na terras, os governos ausência de tais acordos, mediante pro-
deverão estabelecer ou manter procedi- cedimento adequado, esses povos deve-
mentos com vistas a consultar os povos rão receber, em todos os casos em que for
interessados, a fim de se determinar se os possível, terras cuja qualidade e cujo esta-
interesses desses povos seriam prejudica- tuto jurídico sejam pelo menos iguais
dos, e em que medida, antes de se aqueles das terras que ocupavam ante-
empreender ou autorizar qualquer pro- riormente, e que lhes permitam cobrir
grama de prospecção ou exploração dos suas necessidades e garantir seu desen-
recursos existentes nas suas terras.  Os volvimento futuro. Quando os povos inte-
povos interessados deverão participar ressados prefiram receber indenização
sempre que for possível dos benefícios em dinheiro ou em bens, essa indenização
que essas atividades produzam, e receber deverá ser concedida com as garantias
indenização equitativa por qualquer dano apropriadas.

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Relatorio Terra de Direitos 2013 - novo_Layout 1 27/08/13 13:45 Page 142

5. Deverão ser indenizadas plenamente as quando as terras das que dispunham


pessoas transladadas e reassentadas por sejam insuficientes para lhes garantir os
qualquer perda ou dano que tenham elementos de uma existência normal ou
sofrido como consequência do seu deslo- para enfrentarem o seu possível cresci-
camento. mento numérico;

b)  a concessão dos meios necessários


para o desenvolvimento das terras que
Artigo 17
esses povos já possuam.
1. Deverão ser respeitadas as modalidades
de transmissão dos direitos sobre a terra
entre os membros dos povos interessados
5. Declaração das Nações
estabelecidas por esses povos.
Unidas sobre Direitos dos
2. Os povos interessados deverão ser con- Povos Indígenas (aprovado
sultados sempre que for considerada sua pela Assembleia Geral em 07
capacidade para alienarem suas terras ou de setembro de 2007): 
transmitirem de outra forma os seus direi-
tos sobre essas terras para fora de sua
comunidade. Artigo 8º

3. Dever-se-á impedir que pessoas alheias a 1. Os povos e as pessoas indígenas têm


esses povos possam se aproveitar dos cos- direito a não sofrer a assimilação forçada
tumes dos mesmos ou do desconheci- ou a destruição de sua cultura.
mento das leis por parte dos seus membros 2. Os Estados estabeleceram mecanismos
para se arrogarem a propriedade, a posse eficazes para a prevenção e o ressarci-
ou o uso das terras a eles pertencentes. mento de:

a) Todo ato que tenha por objeto ou con-


Artigo 18 sequência privar aos povos e as pessoas
indígenas de sua integridade como povos
A lei deverá prever sanções apropriadas distintos ou de seus valores culturais ou sua
contra toda intrusão não autorizada nas identidade étnica;
terras dos povos interessados ou contra
b) Todo ato que tenha por objeto ou con-
todo uso não autorizado das mesmas por
sequência alhear-lhes suas terras, territórios
pessoas alheias a eles, e os governos
ou recursos;
deverão adotar medidas para impedirem
tais infrações.

Artigo 10
Artigo 19 Os povos indígenas não serão despreza-
dos pela força de suas terras ou territó-
Os programas agrários nacionais deverão
rios. Não se procederá a nenhuma
garantir aos povos interessados condi-
mudança de local sem o consentimento
ções equivalentes às desfrutadas por
livre, prévio e informado dos povos indí-
outros setores da população, para fins de:
genas interessados, nem sem um acordo
a) a alocação de terras para esses povos prévio sobre uma indenização justa e

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equitativa e, sempre que seja possível, a suir, utilizar, desenvolver e controlar as ter-
opção de regresso. ras, territórios e recursos que possuem em
razão da propriedade tradicional ou outra
forma tradicional de ocupação ou utiliza-
Artigo 11 ção, assim como aqueles que haviam
adquirido de outra forma.
1. Os povos indígenas têm direito a prati-
car e revitalizar suas tradições e costumes 3. Os Estados assegurarão o reconheci-
culturais. Isto inclui o direito a manter, pro- mento e proteção jurídica dessas terras,
teger e desenvolver as manifestações territórios e recursos. Este reconheci-
passadas, presentes e futuras de suas cul- mento respeitará devidamente os costu-
turas, como lugares arqueológicos e his- mes, as tradições e os sistemas de posse
tóricos, utensílios, desenhos, cerimônias, da terra dos povos indígenas de que se
tecnologias, artes visuais e interpretações trate.
e literaturas.

Artigo 28
Artigo 25 1. Os povos indígenas têm direito a repa-
ração, por meios que possam incluir a res-
Os povos indígenas têm direito a manter e
tituição ou, quando isto não seja possível,
fortalecer sua própria relação espiritual com
uma indenização justa, imparcial e equita-
as terras, territórios, águas, mares costeiros
tiva, pelas terras, os territórios e os recur-
e outros recursos que tradicionalmente tem
sos que tradicionalmente haviam
possuído ou ocupado e utilizado de outra
possuído ou ocupado ou utilizado de
forma e a assumir as responsabilidades que
outra forma e que haviam sido confisca-
a esse respeito os incumbem para com as
dos, tomados, ocupados, utilizados ou
gerações vindouras.
danificados sem seu consentimento livre,
prévio e informado.

Artigo 26 2. Salvo que os povos interessados


tenham concordado livremente em outra
1. Os povos indígenas têm direito as terras,
coisa, a indenização consistirá em terras,
territórios e recursos que tradicional-
territórios e recursos de igual qualidade,
mente tem possuído, ocupado ou de
extensão e condição jurídica ou em uma
outra forma utilizado ou adquirido.
indenização monetária ou outra repara-
2. Os povos indígenas têm direito de pos- ção adequada.

143
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DOCUMENTOS CONSULTADOS

SEÇÃO I 11. Comissão de Prevenção,


Conciliação e Resolução de
Estudos de Casos Emblemáticos Conflitos Agrários do Estado de
de Conflitos Fundiários Rurais Pernambuco. Ata de reunião –
16.09.2011.
Caso nº 1
12. INCRA. Relatório de Visitação, 03
Conflito fundiário agrário: Caso de abril de 2007.
do Engenho Contra-
13. INCRA. Ofício n. 185/06,
Açude/Buscaú – Estado do
16.02.2006.
Pernambuco
14. INCRA. Relatório de Visitação, 15
de março de 2007.
1. Terra de Direitos; NAJUP. Relatório
de violações de direitos humanos 15. INCRA. Ofício n. 228/2007,
no Engenho Contra-Açude/Buscaú. 05.03.2007.
Recife: 2009.
16. INCRA. Ofício n. 197/2005,
2. Agência Estadual de Meio 07.03.2005.
Ambiente e Recursos Hídricos –
17. PEPDDH. Termo de Declaração, dia
CPRH. Relatório Técnico
22.11.2010.
UGUC/SAUC n. 14/2009.
28.08.2009. 18. Ofício PEPDDH n. 76/2010.
3. Processo nº 227-98.2007.8.17.0970. 19. Ofício PEPDDH n. 75/2009.
Promoção Ministerial.
20. Ofício PEPDDH n. 21/2011.
4. Processo nº 227-98.2007.8.17.0970.
Memoriais réus. 21. Termo de Declaração, dia
22.11.2010, PEPDDH/ Governo do
5. Processo nº 227-98.2007.8.17.0970.
Estado de Pernambuco.
Memoriais autores.

6. Processo nº 227-98.2007.8.17.0970. 22. SR-INCRA. Relatório de Visitação,


Petição autores. 03 de abril de 2007.

7. Processo nº 227-98.2007.8.17.0970. 23. Secretária de Defesa Social,


Petição inicial. Governo do Estado de
Pernambuco. Ofício DEPOL n.
8. Processo nº 227-98.2007.8.17.0970.
01475/2010.
Decisão Liminar.

9. Processo nº 227-98.2007.8.17.0970. 24. Ministério Público de Pernambuco.


Sentença. Termo de depoimento. 30.08.2006.

10. Processo nº 227-98.2007.8.17.0970. 25. Ministério Público de Pernambuco.


Parecer ministerial. Ata de Audiência. 22.01.2007.

144
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26. Juízo de Direito da Comarca de 7. Ação de Reintegração de Posse nº


Moreno/PE. Processo n. 1959- 2004.70.11.002001-3. Ata da
46.2009.8.17.0970. Termo de audiência, fls. 1679/1681.
Audiência de Instrução e
8. Ação de Reintegração de Posse nº
Julgamento.
2004.70.11.002001-3. Declaração
27. Procuradoria Regional do Trabalho da Secretaria do Estado da
6ª região. Ata de Audiência – Rep Educação. Fls. 330.
07.2010. 13.09.2010.
9. Ação Declaratória de Produtividade
28. Procuradoria Regional do Trabalho n° 2001.70.11.000098-0.
6ª região. Ata de Audiência – Rep
07.2010. 26.10.2010. 10. Ação de Reintegração de Posse nº
2004.70.11.002001-3. Decisão limi-
nar. Fls. 83.

11. Autos da Ação de Reintegração de


Caso nº 2 Posse nº 2004.70.11.002001-3. Auto
de resistência. Fls. 85.
Conflito fundiário agrário: Caso
da Fazenda Santa Filomena – 12. Ação de Reintegração de Posse nº
Acampamento Elias de Meura – 2004.70.11.002001-3. Incidente
Estado do Paraná Exceção de incompetência. Fls.
92/97.

1. Autos da Ação de Desapropriação 13. Ação de Reintegração de Posse nº


Judicial, Evento 1, Documento 2004.70.11.002001-3. Decisão. Fls.
LAU7, páginas 1/33, Processo n° 432/439.
5002397-91.2012.404.7011/PR.
14. Ação de Reintegração de Posse nº
2. IP n. 49/2004 e 108/2004 da 2004.70.11.002001-3. Decisão do
Delegacia de Polícia do Município Relator Desembargador Federal
de Terra Rica/PR. Edgard Lippmann Junior. Fls.
368/369.
3. Ação de Reintegração de Posse nº
2004.70.11.002001-3, Fls. 83. 15. Ação de Reintegração de Posse nº
2004.70.11.002001-3. Parecer MP.
4. Notícias da imprensa local sobre a
Fls. 1376.
relação do Assentamento com as
Universidades. Autos da Ação de 16. Ação de Reintegração de Posse nº
Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3. Parecer
2004.70.11.002001-3. fls. 1824/1842. MP.Fls. 1649.
5. Ação de Reintegração de Posse nº 17. Inquérito Policial n° 49/2004. Fls.
2004.70.11.002001-3, Fls. 116. 768/771.
6. Anais do Tribunal Internacional dos
18. Ação de Reintegração de Posse nº
Crimes do Latifúndio e da Política
2004.70.11.002001-3. Relatório da
Governamental de Violação dos
PM-PR. Fls. 628/648.
Direitos Humanos no Paraná.
Curitiba, 1° e 2 de maio de 2001. 19. INCRA. Relatório do Incra aponta

145
Relatorio Terra de Direitos 2013 - novo_Layout 1 27/08/13 13:45 Page 146

mais de 200 processos de desapro- 2009 e parecer Incra SR (09) F4/nº


priação parados no Judiciário. 27 003/2010;
abr. 2009. 16:55. Disponível em:
9. <http://novoportal.sdh.gov.br/
<http://www.incra.gov.br/index.php
importacao/noticias/ultimas_noti-
/noticias-sala-de-imprensa/noti-
cias/2010/06/24-jun-2010-pro-
cias/8825-relatorio-do-incra-
grama-de-protecao-aos-defensores
aponta-mais-de-200-processos-de
-de-direitos-humanos-vai-em-mis-
-desapropriacao-parados-no-judi-
sao-a-comunidade-quilombola-em-
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guaira-pr>;

10. <http://www.aquiagora.net/noti-
cias/ver/4221/Para-Rusch-caso-de-
Maracaju-dos-Gauchos-e-agressao-
Caso nº 3
ao-estado-de-direito/>;
Conflito Tradicional – Caso da
Comunidade Quilombola Manoel
Ciriaco – Guaíra - Estado do Paraná
Caso nº 4 –
1. Ação Direta de Conflito Tradicional – Caso da Terra
Inconstitucionalidade 3239 – Indígena Maró – Gleba Nova Olinda
Supremo Tribunal Federal; I, Santarém - Estado do Pará
2. Penal nº 5000888-10.2012.404.70,
Ação Penal nº 5000919-
1. FUNAI. Processo nº
64.2011.404.70, Ação Penal nº
086620.000294/2010-DV.
5000920-49.2011.404.7017 – JFPR;
Relatório Circunstanciado de
3. Ação Civil Pública 5001103- Identificação e Delimitação dos
83.2012.404.7017 – JFPR; Limites da Terra Indígena “Maró”
(Rio Maró).
4. Parecer Incra SR (09) F4/nº
003/2010; 2. BRASIL. Portaria nº 14/MJ/1996.

5. Processo administrativo MEMO SR 3. Governo do Estado do Pará.


(09) F 519/2008; Portaria ITERPA nº 798, de 22 de
dezembro de 1999.
6. Representação realizada pela Terra
de Direitos à Associação Brasileira 4. FUNAI. Processo nº
de Antropologia, fevereiro de 2011; 086620.000294/2010-DV.
Relatório Ambiental da TI Maró.
7. Termo de declarações de Joaquim
dos Santos, Adir Rodrigues dos 5. FUNAI. Processo nº
Santos ao Ministério Público 086620.000294/2010-DV. Portaria
Federal em 19 de outubro de 2009; Funai nº 775/08, fls. 586/639.

8. Termo de declarações de Adir 6. IBAMA. Autos de Infração nº


Rodrigues dos Santos à Polícia 370444-D; nº 370445-D, nº
Federal em 24 de novembro de 370446-D, nº 370447-D, nº

146
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370448-D, nº 370449-D, nº 19. 5ª Vara Cível da Comarca da


370450-D, nº 012826 – D e nº Justiça do Estado do Pará em
012828 – D. Santarém. Ação Ordinária de
desobstrução do rio, obrigação de
7. IBAMA. Relatório Técnico de
fazer e restituição de bem, sob o nº
Vistoria da Gleba Nova Olinda I
051.2009.1.007124-6.
2007. Fls. 24/25.

8. SEMA/PA. Auto de Infração nº 0617 20. 5ª Vara Cível da Comarca da


e 0618. Justiça do Estado do Pará em
Santarém. Ações de Interdito
9. ITERPA. Ata de reunião. 19 de abril Proibitório, sob os números
de 2007. PAD nº. 587/2009-23, 23, 051.2009.1.007477-9 e
volume I, fls. 30-34. 051.2009.1.007643-6.
10. Carta Aberta do Movimento em 21. 4ª Vara Penal da Comarca da
defesa da vida e da cultura do Justiça do Estado do Pará em
Arapiuns: Rio Arapiuns: conflitos Santarém. Ação Penal nº
sociais e ambientais na Gleba Nova 051.2010.2.000500-0.
Olinda. Santarém, outubro de
2009. 22. Justiça Federal em Santarém. Ação
Ordinária de Anulação de processo
11. Ministério Público Federal –
administrativo de Demarcação de
Procuradoria da República no
Terras Indígenas nº 2091-
Município de Santarém/PA.
80.2010.4.01.3902.
Procedimento Administrativo nº
1.23.002.000587/2009-23. 23. Ministério Público Federal –
Procuradoria da República no
12. SEMA/PA. GEFLOR. Relatório de
município de Santarém/PA.
Fiscalização nº 149/2009.
Procedimento Administrativo nº
13. FUNAI. Portaria/PRES 84, de 31 de 1.23.002.000013/2001-06.
janeiro de 2001.
24. Ministério Público Federal –
14. FUNAI. Portarias nº 775/08 e Procuradoria da República no
1155/10. município de Santarém/PA.
15. MPF-PRM/PA e MPE/PA. Procedimento Administrativo nº
Recomendação nº 08/2009. 1.23.002.000792/2005-65.
Relatório da Viagem às Aldeias
16. Decreto do Estado do Pará nº 1.740, Indígenas Novo Lugar, Cachoeira
de 17 de junho de 2009. do Maró e São José III, situadas no
17. Plano Participativo de Mosaico de rio Maró, Gleba Nova Olinda I.
Uso da Terra nas Glebas Nova
25. Relatório “Assentamentos de Papel,
Olinda I, II e III, Curumucuri e
Madeiras de Lei”, disponível em: <
Mamuru, Plano de Uso e de
http://www.greenpeace.org/bra-
Utilização discutidos no STTR –
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18. STTR-STM. Ofícios 85/2009 e trela_assentamentos_incra_port_v
103/2009. 2.pdf>. Acesso em 24 jan. 2013.

147
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26. FUNAI. Portaria nº 775, de 4 de SEÇÃO II


julho de 2008.
Análise de Experiências de
27. Relatório da Missão ao Território Mediação de Conflitos Fundiários
Indígena Maró: violações de direi- Rurais
tos humanos aos povos da terra
indígena Maró, no oeste do Estado
do Pará” produzido pela Relatoria 2.1 Análise de Experiência:
do Direito Humano à Terra, Ouvidoria Agrária Nacional
Território e Alimentação em visita
ao Território Indígena Maró, com a
relatoria de Sérgio Sauer e 1. Brasil. Presidência da República.
Assessoria de Gladstone Leonel da Decreto nº 7.255, de 4 de Agosto
Silva Júnior. Setembro de 2011. de 2010.
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2. Brasil. Portaria Interministerial nº
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2013. para Combater a Violência no
Campo. Material impresso. Dossiê.
28. FUNAI. Departamento de Assuntos
Fundiários – Coordenação Geral de 4. Brasil. MDA - Ministério do
Identificação e Delimitação Desenvolvimento Agrário. Manual
(GT/DAF-CGID), Instrução de Diretrizes Nacionais para a
Executiva nº 66, de 9 de maio de Execução de Mandados Judiciais
2003. de Manutenção e Reintegração de
Posse Coletiva. Material impresso.
29. Oficio TDD/STM nº 15/2010, Sem data.
enviado pela Terra de Direitos à
Comissão Nacional de Direitos 5. Brasil. OAN. Ata da 385ª Reunião
Humanos da OAB e à Comissão da CNVC. Brasília. 08 de outubro
Estadual de Direitos Humanos da de 2012.
OAB/PA. 6. Processo nº 2012.01.1.109728-2 –
30. Of. SDDH/DIDH nº 118/10, 120/10, Tribunal de Justiça do Distrito
122/10 e 123/10 enviados pela Terra Federal.
de Direitos e Sociedade Paraense 7. Brasil. OAN. Termo de Acordo de
de Defesa dos Direitos Humanos ao Cooperação Técnica nº 042/2009,
Presidente do Programa Nacional celebrado junto ao Conselho
de Proteção aos Defensores dos Nacional de Justiça – CNJ.
Direitos Humanos, ao Ouvidor do
ITERPA, ao Presidente da Comissão 8. Brasil. OAN. “Programa Paz no
de Direitos Humanos da OAB/PA, Campo”. Material impresso. Dossiê.
ao Programa Estadual de Proteção
aos Defensores de Direitos
Humanos/PA.

148
Relatorio Terra de Direitos 2013 - novo_Layout 1 27/08/13 13:45 Page 149

2.2 Análise de Experiência: 2.4 Análise de Experiência:


Assessoria Especial de Promotoria Agrária do
Assuntos Fundiários – Paraná Estado do Pernambuco

1. Decreto n° 286. Diário Oficial do 1. Ministério Público de Pernambuco –


Paraná. Governo do Estado do Procuradoria Geral de Justiça.
Paraná. 20 de Janeiro de 2011. Resolução RES-CPJ n.001/2004.
27.03.2004.
2. Agência de notícias do Paraná.
Governo federal indica Paraná 2. Ministério Público de Pernambuco/
como exemplo na solução de con- Promotoria Agrária. Ofício n.
flitos agrários. 10 jun. 2012. 918/2011. 08.09.2011.
Disponível em:
3. Ministério do Desenvolvimento
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Agrário/ Ouvidoria Agrária
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Nacional. Ata da 221ª Reunião da
ryid=69375>. Acesso em: 10 mai.
Comissão Nacional de Combate à
2013.
Violência no Campo. 06.07.2011.

4. Ministério do Desenvolvimento
Agrário/ Ouvidoria Agrária
Nacional. Ata da 270ª Reunião da
2.3 Análise de Experiência: Vara
Comissão Nacional de Combate à
Agrária de Marabá – Pará
Violência no Campo. 13.12.2011.

5. Ministério Público de Pernambuco/


1. Assembleia Legislativa do Estado Promotoria Agrária. Ofício n.
do Pará. Lei Complementar n. 13 de 116/2010. 05.02.2010.
17 de novembro de 1993.
6. Ministério Público de Pernambuco/
2. Assembleia Legislativa do Estado Promotoria Agrária. Ata de audiên-
do Pará. Emenda Constitucional n. cia. 22.01.2007.
30 de 20 de abril de 2005.
7. Ministério Público de Pernambuco/
3. Tribunal de Justiça do Estado do Promotoria Agrária. Termo de
Pará. Resolução n. 21/2006-GP. depoimento. 30.08.2006.
Diário de Justiça n. 3.742 de 05 de
8. INCRA. Ofício n. 185/2006 (reme-
outubro de 2006.
tido à Promotoria Agrária).
4. Tribunal de Justiça do Estado do
9. Polícia Civil de Pernambuco. Ofício
Pará. Resolução n. 18/2005-GP.
n. 01475/2020 (remetido à
Diário de Justiça n. 3.515 de 27 de
Promotoria Agrária).
outubro de 2005.
10. Agência Estadual de Meio
5. Termo de Audiência. Processo
Ambiente e Recursos Hídricos –
8055-48.2007.814.0028 – Fazenda
CPRH. Ofício n. 390/2010 (reme-
Água Branca. 12.06.2013.
tido à Promotoria Agrária).

149
Relatorio Terra de Direitos 2013 - novo_Layout 1 27/08/13 13:45 Page 150

11. Ministério Público de Pernambuco/


Promotoria Agrária. Processo n.
224.2007.000227-4. Promoção
Ministerial.

12. Ministério Público de Pernambuco/


Promotoria Agrária. Processo n.
222.2006.001315-8. Promoção
Ministerial.

13 Processo n. 224.2007.000227-4.
Ata audiência preliminar.

150
Relatorio Terra de Direitos 2013 - novo_Layout 1 27/08/13 13:45 Page 151

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ANEXO

Roteiro de Entrevista Bloco B


Análise de Experiências Público- Sobre a Cultura Institucional de
Institucionais de Mediação de Mediação de Conflitos Fundiários
Conflitos Fundiários Rurais Rurais

Bloco A 8. Qual a percepção sobre os conflitos


fundiários rurais?
Sobre a Estrutura e Atribuições
para a Mediação de Conflitos 9. Qual a avaliação sobre as capacida-
Fundiários Rurais des institucionais de solução dos
conflitos dos órgãos públicos geral-
mente envolvidos ou responsáveis
1. Quem provoca/acessa a ação do pela mediação/solução de conflitos
órgão? Age de ofício? fundiários rurais?

2. Quais situações (em que é provo- 10. Quais os procedimentos que julga
cado a agir)? Que tipo de conflito? adequados para a mediação de con-
flitos fundiários?
3. Trabalha com a mediação de confli-
tos de qual natureza? Agrário? 11. Qual o desenho institucional que ava-
Tradicionais? Há diferença na atua- lia ser o mais adequado e eficaz para
ção conforme a variação da natu- a mediação e solução dos conflitos
reza do conflito? fundiários rurais e tradicionais? O
desenho se encaixa em uma institui-
4. Quais os instrumentos normativos
ção, ou no modelo do diálogo entre
utilizados na mediação? (previsões
diferentes instituições públicas?
legais reclamados para atuar? CPC,
CCB?) 12. Qual o desenho normativo que ava-
lia ser o mais adequado e eficaz para
5. Qual o desenho institucional do
a mediação e solução dos conflitos
órgão? O órgão tem algum profis-
fundiários rurais e tradicionais?
sional especializado ou câmara téc-
nica para tratar do conflito? 13. Qual a opinião sobre a possibilidade
ou necessidade de criação de uma
6. Quais os instrumentos institucionais
política unificada de mediação e
que utiliza na mediação? Quais as
solução de conflitos fundiários no
finalidades buscadas através deles?
âmbito das instituições do poder
Dê exemplos.
executivo e do sistema de justiça e
7. Quais os órgãos geralmente chama- segurança pública? Qual seria o
dos à mediação? Quais costumam desenho dessa política e as funções
comparecer? Qual é a análise sobre que desempenhariam cada órgão
a participação? ou instituição?

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