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A Emergência do
Acompanhamento
Terapêutico
e as Políticas de Saúde
Mental
The emergency of the therapeutic accompaniment
and the policy of mental health

Alex Sandro
Tavares da Silva &
Rosane Neves da Silva

Universidade de
Federal do Rio
Grande do Sul
Artigo

PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2006, 26 (2), 210-221


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PSICOLOGIA CIÊNCIA E
PROFISSÃO, 2006, 26 (2), 210-221

Resumo: Este trabalho visa analisar o processo de emergência do


acompanhamento terapêutico (AT). Pretende-se, desse modo, fazer uma
viagem crítica pelo mundo das ciências da saúde, tendo como campo de
problematização as atividades do AT a partir da segunda metade do século
XX. Tradicionalmente, essa prática é pensada em uma “perspectiva
integrativa”, baseada na idéia de uma “adaptação unidirecional” do paciente.
Entendemos, no entanto, que a experiência de conviver com os inusitados
encontros que ocorrem nas intervenções do AT produz efeitos que
extrapolam as “metas adaptativas”, os “protocolos institucionalizantes” e
apontam uma dimensão clínica, política e artística da experimentação das
relações de força e dos processos de subjetivação aí implicados.
Palavras-chave: clínica, acompanhamento terapêutico, processos de
subjetivação.

Abstract: This work targets the analyzis of the emergency process of


therapeutic accompaniment (TA). Its objective is, this way, to make a
critical journey in the field of health sciences, having the second half of
the XXth century as the start point for a field investigation for the TA
activities. Traditionally this practice is known as an “integration perspective”,
based on the idea of a “unidirectional adaptation” of the patient. We
understand, however, that the experience that coexists with the unusual
situations that occur during the TA interventions produces effects that
surpass the “adaptation goals”, the “institutionalization protocols”, and
leads to a clinical, political and artistical dimension in the force relations
experimentation and in the subjectivation processes implied in it.
Key - words: clinic, therapeutic accompaniment, subjectivation processes.

As práticas de acompanhamento terapêutico restrita ao espaço físico de uma determinada


(AT) vêm sendo analisadas principalmente instituição – hospital, consultório ou escola,
desde a década de 1980. Cada vez mais, por exemplo. Suas possibilidades de
percebemos que essa é uma atividade intervenção são tão variadas quanto as suas
extremamente rica, com um vasto campo de definições e as histórias que abordam o seu
atuação em contínua criação e com uma “nascimento”. Essa multiplicidade aparece
importante eficácia nos trabalhos que se também no modo de problematizar o
propõe desenvolver, além de se constituir em acompanhamento terapêutico como uma
um importante campo para pensar a relação prática no campo da saúde, que pode ser tanto
entre as práticas em saúde e os processos de tomado como um programa quanto como uma
subjetivação contemporâneos. estratégia de intervenção. Para Edgar Morin
(1996), fazer essa distinção entre programa e
O AT é considerado uma prática na área da estratégia é fundamental, pois assinala
saúde que tem como principal característica diferenças que marcam não só os pressupostos
o fato de ser uma atividade que não fica teóricos (dimensão epistemológica) quanto as
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escolhas (dimensão ético-estético-política) que àquelas que estavam em vigor até a década
orientam a prática. Segundo o autor, de 1950, principalmente na Europa e EUA. O
surgimento do hospital-dia, dos psicofármacos,
... um programa é uma seqüência de atos da comunidade terapêutica, assim como as
... um programa é decididos a priori e que devem começar e questões suscitadas pela reforma psiquiátrica,
uma seqüência de possibilitaram a invenção de uma prática que,
atos decididos a
funcionar um após o outro, sem variar.
priori e que devem Certamente, um programa funciona muito com o passar do tempo, passou a ser
começar e bem quando as condições circundantes não denominada acompanhamento terapêutico.
funcionar um após Nesse sentido, podemos dizer que essa prática
se modificam e, sobretudo, quando não são
o outro, sem variar.
perturbadas. A estratégia é um cenário de ação está diretamente vinculada à necessidade de
Certamente, um
programa que se pode modificar em função das criação de novos métodos de atenção intensiva
funciona muito informações, dos acontecimentos, dos de cuidado à saúde que vão configurando-se
bem quando as
imprevistos que sobrevenham no curso da a partir da segunda metade do século XX. É no
condições
circundantes não ação. Dito de outro modo: a estratégia é a contexto de uma certa “urgência sanitária” que
se modificam e, arte de trabalhar com a incerteza. A estratégia podemos entender a criação do hospital-dia e
sobretudo, quando das comunidades terapêuticas e situar o papel
não são de pensamento é a arte de pensar com a
perturbadas. A incerteza. A estratégia de ação é a arte de que a própria produção de psicofármacos
estratégia é um atuar na incerteza (Morin, 1996, p. 284). desempenhou naquele momento. É nesse
cenário de ação contexto – onde está ocorrendo uma mudança
que se pode
modificar em Nessa perspectiva, o AT pode ser pensado significativa na perspectiva de cuidado aos
função das como uma estratégia de pesquisa-intervenção doentes, se comparada com as práticas usadas
informações, dos nos clássicos manicômios – que vão se
que vai sendo construída a partir de
acontecimentos,
experimentações, numa aposta ético-estética engendrar as condições para que a prática do
dos imprevistos
que sobrevenham de análise dos movimentos inéditos da/na AT possa desenvolver-se no campo da saúde.
no curso da ação. vida, ainda que, muitas vezes, seja tomado Com o surgimento do hospital-dia, no pós-
Dito de outro guerra, assistimos à criação de um espaço
modo: a estratégia
como um programa de adaptação, que segue
é a arte de passos (pré)determinados para alterar terapêutico onde os pacientes realizam
trabalhar com a “comportamentos de loucos”. determinadas atividades que são finalizadas à
incerteza. A noite, momento no qual retornam as suas
estratégia de
pensamento é a Nosso objetivo é mostrar que a constituição comunidades. O primeiro hospital-dia foi
arte de pensar do acompanhamento terapêutico, como criado em 1946, por Ewen Cameron, no “Allan
com a incerteza. A prática no campo da saúde, é marcada Memorial Institute”, em Montreal, Canadá
estratégia de
inicialmente por essa lógica do programa – (Campbell, 1986). No início, por ainda não
ação é a arte de
atuar na incerteza caracterizada por demarcar funções, lugares existirem as “drogas mentais” para “conter os
e hierarquias no trabalho terapêutico –, mas loucos”, esse espaço era dedicado aos sujeitos
Morin
aponta, ao mesmo tempo, a necessidade de que possuíam determinadas patologias que não
se pensar essa prática como uma estratégia ofereciam perigo para as outras pessoas nem
de produção de novos sentidos. para si mesmos.

O contexto No final da década de 1940 e início de 50,


histórico e a emergência do com a invenção de substâncias que prometiam
acompanhamento terapêutico alterar o funcionamento neuropsicológico do
sujeito tido como louco, essa “triagem” que
De maneira geral, as produções teóricas definia os pacientes que poderiam participar
acerca do AT relacionam sua função e processo das atividades do hospital-dia passou a ampliar-
de constituição a um movimento mais amplo se consideravelmente. Em 1949, aconteceu a
de crítica às intervenções pautadas pela lógica avaliação da primeira “droga mental”, quando
psiquiátrica clássica, fundamentalmente o terapeuta australiano John F. Cade comprovou
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que o carbonato de lítio controlava o humor terapêuticos foi o controle da ingestão dos
do “doente bipolar”, rotulado, naquela época, remédios prescritos e a vigilância do
de “psicótico maníaco-depressivo”. Essa nova comportamento fora da instituição manicomial.
intervenção ficou potencializada em 1952, Através do uso da medicação e da “companhia
quando, na França, os pesquisadores Jean especializada”, os “internados” começam um
Delay e Pierre Deniker utilizaram e testaram processo de errância (controlada física e
o neuroléptico clorpromazina. Assim, essa quimicamente) pelo espaço urbano.
droga acabou constituindo-se em uma das
primeiras “armas” no tratamento químico dos Com o crescente uso de agentes (enfermeiros,
transtornos psicológicos e inaugurou a terapeutas ocupacionais, auxiliares) e
psicofarmacologia. remédios, começam a pulular, ainda na
primeira metade da década de 1950, outros
A invenção dos psicofármacos apontou um meios de cuidar no âmbito da saúde mental.
novo rumo no tratamento dos “transtornos É nesse contexto, por exemplo, que surgem
mentais”. Nesse processo, ocorreu a gradual as comunidades terapêuticas (CT).
e progressiva substituição da camisa-de-força
pelo controle químico do comportamento tido Julio Moizeszowicz, em entrevista a Pulice e
como desviante. Juan Carlos Stagnaro, em Rossi (1997), diz que o modelo conceitual do
entrevista a Pulice e Rossi (1997, p.83), afirma acompanhamento terapêutico está baseado na
que o acompanhamento terapêutico surgiu comunidade terapêutica diurna. Esse termo foi
numa época de maior “difusão da criado pelo inglês Maxwell Jones, que dirigia
psicofarmacologia”, que permitiu tanto a uma instituição na Escócia, em 1952, chamada
experiência dos serviços abertos quanto a “Hospital de Dingleton”. Essa proposta foi
“circulação dos psicóticos” pela cidade e sua utilizada, pela primeira vez, em ex-
possível “reinserção social”. Se, por um lado, combatentes da Segunda Guerra Mundial.
esse tipo de remédio fez com que os
“pacientes perturbados” conseguissem mudar Jones dizia tentar estabelecer a quebra da
condutas e executar determinadas atividades hierarquia entre os profissionais da saúde e os
socialmente aceitas, por outro, assinalou uma pacientes (controlados com remédios), além
mudança importante nas técnicas de de criar um “ambiente humanizado” dentro
subjetivação. Antes, a técnica tinha um caráter da instituição, ou seja, com os argumentos de
disciplinar, com programas de “cuidado” Jones (1968), encontramos o suporte para a
mecânicos e visíveis (contenção física, amarras construção da CT, cujos objetivos poderiam
na cama, camisa-de-força, pancadas na ser definidos como: 1. Promover uma
cabeça, eletrochoques, hidroterapia, cirurgias “interação bidirecional”, fazendo-se necessária
cerebrais, etc.); com o advento dos uma crítica à idéia de que o técnico é o único
psicotrópicos, deu-se a passagem da que tem o saber em oposição ao doente, o
“terapêutica disciplinar” para a “terapêutica do “alienado”; 2. Buscar a “implicação dos
controle” químico e invisível, ou seja, o sujeito técnicos”, que são convidados a repensar suas
tomado por louco, doente e perigoso práticas de intervenção cotidianas,
“consegue sair” da estrutura manicomial desde questionando, assim, a separação entre quem
que leve consigo, no mínimo, o suporte trata e aquele que é tratado; 3. Investir no
químico dessas mesmas estruturas, trabalho de grupo, de pacientes e/ou de
representado pelos psicofármacos, e seja técnicos, tentando romper o modelo
acompanhado nessa circulação por um “agente hierarquizado dos antigos hospitais
terapêutico”, o acompanhante, o auxiliar, o psiquiátricos; 4. Trabalhar a idéia de “cultura
atendente. Portanto, não é à toa que uma das terapêutica”, a fim de proporcionar o
primeiras funções dos acompanhantes “ambiente adequado” para que a
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“aprendizagem social” se efetive com todos humanizar o “sistema de saúde mental” no


os membros da comunidade. espaço intramuros, mas descobre que essa
meta é inacessível, pois ainda é pautada pela
A CT de Jones, apesar de ainda ser pautada “lógica manicomial”, do confinamento e da
por uma lógica adaptativa, produz uma crítica produção de doença. Desse modo, a partir de
importante ao funcionamento do “clássico 1963, os italianos passam a abrir as portas de
manicômio”, pois coloca em evidência os Gorizia e criar outras formas de lidar com a
“efeitos terapêuticos” que advêm da questão da saúde, principalmente mental
implicação dos agentes nas relações sociais (Leonardis; Mauri; Rotelli, 1990).
da comunidade. Apesar de tais alterações, a
comunidade terapêutica ainda mantém o Nessa época, o mal-estar do/no trabalho
mesmo raciocínio asilar, uma vez que os manicomial passou a generalizar-se em vários
pacientes ainda ficavam dentro da instituição países (Itália, França, EUA, Brasil, Argentina).
(medicados, talvez dopados), só que agora de Muitos profissionais começaram a manifestar
uma forma mais “democrática” e “adornada”. o seu desconforto, alguns inclusive adoecendo,
A maioria das produções que se debruçam com as “atividades terapêuticas” realizadas
sobre a crítica às estruturas manicomiais coloca nesses locais. Como escreve Rolnik (1997, p.
o italiano Franco Basaglia, mais que o inglês 83): “[...] não eram apenas os pacientes que
Maxwell Jones, como quem levou mais longe se asfixiavam nessa paisagem [manicomial],
os questionamentos político/sociais à mas também os profissionais que nela
psiquiatria, configurando, assim, a “Psiquiatria atuavam”. Nesse “campo de batalha”,
“[...] não eram Alternativa” ou a “Psiquiatria Democrática”. também os usuários dos serviços começaram
apenas os Basaglia (1982, p. 85) irá criticar o modelo a manifestar o que vinham passando dentro
pacientes que se
asfixiavam nessa inglês de CT dizendo que o mesmo é apenas dos manicômios, mostrando o seu ponto de
paisagem “uma reciclagem da velha gestão manicomial”: vista sobre os “aparatos terapêuticos” aos quais
[manicomial], mas o grande risco dessas “comunidades” seria o estavam submetidos. Com isso, esses “locais
também os
de fecharem-se sobre si mesmas e de tratamento” passam a ser vistos como
profissionais que
nela atuavam” continuarem funcionando na antiga “lógica lugares de manutenção e/ou promoção da
manicomial”. doença, não só dos pacientes.

Paralelamente a esses movimentos O uso de agentes que não ficavam atuando


alternativos, os programas de controle, apenas dentro do hospital, e que ainda não
característicos da estrutura manicomial, tinham sido batizados de “acompanhantes
começam a entrar em processo de falência, terapêuticos”, começou a ficar potencializado,
pois não conseguem dar conta do que juntamente às novas experiências que estavam
prometiam, ou não forneciam o que vendiam: sendo gestadas no campo da saúde mental.
o paciente continuava sendo visto como o A prática das atividades terapêuticas dentro do
louco doente, apesar da medicação hospital e também fora das comunidades
(psicofármacos), que continuava mantendo as terapêuticas ganhou um novo impulso a partir
mesmas relações de poder dentro da estrutura das propostas da reforma psiquiátrica que teve
hospitalar. início em alguns países da Europa. Félix Guattari
(1992) escreveu sobre as suas experiências
O desejo de destruir as estruturas manicomiais institucionais ainda na década de 1950, na
torna-se mais visível na década de 1960 Clínica de La Borde, na França, o mesmo
(Guattari, 1992). Nesse momento, as acontecendo com Franco Basaglia (1982), no
experiências criadas na comunidade início da década de 1960 e, principalmente,
terapêutica de Gorizia (Itália) são tidas como na década 1970, na Itália. Inúmeras reflexões,
fundamentais. Nessa instituição, Basaglia tenta manifestações e eventos criaram o contexto
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para que a reforma psiquiátrica assumisse um Como escreve Coimbra (1995, p. 55), “a
caráter legislativo e fosse aprovada em 13 de década de 60, no Brasil e no mundo, pode
maio de 1978, na Itália, a “Lei 180”, que ser caracterizada como os anos instituintes,
passou a proibir a internação em manicômios. quando pensávamos mudar o mundo, quando
Essa lei decretou também a progressiva nossos sonhos e utopias seriam realizados”.
desocupação dos antigos manicômios e a Essas manifestações generalizadas contra a
criação de outras estruturas que pudessem dar massificação subjetiva inerente ao modelo
conta da desinstitucionalização da loucura. manicomial deram início aos primeiros
Nesse contexto de eliminação das estruturas movimentos para uma reforma psiquiátrica
manicomiais, surgem alguns “operadores” que brasileira. Segundo a autora, algumas práticas
se lançavam com os internados no tecido “psi”, principalmente na virada da década de
urbano, não tendo uma instituição de 60 para 1970, entraram num processo de
referência (Leonardis; Mauri; Rotelli, 1990). repensar as suas atividades terapêuticas. Nesse
contexto, surgem reflexões que conduzem à
Há, portanto, vários autores que vinculam a análise da “implicação política” dos
emergência do AT a esse movimento de crítica profissionais que trabalham na área “psi”. A
às estruturas manicomiais, expressos tanto pela subjetividade passa a ser pensada “enquanto
reforma psiquiátrica quanto pelo movimento produção histórico-social” e, além disso,
antimanicomial (Rolnik, 1997). Essa surgem reflexões sobre “[...] os efeitos que
aproximação torna-se possível porque o nossas práticas, nossos modelos e saberes estão
acompanhamento terapêutico, ao promover produzindo / reproduzindo e fortalecendo no
a circulação pelo espaço urbano de sujeitos mundo” (Coimbra, 1995, p. 60).
que, até então, estavam enclausurados dentro
dos manicômios, acaba apostando na produção Com o recrudescimento da ditadura militar no
de novos modos de subjetivação a partir desse final dos anos 60 e até praticamente o início
encontro das diferenças. dos 80, assistimos a uma brusca interrupção
nesse movimento de crítica ao modelo
Impulsionadas pelas críticas institucionais e manicomial, havendo um implemento da
experiências mundiais de progressivo lógica asilar com a proliferação de novos
desmonte das estruturas manicomiais, nos anos hospitais psiquiátricos. Somente no final dos
80, as práticas em psiquiatria, também no anos 80, com a consolidação do processo de
Brasil, começam a ser objeto de vários tipos abertura política no País, foram retomadas as
de análise e denúncias. Porém, antes disso, discussões em torno da reforma psiquiátrica.
tivemos, ao contrário, um grande investimento Em 1986, ocorreu no Brasil a “8ª Conferência
no modelo manicomial. No Brasil, Nacional de Saúde”, criando as novas diretrizes
principalmente a partir do golpe militar de do sistema único de saúde (SUS), que seria
1964, ocorreu um forte desinvestimento, por pautado pela universalidade, integralidade e
parte do governo federal, na “saúde pública”. democratização da saúde. Muitos autores
A nova estratégia era ampliar a construção das consideram que esse foi o começo do processo
clínicas psiquiátricas, beneficiando que culminou com a reforma psiquiátrica
fundamentalmente o setor privado, que brasileira. No final da década de 1980, no “II
contava com o suporte econômico da Congresso Nacional dos Trabalhadores de
“previdência oficial”. Conforme Ferreira Saúde Mental”, configurou-se o campo de
(2003, p. 176), no ano de 1978, o INAMPS forças que possibilitou a criação do
(Instituto Nacional da Previdência Social) “Movimento da Luta Antimanicomial”,
gastava 95% da sua verba com a manutenção congregando inúmeros profissionais da área da
das práticas em “saúde mental”, sustentando saúde, principalmente mental, além de
269 hospitais da “rede privada”. usuários desses serviços e seus familiares. Esse
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movimento caracteriza-se por ser regido pelos prática associada ao campo da saúde mental.
próprios usuários dos serviços em saúde No entanto, já no início do século XX,
mental, que colocam em xeque as encontraremos a descrição de alguns trabalhos
“intervenções terapêuticas” às quais são isolados que continham, de forma embrionária,
submetidos, tendo como foco de os pressupostos do que viria a configurar a prática
“Se fôssemos fazer problematização o exercício constante de luta do AT. Carvalho (2004) menciona o trabalho
uma genealogia do terapeuta francês Eugene Minkowsky, que
contra toda e qualquer forma de opressão e
do
acompanhamento massificação subjetiva. O movimento produz, viveu durante dois meses na casa do seu
terapêutico, seria assim, forças fundamentais que transformam paciente. “De certo modo, Minkowsky atuou
importante como hoje o fazem os acompanhantes
não só a imagem que se tem dos usuários
identificar algumas
das forças que mas também os próprios saberes e práticas terapêuticos em situações de acompanhamento
conduziram à daqueles que trabalham com os mesmos. de tempo integral” (Carvalho, 2004, pp. 28-
invenção dessa 29). Alguns autores (Antonucci, 1994, e
prática no campo
Em 1989, após 11 anos da Lei italiana, surgiu Carvalho, 2004) citam a experiência de um
da saúde: a
produção dos no Brasil o projeto de Lei nº 3657/89, que “acompanhamento terapêutico” realizado por
psicofármacos no trata da “Lei da Reforma Psiquiátrica”. Em uma “enfermeira psiquiátrica” na Suíça, no ano
final da década de 1937. Essa enfermeira teria sido treinada por
de 1940; a 1992, na “II Conferência Nacional de Saúde
experiência do Mental”, foi declarado um dever “efetuar a uma psicoterapeuta, Mme. Sechehaye, para dar
hospital-dia e das desinstitucionalização de todas as instituições assistência à paciente Renée, que estava em
comunidades análise e “internada” na casa dessa psicanalista.
terapêuticas a com características manicomiais”. Nesse
Nesse caso, o “AT” foi uma prática utilizada
partir dos anos 50 momento, foi aprovada a criação de uma
e o início das para sustentar a continuidade de um tratamento
“Rede de Atenção Integral em Saúde Mental”
discussões em psicológico, mesmo quando a psicoterapeuta
torno da reforma em substituição ao Hospital Psiquiátrico. No
estava ausente.
psiquiátrica que dia 07 de agosto de 1992, foi aprovada a Lei
culminam com a Estadual nº 9.716, que dispõe sobre a reforma
criação do Se fôssemos fazer uma genealogia do
Movimento de psiquiátrica no Rio Grande do Sul. Finalmente,
acompanhamento terapêutico, seria importante
Luta em 06 de abril de 2001, ocorreu a aprovação
Antimanicomial.
identificar algumas das forças que conduziram
da Lei Federal nº 10.216, da reforma
à invenção dessa prática no campo da saúde: a
psiquiátrica brasileira, que estabelece uma produção dos psicofármacos no final da década
diretriz não asilar para o financiamento público de 1940; a experiência do hospital-dia e das
e o ordenamento jurídico da assistência comunidades terapêuticas a partir dos anos 50
psiquiátrica no País. Contudo, o processo da e o início das discussões em torno da reforma
reforma psiquiátrica não acaba com a criação psiquiátrica que culminam com a criação do
dessa Lei Federal, pois a vontade de retomar Movimento de Luta Antimanicomial.
a lógica manicomial está sempre presente,
inclusive no funcionamento das entidades O que fica evidente nesse percurso é que, na
médicas (Simers, 2005). É preciso que esse constituição do seu campo, o acompanhamento
movimento se espalhe por todo o tecido social terapêutico mostrava-se como um recurso
com a implicação de vários setores da auxiliar para pacientes graves, alguns
sociedade. considerados “crônicos”, que ia de encontro a
uma lógica que desejava deixar a pessoa que é
Nessa relação de forças e de questionamento rotulada de louca apenas dentro dos hospitais
da estrutura manicomial, a prática do AT psiquiátricos. Assim, desde sua configuração
também terá que ser re-significada de outro inicial, o AT mostra essa ruptura com o “modelo
modo. Vimos que, desde meados do século tradicional de saúde mental”, que buscava isolar
XX, há um campo possível para a emergência o paciente dentro do hospício e controlar todas
do acompanhamento terapêutico como uma as manifestações tidas como anormais.

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A experiência do como fora dali. O “atendente psiquiátrico”


seria um agente integrador, que circulava como
acompanhamento terapêutico
um “atendente grude” pelo tecido urbano. A
no Brasil expressão “atendente grude” era utilizada
pelos psicólogos e médicos da Pinel para falar
Analisaremos agora o campo de emergência da função do “atendente psiquiátrico”.
do acompanhamento terapêutico no Brasil, “Grudar” para evitar que o inusitado se faça
com um foco inicial na cidade gaúcha de Porto presente; impedir que o paciente morra, mate
Alegre. Segundo a fala de Luiz Cezar de ou agrida. Assim, o “grude” era utilizado para
Oliveira Inem (apud Bustamante, 2003), em situações de risco de suicídio e/ou de agressão.
Porto Alegre, teria ocorrido a “experiência Nesse sentido, ou o paciente ficava contido
pioneira” de AT no Brasil. mecanicamente ou ficava com o
acompanhante.
Tomando como base algumas entrevistas com
sujeitos que participaram dessa experiência e Dentro da Clínica Pinel, os pacientes tinham
a análise das produções teóricas sobre a uma série de atividades (pré)montadas, com
constituição do AT disponíveis até o momento, hora marcada (grupos operativos, lazer,
podemos dizer que a configuração dessa praxiterapia, alimentação, higiene, terapia,
prática na Clínica Pinel (ou “Associação etc.) e o “atendente psiquiátrico” era um pólo
Encarnación Blaya – Clínica Pinel”) em Porto central através do qual, pelo vínculo
Alegre inaugura o campo do acompanhamento estabelecido, os internos iam progressivamente
terapêutico no sul do Brasil. Essa instituição sendo encaminhados até as atividades. O
foi criada em 1960 por Marcelo Blaya, após o “atendente” era uma referência fundamental
mesmo ter finalizado sua formação nos EUA. para sustentar essa concepção de CT, e sua
Desde o início do seu funcionamento função consistia basicamente em direcionar
institucional, eram oferecidos serviços os pacientes para que os mesmos
considerados “inovadores”, tais como: executassem a programação institucional de
socioterapia, grupos operativos, mudança de comportamento.
ambientoterapia, reuniões comunitárias, além
de ocorrer a implicação e o reconhecimento Nessa época, no exercício da função de
das atividades desenvolvidas pelos psicólogos “atendente psiquiátrico” havia, em sua grande
e assistentes sociais nas equipes de trabalho. maioria, estudantes de Psicologia e Medicina,
Como parte desses “novos serviços”, incluía- os quais, com a prática do acompanhamento
se a prática de um agente específico, que, terapêutico, cumpriam uma parte da sua
nesse momento, tinha o nome de “atendente formação clínica – “estágio supervisionado”,
psiquiátrico”. A inclusão desses “atendentes” ou ainda alguns sujeitos sem formação de nível
na equipe foi proposta por Blaya, que, durante superior que ficavam sabendo, através de um
a sua formação, teria ficado interessado no anúncio de jornal, que existia mais uma
trabalho desenvolvido por esses agentes que atividade remunerada na área da saúde: a de
andavam com os “loucos” pelas ruas “atendente psiquiátrico”.
americanas.
Segundo a fala de um “atendente psiquiátrico
O “atendente” era um agente auxiliar que leigo”, sem formação médica ou psicológica
trabalharia no sentido de colocar em ação os (citado por Reis Neto, 1995), o trabalho na
programas de tratamento elaborados pelo Pinel era sempre focalizado na circulação pela
psicoterapeuta, fazendo com que os pacientes rua, tentando “descaracterizar essa ‘coisa’
aprendessem determinadas condutas que psiquiátrica”; esses agentes tentavam “não
deveriam ser executadas tanto dentro da CT fazer do paciente um paciente, mas uma
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pessoa”. Esse “acompanhante leigo” comenta acabou tomando um referencial teórico


que trabalhava apenas com a “parte sadia” distinto para demarcar essa prática: tratava-se
do paciente, pois, aos atendentes, era vedado agora do “auxiliar psiquiátrico”, com uma
“trabalhar com a doença”. Desse modo, influência mais para o lado da psicanálise do
tinham apenas uma “conduta de contenção”. que propriamente dos pressupostos teóricos
da comunidade terapêutica americana.
Através dessas manifestações, é possível
identificarmos três aspectos presentes na Podemos dizer que, desde o início da década
constituição inicial dessa prática: o primeiro de 1960, a prática e a teorização no/do
estaria relacionado à necessidade de criação acompanhamento terapêutico vêm
de um “meio saudável”; o segundo, a uma gradualmente crescendo, ocupando novos
perspectiva de promoção de saúde, ao invés espaços. Por exemplo, hoje, no Rio Grande
de uma ênfase exclusiva no tratamento do do Sul, temos o trabalho do AT em vários
patológico, e o terceiro, à intenção de criar pontos da rede de serviços da área da saúde,
uma relação de poder específica, na qual, de não só no “setor privado” mas também no
um lado, encontra-se o psicoterapeuta (que “setor público”: “[...] de um recurso para
cura) e, de outro, o seu auxiliar (que ajuda no intervenção na área da psicopatologia ele passa
cumprimento de determinadas diretrizes a ser, também, dispositivo complementar ou
clínicas). Assim, o “atendente psiquiátrico” substitutivo para trabalhar com serviços de
seguiria as ordens de “grudar no paciente” para saúde pública” (Pelliccioli; Guareschi;
que o psicoterapeuta fizesse a intervenção que Bernardes, 2004). Com isso, vem crescendo
de fato promoveria a saúde do mesmo. a oferta de ensino do acompanhamento
terapêutico nas clínicas privadas, universidades
Conforme Reis Neto (1995), o que era exigido (em nível de extensão), além de experiências
desse atendente seria “[...] mais próximo ao importantes de “qualificação” destinadas aos
saber do ‘homem das ruas’, balizado pelas servidores da rede pública na área da saúde
diretrizes mais objetivas que lhe serão mental.
fornecidas no interior da própria clínica”. E
mais, segundo esse psicólogo, uma das Para se ter uma idéia de uma experiência de
experiências que poderia ter servido como capacitação de trabalhadores de saúde mental
inspiração para a criação do “atendente que ocorreu entre 1999 e 2002, basta
psiquiátrico” seria aquela em que eram mencionar o curso oferecido pela Escola de
chamadas as pessoas da própria comunidade Saúde Pública do Rio Grande do Sul. Esse curso
extra-hospitalar para servirem como “elos na foi direcionado a trabalhadores de nível médio,
reintegração” do paciente. Nesses casos, o sem formação universitária, da rede pública.
importante não era a “cultura acadêmica” Chamava-se “Curso Básico de Qualificação em
(teórica e técnica), mas a necessidade de Acompanhamento Terapêutico”, tinha a
abordar a “doença mental” de uma duração de oito meses e ocorreram, no total,
perspectiva “político-social”. Desse modo, o três edições. A última edição finalizou em
“atendente” seria o “homem da rua” janeiro de 2003 (Palombini, 2003 e 2004).
incorporado à equipe terapêutica. Esse curso pode ser considerado um marco
importante para pensar a prática dos
A “experiência AT” de Porto Alegre rendeu trabalhadores da área da saúde, remetendo a
alguns “frutos” e produziu “férteis sementes”, uma discussão que envolve outras ações de
como as que “brotaram” no Rio de Janeiro, cuidado, e, principalmente, para problematizar
em novembro de 1969, quando iniciaram os o AT como uma estratégia de produção de
trabalhos da Clínica Villa Pinheiros. A novos sentidos e não como um programa que
experiência carioca atribuiu um novo nome e visa à “profissão” de um “agente

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independente” e “formado” em (Mauer; Resnizky, 1987) para serem


acompanhamento terapêutico. compartilhadas com uma equipe que definiria
o que deveria ou não ser feito fora da
Atualmente, o acompanhamento terapêutico instituição. Portanto, o “auxiliar” vai à rua para
em Porto Alegre e em outras cidades brasileiras registrar comportamentos e emoções do
está sendo pensado para além de uma prática paciente e fazer “anotações da realidade”:
de tratamento de “doentes mentais”, trata-se de um escriturário assistencial. Nesse
contando, inclusive, com várias produções sentido, o foco de trabalho fica canalizado na
acadêmicas que falam da sua clínica e das mudança do funcionamento anormal do
intervenções em outros contextos, alguns doente. Busca-se tratar o patológico do
considerados ainda inusitados, como, por paciente e de sua família com o uso das
exemplo, o cinema (Sereno, 1997). O campo informações do AT. Em suma, o problema
do AT está, portanto, em crescente expansão, estaria no acompanhado e/ou em sua família.
e seu futuro é imprevisível, pelo menos aqui O acompanhante terapêutico seria alguém que
no Brasil, onde essa estratégia é amplamente representaria a instituição fora da instituição,
usada e constantemente recriada. Com diz um agente que coleta informações fidedignas
Chnaiderman (2004, p. 14), “[...] o e que levaria para rua, escola, casa do paciente,
etc. os conhecimentos (saberes e técnicas)
acompanhamento terapêutico questiona o
que seriam “pensados” dentro da instituição.
mundo contemporâneo ao propor formas
Para problematizar o acompanhamento
inusitadas de ocupação do espaço urbano”.
terapêutico como uma estratégia clínica, é
preciso considerar o grau de abertura à criação
A prática do de intervenções que está constantemente
acompanhamento terapêutico: atravessando e constituindo essa prática. O
programa de adaptação ou agente, nesse caso, pode, inclusive,
estratégia clínica? interpretar. Como escrevem Porto e Sereno
(1991, p. 29), o “[...] acompanhante interpreta
Após termos mapeado alguns elementos do o sujeito nos momentos em que a
contexto histórico da “experiência AT”, concretização da montagem da cena se
gostaríamos de retomar as idéias de Morin interrompe e exige sua intervenção através de
(1996) sobre a diferença entre as noções de ações”.
programa e estratégia para fazer algumas
considerações sobre a prática do AT. Vimos A prática do AT, nesse caso, acaba tomando a
que, apesar de essa prática constituir-se a partir rua como “dispositivo clínico”: nos diferentes
de uma crítica ao modelo manicomial, ela percursos pela cidade, muito mais do que se
acabava reproduzindo uma lógica adaptativa orientar ou ambientar-se, trata-se de usar o
que não fazia nada mais do que transferir o próprio tecido urbano como espaço de novas
programa de controle sobre o paciente para produções de sentido, fazendo com que as
além dos muros da instituição psiquiátrica. O próprias intervenções desse espaço possam
acompanhante terapêutico, na maioria das adquirir uma função terapêutica.
vezes, ficaria restrito a uma atividade voltada
para a adaptação do paciente, tendo uma Podemos dizer que os acompanhamentos
função de contenção e seguindo diretrizes terapêuticos constituíram-se a partir dessa
claras e predeterminadas. Ele funcionaria vontade de acompanhar o sujeito, com
meramente como um auxiliar da equipe circulação ainda restrita, pelo tecido urbano,
responsável pelo tratamento do paciente: sua ou seja, o agente buscava circular com o
função era ir ao encontro do paciente para acompanhado que estava isolado do convívio
ver o que estaria errado no seu cotidiano e social e submetido a uma rede de saberes,
voltar com essas “informações fidedignas” principalmente da área da saúde mental.
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Apesar de o AT ter se configurado inicialmente nos com a criação constante de modos inusitados
como uma prática integrativa que buscava de fazer acompanhamentos terapêuticos, que
apenas adaptar os loucos ao funcionamento não devem permanecer limitados ao seu caráter
tido como “natural” e “normal” da sociedade integrativo, mas suscitar a dimensão clínica,
de consumo, com o passar do tempo, suas política e ético-estética que se produz nessa
intervenções e teorizações passaram a apontar composição de forças que atravessam e
outras estratégias de ação, criando, em constituem esse dispositivo AT.
conseqüência, novas funções para essa
prática. Desse modo, fica evidente a necessidade da
constante problematização das práticas desses
Destacamos, a seguir, alguns territórios dessas profissionais que agem como acompanhantes
É este o nosso terapêuticos. Essa problematização deve, sem
grande desafio: novas funções do AT, indicando as suas fontes
dúvida, levar em consideração o jogo de forças
perceber que bibliográficas: 1. Na terapêutica para famílias
nossas práticas são que marca a constituição dessa prática e do quanto
(Teixeira; Dename; Balduino, 1991); 2. Na
datadas o próprio agente produz essa prática a todo
produção de documentários, filmes e curta-
historicamente, momento, viabilizando, assim, a criação de novas
que estamos metragens (Sereno, 1997); 3. Em intervenções
produções de sentido na experiência de todos
produzindo clínicas e reflexões éticas (Barretto, 1998); 4.
cotidianamente aqueles aí implicados: não só do acompanhado
Na constituição de “repúblicas” e casas de
perplexidades e mas também do acompanhante e dos demais
incoerências, mas passagem (Cauchick, 2001); 5. Na implicação
participantes que acabam partilhando dessa
que, através de da escola na inclusão de alunos (Gavioli;
“experiência andarilha” pela cidade.
nossas implicações Ranoya; Abbamonte, 2001); 6. Na inclusão
com os diferentes
de jovens que praticaram delitos (Almeida et É este o nosso grande desafio: perceber que
movimentos sociais
que se espalham al., 2003); 7. Na crítica às mídias e criação de nossas práticas são datadas historicamente, que
pelo mundo, sentidos do/no espaço urbano (Silva, 2003); estamos produzindo cotidianamente
podemos criar 8. Em intervenções de “cunho social”
novos dispositivos perplexidades e incoerências, mas que, através
de intervenção, (Pelliccioli; Guareschi; Bernardes, 2004); 9. de nossas implicações com os diferentes
novos espaços, Como dispositivo da reforma psiquiátrica movimentos sociais que se espalham pelo
novos saberes e (Cabral; Belloc, 2004); 10. Na criação de novos mundo, podemos criar novos dispositivos de
novos sujeitos.
encontros entre instituições de saúde e intervenção, novos espaços, novos saberes e
usuários (Palombini, 2004). novos sujeitos. Esse desafio está colocado, e
muitas práticas, em seus microespaços, tentam
Ao apresentarmos esses novos territórios do AT, avançar e, efetivamente, estão conseguindo
procuramos mostrar que suas intervenções e produzir territórios onde a crítica, o
estratégias são “andarilhas”, sendo fundamental questionamento, a criatividade, a multiplicidade
que continuem assim. Desse modo, deparamo- se encontram presentes (Coimbra, 1995, p. 61).

Alex Sandro Tavares da Silva


Psicólogo, psicoterapeuta, Mestre em Psicologia Social e Institucional (UFRGS). Editor do “Site AT”:
http://siteat.cjb.net/ . E-mail: alextavares@pop.com.br

Rosane Neves da Silva


Psicóloga, professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional (UFRGS).
E-mail: rosane.neves@ufrgs.br

Rua: Chico Pedro, nº 206, apto 206. Bairro: Camaquã. Porto Alegre, RS, Brasil.
CEP: 91910-650.

Recebido 25/05/05 Reformulado 01/03/06 Aprovado 24/03/06

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