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Reforma Psiquiátrica

brasileira, da década de
1980 aos dias atuais:
história e Conceitos

Fernando Tenório
Reforma psiquiátrica brasileira
das décadas de 1980 e 1990
até a promulgação da Lei de
Saúde Mental, em abril de
2001.
Reforma psiquiátrica pode ser entendida
segundo o autor Amarante (1995), como o
processo histórico de reformulação crítico e
prática, tendo como objetivo o
questionamento e a elaboração de
propostas capazes de transformar o modelo
clássico e o paradigma da psiquiatria.
História da Loucura:
Pinel na época da Revolução Industrial cria o
método clinico. Acreditava que o doente
mental padecia de uma falta moral, herdeira
de um julgamento social. Dessa forma,
todos que padeciam de algum problema
mental deveria ser afastado da sociedade
para serem domesticados.
Segundo Tenório (2002), existe duas
referências anteriores ao processo da
Reforma, que embora tenham sofrido
algumas criticas e reformulações do
movimento reformista atual, originaram
conceitos e valores importantes para a
reforma psiquiátrica brasileira. São elas: O
modelo das comunidades Terapêuticas e o
Movimento da psiquiatria comunitária e
preventiva.
Comunidades Terapêuticas:
Tinham como objetivo uma modificação nas
estruturas tradicionais do aparato asilar
psiquiátrico, tal ideário vai de encontro com o
objetivo do movimento atual de reforma, no
entanto quando as comunidades terapêuticas
tiveram essa idéia na virada da década de 1960
para 1970, tal objetivo não fora alcançado, sendo
utilizado como marketing dos manicômios que
incorporavam uma idéia moderna, mas na prática
isso não ocorria, não passava de um ideário
ideológico.
Psiquiatria Comunitária:
A psiquiatria comunitária tinha como
propósito um programa amplo de
intervenção na comunidade, visando evitar
um adoecimento mental. Segundo Tenório
(2002), acreditavam que identificando na
comunidade as “causas da doença de
alguns” e “as razões da saúde de outros”,
seria possível manipular algumas das
circunstâncias da população, com intuito de
diminuir o surgimento de novos casos.
Assim, é possível perceber que a psiquiatria
comunitária tem uma noção de saúde
mental adaptacionista e normalizadora,
acreditando que as perturbações mentais
são resultantes de uma inadaptação e
desajustamento, dessa forma o objetivo é
conseguir um ajustamento e uma
adaptação saudável para vida social.
Apesar da visão normalizadora, a psiquiatria
comunitária trouxe influencia na postura da
reforma atual, porém com várias
modificações, dessa forma “ao se propor um
tratamento que mantenha o paciente na
comunidade e faça disso um recurso
terapêutico ao contrario de normalizar o
social, propõe-se que é possível ao louco,
tal como ele é, habitar o social”. (Tenório,
2002, p. 31)
Contexto prévio

Após a segunda metade da década de 1970,


começam a surgir críticas a respeito da
ineficiência da assistência pública em S.M.
Além disso, pessoas começam a denunciar os
maus tratos, a violência e o abandono que
as pessoas vivenciavam no nos hospícios
espalhados pelo país.
No final da década de 1970, foi criado o
MTSM (Movimento dos Trabalhadores em
Saúde mental) que, através das suas
reivindicações trabalhistas e o discurso
humanitário gerou grande repercussão e
liderou os acontecimentos que fizeram
avançar a luta até o seu caráter
antimanicomial. (Tenório, 2002, p. 32)
Essas recorrentes críticas às políticas de S.M.
fez com que fosse criado o movimento da
reforma sanitária, que visava a
reformulação do sistema nacional de saúde.
A década de 1980 marca a chegada do
movimento sanitário à gestão dos serviços e
das políticas públicas através da vitória da
oposição nas eleições para governador.
Após 1982 esse movimento se confunde com
o próprio estado.
A maioria das internações que aconteciam
nessa época não eram nos hospitais
públicos, mas sim em instituições privadas
remuneradas pelo SUS. Essas clínicas
tinham seu lucro garantido a partir do baixo
custo do paciente internado, da quantidade
de internos e do tempo de internação. Com
isso os pacientes tinham a disposição
apenas uma consulta psiquiátrica espaçada,
refeição e remédio.
As internações em instituições privadas
aumentou consideravelmente entre os anos
de 1965 e 1970, enquanto as instituições
públicas mantiveram o mesmo número de
pacientes. Isso ocorreu também em função
da subjetividade que há no critério utilizado
para realizar uma internação.
Década 1980
Processos importantes para a consolidação do
movimento da reforma:

► Ampliação dos atores sociais envolvidos;

► Iniciativa da reformulação legislativa;

► Surgimento de experiências bem sucedidas de


cuidado em saúde mental.
Eventos importantes:
►I Conferência Nacional de Saúde Mental
► II Encontro Nacional dos Trabalhadores em
Saúde Mental.
Os benefícios foram a idéia de
desinstitucionalização, o lema “Por uma
Sociedade sem Manicômios” e um novo
horizonte de ação, envolvendo a cultura e o
cotidiano nas ações do “ato de saúde”.
Movimento da Luta Antimanicomial
“...não se trata de aperfeiçoar as estruturas
tradicionais (ambulatório e hospitais de
internação), mas de inventar novos dispositivos
e novas tecnologias de cuidado, o que exigirá
rediscutir a clínica psiquiátrica em suas bases.
Substituir uma psiquiatria centrada no hospital
por uma psiquiatria sustentada em dispositivos
diversificados, abertos e de natureza comunitária
(...) esta é a tarefa da reforma psiquiátrica.
(Tenório, 2002, p. 35)
Lei nº 3.657-89
► Construção ou contratação de novos
hospitais psiquiátricos;
► Direcionamento dos recursos públicospara a
criação de “recursos não manicomiais de
atendimento”;
► Comunicação das internações à autoridade
judiciária.
Novas práticas de cuidado no
Brasil

► Modificações na Casa de Saúde Anchieta

► Centro de Atenção Psicossocial Professor


Luiz da Rocha Cerqueira (SP)
NAPs e CAPs
► NAPs: estrutura 24h; hospital-dia e hospital-
noite; consultas médicas, psicológicas e
várias atividades grupais; visitas
domiciliares.

► CAPs: hospital-dia apenas; equipe


multiprofissional.
A década de 1990 – balanço positivo
para a Reforma Psiquiátrica
► Nova mentalidade no campo psiquiátrico;
► Permanência das diretrizes reformistas no
campo das políticas públicas com os postos
de coordenação e gerência ocupados por
partidários da Reforma
► Experiências renovadoras com resultados
positivos em todo o país
► Novo olhar sobre a loucura (espaço social)
► 1991 – Criação de uma rede extra-
hospitalar para atendimento alternativo;
► 1992 – Portaria 224 regulamentou CAPS e
NAPS;
► Divisão de dois grupos para atendimento
em saúde mental:
1) Hospitalar
2) Ambulatorial
► Naps e Caps: “Unidades de saúde locais-
regionais que contam com população
adscrita pelo nível local e que oferecem
atendimento de cuidados intermediários
entre o regime ambulatorial e internação
hospitalar em um ou dois turnos de quatro
horas, por equipe multiprofissonal”
Ministério da saúde-Brasil (1994) citado por
Tenório (2001);
Resultados
► Através da política de incentivo às unidades
abertas para atendimento em saúde mental
reduziu-se significativamente o número de
hospitais psiquiátricos. Em, cinco anos, 57
hospitais foram fechados. O número de
leitos caiu de 85 mil para 62 mil. Em
2001, foi registrado 275 serviços de atenção
diária em todo o país. Alves, op.cit, citado
por Tenório (2001).
Consequências
► Diminuição do número de leitos e hospitais
é um índice positivo, mas é um processo em
curso no país e deve ser acompanhado pela
criação de alternativas de assistência.
► Em 2001 na Conferência Municipal de Saúde,
Delgado anunciou a existência de 275 serviços de
atenção diária, porém Delgado analisou que o
número de Naps e Caps eram insuficientes ao
projetado.
II Conferência Nacional de Saúde
Mental 1992
► Marco histórico da reforma psiquiátrica
► Intensa participação dos movimentos sociais 20%
dos participantes eram representantes dos
pacientes e de seus familiares
► Ministério da saúde publicou um relatório final e
adotou como diretriz oficial para reestruturação da
atenção em saúde mental.
► Dois marcos conceituais Atenção integral e
cidadania
► Direito dos usuários à assistência e à recusa
do tratamento e obrigação do serviço em
não abandoná-los à “própria sorte”.
► Maior controle sobre o funcionamento dos
hospitais tem efeito sobre a saúde, seja
pela limitação dos abusos, seja pela
implementação de novos serviços
► É relevante que essas ações foram feitas em
sintonia com os atores sociais
A reestruturação no Rio de
Janeiro
► Em setembro de 1995 a Secretaria
Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS)
assumiu a gestão do SUS na cidade:
► Controle da rede hospitalar existente.
► Reorganização e qualificação da rede
ambulatorial.
► Implantação de uma rede de CAPs
regionalizada.
► 1993 - inicio do acompanhamento da rede
hospitalar pela SMS.
► Industria da loucura: falta de controle por
parte do estado - empuxo à internação.
► Controle da porta de entrada do sistema
hospitalar: redução das internações.
► A SMS assume a gestão do SUS em 1995:
primeiro censo da população de internos
nos Hospitais Psiquiátricos.
► Os relatórios referentes às clinicas de
internação registraram o horror e as
condições dos internos.
► 5 de junho de 1996: “relatório aponta
violência em clinicas psiquiátricas do Rio”.
“censo encomendado pela SMS aponta o
descaso com que as clinicas tratam os
deficientes mentais”. (jornal do Brasil)
► Alta taxa de reinternações.
► 61% dos pacientes internados em
instituições credenciadas no SUS não
recebem outro tipo de atendimento que não
a consulta psiquiátrica.
► 56% dos pacientes não seguem tratamento
após a internação.
► Implantação dos centros de Atenção
Psicossocial (CAPs).
► Oferecer condições que não existem nos
ambulatórios.
► Devem ser regionalizados e oferecer um
tratamento comunitário.
► Oferecer possibilidades expressivas,
relacionais, de atividades e de convivência
diversificada.
► 1996 – Inauguração do primeiro CAPs da
rede municipal no Rio de Janeiro.
► Responsável pelo atendimento de até 150
pacientes e suas famílias.
► Total de 16 serviços de atenção diária
públicos: 12 de adultos e 4 infanto-juvenis.
► Devido a precariedade da assistência em
saúde mental tem convergido para os CAPs
todo tipo de demanda.
► Lidar com agenciamento de uma demanda
espontânea.
► Redefinição institucional do CAPs – assumir
a responsabilidade plena perante o
território.
A Lei 10.216
Em 6 de Abril de 2001, o presidente da
República sancionou a Lei de Saúde Mental
(lei 10.216), aprovada pelo Congresso
Nacional.

Essa lei dispõe sobre a proteção e os direitos


das pessoas portadoras de transtornos
mentais e redireciona o modelo assistencial
em saúde mental.
A Lei 10.216 é a conquista de uma luta social
que durou 12 anos, apresentado pelo
Deputado Paulo Delgado. E durante esse
período houve várias mudanças no texto,
amenizando, mas produzindo uma lei
progressista.
Tenório (2002) cita alguns Artigos:

Artigo 4º, § 1º, a lei estabelece que o tratamento tem “como


finalidade permanente, a reinserção social do paciente em
seu meio”.

No Artigo. 4º, § 2º, obriga que o tratamento em regime de


internação contemple atendimento integral, inclusive não-
médico e com atividades de lazer e ocupacionais.

No Artigo 4º, § 3º, proíbe internações em instituições


asilares.

No artigo 5º, determina que os pacientes há longo tempo


hospitalizados, ou para os quais se caracterize situação de
grave dependência institucional, sejam objeto de política
específica de alta planejada e reabilitação psicossocial
assistida.
A partir do artigo 5º a lei faz referência aos chamados
“serviços residenciais terapêuticos”, ou seja, moradias
assistidas, para os pacientes que não podem mais abster-
se de um cuidado institucional, pela sua doença ou pelas
consequências de internações asilares prolongadas.

Esse serviço é constituída para responder às necessidades de


moradia de pessoas portadoras de transtornos mentais
graves, egressas de hospitais psiquiátricos ou não.

Essas casas devem ser capazes de garantir o direito à


moradia e de auxiliar o morador em seu processo de
reintegração na comunidade.
Nas últimas duas décadas, se deu uma nova
direção ao modelo assistencial e conseguiu
estabelecer uma nova maneira de tratar a
doença mental. A entrada em vigor da lei
progressista representa um novo impulso,
uma mudança qualitativa, à medida que
pudermos tirar dela as consequências
necessárias.
Deste modo, a lei é a mudança do modelo de
tratamento:
No lugar do isolamento, o convívio na família
e na comunidade.
Cenário atual
• Tendência de reversão do modelo hospitalar
para uma ampliação significativa da rede
extra-hospitalar, de base comunitária;
• Entendimento das questões de álcool e
outras drogas como problema de saúde
pública e como prioridade no atual governo;
• Ratificação das diretrizes do SUS pela Lei
Federal 10.216/01 e III Conferência
Nacional de Saúde Mental (Ministério da
Saúde).
Dados Importantes
• 3% da população geral sofre com transtornos
mentais severos e persistentes;
• 6% da população apresenta transtornos
psiquiátricos graves decorrentes do uso de álcool e
outras drogas;
• 12% da população necessita de algum
atendimento em saúde mental, seja ele contínuo
ou eventual;
• 2,3% do orçamento anual do SUS para a Saúde
Mental (Ministério da Saúde).
Desafios
• Fortalecer políticas de saúde voltadas para grupos de
pessoas com transtornos mentais de alta prevalência e
baixa cobertura assistencial;

• Consolidar e ampliar uma rede de atenção de base


comunitária e territorial, promotora da reintegração
social e da cidadania;

• Implementar uma política de saúde mental eficaz no


atendimento às pessoas que sofrem com a crise
social, a violência e desemprego;

• Aumentar recursos do orçamento anual do SUS para a


Saúde Mental (Ministério da Saúde).
Conclusão

A reforma psiquiátrica é um processo positivo


e até aqui bem-sucedido. Ela tem alcançado
seus objetivos, ainda que haja muito por
fazer.
A reforma psiquiátrica é uma tentativa de dar
ao problema da loucura uma outra resposta
social, a proibição de internações asilares, a
internação como último recurso terapêutico,
agenciar o problema social da loucura de
modo que o louco se mantêm na sociedade.
O sucesso da reforma reside em larga medida
na construção de cuidados para sustentar a
existência de pacientes, sem isso, eles
estavam condenados ao esquecimento, ou
seja, uma hospitalização quase permanente.
“A reforma psiquiátrica tem efeitos positivos
também do ponto de vista da cidadania
brasileira. Ela aponta para a construção de
uma sociedade mais inclusiva e para a
recuperação do sentido público de nossas
ações. Trata-se, enfim, de uma
transformação generosa e radical de
algumas das mais importantes instituições
sociais de nosso tempo” (TENÓRIO, 2002,
p. 57).

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