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Questões relativas ao processo Hebraico

1. O julgamento de Jesus, o Nazareno, é inequivocamente, um dos assuntos


mais controversos de todos os tempos. Sua condenação a cruz do calvário, foi a mais
famosa de que se teve notícia. Nenhuma outra morte causou tanto alvoroço e impacto na
história da humanidade, portanto, foi tomada como absurdamente injusta.
2. O julgamento de Cristo, ocorre em duas dimensões: no âmbito judaico e
também no romano. Existem algumas informações gerais sobre regras processuais
adotadas pelos hebreus.
3. A Torah não cuidou de ser muito proveitosa no estabelecimento de normas de
caráter processual, que no contexto em questão, são extremamente escassa. Mas é
possível falar de ao menos, duas regras observadas, geração após geração, entre os
judeus.
3.1. A primeira regra processual diz respeito a necessidade de se ter, pelo menos,
duas testemunhas para que se consumasse a caracterização formal de uma acusação.
Assim sendo, jamais alguém poderia se considerado culpado, unicamente pela oitiva de
uma pessoa (Dt 19, 15 – 21).
3.2. A segunda, é uma lei geral que determina a necessidade da completa
apuração dos fatos antes do julgamento (Dt 13, 13 -15).
3.3. Outras leis relativas ao processo podem ser percebidas junto ao Tratado de
Sanhedrin da Mishnáh. Considerando o fato que as regras em questão são o resultado de
uma longa tradição oral que começa a ser registrada já na Era Cristã, é muito difícil
datá-las. Todavia, ao estudar o interrogatório judaico, podemos mencionar 3 regras, pois
eram requisitos indispensáveis em se tratando da condenação de alguém a pena de
morte pelo Sinédrio:
3.3.1. “ o processo e o veredicto devem ser levados a cabo integralmente de dia
e não de noite”.
3.3.2. “ o veredicto não poderá ser emitido no mesmo dia do processo, devendo
esperar o dia seguinte, e por isso um processo não pode ter lugar durante a vigília de um
sábado ou de uma dia festivo; evidentemente, tampouco se pode celebrar algum juízo
num sábado ou dia de festa”;
3.3.3. “a sede habitual para as sessões do Sanhedrin é a Câmara de Pedra talhada
situada no interior do templo”.
3.4. Como se vê, leis processuais entre os hebreus eram raras. A Mishna, em
Sinédrio 4:1, define as regras para os interrogatórios nos casos de pena capital e de
outras penas; regras que claramente foram desrespeitadas durante o julgamento noturno
e “extraoficial” de Jesus diante de Caifás ( Jo 18.24; Mt 26.57, 59-68; Mc 14.53, 55 –
65; Lc 22.54, 63-65).
A mishna diz que (4.1):
A. Os casos de propriedade e os de pena de morte terão a mesmas regras para
exame e interrogatório.
B. Como está escrito: Uma mesma lei tereis (Lv 24.22).
C. Qual é a diferença entre os casos de propriedade e casos de pena de morte?
D. (1) Os casos de propriedade (são julgados) por três juízes e os casos de pena
de morte por vinte e três.
E. (2) Nos casos de propriedade, eles começam com a analise do caso, seja para
absolvição, seja para a condenação, ao passo que nos casos de pena de morte eles
começam somente com o caso para absolvição, e não com o caso para a condenação.
F. (3) Nos casos de propriedade, eles decidem por maioria simples ( a metade
mais um), seja para a absolvição, seja para a condenação, ao passo que nos casos de
pena de morte eles decidem pela maioria simples para a absolvição, mas somente com
uma maioria de dois juízes para a condenação.
G. (4) Nos casos de propriedade eles revertem a decisão, seja a favor da
absolvição, seja da condenação, ao passo que nos casos de pena de morte eles revertem
a decisão a favor da absolvição, mas não da condenação.
H. (5) Nos casos de propriedade, todos juízes e até mesmo discípulos,
argumentam, seja a favor da absolvição, seja da condenação. Nos casos de pena de
morte, todos argumentam a favor da absolvição, mas não da ondenação.
3.5. Uma comparação com o relato de Mateus mostra como era profunda a
animosidade que havia contra Jesus, e como os lideres hipocritamente violaram regras
tradicionais que eles supostamente observavam com tanto zelo. Este julgamento noturno
não somente era ilegal, como também os juízes, em lugar de argumentarem a favor da
absolvição, “buscavam falso testemunho contra Jesus, para poderem dar-lhe a morte”
(Mt 26.59).
3.6. A tradição rabínica tinha acrescentado outra restrição para os casos de pena
de morte. Um dia inteiro de jejum tinha de ser observado pelo conselho entre o
transcurso da sentença e a execução do criminoso. Isso não só evitava julgamentos e
execuções precipitados, mas também mantinha as penas capitais pendentes durante as
festas. Depois do dia do obrigatório jejum, os membros do conselho votavam
novamente para ver se tinha mudado de opinião, todavia, caso as acusações tivessem
sido feitas contra o acusado pelos membros do conselho, o conselho inteiro era
desqualificado para julgar o caso.
3.7. O depoimento de todas as testemunhas tinha de ser preciso quanto a data, o
tempo e o lugar do acontecimento sobre o qual a pessoa estava testemunhando.
3.8. Mulheres, crianças, escravos e os mentalmente incompetentes não tinham
permissão para testemunhar.

O Sinédrio – Competência, Estrutura e Funcionamento.

1. Naqueles dias, na cidade de Jerusalém, havia um tribunal judaico que graças à


circunstancial mercê dos romanos, gozava de ampla competência para se pronunciar
sobre todos os assuntos no âmbito religioso e civil.
1.1. Questões que eram geralmente apreciadas pelo Grande Sinédrio:
a. Questões religiosas e ritualísticas envolvendo assuntos do templo;
b. Questões criminais em concorrência com cortes seculares;
c. Procedimentos relativos a descoberta de cadáver;
d. Julgamentos relacionados a casos de adultério;
e. Questões relativas aos dízimos;
f. Preparação de manuscritos da Torah para o rei e para o Templo;
g. Redação do Calendário;
h. Resolução das dificuldades concernentes ao cumprimento de leis rituais.
1.2. Em se tratando de matérias criminal, ao que parece, o Grande Sinédrio,
havia renunciado a sua autoridade sobre crimes passiveis a pena de morte, sendo
admitido uma única exceção, ou seja, quando um estranho ingressava nas dependências
das alas mais Sacrais do Templo, ao qual, nem mesmo aos romanos era franqueado o
acesso.
1.3. O Sanhedrin de Jerusalém era composto pó 71 anciãos, os quais,
normalmente, faziam parte de uma escolha realizada entre as famílias sacerdotais mais
influentes e tradicionais de Israel (Nm 11,16).
1.4. O Sinédrio se reunia periodicamente, por intermédio de suas três câmaras,
cada qual contando com 23 membros. As audiências e os julgamentos, ocorriam com as
partes e os próprios membros do Sinédrio organizados em círculos, sentados em
almofadas, distribuída por todo o recinto. Daí o sentido da Palavra Sinédrio de origem
grega que significa sentar juntos.
1.5. O rol dos requisitos essenciais para que alguém pudesse pleitear um assento
no Sanhedrin, incluía:
1.5.1. o destacado conhecimento da Torah por parte do virtual candidato; a
sabedoria; a humildade;o temor a Deus; indiferença a ganhos financeiros; o amor a
verdade e ao próximo; uma boa reputação; o conhecimento satisfatório de ciência de
matemática; uma noção de ocultismo; familiaridade com as línguas faladas pelos judeus
ao redor do mundo; ter uma boa aparência; ser fisicamente perfeito; ter pelo menos 40
anos de idade (a não ser que o mesmo tivesse uma sabedoria notória e incontestável) e,
em contrapartida, não ser demasiadamente idoso; ter filhos e, por ultimo, ser
sexualmente saudável.

A prisão e suas Motivações

A audição na casa de Anás aconteceu evidentemente por um motivo: para forjar


uma acusação especifica contra Jesus. Jesus tinha sido repetidamente uma ameaça aos
interesses do negócio de Anás. Ele e sua família tinham conseguido transformar o sumo
sacerdócio num negócio inacreditavelmente lucrativo, e havia desse modo acumulado
muita riqueza. Eles a conseguiram principalmente colecionando tributos de alvarás e
comissões dos corretores que operavam o cambio e vendiam animais sacrificiais nos
pátios do templo.
Em primeiro lugar, por que os cambistas estavam no templo? Porque as moedas
romanas que eram usadas na maior parte do comércio tinham a imagem de César
estampada nelas, e isso era considerado idolatria ( Mt 22.20,21). As moedas romanas
eram portanto proibidas de serem usadas para doações à tesouraria do templo. Era
exigido dos doadores que vinham ao templo que usassem moedas judaicas para dízimos,
ofertas de esmola e impostos do templo.
Todo negócio era fraudulento, por conveniência, ostensivamente era permitido
que cambistas autorizados pelo sumo sacerdote executassem o comercio deles bel ali
nos pátios do templo, trocando moedas estrangeiras por moedas judaicas. Mas a taxa de
câmbio que eles cobravam era exorbitantemente desvantajosa ao adorador (forma de
furto organizado).
Algo semelhante estava acontecendo com o comércio de animais no templo e em
outros lugares ao redor de Jerusalém. Era exigido que os adoradores trouxessem um
animal sem manchas – e ao sacerdotes certificavam os animais quanto estarem aptos
para os propósitos sacrificiais. Todos os animais dos corretores do templo eram
certificados com antecedência para propósitos sacrificiais.
Então, era muito mais fácil para os adoradores de fora da cidade comprar um
animal no templo, ou próximo dele, em vez de trazer de longe um animal próprio só
para ser desqualificado quando o sacerdote do templo encontrasse um defeito de
qualquer espécie. Como sumo sacerdote, Anás praticamente possuía a franquia de
animais pré-certificados tanto no templo como por toda a cidade de Jerusalém. Anás
funcionava muito como um chefe do crime organizado da atualidade. Não é de admirar
que Cristo tenha purificado o templo duas vezes. Anás o tinha transformado literalmente
numa casa de negócios e uma cova de ladrões (Jo,2.16; Mc 11.17).
O fato de aqueles que prenderam Jesus terem primeiro levado a Anás prova que
ele próprio era o poder máximo por trás da conspiração para matar Jesus. Era ele, no
final das contas, que tinha de autorizar a ação, e sem a sua sanção a conspiração maligna
nunca teria ido adiante. Há de considerar que o fato dos conspiradores levarem Jesus a
Anás antes de levarem a Caifás revela a verdadeira natureza do sumo sacerdote deste.
Ele era praticamente um fantoche, sob o controle do sogro.

O julgamento pelos Membros do Sinédrio

Ao que tudo indica, o interrogatório tem início ainda naquela madrugada. Os


evangelhos falam da presença dos “sacerdotes”, “escribas” e “ansiãos” que se dirigiam
ao réu com extrema agressividade. Nunca saberemos ao certo, se, no julgamento de
Jesus, estavam presentes todos os 71 membros do Sinédrio ou, ainda, se o colegiado
estava reunido numa das câmaras compostas por 23 anciãos.
Durante o interrogatório, havia um interesse inicial do Sumo sacerdote quanto a
essência que fundamentava a pregação do mais celebre entre os galileus.
João registra que Anás “interrogou a Jesus acerca dos seus discípulos e da sua
doutrina” (Jo 18.19). Na verdade, Jesus estava sendo processado (levado diante de um
tribunal para responder a acusações), embora ele ainda não tivesse sido indiciado
(formalmente acusado de uma ofensa específica). Isso era completamente irregular e
contrário a qualquer padrão de jurisprudência imparcial. Além disso, Anás estava na
verdade tentando conseguir com que Jesus se implicasse – e isso também era contrário
aos princípios de justiça que se presumia do Sinédrio.
Mas a resposta de Jesus sutilmente expôs a ilegalidade do interrogatório de Anás:

“E Jesus respondeu: — Eu sempre falei a todos publicamente. Ensinava nas


sinagogas e no pátio do Templo, onde o povo se reúne, e nunca disse nada em segredo.
Então, por que o senhor está me fazendo essas perguntas? Pergunte aos que me
ouviram, pois eles sabem muito bem o que eu disse a eles” (Jo 18.20,21).

Ele não estava sendo impertinente. Ele não tinha nenhuma obrigação legal de
testemunhar contra si mesmo, particularmente antes que qualquer acusação fosse feita
contra ele. Anás teria que declarar as acusações contra Jesus antes de interrogá-lo numa
audiência desse tipo. Visto que nenhuma acusação especifica tinha sido feita contra ele,
não era obrigação de Jesus fornecer a Anás qualquer tipo de informação que ele poderia
usar para incriminá-lo posteriormente. Anás, é claro, sabia disso.
Todavia, diante de sua resposta Jesus foi esbofeteado por um dos guardas, talves
essa atitude tenha decorrido para encobrir o embaraço do Sumo Sacerdote ou para
provocar Jesus, tentando a fazê-lo dar uma resposta colérica que poderia ser usada
contra ele.
Se Jesus tinha dito uma blasfêmia ou tinha tentado fomentar uma revolução, era
responsabilidades dos acusadores dele oferecer um relato detalhado e prova do seu mau
procedimento. Se eles, não tivessem nenhum conhecimento de algum crime de que ele
poderia ser acusado, eles não teriam o direito de prendê-lo, muito menos bater nele.
Diante desses fatos, Anás finalmente o amarrou e o enviou para a casa de Caifás,
onde os membros do Sinédrio já haviam se reunido para o julgamento. O fato de que
acusações formais ainda não haviam sido feitas contra Jesus provavelmente era um
embaraço e seguramente uma frustração para o conselho, mas definitivamente não era
nenhum impedimento aos planos deles. Eles já tinham uma conspiração de testemunhas
falsas que estavam preparadas para testemunhar contra Jesus.
Destarte, não obstante a estas considerações imediatas, convém admitir que
foram cometidas, desde o primeiro momento, inúmeras irregularidades procedimentais
no julgamento de Cristo, mesmo levando-se em consideração a incipiente noção
processualista hebraica. Outrossim, cuidaremos de elencar algumas delas:
a. A prisão de Cristo não poderia ter sido efetuada durante a noite,
principalmente, porque era a época da celebração da Pessach – a mais importante
festividade do calendário judaico.
b. O interrogatório não poderia ter sido conduzido fora das dependências do
Sinédrio. Os textos dos Evangelhos, por sua vez, ratificam com muita ênfase, o fato de
que as acusações contra Jesus foram formalizadas na casa de Anás, sogro do sumo
sacerdote. Lá igualmente, procedeu-se a oitiva das primeiras testemunhas. Todavia,
deve-se observar que é exatamente nesse contexto, que ocorreram as primeiras
agressões contra o réu.
c. Não era a praxe a realização de julgamentos e audiências a noite, bem como,
nos Shabatts e dias festivos. Vale dizer, neste ínterim, que a sentença foi pronunciada
sumariamente pelo Sumo Sacerdote, logo na alvorada, quiçá, para disfarçar as inúmeras
irregularidades procedimentais ocorridas naquela longa madrugada.
d. O direito ao amplo exercício de defesa oral, que deveria ser concedido a Jesus,
foi inexplicavelmente tolhido. A condução do interrogatório demonstra que o réu já se
encontrava condenado por antecipação. A parcialidade da alta cúpula do Sinédrio
constitui-se fio condutor que orienta os procedimentos que, na ocasião, foram adotados.
Não houve em nenhum momento, qualquer consideração a presunção de inocência de
Jesus de Nazaré.
e. Jesus foi prontamente sentenciado a morte pelas autoridades do colegiado
judaico. No entanto, sabe-se que o Sinédrio não tinha competência para aplicar a pena
capital. Essa era uma prerrogativa inerente a jurisdição romana.

Após o julgamento perante o Sinédrio, Cristo é conduzido a presença de Pilatos,


o procurador Romano responsável pela manutenção da ordem nas terras da Judéia. O
crime de blasfêmia, pelo qual Jesus foi condenado no Sinédrio, pouco interessavam as
autoridades romanas, por se tratar de um delito de natureza religiosa. Portanto, para que
Jesus fosse condenado a morte, havia necessidade de demonstrar que ele era um
individuo sedicioso em potencial, alguém capaz de liderar uma insurreição contra a
presença das forças de Roma no território da Judéia.
Lc 23, 2-7, expõe as duas principais acusações proferidas pelos sacerdotes contra
Jesus. A primeira consistia na hipótese de Jesus estar incitando o povo a não mais
observar “obrigações tributárias (lesa-majestade) determinadas pelo império. A
segunda, e mais grave delas, dizia respeito ao fato de Jesus ter se declarado Messias,
portanto, o próprio rei de Israel.
Acredita-se que Jesus foi levado a fatídica condenação na cruz, em razão de um
decreto de Augusto, 8 a.C. – Lex Julia Maiestatis. Esta lei considerava crime atroz e
punível com a morte, a reivindicação monárquica por qualquer habitante localizado nos
limites territoriais romanos.
Se no âmbito do Sinédrio Jesus foi condenado por “blasfêmia” ou “heresia”, no
pretório romano, foi declarado culpado pelo crime de sedição e lesa-majestade.

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