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Carta arbitral: um mecanismo de cooperação

A lei 13.129/15, ao alterar a lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem), trouxe


importantes avanços para arbitragem brasileira, como, por exemplo, ampliação do seu
âmbito de atuação1, a possibilidade da concessão de tutelas cautelares e de urgência
pelos árbitros2, a oportunidade de prolação de sentenças parciais 3 e a utilização da carta
arbitral.
Dentre essas alterações, em grande parte já defendidas pela doutrina especializada,
destaca-se a utilização da chamada carta arbitral, prevista no artigo 22-C4 da aludida
Lei de Arbitragem.
A carta arbitral consiste num procedimento específico de cooperação entre a jurisdição
arbitral e estatal, por meio do qual o árbitro ou Tribunal arbitral pode solicitar a
cooperação do Poder Judiciário, na área de sua competência, para prática de
determinado ato, como, por exemplo: (i) a condução de alguma testemunha
renitente; (ii) a efetivação de tutela de urgência ou de evidência deferida pelo
árbitro; (iii) ou ainda, que um terceiro entregue documento ou coisa, bem como
conceda informações específicas.
Selma Maria Ferreira Lemes pontua que o "árbitro tem jurisdição, mas não tem o poder
de constrição do juiz estatal, por isso a necessidade da colaboração judicial 5" para a
prática de alguns atos específicos.
Em algumas hipóteses, a carta arbitral, pode, inclusive, ser utilizada como meio
adequado de requisição de provas, auxiliando na instrução probatória do procedimento
arbitral6. Nesse contexto, destaca-se a possibilidade de as partes ou juízo arbitral ex
officio, valendo-se da carta arbitral, requererem ao Judiciário a expedição de ofícios
para Órgãos Públicos ou Instituições privadas para que apresentem documentos ou
informações específicas 7, sem prejuízo, porém, de eventual comunicação direta entre
o juízo arbitral e tais entes 8 .
Essa forma de cooperação se mostra importante nos casos em que as partes querem
aprimorar as provas já produzidas no juízo arbitral ou, ainda, quando não possuem
documentos ou informações suficientes para o esclarecimento de determinados fatos.
Por isso, a carta arbitral se revela como importante mecanismo de cooperação entre a
jurisdição arbitral e estatal. Novidade, que segundo o Prof. Donaldo Armelin, "vem ao
encontro dos legítimos interesses dos arbitralistas" 9, preenchendo, inclusive, uma
lacuna legislativa que gerava certo grau incerteza no dia a dia forense.
O novo Código de Processo Civil, complementando a Lei de Arbitragem e reforçando
a importância da arbitragem no cenário brasileiro, prevê o procedimento e os requisitos
para sua realização. De acordo o artigo 260, § 3°, do CPC, a carta arbitral atenderá, no
que couber, aos requisitos a que se refere a carta de ordem, precatória e rogatória,
devendo ser instruída com a convenção de arbitragem e com as provas da nomeação
do árbitro e de sua aceitação da função10.
Importa destacar, que a análise do mérito e da pertinência da expedição ou não da carta
será apreciada pelo próprio juízo arbitral, sob o crivo do contraditório e de acordo com
as regras do procedimento. Assim, ao Poder Judiciário, cabe apenas, no exercício do
seu poder de império, promover direta ou sob sua autoridade, o cumprimento das
providências solicitadas 11.
O juízo estatal, em tese, não reexamina o conteúdo da decisão arbitral, mas apenas lhe
confere efetividade como agente colaborador 12. Deste modo, por exemplo, não se
avalia a pertinência da oitiva da testemunha ou da necessidade de eventuais
informações solicitadas aos Órgãos Públicos, muito menos a adequação dessa ou
daquela medida de urgência, apenas se processa seu cumprimento.
Ressalta-se que, o fato de ao juiz estatal ser vedada a revisão do mérito da providência,
não o impede de realizar o juízo de legalidade do ato antes de dar o efetivo
cumprimento a medida, nos moldes do artigo 267, do CPC 13. Este é o limite da atuação
do órgão jurisdicional no processamento da carta arbitral.

Além disso, conforme expressamente previsto no parágrafo único do artigo 22-C da


LAB e no artigo 189, IV, do CPC, no "cumprimento da carta arbitral será observado o
segredo de justiça, desde que comprovada a confidencialidade estipulada na
arbitragem". A confidencialidade da arbitragem pode ser comprovada por meio da
estipulação expressa das partes ou mediante previsão no próprio regulamento arbitral.

Com a carta arbitral, cria-se um mecanismo formal e regulamentado de comunicação


e cooperação entre os juízos arbitral e estatal, apto a facilitar o desenvolvimento e
instrução do procedimento arbitral, contribuindo, para que os atores processuais atuem
em um ambiente mais seguro e desenvolvam suas atividades de forma mais precisa 14.
Como bem pondera Selma Maria Ferreira Lemes a "carta arbitral integra o sistema de
cooperação jurisdicional regulada no novo Código de Processo Civil - NCPC (arts. 69,
237, IV, e 260, § 3.º) e sua previsão, ao lado das cartas precatórias, é o reconhecimento
do importante papel desempenhado pela arbitragem como coadjuvante na
administração da Justiça 15".
Por se tratar de um instituto recente no ordenamento jurídico brasileiro, poderão surgir
dificuldades em sua efetivação, o que demandará a colaboração de todos os envolvidos
para seu aperfeiçoamento 16 e desenvolvimento17.

Desse modo, pode-se concluir, que a "nova" Lei de Arbitragem e o CPC/15, ao


preverem a carta arbitral com meio de cooperação, possibilitaram grande avanço na
convivência entre jurisdição arbitral e estatal, aspecto fundamental na arbitragem, que
certamente facilitará a efetivação de diversas medidas que dependem da força de
império, própria do Poder Judiciário.

___________

1 A possibilidade de que a Administração Pública se utilize da arbitragem para dirimir


conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis (artigo 1º, § 1º).
2 Art. 22-B (...) Parágrafo único. Estando já instituída a arbitragem, a medida cautelar
ou de urgência será requerida diretamente aos árbitros.
3Art. 23. (...) § 1º. Os árbitros poderão proferir sentenças parciais.
4Art. 22-C. O árbitro ou o tribunal arbitral poderá expedir carta arbitral para que o
órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o cumprimento, na área de sua
competência territorial, de ato solicitado pelo árbitro. Parágrafo único. No
cumprimento da carta arbitral será observado o segredo de justiça, desde que
comprovada a confidencialidade estipulada na arbitragem. (g.f)
5 LEMES, Selma Maria Ferreira. Anotações sobre a Nova Lei de Arbitragem. Revista
de Arbitragem e Mediação. vol. 47/15. p. 37 – 44. Out – Dez. 2015.
6Art. 69. O pedido de cooperação jurisdicional deve ser prontamente atendido,
prescinde de forma específica e pode ser executado como: [...] § 2o Os atos concertados
entre os juízes cooperantes poderão consistir, além de outros, no estabelecimento de
procedimento para: [...] II - a obtenção e apresentação de provas e a coleta de
depoimentos.
7 Marcelo A. Muriel pontua que: "Caso as partes se recusem a produzir determinada
prova, pode o árbitro até mesmo determinar, por meio da carta arbitral, o cumprimento
forçado do ato (art. 22-C, Lei de Arbitragem, e art. 237, do CPC), enviando ofício ao
juiz estatal para que este, investido de imperium, aplique toda sorte de medidas
coercitivas necessárias, como multa diária, por exemplo. MURIEL, A. Marcelo in: 20
anos da lei de arbitragem: homenagem a Petrônio R. Muniz. Coord. Carlos Alberto
Carmona, Selma Ferreira Lemes, Pedro Batista Martins. São Paulo: Atlas, 2017. p.
322).
8 Nesse sentido, esclarece Francisco José Cahali: "são expedidos ofícios, quando se
espera uma providência do próprio magistrado destinatário, em si bastante, sem
envolver qualquer outro além de seu respectivo cartório (informativa ou de expediente;
ou como referido na lei, para "auxílio direto" ou "prestação de informação" – CPC/15,
Art. 69, I e III), e carta, quando se solicitam providências a serem adotadas sob a
jurisdição do destinatário (incerto), consistente em atos mais complexos a serem
promovidos, como citação, colheita de provas, e efetivação de tutela provisória. Na
primeira situação, o juízo destinatário certo e identificado no pedido, pratica o ato
(diretamente ou por seu próprio expediente administrativo), na segunda situação, o
juízo a quem for distribuído o pedido, de acordo com regras de organização interna,
conduz a prática de atos para a efetivação das providências solicitadas. CAHALI,
Francisco José. Curso de arbitragem: medição – conciliação – resolução CNJ 125/10.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 309. (g.f).
9ARMELIN, Donaldo. Arbitragem e o Novo Código De Processo Civil. Revista de
Arbitragem e Mediação. vol. 28/2011. p. 131 – 137. Jan – Mar. 2011.
10Art. 260. São requisitos das cartas de ordem, precatória e rogatória: (...) § 3o A carta
arbitral atenderá, no que couber, aos requisitos a que se refere o caput e será instruída
com a convenção de arbitragem e com as provas da nomeação do árbitro e de sua
aceitação da função.
11CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem: medição – conciliação – resolução
CNJ 125/2010. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 311.
12 "O juiz deve cumprir aquilo que consta da carta arbitral, não podendo reapreciar
aquilo já decidido e/ou definido pelo árbitro, uma vez que ele não tem poderes
jurisdicionais para tanto". (BERALDO, Leonardo de Faria. O Impacto do Novo Código
de Processo Civil na Arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação. vol. 49/16. p.
175 – 200. Abr – Jun. 2016).
13CARRETEIRO, Mateus Aimore. Tutelas de urgência e arbitragem. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2017. p. 290.
14 "(...) a carta arbitral é um instrumento que confere maior eficiência a este método
adequado de solução de conflitos, permitindo que o árbitro exerça o seu múnus de
forma ainda mais segura e eficaz, com a devida cooperação do juiz estatal". (FORBES,
Carlos Suplicy de Figueiredo; KOBAYASHI, Patrícia Shiguemi in: 20 anos da lei de
arbitragem: homenagem a Petrônio R. Muniz. Coord. Carlos Alberto Carmona, Selma
Ferreira Lemes, Pedro Batista Martins. São Paulo: Atlas, 2017. p. 535).
15LEMES, Selma Maria Ferreira. Anotações sobre a Nova Lei de Arbitragem. Revista
de Arbitragem e Mediação. vol. 47/2015. p. 37 – 44. Out – Dez. 2015.
16 Destaca-se, que no Processo Judicial eletrônico (PJe) do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais já existe um código específico que permite a anexação da carta
arbitral, contribuindo assim, para operacionalização do instituto.

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