Você está na página 1de 14

As dunas: (trans)formações no espaço urbano da cidade do Natal entre 1909-19511

Lucas Eduardo Bezerra Ferreira2

Rayane Dara da Silva3

Considerações iniciais

As dunas da cidade do Natal são um elemento sempre presente na paisagem da


capital potiguar e podem ser analisadas de formas distintas a partir da compreensão de
diferentes perspectivas sobre o tema e sua influência em relação com os vários aspectos
da vida cotidiana da população e dos setores administrativos. Estes morros, que segundo
Moura (2009), se caracterizam pela elevação do acúmulo de sedimentos em nossa costa
litorânea são formados pelos ventos que chegam do mar carregando a areia fina até que
se estabilizam por uma vegetação pioneira. As dunas não são só uma paisagem natural,
mas também tem a função de proteger a costa, pois servem de barreira natural à invasão
da água do mar e da areia em áreas interiores e balneários, além de protegerem o lençol
de água doce evitando a entrada de água do mar, tornando-se uma fonte aquífera de
fundamental importância.

Nesse presente trabalho analisaremos a relação das dunas localizadas na cidade


do Natal com as transformações nos âmbitos social, cultural, político e econômico no
final do século XIX e primeira metade do século XX. Trabalharemos com questões que
relacionam o isolamento da cidade a um fraco desenvolvimento econômico em
decorrência de sua localização entre dunas, a ideia de caracterização desses morros
como barreiras ao desenvolvimento e progresso social-político da capital, assim como, a
idéia de perigos e inconvenientes decorrentes de sua presença. Em contrapartida,
trabalharemos, também, a função das dunas no abastecimento hídrico da cidade do
Natal e os mecanismos de enfrentamento destas.

A partir de intelectuais como Raimundo Arrais, na sua obra Da natureza à


técnica: A capital do RN no início do século XX, presente no livro Surge et Ambula
organizado por Ângela Ferreira e George Dantas e publicado em 2006; Manuel Dantas
em Natal D’aqui a Cincoenta Annos, de 1909; Angela Lúcia Ferreira no capitulo A

1
Estudo produzido em 2017 pelo professor dr. Yuri Simonini.
2
Aluno de graduação de Licenciatura em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
3
Aluna de graduação de Licenciatura em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
terra, os homens e os sonhos: A cidade de Natal no inicio do século XX presente na
obra Uma Cidade Sã e Bela de organização da mesma; e Eloy de Souza em Calçamento
da Cidade, publicado pelo jornal A República de 1944, Devastação Criminosa4, como
também, os artigos publicados na série Economia das Sêcas, pelo jornal A Ordem entre
1951 e 1952, escolhemos tratar de três: Florestas e Dunas (24 de setembro de 1951),
Fixação das Dunas (26 de setembro de 1951) e As Dunas (28 de setembro de 1951).
Artigos estes pertinentes ao tema aqui proposto.

O trabalho baseia-se inicialmente na análise de problemáticas sócio-culturais


referentes às dunas. Em seguida trabalharemos questões econômicas e políticas. Por fim
analisaremos a importância das dunas nas mudanças ocorridas no espaço urbano de
Natal, buscando compreendê-las a partir da verificação de ideias de diferentes autores
do decorrer dos séculos XIX e XX, assim como autores contemporâneos.

Dunas e isolamento da cidade: impactos na vida cotidiana

A cidade do Natal é conhecida atualmente por suas belezas naturais, formada por
grandiosas paisagens representadas em diversos pontos turísticos que se tornaram
atrativos e a colocaram na lista das mais procuradas por turistas dentre as cidades
brasileiras. A atividade turística é apontada como uma das principais responsáveis por
movimentar a economia da capital potiguar. Porém, por volta dos séculos XIX e XX,
Natal sofreu com um isolamento causado por sua localização geográfica, cercada por
dunas, e enfrentava dificuldades com o acesso aos demais municípios vizinhos.

A cidade do Natal foi construída sobre dunas móveis, com morros que
se deslocavam conforme a ação do vento e por essa razão ficou
isolada do restante do Estado desde a sua fundação, durante quase
trezentos anos, uma vez que não dispunha de conhecimentos técnicos
para construir estradas sobre dunas. Restando à cidade apenas uma
“picada” sobre o terreno úmido à margem do rio Potengi como a única
ligação da capital com o interior, além do uso de embarcações que por
ele circulavam. (OLIVEIRA, 2005, p. 4)

A partir da análise da obra de Arrais (2006), encontramos evidências de que


economicamente a cidade sofria e nesse período estava em desvantagem quando

4
Esse artigo foi encontrado no endereço eletrônico: https://blogeloydesouza.blogspot.com.br/, datado
de dezembro de 2006, que contém textos e imagens do acervo pessoal de Eloy de Souza, organizado
pela jornalista Rejane Cardoso.
comparada com localidades próximas que conseguiam se desenvolver com mais
eficiência, produzindo e comercializando com o interior, fortalecendo seus comércios,
enquanto Natal estava perdendo seu protagonismo de capital.

Atualmente, a paisagem natural da cidade é exaltada, esse aspecto era indicado


como responsável pelo fraco desenvolvimento da capital do Rio Grande do Norte.
Segundo Arrais (2006, p. 121) “Ao sul, a capital estava isolada por uma cadeia de
dunas, por trás das quais estendiam os tabuleiros arenosos e incultos, interrompidos por
alguns vales férteis ao longo dos rios.” Já para Dantas (1918, p. 33) “na segunda metade
do século XIX, os produtos vindos do sertão eram escoados para o porto de Macaíba,
distante quinze milhas do porto de Natal, subindo do rio Jundiaí, na bacia do rio
Potengi” (apud ARRAIS, 2006, p. 121).

Com o isolamento característico ocasionado por sua localização natural, Natal


perdia sua força como capital enquanto outras cidades usufruíam dessa falha
administrativa para se sobressair e ganhar poder econômico e notoriedade, a urgência
por mudanças era observada pela sociedade potiguar como um todo e principalmente
pelos habitantes da própria capital, com isso alternativas precisavam ser criadas para
tirar a cidade da estagnação.

O isolamento da capital era reconhecido pelo governador Alberto


Maranhão, que se referia, em 1904, a necessidade de construir acesso
aos mercados de Ceará-Mirim, Macaíba, Mossoró e Açu para retirar a
capital do estado de definhamento. (ARRAIS, 2006, p. 121).

Além da economia, a população da cidade sentia de forma direta as


consequências da falta de comunicação, como da própria troca de informações e o
contato limitado com municípios próximos, isso acabou criando estereótipos sobre os
habitantes locais, visões e perspectivas essas disseminadas nas demais localidades.

No pensamento das elites locais do início do século XIX, a situação


topográfica da cidade do Natal também influía na índole de seus
moradores. As teorias filosóficas que moldaram o pensamento dos
bacharéis e homens públicos no final do século XIX (um composto
eclético de teorias de Comte, Haekel, Spencer e outros, em boa parte
assimiladas na Faculdade de Direito de Recife), aplicando ao exame
das condições locais, levando a convicção de que o isolamento da
população de Natal, cercada por uma passagem monótona, não
impunha o desafio transformador pelo trabalho. Ao contrário,
estimulava a indolência, reforçada pelos compostos étnicos – tudo
isso, associados diretamente às noções de meio raça, dominantes na
ciência da época, que moldavam a psicologia dos habitantes de Natal.
(ARRAIS, 2006, p. 122).

No início do século XX, o discurso modernizador de Manuel Dantas, membro da


elite do estado, trouxe uma grande utopia, porém considerada por ele propostas de
mudanças plausíveis e viáveis para Natal em um período de cinquenta anos,
influenciadas por mudanças ocorridas em cidades europeias desenvolvidas, Dantas não
pontuou as diferenças abissais entre suas referências e a capital potiguar, considerava
também que as dunas representavam um perigo iminente que precisava ser controlado
pelas autoridades, apontava como possível solução a construção de novas vias de
acesso, tanto terrestres quanto marítimas, como caminho para a modernização da
cidade.

Eis porque escolhi o Perigo Imminente que, em 1959, será um dos


pontos mais atraentes da cidade, com seus casinos e hotéis
monumentais coroados de altos terraços, onde os aeroplanos vem
aterrar; as estações da estrada de ferro aérea que corre pela crista dos
morros até Guarapes, despertando sensações e belezas estranhas; as
escadarias de mármore e de granito descendo para o mar e para a
planície sob arcadas graciosas de folhagens variegadas, onde canta
diariamente a passarada; as casas de campo dependuradas das
encostas como ninhos: um misto de progresso e de poesia; a harmonia
das coisas; o consórcio do passado e do futuro; jardins suspensos,
salpintados das mais bellas flores tropicais, evolando perfumes para o
céu; cenário brilhante [...] (DANTAS, 1909, p. 12/3)

Nesse contexto relacionamos o surgimento dessa utopia, com o acesso a


educação europeia dos intelectuais brasileiros, nos quais formados no exterior, ou
estudando em instituições nacionais que se baseavam nos ideais da Europa, retornavam
a sua terra natal com ideologias eurocêntricas e aqui as reproduziam. Natal projetada
pelos princípios de Manuel Dantas não atingiu o modelo extremamente idealizado do
autor no período por ele indicado, porém as mudanças surgiram, mesmo que de forma
gradual. Era consenso na época que a falta de intervenção humana com o uso e
desenvolvimento de novas tecnologias seriam responsáveis pelo fraco desenvolvimento
e pouca expressividade de Natal no período, a partir disso, as autoridades focaram nesse
aspecto para solucionar o problema e tirar a cidade do seu isolamento entre dunas que
até então a caracterizava.

Plano Geral de Obras: o problema do abastecimento hídrico

As análises e implantação do Plano Geral por parte do escritório de Saturnino de


Brito teve o apoio das elites dirigentes e intelectuais da cidade, os quais propuseram
esforços de relação administrativa dos gastos públicos, assim como na divulgação dos
ideais sanitaristas que regeram a operação, por meio de publicação de artigos e no jornal
oficial “A República” e em outros periódicos locais. Além disso, o Governo Federal,
chefiado por Getúlio Vargas, teve importante contribuição. (FERREIRA et. al. 2008, p.
143). A elaboração dessas análises, segundo Ferreira et. al. (2008, p. 143), levou em
consideração

[...] as peculiaridades da cidade de Natal, identificadas a partir da


análise e da crítica sobre os estudos realizados: o estudo geológico de
Ralph H. Soper, as propostas e os levantamentos para o abastecimento
d’água de Natal, elaborados por Henrique Novaes, e as estatísticas
desenvolvidas pela Rockfeller Foudation, por Henrique Novaes e por
Pedro Soares Amorim.

O ponto de partida na construção, em 1935, do primeiro relatório foi a chegada


em Natal do diretor do Escritório, Saturnino de Brito Filho, que assinou o contrato com
o governo estadual e realizou o levantamento e os estudos preliminares para a
elaboração do projeto de saneamento da cidade, utilizando o avião do Sindicato Condor
como ferramenta de verificação do território, mesmo avião que o trouxe a cidade. Este
relatório, considerado importante, caracterizou toda a cidade e sistematizou as
informações, estudos e análises, embasando, assim, a concepção do Plano Geral de
Obras.

Nas análises realizadas a partir da visão aérea da cidade, que foram registradas
em relatório assinado pelo Escritório, apontaram características fisiográficas de Natal,
tendo como uma das particularidades do seu relevo o cordão de dunas que garantiam
aspecto salubre a localidade em razão da delimitação dos arredores da cidade, locais
quase sempre abandonados e/ou mal cuidados. Ferreira et. al. explica (2008, p. 147) que
as dunas foram apontadas como de suma importância para o equilíbrio
ambiental da cidade, ressaltando a riqueza da qualidade e quantidade
da água disponível no lençol profundo nelas situado, cuja captação
consistiria na principal fonte do abastecimento da cidade.

Estes morros, assentados em boa parte da costa litorânea de Natal, estavam


consolidados pela vegetação existente, algo que sempre despertou a atenção da
prefeitura para a sua preservação, no intuito, que se mantivessem fixas e não invadissem
o município.

Sobre a rede de abastecimento d’água o Escritório Saturnino de Brito verificou


que as condições topográficas e geológicas da cidade de Natal eram formadas de um
tabuleiro de areia de grandes dimensões, onde as águas das chuvas infiltravam-se e
faziam curso até o mar por meio do subterrâneo. Houve então o apontamento em
direção a riqueza aquífera das dunas, bem quistas, por conta de uma captação que
dispensava gastos onerosos, sem a necessidade de construção de longas adutoras,
tratamento químico e filtração.

Glycon de Paiva, geólogo diretor do Serviço Geológico do Brasil, foi o


encarregado de realizar um estudo e identificar os pontos de maior volume para a
captação da água na cidade, portanto, o estudo baseou-se na indicação de áreas de
captação mais convenientes. Na edição do jornal A República de 1938, o geólogo é
descrito como

[...] o descobridor do vasto lençol liquido existente sob as dunas que


circundavam a cidade. Um oceano dagua límpida, maravilhosamente
filtrada pela própria natureza, se estende a trinta e quarenta metros de
profundidade. Durante meio século a cidade não terá mais sede. Assim
assegurou o jovem geólogo, cheio de fé no prestigio divinatório da
ciencia. (DUARTE, 1938, p. 1)

Com os estudos foram estabelecidas as diretrizes para a captação de água no


município a partir do lençol aquífero e com a utilização de poços independentes, com a
distância de 100 a 200 metros entre um e outro, conforme cada bairro. Como a captação
era feita em encostas arenosas, além das margens da Lagoa Manoel Felipe, foi possível
a adoção de manilhas de barro nas canalizações de conexão, o que tornou a obra mais
barata, de maneira geral o projeto previa volume de captação de água capaz de atender
uma população superior a 200.000 habitantes.

O local onde hoje situa-se o Parque das Dunas, foi considerado o lugar mais
apropriado para a captação subterrânea no quesito abundância e qualidade da água e foi
onde o principal volume de água pôde ser obtido. A área foi dividida em duas zonas, A
e B, e em cada uma delas foram perfurados oito poços tubulares. Nas duas zonas a
elevação era obtida por meio de bombas turbinas de poço. A água que era capitada nas
dunas era conduzida a um dos reservatórios de abastecimento, mais precisamente o
reservatório R3.

No que tange em propostas de enfrentamento ao perigo das dunas o


levantamento previa, como forma de orientar o crescimento futuro da cidade, a
elaboração da proposta de um bairro residencial, que atenderia a dois objetivos:
preencher o vazio existente entre o aeroporto proposto e o restante da cidade ocupando
o terreno dunar, o que contribuiria para a fixação das dunas, e consequentemente
solucionaria o problema da sua movimentação em direção ao rio Potengi, o que levava
ao aterramento do seu leito e dificultava o acesso dos navios ao porto, o que Ferreira et.
al. (2008, p. 169) caracteriza como uma

[...] questão – que trazia sérios problemas ao funcionamento das


atividades portuárias, dificultando o acesso dos navios ao porto de
Natal – [que] mobilizava diversos esforços locais, desde o fim do
século XIX, com o intuito de modernizar o porto, capacitá-lo para
escoar a produção norte-rio-grandense e tornar a economia loca
independente da estrutura portuária de Cabedelo e do Recife.

Eloy de Souza: a questão do saneamento e as dunas

Ao analisarmos a partir da perspectiva de outro autor, também do século XX,


consideramos Eloy de Souza em seu texto Calçamento da Cidade no qual aborda a
questão do calçamento urbano na cidade do Natal como algo que sempre foi vital a
população. Segundo Souza (1944, s.p.) “aqui, pelo menos, ele [o calçamento] é vital à
comunidade dos natalenses. As dunas que enfeitam a paisagem de Natal e constituem o
seu lençol aqüífero são também a causa de inconvenientes que vão do asseio à saúde
dos habitantes.”.

Nesse momento Souza (1944, s.p.) expõe sua ideia de que a inexistência de
pavimentação nas ruas dos bairros de Petrópolis e do Tirol causava, em determinado
período do ano em que os ventos aumentavam e se tornavam mais imperiosos, a
canalização das areias dos morros nas ruas e avenidas destes bairros, aumentando assim
a quantidade de sedimentos e dificultando a vivência dos moradores.

A poeira mata o jardim e as hortas. Macula os móveis. Penetra pelo


telhado e invade a cozinha e a copa, com prejuízo dos alimentos por
ela contaminados, em simultaneidade com a baixela, igualmente
atingida por esses detritos desagradáveis. (SOUZA, 1944, s.p.)

Além de todos esses prejuízos a areia que se acumulava nas vias urbanas dificultava a
marcha dos pedestres e cansava os velhos que nem sempre encontravam um veículo
para que os poupasse de tão dificultoso trajeto. Na época invernosa, essa mesma
avalanche era arrastada para a parte mais baixa da cidade, favorecendo as inundações
por causa do seu acúmulo nos bueiros o que constituía muitas vezes graves dificuldades
não só ao trânsito, mas também agravava a prefeitura com despesas vitais ao
escoamento das águas, portanto, as dunas desempenhavam, por vezes, um papel
dispendioso à sociedade de uma maneira geral, desde os moradores, das mais diversas
camadas sociais, até os dirigentes locais.

No âmbito da saúde, o excesso de poeira juntamente com o excesso de luz solar,


seriam as causas da elevada taxa de oftalmias e doenças dos olhos, assim como a de
deficientes visuais em Natal. O material das dunas, por seu aspecto granuloso,
espalhava-se pelo vento tinha um efeito muito mais prejudicial do que ao produzido
pela poeira comum. Por esta e outras razões, Natal era uma cidade que demandava a
constante progressão de sua pavimentação, questão essa que os dirigentes mais
trabalhadores sempre consideraram de suma importância e estava relacionado a ideia de
tornar a cidade mais “civilizada”.

Natal é uma terra de sol e bastaria tão somente a intensidade da sua


claridade para determinar a freqüência de oftalmias e até outras
moléstias de olhos. As estatísticas dos nossos oculistas registram uma
percentagem bem elevada de cegos não os desta cidade como de
muitas outras do Estado. As causas ocasionais são sempre as mesmas:
excesso de luz e excesso de poeira. [...] Por esta e outras razões Natal
é uma cidade que reclama a constante progressão do seu calçamento.
Assim, felizmente, tem entendido os seus prefeitos mais trabalhadores
desde o Engenheiro Omar O’Grady até o Dr. José Varela. (SOUZA,
1944, s.p.)

O fator de degradação ambiental e a falta de arborização em toda a cidade


contribuíam para o caráter destrutivo dos ventos, pois, a ausência de árvores
proporcionava a falta de obstáculos para deter a fúria das ventanias. No escrito
Devastação Criminosa têm-se a abordagem da questão da devastação florestal
ocasionada pelo consumo de carvão, no qual o estado do Rio Grande do Norte já
começava a compreender o problema e buscava formas de restaurar pouco a pouco a
escassa vegetação de sua região, o texto denuncia a forma devastosa que os carvoeiros
estavam tratando a mangabeira, árvore frutífera local, e elucida que a indústria carvoeira
já estava impossibilitada de utilizar a arborização das dunas, que passaram a ser
vigiadas pela Prefeitura, ato apontado como de suma importância à prevenção de uma
calamidade irreparável, o que denota uma conscientização da questão arbórea como
essencial ao impedimento da destruição causada pelos morros.

Agora estão derrubando as mangabeiras para fazer carvão. [...] Não


sabemos quantos metros cúbicos de madeira pode dar essa árvore,
quando adulta. Pelo seu porte, não devem ser muitos. Sabemos,
porém, que um metro cúbico de carvão, que pesa de 250 a 300 quilos,
só pode ser obtido com 2 ou 3 metros cúbicos de lenha. Quase
impossibilitados que estão os carvoeiros de se utilizarem para a sua
indústria da arborização das nossas dunas, agora vigiadas pela
Prefeitura, atiraram-se à flora dessas áreas destinadas, por essa
agressão, a um completo desnudamento, dentro de pouco tempo. O
atalho a esse malefício é urgente, pois de outra sorte teremos de nos
encontrar, amanhã, diante de uma calamidade irreparável, como teria
sido a das dunas, se a Municipalidade não se tivesse resolvido a
defendê-las contra a devastação da sua mata, cujas clareiras abertas
pelo machado dos lenhadores e carvoeiros, já começam a se
reconstituir. (SOUZA, s.d, s.p.)
No texto intitulado Florestas e Dunas há a abordagem sobre a devastação
florestal relacionando a dificuldade na infiltração das águas pluviais no subsolo, que
segundo Souza (1951, p.4)

A devastação florestal não foi aqui tão extensa quanto terá sido em
outros Estados [...] Grande ou pequena ela não deixou de ser
criminosa, não porque a floresta possa influir na formação e queda das
chuvas, mas pela infiltração com que atua retendo as águas pluviais e
encaminhado-as para o sub-solo.

O jornalista denuncia a omissão do estado do Rio Grande do Norte, assim como o


Brasil, perante as devastações criminosas das florestas; Souza (1951, p.4) aconselha:
“[...] cumpre inciar já e já a cultura sistematisada de plantas robustas, arbustais e
rasteiras adequadas a florestação e reflorestação das dunas e bem assim dos taboleiros
adjacentes.” Por fim busca a conscientização para soluções dos males provocados pelas
areias movediças ao longo da orla marítima de Natal e outras cidades litorâneas.

Fixação das Dunas apresenta a caracterização da fixação dos morros e a


recuperação das terras circunvizinhas como um imperativo geoeconômico de
fundamental importância para o estado, que segundo Souza (1951, p.4) “sem essa
fixação pode s afirmar que a drenagem dos vales humidos será improfícua de vez que as
areias desprendidas desses morros continuarão a obstruir as barras maiores e menores, e
até impedindo o escoamento das águas estagnadas.” O texto continua com exemplos de
locais na Europa e África que enfrentaram a fúria das areias, com intuito de indicar
soluções ao caso natalense, além de citar experiências que já foram praticadas na
própria cidade.

[...] Aqui mesmo, a experiência determinou a substituição das cercas


de varas dispostas no sentido horizontal e vertical pela plantação de
varias espécies vegetais, o que permitiu a formação de um área
bastante ampla e firme, na qual foram feitas construções militares no
período da guerra e a edificação dos bairros das Rocas, Monte Carlos5
e Santos Reis, onde o movimento das areias era incessante e
imperioso. (SOUZA, 1951, p.4)

5
Em nossas pesquisas não conseguimos identificar que bairro seria esse, pois, não é mencionado nos
mapas da cidade da época e tampouco atualmente.
O autor cita sua viagem ao Egito e as experimentações de bloqueio do avanço das areias
no Canal de Suez, localizado em região desértica, com a utilização de cercas e muros.
Por fim, Souza (1951, p.4) explica que “os elementos que permitiram vencer as dunas
nas areias dos desertos africanos e australianos não são sempre os mesmos”, ou seja,
que o enfrentamento as dunas da cidade de Natal deve ser buscado por meio da
experimentação árdua, sem a simples imitação de outros casos.

Em As dunas, Souza (1951) questionou se o eucalipto não poderia ser a planta


adequada ao reflorestamento dos tabuleiros litorâneos ou o auxiliar na drenagem dos
vales úmidos do Rio Grande do Norte. No entanto Souza (1951, p.4) comenta: “[...]
Desgraçadamente, a não ser em São Paulo, com a adaptação de algumas das duzentas
variedade da eucaliptos para diferentes fins, no resto do Brasil não se cuida de assunto
tão vital à economia coletiva.” Assim como em Calçamento da Cidade, há a advertência
a respeito da devastação dos morros de Natal, que para Souza (1951, p.4)

Já não se trata apenas de sugerir o que representam esses morros de


areia no embelesamento da paisagem urbana, quando cobertos pela
vegetação especifica [...] ou da necessidade de sua permanente fixação
como comodidade e até resguardo da saúde dos natalenses, que
durante as ventanias do estio sofrem e penan com o castigo incessante
das areias que invadem a cidade.

Souza (1951), também, alerta os poderes públicos se caso a devastação florestal das
dunas continue e prevê a estes poderes uma calamidade a médio e longo prazo com
sérias consequências as futuras gerações, além de indicar como partícipes do
desflorestamento dos morros os machados dos lenhadores, o fogo dos carvoeiros e as
patas dos bovinos, que a cada ano tornavam as dunas mais calvas e propícias ao
empobrecimento dos lençóis aquíferos, única fonte de abastecimento da cidade;
considera como fato concreto o aumento da população que terá a necessidade cada vez
maior de água para beber e para o uso doméstico, e indaga onde a população iria buscar
água em quantidade e qualidade sadias e agradáveis ao paladar, sua resposta reside
apenas nas águas do subsolo dunar, ao que se supunha, eram preservadas dos germes
nocivos à saúde e sua utilização garantiria uma economia monetária.

Considerações finais
Quando nos deparamos com a questão da presença das dunas na paisagem da
capital do Rio Grande do Norte, e analisamos a partir de perspectivas individuais, sendo
essas opiniões presentes na historiografia do estado, concluímos que a forma de
interpretar a existência e influência desses morros de areia podem ser modificadas a
partir de análises que consideram outros pontos de vistas.

Nos escritos nesse presente trabalho analisados, as dunas são descritas de formas
distintas. Manual Dantas as relata como um perigo iminente, pontua a urgência na
construção de novas vias de acesso e expõe seu projeto futurístico para a cidade; já
Raimundo Arrais, explana sobre as desvantagem econômicos relacionadas a localização
geográfica e pelo isolamento por elas causadas a localidade; Ângela Lúcia Ferreira
relaciona as dunas com a questão do abastecimento hídrico; e Eloy de Souza as descreve
como uma fonte de inconvenientes, afetando não só as casas, bem como a saúde da
população.

Com as informações elencadas a respeito de como as dunas interferiam na


paisagem natural, modificações no espaço urbano, como também diretamente no
cotidiano da população de Natal, surgem especulações sobre se para a cidade a
existência dos morros de areia trouxeram mais consequências positivas ou negativas.
Concluímos que existiu uma adaptação ao longo do período de formação estrutural, a
localização geográfica e suas características naturais passaram a ser consideradas em
projetos que visavam a solução de problemas que eram ligadas as dunas que cercam a
cidade.

Atualmente as imagens das dunas estampam os cartões postais de Natal,


representando uma das belezas naturais que tornaram a cidade parada turística. A subida
aos morros de areia é permitida pela prefeitura ao órgão de turismo e de setores
responsáveis pela preservação do meio ambiente da região, e o que a princípio era
considerado barreira ao desenvolvimento econômico, hoje em dia contribui para a
principal atividade que movimenta a economia do estado.
Referências Bibliográficas

ARRAIS, Raimundo. Da natureza à técnica: A capital do RN no início do século XX.


In: FERREIRA, Angela Lúcia;DANTAS, George. Surge et ambula: a construção de
uma cidade moderna (Natal, 1890-1940). Natal: Edufrn, 2006.

DANTAS, Manoel. Natal d'aqui a cincoenta annos. Imprensa Official, 1909.

FERREIRA, Angela Lúcia et. al. A terra, os homens e os sonhos: A cidade de Natal no
inicio do século XX. In:______. Uma cidade sã e bela: a trajetória do saneamento de
Natal - 1850 a 1969. Natal: Editoras IAB-RN e CREA, 2008.

FERREIRA, Angela Lúcia; SIMONINI, Yuri ; OLIVEIRA, Giovana P. . A utopia de


Manoel Dantas: a ideia de modernidade na construção de Natal/RN - Brasil, na primeira
metade do século XX. in: BENACH, Nuria; ZAAR, Miriam Hermi; VASCONCELOS
P. JUNIOR, Magno (eds.). Actas del XIV Coloquio Internacional de Geocrítica: Las
utopías y la construcción de la sociedad del futuro. Barcelona: Universidad de
Barcelona, 2016

MOURA, Danieli Veleda. A importância das dunas costeiras e o caso das dunas no
balneário Cassino (RIO GRANDE-RS). 2009. Disponivel
em: https://www.webartigos.com/artigos/a-importancia-das-dunas-costeiras-e-o-caso-
das-dunas-no-balneario-cassino-rio-grande-rs/20969#ixzz502MYG4mL. Acesso em: 04
de dez. 2017.

OLIVEIRA, Giovana Paiva de. A narrativa do dr. Manoel Dantas: o discurso


modernizador justificando a ação sobre o espaço da cidade de Natal/RN. In: SIMPÓSIO
NACIONAL DE HISTÓRIA, 23., 2005, Londrina. Anais do XXIII Simpósio Nacional
de História – História: guerra e paz. Londrina: ANPUH, 2005.

SOUZA, Eloy de. Calçamento da cidade. Jornal A República, 1944. Disponivel em:
https://blogeloydesouza.blogspot.com.br/. Acesso em: 30 de nov. 2017.

______.Devastação Criminosa. s.p.s.d. Disponível em:


https://blogeloydesouza.blogspot.com.br/. Acesso em: 30 de nov. 2017.

______. As Dunas. In: Economia das Sêcas. Jornal A Ordem, 1951. Disponível em:
http://www.bczm.ufrn.br/jornais/A%20ORDEM/1951/00000ED5.004%20-
%20A%20ORDEM%20ano16,%20n.4696,%2028set.1951,p.4.png. Acesso em: 30 de
nov. 2017.

______. Fixação das Dunas. In: Economia das Sêcas. Jornal A Ordem, 1951.
Disponível em:
http://www.bczm.ufrn.br/jornais/A%20ORDEM/1951/00000ED3.004%20-
%20A%20ORDEM%20ano16,%20n.4694,%2026set.1951,p.4.png. Acesso em: 30 de
nov. 2017.
______. Florestas e Dunas. In: Economia das Sêcas. Jornal A Ordem, 1951. Disponível
em: http://www.bczm.ufrn.br/jornais/A%20ORDEM/1951/00000ED1.004%20-
%20A%20ORDEM%20ano16,%20n.4692,%2024set.1951,p.4.png. Acesso em: 30 de
nov. 2017.

Você também pode gostar