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Brasília Volume 21 Número 124 Jun./Set.

2019

Centro de Estudos Jurídicos da Presidência


Subchefia para Assuntos Jurídicos da Secretaria-Geral
Presidência da República
Brasília Volume 21 Número 124 Jun./Set. 2019
Presidente da República
Jair Messias Bolsonaro

Ministro de Estado Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República


Jorge Antonio de Oliveira Francisco

Subchefe para Assuntos Jurídicos interino e


Presidente do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência
Jorge Antonio de Oliveira Francisco

Coordenadora do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência


Fernanda Rodrigues Saldanha de Azevedo

Revista Jurídica da Presidência / Presidência da República


Centro de Estudos Jurídicos da Presidência – Vol. 1, n. 1, maio de 1999.
Brasília: Centro de Estudos Jurídicos da Presidência, 1999–.
Quadrimestral

Título anterior: Revista Jurídica Virtual


Mensal: 1999 a 2005; bimestral: 2005 a 2008.

ISSN (até fevereiro de 2011): 1808–2807


ISSN (a partir de março de 2011): 2236–3645

1. Direito. Brasil. Presidência da República, Centro de Estudos Jurídicos da Presidência.

CDD 342
CDU 342(81)

Centro de Estudos Jurídicos da Presidência


Centro de Estudos Jurídicos, Praça dos Três Poderes, Palácio do Planalto,
Anexo II, Térreo, Ala A,
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Telefone: (61) 3411-2863
E-mail: revista@presidencia.gov.br
https://revistajuridica.presidencia.gov.br

© Centro de Estudos Jurídicos da Presidência – 2019


Revista Jurídica da Presidência

É uma publicação quadrimestral do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência


voltada à divulgação de artigos científicos inéditos, resultantes de pesquisas e
estudos independentes sobre a atuação do Poder Público, em todas as áreas do
Direito, com o objetivo de fornecer subsídios para reflexões sobre a legislação
nacional e as políticas públicas desenvolvidas na esfera federal.

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de trás da rampa do Palácio, com vista
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Conselho Editorial
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Doutorado e Pós-Doutorado em Direito Doutorado em Filosofia Jurídica pela

Internacional Privado pela Universidade de Universidade de São Paulo, Brasil, e

Heidelberg, Alemanha. Professora titular Pós-Doutorado em Filosofia Jurídica pela

do Corpo permanente e Coordenadora do Universidade de Heidelberg, Alemanha.

Programa de Pós-graduação em Direito da Livre-docente pela Universidade de

Universidade Federal do Rio Grande do São Paulo, Brasil. Professor titular da

Sul, Brasil. Universidade Federal de Pernambuco, Brasil.

Claudia Rosane Roesler Joaquim Shiraishi Neto

Doutorado em Teoria do Direito pela Doutorado em Direito pela Universidade

Universidade de São Paulo, Brasil, e Federal do Paraná, Brasil. Professor

Pós-Doutorado em Teoria do Direito visitante do Programa de Pós-graduação

pela Universidade de Alicante, Espanha. em Direito da Universidade Federal do

Professora da Faculdade de Direito da Maranhão, Brasil.

Universidade de Brasília, Brasil. José Claudio Monteiro de Brito Filho

Fredie Souza Didier Junior Doutorado em Direito das Relações Sociais

Doutorado em Direito pela Pontifícia pela Pontifícia Universidade Católica de

Universidade Católica de São Paulo, Brasil, São Paulo, Brasil. Professor do Programa de

e Pós-Doutorado em Direito Processual Pós-graduação em Direito da Universidade

Civil pela Universidade de Lisboa, Portugal. Federal do Pará, Brasil.


Livre-docente pela Universidade de São Luís Roberto Barroso
Paulo, Brasil. Professor associado da Doutorado em Direito pela Universidade do
Universidade Federal da Bahia, Brasil. Estado do Rio de Janeiro, Brasil, e Pós-Doutorado

Gilmar Ferreira Mendes pela Universidade de Harvard, Estados Unidos

Doutorado em Direito Constitucional pela da América. Livre-docente pela Universidade do

Universidade de Münster, Alemanha. Docente Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Professor titular

permanente do Instituto Brasiliense de de Direito Constitucional da Universidade do

Direito Público, Brasil. Estado do Rio de Janeiro, Brasil.


Maíra Rocha Machado Vera Karam de Chueiri
Doutorado em Direito pela Universidade de Doutorado em Filosofia Jurídica pela
São Paulo, Brasil, com período sanduíche New School for Social Research, Estados
na Universidade de Barcelona, Espanha, e Unidos da América, e Pós-Doutorado pela
Pós-Doutorado pela Universidade de Ottawa, Universidade de Yale, Estados Unidos da
Canadá. Professora associada na Escola de América. Professora associada da Faculdade
Direito de São Paulo da Fundação Getúlio de Direito da Universidade Federal do
Vargas, Brasil. Paraná, Brasil.

Misabel de Abreu Machado Derzi Apropriate articles are abstracted/indexed in:


Doutorado em Direito Tributário pela BBD – Bibliografia Brasileira de Direito /
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. Rede RVBI
Professora titular de Direito Financeiro Google Scholar
e Tributário da Faculdade de Direito da LATINDEX – Sistema Regional de
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. Información en Linea para Revistas
Científicas de América Latina, el Caribe,
España y Portugal
ULRICH’S WEB – Global Serials Directory
Colaboradores da Edição 124
Pareceristas
Adegmar José Ferreira – Prof. Dr. na Universidade Federal de Goiás, GO, Brasil
Adriane Medianeira Toaldo – Prof.ª Dr.ª na Universidade Luterana do Brasil, RS, Brasil
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André Mendes Moreira – Prof. Dr. na Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil
Carla Appollinario de Castro – Prof.ª Dr.ª na Universidade Federal Fluminense, RJ, Brasil
Carlos Ari Vieira Sundfeld – Prof. Dr. na Fundação Getúlio Vargas, SP, Brasil
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Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida – Prof.ª Dr.ª na Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, SP, Brasil
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Felipe Braga Albuquerque – Prof. Dr. na Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil
Fernanda Tartuce – Prof.ª Dr.ª na Faculdade Autônoma de Direito, SP, Brasil
Fernando Horta Tavares – Prof. Dr. na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, MG, Brasil
Flávio Quinaud Pedron – Prof. Dr. na Fundação Mineira de Educação e Cultura, MG, Brasil
Gabriela Maia Rebouças – Prof.ª Dr.ª na Universidade Tiradentes, AL, Brasil
Grace Ladeira Garbaccio – Prof.ª Dr.ª no Centro Universitário Cesmac, AL, Brasil
Isolda Lins Ribeiro – Prof.ª Dr.ª na Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil
João Mauricio Leitão Adeodato – Prof. Dr. na Universidade Federal de Pernambuco, PE, Brasil
João Paulo Allain Teixeira – Prof. Dr. na Universidade Católica de Pernambuco, PE, Brasil
José Soares Filho – Prof. Dr. na Universidade Católica de Pernambuco, PE, Brasil
Marco Aurélio Serau Junior – Prof. Dr. na Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil
Marcos Augusto de Albuquerque Ehrhardt Junior – Prof. Dr. na Universidade Federal de
Alagoas, AL, Brasil
Marcos Aurélio Pereira Valadão – Prof. Dr. na Universidade Corportiva Banco do Nordeste, BA, Brasil
Margareth Vetis Zaganelli – Prof.ª Dr.ª na Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil
Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini – Prof. Dr. no Centro Universitário Curitiba, PR, Brasil
Paulo Burnier da Silveira – Prof. Dr. na Universidade de Brasília, DF, Brasil
Paulo Henrique Blair de Oliveira – Prof. Dr. na Universidade de Brasília, DF, Brasil
Pedro Durão – Prof. Dr. na Universidade Federal de Sergipe, SE, Brasil
Regina Célia Martinez – Prof.ª Dr.ª no Centro Universitário de Jales, SP, Brasil
Ricardo Sebastián Piana – Prof. Dr. na Universidad Nacional de La Plata, Argentina
Sérgio Henriques Zandona Freitas – Prof. Dr. na Fundação Mineira de Educação e Cultura, MG, Brasil
Sérgio Torres Teixeira – Prof. Dr. na Universidade Federal de Pernambuco, PE, Brasil
Valcir Gassen – Prof. Dr. na Universidade de Brasília, DF, Brasil
Valmir César Pozzetti – Prof. Dr. na Universidade do Estado do Amazonas, AM, Brasil
Valter Foleto Santin – Prof. Dr. na Universidade Estadual do Norte do Paraná, PR, Brasil
Valter Shuenquener de Araujo – Prof. Dr. na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Veronica Lagassi – Prof.ª Dr.ª na Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil
William Soares Pugliese – Prof. Dr. na Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil
Yvete Flavio da Costa – Prof.ª Dr.ª na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho,
SP, Brasil
Autor Convidado
Gilmar Ferreira Mendes
BRASIL – Brasília/DF
Doutor e Mestre em Direito pela University of Münster (Alemanha). Mestre e Bacharel em Direito
pela Universidade de Brasília (UnB). Docente permanente nos cursos de Graduação, Pós-graduação
lato sensu, Mestrado e Doutorado em Direito do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).
Ministro do Supremo Tribunal Federal.
E-mail: mgilmar@stf.jus.br
Autores de Artigos em Língua Estrangeira
Marcos Vinício Chein Feres Renato Gugliano Herani
BRASIL – Belo Horizonte/MG BRASIL – São Paulo/SP
Doutor em Direito pela Universidade Federal Pós-Doutor em Direito pela Faculdade de
de Minas Gerais (UFMG). Professor associado e Ciências de Lisboa (Portugal). Doutor e Mestre
Professor do Corpo permanente do Programa em Direito pela Pontifícia Universidade
de Pós-graduação stricto sensu em Direito Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor
e Inovação da Universidade Federal de Juiz de Direito Constitucional nos Programas
de Fora (UFJF). Professor colaborador do de Mestrado e Doutorado pela Faculdade
Programa de Pós-graduação em Direito na Autônoma de Direito (FADISP).
Universidade do Estado do Rio de Janeiro E-mail: renato@advgh.com.br
(UERJ). Pesquisador de produtividade do CNPq.
E-mail: mvchein@gmail.com
Autores
Gladimir Adriani Poletto Oksandro Osdival Gonçalves
BRASIL – Curitiba/PR BRASIL – Curitiba/PR
Doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia Pós-Doutor em Direito pela Universidade
Universidade Católica do Paraná (PUCPR). de Lisboa (Portugal). Doutor em Direito pela
Visiting Scholar na Columbia Law School Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(EUA). Professor de Pós-graduação em (PUC-SP). Mestre em Direito Econômico e
Direito dos Seguros na Universidade Social pela Pontifícia Universidade Católica
Positivo. Professor de Pós-graduação do do Paraná (PUCPR). Professor do Programa
MBA Executivo em Seguros e Resseguros da de Pós-graduação em Direito pela Pontifícia
Escola Nacional de Seguros de São Paulo. Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
E-mail: poletto@poletto.adv.br E-mail: oksandro@oksandro.adv.br
Marcos Youji Minami Frederico de Andrade Gabrich
BRASIL – Juazeiro do Norte/CE BRASIL – Belo Horizonte/MG
Doutor e Mestre pela Universidade Federal Doutor e Mestre em Direito pela Universidade
da Bahia (UFBA). Especialista em Direito Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialista
Processual pela Universidade do Sul de Santa e Direito Comercial/Empresarial pela
Catarina (UNISUL). Membro da Associação Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Norte e Nordeste de Professores de Processo Professor adjunto da Universidade FUMEC.
(ANNEP) e do Instituto Brasileiro de Direito E-mail: fredericogabrich@fumec.br
Processual (IBDP).
E-mail: youji_@hotmail.com Tiago Lopes Mosci
BRASIL – Belo Horizonte/MG
Flávio Quinaud Pedron Doutor e Mestre em Teoria do Direito
BRASIL – Belo Horizonte/MG pela Pontifícia Universidade Católica de
Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Minas Gerais (PUC Minas). Professor e
Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor Coordenador de Pesquisa e Extensão do
do Programa de Pós-graduação em Direito Curso de Direito da Faculdade da Saúde e
(UniGuanambi, PUC Minas e IBMEC/MG). Ecologia Humana (FASEH).
Membro da Associação Brasileira de Direito E-mail: mosci.tiago@gmail.com
Processual Constitucional (ABDPC).
E-mail: qpedron@gmail.com

Autor de Ensaio
José Levi Mello do Amaral Júnior
BRASIL – São Paulo/SP
Doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor Associado de
Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo (USP). Livre-docente em Direito
Constitucional pela Universidade de São Paulo (USP).
E-mail: jose.levi@usp.br
Sumário

Editorial ________________________________________________________________ 236


Autor Convidado ____________________________________________________ 238

1 Sistema de Justiça e Colaboração Premiada: o desafio da conciliação


Gilmar Ferreira Mendes____________________________________________________ 240

Artigos em Língua Estrangeira ___________________________________ 262

2 Neglected and non-neglected diseases: contradictions in the patent


legal system
Marcos Vinício Chein Feres________________________________________________ 264

3 Crítica a los paradigmas clásicos de reconocimiento de la Justicia Constitucional


Renato Gugliano Herani___________________________________________________ 289

Artigos _________________________________________________________________ 317


4 O papel do Sistema Nacional de Seguros Privados na ordem econômica
Gladimir Adriani Poletto – Oksandro Osdival Gonçalves __________________ 319

5 Repercussões da tradição da civil law na Execução


Marcos Youji Minami _____________________________________________________ 341

6 A proposta de Koselleck de história dos conceitos e a reconstrução da


história do direito
Flávio Quinaud Pedron____________________________________________________ 361

7 O aprimoramento do ensino jurídico para a orientação de uma


prática judicial racional no Brasil
Frederico de Andrade Gabrich − Tiago Lopes Mosci _________________ 386
Ensaio __________________________________________________________________ 409

8 O Supremo Tribunal Federal: composição, organização e competências


José Levi Mello do Amaral Júnior___________________________________________ 411

Normas de submissão _____________________________________________ 426


Editorial

Caros leitores,

Em continuidade às comemorações pelos 20 anos da Revista Jurídica da


Presidência – RJP, publicamos esta edição de número 124, como parte do 21o
volume do periódico. Ao longo desses anos, a Revista assumiu um importante
papel de divulgação e de veiculação das produções jurídicas acadêmicas nacionais
e internacionais, pautadas pelas políticas públicas.
Neste ano, recebemos novos professores consultores e, além disso, as
chamadas de trabalho tiveram números expressivos de submissões de artigos
acadêmicos, com grande variedade de temas. Os artigos selecionados seguem o
sistema double-blind peer review e são avaliados por pareceristas ad hoc de todo o
país, bem como do exterior, os quais colaboram com o nosso trabalho.
A Revista mantém o Qualis A1, o estrato máximo para periódicos, conforme
avaliação da Capes, e continua prezando pela pesquisa independente e de qualidade.
Neste número, na seção Autor Convidado, temos a contribuição do Ministro Gilmar
Mendes, membro do Corpo Editorial e um dos idealizadores da RJP, com o artigo
intitulado “Sistema de Justiça e Colaboração Premiada: o desafio da conciliação”, o
qual apresenta uma análise da colaboração premiada na justiça brasileira.
Em seguida, apresentamos a seção Artigos em Língua Estrangeira, em que
Marcos Vinício Chein Feres escreve o artigo “Neglected and non-neglected diseases:
contradictions in the patente legal system”, que trata da conjuntura atual do sistema
de patentes e investiga a diferença que se observa entre a produção de remédios
de doenças negligenciadas e não-negligenciadas. No segundo artigo, “Crítica
a los paradigmas clásicos de reconocimiento de la Justicia Constitucional”, Renato
Gugliano Herani tece uma crítica à utilização dos modelos constitucionais europeu
e estadunidense para explicar fenômenos constitucionais latino-americanos.
Os autores Gladimir Adriani Poletto e Oksandro Osdival Gonçalves, por sua
vez, apresentam uma análise do desenho institucional regulatório do mercado de
seguros privados, no artigo “O papel do Sistema Nacional de Seguros Privados na
ordem econômica”.
Marcos Youji Minami discute, em seu artigo “Repercussões da tradição da civil
law na Execução”, sobre como certos aspectos da tradição moldam a educação
jurídica e o comportamento de tribunais.
Na sequência, Flávio Quinaud Pedron reflete sobre alternativas às teorias
positivistas da história do direito, em “A proposta de Koselleck de história dos
conceitos e a reconstrução da história do direito”.
O tema do ensino jurídico brasileiro é tratado pelos autores Frederico de Andrade
Gabrich e Tiago Lopes Mosci, no artigo “O aprimoramento do ensino jurídico para a
orientação de uma prática judicial racional no Brasil”.
Para finalizar nossa edição comemorativa, temos o ensaio acadêmico de José
Levi Mello do Amaral Júnior, que examina, em seu texto, a composição, a organização
e as competências do Supremo Tribunal Federal.
A publicação desta edição é resultado da colaboração e da dedicação de nossa
equipe e de nossos parceiros: pareceristas ad hoc e membros do Conselho Editorial,
e a eles expressamos nossos agradecimentos.
Agradecemos também aos autores que submeteram e publicaram seus artigos neste
periódico e os convidamos a continuar contribuindo para o sucesso da nossa publicação.
Tenham uma ótima leitura!
1
240

Sistema de Justiça e Colaboração Premiada:


o desafio da conciliação

GILMAR FERREIRA MENDES


Doutor e Mestre em Direito pela University of Münster (Alemanha). Mestre e
Bacharel em Direito (UnB). Docente permanente nos cursos de Graduação,
Pós-graduação lato sensu, Mestrado e Doutorado em Direito (IDP). Ministro do
Supremo Tribunal Federal.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: limitação da atuação das


partes e função do magistrado 3 A colaboração premiada: legislação e prática 4 O conflito com a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: momento de mudança jurisprudencial? 5 Conclusão
6 Referências.

RESUMO: O artigo realiza uma análise da colaboração premiada (Lei no 12.850/2013)


e de como a sua prática tem se distanciado de forma sensível da consolidada
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o sistema de justiça brasileiro.
Dessa forma, o artigo aborda inicialmente questões específicas sobre o Direito
Penal brasileiro, que preza pela limitação da discricionariedade das partes e pela
centralidade da figura do magistrado na definição da culpa e da pena do acusado.
O estudo, em seguida, analisa criticamente a prática consolidada nos acordos de
colaboração premiada firmados nos últimos anos, que se baseiam em um modelo
no qual as partes estipulam a pena, a forma e o momento de seu cumprimento. O
texto, assim, conclui que o debate sobre a validade de tais normas, sem se restringir
a casos específicos, perpassa por questões centrais ao direito processual penal
brasileiro, com consequências inequívocas a todo o sistema de justiça do país.

PALAVRAS-CHAVE: Colaboração Premiada Lei de Organizações Criminosas Direito


Processual Penal Sistema Acusatório Discricionariedade da Partes.

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System of Justice and Cooperation Agreement in Criminal Cases: the challenge


of conciliation

CONTENTS: 1 Introduction 2 The Brazilian Supreme Court case law: the limitation of parties’
discretionarity and the judge’s role 3 Cooperation agreement: statutory provisions and practice 4 The
conflict with the Brazilian Supreme Court case law: time for a change on the current understanding?
5 Conclusion 6 References.

ABSTRACT: This paper discusses the Brazilian cooperation agreements (Law no


12.850/2013) and how does its current practice has been taking apart from the
rulings of the Brazilian Constitutional Court regarding the Brazilian justice system.
Initially, this essay provides an overview of some core principles of the Brazilian
Criminal Law, which is known for limiting the discretion of the parties in the
criminal procedure and for the central role performed by the judge in assessing the
accused’s culpability and in the sentencing phase. Then, it critically discusses the
practices that has been developed in the cooperation agreements signed in the last
few years, which are based on the understanding that parties can define the penalty
to be imposed and the moment and the way it will be served. The article concludes
that the debate regarding the legality of this practice does not only impacts those
agreement, but actually concerns core principles of the Brazilian criminal procedure
and, therefore, may impact the whole Brazilian justice system.

KEYWORDS: Cooperation Agreement Organized Crime Act Brazilian Criminal Law


Accusatory System Parties Discretion.

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242 Sistema de Justiça e Colaboração Premiada: o desafio da conciliação

Sistema de Justicia y Colaboración Premiada: el desafío de conciliación


CONTENIDO: 1 Introducción 2 La jurisprudencia del Supremo Tribunal Federal: limitación de
actuación de las partes y función del magistrado 3 La colaboración premiada: legislación y
práctica 4 El conflicto con la jurisprudencia del Supremo Tribunal Federal: ¿época de cambio
jurisprudencial? 5 Conclusión 6 Referencias.

RESUMEN: El artículo realiza un análisis de la colaboración premiada (Ley brasileña


no 12.850/2013) y de cómo su práctica tiene se distanciado de manera sensible de la
consolidada jurisprudencia del Supremo Tribunal Federal sobre el sistema de justicia
brasileño. De ese modo, el artículo aborda inicialmente cuestiones específicas sobre
el Derecho Penal brasileño, que aprecia la limitación de la discrecionalidad de
las partes y por la centralidad del magistrado en la definición de culpa y pena del
acusado. El estudio, en la secuencia, analiza críticamente la práctica consolidada en
los acuerdos de colaboración premiada hechos en los últimos años, que se basan
en un modelo en lo cual las partes estipulan la pena, la manera y el tiempo para
que sean cumplidos. El texto, por lo tanto, concluye que el debate sobre la validad
de tales normas, sin restricción a casos específicos, pasa por cuestiones centrales al
derecho procesal penal brasileño, con consecuencias inequívocas a todo el sistema
de justicia del país.

PALABRAS CLAVE: Colaboración Premiada Ley de Organizaciones Criminosas


Derecho Procesal Penal Sistema Acusatorio Discrecionalidad de las Partes.

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1 Introdução

A ntes da Lei de Organizações Criminosas (Lei no 12.850/2011), que inseriu a


colaboração premiada no nosso sistema de justiça, a realização de acordos
era apenas uma realidade em crimes de menor gravidade, por meio dos institutos
da composição civil, da transação penal e da suspensão condicional do processo1.
Embora previssem benefícios para delatores, as normas anteriores não estipulavam
a realização de um acordo formal (BOTTINO, 2016), mas sim um modelo de
colaboração unilateral (SANTOS, 2017), em que o juiz, no momento da sentença,
valoraria a postura colaborativa do réu.
Assim, os acordos de colaboração premiada surgiram como uma grande
novidade no país e, em meio ao seu crescente uso em importantes investigações,
recebeu grande atenção da doutrina e da jurisprudência brasileiras.
Como qualquer novidade, a questão fundamental levantada refere-se a quais
contornos tais acordos devem receber no sistema jurídico brasileiro. Em especial,
tem-se a conformação do instituto, de feição marcadamente negocial, ao Direito
Penal e Processual Penal brasileiro, de forte tradição romano-germânica e, portanto,
acostumado à centralidade do papel do juiz na condução do processo e pouco
afeito às transações entre acusação e defesa. Exemplo claro disso foi a decisão
proferida pelo Min. Ricardo Lewandowski, que determinou a devolução de acordo de
colaboração premiada à Procuradoria Geral da República em razão de as cláusulas
nele previstas confrontarem o sistema processual penal brasileiro (BRASIL, 2017a).
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), em diversas ocasiões,
manifestou-se sobre temas relacionados a esse debate, marcando importantes
limites a outras práticas negociais existentes na legislação brasileira, bem como
resguardando as relevantes funções do juiz no processo penal. Não obstante, os
acordos de colaboração premiada homologados em diversas operações – inclusive
em decisões da Suprema Corte – revelam uma prática que aparenta conflitar com
todo esse arcabouço jurisprudencial formado durante os últimos anos.
O presente artigo, assim, procura lançar uma discussão sobre como a prática
até então consagrada nos acordos de colaboração premiada se relacionam com os
entendimentos consagrados pelo Supremo sobre a liberdade, inclusive negocial, das
partes no âmbito do processo penal, bem como quanto à função do magistrado na
condenação do acusado e na individualização de sua pena. Com base neste estudo,

1 Sobre a expansão dos espaços de consenso, ver: VASCONCELLOS, 2015.

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244 Sistema de Justiça e Colaboração Premiada: o desafio da conciliação

será explicitado como a Corte encontra-se atualmente em um momento de inflexão,


no qual deve definir os rumos de sua jurisprudência sobre o direito penal, com
grandes consequências ao sistema jurídico como um todo.
Para tanto, a primeira parte do artigo abordará, sob uma perspectiva
constitucional, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca da limitação da
atuação das partes no processo penal e as funções essenciais do juiz. Posteriormente,
na segunda parte, o texto abordará brevemente a legislação que rege os acordos de
colaboração premiada e explorará as cláusulas que têm se tornado corriqueiras nas
diversas investigações conduzidas no país. A partir desse quadro geral, a última parte
revelará como a prática estabelecida principalmente pelo Ministério Público Federal
encontra-se em claro conflito com importantes precedentes firmados pelo STF, o
que, para além da discussão específica sobre a validade de tais cláusulas, provocará
a Corte a se manifestar ou pela reafirmação do entendimento até então firmado ou,
ao contrário, por uma verdadeira mudança no sistema de justiça brasileira.

2 A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: limitação da atuação das partes e


função do magistrado

2.1 As partes no processo penal brasileiro


No sistema processual penal brasileiro, as funções de acusar, defender e julgar
encontram-se separadas em sujeitos distintos na ação penal. A superação do modelo
inquisitorial levou o Estado – o qual anteriormente poderia autoexecutar o seu poder
punitivo – a submeter tal potestas a um processo entre partes, como uma forma de
coibir abusos e, assim, alcançar uma punição legítima (TOURINHO FILHO, 2010, p.
30-32). Disso decorre que, ao contrário do que ocorre no processo civil, o processo
penal, embora fundado em um processo entre partes, não se encontra regido pela
discricionariedade dessas, uma vez que é o caminho necessário e indeclinável à própria
existência do Direito Penal e, portanto, da pena (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 51-59). Na
realidade brasileira, essa limitação às partes mostra-se evidente.
A acusação foi atribuída pela Constituição de 1988 ao Ministério Público – órgão
autônomo de todos os poderes da República, a que compete “proceder, privativamente,
a ação penal pública” (art. 129, I). No entanto, seu reconhecimento enquanto parte do
processo penal e sua parcialidade na busca pela condenação do réu são ainda hoje
alvo de discussão na doutrina.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 21 n. 124 Jun./Set. 2019 p. 240-261


http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2019v21e124-2019
Gilmar Ferreira Mendes 245

Isso se deve ao fato de que o Ministério Público não se resume a um simples


órgão de acusação, pois, por própria disposição constitucional, a ele incumbe – de
forma geral – “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis” (art. 127). Nas palavras do Supremo Tribunal
Federal, o Ministério Público “é guardião, é custodiador do próprio Direito Positivo”,
de modo que “seja para lavrar um parecer, seja para oferecer uma denúncia, ou
não oferecer, seja, ainda, para pedir a absolvição de quem já foi denunciado e até
mesmo deixar de recorrer da decisão penal absolutória” o Ministério Público estará
cumprindo a sua função (BRASIL, 2011).
Assim, o promotor brasileiro não pode ser entendido como uma parte que
coleta informações e evidências e as organiza no sentido de necessariamente
obter a condenação do indivíduo. Mesmo autores que consideram não ser possível
afirmar a imparcialidade do Ministério Público, por encontrar-se em um dos polos da
demanda, é inegável que reconhecem as suas limitações enquanto agente público,
que deve, por preceito constitucional, agir de forma imparcial (LOPES JÚNIOR, 2014,
p. 387; TOURINHO FILHO, 2010, p. 30). Ele, na realidade, integra uma cadeia de
instituições direcionadas à correta aplicação da lei penal e, como destaca Lenio
Streck, não deve ser visto como um “órgão de acusação”, mas como “um órgão estatal
que, constitucionalmente, recebe a incumbência – portanto, legitimidade – para
fazer essa acusação” (2009, p. 130).
Antes mesmo da formação da ação penal, o Ministério Público desempenha
importante papel nas investigações do caso. Segundo o Supremo Tribunal Federal,
o Ministério Público e a Polícia são “incumbidos, ambos, da persecução penal e da
concernente apuração da verdade real” (BRASIL, 2015). Dessa forma, as diligências e
investigações levadas a cabo pelos promotores brasileiros possuem caráter oficial,
de modo que eles, consoante o STF, “não podem sonegar, selecionar ou deixar de
juntar, aos autos, quaisquer desses elementos de informação” (BRASIL, 2009a).
Além disso, a atuação do Ministério Público não se submete a um regime de
ampla discricionariedade em guiar a pretensão punitiva do Estado, pois se encontra
submetido ao princípio da obrigatoriedade. Por esse motivo, a doutrina destaca que
não é possível a simples decisão de não oferecer a denúncia, na medida em que
as únicas opções dadas ao órgão de acusação são: apresentar a denúncia, quando
presentes seus pressupostos; requerer novas diligências à polícia, a fim de aclarar
mais os fatos; ou solicitar o arquivamento ao juiz, na ausência de condições para
levar a cabo a ação penal (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 384-385). O não oferecimento de

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uma denúncia não deriva de um ato de vontade do promotor, mas decorre de um


pedido fundamentado e aceito pelo juiz da causa, que pode exigir a reapreciação do
caso por parte do procurador geral (art. 28, CPP), cuja opinião, apesar de vincular o
judiciário, não prescinde de sua decisão.
Vale destacar que a diferença não é meramente simbólica, pois o arquivamento,
feito por decisão judicial, acaba por se tornar definitivo (BRASIL, 2008; 2004) ou,
nos casos em que o pedido foi feito por insuficiência de provas, imutável enquanto
inexistirem novas provas (Súmula 524/STF) ou pelo menos indícios dessas (BRASIL,
2013a). Mesmo um inquérito arquivado com base na insuficiência de provas por
pedido do Procurador-Geral da República não pode ser desarquivado por um
simples ato de vontade. Segundo o STF, a decisão de arquivar uma investigação é
irretratável, pois o contrário significaria deixar “o indivíduo sujeito aos bons e aos
maus humores de representantes do Ministério Público” (BRASIL, 2004a).
Essa situação mostrou-se também clara nas discussões do Supremo quanto aos
institutos da Lei no 9.099/1995, como no caso da negativa do Ministério Público em
oferecer a suspensão condicional do processo a um determinado indivíduo (BRASIL,
1997). Na oportunidade, destacou-se que, embora não fosse possível obrigar o parquet
a oferecer o acordo, dado o caráter negocial do instituto, igualmente não seria cabível
submeter o imputado aos auspícios do promotor do caso. Dessa forma, o Supremo
entendeu por uma aplicação analógica do art. 28 do CPP, possibilitando que o
magistrado da causa, entendendo cabível o acordo, submeta ao procurador-geral a
recusa do promotor. Segundo destacado pelo Min. Sepúlveda Pertence, a aplicação
de tal artigo serviria para compatibilizar a discricionariedade presente nesse tipo de
transação à própria unidade do Ministério Público, que, “com muito maior legitimidade”,
pode exercer o “papel de agente criativo e não arbitrário de uma política penal”.
A inexistência de ampla disponibilidade sobre os rumos do processo penal
também se verifica do ponto de vista do réu. Isso porque, ainda que – em tese – as
prerrogativas do contraditório e da ampla defesa sejam conferidas em seu interesse,
e a condenação traga prejuízos imediatos apenas a este, o sistema processual penal
preza pela busca da correta aplicação da lei penal, o que não pode ser desconstituído
por um simples ato de vontade do acusado.
Nesse sentido, entende-se que, no processo penal, o acusado não apenas
deve obrigatoriamente se defender, mas necessita ser assistido por defesa técnica
(TOURINHO FILHO, 2010, p. 31). A participação de advogado no processo é considerada
irrenunciável, como expressão tanto do contraditório quanto do próprio interesse

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da sociedade em ter o crime devidamente apurado (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 574).


Inclusive, o Código de Processo Penal permite a nomeação de defensor dativo para
atuar na causa e minimamente promover os interesses do acusado (CPP, art. 263).
Foi o que ocorreu em um caso julgado pelo STF em que, muito embora o réu
insistisse na permanência de um advogado específico em sua causa, o Tribunal
entendeu que a “liberdade de escolha do advogado não pode expor o réu a
situações que se revelem aptas a comprometer, gravemente, o seu status libertatis”
e destacou, ainda, que

Se o acusado, reputado indefeso pelo juiz, vem, não obstante essa anômala
situação, a novamente constituir o mesmo profissional que se revelou
incapaz de dar conteúdo e substância à cláusula constitucional que garante
a plenitude de defesa, torna-se lícito ao magistrado processante dar-lhe
defensor dativo para, desse modo permitir que se realize, no processo penal
condenatório, em toda a sua plenitude, uma verdadeira contraposição de
órgãos homogêneos (BRASIL, 1994).

Por razões semelhantes, a confissão igualmente não possui a capacidade de levar


à condenação do réu, podendo o juiz, em conjunto com as demais provas dos autos,
analisar a sua veracidade (CPP, art. 200). Conforme alerta Tourinho Filho (2010, p. 60),
o réu, no processo civil, pode, via de regra, reconhecer a procedência do pedido e, com
isso, levar à extinção do processo com resolução do mérito. Por outro lado, o autor
destaca que “no Processo Penal, não; a confissão não passa de simples meio de prova”.

2.2 A função do juiz: avaliação da culpabilidade e da dosimetria


A limitação à atividade das partes igualmente se evidencia pela centralidade
do papel do juiz na avaliação das provas produzidas nos autos e no correto
dimensionamento da resposta penal. Como afirmado acima, a criação de um
processo penal de partes constituiu-se como elemento fundamental para correta
aplicação da lei penal. Para restringir a possibilidade de abusos, o Estado definiu
a necessidade de submissão da pretensão punitiva a um rito pré-estabelecido,
assegurando ao indivíduo o direito ao contraditório e à ampla defesa, com o
posterior julgamento por um agente estatal imparcial – o magistrado competente.
Esta necessidade é expressa nos princípios nulla poene sine judie e nulla poena sine
judicio (TOURINHO FILHO, 2010, p. 33).
Dessa forma, o processo e a decisão final do juiz revelam-se elemento necessário
ao Direito Penal. Sobre a questão, o tratamento conferido pelo Supremo Tribunal

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Federal aos institutos da Lei no 9.099/1995 demonstra como a vontade das partes não
pode se sobrepor à necessidade de observância do devido processo legal, bem como
à necessidade de prévia condenação da parte pelo magistrado. Tal discussão decorreu
essencialmente da problemática quanto ao descumprimento de transações penais, em
que se passou a questionar se o processo deveria ser retomado ao momento no qual
ocorrera o acordo ou se, ao contrário, a pena imposta por meio do acordo deveria ser
comutada, na forma do Código Penal, em pena privativa de liberdade.
Ao apreciar o caso, o Tribunal destacou que a decisão de homologação do
acordo não implicava o reconhecimento de culpa do agente, o que somente poderia
ser atestado com a correta apuração dos fatos segundo o devido processo legal,
com a posterior decisão final do magistrado competente (BRASIL, 2000; 2009c).
Para a Corte, a imposição da pena privativa de liberdade somente seria cabível com
o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Na mesma esteira, o STF,
em outro caso, definiu a impossibilidade de se determinar a perda de bens que
constituem produto de crime nos casos de transações penais (BRASIL, 2015a). A
Corte entendeu que tal restrição ao direito de propriedade somente poderia ocorrer
com a configuração da culpa da parte e, portanto, com a sua condenação.
O princípio da culpabilidade revela-se como um dos principais pontos da
arquitetura dogmática da colaboração premiada a ser debatido. O princípio da
culpabilidade é um dos pilares do Estado Democrático de Direito e é hoje reconhecido
como uma garantia constitucional do indivíduo em face da violência estatal, como
limitador axiológico do jus puniendi (KAUFMANN, 1961, p. 15). A disposição de que
não há punição sem culpa – nulla poena sine culpa – representa uma conquista
histórica do direito penal democrático e uma das categorias mais importantes de
todo direito penal (STRATENWERTH, 1977, p. 7 e 40 e ss). Por essa razão, não deve
o princípio da culpabilidade deixar perder-se por novas construções dogmáticas
ligadas ao instituto da colaboração premiada.
Nessa linha de raciocínio, o doutrinador alemão Achenbach nos ensina que
a “culpabilidade, como elemento da lei penal, deve ser o regulador essencial da
persecução penal, bem como um anteparo para o exercício da violência estatal na
proteção dos direitos fundamentais” (ACHENBACH, 1974, p. 9)2.
A imprescindibilidade do julgamento pelo magistrado também é afirmada nas
discussões sobre a chamada “prescrição em perspectiva”, na qual esta é reconhecida

2 Do original, em alemão: Schuld als Bestandteil des Strafgesetzes ist der wesentliche Regulator für die
Strafverhängung und damit für eine Grundrechte berührende Ausübung staatlicher Gewalt.

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tendo como base uma possível pena em concreto a ser aplicada ao réu. Nesses casos,
mesmo levando à extinção da punibilidade, o Supremo tem se manifestado de forma
clara quanto à impossibilidade de se buscar antever o julgamento futuro, ao impedir
“a cognição do fato pelo Poder Judiciário, mediante juízo prévio de culpa – pressuposta
à pretensão punitiva –, sem observância do devido processo legal” (BRASIL, 2009b).
Além da configuração da culpa, o Supremo Tribunal Federal tem destacado a
relevância do magistrado à definição em concreto da resposta penal do Estado, por meio
da individualização da pena. Tal princípio exige que as penalidades a serem aplicadas
aos infratores levem em considerações as nuances específicas de cada caso, sem colocar
– como afirmado pelo STF – “situações desiguais na mesma vala” (BRASIL, 2013) e
guiando-se “no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado” (BRASIL, 2010b).
Entende-se que tal princípio se expressa em 3 momentos principais: um
legislativo, no qual se definem, em abstrato, as penalidades mínimas e máximas
para cada tipo penal, bem como se estabelecem comandos gerais para regrar as
fases seguintes da individualização; um judicial, cuja essência é realizar a dosimetria
da pena específica de cada caso individual, definindo-se, de forma concreta e
singular, a penalidade a ser aplicada e a sua forma de cumprimento; o último é o
administrativo, em que se permite diferenciar cada indivíduo preso a partir de sua
resposta e comportamento dentro do sistema penal3.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal salienta que todos esses três
momentos são essenciais à concretização de tal princípio, não podendo o
legislador, ao estabelecer regramentos abstratos sobre o tema, impor restrições
desproporcionais às etapas seguintes:

É certo que o inciso XLVI do art. 5º da Constituição não regulou, por si


mesmo, as condições ou os requisitos da individualização da pena.
Convocou o legislador de segundo escalão para fazê-lo (...). Mas não é
menos certo que se cuida de um transpasse de poder normativo que não
priva o dispositivo constitucional de toda e qualquer dimensão eficacial
imediata. É exprimir: o preceito constitucional em exame não prescinde
da intercalação da lei comum, e fato, porém não é de ser nulificado por
ela. Se compete à lei indicar os parâmetros de densificação da garantia
constitucional da individualização do castigo, a esse diploma legal não
é permitido se desgarrar do núcleo significativo binário que exsurge da
Constituição mesma: o momento concreto da aplicação da pena privativa
de liberdade, seguido do instante igualmente concreto do respectivo
cumprimento em recinto penitenciário (BRASIL, 2006).

3 Foi o que restou decidido nos Habeas Corpus no 82.959 (BRASIL, 2006) e 97.256 (BRASIL, 2010).

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A importância da individualização como uma prerrogativa do juiz da causa foi


definida em uma série de julgados do Supremo Tribunal Federal, em que se declarou
a inconstitucionalidade de normas que reduziam o espaço do magistrado em avaliar
as circunstâncias individuais do réu/condenado e dimensionar a resposta penal à
situação concreta. Tal foi o caso, por exemplo, da vedação à progressão de regime
para condenados por crimes hediondos, no qual o STF entendeu que a restrição
vulnera o direito dos presos à individualização da pena (BRASIL, 2006).
Em outra oportunidade, o Tribunal, ao declarar a inconstitucionalidade da Lei
de Drogas na parte em que proibia a conversão da pena privativa de liberdade em
restritiva de direitos, afirmou que a legislação não pode “subtrair do juiz sentenciante
o poder-dever de impor ao delinquente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se
como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de
circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo” (BRASIL, 2010)4.

3 A colaboração premiada: legislação e prática


A colaboração premiada foi introduzida no direito brasileiro por meio da Lei
de Organizações Criminosas (Lei no 12.850/2013), adotando uma forma de acordo
no qual o imputado se compromete a colaborar com as investigações em troca de
benefícios. Segundo a lei, os benefícios são variados e podem ser o perdão judicial,
a redução da pena em até dois terços ou a substituição por restritiva de direitos (art.
4o). Além disso, figura-se também possível que o Ministério Público deixe de oferecer
denúncia caso o colaborador não seja o líder da organização e seja o primeiro a
colaborar de forma efetiva (art. 4º, §4º). Entretanto, caso o acordo seja firmado após
a sentença, apenas se mostra possível a redução da pena em até a metade ou a
progressão do regime mesmo sem o cumprimento total de seus requisitos objetivos
(art. 4º, §5º).
Na sistemática estabelecida na lei, o acordo deve ser negociado exclusivamente
pelo Ministério Público ou pela Polícia, enquanto ao magistrado cabe apenas
a homologação do acordo – momento no qual realiza um exame quanto a sua
regularidade, legalidade e voluntariedade (art. 4º, §7º) – e, posteriormente, no
momento da sentença, a concessão definitiva dos benefícios, mediante a avaliação
do cumprimento do acordo e a eficácia da colaboração.

4 No mesmo sentido, o HC no 104.174, sobre a progressão de regime em estabelecimento militar


(BRASIL, 2011a).

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O Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de se manifestar algumas vezes


sobre o tema e, assim, definir as principais balizas do instituto. Em um dos precedentes
mais relevantes (BRASIL, 2015), a Corte decidiu que o magistrado, ao proceder à
homologação, não realiza qualquer análise quanto às declarações do colaborador, mas
apenas, em uma atividade de delibação, afere a existência e a validade do acordo e,
caso necessário, glosa eventuais cláusulas consideradas ilegais. Já no momento da
sentença, segundo o STF, o juiz da causa poderia avaliar os resultados obtidos por
meio da colaboração, oportunidade na qual, atestada a sua efetividade, deve conferir
ao colaborador os benefícios previstos no acordo. Consoante o entendimento firmado
pelo Supremo, o delator possui o direito subjetivo a tais benefícios, de modo que, em
homenagem aos princípios da segurança jurídica e à proteção à confiança, é necessário
garantir o cumprimento do acordo tal qual estipulado.
Avançando o referido debate, o STF, ao analisar a questão de ordem na Pet.
7.074 (BRASIL, 2017), destacou a limitação do judiciário na formação e apreciação do
acordo, no qual não deve “se imiscuir no juízo de conveniência e oportunidade à sua
edição, restringindo-se a tutela jurisdicional, ao menos nesse momento incipiente, à
verificação da conformidade do acordo com o ordenamento jurídico”. Nesse sentido,
o Plenário destacou que, uma vez atestada a legalidade do acordo por meio da
homologação, a sentença somente poderia anular o negócio jurídico no caso de
ilegalidade superveniente ou nos casos previstos no § 4º do art. 966 do CPC, o qual
regula a anulação de negócios jurídicos processuais.
Entretanto, a despeito de todo esse quadro legal e jurisprudencial, o que se tem
verificado é uma prática reiterada de acordos com cláusulas que desbordam de forma
clara a legislação de regência e, em alguns casos, a própria Constituição. Tal é o caso de
uma série de previsões que estabelecem, de forma detalhada, a pena a ser aplicada ao
colaborador, inclusive com a previsão de regimes inexistentes na legislação brasileira.
Outra prática relativamente comum é a previsão do cumprimento antecipado da pena,
sem, portanto, o aguardo da sentença penal condenatória.
A situação é apontada em uma série de estudos doutrinários sobre o tema.
Exemplo disso foi a análise feita por J. J. Gomes Canotilho e Nuno Brandão sobre dois
acordos firmados no âmbito da Operação Lava Jato (CANOTILHO; BRANDÃO, 2017).
No estudo, os autores revelam diversas cláusulas estranhas à Lei no 12.850/2013,
como: a redução da pena de multa; o cumprimento imediato da pena após a
homologação do acordo; a previsão dos períodos nos quais o colaborador cumprirá

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a pena em cada regime prisional; e a suspensão de procedimentos penais depois de


atingido determinado limite de pena estipulado entre as partes.
Em análise feita por Andrey Borges de Mendonça (2018), que possui opinião
favorável à prática, individualizaram-se as seguintes cláusulas:

(i) permissão para que familiares se utilizem de bens que sejam produto
de crime (veículos blindados adquiridos com produto da infração); (ii)
afastamento de efeitos extrapenais da condenação, em especial não
aplicação de perdimento a determinados bens, que seriam produto de
crime; (iii) aplicação de multas; (iv) o cumprimento da pena em regimes
diferenciados, como o regime fechado domiciliar, o aberto diferenciado
(em geral consistente no recolhimento domiciliar noturno), o regime
semiaberto diferenciado (em geral o recolhimento domiciliar noturno
durante a semana e em período integral aos fins de semana); (v)
recolhimento domiciliar noturno durante a semana; (vi) estabelecimento
de penas fixas (por exemplo, três anos em regime semiaberto) ou em
margens fixas (no mínimo três e no máximo cinco anos); (vii) condenação
a, no máximo, uma pena determinada (condenação à pena máxima
unificada de até 12 anos, por exemplo); (viii) suspensão de processos
e investigações; (ix) progressão per saltum, de regime diretamente do
fechado para o aberto; (x) suspensão da pena; e (xi) substituição da
prisão cautelar por outras medidas alternativas.

Diversos outros estudos também destacaram tais práticas (BADARÓ, 2018;


CAVALI, 2018). Inclusive, o Ministério Público Federal, por meio de suas Câmaras
de Coordenação e Revisão, elaborou uma orientação direcionada aos Procuradores
da República, na qual consagra uma série dessas cláusulas, como a previsão de um
limiar máximo de pena, a suspensão de procedimentos penais e a definição da “pena
que será efetivamente cumprida pela parte em regimes a serem definidos no acordo”
(BRASIL, 2018). Em outro momento, a Orientação destaca que “em caso da previsão
de regimes diferenciados, suas regras devem ser detalhadas no acordo”.
De fato, mostra-se evidente que as práticas desenvolvidas no âmbito da
Operação Lava Jato não encontram previsão expressa na lei aplicável. Entretanto,
o reiterado uso dessas cláusulas – aliado também à própria consagração em
orientações do MPF – demonstra que não se trata de fatos isolados, mas sim de uma
situação consolidada sobre a qual o Supremo Tribunal Federal deverá se pronunciar.

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4O conflito com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: momento de


mudança jurisprudencial?

O estabelecimento das cláusulas acima destacadas não ocorreu sem críticas por
parte da doutrina, a qual se debruçou sobre diversos artigos sobre a sua validade
em face da legislação e da Constituição Federal. Entretanto, para além da discussão
sobre a sua correição, mostra-se evidente que parcela dessas práticas encontra-se na
contramão dos entendimentos formados ao longo dos anos pelo Supremo Tribunal
Federal sobre o nosso sistema processual penal e, especialmente, sobre as garantias
fundamentais previstas no texto constitucional.
A simples comparação entre os julgados citados no presente artigo com algumas
cláusulas também aqui destacadas demonstra esse conflito. De início, é forçoso
reconhecer que o estabelecimento, nos acordos, de cláusulas e benefícios não previstos
em lei contraria de forma clara o entendimento consagrado sobre o funcionamento do
nosso sistema processual penal, o qual limita de sobremaneira a discricionariedade
das partes e, quando não, apenas a tolera nos estritos limites da legislação.
Compreendido o nosso sistema de justiça penal como uma criação para a legítima
aplicação da pena, parece evidentemente desconectada de tal premissa qualquer
interpretação que busque consagrar a plena liberdade das partes na negociação
dos acordos. Afinal, o estabelecimento de um processo de partes foi definido com
o objetivo de se alcançar a devida aplicação da lei penal, não para fundamentar
uma exegese privatista, que tem como consequência direta a vulneração das mais
básicas garantias processuais-penais.
Isso pode ser percebido em casos nos quais, para além da ausência de autorização
legal, os acordos firmados apresentam cláusulas que significam a renúncia a direitos
fundamentais. O cumprimento antecipado da pena mostra-se como claro exemplo de
tal situação. Por meio de tal cláusula, a parte abre mão do prévio processo judicial e
de seu julgamento definitivo pelo magistrado, os quais são considerados requisitos
necessários à submissão de um indivíduo à pena privativa de liberdade, conforme
visto na consolidada jurisprudência sobre os institutos da Lei no 9.099/1995. Ao
assim proceder, a cláusula acaba se imiscuindo na própria atividade judicial, pois o
cumprimento da pena não prescinde da sentença do juiz competente.
Outra previsão que se mostra em contradição com o sistema processual penal
brasileiro é a definição detalhada e específica das penas a serem aplicadas ao
colaborador. Isso porque, além da evidente ausência de autorização legal, a cláusula
acaba por retirar do magistrado a sua prerrogativa constitucional de individualizar

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a pena do acusado, por meio da definição do período ao qual a parte estará sob
custódia e do regime inicial a ser observado, bem como – posteriormente, de
acordo com a menor ou maior resposta do preso – da concessão de eventuais
progressões de regime.
Vale destacar que, segundo o Supremo Tribunal Federal, nem mesmo a lei
poderia retirar do magistrado a possibilidade de avaliar as circunstâncias individuais
de cada acusado e, com base nelas, dimensionar a devida resposta na forma de
pena, o que incluiu também a própria progressão de regime. Ora, se nem mesmo
ao legislador ordinário é dado limitar tal espaço reservado ao juiz – sob a pecha
de inconstitucionalidade –, evidentemente não será o Ministério Público a quem
caberá, por meio de um acordo, vincular de forma total o magistrado.
Ainda mais grave, a possibilidade de definição de novos regimes de cumprimento
chama atenção não apenas pela ausência de previsão legal, mas também pela
própria vulneração do regramento constitucional sobre a individualização da pena.
Como visto, tal preceito figura-se como um direito do acusado e manifesta-se em
três fases principais: a legislativa, a judicial e a administrativa. A criação de um
novo regime de forma casuísta e por meio de um acordo claramente afronta essa
sistemática, a qual, além de conferir ao magistrado a definição da forma de execução
da pena, exige que a individualização seja feita na forma da lei.
Nesse sentido, o que se percebe é que o Ministério Público Federal, com a
aceitação do próprio Poder Judiciário, tem adotado uma prática que contradiz
frontalmente a jurisprudência consolidada sobre múltiplas questões do direito
penal e processual penal brasileiro. Com base em uma interpretação bastante
singular do sistema acusatório, criou-se um sistema no qual, por um lado, as partes
tornam-se detentoras de uma discricionariedade estranha ao próprio interesse
público existente no processo penal e, por outro, o juiz – teoricamente vinculado
à correta aplicação da lei penal – passa a ser mero expectador das tratativas
das partes, as quais definem o crime, a pena, o início do seu cumprimento e
até mesmo o regime prisional. Conforme destaca Badaró, de um suposto modelo
acusatório, o que se vê é a formação de “um retorno a um modelo de concentração
de funções: o Ministério Público investigou, estabeleceu a verdade dos fatos,
decidiu, estabelecendo a pena que foi aceita pelo colaborador resignado, e puniu”
(BADARÓ, 2018).
Caberá ao Supremo Tribunal Federal, em algum momento, aferir a validade dessas
cláusulas. Entretanto, o que resta claro a partir da presente análise é que, antes de

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uma discussão sobre uma prática específica ou sobre uma operação em particular,
encontra-se em debate a própria conformação do sistema penal do país. Isso porque, a
depender de como essas práticas serão afirmadas ou não pelo STF e de quais limites
serão impostos, são inegáveis os impactos ao direito processual penal brasileiro.

5 Conclusão
Como visto acima, a introdução dos acordos de colaboração premiada no Brasil
levantou uma série de discussões sobre os seus limites diante da legislação e da
Constituição Federal. Isso se deu especialmente em razão da pequena abertura
até então existente a práticas negociais no âmbito do direito penal brasileiro,
o qual, até pouco tempo, apenas permitia transações em processos envolvendo
casos de menor complexidade e gravidade. A questão, além de relevante pelo
crescente uso do instituto no país, mostra-se de grande importância para o avanço
jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal sobre pontos estruturantes do nosso
direito processual penal.
Nesse sentido, a primeira parte destacou como o entendimento firmado pelo STF
se baseia em um sistema de justiça que preza pela limitação da discricionariedade
das partes, ao estabelecer um processo voltado a legitimar o poder punitivo do
Estado. Dessa forma, o estudo demonstrou as evidentes restrições às iniciativas
da acusação e da defesa na ação penal. O Ministério Público volta sua postura à
correta aplicação da lei penal e não detém, assim, total ingerência sobre os rumos
do processo, tanto no que tange ao arquivamento do processo quanto à realização
de acordos como os previstos na Lei no 9.099/1995. O réu, por seu turno, tem a
obrigação de se defender e não pode simplesmente se resignar e aceitar a sua
condenação, como no processo civil.
A segunda, por outro lado, evidenciou as diversas práticas adotadas pelo
Ministério Público Federal – e referendadas pelo Judiciário – no âmbito dos acordos de
colaboração premiada, os quais contam com cláusulas sem previsão legal e, inclusive,
vulneram preceitos constitucionais de suma relevância à Constituição de 1988.
A terceira parte demonstrou como essa prática se confronta de forma direta
com uma série de entendimentos do Supremo Tribunal Federal e acaba por
estabelecer uma sistemática que tem conferido às partes grande discricionariedade
na formalização dos acordos, com a possibilidade de estabelecerem a pena a ser
aplicada ao réu, a forma e, inclusive, o momento de seu cumprimento.

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256 Sistema de Justiça e Colaboração Premiada: o desafio da conciliação

Assim, parece evidente que o debate que se colocará ao Supremo Tribunal


Federal sobre o tema, antes de restringir-se a casos e hipóteses específicas,
perpassa por questões centrais à conformação do direito processual penal
brasileiro, com consequências inequívocas não apenas à Operação Lava Jato, mas
a todo o sistema de justiça do país.

6 Referências
ACHENBACH, Hans. Historische und dogmatische Grundlagen der
strafrechtssystematischen Schuldlehre. Berlim: Lüderitz & Bauer, 1974.

BADARÓ, Gustavo Henrique. A colaboração premiada: meio de prova, meio de


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Maria Thereza de Assis; BOTTINI, Pierpaolo Cruz (orgs.). Colaboração Premiada. São
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BOTTINO, Thiago. Colaboração Premiada e Incentivos à Cooperação no Processo


Penal: Uma análise crítica dos acordos firmados na “Operação Lava Jato”. In: Revista
Brasileira de Ciências Criminais, v. 122/2016, p. 359-390, set./out., 2016.

BRASIL. Lei no 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e


dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações
penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá
outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2013/Lei/L12850.htm. Acesso em: 9 set. 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Habeas Corpus no 75.343.


Suspensão condicional do processo (L. 9.099/95, art. 89): natureza consensual:
recusa do Promotor: aplicação, mutatis mutandis, do art. 28 C. Pr. Penal.
Relator(a): Min. Octávio Gallotti. Relator(a) p/ Acórdão: Min. Sepúlveda Pertence.
12 nov. 1997. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.
jsp?docTP=AC&docID=75917. Acesso em: 9 set. 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Segunda Turma). Habeas Corpus no 79.572.


Habeas corpus - legitimidade - ministério público. (...) Transação - juizados especiais
- pena restritiva de direitos - conversão - pena privativa do exercício da liberdade
- descabimento. Relator(a):  Min. Marco Aurélio. 29 fev. 2000. Disponível em: http://
redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=78109. Acesso em:
9 set. 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Segunda Turma). Habeas Corpus no 84.156. Inquérito
policial - arquivamento ordenado por magistrado competente, a pedido do ministério
público,por ausência de tipicidade penal do fato sob apuração-reabertura da investigação

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 21 n. 124 Jun./Set. 2019 p. 240-261


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Gilmar Ferreira Mendes 257

policial - impossibilidade em tal hipótese - eficácia preclusiva da decisão judicial que


determina o arquivamento do inquérito policial, por atipicidade do fato - pedido de
“habeas corpus” deferido. Relator(a): Min. Celso de Mello. 26 out. 2004. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=384937. Acesso
em: 9 set. 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Inquérito no 2028. Denúncia


contra senador da república e outros agentes. Pedido de arquivamento do inquérito
pelo então procurador-geral da república. Posterior oferecimento da denúncia por seu
sucessor. Retratação tácita. Ausência de novas provas. IMPOSSIBILIDADE. Relator(a): 
Min. Ellen Gracie. Relator(a) p/ Acórdão: Min. Joaquim Barbosa. 28 abr. 2004. Disponível
em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=80676.
Acesso em: 9 set. 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Habeas Corpus no 82.959. Pena
- regime de cumprimento - progressão - razão de ser. (...) Pena - crimes hediondos
- regime de cumprimento - progressão - óbice - artigo 2º, § 1º, da lei nº 8.072/90
- inconstitucionalidade - evolução jurisprudencial. Relator(a): Min. Marco Aurélio.
23 fev. 2006. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.
jsp?docTP=AC&docID=79206. Acesso em: 9 set. 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Petição no 3.943. Inquérito


Policial. Arquivamento. Requerimento do Procurador-Geral da República. Pedido
fundado na alegação de atipicidade dos fatos. Formação de coisa julgada material.
Não atendimento compulsório. Necessidade de apreciação e decisão pelo órgão
jurisdicional competente. Inquérito arquivado. Precedentes. Relator(a): Min. Cezar
Peluso. 14 abr. 2008. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.
jsp?docTP=AC&docID=528755. Acesso em: 9 set. 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Primeira Turma). Habeas Corpus no 70.600. “Habeas
corpus” - crimes de tráfico de entorpecentes e de associação criminosa em matéria de
entorpecentes (...) Falta de comparecimento do defensor constituído em audiência
de instrução - designação de defensor “ad hoc” - possibilidade – (...) Superveniente
intervenção de advogado constituído - interposição de peça insatisfatória - réu
considerado indefeso - constituição do mesmo defensor pelo réu para atos
posteriores - indisponibilidade do direito de defesa - nomeação, pelo juiz, de defensor
dativo - garantia do direito de defesa - pedido indeferido. Relator(a): Min. Celso de
Mello. 14 abr. 1994. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.
jsp?docTP=AC&docID=601169. Acesso em: 9 set. 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Segunda Turma). Habeas Corpus no 87.610.


“habeas corpus” - crimes de tráfico de drogas e de concussão atribuídos a policiais
civis - possibilidade de o ministério público, fundado em investigação por ele
próprio promovida, formular denúncia contra referidos agentes policiais - validade
jurídica dessa atividade investigatória - condenação penal imposta aos policiais

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 21 n. 124 Jun./Set. 2019 p. 240-261


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258 Sistema de Justiça e Colaboração Premiada: o desafio da conciliação

- legitimidade jurídica do poder investigatório do ministério público - monopólio


constitucional da titularidade da ação penal pública pelo “parquet” (...) - limitações
de ordem jurídica ao poder investigatório do ministério público (...). Relator(a): Min.
Celso de Mello. 27 out. 2009. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/
paginador.jsp?docTP=AC&docID=606517. Acesso em: 9 set. 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Questão de Ordem no Recurso Extraordinário no


602.527. Ação penal. Extinção da punibilidade. Prescrição da pretensão punitiva “em
perspectiva, projetada ou antecipada”. Ausência de previsão legal. Inadmissibilidade.
Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário
provido. Relator(a): Min. Cezar Peluso. 19 nov. 2009. Disponível em: http://redir.stf.jus.
br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=607061. Acesso em: 9 set. 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Questão de Ordem no Recurso Extraordinário


no 602.072. Ação Penal. Juizados Especiais Criminais. Transação penal. Art. 76 da Lei
nº 9.099/95. Condições não cumpridas. Propositura de ação penal. Possibilidade.
Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário
improvido. Relator(a): Min. Cezar Peluso. 19 nov. 2009. Disponível em: http://redir.stf.jus.
br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=608631. Acesso em: 9 set. 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Habeas Corpus no 97.256. Habeas
corpus. Tráfico de drogas. Art. 44 da lei 11.343/2006: impossibilidade de conversão
da pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos. Declaração incidental
de inconstitucionalidade. Ofensa à garantia constitucional da individualização da
pena (inciso xlvi do art. 5º da cf/88). Ordem parcialmente concedida.  Relator(a): 
Min. Ayres Britto. 01 set. 2009. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/
paginador.jsp?docTP=AC&docID=617879. Acesso em: 9 set. 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Segunda Turma). Habeas Corpus no 97.969. Habeas
corpus. Penal e processual penal. Policial civil. Crime de extorsão. Desclassificação
para o delito de concussão. Legitimidade do ministério público. Controle externo
da atividade policial. Denúncia: crimes comuns, praticados com grave ameaça.
Inaplicabilidade do art. 514 do cpp. Ilicitude da prova. Condenação embasada em
outros elementos probatórios. Decisão condenatória fundamentada. Ordem denegada.
Relator(a):  Min. Ayres Britto. 01 fev. 2011. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/
paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=623228. Acesso em: 9 set. 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Habeas Corpus no 104.174.


Habeas corpus. Constitucional. Penal e processual penal militar. Execução da pena.
Progressão de regime prisional em estabelecimento militar. Possibilidade. Projeção
da garantia da individualização da pena (inciso xlvi do art. 5º da cf/88). Lei castrense.
Omissão. Aplicação subsidiária do código penal comum e da lei de execução penal.
Ordem parcialmente concedida.  Relator(a):  Min. Ayres Britto. 29 mar. 2011. Disponível
em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=623094.
Acesso em: 9 set. 2019.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 21 n. 124 Jun./Set. 2019 p. 240-261


http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2019v21e124-2019
Gilmar Ferreira Mendes 259

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Habeas Corpus no 93.815. Habeas
corpus. Roubo. Condenação. 2. Pedido de afastamento da reincidência, ao argumento
de inconstitucionalidade. Bis in idem. 3. Reconhecida a constitucionalidade da
reincidência como agravante da pena (RE 453.000/RS). 4. O aumento pela reincidência
está de acordo com o princípio da individualização da pena. Maior reprovabilidade
ao agente que reitera na prática delitiva. 5. Ordem denegada. Relator(a):  Min. Gilmar
Mendes. 04 abr. 2013. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.
jsp?docTP=TP&docID=3741890. Acesso em: 9 set. 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Habeas Corpus no 94.869.


Processual penal. Habeas corpus. Desarquivamento e reabertura de inquérito
policial. Prazo prescricional. Ausência de marco interruptivo desde a data dos fatos
que ensejaram a instauração do inquérito. Extinção da punibilidade. Prescrição.
Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski. Brasília, 25 jun. 2013. Disponível em: http://
redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=630061. Acesso
em: 9 set. 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Recurso Extraordinário no


593.727. Repercussão geral. Recurso extraordinário representativo da controvérsia.
Constitucional. Separação dos poderes. Penal e processual penal. Poderes de
investigação do Ministério Público. Relator(a): Min. Cezar Peluso. Relator(a) p/ Acórdão:
Min. Gilmar Mendes. 14 maio 2015. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/
paginador.jsp?docTP=TP&docID=9336233. Acesso em: 9 set. 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Recurso Extraordinário no


795.567. Constitucional e penal. Transação penal. Cumprimento da pena restritiva de
direito. Posterior determinação judicial de confisco do bem apreendido com base no
art. 91, ii, do código penal. Afronta à garantia do devido processo legal caracterizada.
Relator(a): Min. Teori Zavascki. 28 maio 2015. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/
paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=9353134. Acesso em: 9 set. 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Habeas Corpus no 127.483.


Habeas corpus. (...)Acordo de colaboração premiada. Homologação judicial (art. 4º, §
7º, da Lei nº 12.850/13). Competência do relator (art. 21, I e II, do Regimento Interno
do Supremo Tribunal Federal). Decisão que, no exercício de atividade de delibação,
se limita a aferir a regularidade, a voluntariedade e a legalidade do acordo. (...)
Negócio jurídico processual personalíssimo. Impugnação por coautores ou
partícipes do colaborador. Inadmissibilidade. (...). Sanção premial. Direito subjetivo
do colaborador caso sua colaboração seja efetiva e produza os resultados almejados.
(...) Precedente. Habeas corpus do qual se conhece. Ordem denegada. Relator(a):
Min. Dias Toffoli. 27 ago. 2015. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/
paginador.jsp?docTP=TP&docID=10199666. Acesso em: 9 set. 2019.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 21 n. 124 Jun./Set. 2019 p. 240-261


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260 Sistema de Justiça e Colaboração Premiada: o desafio da conciliação

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Questão de Ordem na


Petição no 7.074. Questão de ordem em petição. Colaboração premiada. I. Decisão
inicial de homologação judicial: limites e atribuição. Regularidade, legalidade
e voluntariedade do acordo. Meio de obtenção de prova. Poderes instrutórios do
relator. Ristf. Precedentes. ii. Decisão final de mérito. Aferição dos termos e da eficácia
da colaboração. Controle jurisdicional diferido. Competência colegiada no supremo
tribunal federal.  Relator(a):  Min. Edson Fachin. 29 jun. 2017. Disponível em: http://
redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14752801. Acesso
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2
264

Neglected and non-neglected diseases:


contradictions in the patent legal system1

MARCOS VINÍCIO CHEIN FERES


Doutor em Direito (UFMG). Mestre em Direito (UFMG). Professor associado e
Professor do Corpo permanente do Programa de Pós-graduação stricto sensu em
Direito e Inovação (UFJF). Professor colaborador do Programa de Pós-graduação
em Direito (UERJ). Pesquisador de produtividade do CNPq.

Artigo recebido em 2/7/2018 e aprovado em 12/4/2019.

CONTENTS: 1 Introduction 2 Methodology 3 Data analysis 4 Discussion of the results


5 Conclusion 6 References.

ABSTRACT: This case study, its development, and the production of drugs for
neglected diseases were analyzed based on methodological approaches of analytic
induction and the rules of inference. The question proposed of this study is, whether
legal acts, such as the Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPs)
Agreement and the Brazilian Industrial Property Rights Act fulfill their purpose of
promoting innovation as well as social aims, taking into consideration the failure
to develop and deliver health products for neglected diseases. The hypothesis to
be tested is that the patent legal system, as designed by the TRIPs Agreement, is
inefficient in achieving its own “morality of aspiration”, which can be expressed as
the tension between scientific innovation and social welfare. As a result, once the
data were analyzed, it was possible to infer, descriptively, that the patent system is
ineffective to achieve its aspiration regarding the social welfare.

KEYWORDS: Empirical Research Identity in Law Patent Social Welfare


Neglected Diseases.

1 ‘’This paper has the financial support of FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais) and
CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).’’

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Marcos Vinício Chein Feres 265

Doenças negligenciadas e não negligenciadas: contradições no sistema jurídico


de patentes

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Metodologia 3 Análise de dados 4 Discussão dos resultados


5 Conclusão 6 Referências.

RESUMO: O caso da pesquisa, do desenvolvimento e da produção de drogas para


doenças negligenciadas, é analisado com base na abordagem metodológica da
análise indutiva e das regras de inferência. O problema proposto neste estudo
consiste em saber se os atos legislativos, como o Acordo sobre Aspectos dos Direitos
de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPs) e a Lei Brasileira de
Propriedade Industrial, preenchem seus propósitos de promover inovação e interesse
social, considerando o fracasso para desenvolver e produzir produtos médicos para
doenças negligenciadas. A hipótese a ser testada é a de que o sistema jurídico de
patente, tal qual desenhado pelo Acordo TRIPs, é ineficiente para alcançar a sua
própria moralidade da aspiração, que pode ser expressa pela tensão entre inovação
científica e interesse social. Como consequência, uma vez analisados os dados, foi
possível inferir, descritivamente, que o sistema de patente é ineficiente para alcançar
a sua aspiração ligada ao interesse social.

PALAVRAS-CHAVE: Pesquisa Empírica Direito como Identidade Patente


Interesse Social Doenças Negligenciadas.

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266 Neglected and non-neglected diseases: contradictions in the patent legal system

Maladies négligées et non-négligées : contradictions dans le système juridique


de brevets

SOMMAIRE : 1 Introduction 2 Méthodologie 3 Analyse des donnés 4 Discussion des résultats


5 Conclusion 6 Références.

RÉSUMÉ : L’étude du cas, concernant la recherche, le développement et la production


de drogues pour les maladies négligées, s’est basée sur l’approche méthodologique
de l’analyse inductive et des règles d’inférences. La question proposée dans cette
étude verse sur si les actes législatifs, telles que comme l’Accord sur la Protection
de la Propriété Intellectuelle Liée au Commerce (TRIPs) et la loi Brésilienne sur
la propriété industrielle réussissent à promouvoir l’innovation autant que l’intérêt
social, en prenant en compte la défaite en développer et produire des bien médicaux
pour les maladies négligées. Quant à l’hypothèse à être testé, il s’agit que le système
juridique de brevets, conforme le modèle proposé dans les Accords TRIPs, est
inefficace pour achever sa propre moralité d’aspiration, qui peut être exprimée par
la tension entre l’innovation scientifique et l’intérêt social. Ainsi, une fois analysés
les données, il a été possible d’inférer, d’une façon descriptive, que le système de
brevets est inefficace à achever son aspiration liées de l’intérêt social.

MOTS-CLÉS : Recherche Empirique Droit comme Identité Brevet Protection


Sociale Maladies Négligées.

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Marcos Vinício Chein Feres 267

1 Introduction

T his research focuses on verifying whether the existing legal acts concerning
intellectual property rights are coherently articulated with their fundamental
values, such as the quest for scientific development and social welfare.
So as to evaluate either the effectiveness or ineffectiveness of the patent legal
system, the case of research, development, and production of drugs for neglected
diseases was selected based on the controversy between the economics of Research
and Development (R&D) concerning health products for neglected diseases and the
normative commands of the patent legal system. In order to make the case study more
compelling, instead of narrowing the search to medicines (or drugs) for neglected
and non-neglected diseases, it was intentionally decided to choose the wider term
of “search” common to the health-care industry, known as health products. This
means any tool or specific medicine, which may contribute to improving the health
of a patient. Pragmatically, the patent legal system isconceived as an instrument of
public policy, the essential characteristic of the institution of a patent. Taking this
into account, the patent legal system ought to achieve the fundamental goal of
guaranteeing the promotion of scientific development and social welfare.
The proposed question of this study is whether legal acts, such as the TRIPs
Agreement and the Brazilian Industrial Property Rights Act fulfill their purpose of
promoting innovation as well as social aims, taking into consideration the failure
to develop and deliver health products for neglected diseases. The hypothesis to
be tested is that the patent legal system, as designed by the TRIPs Agreement, is
inefficient in achieving its own “morality of aspiration”, which can be expressed as
the tension between scientific innovation and social welfare. The inefficiency is
measured through the cross-referencing of both the number of patent applications
and the global burden of each disease as far as the Disability-Adjusted Life Years
(DALY) can be applied to neglected diseases.
The methodological approach consists of the reconstruction of a system of
analytical concepts based on the necessary balance between the universalism
of norms, and the complexity of actual cases, taking into account the tension
between the morality of aspiration and the morality of duty, developed by Zenon
Bankowski. Stemming from this theoretical point of departure, the number of patent
applications, the amount of people affected by diseases and their global burden
are known facts of this research. These data are collected from different databases,

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268 Neglected and non-neglected diseases: contradictions in the patent legal system

respectively, the National Institute of Industrial Property Rights (INPI)1 website,


diverse official websites (as well as some bibliographical data) and the Institute for
Health Metrics and Evaluation (IHME) website. One of the instrumental objectives
of this research is to elaborate on three different tables utilizing the different sets
of data extracted from the websites. The number of patent applications is a valid
measure of the efficiency of the patent legal system, whereas the global burden of a
disease consists of a measure of its effects on the lives of the affected people.
Not only the website of the National Institute of Industrial Property Rights,
responsible for the registration of patents in Brazilian territory but also the Institute
for Health Metrics and Evaluation, an independent research center for storing data
concerning the global burden of a disease had been accessed. Before comparing the
number of patent applications and the global burden of a disease, it is necessary
to distinguish neglected from non-neglected diseases. The choice for the terms
‘’neglected’’ and ‘’non-neglected’’ derives from the necessity to overcome the current,
widely accepted, stereotypical taxonomy, that is, neglected and global diseases. Thus,
neglected diseases should be understood as a global problem while this taxonomy
may implicitly reveal a more relevant geographical-spatial status to global diseases
due to their effects around the globe. In this vein, the aim here is to expressly avoid
all the taxonomies referred to in the dichotomy between neglected and global
diseases, rooted in the traditional worldview of developed countries.
Before collecting the data, it was necessary to elaborate a critical methodological
procedure of analysis, establishing a mechanism of empirical research methodology
while following the rules of inference. This method enables the scrutiny of the logic
behind the patenting of health products for both types of diseases, relating this
patent to a certain behavior pattern, which might be a reflection either negative
or positive, of the implementation of the fundamental principle of scientific
development and social welfare. The aim of this empirical research is to offer a
viable alternative for interpreting the logic of the patent system, inferring whether
the administrative organization was designed in accordance with market rationale
(economic development) and its mainstream or in accordance with the episteme of
human rights (social welfare).
This paper is divided into four main parts. The first part is devoted to the
explanation of the methodology and theoretical references, essential tools for
promoting the analysis of the collected data. The second item is dedicated to the

1 Instituto Nacional da Propriedade Industrial (our translation).

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Marcos Vinício Chein Feres 269

analysis of data as well as the elucidation of the methodological procedure and


the interpretation of data. The last part consists of the discussion of the results,
demonstrating the descriptive inference deduced from the data collected on the
websites of INPI and IHME. Finally, a summary of the research is elaborated so as to
evaluate, not only the methodological procedure, but also, the descriptive inference
and the research hypothesis.

2 Methodology
According to Bankowski, “if you understood the aspirations behind the rule you
would see that the letter of the rule did not have to be followed no matter what
the cost” (2001, p. 71). This author affirms that legalism is the corrupted version of
legality, mistaking the rule as “being all there is to it” and, thus, neglecting that the
rule is “just a point on an aspirational scale”. Identity in law (FERES, 2013, p. 1158), as
a theoretical concept, signifies the necessary intertwining between legality and love,
inasmuch as love can be conceived as the aspirational ideal of a rule, but must never
replace it, as emphasized by Bankowski (2001, p. 73). Moreover, the idea of both
social solidarity and concern for the individual ethical choices serves to explain this
constant tension between legality and love in the realm of law as identity. Law as
identity is a Brazilian conception of Bankowski’s proposal of living lawfully. The law,
as identity, necessarily considers the cultural tensions involving how the perspectives
of Brazilian regulations should be reconfigured and restructured so as to absorb
the complexity of a national context of social and economic inequality, deliberately
avoiding Eurocentric neutrality or legal realism2. Searching for the aspirational ideal
of a legal system is crucial to measure the efficiency and the effectiveness of its rules
per se (the morality of duty). Considering this theoretical proposal, it is important to
affirm that the patent legal system is inefficient in fulfilling the aspiration of the law
concerning the tension between social welfare and scientific development. In this
specific case, it is relevant to point out that social welfare plays a crucial role in the
realm of law as identity, distinctly separating the Brazilian national context from the
Eurocentric and North-American international agendas.
One of the main points of departure of this research is the legal rule, expressed
in article 7 of the TRIPs Agreement:

2 “Legal realism” is utilized here in the same sense used by Bankowski.

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270 Neglected and non-neglected diseases: contradictions in the patent legal system

The protection and enforcement of intellectual property rights should


contribute to the promotion of technological innovation and to the
transfer and dissemination of technology, to the mutual advantage
of producers and users of technological knowledge and in a manner
conducive to social and economic welfare, and to a balance of rights and
obligations (WTO, 2017).

The TRIPs Agreement explicitly refers to social and economic welfare as goals of
technological development. The aspiration of the Agreement is, in fact at the same
time, the quest for welfare, both economic and social. The morality of aspiration
in the Agreement is rooted between the tension of economic development and
social welfare. From the Bankowskian point of view, the patent legal system will be
effective only if it is orchestrated, managed and applied so as to fulfill the morality
of aspiration. The legal aspect of the agreement demands the achievement of social
welfare goals while putting the rules per se, derived from the patent system, into
action. From the perspective of law as identity, social welfare ought to be a priority,
taking into account the needs of the Brazilian population, for example, the possibility
that healthcare products for neglected diseases might be insufficiently developed
or produced.
Ghosh (2008, p. 120) advocates the idea that a patent should not be viewed
and applied as a property right; nevertheless, he conceives a patent as a regulatory
system, reinforcing the perspective that a patent is a combination of public resource
and “owner’s right”. Thus, it is correct to conceive a patent as a fusion of both an
instrument of public policy and the owner’s exclusive right, as fairly agreed among
Brazilian Economic Law scholars (BARBOSA, 2003, p. 626; FERES, 2012, p. 384-388;
VAZ, 1992, p. 414). Theoretically, Souza (1999, p. 25) emphasizes that the object of
study, regarding Economic Law, is the “juridification” of public or economic policy.
According to Bessen and Meurer (2008, p. 216), the patent can be conceived, as an
economic policy instrument. Nonetheless, so as to provide positive incentive, its
legislation, as it is known these days, should be reformed (BESSEN; MEURER, 2008,
p. 217). Bearing this idea of a patent as an economic policy instrument in mind, this
research intends to analyze the patent legal system taking as a point of departure
the number of patent applications as a means of measuring the efficiency and
inefficiency to fulfill the aspiration of the patent legal system, focusing on the case
study of production and development of health products for neglected diseases.
Moreover, Chang (2001, p. 290-304) demonstrates that, historically, at the
beginning of industrial development in the now-advanced countries, intellectual

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Marcos Vinício Chein Feres 271

property rights were not fully respected, which is contradictory to the sort of pressure
developed countries put on the now-developing countries to comply with strict
international regulations regarding intellectual property rights. Hereof, Boldrin and
Levine (2013, p. 19) claim that the agenda of international agencies with regards
to intellectual property rights is rather biased, for the international organs are more
likely to defend the economic interests of developed countries to the detriment of the
social needs of developing countries. Constantly, so as to maintain the conventional
patent advocacy, as well as the enforcement of the rules per se disregarding social
welfare, which is also a relevant principle in the legislation, developed countries
have withdrawn the aspiration of article 7 of the TRIPs Agreement. Therefore, it
is relevant to collect and analyze evidence concerning the patenting of health
products for neglected vis-à-vis3 non-neglected diseases so as to detect the sort of
prioritization the patent legal system is encouraging.
Belleflamme emphasizes that the dynamics of the market rest on prioritizing
R&D based on potential demand level while ignoring great social needs (2008, p.
221). According to Boldrin and Levine, a relevant question should be asked: “did
patentability of basic biomedical innovations create an incentive to engage in more
socially valuable research projects and investigations?” (2008, p. 228). This proposed
empirical research on the effectiveness of the patent legal system intends to collect
empirical evidence that patentability has not been creating an incentive to engage
in more socially valuable research projects for neglected diseases in Brazil. Boldrin
and Levine propose that, only if the worldwide gains from price discrimination are
unexpectedly low, will pharmaceutical corporations be attracted to the development
and production of drugs for neglected diseases in Africa and Latin America (2008,
p. 224-226). Dietsch develops the needs principle in his work, elucidating that
the distribution of health goods should be executed taking into consideration the
medical needs rather than the consumers’ willingness and ability to pay (2008, p.
236-238). He demonstrates that diseases with a higher global disease burden in
developing countries receive disappointingly lower investments in R&D.
The objective of this research is to empirically substantiate these
aforementioned theoretical statements. In fact, the universe of data collection is
the patent applications submitted to, as well as patents granted by, the National
Institute of Industrial Property Rights in Brazil. The sample is extracted from this

3 In relation to (our translation).

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272 Neglected and non-neglected diseases: contradictions in the patent legal system

universe of observation, taking into account the comparison between neglected


and non-neglected diseases.
As a result of data collection, four types of samples concerning the stage of
patent files can be detected, such as patent pending, patent grant, patent rejection,
and patent application discontinuity. The category of patent application discontinuity
refers to the applications that are archived, annulled, extinct or withdrawn, as well
as those, whose abandonment or refusal of the application in the national phase
are verified. The patent files are archived due to the following legal reasons: (a)
the absence of a formal request for the examination of the patent in the terms
of article 33 of the Brazilian Industrial Property Rights Act; (b) the non-fulfillment
of the demands required by article 34 of the same Act; (c) the lack of the annual
tariff payment within the legal deadline as well as the non-fulfillment of the
complementation of the annual payment in accordance with article 86 of the
aforementioned Act; (d) the lack of response to the requirement demanded by the
official agency (article 36, §1); (e) the absence of proof of payment for the issuing of
the patent letter (article 38, §2); or (f) non-presentation of the powers of attorney
demanded in the formal procedure or due to the application of a later request, once
the administrative timeframe has ended (articles 216, §2 and 17, §2) (BRASIL, 1996).
The patent applications, which have been granted or are, still being processed,
are terminated when they have gone beyond the twenty-year timeframe or the annual
tariff has not been paid on time, generating the extinction stated in article 78 of the
Brazilian Industrial Property Rights Act. The annulled applications refer to those whose
annulments are administratively and judicially granted, in the terms of article 50 to
55 of the same Act. The withdrawn applications are those which were filed following
the rules of the Patent Cooperation Treaty (PCT) in Brazil, nonetheless, do not meet
the requirements determined by articles 22 and 39 of the PCT, or those which are
simply withdrawn by the applicant, in accordance with article 29 of the Brazilian Act
(BRASIL, 1996). This arrangement serves to interpret not only the amount of patenting
files concerning health products for neglected diseases but also the evidence of an
institutional failure affecting the administrative agency.
Following Pires’s (2012, p. 190) methodological perspective, this research
puts forward analytical-theoretical generalizations, which are the result of an
empirical-qualitative procedure. The final purpose is to, stemming from a specific
case study and extracting its essential features, yield theoretical generalization,
such as the legal system fails to provide incentives for patenting products

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for neglected diseases. Succinctly, the target of this research is to investigate


if the patent legal system fulfills its aspiration of fostering, not only scientific
innovation but also social welfare. The analytical induction intended herein is
derived from the case study of the patenting of health products for neglected
and non-neglected diseases. However, the case study is constructed taking into
perspective the contrast among the samples of patent files concerning neglected
and non-neglected diseases. So as to produce the appropriate analytical induction,
proposed by Pires (2012, p. 192), the rules of inference elaborated according
to Epstein and King are followed in order to produce a descriptive inference
related to the failure of the patent legal system to incentivize the production and
development of health products for neglected diseases (2002, p. 29).

3 Data analysis
The official website of the National Institute of Industrial Property Rights (INPI,
2017) was accessed in order to, firstly, map out the patent system. Secondly, as the
website had been scrutinized, the patent data basis was revealed and extracted. In
order to do this, it was necessary to click on the following links: “services”, “trademark”,
“patent”, “industrial”, “design”, “software” and “continue”. Subsequently, one is redirected
by the website to a point where one can select “basic research for patents” and the
search for the selected neglected and non-neglected diseases is possible to execute.
The type of web research utilized is the one called “basic research”, which is carried
out by selecting “keywords”. These should appear in the “abstract” and “title” registered
on the website, so as to visualize the largest possible number of patent applications
concerning any one specific disease. This search procedure was carried out separately
for each of the neglected and non-neglected diseases.
Once the patent application had been located on the database of INPI, using
the specific keyword – normally, the scientific or the common name of the disease
–, the abstract, the claim and the description of the patent application were read so
as to verify whether the application was closely related to the prevention, diagnosis
or treatment of the disease. Whenever the available data at the INPI platform were
not conclusive, clear or accessible, the PatentScope at World Intellectual Property
Organization (WIPO, 2017) was accessed, utilizing the international application
number (the “PCT number”). For example, the application no BR 11 2016 005157,
related to cancer (ALMAC DIAGNOSTICS LIMITED, 2014) was selected using this
specific procedure. Following it, these applications, whose documents did not reveal

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274 Neglected and non-neglected diseases: contradictions in the patent legal system

the relationship between the final product and the infirmity, yet only used the disease
as an example, as well as evidenced other abnormalities, such as, lack of publicity,
absence of an active link or an international number, were discarded as invalid and
unreliable measures for this research, taking into account that the time lapse of this
investigation on the INPI database was from the publishing of the Brazilian Industrial
Property Rights Act (Act no 9279,1996) to the 31st of May, 2016.
After explaining the basic methodological procedure executed on the website, it
is necessary to justify the choice of which neglected and non-neglected diseases were
selected as samples extracted from this data collection.
First of all, there are differences concerning the types of neglected diseases, ranging
from a list elaborated by the World Health Organization (WHO) to the list organized by the
Brazilian Institute of Industrial Property Rights. Nevertheless, taking into consideration
that the spatial analysis of this research is focused on Brazilian territory, the samples
of neglected diseases are extracted from the list of neglected diseases published in
the INPI Resolution 80/2013. Once verified the list in this Resolution, Chagas disease,
dengue or hemorrhagic dengue, schistosomiasis, Hansen’s disease, leishmaniasis,
malaria, tuberculosis, Buruli ulcer, neurocysticercosis, echinococcosis, yaws, fascioliasis,
paragonimiasis, filariasis, rabies, helminthiasis (ascariasis; trichuriasis; hookworm
disease), and venomous animal contacts, all of these diseases were researched on the
database. The most recurrent patent files, in numbers, were the ones concerning malaria,
leishmaniasis, and dengue. On this account, these neglected diseases were selected to
substantiate a more comparable sample vis-à-vis the non-neglected diseases, as well as
to avoid bias while comparing less frequent patent files of certain neglected diseases
with large numbers of files of non-neglected maladies.
The non-neglected diseases were selected from a scientific study on the
comparison between neglected and non-neglected infirmities carried out by
Pedrique et al. (2013, p. 371-379). The authors present a table containing what they
considered to be the most recurrent groups of non-neglected diseases as benchmarks
for their study. It is important to emphasize that it was taken for granted, without
further discussion, the specific choice of non-neglected diseases pinpointed by the
aforementioned authors. Once the non-neglected diseases analyzed, as groups, by
Pedrique et al. (2013, p. 317-319) were extracted from table 2 of their article, that is,
neuropsychiatric disorders, cancer, cardiovascular diseases, genitourinary system and
hormones, digestive diseases, sense organ disorders, HIV/Aids, respiratory diseases,
diabetes mellitus, musculoskeletal diseases, it was verified on the INPI database if

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these diseases appeared in the patent files. The same procedure used for neglected
diseases was replicated for the group of non-neglected infirmities. Consequently, the
three most recurrent groups of non-neglected diseases in the INPI database were
selected to form the following table 1 of this paper, that is, cancer, diabetes and HIV/
Aids.
So as to be more precise in the description of the aforementioned data
collection, it is relevant to note that those diseases, for example, “leishmaniasis”
(cutaneous, visceral and mucocutaneous), “diabetes mellitus”, compounded by double
denomination had to have diverse insertions using different combinations of the
scientific and common names while executing the qualified search on the database.

Table 1 – Number of patent applications for neglected and non-neglected diseases

Patents Patents Patent Patent Application


Total1
Pending Granted Rejection Discontinuity
Malaria2 2 70 - 7 49 126
Leishmaniasis 91 2 10 31 134
Dengue2 3 69 3 8 100 180
HIV/AIDS3 188 18 53 392 651
Diabetes 217 22 56 637 932
Cancer4 1.160 33 162 1.554 2.909
Source: Extracted by the authors from INPI, 2017 and WIPO, 2017.

1 Applications related to a disease, submitted from May 15, 1996 to May 31, 2016.

2 Collection of decisions in the files between Mar. 14, 2017 and Mar. 20,2017.

3 Collection of decisions in the files between Mar. 28, 2017 and Apr. 03, 2017.

4 Collection of decisions in the files between Mar. 21, 2017 and Mar. 27, 2017.

The known facts consist of the number of patent applications for the sampled
neglected and non-neglected diseases. The interpretation of these facts reveals
that the number of applications for neglected diseases is significantly low when
compared to the number of applications for non-neglected diseases (last column of
the 1st table).
The number of applications for HIV/Aids is five times higher than the number of
applications for malaria, which is explained, among other reasons, by the fact that
the HIV affected population resides in both developed and developing countries, as
Ridley et al. (2006, p. 316) highlight. The huge gap between the number of applications
between the selected neglected and non-neglected maladies is replicated in the
number of patents granted or issued by the INPI.

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276 Neglected and non-neglected diseases: contradictions in the patent legal system

It may be argued that cancer is not a proper unit of analysis for comparison,
considering its varieties, (such as lung cancer, liver cancer, pancreatic cancer etc.)
with various behaviors and different treatment, as established by Cooper (2000).
However, O’Connor (2010) and Cooper (2000) postulate that cancer consists of an
abnormal proliferation of cells, unifying all types of cancer in this basic definition.
Furthermore, Cooper (2000) sums up all different types of cancerous diseases into
three basic structures: carcinomas, sarcomas, and leukemias.
According to this author, 90% of cancerous diseases which affect humans are
carcinomas. Considering these medical statements, as well as the kind of patent
application concerning the treatment, diagnosis and prevention of cancer collected
on the INPI website, cancer is frequently described as a wide spectrum of neoplasms
or carcinomas, which makes the malady a viable unit of analysis vis-à-vis the other
units of analysis regarding the neglected diseases.
The patent applications concerning cancer hardly show distinction according to
the type of cancer or the organ affected by the neoplasm, a fact that was detected
during the data collection. Urruticoechea et al. (2010, p. 9) state in their studies, in
which they focus and presume that, despite a wide range of cancerous diseases, the
same sort of neoplasm is recurrent in most of them.
This assumption serves to foster the development of drugs for a wide spectrum
(URRUTICOECHEA et al., 2010, p. 8-9). Analyzing these medical and biological
researches related to cancer, it is possible to formulate a more grounded statement.
Cancer, as a unit of observation and analysis, may be considered a single malady in
spite of the diversity of its manifestations.
The high number of patent application discontinuities, as presented in the 1st
table, may be a fact worthy of further analysis, possibly suggesting an institutional
failure in the administrative application process. According to Jannuzzi and
Vasconcellos (2013), the average duration of the administrative procedure for
issuing a patent at INPI is 11.5 years. In fact, this might be considered one of the
causes for application discontinuities.
The second data set was extracted from the Institute for Health Metrics and
Evaluation, an independent research center for storing data concerning the global
burden of a disease. Once the sampled diseases, the percentage measure, and the
global DALY had been selected on the Global Burden Diseases (GBD) results tools
on the IHME site, the site provided, automatically, the data requested. The following

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table can be easily replicated by accessing the site of IHME. This link automatically
shows the content of the 2nd table.
Table 2 – 2015 Global DALYs (%)
Diseases DALY
Neglected diseases2 4.70
Malaria 2.27
Leishmaniasis 0.06
Dengue 0.08
HIV/AIDS 2.71
Diabetes 2.60
Cancer3 8.52
1
Source: Extracted by the authors from GBD/IHME, 2017 http://ghdx.healthdata.org/gbd-results-
tool?params=querytool-permalink/9aadb9a4091cd4bb3579d096e5487568.

2
Malaria; leishmaniasis; dengue; Chagas disease; schistosomiasis; Hansen’s disease; tuberculosis;
cysticercosis; cystic echinococcosis; foodborne trematodiasis (fascioliasis and paragonimus); lymphatic
filariasis; helminthiasis (ascariasis; trichuriasis; hookworm disease); rabies; venomous animal contact.
Buruli ulcer and yaws are not available in GBD Results Tool.

3
All types of neoplasms available in GBD Results Tool.

This table reveals that the global burden of a neglected disease, such as malaria,
is significant when compared to the percentage of DALY of non-neglected diseases.
However, this global indicator, DALY, is highly controversial, as demonstrated by King
and Bertino (2008, p. 2).
These authors argue that the DALY system presents three major problems,
such as disregarding the local context (the patient perspective), the common
complications derived from neglected diseases and, the reality of shared disabilities
in the presence of comorbidity or concurrent infection. The DALY system does not
take into account the low-level, chronic morbidity typical of neglected diseases.
According to the critique of the mathematical model constructed to calculate
DALY, developed by King and Bertino (2008, p. 2), the global burden of malaria is
a relevant number to be considered as evidence of how neglected these diseases
are. Their critique can also be corroborated by the fact that the GBD result tools do
not incorporate in the calculation program, maladies, such as Buruli ulcer and yaws.
Furthermore, this economic opinion serves to interpret the low percentage of DALYs
concerning dengue and leishmaniasis.
Quijano’s (2000, p. 342-344) idea of colonialism and European domination
reinforces the duality imposed on the peripheral and colonized countries by the
European matrix of knowledge and cognitive rationality. The GBD, as it is elaborated,
confirms the difference between inferior and superior, irrational and rational,

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278 Neglected and non-neglected diseases: contradictions in the patent legal system

primeval and civilized, traditional and modern, constructed in this European matrix
of power and knowledge, according to Quijano (2000, p. 345-346).
The 2nd table, in spite of having been elaborated taking into consideration the
GBD/IHME, can be utilized by adding the basic critique put forward by King and
Bertino (2008, p. 2). In this context, the GBD for neglected diseases would drastically
change if the variables, formulated by the authors, were added to the equation. The
GBD for neglected diseases, such as malaria, leishmaniasis and dengue fever, among
others, should be calculated in such different terms, according to King and Bertino
(2008, p. 2-3) that it is not inappropriate to attribute a more expressive burden to
those maladies. In this research, the burden of neglected diseases will be considered
higher for the purposes herein intended.
Subsequently, the 3rd table, concerning the number of people affected by the
studied maladies, was elaborated, taking into account various sources, ranging from
bibliographical data to diverse official websites. In fact, the following table works
as an observable implication for it shows how expressive the number of affected
people by neglected diseases is.
Table 3 – The number of people affected by the studied diseases

Cutaneous
Malaria and visceral Dengue HIV/AIDS Diabetes Cancer
leishmaniasis
223.700
250.988 830.00
72.700 deaths for
1.450 reported and 42.108 219.040 people (all
reported various
deaths (2000- of reported cases ages) living
deaths types of
2014)1 cases in Brazil (2017)8 with HIV
(2016)6 cancer
(2005-2016)3,4 (2016)5,9
(2014)7
Approximate
39% and 93% 14.000
230.000
of cases in 88 deaths AIDS-related
estimated
the Americas (2017)8 deaths
cases (2013)2
found in (2016)9
Brazil10
Approximate
Approximate
36% of
40% cases in
cases in the
the Americas
Americas
found in
found in
Brazil10
Brazil10

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1 WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Global Health Observatory data


repository. Malaria – number of reported deaths (2000-2014). Last update: 2015-
12-11. Available at: http://apps.who.int/gho/data/view.main.14113?lang=en.

2 WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Estimated number of malaria cases


(2013). Last update: 2016-02-10. Available at: http://apps.who.int/gho/data/view.
main.14111?lang=en.

3 WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Number of cases of cutaneous


leishmaniasis reported (2005-2016). Last updated: 2017-09-15a. Available at:
http://apps.who.int/gho/data/node.main.NTDLEISHCNUM?lang=en.

4 WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Number of cases of visceral leishmaniasis


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According to WHO, 1,450 deaths caused by malaria occurred in Brazilian


territory and were notified from 2000 to 2014 (WHO, 2015). It is estimated that
230 thousand cases of the infirmity occurred in Brazil in 2013. Due to this, Brazil is
considered the country with the largest number of cases of malaria in Latin America,

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280 Neglected and non-neglected diseases: contradictions in the patent legal system

considering the Latin American countries where the disease is endemic (WHO, 2016;
HOTEZ; FUJIWARA, 2014, p. 601-606).
Leishmaniasis and dengue diseases are also frequent in Brazilian territory
as far as the number of cases of these diseases is concerned. Approximately 300
thousand cases of leishmaniasis were reported in Brazil between 2005 and 2016
(WHO, 2017a; 2017b). Furthermore, almost every case of visceral leishmaniasis,
one of the most serious varieties of this disease, occurred in Brazil (HOTEZ;
FUJIWARA, 2014, p. 601-606).
According to the Pan-American Health Organization (PAHO), 88 deaths caused
by the Dengue virus happened in Brazil until October 2017 (PAHO, 2017) e more
than 200 thousand occurrences of the disease were reported in Brazilian territory
in the same year. The number of people affected by Dengue fever reached a record
in the year 2015, that is, almost 1,7 million cases occurred in Brazil (BRASIL, 2017).
It is possible to estimate that 830 thousand people in Brazil live with the
HIV virus and 14 thousand deaths associated with the disease were reported in
2016 (WHO, 2017c; UNAIDS, 2016). In 2016, 72,700 people died due to diabetes
(WHO, 2016). In 2014, 223,700 deaths caused by all sorts of cancer occurred in
Brazil (WHO, 2014).

4 Discussion of the results


Previously, it was brought into consideration that the patent legal system, as
designed by the TRIPs Agreement, is inefficient in achieving its own “morality of
aspiration” which can be expressed as the intertwining between scientific innovation
and social welfare. This balance between scientific development and social welfare
is not effectively achieved since as the data collected from INPI evidence that
the patent legal system, as an economic policy, is tending to incentivize more
the development of health products for non-neglected diseases rather than for
neglected diseases.
So as to substantiate this inference, firstly, it is important to demonstrate
how central the patent legal system is for the healthcare industry, mainly its
pharmaceutical and biotechnology sector; secondly, to verify how inefficiently
the patent legal system, as an economic policy, is operating as far as the case
of neglected diseases is concerned; lastly, to prove how effective the number of
patent applications can be to measure the efficiency of the patent legal system as

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an economic policy to accomplish the goal of social welfare in the case of health
products for neglected diseases.
The higher numbers of patent applications related to non-neglected diseases
reveal that the design of the patent legal system serves as a magnet for what
is considered to be more marketable and, thus, more profitable, as empirically
substantiated by Boldrin and Levine (2008, p. 212-238). More relevantly, these authors
conceive the pharmaceutical industry as “a monopolized industry, where patents are
the core and the foundation of the business method adopted” (2008, p. 234).
It signifies that the patent legal system plays a central role in the pharmaceutical
business, for economically the firms are completely tied to the benefits of patents.
This makes the patent application entries a reliable indicator for detecting
the behavior of the health-care product market. Arguably, Boldrin and Levine
emphasize the influence of patents in the manner in which the industry controls
doctors’ prescription behavior as well as how it finances political campaigns. The
health-care industry is dependent on the regulation and legislation that might
favor its interests in the long term.
This explains most of the findings concerning the results of patent application in
Brazilian territory. It is and, has always been, evident that the healthcare industry is not
worried about social welfare or public agenda (or has even bothered to find solutions
for Brazilian health problems), for its main target has been to centralize the market
and raise its profits, as proven economically by Boldrin and Levine (2008; 2013).
However, the patent legal system, currently inefficient, as proven by the
consistency of data related to neglected diseases in comparison with non-neglected
maladies, is not promoting its most relevant goal, that is, the fostering of scientific
development as a means of enhancing social welfare. Scientific development,
in this context, is being jeopardized insofar as, according to Boldrin and Levine
(2008, p. 234), research findings are either suppressed or concealed to protect the
pharmaceutical industries’ profits.
In this context, if market interests repress scientific development, it is easily
deducible what is happening to social welfare, the other relevant variable in this
equation. Social welfare must be defined as the capacity to improve the population’s
quality of life regarding basic health needs, among others, as an essential indicator
of human development. The health-care industry, in fact, neglects not only the
development but also the production of products for neglected diseases (CHIRAC;
TORRRELE, 2006, p. 1560-1561). Thus, the data concerning the total number of

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282 Neglected and non-neglected diseases: contradictions in the patent legal system

patent applications for neglected diseases can lead to the inference that the patent
legal system fails to promote social welfare in the case of neglected diseases, most
of them endemic infirmities throughout Brazilian territory.
Moreover, taking into account that the legal institute of a patent can be conceived
as an instrument of economic policy (BESSEN; MEURER, 2008, p. 216-218), results
tend to be even more substantial than initially predicted, for the failure of the patent
policy is critically expressed by the low numbers of patent applications concerning
a major problem in Brazilian territory. Malaria, dengue fever, and leishmaniasis are
endemic diseases in Brazil. This fact alone should be sufficient to make them a
priority for public policy goals, aiming for the efficient eradication of these maladies.
The patent legal system does not function efficiently, as data reveal, not even as
an economic policy whose main goal is to attract more patent applications related
to the prevention, diagnosis, and treatment for neglected diseases. As a matter of
fact, it is rather irrelevant if the patent has been granted or refused in this case,
yet it matters if the problem of neglected diseases is drawing attention either of
the private market or of governmental organs. In this specific case, it is deducible
that the level of the patent application for neglected diseases is sufficiently low
to demonstrate the lack of both private and public interest. The absence of private
investment can also be confirmed by the study of Pedrique et al. (2013, p. 371-379).
Lastly, the number of application entries is a valid and reliable measure, for it
serves to detect the malfunctioning of the patent legal system as far as its morality
of aspiration is concerned. The disparity between the number of applications related
to neglected and non-neglected diseases reinforces the inefficiency of the patent
legal system, considering the necessary intertwining between scientific development
and social welfare as a founding value of the intellectual property rights system.
Chirac and Torreele’s (2006, p. 1560-1561) study concerning the absence of the
development and the production of new chemical entities targeting neglected
diseases corroborates the aforementioned inference for they concluded that, from
1975 to 2004, only 1% of the total amount of new chemical entities launched in the
pharmaceutical market was dedicated to the improvement of neglected diseases.
Worldwide, there has been a total lack of interest in the development and production
of drugs or health products, in general, for neglected diseases.
First, and foremost, the INPI data, from 1996 to 2016, evidence that in Brazilian
territory the problem of neglected diseases remains mostly unsolved, not only in
the realm of R&D, but also, in the field of the health-care business, insofar as the

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Marcos Vinício Chein Feres 283

failure or the success of the patent legal system, as an instrument of public policy,
can be measured by the number of applications received by the Agency, that is, the
INPI. In this case study, the number of applications leads to the inference previously
elucidated, that is, the patent legal system is failing in accomplishing its aspiration
of social welfare intertwined with scientific development, blatantly disregarding
social welfare for the majority of the Brazilian population affected by different
neglected diseases. Furthermore, if the number of people affected by neglected and
non-neglected diseases is taken into account, these data reinforce the validity of
the hypothesis. They are, in fact, observable implications, which corroborate the fact
that, in Brazil, there are a large number of people affected by malaria and dengue
fever as well as cancer (Table 3). In this case, the gap between scientific development
and social welfare demonstrates the inefficiency of the patent legal system for the
majority of the Brazilian population affected by neglected diseases.

5 Conclusion
This research aimed to verify if the patent legal system is, in fact, accomplishing
its aspirational goal. Utilizing the appropriate methodological tools, it was possible
to reach the inference that the patent legal system, as an instrument of public policy,
is not functioning as an efficient means to this aforementioned aspirational end. As
empirical-qualitative research, it was possible to reach the analytical generalization,
taking into consideration the data collected from the INPI database. The number
of patent applications was taken as a valid and reliable measure, according to the
rules of inference, to deduce if the patent legal system is an efficient means to the
aspirational end, inscribed in the TRIPs Agreement.
It is relevant to bear in mind that the higher numbers of patent applications,
concerning the health products for non-neglected diseases, and, compared to the low
numbers of applications related to neglected diseases, is particularly significant as a
measure to validate the inefficiency of the patent legal system. Brazilian population,
in several regions of its territory, suffers from diverse endemic and neglected
diseases. However, the Brazilian patent legal system is not responding efficiently
enough to improve the social welfare of the majority of Brazilian citizens. The data
collected from the Brazilian Agency reveal that the Brazilian patent legal system
reproduces the current global situation as far as it is related in the international
literature on this matter.

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284 Neglected and non-neglected diseases: contradictions in the patent legal system

Moreover, a relevant conclusion, which may be worthy of further analysis, is that


patent application discontinuities in the administrative process are highly recurrent in
the database system, as presented in the 1st table of this article.
Finally, despite the failure to internalize data related to yaws and Buruli ulcer, as
well as other relevant elements referring to the particularities of neglected infirmities,
the GBD demonstrates how disparities between neglected and non-neglected
maladies are still disregarded in the calculation based on the traditional perspective
of developed countries.

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3
289

Crítica a los paradigmas clásicos de


reconocimiento de la Justicia Constitucional

RENATO GUGLIANO HERANI


Pós-Doutor em Direito pela Faculdade de Ciências de Lisboa (Portugal).
Doutor em Direito (PUC-SP). Mestre em Direito (PUC-SP). Especialização
em Direito Constitucional (ESDC). Professor de Direito Constitucional nos
Programas de Mestrado e Doutorado (FADISP).

Artigo recebido em 27/6/2018 e aprovado em 7/2/2019.

CONTENIDO: 1 Introducción 2 Paradigmas dicotómicos 3 Dimensiones de los sofismas 4 Justicia


constitucional como objeto de comparación 5 Parámetros metodológicos de la comparación 6
Doble perspectiva del objeto comparado 7 Sistemas concretos latinoamericanos 8 Conclusión
9 Referencias.

RESUMEN: En este trabajo, hacemos una crítica al discurso dicotómico


estadounidense-continental europeo cuando se trata de identificar las experiencias
jurisdiccionales constitucionales. El derecho comparado fue determinante para la
superación de este discurso dicotómico. Este estudio procura entender cómo el
derecho comparado ha mostrado, por su método y paradigmas, la necesidad de
abandonar una clasificación de la Justicia Constitucional con base en los modelos
clásicos, especialmente en relación a los sistemas latinoamericanos de jurisdicción
constitucional. El artículo empieza con la discusión sobre el mito y sofismas del
modelismo americano y europeo como criterio de explicación de todos los sistemas
de jurisdicción constitucional. El resultado es la evidencia de que el derecho
comparado es indispensable para la comprensión de la Justicia Constitucional en
América Latina y, del mismo modo, para la teoría procesal constitucional.

PALABRAS CLAVE: Constitucional Comparación Jurisdicción Modelos Sistemas.

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290 Crítica a los paradigmas clásicos de reconocimiento de la Justicia Constitucional

Criticism of the traditional paradigms of acknowledging of Constitutional Justice

CONTENTS: 1 Introduction 2 Paradigms dichotomies 3 Dimensions of fallacies 4 Constitutional


Justice as an object of comparison 5 Methodological standards of comparison 6 Double perspective
of the compared object 7 Latin American concretize systems 8 Conclusion 9 References.

ABSTRACT: This article offers a critique of the dichotomous North American-continental


European discourse when it comes to recognizing the constitutional jurisdictional
experiences. The comparative law has been crucial to overcoming this dichotomous
discourse. The purpose of this article is to understand how the comparative law has
proven, by its methods and paradigms, the need to abandon the classification the
la Constitutional Justice based on classic models, especially when applied to Latin
American systems of constitutional jurisdiction. The study starts with a discussion about
the myth and the sophisms of the classics models to explain all systems of constitutional
jurisdiction. The result is the evidence that comparative law is indispensable for the
studies of the Constitutional Justice and the theory of constitutional procedural law.

KEYWORDS: Constitutional Comparative Jurisdiction Models Systems.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 21 n. 124 Jun./Set. 2019 p. 289-316


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Renato Gugliano Herani 291

Crítica dos paradigmas clássicos de reconhecimento da Justiça Constitucional

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Paradigmas dicotômicos 3 Dimensões dos sofismas 4 Justiça


constitucional como objeto de comparação 5 Parâmetros metodológicos da comparação
6 Dupla perspectiva do objeto comparado 7 Sistemas concretos latino-americanos 8 Conclusão
9 Referências.

RESUMO: Neste trabalho, fazemos uma crítica ao discurso dicotômico


estadunidense-continental europeu quando se trata de identificar as experiências
jurisdicionais constitucionais. O direito comparado foi determinante para a
superação deste discurso dicotômico. Este estudo procura entender como o
direito comparado tem mostrado, por seu método e paradigmas, a necessidade
de abandonar uma classificação da Justiça Constitucional com base nos modelos
clássicos, especialmente em relação aos sistemas latino-americanos de jurisdição
constitucional. O artigo se inicia com a discussão sobre o mito e os sofismas do
modelo americano e europeu como critério de explicação de todos os sistemas de
jurisdição constitucional. O resultado é a evidencia de que o direito comparado é
indispensável para a compreensão da Justiça Constitucional na América Latina e
de mesmo modo para a teoria processual constitucional.

PALAVRAS-CHAVE: Constitucional Comparação Jurisdição Modelos Sistemas.

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292 Crítica a los paradigmas clásicos de reconocimiento de la Justicia Constitucional

1 Introducción

E s comúnmente aceptable en la literatura general el poder paradigmático


de los modelos clásicos de la Justicia Constitucional (el americano
desencadenado por la lección de Marshall en el famoso caso Marbury vs. Madison,
y el europeo, diseñado por los ideales kelsenianos) para explicar cómo funciona
y se estructura esta institución en todo el mundo. Contrariamente a esta idea, no
faltan construcciones doctrinales para señalar o la contención o la superación de
aquella fuerza paradigmática, pues de todos los sistemas concretamente existentes,
ninguno responde fielmente a los modelos clásicos.

En este último sentido, el estudio de Lucio Pegoraro (2015, p. 13), titulado Giustizia
costituzionale comparata: dai modelli ai sistemi, recupera la idea generalizada sobre los
modelos clásicos de Justicia Constitucional y al respecto señala que, si bien se han
convertido en paradigmas para muchos Estados en el siglo 20, en la actualidad esta
concepción es más “un mito que no resiste a un análisis corrosivo de la observación
empírica”. Justifica tal crítica en la extraordinaria variedad de ordenamientos jurídicos,
causa de la emancipación en términos doctrinales de los modelos clásicos y, de esa
manera, de la reconstrucción de una nueva tipología de Justicia Constitucional, más
acorde con lo que ocurre en la práctica en las diversas democracias mundiales.
En otro estudio, denominado “Para acabar con los ‘modelos’ de jurisdicción
constitucional. Un ensayo de crítica”, Guillaume Tusseau (2014, p. 21), profundizando
en este debate, trae la idea de una modelística desarrollada por una doctrina sobre
la circulación/recepción de los modelos clásicos de Justicia Constitucional por
los países. Concluye también que, desde un punto de vista científico, el análisis
comparativo del derecho positivo de diferentes Estados pone seriamente en
duda aquella visión paradigmática de los modelos clásicos, por la evidencia de su
inadecuación para describir la experiencia de jurisdicción constitucional.
La alusión a tales obras, que dígase, está en línea con otros estudios, tiene el
propósito de insertar este artículo dentro de la llamada “doctrina sobre los modelos
de Justicia Constitucional”. Por lo que ofrece, ésta nos permite aquí enfatizar la
necesidad de repensar las bases epistemológicas del proceso constitucional a
partir de la organización, estructura y funcionalidad de la Justicia Constitucional,
eso con el apoyo indispensable, y cada vez mayor, del derecho comparado; a
propósito, aún incipiente en Brasil, pero “necesario a toda ciencia y a toda cultura
jurídica” (DAVID; JAUFFRET-SPINOSI, 2010, p. 2).

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Renato Gugliano Herani 293

Hablar de análisis comparativo de la Justicia Constitucional es oportuno para


las pretensiones contemporáneas de los Estados constitucionales, que, por ser así,
no pueden ser complacientes con una visión demasiado contemplativa de aquellos
modelos clásicos, cuando se trata de la protección de la Constitución. Eso es porque
una visión así trae, en términos prácticos, más problemas que soluciones al ya difícil
debate sobre el mejor modelo institucional y funcional para la Justicia Constitucional
en un Estado democrático.
Utilizar los modelos clásicos como referencia de análisis requiere prudencia.
Al mismo tiempo que el demasiado apego al análisis dicotómico (o sea, basado
en la “contraposición bipolar” entre el modelo americano y el modelo europeo)
puede eclipsar la singularidad de los rasgos que bien pueden inspirar, más allá
de los aspectos jurisdiccionales constitucionales, profundas reformas de Estado,
rechazarlo por completo implica de manera perjudicial encubrir un hecho real, que
es la vis attractiva1 de los modelos clásicos de la Justicia Constitucional a partir de
la mitad del siglo pasado.
Esa discusión trae dudas sobre lo que se entiende por sistemas mixtos de
Justicia Constitucional, así lo señala Elival da Silva Ramos (2005, p. 160): “conforman,
ellos mismos, sistemas-tipo singulares o, mediante agrupamiento, la expresión de
nuevos sistemas ideales o, incluso, si, de hecho, no son más que variantes de uno de
los dos principales sistemas-estándar”.
Es particularmente oportuno ese debate sobre la idealización de la Justicia
Constitucional en el momento actual en que Brasil, con su sistema mixto, muestra,
cada vez más, el agotamiento funcional y estructural de un Supremo Tribunal
Federal que acumula atribuciones propias de la jurisdicción ordinaria y de la
jurisdicción constitucional.
En este problematizado contexto, el propósito de este estudio no es propiamente
recuperar fórmulas tipológicas entre los más diversos modos de organizar los
sistemas de guarda de la Constitución, como muy bien hacen los estudiosos
mencionados anteriormente. Antes, reconocerlas por su eficiencia es la suposición de
la que sacamos la inequívoca premisa de lo que ocurre en el mundo: el polimorfismo
contemporáneo de la Justicia Constitucional.
Bajo esta certeza justificada, la hipótesis que pretendemos exponer es la de
que los numerosos elementos o criterios procesales constitucionales (tales como
la titularidad y la estructura de los organismos de defensa de la Constitución, la

1 Fuerza atractiva (traducción nuestra).

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294 Crítica a los paradigmas clásicos de reconocimiento de la Justicia Constitucional

competencia y los bienes a proteger, los medios de acceso, la definición del parámetro
y del objeto de control, las tipologías decisorias, el valor vinculante de las decisiones
constitucionales) que dimensionan la variación orgánico-institucional de la Justicia
Constitucional en el mundo no dejan duda de que un constitucionalismo de formas
tanto más adversas cuanto más alternativas viables a la realidad de cada ordenamiento
jurídico condiciona la efectiva concretización de las Constituciones.
La investigación bajo ese enfoque permite proyectar la tesis de que los sistemas
de Justicia Constitucional no son submodelos de los modelos clásicos, sino antes
soluciones que, aunque a veces de inspiraciones que remiten a esos últimos, nos
ofrecen modelos autónomos y de gran originalidad.
Parece una afirmación evidente, dados los supuestos ya conocidos, pero no es
de deducción inmediata y serena cuando se piensa en los caminos (método) de
su justificación. El objetivo aquí es justamente explicitarlos y, para ello, hay que
recuperar el método comparado en el punto en que es aplicado en la reformulación
del modo como se reconoce la Justicia Constitucional entre los países.
La referencia a submodelos se conecta al modo como es clasificada la Justicia
Constitucional según el parámetro del modelo dicotómico, o sea, según los criterios
contrapuestos abstraídos de los modelos clásicos. Su transformación en modelos
es el efecto metodológico que aquí se estudia en el que los singulares sistemas de
Justicia Constitucional se emancipan indistintamente de los modelos clásicos para
ser reconocidos como auténticos modelos complejos, al modo de un fuerte fenómeno
de mestizaje y de ampliación del entendimiento de la experiencia jurisdiccional
constitucional más allá de la visión estricta de la técnica del control de constitucionalidad.
En estos términos, la discusión que ahora planteamos, sin evidentemente
agotar todas sus implicaciones, retoma, de inicio, las razones del debilitamiento del
modelismo dicotómico cuando se trata de la comparación de la Justicia Constitucional,
y, finalmente, esa condición es confirmada en el contexto latinoamericano. Extremos
de un estudio que tiene aún en su desarrollo su punto alto, por el mensaje que
se propone a partir de él, o sea, el enaltecimiento del derecho comparado, por su
método y paradigmas aquí brevemente estudiados, y sus fructíferos resultados para
la transposición de los submodelos a los modelos concretos de Justicia Constitucional.

2 Paradigmas dicotómicos
Los modelos clásicos, aunque sean ingenierías constitucionales destinadas al
mismo fin (tutela jurisdiccional de los textos fundamentales para hacer realidad

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Renato Gugliano Herani 295

el proyecto social, los valores y los principios por ellos enunciados), se distinguen
esencialmente por formas antagónicas, bien señaladas por Piero Calamandrei (1968,
p. 350) como “binomios contrapuestos”. La distinción más importante, a la que nos
acostumbramos, está en el modo de practicar la técnica comúnmente asociada
a la génesis de la garantía de la supremacía de la Constitución – el control de
constitucionalidad. O toma la forma concentrada en un Tribunal ad hoc fuera de la
jurisdicción ordinaria (dualismo), o toma la forma difusa desde los jueces ordinarios
hasta las Cortes de Casación (monista). Bajo esa antinomia (difuso-concentrado),
las experiencias de la posguerra son descritas por “sistemas de características
contrapuestas” (NAVAS, 2011, p. 29), formando modelos de yuxtaposición.
Es, sin duda, un modo de explicitar la difusión de la Justicia Constitucional,
pero transmite la idea de imitaciones aculturales por formas prestadas en perjuicio
de la realidad de cada ordenamiento jurídico. Es en ese sentido que se alude a
una lectura por submodelos o prototipos, constituidos, en mayor o menor medida,
por la suma o repetición de elementos esenciales de los modelos clásicos. Fue,
así, centrada excesivamente en un criterio único de diferenciación (en el control
de constitucionalidad) que la visión dicotómica de organización de la Justicia
Constitucional prevaleció durante gran parte del siglo pasado.
Confirman esta perspectiva algunos vetustos criterios de clasificación, como
señala Fernández Segado (2004, p. 131), refiriéndose, por ejemplo, a Antonio
Baldessarre, con su división entre giurisdizione dei diritti fondamentali y giustizia
politica, a Alessandro Pizzorusso, con la contraposición entre los sistemas concretos y
los sistemas abstractos, a Rubio Llorente, con la separación entre el modelo centrado
en la ley y el modelo centrado en la defensa de derechos, y a Ferreres-Comella, con
los modelos centralizados y los modelos descentralizados. En común, todos adoptan
criterios binominales inspirados en los modelos clásicos a partir del control de
constitucionalidad. Estos criterios, con mayor o menor detalle, son ampliamente
utilizados en Brasil, como bien se puede observar en las ponderaciones de Paulo
Bonavides (2003, p. 77-101): “Control difuso y control concentrado, juez ordinario
y tribunal constitucional, sistema concreto y control abstracto, Marshall y Kelsen,
he aquí los polos de jurisdicción constitucional contemporánea, en que el modelo
concentrado se propaga más que el difuso, o en que ambos, combinados, tienden a
prevalecer bajo de forma mixta, aquella adoptada en nuestro país”.
No hay nada malo en reconocer en los modelos clásicos la fuente histórica de
los sistemas de protección de la supremacía constitucional. De hecho, no sin razón,

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296 Crítica a los paradigmas clásicos de reconocimiento de la Justicia Constitucional

son una marca indeleble en el pensamiento jurídico e inmortalizan las grandes


matrices del control de constitucionalidad.
Sin embargo, los instrumentos, cada vez más perfeccionados y heterogéneos
de control en orden a la protección jurisdiccional de la Constitución, hicieron
presión para un mayor rigor metodológico en el propósito de identificar la Justicia
Constitucional en los más diversos ordenamientos jurídicos. Para este paso, los
comparatistas han contribuido mucho a demostrar la “pérdida de la capacidad
analítica de la bipolaridad” (SEGADO, 2004, p. 7), con comparaciones mucho
más pragmáticas y, de ese modo, más allá de los modelos clásicos de control de
constitucionalidad (TUSSEAU, 2014, p. 21).
Esa desconstrucción es evidenciada por Guillaume Tusseau (2014, p. 28) en lo
que llamó “sofismas de los modelos de justicia constitucional”, como tales, son “todo
argumento o tema de discusión provocado con la finalidad de, o con la intención de
hacer equivocar o inducir a error a otra persona”. Estos sofismas son dimensionados
por el autor en términos empírico, teórico y político.

3 Dimensiones de los sofismas


Tusseau alude, en referencia a la dimensión empírica, al error de no considerar
tal como los sistemas de Justicia Constitucional se presentan en las diversas latitudes
mundiales para sólo tomarlos como prototipos americanos o europeo-kelsenianos
(TUSSEAU, 2014, p. 21). De hecho, tal postura es un error. A medida que los elementos
propios de los modelos clásicos no son capaces de dimensionar bien la realidad
presentada, resulta de eso el análisis que subyuga en exceso sobre cómo se practica
la Justicia Constitucional en toda su extensión funcional y que, por lo tanto, oculta las
formas jurídicas de su realización.
Emanciparse de este orden de análisis puede revelar una realidad normativa
de alta hibridación de elementos de los modelos clásicos y, por eso, de innovación
sistemática, de tal modo que suena realmente como un sofisma práctico hablar de
estrechos vínculos de derivación (TUSSEAU, 2014, p. 29).
Esto es lo que sucede si se ignora el hecho de que países como Italia, con la
questioni di legittimità constituzionali, sin hablar de Alemania y España, que, aun
preservando sus particularidades, por lo que parecen, “inmutables a la familia jurídica
a que pertenecen, a las tradiciones históricas y culturales, a las formas de gobierno, al
nivel de desarrollo” (PEGORARO, 2002, p. 393-416), buscaron fórmulas y mecanismos
procesales constitucionales de tal modo originales que inauguraron un nuevo linaje

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Renato Gugliano Herani 297

de Justicia Constitucional. Es lo que se observa con el control de constitucionalidad en


manos de un órgano central y especializado, pero, al mismo tiempo, existe el poder de
todo juez de suscitar la duda (o certeza racional) de la constitucionalidad. Al modo de
un tertium genus, “el control de constitucionalidad está firmemente en las manos de
un órgano central y el elemento de ‘difusión’ se encuentra sólo en la fase introductoria
del proceso, no en la decisoria” (PEGORARO, 2002, p. 393-416).
En la dimensión teórica, el sofisma resulta de la “forma en que se lleva a cabo la
oposición entre los modelos” (TUSSEAU, 2014, p. 29). Atento a la doctrina francesa,
de tal modo que bien se puede aproximar a la brasileña, Tusseau critica la común
visión platónica de los modelos de Justicia Constitucional y, con esa advertencia,
la descripción conceptual de la realidad de los países por criterios teóricos que no
son más que las abstracciones irreales del sistema descrito (TUSSEAU, 2014, p. 22).
El problema está en que se hacen centrales concepciones teóricas que no pasan de
mero intercambio doctrinal para el cual no se impone ningún “vínculo conceptual
solidario” (TUSSEAU, 2014, p. 24). Esta crítica se dirige a los muchos intentos de
reconocer la Justicia Constitucional y, así, de justificar sus reajustes estructurales y
funcionales a propósito de una supuesta visión de su praxis respecto a lo que de
ella se espera teniendo como referencia sólo los modelos clásicos, resultando de
eso verdaderos monolitos.
Al aceptar este prisma, sólo es posible reconocer un sistema de Justicia
Constitucional si es una descripción positiva de los modelos clásicos. En este
caso, no tendríamos que admitir en Brasil ninguna clase de Justicia Constitucional,
pues nuestro modelo concentrado está umbilicado históricamente a un órgano
de cúpula del Poder Judicial que divide funciones de jurisdicción ordinaria. Por
lo tanto, no es una deducción lógico-conceptual ni del modelo americano, ni del
modelo europeo-kelseniano de Justicia Constitucional.
En teoría, lo que resta es la completa falta de una deducción lógico-conceptual
necesaria entre el modelo clásico y el sistema adoptado por un país para
experimentar en términos funcionales la Justicia Constitucional. La comparación
ha demostrado que los “sistemas son producto de una realidad empírica, no de
una construcción teórica” (TUSSEAU, 2014, p. 24). La alerta está en la evidencia
del peligro de no considerar la realidad y de apoyarse en la fidelidad teórica para
justificar el rechazo de cualquier desvío a los prototipos europeo-kelsenianos de
Tribunal Constitucional o americano de Suprema Corte. De ello resultaría una
inaceptable deformación del lenguaje oficial al momento de edificar la salvaguardia

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298 Crítica a los paradigmas clásicos de reconocimiento de la Justicia Constitucional

constitucional, al costo de una realidad política a la espera de fórmulas capaces de


ajustar un particular modo de organizar la Justicia Constitucional.
Esa crítica puede ser bien ilustrada con un pasaje de la obra de J. J. Gomes
Canotilho, que demuestra cómo no incurrir en el llamado sofisma teórico. En la
oportunidad en que actuó como consultor del proceso de transición democrática de
la República Popular de Angola, fue cuestionado sobre la viabilidad de implementar
en este país un Tribunal Constitucional (que, a propósito, se estableció en 2008).
Considerando que, con ese paso, se buscaba, como dice el consultor, “domesticar
la política por medio del Derecho, aun en el contexto políticamente factual como
era el de la República Popular de Angola” (CANOTILHO, 2011, p. 1-14), la respuesta
más lógica sería acordar con su creación, con base en lo que surgió de la “polémica
entre Kelsen e Schmitt”.
Sin embargo, un análisis más atento del difícil proceso político en Angola
llevó a que J. J. Gomes Canotilho (2011, p. 1-14) considerase justamente las “fuerzas
políticas conflictivas”, que teóricamente serían la razón de la implementación
del Tribunal Constitucional, como la causa para postergar la creación de este
Tribunal, pues entendió que, en ese contexto práctico, una “propuesta arriesgada”,
ante el real “peligro de convertir en cuestiones jurídico-constitucionales todos los
enfrentamientos políticos emergentes en la joven República Angolana” (CANOTILHO,
2011, p. 1-14). Canotilho niega, por lo tanto, la asociación lógico-necesaria de que la
Justicia Constitucional sólo sería ideal si estuviese centrada en los órganos ad hoc
exclusivos en la actuación jurisdiccional constitucional, a medida que, en cualquier
escenario, permitiría la domesticación de las fuerzas políticas. Pensamiento teórico
que, no necesariamente, se sostiene si se considera en todos los contextos fácticos.
Entiende Canotilho que sería un anacronismo peligroso, pues resultaría sólo la
certeza de que el Tribunal Constitucional sería un “injerto de lujo”, no sólo bajo las
condiciones prevalecientes en Angola, como también “en el edificio judicial de los
jóvenes países de lengua portuguesa” (CANOTILHO, 2011, p. 1-14).
Si está correcto o incorrecto en sus proyecciones, aquí poco importa, pues
lo que es relevante destacar es la calidad de la evaluación. Se dio enfoque a la
realidad, y no a la deducción abstracta a partir de los cuadrantes teóricos clásicos,
que, ni en su desarrollo, tenían la pretensión de ajustarse a toda realidad política.
Por supuesto, el autor estuvo correcto en pensar en las mejores fórmulas para la
Justicia Constitucional para hacer abstracción de una realidad actual y particular
de fuerte conflictividad política.

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Renato Gugliano Herani 299

Por último, Tusseau se refiere al sofisma bajo un enfoque político. Señala,


también atendiendo particularmente al caso francés, que las justificaciones para
una construcción doctrinal tan decepcionante son antes que nada ideológicas.
En vez de adoptar una opción pragmática, intentan explicar la legitimidad de la
Justicia Constitucional por premisas “esencialmente teóricas y con una vocación
universal” (TUSSEAU, 2014, p. 29).
Un buen ejemplo de ello es Brasil en el tiempo de la Constituyente de 1987.
Recordamos que en ese período hubo un importante enfrentamiento político sobre la
creación de un Tribunal Constitucional, tratado por los periódicos de gran circulación.
Uno de los argumentos al respecto vino de la Orden de los Abogados de Brasil en
O Estado de São Paulo (1987, p. 8): “Si una Constituyente es realmente moderna, sin
la existencia de un Tribunal Constitucional no funciona”. Defendió la necesidad de
conformar la tendencia mundial de los Tribunales Constitucionales. El contrapunto
estaba en el Correio Braziliense (MARINHO, 1987, p. 6): “Renovar correctamente no
equivale a desfigurar la Institución modular”, y resultaría, en la ponderación de Xavier
de Albuquerque (1987, p. A3), en la “importación de tecnología e instrumental”, que
más nos conduciría a la “europeización de nuestra jurisdicción constitucional”.
Traemos este recuerdo para decir que pueden haber muchas razones, y
parece que hay, para que Brasil incorpore un órgano ad hoc para la jurisdicción
constitucional concentrada. Es una crítica que supera en mucho los límites de este
trabajo. Sin embargo, sirve para ilustrar el peligro de una interpretación idealista de
la realidad política, como por lo demás ocurre con la visión platónica de un Tribunal
Constitucional al modo europeo-kelseniano, ya sea para orientar, o sea para rechazar
su adopción, sin realmente permitir toda suerte de crítica de la doctrina clásica en
confrontación con la realidad brasileña.
Si el Supremo Tribunal Federal nunca ha sido un submodelo de la Supreme
Court americana, tampoco precisa ser o ceder a la condición de prototipo de Tribunal
Constitucional europeo-kelseniano. Siempre ha sido, y seguirá siendo, un órgano
auténtico, aunque de una reflexión profunda de su evolución hasta el contexto actual
de excesivas atribuciones resulte en alteraciones estructurales, como la reducción de
la carga funcional del STF a la de jurisdicción constitucional concentrada. Por supuesto,
este sería un paso correcto desde que los cambios, aunque dialoguen con los modelos
clásicos (factores teóricos), ocurran en un contexto de especial consideración de los
factores de orden político-sustancial (pragmática), a fin de proporcionar soluciones
jurídicas realmente adecuadas a nuestra contextura sociopolítica.

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300 Crítica a los paradigmas clásicos de reconocimiento de la Justicia Constitucional

La apertura al debate y a la reflexión del modo como reconocemos y ahí


pretendemos implementar la Justicia Constitucional, atento a las trampas de los
sofismas, permiten que se ilumine el hecho irrefutable de que la difusión de sistemas,
como bien dice Fernández Segado (2004, p. 34), ha ganado impulso con la “verificación
de la posibilidad de combinar técnica del control incidental (de tipo norteamericano)
con la técnica del control concentrado (de tipo austríaco-kelseniano)”. Segado
(2004, p. 34) refiere, como ya dijimos, que el “proceso preexistente de progresiva
convergencia entre los elementos, supuestamente contrapuestos ayer, de los dos
tradicionales sistemas de control de constitucionalidad de los actos del poder”.
Esta combinación de elementos (hibridación) sigue mucho más el impulso
de adecuar formas normativas a la coyuntura sociopolítica y tradición jurídica de
cada Estado que propiamente al ritmo de meras innovaciones o importaciones
teóricas. El alcance de esta evidencia trae nuevos horizontes en lo que concierne a
la comprensión de la Justicia Constitucional, y, así, al fortalecimiento de sus bases
de legitimidad democrática, especialmente cuando se trata de articularla con los
demás Poderes Políticos.
De ello resulta que, sin duda, los modelos clásicos de jurisdicción constitucional
no son más útiles para agrupar en uno u otro la diversidad de sistemas perfilados
en los variados ordenamientos jurídicos. Está aquí la principal razón para
reconocer que, “en actualidad, la justicia constitucional ya no puede identificarse
a partir de elementos formales o institucionales” (TREMPS, 2003, p. 29-39), porque
necesariamente, añade Perez Tremps (2003, p. 29-39), “hay que entenderla como un
concepto material y sustantivo, como el conjunto de técnicas tendientes a garantizar
e interpretar la Constitución mediante mecanismos jurisdiccionales, sean éstos los
que sean”. Es decir, siempre que esté atravesada por ese ethos, cualquier sea la forma,
la Justicia Constitucional existe sustancialmente.
No se trata, pues, de ninguna manera, de una cuestión meramente teórica. Al
mismo tiempo que no se deben destronar los modelos clásicos, ya inmortalizados en
el pensamiento jurídico, es necesaria, sin embargo, la “desconstrucción del modelismo
tradicional” (PEGORARO, 2015, p. 13), ante su evidente insuficiencia para explicar el
estado de arte de la Justicia Constitucional. Se debe tener en cuenta que “la motivación
de una u otra solución práctica adoptada en materia de control de constitucionalidad es
más profunda que el mero intento de referirse a un modelo” (PEGORARO, 2005, p. 101).
Lo esencial está antes en el modo propio con que cada Estado, atento a su
realidad, conduce la jurisdicción constitucional, de tal manera que, de los avances

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Renato Gugliano Herani 301

del método comparativo, se tiene el craso error de intentar explicar lo que ocurre en
cada país por la fisiología de las matrices clásicas.
Por lo tanto, el problema de superar la concepción formal por el enfoque
sustancial de identificación de los sistemas de Justicia Constitucional es que no se
puede ignorar, para la comprensión de ese movimiento, el modo en que el derecho
comparado influyó, por su método propio, en esa relectura. Este ofrece pautas
explicativas con “mayor alcance analítico” (SEGADO, 2004, p. 134), emancipadas de
las clásicas lecciones norteamericana y europea, más alineadas con una suerte de
realidad de amplia heterogeneidad de soluciones para organización, procedimientos
y funciones de la Justicia Constitucional.

4 Justicia constitucional como objeto de comparación


En franca evolución el estudio científico de la comparación jurídica desde
la primera mitad del siglo 20, ya es consensual su gran utilidad para el derecho
(material y procesal) constitucional (PEGORARO; RINELLA, 2005, p. 31; VERGOTTINI,
2004, p. 1). Al mismo tiempo que, como un movimiento universalizador, el
constitucionalismo impulsó la aparición de múltiples ordenamientos estatales,
soberanos y autosuficientes, el proceso de constitucionalización de los Estados
instigó y difundió el conocimiento uniformador del derecho público. El punto alto
parece el desdoblamiento hacia un jus publicum europaeum (PEGORARO, 2005, p.
38), en la medida en que evolucionó la integración político-económica de Europa.
Eso abrió nuevas perspectivas para la investigación comparada en el campo del
derecho constitucional. De esa convergencia surgió, a partir de la mitad del siglo
20, el derecho constitucional comparado, con notable desarrollo desde entonces,
importante en la comparación de temas específicos constitucionales hasta en una
etapa más evolucionada de comparación de los temas generales de las constituciones
alrededor del mundo (TUSHNET, 2014, p. 2).
Hoy se ha avanzado, incluso, hacia la formación de un “derecho constitucional
europeo” y, en tiempos más recientes, volviéndose hacia otras latitudes, ha indicado
el desarrollo de un “derecho constitucional latinoamericano”. Hablar de un derecho
constitucional latinoamericano no es, de hecho, una novedad, existe un debate en
curso sobre el “nuevo constitucionalismo latinoamericano” (PASTOR; DALMAU, 2012,
p. 9-44; UGARTE, 2013, p. 345-387), expresión que se ha preferido para marcar las
significativas novedades dispersas y con trazos temáticos comunes que, en cierta
medida, van más allá de recomendaciones constitucionales, para ser cambios

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302 Crítica a los paradigmas clásicos de reconocimiento de la Justicia Constitucional

concretos orientados por un movimiento aún más amplio y antiguo que las llamadas
“constituciones transformadoras” (BERCOVICI, 2013, p. 285-305).
En este contexto de disciplina jurídica dada la aproximación de ordenamientos
a la preservación de su originalidad y autenticidad, ha cobrado relevancia en la
aplicación del estudio comparado sobre los principales temas constitucionales,
entre ellos, sin duda, la Justicia Constitucional. Si el interés inicial, sobre todo entre
los estudios europeos, se centró en conocer su interpretación y las estructuras
organizacionales, hoy, principalmente en América Latina, esta confrontación (micro-)
comparativa adquirió, a su vez, una nueva dimensión alzada por Eduardo Ferrer
Mac-Gregor (2006, p. 173-198) al derecho procesal constitucional. Aquí, el método
comparado es realizado para ayudar a la epistemología de esta nueva rama del
Derecho que se ha dedicado al estudio sistemático de las garantías instrumentales
de la jurisdicción y magistratura constitucional, y ha adquirido, a pasos agigantados,
bases para su autonomía científica.
Se sabe que aún la ciencia de la comparación enfrenta una serie de problemas
de orden funcional, sustancial y metodológico para su emancipación como disciplina
(VERGOTTINI, 2004, p. 2). No obstante, los avances teóricos ya permiten distinguir las
comparaciones de los estudios del Derecho extranjero, lo que no siempre se muestra
debidamente esclarecido. Muchos estudios que pasan por análisis comparativos, en
realidad, proponen la compilación de datos de institutos u ordenamientos jurídicos
de diferentes países. Como bien dice Vergottini (2004, p. 26), “el estudio separado de
varios ordenamientos extranjeros puede llevar a un simple análisis descriptivo de
institutos ‘país por país’, no a una comparación”.
El derecho comparado promueve más que el conocimiento paralelo e
incomunicable del Derecho público o privado de un estado extranjero. Pretende
lograr finalidades más sofisticadas y útiles al comparar ordenamientos e institutos,
por una metodología definida, que, si es bien aplicada, atiende intereses como
un lenguaje jurídico internacional común. El derecho comparado desarrolla una
interpretación valorativa entre el derecho nacional en general del investigador y
el derecho extranjero, por “operación intelectual de contraste entre ordenamientos,
institutos y normativas de diferentes ordenamientos que, si es llevado a cabo de
manera sistemática y según los cánones del método jurídico, asume las características
de disciplina científica” (VERGOTTINI, 2004, p. 2).
En estos términos, de estudios analíticos con el propósito de operaciones
de contrastes para un modo sistematizado de explicación de las convergencias y

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divergencias entre “derechos”, el derecho comparado se ha transformado en “un


sólido marco de referencia” (VERGOTTINI, 2004, p. 2) de la Justicia Constitucional, tal
como está formateada y es existente en diferentes países. No se trata de producir
con el conocimiento comparado un modelo supranacional uniforme de control de la
Constitución. Esto es ciertamente imposible, y, a propósito, es lo que se ha evitado
con el perfeccionamiento del método de la comparación. Lo que está en cuestión es,
con la operación lógica de contrastes de similitudes y diferencias, el establecimiento
de generalizaciones, principios y conceptos básicos con características sistemáticas,
capaces, con ese propósito, de incrementar el juicio crítico acerca de los factores
políticos y jurisprudenciales de la Justicia Constitucional en todo el mundo.
Consciente de la gradual maduración científica de la comparación jurídica,
uno de los exponentes comparatistas, John Henry Merryman (1976, p. 65-92) hace
tres preguntas con el fin de ilustrar su finalidad, objeto y método, y así orientar la
investigación comparada de la Justicia Constitucional. ¿Cuál es el propósito de la
comparación? Desarrollar proposiciones explicativas generales capaces de dimensionar
la real estructuración y funcionalidad de los diversos sistemas de protección de la
Constitución, de modo que, con soporte en referencias internacionales, auxilie en el
desarrollo de un espíritu crítico de la comunidad jurídica y produzca toda suerte de
perfeccionamiento del derecho nacional. ¿Cuál es el objeto que se va a comparar? El
derecho positivo efectivamente en vigor en los ordenamientos jurídicos afectados
por la investigación (law in action). De ello se desprende la atención a las normas
legislativas y también judiciales que institucionalicen la Justicia Constitucional
(normas primarias). Normas que sólo alcanzan su verdadero propósito comparatista si
son observadas de acuerdo con los factores sustancialmente ligados a la expansión y
conformación de la jurisdicción constitucional, considerados por prácticas, costumbres
y convenciones (normas secundarias). ¿Cómo se realiza la comparación? Con la reducción
del objeto comparado a un sistema lógico, es decir, a un modelo, así definido por
Lucio Pegoraro (PEGORARO; RINELLA, 2005, p. 101): “las características abstractas
que marcan un cierto modo de practicar la justicia constitucional, en relación a una
característica, o más a un conjunto de características de reputada importancia”.
Hasta hace poco tiempo, imperaba el pacto general implícito de que
la comparación jurídica sólo tenía sentido si era promotora de una “visión
fundamentalmente eurocéntrica”, vale decir, “entre ordenamientos pertenecientes
a un área político-institucional sustancialmente homogénea, centrada en los
estados europeos y en algunos de sus apéndices extraeuropeos” (VERGOTTINI,

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304 Crítica a los paradigmas clásicos de reconocimiento de la Justicia Constitucional

2004, p. 3). Sin duda, es intuitivo pensar que sería sólo viable la comparación de
institutos y ordenamientos jurídicos dotados de formas y prácticas políticas más
homogéneas; sin embargo, hoy no hay razones científicas para tal limitación. Es
posible analizar el Derecho en sus diferentes intensidades y extensiones a un modo
de macrocomparación o microcomparación. Aquella que pone en confrontación
la globalidad de los órdenes jurídicos, con el fin de retirar elementos comunes y
de distinción, para crear clasificaciones y desarrollar modelos. Ya esta compara
institutos concretos y los evalúa esencialmente en función de su papel en cada
sistema jurídico en el que operan (PEGORARO; RINELLA, 2005, p. 69).
En estos términos, al considerar la comparación jurídica de los sistemas de Justicia
Constitucional, es inmediato indicar la mayor tendencia a la microcomparación,
por traducir un interés específico y concreto instituido. No significa, sin embargo,
divorciar el objeto de la comparación de su inserción global. Por lo contrario,
existe el entroncamiento de ejes más amplios, en que la Justicia Constitucional es
considerada en su estructura y funcionalidad, y anota, como no podría dejar de ser,
la coyuntura constitucional del país analizado.
Hoy ya se sabe que la comparación, para que sea posible, no presupone una
estandarización (homogeneidad) de formas jurídicas sobre determinado instituto u
ordenamiento; la comparación y antes la identificación de la Justicia Constitucional
entre los países se debe menos, aunque es indispensable, a una equivalencia de
formas jurídicas, y más, como bien advierte Vergottini, a la existencia de elementos
identificadores comunes de los institutos a comparar. Tenemos, para ese propósito
comparativo, el esfuerzo de conjugación de la “identidad de los intereses presentes
en los distintos ordenamientos y en la fijación de las modalidades (diversamente
estructuradas, denominadas y reguladas) encaminada a satisfacerlos” (VERGOTTINI,
2004, p. 36). Es una afirmación que hace de la comparación una operación no
sólo de contrastes formales entre derecho nacional y extranjero, sino también de
contrastes funcionales y sustanciales.
Esto es lo que hace que la comparación se distancie de una mera compilación
de normas para establecer equivalencias y diferencias de formas jurídicas, aunque,
como se ha dicho, sea un paso inevitable. Como también con ella no se ambiciona
el más osado estándar homólogo de organización de la Justicia Constitucional. Lo
que está en juego son soluciones jurídicas sustancialmente homogéneas para el
interés jurídico común de evaluar y cotejar el modo como funciona el Estado y se
organiza la protección jurídica de la Constitución. Podemos decir que el método

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comparado considera equivalencias formales, pero sin priorizarlas. Verdaderamente,


se importa con los enfoques sustancial y funcional de la Justicia Constitucional, cuya
realización, como se ha visto, tiende a inspirar distintas soluciones organizativas
entre los diversos ordenamientos jurídicos.
El conocimiento comparado produce modelos de referencia, que sintetizan, de la
manera más amplia posible, contrastes y aproximaciones, y de los cuales son posibles
conclusiones integrativas para los diversos sistemas de Justicia Constitucional,
identificados y considerados en su real (praxis) contexto de manifestación.

5 Parámetros metodológicos de la comparación


La comparación jurídica, cuando es bien aplicada para el conocimiento del
fenómeno de la Justicia Constitucional, combina un modelismo más realista de
mayor capacidad analítica para explicar sistemas complejos y, por eso, orientado
por múltiples criterios. En ese sentido, en favor de la multiplicación y diversidad de
criterios que hay en la clasificación de los sistemas de Justicia Constitucional, hay
propuestas de Humberto Nogueira Alcalá (2003, p. 43-66); Lucio Pegoraro (2015, p.
109); Fernández Segado (2004, p. 131); Dimitri Dimoulis y Soraya Lunardi (2013, p.
73), entre otras. Como hemos dicho, no los explicitaremos porque la preocupación
es anterior, más propiamente con los parámetros metodológicos para su definición.
Bajo ese específico enfoque, Guillaume Tusseau (2014, p. 30) desarrolla un
“metalenguaje comparatista neutro y comprensivo”, para el cual propone cuatro
recomendaciones metodológicas fundamentales, aquí observadas en el campo de la
Justicia Constitucional.
Dos de ellas, más propiamente asociadas a la esencialidad del método
comparatista, se refieren, una, a la vocación descriptiva y científica de las categorías
clasificatorias (descriptivismo inicial) para la promoción del conocimiento del
Derecho, y la otra, a las abstracciones para no confundirse con el derecho positivo de
cada estado y, así, generar, en tema coyunturales, categorías conceptuales abstractas
(universalismo). Estas, aplicadas a situaciones cambiantes y divergentes del derecho
positivo, ciertamente favorecen un metalenguaje neutro, en vista de un sentido
comparatista emancipado, tanto en un plano temporal como espacial.
En esta descripción y categorización, debe ser una preocupación el cumplimiento
de las exigencias lógicas y utilitaristas, para lo que, dice Tusseau, presupone
categorías mutuamente excluyentes, es decir, “el criterio seleccionado deberá
permitir la clasificación de todos los elementos a ordenar de manera que ninguno

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306 Crítica a los paradigmas clásicos de reconocimiento de la Justicia Constitucional

pueda pertenecer simultáneamente a dos o más categorías” (TUSSEAU, 2014, p.


38). Por ejemplo, la clasificación de la jurisdicción constitucional, según el tipo de
fiscalización en difusa y concentrada, no será operativa para gran parte de los países
latinoamericanos, incluso Brasil, pues se comprometen tanto en la primera categoría
como en la segunda. Igualmente inútiles serían los criterios de clasificación si no
fueren exhaustivos “en el sentido de que ningún objeto a clasificar debe quedar
fuera de alguno de los criterios seleccionados” (TUSSEAU, 2014, p. 38). Así, si es
adoptado el criterio de la estructura orgánica en tribunal ad hoc extrajudicial, al
modo de un Tribunal Constitucional, u órgano judicial especializado, como son en
general las Cortes Supremas, no tendría utilidad para clasificar el sistema de Costa
Rica, que no conseguiría encajar en ninguna de estas categorías con su prestigiosa
Sala Constitucional (Sala Cuarta) en el ámbito de su Corte Suprema.
Por último, el decisionismo conceptual en referencia a la definición a priori
de elementos esenciales pertinentes y seleccionados es una exigencia para el
cumplimiento de los propósitos bien definidos de la clasificación que se propone,
requisito que se debe cumplir para un modelismo que mejor considera la variedad
de propiedades formales, sustanciales y funcionales da Justicia Constitucional. A
partir de diversos criterios, un “sistema estará totalmente caracterizado en relación
con estos criterios en el momento en que se determina, para cada uno de ellos, si lo
cumple o no” (TUSSEAU, 2014, p. 41).
Es una estrategia que sólo alcanza alguna utilidad si la selección de los criterios
clasificatorios está condicionada a los compromisos de la investigación que se lleva
a cabo. Pueden ser los más variados, cierto de que no son sólo aquellos preocupados
con el modo como se organiza o como se ejercita el control de constitucionalidad.
La clasificación será tanto más amplia cuantos más sean los propósitos de la
investigación, pudiendo, por ejemplo, dirigirse a una clasificación en que la se
pretende demostrar, por ejemplo, la celeridad y la eficacia de los procedimientos, la
contextualización de la Justicia Constitucional en la historia del constitucionalismo,
su capacidad de respuesta en la sociedad o aún su desempeño como fenómeno de
poder, entre otros objetivos que están para ayudar los intereses del investigador.
El resultado es un conocimiento comparado más afecto a su verdadero
propósito utilitarista e instrumental. Se desarrollan, sin pretensiones de ordenar
la totalidad de los ordenamientos existentes, puntos de vista actitudinales de la
Justicia Constitucional. Con ellos, se tiene “un trabajo contingente de elaboración
institucional” (TUSSEAU, 2014, p. 41), que se abre a estudios más bien receptivos

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de los condicionantes culturales y políticos del país. Se escucha, con certeza, una
libertad de los criterios comúnmente empleados para clasificarla (como en función
del órgano, del momento de la interposición, de los autorizados a la activación; en
razón del tipo de fiscalización etc.).
Lo que se pretende afirmar con esas colocaciones es que, sobre una base
metodológica bien definida del derecho comparado, se tiene la certeza de un
conjunto plural de variables que permiten un mayor alcance analítico, de tal modo
que pueden ofrecer pautas explicativas de los heterogéneos sistemas de Justicia
Constitucional que la realidad impone (SEGADO, 2004, p. 131).

6 Doble perspectiva del objeto comparado


Desde una percepción general, se nota, entre los muchos estudios comparados,
la inclinación por dos perspectivas de la descripción del estado de la Justicia
Constitucional en cualquier tiempo y espacio: (a) la diacrónica y (b) la sincrónica
(TUSSEAU, 2014, p. 45).
La propuesta de análisis diacrónico articula modelos en referencia a la sucesión
o secuencia de tiempo y espacio. Produce, con ese enfoque, un conocimiento
evolutivo a partir de su concepción positiva en cada época y en cada ordenamiento
jurídico. No resulta propiamente un trabajo de carácter histórico, sino más bien una
descripción conceptual hasta los tiempos actuales, como lo hace Lucio Pegoraro
(2002, p. 393-416), en el análisis de la circulación, recepción e hibridación de los
modelos con los sistemas de Justicia Constitucional, y Fernández Segado (2004,
p. 95), en el estudio de las fórmulas híbridas de los actuales sistemas de control
de constitucionalidad.
Ya el análisis sincrónico propone el diseño orgánico de la Justicia Constitucional,
de acuerdo con la lógica de un auténtico y común sistema teórico. Se toman las
categorías fundamentales en composición con una unidad esencial de definición y
delimitación del sistema de defensa de la Constitución. Por lo tanto, el parámetro de
análisis no está propiamente en la temporalidad, sino en un determinado momento
histórico, o sea, en la referencia tiempo-espacio en que el estudio se desarrolla.
Aquí son importantes los estudios comparativos intercontinentales de Mauro
Cappelletti, en que propone un “panorama tipológico”, o sea, la clasificación del
control judicial de constitucionalidad a partir de diversos países, desde los modelos
clásicos, por un análisis estructural preocupado en mantenerla en un “plano de
concreción comparativa” (CAPPELLETTI, 1999, p. 66). También merecen atención

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308 Crítica a los paradigmas clásicos de reconocimiento de la Justicia Constitucional

los estudios comparativos regionalizados, como los más remotos de James Grant
(1947, p. 121-130) y los más recientes de André Ramos Tavares (2014, p. 245-262),
sólo para citar propuestas de estudios más generalizadoras que intentan criterios
múltiples para la comparación. Es lo que proponen también, en un elevado nivel de
generalización y aproximación entre las estructuras y funcionalidad de la Justicia
Constitucional latinoamericana, algunos de los estudios de Hector Fix-Zamudio.
A propósito, esa perspectiva investigativa también instigó a Peter Häberle (2009,
p. 206) “a desarrollar la idea […] de un ‘derecho constitucional común americano’
- analógicamente a la categoría de un ‘derecho constitucional común europeo’, dada
la particularidad de la vida constitucional de Brasil, aliada a los trazos de similitudes
con otros países latinoamericanos”. Como se observa, no faltan también estudios
comparativos de categorías específicas, dedicados al análisis de los elementos
jurisdiccionales constitucionales entre los diversos ordenamientos. Es el caso, por
ejemplo, de estudios de Humberto Nogueira Alcalá, sobre las sentencias de los
Tribunales Constitucionales y sus efectos en América del Sur (2003, p. 113-158) y
Eduardo Ferrer Mac-Gregor, sobre el amparo iberoamericano (2006, p. 173-198).

7 Sistemas concretos latinoamericanos


Como se observa, el perfeccionamiento metodológico del derecho comparado
lo proyectó también, por razones más que suficientes, como técnica de investigación
importante para comprender la Justicia Constitucional en América Latina. Y no parece
haber duda de que los estudios desarrollados por diferentes enfoques revelan que
la tradición cultural en esta región, si no está totalmente divorciada de los modelos
clásicos, tampoco se rinde a ellos absolutamente. Constituye de hecho un perfil
intrépido, por no temer, diciendo con André Ramos Tavares (2014, p. 245-262), “el
camino diverso, más adecuado a sus peculiaridades regionales y nacionales”.
Lo que se quiere decir es que, si es cierto que los sistemas jurisdiccionales
constitucionales en América Latina reflejan en gran medida la dependencia de la
cultura constitucional extranjera, al mismo tiempo transmiten cierta libertad. En el
derecho constitucional brasileño, se pueden observar, por ejemplo, Constituciones,
como la de 1891, inspirada en la influencia intelectual que Rui Barbosa recibe de
la doctrina americana. De esta doctrina importamos, siguiendo un movimiento que
se ha diseminado en América Latina a partir de la mitad del siglo 19, entre otros
institutos políticos, la doctrina del judicial review que aquí consagró, con matices

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propios, el control difuso de constitucionalidad, sin, no obstante, combinarlo con


la doctrina del stare decisis.
Esta tendencia de aproximación sin fidelización no es una particularidad de
Brasil, al contrario, es una tradición latinoamericana. Desde la independencia política
de España y de Portugal, esta región da señales de intercomunicación, primero,
con las bases históricas de la actuación de la Suprema Corte norteamericana en
salvaguarda de la Constitución2, y, en tiempos más recientes, con la estructura
europeo-kelseniana de jurisdicción constitucional concentrada3, sin, no obstante,
resultar de este intercambio una fidelización. Por el contrario, en realidad es
muy pródiga en fórmulas interesantes e innovadoras que mezclan los elementos
esenciales de los procesos constitucionales de naturaleza concentrada y difusa para
resolver discusiones de la actualidad.
En este punto, es especialmente interesante recordar la primera experiencia
chilena de control jurisdiccional de constitucionalidad. La Constitución de 1925
atribuye a la Corte Suprema, de manera inédita expressis verbis4, el poder de revisar la
constitucionalidad de las leyes por el llamado recurso de inaplicabilidad. Sin embargo,
diferentemente del instituto norteamericano, ese recurso tiene un alcance bastante
más restringido. Esencialmente había dos vías posibles de declaración judicial de
inaplicabilidad de una ley en un caso concreto: (a) declaración de oficio de la Corte
Suprema en el conocimiento de un caso de su competencia; y (b) declaración incidental
y perjudicial de pronunciación de inconstitucionalidad de un caso en juicio en otro
Tribunal, para impedir la aplicación inconstitucional del precepto.
La forma de esa herramienta de control de la constitucionalidad fue
pragmáticamente dimensionada según la coyuntura político-social del momento
de su creación. En tiempos anteriores a la creación de la Constitución de 1925, la
doctrina ya alertaba sobre los propósitos específicos de disminuir, con el recurso de
inaplicabilidad, la pasividad hasta entonces del Poder Judicial delante las cuestiones

2 Bajo la influencia de obras clásicas, como La democracia en América de Alexis Tocqueville, y El Federalista
de Alexander Hamilton, James Madson y John Jay, ha importado la doctrina de judicial review, de forma
puntual, plasmada con matices propios en el control difuso de constitucionalidad adoptado en México en
1847, en Argentina en 1872 y en Brasil en 1889.

3 La primera en aproximarse más a ese modelo fue la Corte de Constitucionalidad introducida por la
Constitución de 1965 de Guatemala. Hecho curioso es que, aún en siglo 19, Venezuela ya había creado
una acción popular de inconstitucionalidad, con carácter erga omnes, primero en la Constitución de 1858 y
luego en la de 1863, que ya adelantó rasgos de lo que sería el control concentrado.

4 Expresado en términos (traducción nuestra).

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constitucionales, pero no al punto de pensar en una alta Corte protagonista, como


se veía, por ejemplo, la Suprema Corte norteamericana, y tampoco otorgar a los
jueces el poder de controlar la constitucionalidad de las leyes. En ese contexto, se
implementó la regla de la exclusiva competencia de la Corte Suprema de ejercitar
el control jurisdiccional de la constitucionalidad, lo que se aproxima al sistema
europeo-kelseniano, pero de él se aleja con la previsión de la restricción de los
efectos de la decisión en el caso concreto.
Sin embargo, aun en ese último particular, no había una certeza de vinculación
necesaria de los efectos de la decisión con las partes implicadas, porque el proceso
en el que se deducía el recurso de inaplicabilidad de la ley no era suspendido hasta
la pronunciación de la Corte Suprema, condición que no raramente lo redujo a una
“garantía en condiciones extemporánea y, por lo tanto, inútil” (VIÑAS, 2010, p. 468).
Refuerza aún más el distanciamiento del modelo americano saber que ni al menos
en los casos futuros la decisión del recurso vinculaba, pues no tenía valor de
precedente, cuando mucho de orientación. La particularidad de ese modelo chileno
gana contornos definitivos, cuando se observa que el recurso de inaplicabilidad
no podía hacer control formal de la ley, pues imperaba el entendimiento de que
el proceso de producción de leyes era problema exclusivo interna corporis del
legislativo (NEUMANN, 1988, p. 37-53).
La historia constitucional chilena deja claro que, con ese expediente, la
introducción del control jurisdiccional de constitucionalidad en Chile no representó
propiamente la repetición de directrices clásicas, con el fin de lidiar con lo que está en
la esencia de la jurisdicción constitucional, o sea, los serios problemas de seguridad
y coherencia normativa. Buscaba, antes, interrumpir el autocontrol constitucional
del Congreso (NEUMANN, 1988, p. 37-53), no dándole el poder al Judicial de un
control amplio de constitucionalidad, sino sólo lo suficiente para el contrapeso a
la soberanía legislativa y, así, el favorecimiento de un nuevo presidencialismo que
llegaba para un papel central en la conducción de las directivas constitucionales de
un orden económico fuertemente intervenido por el Estado.
Otro signo histórico de autenticidad de los modelos latinoamericanos desafía
los propios orígenes del control abstracto-concentrado de constitucionalidad. La
Constitución de Venezuela de 1858 ha aportado, en su artículo 133, la sorprendente
previsión de un modelo de ese tipo de control, que podría ser ejercido por medio
de acción popular, con el cual la Suprema Corte está autorizada, con exclusividad,

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a juzgar y declarar nulas, si es el caso, las leyes del Parlamento de las Provincias
(TAVARES, 2014, p. 245-262).
De hecho, es preciso definitivamente reconocer que no es tradición
latinoamericana, al menos en lo que concierne al modo de organizar la justicia
constitucional, comportarse como mera receptora pasiva de institutos importados
de Europa o de América del Norte. Es evidente en esa región que no se puede ignorar
en el ámbito de esta investigación que muchas de las alegadas importaciones son,
en verdad, “completas reelaboraciones locales” (HESPANHA, 2012, p. 7), a veces
apartadas de forma completa de los modelos históricos paradigmáticos, como han
revelado investigaciones de derecho comparado producidas, hasta con cierta ironía,
por ejemplo, por europeos, como Fernández Segado (2009) y Lucio Pegoraro (2015).
Originalidad que ha acreditado a la América Latina como “auténtico laboratorio
constitucional” (SEGADO, 2004, p. 115), dada a fórmulas condicionadas a las culturas
locales, empezando por la osadía de compatibilizar elementos de los modelos
tradicionales europeo y americano de justicia constitucional.
De ahí decir, con Francisco Segado (2007, p. 119-190), que son características
entre los países de esa región normas nada homogéneas que hacen modelos de los
más diversos, como: (a) sistema de Tribunal Constitucional: al modo de la Constitución
peruana de 1993 de Tribunal Constitucional extra Poder Judicial, que ejercita la
jurisdicción constitucional concentrada y difusa5; (b) sistema de órgano judicial
especializado: en la función jurisdiccional constitucional, pero inserto en el Poder
Judicial (Salas Constitucionales). Ese formato proviene de una “solución política
transaccional” entre el grupo de aspiración máxima de un Tribunal Constitucional
extra Poder Judicial y el grupo de visión conservadora de no desvinculación
institucional del Judicial (SAGÜÉS, 2004, p. 1-13)6 ; (c) sistema de órgano judicial no
especializado: o sea, Poder Judicial en el desempeño de la justicia constitucional,
organizado de forma jerárquica, con un órgano máximo dotado de atribuciones de

5 Sucedió, guardando semejante estructura, al Tribunal de Garantías Constitucionales de la Constitución


de 1979. Otros países de ese grupo con órganos especializados ora inseridos en el ámbito del Poder
Judicial, como Bolivia, con el Tribunal Constitucional Plurinacional; Colombia, con la Corte Constitucional;
Ecuador, con el Tribunal Constitucional; Guatemala, con la Corte de Constitucionalidad; como Chile, con
el Tribunal Constitucional, y del Perú.

6 En ese formato, está la prestigiosa Sala Constitucional de Costa Rica, creada con la reforma constitucional
de 1989 (sala cuarta) en el ámbito de su Corte Suprema. Otros países que siguen ese formato: Paraguay,
El Salvador, Venezuela, Nicaragua.

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312 Crítica a los paradigmas clásicos de reconocimiento de la Justicia Constitucional

jurisdicción constitucional y jurisdicción ordinaria, como en Brasil, Argentina, México,


Panamá, Uruguay y República Dominicana.
En medio de la expansión gradual y resistente de una base constitucional
latinoamericana tendiente a la consolidación democrática, es aún significativo a ese
respecto que “la mayor parte de las abundantes reformas constitucionales totales y
parciales llevadas a cabo en los años 80 y 90 en América Latina haya incorporado
o reforzado instituciones de justicia constitucional” (TREMPS, 2003, p. 29-39). Y se
confirma, en ese contexto, lo que se ha demostrado aquí. Con las formas jurídicas,
cada vez más, complejas y mezcladas, esa región se ha convertido en un buen
ejemplo de que “las viejas tipologías necesitan una nueva sistematización, con el fin
de crear modelos dotados de prescriptividad” (BELAUNDE, 1999, p. 121-156).
Pasado más de un siglo de justicia constitucional en tierras latinas, ya se puede
confirmar que es una de las funciones estatales más importantes, y sedimentadas,
por su amplio reconocimiento, entre sus diversas expresiones. Esto es así no
sólo en términos formales, por su amplia funcionalidad conferida por los textos
constitucionales, sino también, y principalmente, en términos políticos y sociales por
la relevancia y por el impacto de sus actividades en todos los sectores de la sociedad.
Este es uno de los legados, en un plano general, de conocimiento comparado de lo
que ya se puede decir, sin exageración, de la “latinoamericanización” de institutos
jurídicos orientados al campo más amplio del derecho procesal constitucional.

8 Conclusión
El estudio aquí realizado llegó, de forma bien sintética, al resultado de que la
profusión de la jurisdicción constitucional ha acarreado el sediento interés académico
por el modo como se desarrolla en diferentes contextos culturales. Naturalmente, para
realizar tal intento fue imperioso reunir un adecuado método de trabajo.
Ya es lugar común entre los comparatistas, como se ha demostrado en este
estudio, la exigencia de modelos de referencia que, si bien no deben reducir la
descripción de los modelos a la repetición de la realidad, ya que si así fuera nada
quedaría por ser clasificado, deben, sin embargo, explicar cómo efectivamente tiene
lugar el funcionamiento de la Justicia Constitucional en las modernas democracias,
o sea, de una manera más pragmática y menos ideal.
A medida que la Justicia Constitucional se perfecciona y, cada vez más, se
convierte en función esencial del Estado Constitucional, el derecho comparado gana
importancia por el diálogo que proporciona entre los países.

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La comparación jurídica ofrece, a partir de esta consciencia, un método fructífero


para explicar y comprender las similitudes y diferencias, y, así, crear modelos capaces
de retratar la diversidad de las formas posibles de protección de la Constitución,
sin perder la unidad conceptual y sus conexiones reales. Ofrece, con este propósito,
criterios clasificatorios en los que, con posibles subdivisiones, se reagrupan elementos
dispersos en un estudio más próximo de la realidad global, regional o local.
La gran ventaja de esta metodología está en propiciar una suerte de economía
intelectual en la resolución de problemas jurídicos constitucionales. Esto es así
en el sentido de que “el modelo nos permitirá administrar varios datos de manera
condensada, es decir, facilitará trabajar con una ‘idea’ sin necesidad de recurrir
necesariamente a cada parte del derecho positivo” (TUSSEAU, 2014, p. 22); en
últimos términos, “reportará una ventaja explicativa o pedagógica” (TUSSEAU,
2014, p. 22) al indispensable proceso de cooperación entre los sistemas jurídicos
en busca de beneficios comunes.
Entre los avances del derecho constitucional comparado está, como se muestra
en este estudio, la obsolescencia de la doctrina de los modelos dicotómicos de
profusión de la Justicia Constitucional y la oferta de otros recursos explicativos más
efectivos, como propone la doctrina de los modelos concretos. Por su sincronía con
las bases de la realidad, es capaz de propiciar explicaciones conciliadoras entre el
pasado y el presente para así crear una base crítica sobre las perspectivas futuras,
más profundas y consistentes con escenarios políticos de crisis y dudas sobre el
funcionamiento de la Justicia Constitucional. No exactamente porque repite las
particularidades de cada Estado, sino porque reduce o sintetiza lo que hay en común
en las estructuras y relaciones políticas.
Los estudios comparados conforman síntesis clasificatorias sobre el modo
como se ha realizado la Justicia Constitucional considerando su organización, sus
funciones y sus formas típicas, siempre con el propósito de determinar las leyes de
formación, fundamentos, fines y tendencias. Es con esta orientación que, sin duda,
ofrecen, de la práctica rigurosa del método, conocimiento de los elementos y de
las categorías esenciales de la Justicia Constitucional, a partir de los contrastes y
de las aproximaciones y de manera más realista del modo cómo se comportan los
diversos ordenamientos jurídicos.
Finalmente, el presente trabajo pretende contribuir a la concientización de
la importancia del derecho comparado en los horizontes de la discusión sobre la
proliferación de la Justicia Constitucional en el mundo; y, así, lo hace indicando,

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314 Crítica a los paradigmas clásicos de reconocimiento de la Justicia Constitucional

en relación a este movimiento y para sus resultados, empezar por la superación


de la visión excesivamente centrada en los modelos clásicos como condición para
evolucionar en el debate sobre la legitimidad, existencia y efectividad de este, aún
en muchos aspectos, enigmático instituto universal.

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4
319

O papel do Sistema Nacional de Seguros


Privados na ordem econômica

GLADIMIR ADRIANI POLETTO


Doutor em Direito Econômico e Desenvolvimento (PUCPR). Visiting Scholar
Program na Universidade Columbia (Nova York). Mestre em Direito (PUCPR).
Professor de Pós-graduação em Direito dos Seguros na Universidade Positivo.
Professor de Pós-graduação do MBA Executivo em Seguros e Resseguros da
Escola Nacional de Seguros de São Paulo.

OKSANDRO OSDIVAL GONÇALVES

Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal). Doutor em


Direito (PUC-SP). Mestre em Direito Econômico e Social (PUCPR). Especialista
em Direito Processual Civil (FP e IBEJ). Professor do Programa de Pós-graduação
em Direito (PUCPR).

Artigo recebido em 7/11/2017 e aprovado em 24/7/2019.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Por que é necessário regular a atividade de Seguros Privados no


Brasil? 3 A estrutura do Sistema Nacional de Seguros Privados e suas funções 4 O papel do
Sistema Nacional de Seguros Privados na ordem econômica 5 Conclusão 6 Referências.

RESUMO: Este trabalho analisa o papel do Sistema Nacional de Seguros Privados


(SNSP) na ordem econômica sob a perspectiva da regulação, questionando o porquê
de ser necessário regular o mercado de seguros nacional. Identificaram-se, a partir
daí, as premissas pelas quais a regulação é necessária, ou seja, para assegurar: i) a
higidez econômico-financeira da Instituição Seguro; ii) a proteção ao consumidor;
iii) a livre concorrência; e iv) a cooperação dos seguradores. A partir do método
dedutivo, o estudo observa, também, a composição do SNSP e o papel dos entes da
Administração que possuem a função de fixar as diretrizes e executá-las, de modo a
regular e fiscalizar a atividade de seguros no Brasil. Por fim, foram avaliados alguns
dos efeitos da regulação na ordem econômica, observando-se os seus princípios de
funcionamento e os princípios-fins previstos na Constituição Federal de 1988.

PALAVRAS-CHAVE: Intervenção do Estado Desenvolvimento Ordem Econômica


Regulação Seguros.

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320 O papel do Sistema Nacional de Seguros Privados na ordem econômica

The role of the Private Insurance National System in the economic order.

CONTENTS: 1 Introduction 2 Why do we need to regulate the Private Insurance Market in Brazil?
3 The structure of the Private Insurance National System and its role 4 The Private Insurance National
System and the economic order 5 Conclusion 6 References.

ABSTRACT: This paper analyzes the role of the Private Insurance National System
(SNSP) in the economic order from a regulatory perspective, questioning why it is
necessary to regulate the Brazilian insurance market. Thereafter, the assumptions of
the need for adjustments were identified, to ensure: i) the economic and financial
health of insurance companies; ii) the consumer protection; iii) the free competition;
and iv) cooperation acts with insurers. This work, based on the deductive method,
analyzes, as well, the composition of the SNSP, and the role of Administration
entities whose duty is setting the guidelines and implementing them, in order to
regulate and supervise the insurance activity in Brazil. Finally, we analyzed some
of the effects of regulation on economic were analyzed, observing their operating
principles and the principles and practices in Brazilian Federal Constitution.

KEYWORDS: State Intervention Development Economic Order Regulation Insurance.

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Oksandro Osdival Gonçalves – Gladimir Adriani Poletto 321

El papel del Sistema Nacional del Seguro Privado en el orden económico

CONTENIDO: 1 Introducción 2 ¿Por qué es necessario regular la actividad de Seguros Privados


en Brasil? 3 La estructura del Sistema Nacional de Seguros Privados y sus funciones 4 El papel
del Sistema Nacional de Seguros Privados en el ordem económico 5 Conclusión 6 Referencias.

RESUMEN: En este trabajo se analiza el papel del Sistema Nacional del Seguro
Privado en el orden económico desde el punto de vista de la regulación y por qué él
es necesario para regular el mercado de seguros del país. Fueron identificados desde
ahí los locales en los que es necesaria una regulación, a saber, garantizar: i) la salud
económica y financiera de la institución de seguros; ii) la protección del consumidor;
iii) la libre competencia; y iv) la cooperación de las aseguradoras. El estudio, basado
en el método deductivo, también analiza la composición del Sistema Nacional de
Seguros Privados y el papel de las entidades de la Administración que tienen la
función de establecer las directrices y ponerlas en práctica con el fin de regular y
supervisar la actividad de seguros en Brasil. Por último, se analizaron algunos de los
efectos de la regulación sobre los derechos económicos y se observaron sus principios
de funcionamiento y los principios propósitos de la Constitución Federal brasileña.

PALABRAS CLAVE: Intervención del Estado Desarrollo Orden Económico


Regulación Seguros.

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322 O papel do Sistema Nacional de Seguros Privados na ordem econômica

1 Introdução

E ste artigo tem por objetivo estudar a regulação estatal na atividade privada
de seguros que, por meio do Sistema Nacional de Seguros Privados (SNSP),
interfere na ordem econômica, neste ponto, tomada como “esfera dos acontecimentos
reais” (WEBER, 1969, p. 251).
Os seguros sociais disciplinados por normas de direito público e administrados
pelo Instituto Nacional do Seguro Social não serão abordados, uma vez que não
integram as operações de seguros privados, conforme o Decreto-lei no 73/1966, mais
especificamente o parágrafo único do seu artigo 3o.
A análise parte do questionamento acerca da necessidade ou não de regular a
atividade de seguros privados no Brasil. Feito isso, verificar-se-á como o SNSP está
posto, abordando-se a sua composição, suas características e suas finalidades.
Em seguida, o Sistema será abordado na perspectiva de execução, regulação
e fiscalização da atividade de seguros privados, confrontando-o com a ordem
econômica disposta constitucionalmente, de modo a harmonizar os institutos e
extrair os seus efeitos.
A resposta para a questão acerca do papel do SNSP na ordem econômica está
na compreensão dos entes que compõem a chamada “Instituição Seguro”. Esta é
estruturada por um conjunto complexo de normas que materializa um produto
denominado de “seguro”, o qual é um propulsor de riquezas que, consequentemente,
possui grande relevância para a economia nacional e, por sua vez, para qualquer
sociedade que busca a promoção do desenvolvimento econômico sustentável.
Portanto, a partir do método dedutivo, estudar-se-á, no presente trabalho,
o papel do SNSP enquanto sistema, entendido como pressupostos de unidade e
ordenação do sistema jurídico na preservação de ordem ou de geração de uma
desordem econômica.

2 Por que é necessário regular a atividade de seguros privados no Brasil?


Entende-se como seguro a composição de uma rede complexa de elementos, com
características distintas e alicerçadas em fundamentos de áreas diferentes, como a
matemática, a economia, a atuária e o direito, que se harmonizam em um só instituto.
O seguro, na sua concepção literal, denomina-se como algo fora de risco, a salvo,
protegido, e este é o objetivo de qualquer consumidor quando busca submeter um
risco futuro de perda econômica a um terceiro denominado segurador.

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Este, ainda que direcionado a riscos pré-determinados, possui como destinatário


a sociedade, revelando um caráter coletivo. Dessa forma, a certeza do pagamento
para reposição de perdas patrimoniais dos segurados está lastreada pelas provisões
técnicas constituídas pela contribuição de um conjunto de segurados que se
denomina mutualismo. Este fundo é gerido pelo segurador de acordo com as regras
determinadas pelo Estado para salvaguardar a Instituição Seguros.
O segurador, ao assumir o risco de perda econômica, presta uma proteção de
garantia atual, a qual poderá ser exercida no futuro mediante a concretização do
risco incerto assegurado, ou seja, o sinistro, este coberto por uma apólice de seguros.
A prestação de garantia se caracteriza pela proteção econômica que o
segurador assume no ato da contratação, mas seus efeitos estão condicionados
à materialidade do sinistro, e, neste caso, à reparação pelo segurador das perdas
econômicas asseguradas. Assim, a efetividade da prestação da garantia é o
fundamento tradicional para que haja a intervenção estatal (GRAU, 2000, p. 124), a
qual atua em área de titularidade do setor privado, no sentido de assegurar a higidez
econômico-financeira do segurador e a certeza da capacidade de pagamento. Para
cumprir com essa prerrogativa, o Brasil implantou em seu sistema de regulação
a metodologia adotada na Europa, denominada de Solvência II – vide Resolução
CNSP no 321/2015 e Circular SUSEP no 517/2015 (BRASIL, 2015).
Ao exercer o controle da higidez econômico-financeira do segurador, o Estado
intervém mediante ato administrativo ou legislativo destinado a limitar, condicionar
ou excluir a iniciativa privada em determinado setor da economia, visando à
preservação dos princípios constitucionais pertinentes para proteger o consumidor.
Este é caracterizado como destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja
ele pessoa jurídica ou física que, na maioria das vezes, não está preparado para
avaliar as condições econômicas do segurador, bem como, do próprio risco que
deseja assegurar.
Assim, a especialidade no trato com o risco, a quantidade e a qualidade das
informações de que o segurador dispõe ao aceitar assumi-lo, colocam-no em uma
posição mais confortável de que a do consumidor, estabelecendo claramente
uma assimetria informacional entre as partes envolvidas, em prol do primeiro e
em detrimento do segundo. Dessa forma, a regulação estatal vem para assegurar
o equilíbrio dessa relação, de modo que a proteção do consumidor é um dos
pressupostos para a intervenção do Estado nesse ramo de atividade. Visa a

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324 O papel do Sistema Nacional de Seguros Privados na ordem econômica

intervenção, portanto, a corrigir uma falha de mercado fruto da supremacia da


informação detida pelo segurador, ou seja, a assimetria informacional existente.
Outro fundamento da regulação neste campo é a atribuição constitucional estatal
para garantir a livre concorrência, tendo em vista que “a existência de um controle mais
efetivo com relação a muitas empresas com poder de mercado só é possível graças
ao controle estrutural” (OCTAVIANI, 2000, p. 45). Embora seja um fundamento que
também justifique a intervenção estatal na atividade, o princípio da livre concorrência
incentiva inquietudes sobre eventuais malefícios de uma competição exacerbada. Por
exemplo, a eventual derrubada nos preços dos prêmios entre os concorrentes para
ampliação de mercado a ponto de ultrapassar os limites razoáveis da atividade e,
assim, comprometer os índices de solvabilidade das empresas.
Nessa hipótese, poder-se-ia admitir que a garantia de livre concorrência
estaria agindo em benefício do segurador detentor de maior capital que, ao ser
muito agressivo comercialmente, poderia levar os concorrentes de menor capital
a situações de graves dificuldades financeiras, objetivando, com tal procedimento,
a aquisição dos concorrentes em melhores condições, de modo a qualificar esta
medida como a de concorrência predatória.
A considerar a necessidade de segurança econômico-financeira do segurador,
bem como a proteção do consumidor em razão da complexidade do seguro e risco
para este, a livre concorrência poderia ser fomento para criação ou implementação
de novos seguros e novas coberturas. Consequentemente, a livre concorrência
na atividade de seguros ensejaria duas interpretações diferentes, a primeira, no
sentido de que a livre iniciativa seria um gerador de eficiência na medida em que
se introduziria no mercado novas formas de seguros e novas condições com preços
de prêmios compatíveis e a segunda, por outro lado, sobre a qual a adição excessiva
de novos produtos e coberturas distintas agravaria o nível de incompreensão
do consumidor de modo a anular qualquer benefício que a livre concorrência
proporcionaria (RIBEIRO, 2006, p. 98).
Destaca-se que o tema permite a crítica quanto aos limites de intervenção do
Estado, os quais serão abordados no decorrer deste trabalho. Se estes forem rígidos,
como de fato são, o princípio da livre concorrência seria tolhido, servindo apenas
às companhias ineficientes que utilizam as condições limitadas pelo Estado como
supedâneo para o exercício de sua atividade econômica que afeta os consumidores,
os quais deixam de acessar novas e melhores coberturas securitárias, o que pode
ser caracterizado como uma forma de oportunismo ou, então, de seleção adversa.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 21 n. 124 Jun./Set. 2019 p. 319-340


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Oksandro Osdival Gonçalves – Gladimir Adriani Poletto 325

No sentido de evitar um mercado de seguros predatório, a interferência estatal


justifica-se para promover um ambiente de cooperação entre os seguradores no que
se refere à aplicação das melhores técnicas de avaliação de risco para, inclusive,
alcançar outros benefícios, como a celeridade, a eficiência e a eficácia, bem como a
adoção de prêmios razoáveis em contrapartida à assunção de obrigações.
Adicionalmente, a regulação da atividade de seguros no ambiente de cooperação
possui um pressuposto relevante: o controle estatal. Para evitar atos dos seguradores
que tenham por objetivo disciplinar o mercado de seguros de modo a atingir um
grau de vantagem desproporcional para a sua operação, veda-se a eles a prática de
atos anticoncorrenciais, sob pena de assumirem os ônus decorrentes das medidas
disciplinares e/ou sancionadoras impostas pelo Estado.
Nesse cenário, o art. 170 da Constituição Federal destaca os princípios
norteadores da atuação do Estado e da iniciativa privada na produção e circulação
de riquezas. Os incisos IV e V do mesmo artigo trazem a livre concorrência e a defesa
do consumidor como princípios de funcionamento da ordem econômica e justificam
a intervenção regular do Estado na atividade de seguros privados.
A indagação originária deste capítulo, quanto ao porquê de ser necessário
regular a atividade privada de seguros no Brasil pode ser respondida de forma
objetiva. É necessário regulá-la para assegurar: i) a higidez econômico-financeira do
segurador; ii) a proteção do consumidor; iii) a livre concorrência; e iv) a cooperação
entre os seguradores no mercado (RIBEIRO, 2006, p. 93).

3 A estrutura do Sistema Nacional de Seguros Privados e suas funções


Anteriormente, foram abordados os fundamentos pelos quais a atividade de seguros
deve ser regulada no Brasil. Neste tópico, verificar-se-á como o SNSP está estruturado e
quais são as suas diretrizes no alcance da regulação desta atividade econômica.
A integralidade das operações de seguros privados realizados no país está
subordinada ao Decreto-lei no 73/1966 (art. 1o), o qual é responsável por estabelecer
objetivos para a Política Nacional de Seguros (art. 5o), que são: promover e expandir
o mercado de seguros para permitir sua integração no processo econômico e social
do país; evitar a evasão de divisas; assegurar o princípio da reciprocidade para
propiciar o investimento das companhias estrangeiras em igualdades de condições
às do país de origem; promover o aperfeiçoamento das sociedades seguradoras;
e, harmonizar a política de seguros com a política de investimentos do Governo
Federal (BRASIL, 1966).

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 21 n. 124 Jun./Set. 2019 p. 319-340


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326 O papel do Sistema Nacional de Seguros Privados na ordem econômica

Em consonância com o art. 174 da Constituição Federal, o capítulo II do


Decreto-lei no 73/1966, mais especificamente no seu art. 7o, estabelece que compete
privativamente ao Governo Federal formular a política de seguros privados, legislar
sobre suas normas gerais e fiscalizar as operações no mercado nacional, de modo a
legitimar a Política Nacional de Seguros em observância das premissas assinaladas
anteriormente, de maneira a preservar a: i) a higidez econômico-financeira do
segurador; ii) a proteção do consumidor; iii) a livre concorrência; e iv) a cooperação
entre os seguradores no mercado.
Para dar seguimento à Política Nacional de Seguros, o Decreto-lei no 73/1966
instituiu o SNSP. Este é estruturado por entes da Administração e por operadores da
atividade econômica na forma atual do artigo 8o, cuja a composição é a seguinte:
a) do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP); b) da Superintendência
de Seguros Privados (SUSEP); c) dos resseguradores (art. 8o, “c”, do Decreto-lei no
73/1966); d) das sociedades autorizadas a operar em seguros privados; e e) dos
corretores habilitados.
Assim, o sistema acima atua de forma coordenada visando promover uma
adequada regulação, já que “a regulação estatal é, pois, uma forma de intervenção
do poder público sobre o campo da economia, na qual, em regra, deve em regra deve
imperar a liberdade dos agentes econômicos. Porém, trata-se de uma intervenção
indireta, não demandante da assunção da exploração da atividade diretamente
pelo poder público” (MARQUES NETO, 2009, p. 11). Nada obstante, para melhor
delimitação do trabalho, o estudo não abordará os resseguradores, seguradores e
corretores habilitados por serem pertencentes ao regramento de direito privado e
submetidos ao controle instituído pelo CNSP e pela SUSEP.

3.1 Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP)


O CNSP foi constituído com o objetivo de desenvolver o Seguro Nacional. Ele foi
criado durante o governo militar visando harmonizar a política de governo e garantir
o dinamismo constante da Instituição Seguro, que, já àquela época, exigia condições
mais flexíveis para impulsionar o crescimento do mercado e, por consequência, o
desenvolvimento econômico do país (ALVIM, 1980, p. 171). Além da dinamicidade, o
CNSP também deveria buscar preservar a solidez do mercado.
Trata-se de órgão público colegiado que integra o Ministério da Fazenda (art. 29
da Lei no 10.683/2003), composto pelo Ministro da Fazenda, que exerce a presidência,
pelo representante do Ministério da Justiça, pelo representante do Ministério da

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Oksandro Osdival Gonçalves – Gladimir Adriani Poletto 327

Previdência Social, pelo Superintendente de Seguros Privados, pelo representante


do Banco Central do Brasil e pelo representante da Comissão de Valores Mobiliários.
O CNSP exerce relevante função normativa, pois na forma do artigo 32 do
Decreto-lei no 73/1966 possui a responsabilidade de: a) fixar as diretrizes e as
normas da política de seguros privados; b) regular a constituição, organização,
funcionamento e fiscalização dos que exercerem atividades subordinadas ao SNSP,
bem como a aplicação das penalidades previstas; c) estipular índices e demais
condições técnicas sobre tarifas, investimentos e outras relações patrimoniais a
serem observadas pelas sociedades seguradoras; d) fixar as características gerais
dos contratos de seguros; e) fixar normas gerais de contabilidade e estatística
a serem observadas pelas Sociedades Seguradoras; f) delimitar o capital das
sociedades seguradoras e dos resseguradores; g) estabelecer as diretrizes
gerais das operações de resseguro; h) disciplinar as operações de cosseguro; e i)
prescrever os critérios de constituição das sociedades seguradoras, com fixação
dos limites legais e técnicos das operações de seguro; dentre outras diretrizes que
compõe o âmbito da intervenção no campo econômico do seguro (BRASIL, 1966).
Embora o CNSP seja dotado de relevante função normativa, não é atuante,
tanto que, para Walter Polido, trata-se de um órgão virtual, pois este sequer existe
fisicamente (POLIDO, 2015, p. 43).
Com efeito, embora legitimado e detentor da principal função normativa
integrante do SNSP, que é a fixação de diretrizes e normas de seguros privados,
o CNSP confere à SUSEP, executora das diretrizes, ampla função regulatória, seja
quanto à especificidade de conteúdo do seguro ou mesmo para complementar as
diretrizes do CNSP. Na prática, ocorre a disfunção de competência legal, uma vez que
a SUSEP acaba fazendo as vezes do CNSP. Em elevado grau, há distorção do Sistema.

3.2 Superintendência de Seguros Privados (SUSEP)


A SUSEP é uma autarquia federal, estas que podem ser definidas como “pessoas
jurídicas de Direito Público de capacidade exclusivamente administrativa” (MELLO,
2015, p. 164). Criada pelo Decreto-lei no 73/1966, trata-se de pessoa jurídica
de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira, além de
pertencer à administração pública indireta e vinculada ao Ministério da Fazenda
(Lei no 10.683/2003, art. 27, inciso V, “a”). Ela possui funções de natureza executiva,
reguladora e fiscalizadora (art. 36 do Decreto-lei no 73/1966).

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328 O papel do Sistema Nacional de Seguros Privados na ordem econômica

Na função executiva, a SUSEP, na qualidade de executora da política traçada pelo


CNSP, cumprirá as determinações deste, conforme estabelece o art. 36 do Decreto-
lei no 73/1966, nas alíneas “a”, “d”, “f” e “i”, com a finalidade de: i) processar os pedidos
de autorização, para constituição, organização, funcionamento, fusão, encampação,
grupamento, transferência de controle acionário e reforma dos estatutos das
sociedades seguradoras, opinar sobre os mesmos e encaminhá-los ao CNSP; ii)
aprovar os limites de operações das sociedades seguradoras, de conformidade com
o critério fixado pelo CNSP; iii) autorizar a movimentação e liberação dos bens e
valores obrigatoriamente inscritos em garantia das reservas técnicas e do capital
vinculado; e iv) proceder à liquidação das sociedades seguradoras cuja a autorização
para funcionar no País foi cassada (BRASIL, 1966).
Embora o CNSP tenha a competência para fixar as diretrizes e normas da
política de seguros privados, conforme as determinações do Decreto-lei no 73, art.
32, inciso I, a SUSEP possui legitimidade, na forma do mesmo art. 36, alíneas “b”, “c”,
para regular o mercado, podendo, assim: i) baixar instruções e expedir documentos
circulares relativas à regulamentação das operações de seguro, de acordo com as
diretrizes do CNSP; ii) fixar condições de apólices, planos de operações e tarifas a
serem utilizadas, obrigatoriamente, pelo mercado segurador nacional.
A importante função fiscalizatória da SUSEP está expressa no art. 32, alíneas “g”,
“h” e “k” do Decreto-lei no 73/1966, cuja atuação recai em: i) fiscalizar a execução das
normas gerais de contabilidade e estatística fixadas pelo CNSP para as sociedades
seguradoras; ii) fiscalizar as operações das sociedades seguradoras, e aplicar as
penalidades cabíveis; e iii) fiscalizar as operações das entidades autorreguladoras
do mercado de corretagem, inclusive o exato cumprimento das leis pertinentes,
de disposições regulamentares em geral e de resoluções do CNSP, e aplicar as
penalidades cabíveis (BRASIL, 1966).

3.2.1 Os efeitos da função executiva da SUSEP no mercado de Seguros


Em conformidade com as prerrogativas funcionais impostas pelo Decreto-lei
no 73/1966, cabe à SUSEP processar os pedidos de constituição, aprovar limites,
autorizar sua movimentação e liberação de valores registrados em reservas técnicas,
e proceder à liquidação das sociedades seguradoras. Essa função executiva da SUSEP
harmoniza-se com os princípios que visam salvaguardar a Instituição Seguro.
O Órgão também é responsável pelo processamento dos pedidos de constituição
de sociedades seguradoras, resseguradoras, e de corretores de resseguros. Dessa forma,

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Oksandro Osdival Gonçalves – Gladimir Adriani Poletto 329

ele exerce sua função para preservar os critérios de higidez econômico-financeira


dos agentes supervisionados, a proteção aos consumidores, a livre concorrência e as
cooperações entre os seguradores.
O pedido de constituição de sociedade seguradora será processado de acordo
com as formalidades e exigências que visam garantir um tratamento igualitário a
qualquer grupo que possua interesse em explorar a atividade de seguros. Trata-se de
procedimento pré-determinado que, ao preservar os critérios econômicos da instituição,
visa assegurar que a companhia seja controlada por integrantes aptos a todos os atos
empresariais, sem qualquer desabono, e que seja gerida por executivos que detém
conhecimento no ramo e, sobretudo, que a nova companhia tenha conduta ilibada em
conformidade aos termos da Resolução CNSP no 330/2015, mais especificamente em
seu art. 5o.
A identificação da origem dos recursos é necessária quando da formação dos atos
societários, seguido da integralização de capital mínimo que deverá ser realizado no
ato da constituição da companhia ou no prazo de até 12 (doze) meses a contar do
registro da entidade, desde que a parcela integralizada não seja inferior ao capital
mínimo requerido (art. 7o da Resolução CNSP no 330/2015). Atualmente, a identificação
da origem dos recursos ganha especial relevância ante a submissão do Brasil a diversos
tratados internacionais, entre eles, a Convenção da Nações Unidas Contra a Corrupção,
do ano de 2003. Estes visam regular o fluxo de capitais no mundo para impedir a
prática de atividades criminosas, tais como a lavagem de dinheiro e o financiamento
de atividade terrorista. Assim, a Circular SUSEP no 445/2012 dispõe sobre os controles
internos específicos para a prevenção e combate desses crimes (BRASIL, 2012).
E mais, a Resolução CNSP no 330/2015 exige a autorização expressa, por todos
os integrantes do grupo de controle e por todos os detentores de participação
qualificada, (i) à Receita Federal do Brasil, quanto ao fornecimento à SUSEP de
cópia da declaração de rendimentos, de bens e direitos e de dívidas e ônus reais,
relativa aos dois últimos exercícios, para uso exclusivo no respectivo processo de
autorização; e (ii) à SUSEP, para acesso a informações a seu respeito constantes de
qualquer sistema público ou privado de cadastro e informações, inclusive processos
e procedimentos judiciais ou administrativos, para uso exclusivo no respectivo
processo de autorização (BRASIL, 2015).
Destaca-se, no procedimento em análise, a verificação de inexistência de
restrições que possam, a juízo da SUSEP, afetar a reputação dos controladores e

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330 O papel do Sistema Nacional de Seguros Privados na ordem econômica

detentores de participação qualificada, tudo a bem do interesse da Instituição


Seguro, sua principal finalidade.
Após entrevistas pessoais e a verificação da robustez do plano apresentado,
bem como pela composição adequada da companhia por todos os acionistas, pelos
seus executivos, enfim, pelo cumprimento objetivo de todas as exigências legais,
a SUSEP expedirá a autorização e a entidade será́ considerada em funcionamento.
Após a publicação da autorização de funcionamento no Diário Oficial da União,
a nova companhia estará apta a realizar todos os atos para o desenvolvimento
de suas carteiras de seguros, tais como: assumir riscos, arrecadar prêmios e pagar
indenizações, tudo em conformidade com o plano de negócios aprovados pelo CNSP
(art. 78 do Decreto-lei no 73/1966).
Observa-se que não está em reflexão as determinações pelas quais a SUSEP
cumprirá seu mister, uma vez que os requisitos são de prerrogativa do CNSP e da
própria lei. A análise da pertinência dos requisitos exigidos extrapola a função
executiva que ora se comenta. Portanto, aceitar o processamento ou recusá-lo ante
a ausência dos requisitos legais é a tarefa da SUSEP, cuja consequência é o exercício
do controle de admissão de novas companhias de seguro no mercado.
Caso contrário, hipoteticamente, poder-se-ia questionar se o controle de entrada
de novos interessados no mercado de seguros, a despeito da necessidade de verificar
a higidez econômico-financeira, estaria na contramão das diretrizes do SNSP, as
quais são para o desenvolvimento do mercado de seguros, com a preservação da
livre iniciativa e da livre concorrência. O Estado, por meio da SUSEP, ao não permitir
a entrada de uma empresa candidata a segurador, acaba por não desenvolver o
mercado, agindo, assim, em sentido oposto. Uma vez que seu ato estaria afrontando
os princípios da livre iniciativa, da livre concorrência ou mesmo da cooperação de
seguradores, prerrogativas estas da Política Nacional de Seguros, a regulação pode
servir de barreira de entrada para novos competidores, com reflexos potencialmente
negativos em desfavor dos consumidores pois, quanto maior a concentração, maior
é a tendência da prática de preços mais elevados.
Consequentemente, há uma tensão entre o processo de regulação do SNSP e os
princípios pelos quais se justifica a intervenção do Estado na atividade privada de
seguros, pois, em razão do rigor das barreiras de entrada no mercado de seguros,
os princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência não seriam
observados na sua plenitude.

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Em contrapartida, um menor rigor no processo de constituição de novas companhias,


poderia, em tese, também refletir negativamente para o consumidor. Companhias menos
estruturadas poderiam entrar no mercado, praticando preços mais baixos, porque não
atenderam a todas as exigências atuariais e de estrutura de garantias, por exemplo.
Assim, ocorrido o sinistro, não teriam condições de arcar com os custos respectivos
comprometendo todo o sistema a partir de uma reputação negativa.
Dessa forma, a função executiva da SUSEP é necessária porque seus atos estão
pautados no princípio da legalidade e alinhados por um feixe convergente de
normas e princípios que orientam a formação efetiva de um sistema para o mercado
de seguros no Brasil.

3.2.2 Os efeitos da função regulatória da SUSEP no mercado de Seguros


Se a função executiva desperta pouca discussão, não se pode dizer o mesmo da
função regulatória. Além da possível inconstitucionalidade dos atos normativos, em
face de que a matéria de seguros é de competência privativa da União, conforme
o art. 22 da Constituição (BRASIL, 1988), o que se questiona é se a SUSEP não
extrapola a função acauteladora de segurança e de proteção ao consumidor quando
a norma emitida afeta a essência da exploração econômica da atividade privada.
Esse poder regulamentar está previsto no art. 36, letras “b” e “c” do Decreto-lei
n 73/1966 e pode ser exercitado por meio de instruções e circulares às operações
o

de seguro, bem como pela fixação de condições de apólices, planos de operações e


tarifas a serem utilizadas obrigatoriamente pelo mercado segurador nacional.
O que se discute, portanto, é se a SUSEP, ao exercer a prerrogativa de fixar as
condições de apólices, não estaria interferindo diretamente na atuação da empresa
privada que, em essência, é analisar e assumir riscos de perdas financeiras para o
desenvolvimento do seu negócio. Ainda, ao fixar as condições da apólice, no afã de
tentar proteger o consumidor, poderia produzir o resultado contrário, uma vez que
os riscos excluídos constariam das condições aprovadas pela SUSEP e, portanto, as
exclusões de riscos estariam padronizadas por todo o mercado segurador nacional.
Nessa hipótese, a SUSEP, ao aprovar as condições da apólice, estaria ceifando
o desenvolvimento da técnica securitária da companhia de seguros exploradora
da atividade econômica. Isso se dá quando o consumidor desejar adquirir uma
cobertura para um risco que está excluído (cobertura padronizada), a companhia,
ao invés de criar alternativas para implementar determinado produto, responderia

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332 O papel do Sistema Nacional de Seguros Privados na ordem econômica

que se trata de risco excluído e não poderia cobri-lo, porque a SUSEP não permitiria
alterar coberturas padronizadas.
Nesse sentido, o princípio da livre concorrência está, de certa forma, afetado,
uma vez que não é interessante investir em determinados produtos, ou mesmo, no
melhoramento de produtos existentes, porque há uma barreira que não incentiva os
players1 do mercado, pois estes exploram uma atividade que possui produtos não
diferenciados, ou seja, exploram uma atividade de seguros padronizados, no qual o
menos eficiente está equiparado ao mais eficiente em termos de produto.
Nesse caso, há, inclusive, a ocorrência de um processo de seleção adversa,
uma vez que a padronização de cláusulas de seguros enseja o mesmo tratamento
para os riscos diferentes, ou seja, a falta de diferenciação qualitativa incentiva a
apresentação e a absorção dos piores riscos em razão de que a contratação do
seguro representaria uma expectativa de vantagem ao segurado. Por outro lado,
não incentiva a absorção dos melhores riscos, pois, na perspectiva do beneficiário,
o produto seria desnecessário em razão de não haver distinção de qualidade
referente ao objeto de cobertura e seus respectivos efeitos, como exemplo, o custo
de transação (MAKAAY; ROSSEAU, p. 136, 2015).
As falhas ou vícios de concepção ou implementação da norma podem gerar,
além de efeitos indesejados, custos que superam os benefícios ao consumidor,
desvio de finalidade e captura por grupos de interesse.
Poder-se-ia atribuir como uma falha ou vício da regulação a determinação da
assunção padronizada de riscos pelo segurador, cuja concepção e implementação
seriam responsáveis por efeitos não desejados, ou seja, a limitação de coberturas
securitárias e, por consequência, custos elevados que poderiam, inclusive, superar os
benefícios aos consumidores. A referida inaptidão da norma caracterizar-se-ia como
uma espécie de desvio de finalidade, uma vez que restringiria a essência do negócio
do segurador que é assumir, administrar e prestar garantia para riscos diversos
provenientes de interesse legítimo e gerar riquezas.
Enquanto uma regulação de qualidade atende a finalidades variadas, visando a
ampliar e reforçar os negócios, a regulação rígida estrutural – exploração do negócio
de seguros pela assunção dos riscos padronizados – torna-se contraproducente, pois
limita o cumprimento do objetivo de essência, ou seja, assegurar mais mediante a
liberdade e eficiência empresarial (SUNDFELD, 2014, p. 117).

1 Expressão referente a “jogadores”, do inglês, usada neste sentido como “agentes” do fenômeno (no caso,
o mercado) – (tradução nossa).

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Nesse aspecto, a intervenção do Estado, a despeito da higidez econômico-financeira,


não impulsiona o desenvolvimento da atividade do mercado de seguros, porque não
permite a inovação, seja por conveniência, seja porque o efeito de inovar não é um
sinônimo de valor. Seria uma espécie de segurar mais e assegurar menos (HEIMER,
2002, p. 116).
Ao exagerar na intervenção, a SUSEP acaba por não incentivar o investimento
em prol do aperfeiçoamento da companhia e, além disso, afeta aquele que visa
salvaguardar, o consumidor, que permanece sem acesso a produtos com coberturas
mais abrangentes e de melhor, ou de igual preço. Aliás, esta não é uma característica
regulatória exclusivamente brasileira, pois ocorre em mercados tradicionais, como
exemplo o dos EUA (KOCHENBURGER; SALVE, 2012 p. 230). Embora exista em mercados
tradicionais, o excessivo engessamento regulatório é negativo, porque impede que
novos produtos sejam oferecidos aos consumidores, o que pode, inclusive, impedir o
acesso de uma parcela do mercado consumidor ao produto “seguros”.
O Estado, nesse caso, não possui especialidade operacional para atuar em um
mercado dinâmico de seguros e para padronizar, na velocidade adequada, todos os
tipos de coberturas necessárias que a dinamicidade social reclama, além, é claro,
da própria impertinência do standard2, uma vez que vários riscos se destinam a
cobertura únicas, próprias, cuja especificidade do risco pode ser singular.
Nesse particular, a SUSEP, por meio da Circular no 458/2012, extinguiu a
modalidade de seguro singular determinando que, em caso de necessidade de
continuação de cobertura, as companhias devem disponibilizar seguros não
padronizados mediante coberturas adicionais ou condições particulares específicas.
Portanto, um seguro distinto que servia a um conjunto de riscos diferenciados,
cuja elaboração visava a adequação destes à especificidade das coberturas,
denominava-se de seguro singular. As coberturas padronizadas existentes não
atenderiam à qualidade de segurança exigida pelo segurado e, consequentemente,
tratava-se de um seguro tailor-made3. Porém, em razão da extinção da norma, tal
prática está vedada.
Observa-se que o Estado, ao determinar a base de negócios de risco na atividade
de seguros, extrapola sua função, além de não incentivar o setor privado, o que
interfere na livre iniciativa, um princípio da ordem econômica previsto no art. 1o, IV,
art. 170, art. 174 da Constituição Federal de 1988 (POLIDO, 2015, p. 33).

2 Expressão referente a “padrão”, do inglês, utilizada neste sentido como regras uniformes (tradução nossa).

3 Expressão referente a “sob medida”, do inglês, utilizada neste sentido como personalizado (tradução nossa).

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334 O papel do Sistema Nacional de Seguros Privados na ordem econômica

Assim, a intervenção do Estado revela-se contraditória, uma vez que se


qualifica com uma atuação sem existir, pois a SUSEP define bases operacionais
para um mercado em que não atua, apenas regula: “atividade mediadora que
assegura direitos e obrigações, tipo de equilíbrio desejado pela lei” (COELHO,
2012, p. 37). Contudo, não o incentiva e ainda extrapola os limites de sua
intervenção, atingindo o mercado qualificado sem a especialidade exigida para
cumprir um dos objetivos previstos na Política Nacional de Seguros, ou seja, o
desenvolvimento do mercado nacional de seguros.

3.2.3 Os efeitos da função fiscalizatória da SUSEP no mercado de seguros


A função de fiscalização visa à preservação da higidez econômico-financeira
do mercado nacional, bem como à proteção do consumidor, mas “não altera a
competência dos demais órgãos de proteção e defesa do consumidor, tampouco
afasta a aplicação do CDC” (MIRAGEM; CARLINI, 2014, p. 36).
O art. 36, alíneas “g”, “h” e “k”, do Decreto-Lei no 73/1966 conferiu à SUSEP
amplos poderes para fiscalizar a atividade de seguros no país, e o art. 108, por sua
vez, especificou as medidas repressivas pelas quais as pessoas jurídicas e pessoas
naturais estão submetidas, ou seja, da mais branda à mais grave, estando assim
estruturada: advertência; suspensão do exercício das atividades ou profissão;
inabilitação de 2 (dois) a 10 (dez) anos; multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$
1.000.000,00 (um milhão de reais), conforme o art. 2o da Resolução CNSP 243 de
2011, e suspensão de atuação em 1 (um) ou mais ramos de seguro.
A fiscalização permite identificar situações relevantes em que o descumprimento
das normas reguladoras coloca em risco o patrimônio dos segurados ou quando
fique evidenciada irregularidade ou insuficiência de provisões técnicas, situação
econômico-financeira insuficiente à preservação de liquidez operacional.
Essas ocorrências ensejam a atuação da SUSEP de forma célere, determinando a
imputação de regime especial à entidade supervisionada, o qual poderá ocorrer por
meio da nomeação de um diretor fiscal que vai atuar para preservar o interesse público
e a proteção dos consumidores. Restando comprovada a impossibilidade de equilíbrio
das condições financeiras da companhia, a SUSEP proporá a liquidação extrajudicial da
empresa, o que poderá ocorrer de forma ordinária ou compulsória (art. 3o da Resolução
CNSP no 335 de 2015) e cujo processamento será de sua responsabilidade.

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Oksandro Osdival Gonçalves – Gladimir Adriani Poletto 335

A intervenção do Estado deve ocorrer, também, quando ficar evidenciada a


exploração da atividade de seguros sem a devida autorização. Assim, a SUSEP possui
a prerrogativa de fiscalizar o mercado e coibir práticas lesivas à Instituição Seguros.

4 O papel do Sistema Nacional de Seguros Privados na ordem econômica


A Ordem Econômica pode ser interpretada, segundo Eros Grau, como “um
conjunto de normas que define, institucionalmente, um determinado modo de
produção econômica” (GRAU, 2000, p. 55).
O modo de produção econômica referido é a exploração da atividade securitária,
a qual é geradora de riquezas. Trata-se de uma atividade econômica regulada por
meio de um conjunto de normas nas quais seus agentes veem delimitados os seus
atos. Dentre estes estão desde a superação das barreiras de entrada, incluindo
os atos normais de exploração da atividade, até os limites de atuação, tudo (no
dever-ser) em funcionamento, com o objetivo expresso pela Política Nacional de
Seguros prevista no artigo 5o do Decreto-lei no 73/1966 e das demais disposições
regulatórias que têm como objetivo central proteger a Instituição do seguro.
Assim, de um lado, temos, institucionalmente, a Política Nacional de Seguros
cujo desenvolvimento cabe ao SNSP, e de outro, temos os princípios da atividade
econômica expressos no artigo 170, incisos I a IX e seu parágrafo único, os quais
(ainda no dever-ser) devem funcionar harmonicamente.
Para fins deste estudo, destacam-se os princípios da soberania, da livre iniciativa,
da defesa do consumidor e da livre concorrência, os quais estabelecem, segundo Luís
Roberto Barroso, “os parâmetros de convivência básicos que os agentes da ordem
econômica deverão observar” (BARROSO, 2001, p. 193), harmonicamente previstos
e que devem ser observados pela Instituição Seguros, os quais são denominados de
princípios de funcionamento.
O funcionamento do princípio da soberania, no Brasil, está previsto no art. 1o
do Decreto-lei no 73/1966, Lei Complementar no 126/2007 e Resolução CNSP No
197/2008, bem como o princípio de defesa do consumidor também está, uma vez
que o art. 5o, inciso XXXII, da Constituição Federal assegura que o Estado promoverá
a defesa do consumidor. Portanto, no ambiente de seguros, a SUSEP possui a referida
prerrogativa enquanto ente executor das políticas fixadas pelo CNSP, sendo, dessa
forma, reguladora e fiscalizadora da atuação do SNSP, composto de seguradores,
resseguradores e corretores habilitados.

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336 O papel do Sistema Nacional de Seguros Privados na ordem econômica

Aliás, trata-se de mecanismo necessário e apropriado para preservar as regras


fundamentais de proteção, ou seja, a transparência contratual de modo a propiciar o
pleno entendimento sobre o que se está contratando, sem que eventual dubiedade
seja desfavorável ao consumidor, bem como haja o controle das eventuais vantagens
indevidas do segurador sobre o consumidor no risco contratado.
Por sua vez, harmonizar os princípios cconstitucionais, explícitos no art. 170
da Constituição (BRASIL, 1988), da livre iniciativa e da livre concorrência com as
premissas de alcance à higidez econômico-financeira da seguradora não se traduz
em simplicidade, pois, conforme se pontuou anteriormente, para se explorar a
atividade de seguro no Brasil o interessado deverá sobrepor as barreiras de entrada
que, pela natureza do negócio, são necessárias, mas, por si só, são limitadoras da livre
iniciativa, caracterizando-se pela franca liberdade de atuar no âmbito econômico.
A regulação deve possuir o condão de assegurar o princípio da livre iniciativa
na exploração da atividade de seguros, ou seja, refletir equilíbrio nas exigências, de
modo que os excessos não devem ser tolerados, sejam quanto às barreiras naturais
ou mesmo artificiais, estas de origem subjetiva dos agentes econômicos, enquanto
aquelas de oriundas do próprio mercado (RIBEIRO, 2006, p. 110).
A concentração do mercado de seguros no Brasil é elevada e, por um lado, está
em consonância com a prerrogativa da higidez financeira, pois a concentração leva
à existência de seguradoras com alta capacidade econômica que são propulsoras de
riquezas, uma vez que atuam em vários segmentos de risco e, consequentemente,
não suscetíveis a perdas concentradas e catastróficas.
Por outro lado, a concentração do mercado afeta a livre concorrência, pois a
disputa do mesmo mercado entre conglomerados economicamente desiguais
determina a prática de condutas anticoncorrenciais (Lei no 12.529/2011) e de atos
nocivos à coletividade.
Assim, seja pela linha econômica ou pela perspectiva jurídica, entende-se
que a livre concorrência deve estar assegurada pela regulação, uma vez que esta
possui a prerrogativa de equacionar as variáveis da exploração econômica visando a
propiciar um ambiente livre e de proteção ao consumidor, inclusive, com a imposição
de comportamentos adequados de seus agentes.
Os princípios de funcionamento citados formam as regras pelas quais orientam
disciplinarmente a conduta dos particulares na exploração da atividade econômica,
com o objetivo final de garantir a existência digna; a redução das desigualdades
regionais e sociais; a busca do pleno emprego; e a expansão das empresas de pequeno

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Oksandro Osdival Gonçalves – Gladimir Adriani Poletto 337

porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração
no país, estes denominados de princípios-fins, conforme a Constituição Federal, art.
170, incisos VI a IX.
Nesse contexto, revela-se oportuno destacar o art. 174 da Constituição Federal,
no qual o Estado, na função de agente normativo e regulador da atividade econômica,
deve incentivar o planejamento de modo a ser determinante para o setor público
e indicativo para o setor privado. Destaca-se, na redação deste artigo, a função
do Estado de incentivar a atuação da iniciativa privada na exploração econômica,
já que “o Estado não pode impor aos particulares nem mesmo o atendimento de
diretrizes ou intenções pretendidas, mas apenas incentivar, atrair os particulares,
mediante planejamento indicativo que se apresente como sedutor para condicionar
a atuação da iniciativa privada” (MELLO, 2015, p. 820). Como tal, o SNSP deve estar
em consonância e conferir o adequado cumprimento da referida prerrogativa.
Nesse ponto, volta-se ao papel de regular da SUSEP, principalmente quando no
exercício de sua função estabelecida pelo art. 36, letra “c”, do Decreto-lei no 73/1966,
de adotar o sistema de padronização de coberturas. Os riscos não padronizados
devem ser aprovados pela Superintendência, cujo o efeito é o mesmo, ou seja,
tornar-se-ão padronizados. Afirmou-se que, com esse proceder, a SUSEP ao invés de
incentivar o aperfeiçoamento do mercado e da concorrência, age na contramão, pois
não impulsiona o desenvolvimento da atividade e, consequentemente, em análise
extensiva, não observa o princípio da proteção ao consumidor.
Não se está, contudo, negando eficácia ao sistema padronizado de coberturas,
mas sim ao vício na intervenção do Estado de forma rígida, que, a exemplo da
extinção do seguro singular, não incentiva o desenvolvimento de novas coberturas
mediante busca de eficiência em prol do consumidor, pois todos os seguradores
comercializam produtos iguais, mas são empresas economicamente diferenciadas.
A regulação deve atender às premissas do segmento, ou seja, garantir a higidez
da instituição e proteger o consumidor, mas também incentivar o desenvolvimento
de produtos para a própria satisfação do consumidor.
Para Vital Moreira, regulação é “o estabelecimento e a implementação de regras
para a actividade econômica destinadas a garantir o seu funcionamento equilibrado,
de acordo com determinados objetivos públicos” (MOREIRA, 1997, p. 34).
Portanto, tem-se por regulação um conjunto de normas que estabeleçam
condições de funcionamento da atividade econômica como um sistema de unidade e
de ordenação, conforme conceito de Claus-Wilhelm Canaris (2002), apto a assegurar

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338 O papel do Sistema Nacional de Seguros Privados na ordem econômica

o atingimento e a efetividade dos princípios-fins previstos no art. 170, incisos VI a


IX, já referidos.

5 Conclusão
Analisou-se, neste estudo, a regulação no SNSP, partindo-se da premissa
questionatória do porquê de ser necessário regular a atividade de seguros privados,
para, então, abordar a composição do referido sistema.
Identificaram-se as premissas que impõem a necessidade de regulação do
SNSP, qual seja, para assegurar: i) a higidez econômico-financeira do segurador;
ii) a proteção do consumidor; iii) a livre concorrência; e iv) a cooperação entre os
seguradores no mercado.
Após isso, verificou-se a composição estrutural do SNSP, o qual é composto pelo
Conselho Nacional de Seguros Privados, pela Superintendência de Seguros Privados,
pelos Resseguradores e pelos Corretores de seguros habilitados. Considerando que o
estudo visa responder a questão sobre qual seria o papel do SNSP na ordem econômica,
a reflexão ficou delimitada aos entes públicos, na forma do CNSP e da SUSEP.
Observou-se a função do CNSP e as prerrogativas da SUSEP, as quais detém as
funções executiva, normativa e fiscalizatória, cada qual com suas peculiaridades e
seus efeitos sobre o sistema.
Ainda, analisou-se a regulação e a ordem econômica no SNSP para concluir que seu
papel é assegurar, por meio de um conjunto de normas, o funcionamento ordenado da
atividade econômica de seguros para atingir as prerrogativas estabelecidas na Política
Nacional de Seguros que visam à promoção e expansão do mercado de seguros para
permitir a integração no processo econômico e social do país; evitar a evasão de
divisas; promover o aperfeiçoamento das sociedades seguradoras; e harmonizar a
política de seguros com a política de investimentos do Estado.
Portanto, o papel do SNSP é estabelecer e implementar as regras de
funcionamento do Sistema de forma equilibrada e apta a garantir o cumprimento
dos objetivos da Política Nacional de Seguros.
Por outro lado, concluiu-se que o desequilíbrio regulatório afeta o
desenvolvimento do mercado, pois limita o amplo exercício da atividade de seguros.
A intervenção estatal não deve substituir a empresa especialista na assunção de
risco para determinar, delimitar, restringir ou vedar operações securitárias. Ao
contrário, a regulação deve ser de qualidade para atender às finalidades variadas e

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Oksandro Osdival Gonçalves – Gladimir Adriani Poletto 339

aptas a implementar os negócios, ou seja, deve incentivar o segurador a criar, inovar


e fomentar novos ramos e novas modalidades de seguro.
A adequação normativa alcança o seu intento quando permite a exploração
ampla da atividade de essência ao segurador, o qual é o especialista em risco e,
como tal, deve empreender eficiência na assunção de riscos diversos, sem, contudo,
flexibilizar a segurança econômica da Instituição Seguro.
Dessa forma, para preservar a exploração da atividade de seguros, o SNSP deve
impor regras que, ao mesmo tempo, desenvolvam o mercado e impeçam os atos
predatórios, de forma a garantir o equilíbrio das relações econômicas para assegurar
a higidez econômico-financeira da Instituição Seguros e proteger o consumidor
mediante a observância e cumprimento dos princípios constitucionais.

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5
341

Repercussões da tradição da civil law na


Execução

MARCOS YOUJI MINAMI


Doutor e Mestre (UFBA). Especialista em Direito Processual (UNISUL).
Membro da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo
(ANNEP) e do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).

Artigo recebido em 15/2/2019 e aprovado em 13/9/2019.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Da tradição da civil law 3 Repercussões da tradição da civil law na


execução cível 4 Conclusão 5 Referências.

RESUMO: A tradição da civil law é caracterizada não apenas por um aspecto, mas por
vários fatores observados ao longo de sua formação. O presente trabalho tem por
objetivo demonstrar que esses fatores repercutem na maneira como os juristas são
educados e como os tribunais resolvem os procedimentos executivos. Conclui-se que a
tradição da civil law é parcialmente responsável por uma educação jurídica incompleta
e por decisões pelos tribunais sem a devida fundamentação. Como metodologia de
estudo, foram utilizadas pesquisas bibliográficas e análises de decisões.

PALAVRAS-CHAVE: Tradição da Civil Law Execução Civil Efetivação Meios


Executivos Atípicos Educação Jurídica.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 21 n. 124 Jun./Set. 2019 p. 341-360


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342 Repercussões da tradição da civil law na Execução

Répercussions de la tradition civil law dans la procédure de l’exécution

SOMMAIRE : 1 Introduction 2 La tradition civil law 3 Répercussions de la tradition du civil law


dans la procédure d’exécution 4 Conclusion 5 Références.

RÉSUMÉ : La tradition civil law se caractérise non seulement par un aspect, mais par
plusieurs facteurs observés tout au long de sa formation. Ce travail vise à démontrer
que ces facteurs affectent dans la formation des juristes et à la manière dont les
tribunaux juge la procédure d’exécution. Il y a deux conclusions principales. La
tradition du civil law est en partie responsable d’une éducation juridique incomplète
et pour l’existence de décisions sans motivation adéquate. Comment méthodologie
de étude ce travail a utilisé recherches bibliographiques et l’analyse des décisions.

MOTS-CLÉS : Tradition Civil Law Droit de l’Exécution Efficacité Moyens Exécutifs


Atypiques Formation Juridique.

Repercussions of the civil law tradition in enforcement procedure

CONTENTS: 1 Introduction 2 The civil law tradition 3 Repercussions of the civil law tradition
in enforcement procedure 4 Conclusion 5 References.

ABSTRACT: The civil law tradition is characterized not only by one aspect but for
several factors observed throughout its formation. This paper aims to demonstrate
that these factors have repercussions on how jurists are educated and how the courts
decide enforcement procedures. It concludes that the civil law tradition is partly
responsible for an incomplete legal education and courts decisions without proper
reasoning. As a methodological approach, it was used bibliographical researches
and analysis of decisions.

KEYWORDS: Civil Law Tradition Enforcement Procedure Effectiveness Atypical


Enforcement Ways Legal Education.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 21 n. 124 Jun./Set. 2019 p. 262-293


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Marcos Youji Minami 343

1 Introdução
Em 25 de agosto de 2016, em processo de execução, a seguinte decisão foi proferida:

Assim, como medida coercitiva objetivando a efetivação da presente


execução, defiro o pedido formulado pelo exequente, e suspendo a
Carteira Nacional de Habilitação do executado [...], determinando, ainda,
a apreensão de seu passaporte, até o pagamento da presente dívida.
Oficie-se ao Departamento Estadual de Trânsito e à Delegacia da Polícia
Federal. Determino, ainda, o cancelamento dos cartões de crédito do
executado até o pagamento da presente dívida. Oficie-se às empresas
operadoras de cartão de crédito Mastercard, Visa, Elo, Amex e Hipercard,
para cancelar os cartões do executado (BRASIL, 2016a).

Contra a decisão acima, a seguinte decisão liminar em habeas corpus foi proferida,
em 9 de setembro de 2016:

Trata-se de “habeas corpus” impetrado em decorrência de parte da decisão


proferida nos autos da execução de título extrajudicial [...] que determinou
a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação do executado, bem como a
apreensão de seu passaporte, até pagamento do débito exequendo.

[...] Em que pese a nova sistemática trazida pelo art. 139, IV, do CPC/2015,
deve-se considerar que a base estrutural do ordenamento jurídico é a
Constituição Federal, que em seu art. 5º, XV, consagra o direito de ir e vir.

Ademais, o art. 8º, do CPC/2015, também preceitua que ao aplicar o


ordenamento jurídico, o juiz não atentará apenas para a eficiência do
processo, mas também aos fins sociais e às exigências do bem comum,
devendo ainda resguardar e promover a dignidade da pessoa humana,
observando a proporcionalidade, a razoabilidade e a legalidade.

Por tais motivos, concedo a liminar pleiteada (BRASIL, 2016b).

O judiciário, quando procurado, é obrigado a entregar uma resposta ao


jurisdicionado e, apenas excepcionalmente, são permitidas as chamadas decisões
terminativas, aquelas que não apreciam o mérito. Isso não significa que há um
direito a uma decisão favorável, mas sim a uma decisão de mérito. É o que está
anunciado, por exemplo, no texto do art. 4o do atual Código de Processo Civil (CPC):
“as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito
[...]” (BRASIL, 2015). Mesmo em situações difíceis, quando não há uma solução

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 21 n. 124 Jun./Set. 2019 p. 262-293


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344 Repercussões da tradição da civil law na Execução

facilmente encontrada no ordenamento, o direito a uma decisão de mérito ainda


deve ser observado. Eis, nesse sentido, o artigo 140, também do atual CPC: “o juiz
não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento
jurídico” (BRASIL, 2015).
Por vezes, ocorre que a decisão, sozinha, não significa a satisfação daquele que
obteve uma resposta a seu favor, pois é preciso efetivá-la. O atual CPC não deixou
essa conclusão de lado. O mesmo artigo 4o – que enuncia o direito a uma solução
integral do mérito – complementa: “incluída a atividade satisfativa” (BRASIL, 2015).
O artigo 6o também não descuida da efetivação: “todos os sujeitos do processo
devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito
justa e efetiva” (BRASIL, 2015).
Este escrito pretende provocar a reflexão sobre até que ponto a herança deixada
pela tradição da civil law no Direito brasileiro interfere na maneira em que os
agentes do direito são educados para lidar com a efetivação de decisões e na forma
como os tribunais resolvem as execuções forçadas, principalmente nas hipóteses em
que não há uma solução detalhada na lei para a situação posta. A hipótese é que a
vinculação do Brasil à tradição da civil law, de algum modo, direta e indiretamente,
até os dias de hoje, atrapalha na forma de se ensinar o Direito e de se pensar em
soluções para casos complexos.
Não se objetiva, aqui, descobrir se o Brasil, atualmente, está vinculado à civil
law, à common law, ou se possui uma tradição jurídica própria. Independentemente
da opção que se adote, é fato ineliminável que, na sua origem, o Direito brasileiro
foi influenciado sobremaneira pela tradição da civil law. O que se pretende é analisar
como as bases dessa tradição repercutem, até hoje, na maneira de se estudar e
operar o conhecimento jurídico, principalmente no contexto da execução cível.
Por fim, como explica Cássio Casagrande, ao traduzir um dos livros que norteia
este artigo, intitulado “A tradição da civil law” (MERRYMAN; PÉREZ-PERDOMO, 2009),
civil law é um termo utilizado no direito anglo-americano para designar uma tradição
jurídica que prevalece na Europa continental e na América Latina e que é distinta da
common law. Essas duas expressões, embora em tese traduzíveis, costumam manter
sua forma em inglês para não se confundirem com outras expressões. Se civil law,
por exemplo, for traduzido como Direito Civil, confundir-se-ia a tradição jurídica ora
em estudo com um ramo específico do Direito. Por isso, civil law e common law não
serão aqui traduzidos.

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Marcos Youji Minami 345

2 Da tradição da civil law


É comum dizer que os países vinculados à civil law são aqueles norteados por
códigos, enquanto os países da common law se vinculam aos precedentes. Essa
simplificação não procede e, antes de se discutir qualquer coisa sobre a civil law ou
a common law, é preciso pontuar que ambas são tradições jurídicas e nisso reside
a complexidade do tema. Não é apenas um fator que determina a tradição jurídica
de um país.
Nos ensinamentos de Merryman e Pérez-Perdomo (2009, p. 21):

Uma tradição jurídica é, na verdade, um conjunto de atitudes historicamente


condicionadas e profundamente enraizadas a respeito da natureza do
direito e do seu papel na sociedade e na organização política, sobre a
forma adequada da organização e operação do sistema legal e, finalmente,
sobre como o direito deve ser produzido, aplicado, estudado, aperfeiçoado e
ensinado. A tradição jurídica coloca o sistema legal na perspectiva cultural
da qual ele, em parte, é uma expressão.

A tradição não reflete uma situação estática. Ao se dizer que determinado


país é ou não pertencente à civil law não se está querendo demonstrar como
sua estrutura jurídica é, mas como ela se formou a partir de um conjunto de
características e comportamentos transmitidos ao longo do tempo e como isso
repercute no decorrer da história.
Para se alocar o Brasil à civil law ou à common law, mais do que analisar o que
ocorre atualmente, é preciso investigar o desenvolvimento da sua tradição jurídica
ao longo dos séculos, sob pena de uma inadequada redução dessa complexidade.
Uma tradição jurídica, nos moldes acima lançados, envolve muito mais do que
a forma como os tribunais decidem – se utilizam ou não precedentes obrigatórios,
por exemplo, ou se são os códigos a fonte primordial do Direito. Além disso, esse
reducionismo impede descobrir algumas razões da dificuldade encontrada pelos
tribunais brasileiros para tornar suas decisões efetivas. Pelo exposto, se o Brasil,
atualmente, para alguns juristas, não pertence mais à civil law, é fato que essa
é sua origem e justamente por isso é essa a tradição que será analisada mais a
fundo neste artigo.
A tradição da civil law foi construída ao longo de séculos e possui, pelo menos,
cinco pilastras ou “subtradições” responsáveis pelo seu surgimento e desenvolvimento
(MERRYMAN; PÉREZ-PERDOMO, 2009, p. 27): o Direito Civil Romano, o Direito
Canônico, o Direito Comercial, os movimentos políticos revolucionários ocorridos

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346 Repercussões da tradição da civil law na Execução

na Europa nos séculos 18 e 19 e a ciência jurídica. Para compreender a tradição


brasileira, essas “subtradições” precisam ser estudadas a fundo.
Não sendo possível, neste artigo, um aprofundamento nas bases acima elencadas,
cada uma delas será analisada de forma superficial a seguir, apenas naquilo que
possa auxiliar no que se pretende investigar: como elas influíram na maneira de
se educar o jurista atualmente e na maneira como os problemas são tratados pelo
judiciário brasileiro.

2.1 Do Direito Romano, Canônico e Comercial


O Direito Romano influenciou sobremaneira a tradição da civil law, sendo até
mesmo indicado como a gênese dos direitos europeus atuais (LOSANO, 2007, p. 31).
Durante sua existência, pelo menos dois acontecimentos a ele ligados deixaram
marcas profundas e duradouras: a organização do arcabouço jurídico da época
feita sob o comando de Justiniano, no século 6, dando origem ao que mais tarde
Irnério chamou de Corpus Juris Civilis (LOSANO, 2007, p. 38) e a codificação feita por
Napoleão para criar seu próprio Código Civil.
A edificação da civil law, a partir de códigos ou compilação de leis diversas,
repercute ainda hoje. Não é raro encontrar quem a reduza a apenas esse aspecto.
Porém, outros efeitos surgiram a partir dos acontecimentos acima.
O Direito Romano era transmitido ao longo das gerações pelas mais diversas
formas. Talvez as mais famosas dessas transmissões tenham sido os comentários e
as glosas e o trabalho dos chamados jurisconsultos. Há mesmo quem relacione a
eles o fato de, até hoje, a doutrina exercer papel central na civil law. Nas palavras
de Merryman e Pérez-Perdomo: “A proeminência dos doutrinadores na tradição da
civil law é muito antiga. Os jurisconsultos romanos [...] são considerados como os
fundadores da tradição da doutrina” (2009, p. 92). Uma das consequências disso é
que, ainda segundo os autores citados, enquanto a common law consiste em uma
tradição cujo protagonismo é dos juízes, a civil law seria um sistema de direito dos
professores. “O acadêmico-doutrinador é o real protagonista da tradição da civil law”
(MERRYMAN, PÉREZ-PERDOMO; 2009, p. 92).
Há mais a ser dito sobre as sistematizações acima referidas. Elas inspiraram
a maneira de compreensão departamentalizada do direito que se adota no Brasil:
direito público e privado; direito das coisas, das pessoas e das obrigações, por
exemplo. Mais tarde, a clivagem tornou-se mais sofisticada: direito processual,
direito material; processo de conhecimento, cautelar e de execução etc.

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Marcos Youji Minami 347

Além do Direito Romano Clássico, a Igreja e o comércio geraram seus próprios


preceitos e os Direitos Canônico e Comercial tiveram papel crucial na constituição
e compreensão da atual tradição da civil law (MERRYMAN; PÉREZ-PERDOMO, 2009,
p.33-37). O direito canônico repercutiu em áreas como família, sucessões, penal
e mesmo na legislação processual (MERRYMAN; PÉREZ-PERDOMO, 2009, p. 34). Já
com o surgimento do comerciante profissional, entre os séculos 11 e 12 (MARTINS,
1998, p. 28-32), e a necessidade de meios de circulação de crédito uma nova forma
de regrar relações foi necessária.
A tríade Direito Romano, Comercial e Canônimo moldou vários aspectos do
processo civil como se conhece atualmente. Mas a civil law não possui apenas essas
bases. É o que se verá a seguir.

2.2 Das revoluções políticas e sociais


A tradição da civil law possui forte base nas revoluções políticas e sociais ocorridas
na Europa e que culminaram, entre outras coisas, com a Revolução Francesa. Com
a adoção da separação de poderes e o ranço a uma aristocracia judicial corrupta, o
poder dos juízes foi diminuindo no continente europeu1. Isso ocorreu, entre outras
coisas, porque era intenção da ideologia liberal que ora ganhava robustez a limitação
do poder estatal e a mínima intervenção na vida privada (MARINONI, 2013, p. 33).
Ao juiz não era permitido inovação jurídica, tarefa destinada ao legislador. O
magistrado apenas declarava o texto legislativo. Seu poder foi tolhido. Primeiro,
para que a liberdade do particular e os negócios privados operassem com a mínima
intervenção do Estado. Segundo, pois não se confiava mais nele, pelo menos não
na Europa continental. Naquela época, os juízes eram vistos como detentores de
relações indevidas com o antigo regime. Por causa disso, era preciso controlá-los.
Atualmente, essa desconfiança no judiciário não é mais observada, embora não seja
possível afirmar que os juízes no Brasil exerçam suas atribuições sem críticas.

1 Como bem lembra J.M. Kelly (2010, p. 233). A referência à Europa continental é uma simplificação
didática. Alguns países escandinavos, a Rússia e os Balcãs, por exemplo, possuem peculiaridades próprias
e ficaram de fora desse processo.

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348 Repercussões da tradição da civil law na Execução

2.3 Da ciência jurídica


Os movimentos sociais e culturais responsáveis pela derrocada da Idade Média
também refletiram nas ciências, permitindo seu desenvolvimento. Diversas áreas do
conhecimento foram afetadas. O Direito não ficou de fora.
Nesse contexto e explanando justamente essas “revoluções” e suas repercussões
no desenvolvimento da civil law, Merryman e Pérez Perdomo (2009, p. 39-44)
elucidam que algumas ideias – a compreensão de direitos naturais desvinculados
de aspectos religiosos, a separação de poderes, o racionalismo, o antifeudalismo,
o liberalismo burguês, o estatismo e o nacionalismo , ocorridas principalmente na
Europa continental, foram responsáveis por situações, até hoje, muito presentes e
influentes na organização jurídica de muitos países.
Na verdade, é espantoso perceber como a desvinculação da igreja com a
ciência sacudiu não apenas as bases de construção do pensamento, mas a própria
estrutura social. A racionalização direcionou a atenção do pensamento mundial
para o homem. Os efeitos disso permanecem, a exemplo da libertação da ideia do
divino, chamada por Alain Touraine (1994, p. 99) de desencantamento do mundo, e
a subjetivação são aspectos da modernidade que trouxeram não apenas aspectos
positivos, mas também negativos. De toda forma, a racionalização direcionou a
atenção do pensamento mundial para o homem. Os efeitos disso permanecem.
Segundo F. H. Lawson (1953, p. 31), o Direito Natural desvinculado da ideia
religiosa trouxe uma nova perspectiva para os pensadores do Direito e uma nova
forma de pensar a solução dos problemas baseada na razão. Para eles, seria possível
empregar métodos científicos para buscar solução racional dos casos.
Vários fatores responsáveis pela forma como ainda, por vezes, o Direito é
pensado e aplicado estavam surgindo e se desenvolveram: a ênfase nas codificações
como instrumento de previsibilidade e segurança jurídica (VIEIRA, 2007, p. 50-53); a
supervalorização da segurança jurídica em detrimento do valor justiça (SILVA, 2007, p.
89); o desenvolvimento da forma cartesiana de pensar: classificar, conceituar, buscar
a essência das coisas para melhor agrupá-las ou separá-las. Uma das consequências
disso é que, até hoje, é difícil para alguns pensar em soluções desvinculadas da
letra da lei. Outra consequência é que, não raro, ainda se estuda a natureza jurídica
dos institutos sem atinar para a real utilidade prática para isso. A seguir, outras
consequências de tudo o que até agora foi elencado serão apresentadas.

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3 Repercussões da tradição da civil law na execução cível


Após uma breve análise nas bases da tradição da civil law, algumas conclusões
são possíveis acerca de como cada aspecto exposto contribui, tanto para a educação
jurídica no Brasil, como na forma em que os problemas na execução cível são
analisados e resolvidos pelos tribunais.

3.1 Repercussões dos Direitos Romano, Canônico, Comercial para a execução


Os Direitos Romano, Canônico e Comercial deixaram um legado na forma de
efetivação das decisões e na execução no Brasil.
Diversas obras clássicas da execução, como Embargos do executado, de Erico
Tullio Liebman (2003), e Execução civil, de Cândido Rangel Dinamarco (1997), dedicam
seus capítulos iniciais ao Direito Romano. A partir delas, aprende-se que, dentre as
várias influências desse Direito para a execução, uma das mais importantes talvez
tenha sido a “humanização” da execução quando se proibiu sua incidência sobre a
pessoa do devedor direcionando-a ao seu patrimônio (DINAMARCO, 1997, p. 32).
E foi pelo surgimento do comerciante profissional que aspectos na forma como
vários povos lidavam entre si foram criados e incrementados. A necessidade de trocas
de mercadorias gerou documentos necessários para garantir não apenas a circulação
de riquezas, mas permitir rápida solução quando houvesse descumprimento dos
negócios. Surgia, por influência do Direito Germânico e sua mescla com o Direito
Romano, o título executivo (DINAMARCO, 1997, p. 59).
Por fim, não se pode ignorar os reflexos do cristianismo na tradição da civil law e,
por consequência, na seara jurídica brasileira. Ovídio Baptista (2007, p. 77) alerta que
essa influência do espírito cristão no direito romano foi maior do que se costuma
pensar, “[...] permeando-o com outros princípios e injetando-lhe novos valores,
inteiramente diversos e às vezes antagônicos aos valores e princípios formadores
do direito romano clássico”.
Na execução civil, isso encontra eco em nossos dias. Noções como caridade,
moderação, clemência e piedade foram incorporadas ao Direito e à execução
(SILVA, 2007, p. 84). O devedor é muito beneficiado com tudo isso, pois “[...] o novo
ordenamento processual, iluminado por esses valores e inspirado na benevolência
e compaixão cristãs, proscreve todas as formas e instrumentos infamantes e que
possam constranger a pessoa do devedor” (SILVA, 2007, p. 85).

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350 Repercussões da tradição da civil law na Execução

Até hoje, não é difícil encontrar magistrados receosos de penhorar bens do


devedor, visto como alguém que precisa de proteção contra atividades do credor.
Na própria legislação, isso é salientado. Já se proibiu, por exemplo, a penhora de
“sagradas imagens e ornamentos de altar” (BRASIL, 1850) e, mais recentemente, o
Código de Processo Civil de 1973 − CPC, em sua primeira versão, proibia penhora de
“anel nupcial e retratos de família” (BRASIL, 1973). Mesmo no atual CPC, o de 2015,
há preceitos que superprotegem o devedor. Seu artigo 833, por exemplo, somente
permite a penhora de salários quando eles ultrapassam 50 salários mínimos (BRASIL,
2015). Um credor de uma quantia equivalente a 2 salários mínimos, por exemplo,
não poderia, em tese, pedir a penhora dessa importância, mesmo quando o devedor
recebe 25 vezes essa quantia por mês.
Não se desprezam, aqui, os direitos da personalidade titularizados pelo
devedor. Porém, mesmo artigos que o protegem, como aqueles que tratam de
impenhorabilidade, precisam de cuidadosa análise. O exequente possui direito de ver
seu crédito satisfeito tanto quanto o devedor de ver seu patrimônio protegido. Como
alerta Marcelo Lima Guerra (2003, p. 103), “o juiz tem o poder-dever de interpretar as
normas relativas aos meios executivos de forma a extrair delas um significado que
assegure a maior proteção e efetividade ao direito fundamental à tutela executiva”.
Como visto, a maneira de se transmitir o Direito Romano, de alguma forma,
contribuiu na definição da importância do jurista na civil law. Por isso, antes de se
continuar, cabem algumas palavras sobre o papel do acadêmico-doutrinador nos
dias de hoje.
Se é verdade que na tradição da civil law a doutrina possui papel de destaque, no
Brasil, pelo menos em parte, esse protagonismo está em crise. A leitura dos clássicos
e de obras mais aprofundadas cede espaço às sinopses, informações esquematizadas
e de rápido consumo. Enquanto a doutrina perde relevância e densidade, o judiciário
assume um protagonismo cada vez maior. Porém, esse protagonismo do judiciário não
ocorre, em muitos casos, a partir de uma reflexão mais profunda e a jurisprudência
torna-se intuitiva e não mais reflexiva a partir de estudos sólidos. Uma pesquisa
pode ser citada para demonstrar o ponto.
Em 2018, no Brasil, publicou-se um estudo sobre a aplicação de meios
executivos atípicos, ou seja, sobre aqueles meios que não estão detalhados em lei
para a efetivação da prestação devida em uma execução. Segundo os condutores da
pesquisa, “foram analisadas 402 decisões de todos os tribunais estaduais, no período
de março de 2016 até dezembro de 2017, que trataram dos meios executivos a

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partir do art. 139, IV, do CPC/2015” (MINAMI; NOGUEIRA; MOREIRA, 2018). Sobre se
a utilização desses meios era feita mediante argumentos robustos, concluiu-se:

É preciso evitar fundamentações concedendo ou negando medidas atípicas


de efetivação mediante utilização de conceitos jurídicos indeterminados
como “dignidade da pessoa humana”, “direito de ir e vir”, “princípio da
efetividade”, “menor onerosidade”, “princípios da proporcionalidade” etc., sem
maiores explicações, em desobediência ao Código de Processo Civil que em
seu art. 489, §1º, inc. II, estabelece que esses termos só podem ser utilizados
se explicados o motivo concreto de sua incidência no caso. Não se percebeu
isso na maioria dos julgados (MINAMI; NOGUEIRA; MOREIRA, 2018).

3.2 Repercussões das revoluções sociais liberais para a execução


O controle do arbítrio judicial trazido pelas revoluções acima referidas foi
passado por gerações, refletindo-se no processo civil e, por óbvio, nas execuções
cíveis. Nesses processos, até recentemente, vigorava o que a doutrina chama de
princípio da tipicidade dos meios executivos, a significar que todo o caminho
executivo, para qualquer situação, deveria ser detalhado previamente com minúcias
pela lei (MARINONI, 2013). Mais do que isso, proibiam-se tutelas fundadas em
verossimilhança – o que inviabilizaria a atual tutela provisória de urgência satisfativa
– e tutelas objetivando prevenção do ilícito (MARINONI, 2012, p. 25-27).
É importante perceber a força desses acontecimentos. Por muitas décadas, não
havia mecanismos conferindo ao jurisdicionado possibilidade de resolver vários de
seus problemas. Com o passar do tempo, duas coisas ocorreram: a) a desconfiança
existente sobre os magistrados recuou sobremaneira nos países de tradição civil law
e b) percebeu-se que decisões que conferiam direitos sem meios de efetivá-los de
nada ou pouco adiantavam (MARINONI, 2013, p. 38).
É possível aprofundar essas conclusões.
Uma das primeiras medidas modernas para efetivar decisões surgiu para mitigar
a ideia, criada pelo liberalismo e consagrada no direito francês, de que o devedor
de prestação de fazer, quando inadimplente, não poderia ser compelido a realizar a
conduta devida que seria convertida ao equivalente em pecúnia adicionada de uma
indenização (ASSIS, 2016). Nesses casos, o credor era prejudicado, em grande parte
das vezes, pois esperava a prestação devida e não o seu equivalente em dinheiro.
Como bem lembra Araken de Assis (2016), com o tempo, foram surgindo, no
direito comparado, novas medidas que possibilitassem ao exequente a satisfação da

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prestação devida. O Direito alemão, por exemplo, criou um regime misto, condenando
o executado ao pagamento de soma em dinheiro pelo inadimplemento e, para casos
em que isso fosse inviável, a ameaça de prisão. A doutrina francesa desenvolveu as
astreintes (multa pelo descumprimento de ordem). Nos países de tradição common
law, atos de teimosia contra decisões judiciais são tidos como verdadeiros atos
atentatórios à dignidade da justiça (batizados de atos de contempt of court2). O Brasil
acabou assimilando muitas dessas soluções.
A tradição da civil law, herdeira de revoluções responsáveis pela diminuição dos
poderes do juiz, atrasou o desenvolvimento de mecanismos contra os teimosos em
realizar as prestações devidas. A tipicidade dos meios executivos vingou por muito
tempo. Permitir ao juiz determinação de condutas fora dos parâmetros previamente
estabelecidos por lei seria conferir ao Estado poderes perigosos. Por isso, a maioria
das execuções, até hoje, possuem detalhamento procedimental nos códigos,
notadamente em execuções fundadas em título executivo extrajudicial.
Para efetivar suas decisões, aos poucos, o juiz foi recebendo poderes que
permitissem a entrega ao jurisdicionado da tutela específica. Como lembra Talamini
(2001, p. 38), a ausência de previsão expressa de instrumentos processuais para
garantir a entrega da tutela específica não significava que ela era desconsiderada,
mas a falta desses instrumentos e o apego dos agentes de direito à lei dificultavam
a efetivação da tutela específica. Por isso, foi um processo gradual marcado sempre
por previsões em lei. Podem ser citados como exemplo: a criação do compromisso
irretratável de compra e venda (BRASIL, 1937), obrigando o promitente-vendedor
a transferir a propriedade alienada após o pagamento integral do acordado, sob
pena de adjudicação judicial compulsória; os artigos 84 do Código de Defesa do
Consumidor (BRASIL, 1990) e 461 do CPC de 1973 (BRASIL, 1973), ambos com
parágrafos de redação semelhante, autorizando ao magistrado, para a concessão
da tutela específica ou do resultado prático equivalente, trilhar vários caminhos.
Enquanto isso, a execução fundada em título executivo extrajudicial permanecia
com procedimento totalmente delineado.
O CPC de 2015 inovou no tema quando, em sua parte geral, trouxe o inciso
IV do art. 139: “O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código,
incumbindo-lhe: [...] IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas,
mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de

2 Desrespeito ou desprezo ao tribunal (tradução nossa).

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ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”
(BRASIL, 2015).
O enunciado acima parece conferir amplos poderes ao juiz, independentemente
do tipo de prestação e mesmo para as execuções fundadas em título executivo
extrajudicial. Desde a execução de um cheque até a efetivação de uma complexa
decisão em processo coletivo, parece estar permitido ao juiz amplos poderes para
que sua ordem seja realizada. É uma quebra do paradigma liberal que formou em
parte a tradição da civil law.
Mas se são conferidos poderes ao juiz, é preciso saber em quais hipóteses
isso deve ocorrer e quais seus limites. A lei, que previu tais poderes, não deixou
consignados – pelo menos não ostensivamente – tais limites. A doutrina ainda
está desenvolvendo o tema, como pode ser observado na obra “Da vedação ao non
factibile: uma introdução às medidas executivas atípicas” (MINAMI, 2019). Entretanto,
muitos dos aspectos que formaram a civil law impedem um desenvolvimento mais
rápido nesse tema.
Um fato curioso ocorre. O inciso IV do art. 139 do CPC de 2015 lida com as bases
da tradição da civil law e, ao mesmo tempo em que quebra alguns paradigmas dessa
tradição, encontra nela obstáculos para sua concretização. O juiz recebeu poderes
justamente pelo instrumento tido como aquele que o controlaria: a lei. Mas a ciência
jurídica não sabe, ainda, como lidar com isso. No que se refere à execução, a forma
como a doutrina trabalha na construção das soluções dos problemas parece precisar
de mudanças.

3.3 A ciência jurídica e a execução


O desenvolvimento da ciência jurídica na tradição da civil law mediante a
sistematização, a ênfase nos conceitos, as classificações e a natureza jurídica dos
institutos, a separação entre cognição e execução repercutiram em alguns aspectos
da execução.
Demorou para que se superasse a possibilidade de conferir tutela sem certeza
absoluta prévia3. Antecipar a resposta judicial em cognição sumária era algo

3 Isso não significa ausência de contraditório. Nas tutelas provisórias, o que ocorre é que ele, em regra,
surge em momento posterior. Ademais, a execução das tutelas provisórias ocorre sob o regime de execução
provisória, nos termos do art. 520 e seguintes do CPC de 2015 (BRASIL, 2015), com algumas garantias
para o requerido, como a aplicação do regime de responsabilidade civil objetiva para o requerente desse
tipo de provimento.

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impensável e mesmo reprovável. Quando isso foi possível, a doutrina procurou


sistematizar essa concessão. Traços do cientificismo e necessidade de organizar
o procedimento. Essa “burocratização” acadêmica traz repercussões por vezes
prejudiciais. Aqui, um exemplo é possível.
Ao se pedir tutela antecipada, se não estivessem presentes o periculum in
mora (perigo decorrente da demora) nem o fumus boni iuris (fumaça ou indicação
do bom direito) a antecipação da resposta (ou de seus efeitos) não seria possível.
Esses requisitos foram levados tão a sério que ao juiz bastava – como ainda pode
ser observado até hoje – dizer de sua presença ou ausência para a concessão ou
negação do pedido. O problema é que muitas dessas decisões nem se preocupam
em explicar, afinal, por qual motivo esses requisitos não se apresentam. A fórmula
é simples: “quanto aos requisitos do fumus e periculum, não os vislumbro, por isso,
indefiro o pedido”. É o processo civil automatizado. O jurisdicionado – titular do poder
– se prejudica, pois não sabe, efetivamente, por qual motivo a decisão que repercute
em sua vida ocorreu. Essa forma de lidar com o Direito é comum. Citam-se locuções
como reserva do possível, dignidade da pessoa humana, mínimo existencial etc. como
se fossem axiomas que não precisam de qualquer demonstração pelo seu aplicador.
A departamentalização do conhecimento jurídico (público/privado, civil/penal,
material/penal) e o isolamento do Direito das outras áreas do conhecimento
também produzem efeitos.
À forma tradicional de se dividir e estudar o direito dos comentadores e, mais
tarde, dos glosadores, somou-se a racionalização do conhecimento. Os reflexos, a
longo prazo, foram divisões e criação de ramos especializados do conhecimento
jurídico que não dialogam entre si. Atualmente, há quem prefira estudar o processo
sem se preocupar com o direito a efetivar. O contrário também é possível. Com o
objetivo de conceder o direito ao caso, juízes descuidam da forma de realizar isso.
Não bastasse a falta de diálogo entre as searas do direito, ainda existe o problema
que surge quando o jurista se isola dos outros ramos do conhecimento.
Como ensinado por Pérez-Perdomo (2016), a educação jurídica, nos países
da América Latina, partiu dos códigos. A ênfase nessas leis ocorria também pela
importância que a codificação exercia. O código não apenas organizava os enunciados
normativos, mas possuía um aspecto simbólico consistente na superação da ordem
jurídica até então vigente. Aliás, essa é uma característica típica observável nos
povos de tradição civil law (MERRYMAN; PÉREZ- PERDOMO, 2009, p. 55).

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O fato é que essa educação focada em códigos produziu um material didático


específico e muito comum nas escolas jurídicas: o manual de direito. São textos
pensados, em sua origem, para o ensino de códigos (PÉREZ-PERDOMO, 2016). O
manual, até hoje, possui ênfase em conceitos, classificações e naturezas jurídicas.
O estudo de casos quase não acontece. Soma-se a isso a exigência crescente
pelo mercado de obras focadas na sistematização de informações. O objetivo é
a simplificação para que as pessoas decorem mais e mais assuntos que serão
cobrados em concursos públicos, em detrimento da reflexão aprofundada sobre os
problemas do Judiciário brasileiro.
Nos países de tradição common law, a educação jurídica possui paradigma
diferente, focada mais em casos já resolvidos do que em conceitos e classificações.
Pérez-Perdomo (2016), partindo de escritos de comparatistas, explica que, enquanto
nos Estados Unidos o futuro jurista se preocupava em aprender formas de solucionar
problemas, sem se importar com a sistematização da ordem jurídica de seu país, na
Itália, o estudante era bombardeado com informações jurídicas sistematizadas, mas
não aprendia a solucionar problema algum.

4 Conclusão
Há quem afirme que a adoção mais pungente de um sistema de precedentes
teria dado ao nosso ordenamento um cariz de common law. Porém, é preciso analisar
– a partir da compreensão de civil law e common law como tradições, e não como
sistemas jurídicos – o tema com mais cuidado. Embora muito do que se utiliza, no
Brasil, esteja presente na common law, isso não significa a transformação dos pilares
da compreensão do direito pelos juristas brasileiros.
Como exposto, a tradição é um “conjunto de atitudes historicamente
condicionadas e profundamente enraizadas” (MERRYMAN; PÉREZ-PERDOMO, 2009,
p. 21) a respeito não apenas de como o direito é, mas de como ele chegou à sua
configuração atual. O presente pode ser reconfigurado, mas o passado não pode ser
desfeito. O Brasil adotou mais ostensivamente os precedentes e os juízes ganharam
mais voz e vez. É preciso sindicar se os códigos perderam mesmo a importância
de outrora, se as influências dos Direitos Romano, Comercial e Canônico estão
superadas – no que precisa ser superado – e, principalmente, se o direito é ensinado
e transmitido de forma diferente do que se fazia.
Nesse contexto, ao final de sua obra sobre a civil law, Merryman e Pérez Perdomo
(2009, p. 210) concluem que, ao contrário do que se pode pensar, “[...] seria impreciso

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pressupor que a tradição da civil law está perdendo sua vitalidade. Ao contrário, ela
pode estar mais viva do que nunca”. Isso porque, para os autores, talvez não se esteja
acompanhando o fim dessa tradição, mas o começo de mais uma de suas etapas de
constante desenvolvimento.
É algo a se pensar.
A execução civil é o ramo do processo mais próximo do jurisdicionado. É
por ela que suas demandas são, no mais das vezes, atendidas. O titular do poder,
normalmente, mal entende o que é uma sentença, não sabe o que é tutela provisória
de urgência antecedente, nem decisão monocrática ou interlocutória. Alvará e
pagamento são palavras mais familiares a ele. A execução é crucial porque realiza a
promessa consignada na decisão.
No Brasil, desenvolveram-se mecanismos sofisticados para decidir. A teoria dos
precedentes nunca foi tão discutida. Nem os chamados negócios jurídicos processuais.
Os regimentos dos tribunais trazem detalhadamente os ritos dos recursos e ações
originárias. Mas é preciso refletir se, ao final, a tutela concedida está efetivamente
chegando ao jurisdicionado, mesmo com preceitos como o inc. IV do art. 139 do CPC
de 2015 (BRASIL, 2015) à disposição do Judiciário.
O caso apresentado no início deste artigo é muito emblemático para ilustrar o
que se expôs aqui. Trata-se de uma execução ajuizada em 2013 e, até o dia 15 de
fevereiro de 2019, em consulta no site do Tribunal de Justiça de São Paulo, ela ainda
não havia se encerrado.
No habeas corpus contra a decisão que abre este escrito, a juíza Andrea Ferraz
Musa, em 16 de setembro de 2016, manifestou-se através do Ofício no 220/16-MOR.
Eis parte dessa manifestação:

Iniciada a execução no ano de 2013, o devedor evitou de toda forma a


citação. Nem no seu trabalho, nem em sua residência, era encontrado.
Aliás, funcionários da residência e da empresa davam informações
desencontradas, indicando claramente a tentativa de furtar-se do processo
executivo. Assim, a citação ocorreu por hora certa.

Feita a citação, o devedor constituiu advogado e apresentou defesa. Porém,


nada pagou. Vive em imóvel de alto padrão, situado no bairro de elite de
Alto de Pinheiros, muito próximo ao Colégio Santa Cruz (região nobre da
cidade, com o metro quadrado muito valorizado). [...] O executado, ainda,
tem trabalho fixo nas empresas de seu pai. Aliás, com o falecimento dos
pais, o autor tornou-se proprietário de oito empresas, com seus dois irmãos,
dentre elas imobiliárias e empresas de veículos e peças. Não obstante, o

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executado não tem nenhum dinheiro em suas contas bancárias, não tem
carros em seu nome (além dos carros antigos e com restrição judicial em
razão de outros processos), não indica qualquer patrimônio capaz de quitar
sua dívida. Como é possível que o devedor viva em tão alto padrão, tenha
emprego fixo, tenha empresas, ostente um alto padrão de vida e não tenha
nenhum centavo em suas contas? Por que razão o devedor só teria em
seu nome veículos antigos, que teriam restrição? Será que nenhum veículo
teria sido adquirido após 1996? Ou teriam sido adquiridos no nome de
terceiros, empresas ou pessoas físicas? Por onde o executado movimenta
seu dinheiro? Como paga e mantém seu alto custo de vida? [...] Há uma
evidente incongruência que sugere que o devedor não está insolvente,
mas apenas manobrando seu patrimônio de forma a evitar o pagamento
das dívidas que é responsável. [...] Portanto, o quadro delineado indica
que o executado é devedor contumaz e não quer pagar suas dívidas não
por ausência de possibilidade, já que seu padrão de vida elevado indica
possibilidade. Na verdade, o devedor não quer pagar. Assim, resta evidente
que os bens do devedor foram deliberadamente ocultados para evitar a
execução. Foram esgotadas todas as tentativas de penhora de bens. Foram
realizadas todas as pesquisas, expedidos ofícios, realizada tentativa de
penhora on line. As medidas patrimoniais restaram esgotadas e frustradas
e o devedor sequer faz proposta para pagamento da dívida (BRASIL, 2016b).

Mesmo com a explicação acima, em decisão de 29 de março de 2017, a conclusão


do colegiado no habeas corpus foi no sentido de não manter os meios executivos
questionados: “Por maioria de votos, concederam a ordem. Vencida a 3ª Juíza, que
denegava e declarará voto” (BRASIL, 2017).
A partir da execução em comento surgiram: um incidente de desconsideração
de personalidade jurídica, embargos à execução, um habeas corpus e pelo menos
um agravo de instrumento. É um problema que parece longe de seu fim. Como essa,
são milhares de execuções de títulos extrajudiciais e cumprimentos de sentença
litispendentes sem perspectiva de solução.
As raízes da civil law, por vezes, atrapalham a atividade executiva: na forma
como a decisão é elaborada, na compreensão dos direitos do devedor e no combate
aos seus ilícitos ou teimosias e na maneira como a execução é ensinada nos manuais
acadêmicos – e talvez nas salas de aula. É preciso começar uma reflexão responsável
sobre isso. Olhar para o passado pode ajudar na reconfiguração do presente. Nesse
sentido, o direito comparado pode desempenhar importante papel.
Além disso, urge a abertura do Direito para as outras searas do conhecimento.
Equipes multidisciplinares para auxiliar a atividade jurisdicional já existem em

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358 Repercussões da tradição da civil law na Execução

alguns temas. É preciso multiplicar a prática. E não apenas os processos complexos


– os chamados processos estruturais – podem se beneficiar com isso.
É claro que seria leviano pensar o Judiciário como a panaceia dos males da
sociedade. A separação de poderes (leia-se, funções) ainda persiste e desempenha
importante papel no Brasil. As promessas constitucionais não devem ser exigidas
apenas ao Judiciário. Na verdade, para muitas delas, é impraticável esperar por
ele. Há uma razão para haver três funções – Legislativo, Executivo e Judiciário – e
este pequeno escrito tratou de apenas um dos aspectos de uma delas. O que isso
realmente significa, é assunto para outro momento.

5 Referências
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São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.

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A proposta de Koselleck de história dos


conceitos e a reconstrução da história
do direito

FLÁVIO QUINAUD PEDRON


Doutor e Mestre em Direito (UFMG). Professor do Programa de Pós-graduação
em Direito (UniGuanambi, PUC Minas e IBMEC/MG). Membro da Associação
Brasileira de Direito Processual Constitucional (ABDPC).

Artigo recebido em 17/11/2016 e aprovado em 20/11/2017.

SUMÁRIO: 1 O Ponto de partida: a histórica de Koselleck e suas condições de possibilidade 2 O


sentido de uma história dos conceitos para os conceitos jurídicos 3 Conclusão 4 Referências.

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo reconstruir os pressupostos básicos


da teoria da história de Koselleck, primeiro para, em confronto com demais teorias
da história de matriz positivista, demonstrar sua adequação a um paradigma pós
giro linguístico; segundo, para demonstrar que sua teoria é uma alternativa viável
para combater a positivismo científico que tomou conta da história do direito.
Assim, primeiro será trabalhado a proposta de Histórica, como metateoria da
história, para, em seguida, lidarmos com a operacionalização de sua proposta pela
via de uma história dos conceitos.

PALAVRAS-CHAVE: Teorias da História História dos Conceitos História do Direito.

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Koselleck’s proposal of history concepts and the reconstruction of the history of law

CONTENTS: 1 The starting point: Koselleck’s historical and its conditions of possibility 2 The
meaning of a history of concepts for legal concepts 3 Conclusion 4 References.

ABSTRACT: This article aims to rebuild the basic assumptions of Koselleck’s theory
of history, firstly, in comparison to other theories of history of positivist matrix,
demonstrate their suitability for a post-linguistic turn paradigm; secondly, to
shows that its theory is a viable alternative to oppose the scientific positivism that
took account of Brazilian history of law. Therefore, it first worked its proposal for
Historical, as a metatheory of history, and then, to deal with the operationalization
of its proposal by way of a history of concepts.

KEYWORDS: Theories of History History of Concepts History of Law.

La propuesta de Koselleck de historia de los conceptos y la reconstrucción de la


historia del derecho

CONTENIDO: 1 El punto de partida: la histórica de Koselleck y sus condiciones de posibilidad 2 El


sentido de una historia de los conceptos para los conceptos jurídicos 3 Conclusión 4 Referencias.

RESUMEN: Este trabajo se propone a reconstruir los supuestos básicos de la teoría


de la historia de Koselleck, primero para, en comparación con otras teorías de la
historia de la matriz positivista, demostrar su idoneidad para un paradigma de
giro post lingüístico; segundo, demostrar que su teoría es una alternativa viable
para combatir el positivismo científico que tuvo en cuenta la historia del derecho
brasileño. Entonces, primero trabajó su propuesta de Histórico, como una metateoría
de la historia, para luego tratar con la operacionalización de su propuesta por medio
de una historia de conceptos.

PALABRAS CLAVES: Teorías de la Historia Historia de los Conceptos Historia del Derecho.

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1 O ponto de partida: a histórica de Koselleck e suas condições de possibilidade

P ensar o estudo da História e suas condições de possibilidade hoje é tarefa


bem diferente daquela traçada pela historiografia dos séculos 19 e 20.
Costa (2010, p. 17) alerta que pesquisas históricas nesses séculos tinham por base
uma exploração documental que renunciava a “grandes questões filosóficas sobre o
sentido do devir histórico”, mas que se apoiavam nas bases de uma filosofia social,
que tinha a função de fornecer uma sensação de estabilidade e de equilíbrio ao
pesquisador: ele sabia quem era, o que dele se esperava e que tipo de conhecimento
ele poderia fornecer. O pesquisador entendia que seu trabalho era descrever um
capítulo do que se chamava de a grande narrativa – concebida como um “discurso
global sobre o homem e as suas relações intersubjetivas” (COSTA, 2010, p. 18) – e,
para tanto, se apoiava em esquemas teóricos como o Positivismo do final do século
18, o Neoidealismo, o Marxismo, este último representando a maior das grandes
narrativas, superando o Positivismo após a 2ª Guerra Mundial e difundindo-se por
toda a Europa. Mas ele entra em crise na atualidade, principalmente, diante de sua
incapacidade de diagnóstico frente a uma realidade, cada vez mais, complexa entre
outras vertentes teóricas (COSTA, 2010, p. 18).
Mas, na contemporaneidade, o que se vê é a mudança de panorama em favor da
desintegração minimalista das grandes narrativas, que, agora, passam a se debruçar
em microcosmos e a questionar a relação sujeito-realidade. No vácuo deixado pela
diluição das grandes narrativas, o historiador problematiza a si próprio e aprende a
valorizar a dimensão hermenêutica presente na historiografia (COSTA, 2010, p. 18-19).
Ora, a crença no método que operava a partir da distinção sujeito-objeto, a
descrição asséptica da realidade por um observador neutro e o uso de categorias
para dar ao conhecimento um caráter científico são figuras que perdem o sentido no
século 20, transformando o conceito de ciência, bem como aquilo que se chamava
de objetividade. Dessa forma, todo saber é um temporal e local, sem pretensão de
pureza (CARVALHO NETTO, 1999). Esse cientista não pode se compreender como
alguém externo ao seu objeto de estudo, pois ele está dentro daquilo que estuda
e sua observação possui certa medida de interferência (CARVALHO NETTO, 2003).
Na historiografia, isso é relevante. O historiador é alguém que trabalha com
o estudo do passado, reorganizando esse saber histórico e colocando a realidade
na forma de narrativa. Logo, o historiador não tem fatos a serem observados, mas
de testemunhos que podem ser dotados de conclusões e argumentos conflitivos
(COSTA, 2010, p. 20-21). Assim, seu trabalho não consiste em descrever fatos e

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acontecimentos, mas em dar sentido, ou seja, em interpretar. Mas, por interpretar


não se assume aqui a postura passiva do leitor diante do texto; esse mesmo texto
abre-se para possibilidades de sentidos, aniquilando a pretensão de atingir uma
interpretação verdadeira. E o ato de interpretar coloca o historiador em confronto
com um puzzle1 que deve ser verificado continuamente, no qual sentidos são
montados e desmontados a todo o momento, em cada passo.
Sob tais premissas, parece comprometida a pretensão de construção de uma
teoria sobre o que se pode chamar de “história geral”, salvo em três aspectos que
Costa (2010, p. 27) considera possível:

a) alcançar uma compreensão tendencialmente global da realidade


do passado; b) individualizar, dentro da sociedade do passado, tipos de
ações, níveis de realidade, mais relevantes que outras com respeito ao
funcionamento global da sociedade mesma; c) estabelecer,por consequência,
internamente à historiografia, alguma hierarquia “epistemológica” entre
cada um dos setores de pesquisa (COSTA, 2010, p. 27).

A história geral assume a tarefa de reconstruir os elementos históricos essenciais


à sociedade, montando um quadro global do passado e deixando para as histórias
particulares a tarefa de verticalização do saber particular e secundário. Mais relativo
passa a ser o valor das fontes históricas; nenhum texto poderá receber o status de
fonte privilegiada sobre outra. E lembra Costa (2010, p. 28):

Um texto vale por aquilo que diz em relação à pergunta e ao processo de


atribuição de sentido do intérprete: a história do arado não explica mais,
ou menos, que a história da metafísica ocidental e a história das receitas
de cozinha não é uma história necessariamente “menor” (mas nem “maior”)
que as histórias das batalhas (COSTA, 2010, p. 28).

É, portanto, natural que um mesmo texto sirva de objeto de pesquisa para


historiografias particulares, levantando questionamentos sobre os critérios que
devem ser utilizados para validamente se erguer tapumes e marcos divisórios entre
disciplinas históricas. Aqui surge o problema de identificar as características que
dotam de especialidade aquilo que se pretende chamar de historiografia jurídica ou,
simplesmente, de história do direito.
Para Costa (2010, p. 29), um ponto de partida é Savigny (2001), que criou um
idioma próprio do historiador do Direito e tratou de identificar a experiência jurídica
não mais representada pela existência de textos legislativos ou jurisprudenciais,

1 Quebra-cabeça (tradução nossa).

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nem ao menos pela representação de costumes. Assim, a experiência jurídica recaía


sobre o jurista (produtor de um saber jurídico), que se utilizava dos outros elementos,
tornando-os inteligíveis.
Outro elemento do pensamento de Savigny (2001), destaca Costa (2010, p. 29),
é a identificação e busca por continuidade de uma tradição. Mantendo a linha de
pensamento de Hobsbawn (2006, p. 9), é possível afirmar que, na leitura de Costa
(2010, p.29-30), mesmo em Savigny (2001), a tradição é invenção, artificialidade, e
não simples registro; é criada para reforçar a ideia de unidade do sistema jurídico.
Não se pode perder de vista advertência de Costa (2010, p. 29-30) sobre o propósito
de Savigny (2001) que é antes proceder a uma história contemporânea do direito,
quando se utiliza do direito romano, pois ele pretende um uso prático (retórico) do
argumento histórico, de modo que sua descrição nunca é uma mera caracterização,
mas uma argumentação acerca de qual é a interpretação correta de um instituto
jurídico. Para tanto, Costa (2010, p. 29-30) entende que Savigny (2001) assumirá o
risco do anacronismo, já que sua preocupação é mobilizar argumentos históricos
como forma de legitimação de argumentos jurídicos e, assim, construir a sua
dogmática jurídica.
Sendo assim, Savigny (2001) entrega ao historiador a função de desenvolver a
construção que harmonize a história e a teoria jurídica. A dogmática serve a esse
trabalho de atualização do direito romano e criação e manutenção da tradição. A
história do direito, com Savigny (2001), surge a partir de uma tensão:

[...] escolher decisivamente o lado da ‘história’ parecia, para o historiador


do direito, comprometer a relação com o saber jurídico; e vice-versa,
escolher este último parecia tolher toda a credibilidade historiográfica às
suas investigações (COSTA, 2010, p. 31).

Ou seja, de um lado, o dogma, de outro, a história.

O curioso no pensamento de Savigny é que, ao invés de um direito


espontâneo, verificado naturalmente nas ações sociais, o que vale, ao
final, é o que a doutrina científica elabora. E será, assim, justamente,
que o pensamento conceitual elaborado pelos professores, nas
universidades, provocará o surgimento de um novo racionalismo ou
intelectualismo jurídico tão anti-histórico como o direito natural, mas
que se move em plano diferente, qual seja, o da lógica e da dogmática
jurídica (CAMARGO, 2003, p. 81).

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Costa (2010, p. 31-32) entende que em Betti (1995, p. 231) parece surgir uma
proposta de solução: a partir do positivismo, a história era reduzida ao primado dos
fatos sociais (como figuras autônomas e fundantes) e o direito era compreendido
como mera forma. Todavia, Costa (2010, p. 32) identifica nisso um problema:

Se o objeto da historiografia é o direito do passado, se um qualquer setor da


experiência não é compreensível sem o uso dos instrumentos conceituais
correspondentes, não haverá história do direito, não será possível uma
compreensão histórico-jurídica do direito do passado sem o uso, por parte
do historiador, do saber jurídico elaborado em seu presente; a dogmática
hodierna, portanto, não é um obstáculo à compreensão jurídica do passado;
não é nem ao menos qualquer coisa que o historiador do direito possa
livremente colocar de lado; a dogmática hodierna é a condição mesma da
análise histórico-jurídica, o instrumento que torna visível uma qualquer
experiência jurídica do passado (COSTA, 2010, p. 32).

A lógica de Betti (1995) e de sua hermenêutica é totalmente distinta do


pensamento hermenêutico desenvolvido por Heidegger e Gadamer (STRECK, 2011b,
p. 272). Em determinado aspecto, Betti (1995, p. 339) parece vir em rota de colisão:
o italiano acredita que a sua hermenêutica seja capaz de fornecer uma resposta
objetiva para as ciências do espírito e, assim, o intérprete, em diálogo amigável com o
passado, é capaz de realizar um encontro, por meio da interpretação, com o que o texto
realmente significa (COSTA, 2010, p. 32). Como reflexo, a dogmática passa a funcionar
como um “instrumento de intelecção do direito passado” (COSTA, 2010, p. 33).
A dogmática, portanto, torna possível o diálogo entre o atual e o passado e
faz contínua a ideia de tradição. Ora, o que parece ser a inovação de Betti (1995)
é apenas um retorno a Savigny (2001). O importante é que tal quadro vai ter uma
função pragmática essencial: permitir à história do direito assumir dignidade própria
e deixar de ser o patinho feio da faculdade de direito, habilitando-se para dialogar em
condições de igualdade com as demais disciplinas jurídicas (COSTA, 2010, p. 33-34).
Assim, a proposta bettiana da relação entre dogma e história nada mais é do que
uma versão sofisticada de Savigny (2001), mas resolvia o problema a que se propusera:

Ela tendia a resolver a especificidade da história do direito dando


importância central ao elemento jurídico: a história não sai, nesta
perspectiva, do círculo mágico do direito. Na unidade e na continuidade da
tradição, no perfeito espelhar-se do ordenamento no saber, a experiência
jurídica se perfilhava como uma zona perfeitamente concluída e definida
que o historiador contemplava através do filtro obrigatório da “dogmática”
de seu presente (COSTA, 2010, p. 34).

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Logo, a história do direito se ocupava do que chamava por “direito” e lhe atribuía
o papel de referente real da própria operação, e, com isso, ela cai em tautologia. Mas,
aos olhos da hermenêutica contemporânea, tudo isso parece ficar sem sentindo.
Sabe-se que o historiador do direito não é capaz de se colocar frente ao direito,
entendendo este como se fosse uma coisa que faz sentido em si, que pode ser
analisada e, em um segundo momento, inserida em um contexto maior. Ao invés
disso, o historiador do direito se depara com textos, do mesmo modo que todo
historiador: “o problema comum, ao historiador do direito como a qualquer outro
historiador, é compreender que coisa diz o texto e como o texto diz aquilo que
diz” (COSTA, 2010, p. 35). Por isso mesmo, a juridicidade não está no texto como se
fosse sua estrutura, mas, antes, ela deve ser percebida pelo historiador, que nesse
momento decide se o texto refere-se à sua esfera de competência ou à esfera de
competência de outro historiador. Por isso,

[o] intérprete atribui um significado ao texto e nos conta o texto, constrói uma
narrativa através do texto e sobre o texto; esta narrativa tem uma coerência
e inteligibilidade na medida em que fala de alguma coisa, na medida em
que tem um tema e coordena os próprios enunciados em torno a ele; se o
tema em questão é definível como jurídico em qualquer significado que esta
expressão possa assumir no nosso hodierno léxico teórico, a narrativa pode
dizer-se uma narrativa histórico-jurídica (COSTA, 2010, p. 35).

Como consequência, a natureza de juridicidade não está no texto, não é algo


intrínseco, mas se refere a elemento presente na cultura do intérprete. A juridicidade
presente no texto não precisa estar na totalidade, basta um caráter esparso, basta o
uso da linguagem e dos conceitos jurídicos para que aquele texto possa ser tomado
como um texto jurídico (COSTA, 2010, p. 35). Logo, para Costa (2010, p. 36),

(...) a história do direito não é o espelho de uma experiência já definida e


em si mesma fechada, mas simplesmente um contraponto linguístico capaz
de contrapor todas aquelas narrativas historiográficas (diversas entre si,
ainda que incompatíveis) que se organizam em torno de algum standard de
juridicidade, mesmo que compreendida (COSTA, 2010, p. 36).

O Corpus Juris Civilis pode ser tomado como exemplo de texto jurídico.
Entretanto, não se pode chegar a tal conclusão apenas partindo do texto em si;
ao invés disso, pode-se dizer que é a tradição que irá tornar para o intérprete essa
ideia clara. Mesmo tendo sido escrito há vários séculos – o que deveria representar
um obstáculo para sua compreensão – a tradição o faz próximo e familiar ao

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seu leitor jurídico, já que o leitor compartilha de pressuposições (preconceitos)


culturais que atuam como filtros culturais e permitem que se identifique o texto
como jurídico (COSTA, 2010, p. 45). Segundo Oliveira (2011, p. 52), essa tradição
tem início com os estudos da Universidade de Bolonha, que preferiu estudar o
direito de uma civilização não mais existente há quatro séculos, ao direito vigente
naquele tempo na Europa.
Com isso, a tradição fixa o intérprete dentro do horizonte, funcionando como
ponte entre passado e presente. E mais, ela articula um modelo prescritivo,
determinando quais textos jurídicos considera como tais. No entanto, a tradição
não é o único filtro à disposição do intérprete, de modo que ele pode recorrer
a outros olhares ou metalinguagens. Para Costa (2010), o que não é dado ao
intérprete é operar fora de uma metalinguagem, tendo em vista que ele tem
poder de escolha, sempre optando entre uma ou outra, mas nunca por nenhuma
(COSTA, 2010, p. 46-47).
O trabalho do historiador é um trabalho de tradução, um trabalho ativo;
traz para o presente, resgatando do passado, uma narrativa determinada. Desse
modo, precisa ter consciência dessa alteridade e saber balizar limites do próprio
horizonte e do horizonte do texto sobre o qual trabalha. A hermenêutica, aqui,
seria essa ponte entre esses dois mundos (COSTA, 2010, p. 47-48).
Para Costa (2010, p. 50), um historiador importante é Koselleck, que desenvolveu
sua teoria a partir de um diálogo com a hermenêutica de Gadamer. Costa (2010, p.
50) destaca algumas distinções importantes:

Gadamer considera a atitude hermenêutica um componente essencial da


existência humana, desconfia da metodologia historiográfica e enfatiza
a “fusão de horizontes”, a conexão íntima entre o presente e o passado
dentro de uma tradição viva e unitária, mais que sua (virtual) distinção
ou tensão. Koselleck foca, pelo contrário, nos aspectos da compreensão
histórica e considera a relação dialética (a tensão essencial) entre o
presente e o passado como o real pressuposto da historiografia. (COSTA,
2010, p. 50).

Koselleck, assim, preocupa-se com o desenvolvimento histórico de


conceitos políticos, dividindo-os em eras e sociedades. Assim, sua história dos
conceitos busca estabelecer um relacionamento entre práticas e instituições
políticas e sociais dentro de um contexto (COSTA, 2010, p. 50-51). Explicando
melhor, tem-se que:

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(...) a atenção de Koselleck ao relacionamento entre discursos e práticas


está diretamente conectada com a sua intenção de fornecer uma
compreensão estritamente histórica dos conceitos políticos. Os conceitos
políticos encontram seu húmus em um contexto específico, e o contexto
em que tais conceitos devem ser situados, segundo Koselleck, é não apenas
a textura discursiva de uma situação histórica, seu “discurso público” ou
debate, mas a realidade histórica como um todo: a ideia de Koselleck de
“contexto” traz à mente a ideia de um “contexto situacional” [...], no qual
não apenas palavras e discursos, mas até mesmo práticas não formuladas
verbalmente, ações e comportamentos estão incluídos (COSTA, 2010, p. 51).

Essa forma de abordagem amplia aquilo que se pode chamar de textos jurídicos
e ela mostra que a história não pode ser concebida como estrutura linear dotada
de ideias eternas; na condição do historiador, deve-se aceitar que a história só faz
sentido se aceitarmos o desafio da alteridade do passado (COSTA, 2010, p. 52-53) e
da sua tensão com o presente.
O ponto de partida da historiografia koselleckiana é pensar sobre o que seja o
tempo histórico. Lembra Pereira (2004, p. 40) que a ciência histórica não apresenta
um objeto próprio e específico de investigação. Antes disso, o que marca a abordagem
é a metodologia empregada pelo pesquisador. Não se trata de realizar um estudo
do tempo-calendário, marcado por cálculo físico-astronômico, mas perceber a sua
dimensão humana, as suas experiências e percepções sobre os homens. De posse
disso, é possível identificar, com Koselleck, a existência de extratos de tempo que se
sobrepõem, acontecendo em simultaneidade, o que denota que tempo histórico não
é percebido de modo singular e individual, mas plural, vinculado a unidades políticas
e sociais da ação humana (PALTI, 2001, p. 13-14; PEREIRA, 2004, p. 40). Isso porque
o historiador tem dois modos de acesso ao conhecimento passado: (a) por meio da
investigação de situações que podem e foram articuladas de maneira linguística,
o que lhe permite análise das fontes históricas; ou (b) por meio da reconstrução
do que não for articulado pela linguagem, mas que, por vestígios históricos, pode
ser levantado e sustentado na forma de hipóteses e métodos (KOSELLECK, 1993, p.
333-334; ARAÚJO PINTO, 2002, p. 142). Para realizar essa última opção, o historiador
deve fazer uso de categorias científicas que sejam capazes de transcender o tempo
histórico (trans-históricas).
Assim, Koselleck identifica em Heidegger (2006) o ponto de partida de uma teoria
sobre o tempo histórico consciente de suas complexidades, isto é, preocupada com

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370 A proposta de Koselleck de história dos conceitos e a reconstrução da história do direito

finitude e temporalização da experiência humana no mundo. É o Dasein2 heideggeriano,


marco dessa condição, que assinala a ideia de experiência histórica de Koselleck
(1997), preservando sua estrutura ontológica. Com isso, a experiência histórica se dá
sempre a partir de um horizonte de sentido.
Se, de fato, tal conclusão é correta, ela traz como consequência um
desdobramento fundamental: como é possível falar em historiografia produtora de
conhecimentos objetivos? Para solucionar tal problema, Koselleck (2004, p. 106;
1997, p. 70) ofertará a proposta de uma Histórica (Historik), como uma metateoria da
historiografia que analisa e explica as suas próprias condições de possibilidade de
existência (GÓMEZ RAMOS, 2004, p. 21-22; CHIGNOLA, 2007, p. 12; ONCINA COVES,
2003, p. 17). Contudo, Koselleck (1997) identificará que o Dasein de Heidegger
oferece apenas um ponto de partida, sendo possível identificar e teorizar, a partir
dele, outras categorias para uma antropologia fundamental (KOSELLECK, 1997, p.
72; CATTONI DE OLIVEIRA, 2011 p. 70). Essas categorias são organizadas a partir
de pares antitéticos. O primeiro deles, portanto, se dá a partir do par antecipar a
morte e poder matar (KOSELLECK, 1997, p. 74). Pereira (2004, p. 42) esclarece que
“a possibilidade de causar a morte física de outrem é vista por Koselleck como
fenômeno tão fundamental e constante quanto a morte. Sem ele, não existiriam as
histórias que todos conhecemos”.
Outro par identificado por Koselleck (1997, p. 75), e explicitamente também por
Schmitt (2001, p. 177-186), é o par amigo e inimigo. Aqui, é preciso lembrar que os termos
estão sendo tomados como categorias formais, sem recurso a perspectivas ideológicas. Há,
ainda, outros pares antitéticos que são assumidos como categorias existenciárias, como:

(...) “interior e exterior”, que constituem aspecto espacial da história, e,


ligado a este, “secreto e público”, que serviu de ponto de partida para uma
das principais teses apresentadas no livro Crítica e Crise, uma contribuição à
patogênese do mundo burguês, sua tese de doutorado (PEREIRA, 2004, p. 43).

A noção de generatividade é também importante por estar ligada à relação


entre gerações.

A noção heideggeriana de ‘estar lançado’, que Koselleck vê como


nascimento, deve ser completada pela noção de ‘generatividade’, que diz
respeito à relação entre as gerações. A história é repleta de conflitos deste
tipo, como por exemplo, as revoltas estudantis da década de 70 que foram,
entre outras coisas, um choque de gerações (PEREIRA, 2004, p. 43).

2 Traduzido como “Ser-aí” (tradução nossa), trata-se de termo cunhado na filosofia existencialista de Heidegguer.

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Explica, ainda, o próprio autor:

En la generatividad está contenida aquella finitud perteneciente a los


presupuestos temporales para expeler siempre nuevas historias posibles. La
sucesión inevitable de generaciones, en su reengendradora superposición
fáctica y temporal, lleva siempre a nuevas exclusiones, a determinaciones
diacrónicas de lo interno y lo externo, al antes o al después respecto a las
unidades de experiencia específicas de cada generación. Sin estas exclusiones
ninguna historia es pensable. Los cambios y choques generacionales son
constitutivos por antonomasia del horizonte temporal finito, por cuyo
respectivo desplazamiento y solapamiento generativo acontecen las historias.
Las experiencias son específicas de cada generación y, por tanto, no son
transmisibles inmediatamente (KOSELLECK, 1997, p. 82)3.

Identificando relações que se estabelecem a partir de critérios hierárquicos


sobre a forma de organização política, Koselleck propõe o par “senhorio/servidão”
(CATTONI DE OLIVEIRA, 2011, p. 76-77).
Por fim, Koselleck fala em um par que irá se referir à dimensão da temporalidade,
que se daria a partir da relação que se pode estabelecer entre espaço de experiência
e horizonte de expectativas. Essas categorias conduzem as condições de pensar uma
história possível, e não o pensar das histórias em particular. Diferentemente de outras
categorias apresentadas, categorias da experiência e da expectativa reclamam um
grau mais elevado de generalidade:

‘Senhor’ e ‘escravo’ ou ‘forças produtivas’ e ‘relações de produção’, para


citar algumas, são categorias, que, embora com alto grau de generalidade,
remetem ou já remeteram a realidades históricas, isto é, já foram
conceitos políticos, econômicos ou sociais provenientes do ‘mundo da
vida pré-científico’. ‘Espaço de experiência’ e ‘horizontes de expectativas’,
por sua vez, seriam muito mais formais, assim como os conceitos de
espaço e tempo. Seu alto grau de formalidade ou sua pouca concretude
em comparação com outras categoriais ‘mais cheias de vida’ não significa
que sejam menos importantes (PEREIRA, 2004, p. 45).

3 Na generatividade está contida aquela finitude pertencente aos pressupostos temporais para expelir
sempre novas histórias possíveis. A sucessão inevitável de gerações, em sua determinada sobreposição factual
e temporal, leva sempre a novas exclusões, a determinações diacrônicas do interno e do externo, de antes
ou depois das unidades de experiência específicas de cada geração. Sem estas exclusões nenhuma história
é concebível. As mudanças e choques geracionais são constitutivos por antonomásia do horizonte temporal
finito, por cujo respectivo deslocamento e sobreposição generativa acontecem as histórias. As experiências são
específicas de cada geração e, portanto, não são transmissíveis de imediato (tradução nossa).

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372 A proposta de Koselleck de história dos conceitos e a reconstrução da história do direito

Os demais conceitos são permeados de uma alta dose de realidade e excluem-se


mutuamente, o que não acontece aqui, já que o intercruzamento é a marca – não se
pode pensar uma sem a outra (KOSELLECK, 1993, p. 335-336).
Por “experiência”, Koselleck (1993, p. 338) designa um passado presente que
incorpora e permite que acontecimentos possam ser recordados. Essa experiência
não é apenas racional, traz em si modos inconscientes de comportamento que não
deveriam estar ainda presentes nessa forma de saber. Além disso, sua transmissão
faz com que ela se aliene, tornando-se uma experiência alheia.
Já a “expectativa” traz o hoje – ou futuro presente – como traço fundamental;
se volta àquilo que ainda não foi objeto da experiência, que ainda será descoberto.
Inclui esperança/temor, desejo/vontade, inquietação/análise racional, visão
receptiva/curiosidade (KOSELLECK, 1993, p. 338).
Por isso, essas categorias denotam a existência de relação interna entre passado,
futuro e presente. E é aí que reside a tese de Koselleck: experiência e expectativa são
categorias que tematizam o tempo histórico ao entrecruzarem o passado e futuro.
Elas não existem separadamente e são, na tensão entre ambas, que se desenvolve o
tempo histórico para Koselleck.

Não há experiências sem expectativas, conhecimento, recordação ou


vivência do passado que não seja informada por uma visão de futuro
e vice-versa. As ‘expectativas’, por sua vez, não podem ser inteiramente
deduzidas da ‘experiência’, mas também não podem existir de forma
completamente independente (PEREIRA, 2004, p. 45-46).

Mas, para compreender essas categorias, o autor parte de dois passos: 1) esboçar
a dimensão meta-histórica e demonstrar como a experiência e a expectativa são
condições da história possível; e 2) mostrar historicamente como coordenação entre
experiência e expectativa se move e se modifica no transcurso de história.
Segundo Koselleck (1993, p. 339-340), a experiência que vem do passado não é
mensurável cronologicamente, trazendo em si vários extratos de tempo anteriores
e, por isso, não traz em si ideia de adição de momentos ou de acontecimentos. Já
o horizonte marca a finitude do espaço de experiência, assume como uma linha
detrás da qual o futuro se abre, trazendo consigo novo espaço de experiência que
não pode ser contemplado.
Pode-se dizer que o que se espera do futuro estará limitado pelo que se sabe
do passado. Quem crê que seja possível deduzir sua expectativa totalmente a
partir das suas experiências passadas está equivocado; por outro lado, aquele que

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Flávio Quinaud Pedron 373

não toma como base de suas expectativas suas próprias experiências também
cai em erro. Uma categoria não pode ser convertida na outra sem que se faça
a presença de um hiato. Isso se explica no fato de que o futuro histórico não
deriva por completo do passado histórico. As experiências são sobrepostas umas
às outras com o transcurso do tempo modificando-as mutuamente. Nesse ponto,
as experiências só podem ser reunidas por meio de uma expectativa retroativa
que as amarra e as organiza. De outro lado, a estrutura temporal da expectativa é
dependente de experiência. Uma expectativa, que a partir de uma experiência se
concretiza, não traz nada de surpresa; mas, quando os acontecimentos não saem
como se esperava, tem-se o surgimento de nova experiência (KOSELLECK, 1993,
p. 341). Em síntese: a tensão que se estabelece entre experiência e expectativa é
o que provoca, de modo cada vez diferente, novas soluções e, com isso, empurra, a
partir de si mesma, o tempo histórico.
Com esse raciocínio, Koselleck (2002, p. 160; 1993, p. 342) atinge o centro de
sua tese: na Modernidade, se assiste a um progressivo aumento da diferença entre
experiência e expectativa, de modo que as expectativas vão se distanciando, cada
vez mais, das experiências. Koselleck (1993, 343-344) parte de um exemplo para
tornar a ideia mais clara: a Europa pré-moderna abrigava mais de 80% da sua
população nos espaços campesinos, nos quais o sucesso ou fracasso econômico
dependia de fatores naturais – o sol, a chuva, o clima etc. As inovações na técnica
eram lentas, de modo que não quebravam a normalidade da vida agrária. Os
conhecimentos aprendidos eram transmitidos de geração a geração. As guerras
apareciam como acontecimentos marcados pelos desígnios divinos. Assim,
as expectativas que se nutriam provinham essencialmente das experiências
dos antepassados. Mas no cenário político, mudanças começaram a acontecer,
revoluções no espaço de uma geração a partir do Renascimento e da Reforma
marcaram um quadro no qual cada vez mais se rompiam os laços que uniam o
espaço de experiências do horizonte de expectativas.
A ideia de progresso veio ocupar o lugar do profectus medieval, controlado pelas
referências bíblicas capazes de gerar horizonte de expectativas transcendental ou
extramundano. Assim, a perfeição que somente poderia ser alcançada no além
passou a servir para melhorar a existência terrena, temporalizando a perfeição e
abrindo-se para a ideia de que a história é processo de aperfeiçoamento contínuo
e crescente, que, mesmo com tropeços, deveria ser planificado e executado pelos
homens. Com isso, o horizonte de expectativa passou a trazer em si um coeficiente

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374 A proposta de Koselleck de história dos conceitos e a reconstrução da história do direito

de modificações sócio-políticas que progride com o tempo; além de funcionar


como elemento de legitimação do poder político (KOSELLECK, 1993, p. 345-346).
A noção de progresso também trouxe modificações ao espaço de experiência,
que passou a se modificar progressivamente. Essa noção somente veio a ser
cunhada aos fins do século 18, quando somada às abundantes experiências dos
três séculos anteriores. Nisso, o progresso passou a conter coeficiente temporal
diferente para as experiências e expectativas. Em compassos distintos, o espaço de
experiência e o horizonte de expectativas passam a se distanciar. As expectativas
que rumavam para o futuro eram separadas das experiências oferecidas pelo
passado. Ao mesmo tempo, as experiências adquiridas com as colonizações, o
desenvolvimento científico e técnico, não eram suficientes para gerar novas
expectativas (KOSELLECK, 1993, p.346-347).
Assumiu-se como regra a ideia de que o futuro não seria uma mera repetição
do passado, mas melhoramento. E mais: as transformações sociopolíticas e as
mudanças técnico-científicas agregam outra percepção, a aceleração; aqui, o
ritmo do mundo da vida passa por uma inovação, de modo que o tempo histórico
desgarra-se mais ainda do tempo-calendário. Dessa forma, não só se assiste a um
progresso que modifica a sociedade, mas que o faz cada vez mais rapidamente,
caracterizando o horizonte de expectativas que já estava esboçado no Iluminismo
tardio (KOSELLECK, 1993, p.350-351). Com isso, a Modernidade se caracteriza por
momento histórico no qual a expectativa se distância, cada vez mais, da experiência
pretéritas (MARRAMAO, 1995, p. 118).
Com sua proposta teórica, Koselleck (1993) apresenta uma forma de pensar a
historiografia, ancorada em dimensão de estudo objetivo do passado e acaba por
desenvolver método histórico, com implicações críticas. À luz desse raciocínio,
o autor pôde demonstrar como a classificação dos conceitos sociais e políticos,
segundo as categorias da experiência e da expectativa, podem oferecer uma chave
interpretativa capaz de mostrar como o tempo histórico sofre modificação. Essa
proposta teórica abre as portas para pensar outra forma de metodologia para o
estudo da história, que Koselleck (1993) chamará de “história dos conceitos”.

2 O sentido de uma história dos conceitos para os conceitos jurídicos.


Além do projeto de uma Histórica, Koselleck foi responsável por desenvolver
outra metodologia para a história social: a história dos conceitos. Pereira (2004, p. 46)
explica, a partir do seguinte raciocínio, que a proposta koselleckiana é desenvolver:

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(...) uma semântica dos conceitos históricos que busque a constituição


lingüística de experiências do tempo na realidade passada. A ciência
histórica deve se referir ao problema da experiência histórica, com suas
diferentes “ontologias sociais do tempo”, que indicam e informam “tensões
existências” relativas à finitude humana. Atentando para estes elementos
existenciais, a história pode chegar a entender os conflitos políticos e sociais
que caracterizam os diversos períodos históricos (PEREIRA, 2004, p. 46).

O seu propósito, portanto, é promover um estudo sobre o uso e o sentido dos


conceitos sociopolíticos e, assim, indicar processos e transformações que uma análise
ordinária da história social poderia acabar por ocultar (KOSELLECK, 1993, p. 118).
Mas cabe, aqui, um alerta: conceito não é tomado como sinônimo de palavra, pois
não é toda palavra que pode encerrar um conceito e, assim, ter história (KOSELLECK,
1992, p. 134). O contexto é elemento fundamental para temporalidade do conceito
(KOSELLECK, 1992, p. 136-137), que se liberta da palavra. O conceito deve ser capaz de
condensar experiência histórica, articulando redes semânticas (PALTI, 2001, p. 15), que
é maneira de disciplina auxiliar da história social (KOSELLECK, 1993, p. 118; PEREIRA,
2004, p. 48), uma vez que se preocupa com a convergência entre conceito e história:

Os conceitos históricos com que se depara o historiador em seu trabalho


possuem um duplo caráter. Por um lado, expressam conteúdos de
experiências, conjunturas, modos de pensar já sedimentados. Por outro,
são projeções, visualizações de um futuro possível, projetos e prognósticos.
Em outras palavras são índices de realidade e fatores de mudança social
(PEREIRA, 2004, p. 49).

Com isso, tal instrumental teórico autoriza ao historiador identificar a existência


tanto de mudanças quanto de continuidade nos sentidos dos conceitos, bem como
indicar permanências nas estruturas da realidade social, o que contribui para uma
releitura crítica do uso atual dos conceitos (PEREIRA, 2004, p. 49-50). Tal metodologia
pode clarificar a diversidade de níveis – ou extratos – de sentidos que um conceito
acaba por receber em diversas épocas (KOSELLECK, 1993, p. 123).
Segundo Bentivoglio (2010, p. 114), o movimento a favor da história dos conceitos4
é forma de tentativa de superação da tradição da história das ideias e remonta ao
século 18, quando se defendeu que as ideias representam acesso privilegiado à
história, sendo dotadas de existência objetiva, constitutiva da própria história. Esses
conceitos não requereriam qualquer forma de tradução e assumiriam estabilidade.

4 Do original, em alemão: Begriffsgeschichte.

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376 A proposta de Koselleck de história dos conceitos e a reconstrução da história do direito

Bentivoglio (2010, p. 11) entende que o debate entre Collingwood e Lovejoy, no


século 20, apontou para o problema da invariabilidade das ideias, como queria o último.
Atualmente, o enfoque collingwoodiano se materializa nos estudos da chamada Escola
de Cambridge, que tem como expoentes Skinner e Pocock (1989; 2003).

Nesse sentido, a variante apresentada pela perspectiva metodológica


de John Pocock, no contexto da mesma escola, ganha relevância. Em
primeiro lugar, porque, embora também opere com a análise de obras
e de autores, o centro de sua reflexão metodológica desloca-se para
a relação entre as várias linguagens políticas que, no seu confronto
sincrônico, conformam a tessitura lingüística (langue) na qual as diversas
performances (parole) se tornam possíveis e inteligíveis. Também em
Pocock, o esforço de desnaturalização da conceituação e dos horizontes
teóricos contemporâneos se faz presente. Para dar um exemplo, ao
chamar a atenção do leitor para a heterogeneidade dos discursos
produzidos no século XVIII inglês, baseados ora nos direitos, ora nas
virtudes ou nos costumes (manners), sublinha que ali tais possibilidades
devem ser apreendidas, pelo intérprete, como alternativas numa disputa
que desconhece o que nós, hoje, conhecemos – os seus resultados, isto é,
aquilo que, a posteriori, tornou-se hegemônico: o liberalismo, a linguagem
dos direitos individuais e a noção de liberdade como não-obstrução
(JASMIN, 2005, p. 29).

Ambos têm como mérito a promoção de revisão das abordagens do estudo histórico
que caíram no equívoco de projetar expectativas do presente em estudos dos autores
do passado, distorcendo interpretações de pensadores de outrora – Skinner (2000)
denomina de “mitologias da história do pensamento” (BENTIVOGLIO, 2010, p. 116).

Um caso notório seria o da análise que o próprio Skinner faz da


idéia republicana de liberdade em Maquiavel: o reconhecimento da
complementaridade necessária e da convivência pacífica das dimensões
positiva e negativa da liberdade na teoria política de Maquiavel poria em
xeque a naturalização operada pelo pensamento liberal, desde o século
XIX – leia-se aqui Benjamin Constant, Jeremy Bentham e Isaiah Berlin –, da
oposição entre essas duas dimensões (JASMIN, 2005, p. 29).

Outra contribuição foi de ofertar nova metodologia alternativa para o estudo do


pensamento histórico político, utilizando a teoria dos atos de linguagem – speech
acts – de Austin (1971) e elementos da filosofia da linguagem (BENTIVOGLIO, 2010,
p. 116). Bentivoglio (2010, p. 116-117) explica que:

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Para Skinner e para Pocock o importante é perceber como se produz o


significado, seja através da coerência entre discurso, ação e entendimento
provocado como quer o primeiro, seja por meio das supressões e silêncios
propositais, tal como deseja o segundo. Pocock sinaliza ainda a existência de
variadas linguagens políticas que podem coexistir numa mesma sociedade e
que são adotadas ou não pelos grupos. Enquanto Skinner volta-se mais para
Austin (1911-1960) (1990), Pocock refere-se mais à Saussure (1857-1913).
À compreensão que identificava as idéias ao real, por meio da fixação de
sentidos que eram portados e expressos pelos indivíduos, Skinner propõe
outra mais elástica, a fim de se conhecer o vocabulário político de uma época
para poder situar com maior precisão esta relação entre os textos e a ação
social. Skinner procura analisar o entendimento construído pelos atos de
fala a partir da definição de contextos e significados compartilhados, ou
seja, mediante certas normas e convenções. Pocock, por sua vez, enfatiza a
existência de várias linguagens políticas em meio a uma tessitura repleta de
performances discursivas (BENTIVOGLIO, 2010, p. 116-117).

De modo complementar, acrescenta Jasmin (2005, p. 28):

A partir desse programa básico, uma sofisticada elaboração metodológica


e conceitual acerca do fazer história das idéias (ou dos discursos, dos atos
de fala, da linguagem política e social etc.), das noções de significado e
de intenção e dos limites da historiografia do pensamento político e
social, assim como uma pujante produção historiográfica com frequência
identificada com o rótulo “escola de Cambridge” e com a coleção “Ideas in
Context”, se desenvolveram, provocando reações diversas que constituíram
um profícuo debate metodológico internacional entre historiadores,
filósofos, cientistas políticos e críticos literários (JASMIM, 2005, p. 28).

A proposta de Koselleck (2002) começa nos fins da década de 1960 e


representa forma de resistência à tradição da história das ideias, que traz como
ganhos teóricos a assimilação do problema da consciência histórica, que passa
a ser articulada com o conceito de experiência e com recursos na hermenêutica
filosófica (BENTIVOGLIO, 2010, p. 115).
Jasmin (2005) afirma que o ponto de partida está nas pesquisas de Brunner
(1992), quando este critica a historiografia jurídica e liberal de origem alemã quanto
ao modo de transposição para a realidade medieval de estruturas lógico-conceituais
derivadas de pensamento liberal posterior no que concerne, por exemplo, a uma
separação entre direito e política, ou entre público e privado (JASMIN, 2005, p. 31;
PALONEN, 2007, p. 31). Assim:

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378 A proposta de Koselleck de história dos conceitos e a reconstrução da história do direito

Koselleck chama a atenção para a importância da aná­ lise linguística


e semântica na investigação das varia­das dimensões do mundo social
em diferentes épocas. Segundo o autor, o estudo dos conceitos e da
variação dos seus significados ao longo do tempo é uma condição
básica para o conhecimento histórico. Koselleck deno­mina História dos
Conceitos o procedimento que per­mite apreender o complexo processo de
ressignificações de alguns conceitos ao longo do tempo. Mais do que um
método a ser aplicado ou uma disciplina autônoma, a História dos Conceitos
seria um instrumento com­plementar e necessário para a interpretação
histórica (KIRSCHNER, 2007, p. 49).

Por isso que, para Koselleck (1997, p. 69), os conceitos não podem ser tomados
de modo autônomo, mas ancorados a uma determinada realidade histórico-social.
Assim, para “se apoderarem da realidade, os homens necessitam dos conceitos e,
por meio das experiências vividas e transformações sofridas, empreendem ações
que se projetam no tempo e no espaço determinantes para sua autocompreensão”
(BENTIVOGLIO, 2010, p. 118). Bentivoglio (2010, p. 119) aponta para alguns
pressupostos que comporiam a agenda koselleckiana:

1) Até que ponto é comum o uso do conceito? 2) Seu sentido foi objeto
de disputa? 3) Qual o espectro social de seu uso? 4) Em que contextos
históricos aparece? 5) Com que outros termos aparece relacionado, seja
como complemento ou como oposição? 6) Por quem é utilizado, com que
propósitos e a quem se dirige? 7) Por quanto tempo esteve em uso? 8) Qual
é o valor do conceito na estrutura da linguagem política e social da época?
9) Com que outros termos se sobrepõe? 10) Converge com o tempo com
outros termos? (BENTIVOGLIO, 2010, p. 119).

A partir de tais referenciais, a história dos conceitos poderia demonstrar como


surgem mudanças nos sentidos dos conceitos – algumas vezes, até indo contra
os próprios pressupostos desses conceitos. Por isso mesmo, conceitos somente
adquirem sentido quando imersos em determinada temporalidade e em contexto
linguístico (BENTIVOGLIO, 2010, p. 123). Todos os conceitos apresentam uma história
que alimenta projetos e sistemas de organização políticos e sociais (BENTIVOGLIO,
2010, p. 127). Poder-se-ia reconhecer que, no cerne da teoria da história dos conceitos,
reside certa dose de relação dialética entre criação e determinação:

Para Koselleck, existe uma eterna contradição entre estruturas objetivas


de determinação de longo prazo que limitam e submetem o leque possível
de atitudes e orientações históricas dos sujeitos. Como resolvê-las? Para
ele, existem duas possibilidades. A primeira leva em conta a pluralidade

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Flávio Quinaud Pedron 379

dos atores históricos envolvidos e sua capacidade de criar. A segunda


parte da existência do esquecimento. O tema do esquecimento que já
havia sido posto por Ditlhey [sic] assume no projeto da História Conceitual
uma dimensão importante. Certos conteúdos conceituais não são apenas
modificados, são mesmo esquecidos em meio a diferentes gerações,
perdendo-se na memória coletiva elementos da experiência anterior
(BENTIVOGLIO, 2010, p. 123).

É por isso que a metodologia da história dos conceitos não se preocupa


apenas com “estratos semânticos dos termos”, mas vai além, relacionando-os às
descontinuidades e aos contextos sociais de sua produção (KOSELLECK, 2002, p.
48-50; JASMIN, 2005, p. 33).
Mas, aqui, há traço importante de sua metodologia: Koselleck (1989, p. 650) se
recusa a limitar suas pesquisas às linguagens articuladas pelos atores do passado,
defendendo a ideia de que elementos pré-linguísticos condicionantes da história
podem ser recursos para compreender a própria situação histórica desses atores.
Além disso, pode-se identificar que parte do acontecimento não recebe articulação
linguística local, às vezes porque são analisados fenômenos desconhecidos para a
própria consciência dos atores históricos do momento, às vezes porque a própria
linguagem não consegue, de modo satisfatório, traduzir os eventos, o que faz com
que uma “memória estável” seja desenvolvida melhor posteriormente (KOSELLECK,
1989, p. 652; JASMIN, 2005, p. 33).
Jasmin (2005, p. 33) apresenta um esquema acerca de como essa relação de
continuidade e descontinuidade pode se estabelecer:

Supondo que de um lado haja um estado de coisas, e de outro um conceito


deste estado de coisas, quatro situações são possíveis: 1) o estado de coisas
e o conceito permanecem ambos estáveis ao longo de um período de
tempo; 2) o conceito e a realidade transformam-se simultaneamente; 3) os
conceitos mudam sem que haja uma mudança concomitante da realidade,
ou seja, a mesma realidade é conceituada de modo diverso; 4) o estado de
coisas muda, mas o conceito permanece o mesmo (JASMIM, 2005, p. 33).

Dessa forma, experiências acumuladas são articuladas aos horizontes de


expectativas, que podem associar-se a dado conceito (BENTIVOGLIO, 2010, p.
131-132). Assim, há ganho de complexidade em relação à proposta de Skinner e
de Pocock – que ainda fica limitada apenas à virada linguística, mas desconhece o
giro hermenêutico. Em Koselleck (1989, 1993) identifica-se uma tripla aproximação
– cultural, pragmática e semântica –, o que responde, portanto, “a um tratamento

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380 A proposta de Koselleck de história dos conceitos e a reconstrução da história do direito

mais sistemático conferido às ideias, que não se limita ao político ou ao linguístico


e permite investigar mais claramente as mudanças e as identidades constituídas
pelos sujeitos históricos” (BENTIVOGLIO, 2010, p. 132).
Para melhor compreender a proposta da história dos conceitos, pode-se aplicá-
la ao conceito de federação, sob o pano de fundo da topologia constitucional alemã
(KOSELLECK, 1993, p. 352). O conceito de federação, muito presente na memória
histórica, é, inicialmente, decorrente da unificação dos estamentos ao fim da Idade
Média e é encontrado depois que fórmulas de unificação passaram por um processo
de amadurecimento que resultou em um êxito temporariamente limitado, mas
repetível. De um pacto individual – muitas vezes verbal – de associação mútua por
prazo determinado, passou a designar um conceito com efeito retroativo, como
consequência da institucionalização que se seguiu. Um pacto individual representava
um compromisso de execução no presente, ao passo que a federação abarcava
uma situação já institucionalizada. Isso evidencia deslocamento do sujeito da ação
quando se consideram as cidades da federação ao invés da federação de cidades;
se a última expressão ressalta os membros individuais, a anterior expressa uma
organização na forma de uma unidade de ação, a Federação. O elemento individual é
substituído, portanto, por individual coletivo, que repete uma experiência já reunida
e conceituada sob um conceito único. Tem-se aqui um conceito classificador de
experiências capaz de alimentar um passado presente.
Diferente é o que vai acontecer com a tensão temporal dos três conceitos de
federação que se formam ao final do antigo Reich: federação de estados, estado
federal e república federal. Com essa criação, por volta de 1800, as expressões são
artificialidades baseadas na experiência, que não eram derivadas diretamente da
Constituição do Reich, mas extraiam dela feixes de experiências voltadas para um
conceito que poderia ser utilizado, no futuro, como experiência possível. Assim,
esse recurso à experiência do antigo Reich se antecipava à futura Constituição
da Federação alemã, mesmo quando sua realidade não era ainda previsível. Tais
conceitos continham experiências imprecisas e ocultas e revelavam um potencial
de previsibilidade que se direcionava a um novo horizonte de expectativas
(KOSELLECK, 1993, p. 352-353).
Mais que conceitos classificadores de experiências, é possível perceber que esses
conceitos assumem a função de criadores de experiência. Por outro lado, uma terceira
expressão conduz totalmente a uma dimensão futura: por federação de povos, Kant
(1998) realiza uma antecipação, uma vez que o conceito transfere uma determinação

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Flávio Quinaud Pedron 381

de fins morais e políticos que parece revelar algo que somente poderia ser esperado
no reino de Deus na Terra. Aqui, o que se tem é um conceito de expectativa pura,
desatrelado de qualquer experiência prévia (KOSELLECK, 1993, p. 353-354).
O autor alemão informa, ainda, que há um indicador de temporalidade contido na
tensão entre experiência e expectativa que irá proporcionar uma norma que abarca
o nascimento da modernidade no conceito de Constituição. Para Koselleck (1993,
p. 354), as extensões temporais da criação linguística do conceito de Constituição
evidenciam uma separação consciente entre espaço de experiência e horizonte de
expectativa, convertendo-se na tarefa da ação política conciliadora dessa diferença.
Para explicar essa ideia, Koselleck (1993) utiliza os três modelos aristotélicos de
governo (monarquia, aristocracia e democracia) que ainda eram suficientes para
aglomerar experiências políticas, mas que, a partir de 1800, são transformados sob o
ponto de vista da filosofia da História. Uma dualidade entre despotismo e república
toma lugar como indicadora temporal: distanciando o despotismo do passado, o
caminho histórico passa a conduzir para uma república do futuro. O conceito de res
publica, que antes era suficiente para abarcar os três modelos de governo, assume
um sentido restritivo de exclusividade, mas direcionado para o futuro.
No movimento de Revolução Francesa, a utilização histórica do conceito, que
estava saturado de experiências, passa a se converter em um conceito de expectativa.
O conceito de republicanismo irá ocupar, no espaço da ação política, a mesma função
de movimento que o progresso irá desempenhar na história total (KOSELLECK, 1993,
p. 355). Como consequência, a partir do republicanismo, assiste-se ao surgimento do
democratismo, do liberalismo, do socialismo etc. Todas essas expressões tiveram um
conteúdo de experiência mínimo ou nulo. Eles apontavam para um movimento em
direção a um futuro novo, abrindo um horizonte que, antes, estava limitado a um
conjunto de conceitos finitos e presos ao presente (ou ao passado presente).
Koselleck (1993, p. 355-356) destaca, ainda, que os conceitos de movimento
possuem um traço comum: a produção de uma compensação. Isto é, quanto menor
for o conteúdo de experiência, maior será a expectativa que dele deriva, e vice-versa.
A aplicação histórica dessas categorias meta-históricas irá proporcionar
uma chave para o reconhecimento do tempo histórico, especialmente diante da
Modernidade. A ideia moderna de progresso é também elemento chave dessa
compreensão antropológica (KOSELLECK, 2002, p. 160). Desse modo, a História
somente pode reconhecer o que muda continuamente, e o novo se encerra nas
estruturas duradouras.

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382 A proposta de Koselleck de história dos conceitos e a reconstrução da história do direito

3 Conclusão
Ao contrário do que um imaginário de senso comum que possa ter tomado
conta das pesquisas jurídicas que fazem incursões historiográficas, trabalhar com a
história do direito não pode ser confundido com o ato de desenvolver uma narrativa
a partir do relato ordenado de acontecimentos históricos. Antes de tudo, é necessária
a escolha de uma metodologia que permita, com rigor científico, esse regresso aos
fatos e a suas interpretações.
É por isso que o presente texto se preocupou em explicar o desenvolvimento de
uma proposta para tal metodologia histórica a partir da opção pelo uso da história
dos conceitos de Koselleck. Assim, buscou-se explicitar a sua dinâmica estruturante.
Fato é que o próprio autor traz – com o olhar do historiador, e não do
jurista – uma proposta que merece ser analisada, discutida e desenvolvida pelos
pesquisadores jurídicos.
A principal contribuição da proposta teórica de Koselleck, ao desenvolver
a lógica da história dos conceitos, parece residir no fato de que ele buscou
demonstrar como conceitos políticos podem ser desenvolvidos, mantendo-se
continuidades e descontinuidades.

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O aprimoramento do ensino jurídico


para a orientação de uma prática judicial
racional no Brasil
FREDERICO DE ANDRADE GABRICH
Doutor em Direito (UFMG). Mestre em Direito (UFMG). Especialista em Direito
Comercial/Empresarial (UFMG). Professor adjunto da Universidade FUMEC.

TIAGO LOPES MOSCI


Doutor em Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais (PUC Minas). Mestre em Teoria do Direito (PUC Minas). Professor e
Coordenador de Pesquisa e Extensão do Curso de Direito da Faculdade de
Saúde e Ecologia Humana (FASEH).

Artigo recebido em 6/11/2017 e aprovado em 24/7/2019.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Considerações sobre racionalidade jurídica e legitimidade do Direito


3 “O Estado do Rio de Janeiro contra o homem amputado”: um caso exemplar da prática judicial
brasileira 4 Como o Direito é compreendido, ensinado e aprendido no Brasil? 5 Como a
mudança do ensino jurídico pode contribuir para o aprimoramento da prática judicial brasileira
6 Conclusão 7 Referências.

RESUMO: O artigo propõe uma reflexão sobre a racionalidade da prática judicial


brasileira e sua correlação com: (i) o ensino jurídico e (ii) o conhecimento científico
vigente acerca do Direito. O argumento central é o de que a mudança no modelo
mental predominante no ensino jurídico brasileiro e das suas principais metodologias,
acompanhada de uma revisão dos pressupostos científicos do Direito, são condições
indispensáveis para uma prática jurídica mais adequada às exigências de fundamentação
dos Estados Democráticos de Direito. No presente artigo, as metodologias construtivistas
e construcionistas, com destaque para o método Problem Based Learning – PBL1, foram
apresentadas como alternativas adequadas para o aprimoramento do ensino jurídico
e, consequentemente, da prática judicial. Utilizou-se o método dedutivo e adotou-se
como referenciais teóricos as proposições de Piaget e Gabrich.

PALAVRAS-CHAVE: Ciência do Direito Problem Based Learning Ensino Jurídico


Construtivismo Construcionismo.

1 Aprendizagem Baseada em Problemas – ABP (tradução nossa).

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The enhancement of legal education for the orientation of a rational practice


of law in Brazil

CONTENTS: 1 Introduction 2 Remarks on the rationale of law and law’s legitimacy 3 “Rio de
Janeiro state versus amputee man”: an exemplar case of the Brazilian practice of law 4 How law
is understood, taught and learned in Brazil: positivist logical-instrumental rationale and authentic
interpretation as characteristics of our scientific understanding of law 5 The logic of conflict as
the dominant mental model of legal education in Brazil 6 How the change in legal education
can contribute to the enhancement of the Brazilian practice of law 7 Conclusion 8 References.

ABSTRACT: This article proposes a reflection on the rationality of Brazilian legal


practice and its correlation with: (i) the guiding assumptions of what we call the
Jurisprudence and (ii) the legal education. The focusing idea is that changing the
predominant ethos about the Brazilian legal teaching and its methodologies, as
well as reviewing the scientific premises on the Law, are prerequisites to a fairer,
coherent and legitimate legal practice in Constitutional Democracies model. In
the present article, the constructivist and constructionist methodologies, with
emphasis on the Problem Based Learning (PBL) method, were presented as suitable
alternatives for the improvement of legal teaching and, consequently, of the legal
practice. The deductive method was used and the propositions of Piaget and Gabrich
were adopted as theoretical references.

KEYWORDS: Jurisprudence Problem Based Learning Legal Teaching Constructivism


Constructionism Learning.

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388 O aprimoramento do ensino jurídico para a orientação de uma prática judicial racional no Brasil

El mejoramiento de la enseñanza jurídica para la orientación de una práctica judicial


racional en Brasil

CONTENIDO: 1 Introducción 2 Consideraciones sobre racionalidad jurídica y legitimidad del


Derecho 3 “El Estado de Rio de Janeiro contra el hombre amputado”: un caso ejemplar de la
práctica judicial brasileña 4 Cómo se comprende, se enseña y se aprende el Derecho en Brasil:
racionalidad lógico-instrumental positivista e interpretación auténtica como características de
nuestra comprensión científica de Derecho 5 Cómo el cambio de la enseñanza jurídica puede
contribuir para el mejoramiento de la práctica judicial brasileña 6 Conclusión 7 Referencias.

RESUMEN: El artículo propone una reflexión sobre la racionalidad de la práctica


judicial brasileña y su correlación con (i) el conocimiento científico actual en
Derecho y (ii) la enseñanza jurídica. La idea central es que cambiar el modelo mental
predominante sobre la enseñanza jurídica brasileña y sus metodologías, así como
revisar las premisas científicas sobre el Derecho, son requisitos previos para una
práctica jurídica más justa, coherente y legítima en el paradigma de las Democracias
Constitucionales. En el presente artículo, las metodologías constructivistas y
construccionistas, con énfasis en el método Problem Based Learning – PBL, se
presentaron como alternativas adecuadas para el mejoramiento de la enseñanza
jurídica y, en consecuencia, la práctica jurídica. Se utilizó el método deductivo y las
proposiciones de Piaget y Gabrich se adoptaron como referencias teóricas.

PALABRAS CLAVE: Ciencia del Derecho Problem Based Learning Enseñanza Jurídica
Constructivismo Construccionismo.

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Frederico de Andrade Gabrich − Tiago Lopes Mosci 389

1 Introdução

E m tempos de crise econômica, de aumento do desemprego, da criminalidade


e de descrença política provocada pela constatação da corrupção sistêmica
e generalizada que tomou conta de boa parte das instituições públicas e privadas no
Brasil, as críticas ao funcionamento das instituições, do sistema jurídico e do Direito
como um todo são levantadas em profusão. Essas críticas assumem as mais variadas
formas e conteúdos. Para alguns, as leis são muito brandas e a justiça protege os
infratores. Para outros, o problema é justamente o contrário: as leis são muito rígidas,
refletindo uma ingerência excessiva do Estado na vida dos cidadãos e das empresas2.
Existem, de fato, diversas razões para se criticar o Direito em geral e,
especialmente, o Direito Brasileiro. Mas é preciso observar que, enquanto algumas
dessas críticas se preocupam em identificar corretamente os problemas que
precisam ser solucionados nas diversas áreas jurídicas e encaminhar as possíveis
soluções, outras são simplesmente equivocadas, mal formuladas, ideológicas e
injustas, em nada contribuindo para o aprimoramento do conhecimento científico
do Direito e das práticas judiciais.
Nesse contexto, o presente trabalho pretende oferecer alguns subsídios para
uma crítica fundamentada do Direito brasileiro, tendo como referenciais norteadores
as ideias de racionalidade judicial e de ensino jurídico. A investigação percorrerá a
seguinte trajetória: inicialmente, serão desenvolvidas algumas considerações acerca
da prática judicial brasileira, buscando demonstrar que ela é caracterizada por um
déficit de racionalidade, legitimando-se essencialmente pela autoridade dos juízes e
tribunais. O argumento será ilustrado com recurso a um relato feito no documentário
“Justiça”, da cineasta Maria Augusta Ramos, que mostra um pouco do funcionamento
da justiça criminal no Brasil. A seguir, se tentará estabelecer uma conexão entre
racionalidade judicial e ensino jurídico, com o objetivo de mostrar que os problemas
relacionados à aplicação do Direito não decorrem exclusiva e necessariamente da
má qualidade das nossas leis, do despreparo dos nossos juízes e da ineficiência das
nossas instituições. Eles têm como uma de suas causas mais centrais –­e, ao mesmo
tempo, menos refletidas – o modo como o Direito é concebido, reproduzido e ensinado,
desde a formação básica dos futuros juristas dentro das instituições de ensino. Assim,
pretende-se mostrar que a prática jurídica mais racional e legítima perpassa por uma
mudança na concepção científica vigente acerca do Direito e, junto com ela, pela

2 Este é um dos argumentos que serviram de base à Reforma Trabalhista, ocorrida em 2017.

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390 O aprimoramento do ensino jurídico para a orientação de uma prática judicial racional no Brasil

reforma do ensino jurídico. Neste estudo, o enfoque será lançado sobre a segunda
questão referida, embora algumas reflexões sobre os pressupostos conformadores da
concepção científica do Direito dominante no Brasil sejam necessárias.
A pesquisa tem caráter qualitativo, transdisciplinar e propõe como abordagem o
método dedutivo, procurando trazer os aportes do construtivismo de Piaget, da teoria
da análise estratégica do Direito de Gabrich e das metodologias construtivistas e
construcionistas de ensino, bem como do método PBL – Problem Based Learning,
para o tratamento dos problemas apontados.

2 Considerações sobre racionalidade jurídica e legitimidade do Direito


Nas primeiras linhas da obra “O Império do Direito”, Dworkin destaca o
importante aspecto da relevância social das decisões judiciais:

É importante o modo como os juízes decidem os casos. A diferença entre


dignidade e ruína pode depender de um simples argumento que talvez não
fosse tão poderoso aos olhos de outro juiz, ou mesmo o mesmo juiz no dia
seguinte. As pessoas frequentemente se vêem na iminência de ganhar ou
perder muito mais em decorrência de um aceno de cabeça do juiz do que
de qualquer norma geral que provenha do legislativo. Há, inevitavelmente,
uma dimensão moral associada a um processo judicial legal e, portanto, um
risco permanente de uma forma inequívoca de injustiça pública. Um juiz
deve decidir não simplesmente quem vai ter o quê, mas quem agiu bem,
quem cumpriu com suas responsabilidades de cidadão, e quem, de propósito,
por cobiça ou insensibilidade, ignorou as próprias responsabilidades para
com os outros, ou exagerou as responsabilidades dos outros para consigo
mesmo. Se esse julgamento for injusto, então a comunidade terá infligido
um dano moral a um de seus membros por tê-lo estigmatizado, em
certo grau ou medida, como fora-da-lei. O dano é mais grave quando se
condena um inocente por um crime, mas já é bastante considerável quando
um queixoso com uma alegação bem fundamentada não é ouvido pelo
tribunal, ou quando um réu dele sai com um estigma imerecido. São estes
os efeitos de um processo judicial sobre as partes e seus dependentes.
Quando a Corte (Suprema Corte dos Estados Unidos) decidiu, em 1954, que
nenhum Estado tinha o direito de segregar as escolas públicas por raça,
levou o país à mais profunda revolução social já deflagrada por qualquer
outra instituição política (DWORKIN, 2003, p. 3-4).

As democracias constitucionais contemporâneas consolidaram a premissa de


que os juízes não devem decidir de qualquer maneira, segundo interesses pessoais
ou de terceiros, mas segundo um procedimento criterioso, metódico, discursivo,

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Frederico de Andrade Gabrich − Tiago Lopes Mosci 391

intersubjetivo e racional. A prática judicial deve ser permeada por uma racionalidade
capaz de tornar o seu produto final, que é a decisão, algo apreciável, verificável e
controlável, a partir do paradigma do Estado de Democrático de Direito. É disso
que se fala quando se afirma, por exemplo, que o Direito é uma Ciência, que as
sentenças devem ser fundamentadas ou que existem boas razões para que as
pessoas respeitem as decisões judiciais.
Segundo o dicionário Houaiss:

Racionalidade é a propriedade do que é racional, o que se encontra em


conformidade com a razão, a capacidade de raciocinar ou de praticar a
própria razão”. E razão é a “capacidade para resolver alguma coisa por
meio do raciocínio. É a habilidade para fazer avaliações de maneira
correta, para raciocinar de maneira discursiva combinando conceitos e
proposições (HOUAISS, 2001).

Racionalidade jurídica, então, tem relação com o estatuto metodológico do Direito,


ou seja, com a capacidade de o Direito organizar a vida em sociedade, estruturar os
objetivos do Estado, dos indivíduos e das instituições de forma mais justa e eficiente,
bem como resolver os problemas que lhe competem de maneira apropriada. Se devem
existir razões para se obedecer ao Direito, deve haver uma racionalidade condutora do
processo de aplicação do Direito. É essa racionalidade que assegura a aceitação das
normas jurídicas pelos destinatários e a sua sujeição a elas.
No paradigma dos Estados Democráticos de Direito, em que supostamente
se insere o Brasil, racionalidade jurídica não é apenas uma exigência de ordem
filosófica ou política. É também um pressuposto necessário para a manutenção da
estabilidade social e uma exigência constitucional prevista, exemplificativamente,
nos preceitos de fundamentação das decisões judiciais, de publicidade dos processos
e julgamentos, bem como de vinculação destes últimos ao interesse público.
No entanto, a prática decisória judicial no Brasil tem se mostrado, em muitos casos,
absolutamente insatisfatória em relação aos padrões científicos que caracterizam a
sociedade contemporânea e às exigências de fundamentação próprias dos Estados
Democráticos de Direito. Como observa Antônio Cota Marçal,

O Direito brasileiro, em seu ordenamento e em suas práticas, devido a sua


formação histórica (origens não iluministas portuguesas, forma autoritária
de sua construção de cima para baixo, forte influência da dogmática
cristã em seu conteúdo, centralismo e autoritarismo político, exceto em
poucos e curtos períodos de vivência democrática desde a proclamação
da República) e em razão da tendência conservadora e imobilista de uma

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392 O aprimoramento do ensino jurídico para a orientação de uma prática judicial racional no Brasil

sociedade até pouco tempo predominantemente agrária e fechada em si


mesma, não acompanhou o processo moderno de conformação da vida
e do próprio Direito aos padrões científicos vigentes. Constata-se que as
práticas sociais e institucionais do Direito brasileiro e de seus agentes, bem
como aquelas dos profissionais autônomos do Direito, prescindem ainda de
uma efetiva autocompreensão científica do Direito, enquanto ciência social
aplicada. (...). Consolidadas como valores e racionalizadas como interesses
de parcela da sociedade (ideologia), algumas destas práticas sociais do
Direito, além de se constituírem em instrumentos de deseducação para
o exercício da cidadania, impedem a efetivação do Estado de Direito
democrático (MARÇAL, 2010, p. 73).

O desenvolvimento e a perpetuação de uma prática judicial incompatível com


o que se pode chamar de uma razão científica apropriada traz graves consequências
sociais, pois faz com que o Direito seja incapaz de legitimar racionalmente os seus
conteúdos e, assim, oferecer razões convincentes para sua aceitação por parte dos
destinatários. A questão é assim posta por Marinoni e Mitidiero:

Considerando-se a realidade da justiça civil brasileira, constata-se com


facilidade que o jurisdicionado tem grande dificuldade para prever como
uma questão de direito será resolvida. Isso se deve ao fato de os juízes
e os tribunais não observarem em sua maioria modelos mínimos de
racionalidade ao decidirem. É claro que a utilização de clausulas gerais
e a adoção de princípios constitucionais para a leitura das normas legais,
por si só, ampliou a latitude de poder do juiz, ou melhor, o seu espaço
de subjetividade para a definição dos litígios. Afinal, em um caso o juiz
é chamado a definir o que não foi decidido pelo legislador e, no outro,
tem poder para negar validade às normas legais em face da Constituição
ou mesmo para conformá-las às normas constitucionais. Porém, mesmo
quando tem simplesmente de aplicar uma regra, o juiz se encontra
diante da necessidade de valorar e decidir, optando por uma entre várias
possibilidades de adscrição de significado aos textos jurídicos, o que significa
que tem que traçar, em qualquer dos casos, um raciocínio argumentativo
dotado de racionalidade. Só a argumentação racional constitui justificativa
aceitável da atividade interpretativa (MARIONI; MITIDIERO, 2014, p 1-2).

Antes de se passar à análise das causas que concorrem para a baixa performance
racional-argumentativa dos tribunais brasileiros e dos problemas que dela decorrem,
é relevante mencionar uma produção cinematográfica que expõe de forma exemplar
o funcionamento da prática judicial brasileira.

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3 “O Estado do Rio de Janeiro contra o homem amputado”: um caso exemplar da


prática judicial brasileira

O célebre jurista italiano Calamandrei assim descreveu as sutilezas que


permeiam o itinerário percorrido por um juiz até a decisão:

A fundamentação das sentenças é certamente uma grande garantia de


justiça, quando consegue reproduzir exatamente, como num esboço
topográfico, o itinerário lógico que o juiz percorreu para chegar à sua
conclusão. Nesse caso, se a conclusão estiver errada, poder-se-á descobrir
facilmente, através da fundamentação, em que etapa do seu caminho o juiz
perdeu o rumo. Mas quantas vezes a fundamentação é uma reprodução fiel
do caminho que levou o juiz até aquele ponto de chegada? Quantas vezes
o juiz está em condições de perceber com exatidão, ele mesmo, os motivos
que o induziram a decidir assim? Representa-se escolarmente a sentença
como o produto de um puro jogo lógico, friamente realizado com base em
conceitos abstratos, ligados por uma inexorável concatenação de premissas
e consequências; mas, na realidade, no tabuleiro do juiz, as peças são homens
vivos, que irradiam invisíveis forças magnéticas que encontram ressonâncias
ou repulsões, ilógicas mas humanas, nos sentimentos do judicante. Como se
pode considerar fiel uma fundamentação que não reproduza os meandros
subterrâneos dessas correntes sentimentais, a cuja influência mágica nenhum
juiz, mesmo o mais severo, consegue escapar? Embora se continue a repetir
que a sentença pode se reduzir esquematicamente a um silogismo no qual, a
partir de premissas dadas, o juiz tira a conclusão apenas em virtude da lógica,
às vezes acontece que o juiz, ao formar a sentença, inverta a ordem normal
do silogismo; isto é, encontre antes a conclusão e, depois, as premissas que
servem para justificá-la. Essa inversão da lógica formal pode ser oficialmente
aconselhada ao juiz por certos procedimentos judiciários, como aqueles que,
enquanto lhe impõem tornar público, no fim da audiência, o dispositivo
da sentença (isto é, a conclusão), consentem que retarde por alguns dias a
formulação dos fundamentos (isto é, das premissas). A própria lei, portanto,
parece reconhecer que a dificuldade de julgar não consiste tanto em achar a
conclusão, que pode ser coisa a se resolver no mesmo dia, quanto em achar,
depois, com mais longa meditação, as premissas de que essa conclusão
deveria ser, segundo o vulgo, a consequência. As premissas, não obstante
seu nome, frequentemente são elaboradas depois – em matéria judiciária, o
teto pode ser construído antes das paredes. Com isso, não se quer dizer que
o dispositivo surja às cegas e que a fundamentação tenha o único objetivo
de mostrar como fruto de rigoroso raciocínio o que, na realidade, é fruto do
arbítrio; quer-se dizer apenas que, no julgar, a intuição e o sentimento muitas
vezes têm um papel maior do que parece a quem vê as coisas de fora. Não é
por nada, diria alguém, que sentença deriva de sentir (CALAMANDREI, 2000,
p. 175-177).

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394 O aprimoramento do ensino jurídico para a orientação de uma prática judicial racional no Brasil

Como Oscar Wilde certa vez observou, “a vida imita a arte e a arte imita a vida”
e, dessa forma, unindo de forma magistral a arte, a vida e o Direito, a cineasta Maria
Augusta Ramos filmou diversos julgamentos no Fórum Central do Rio de Janeiro,
durante o ano de 2003, com o objetivo de mostrar para as pessoas comuns o
funcionamento da justiça criminal no Brasil. A proposta foi fixar uma câmera sobre
cada um dos presentes na audiência (juiz, defensor, réu etc) e, a seguir, exibir as
filmagens sem interferências, narração, cortes ou edições de conteúdo. O resultado
foi o premiado documentário intitulado “Justiça”, que retrata fielmente alguns
aspectos importantes da prática judicial corrente no Brasil, ainda nos dias de hoje.
Em um dos casos paradigmáticos registrados, um homem com as pernas
amputadas, que se encontra preso preventivamente, é conduzido em uma cadeira de
rodas à presença do juiz. O caso será chamado de “O Estado do Rio de Janeiro contra
o homem amputado”. O homem é acusado de assaltar uma casa e fugir com diversos
bens roubados, além de acobertar a participação de comparsas no crime. Em seu
depoimento, o acusado relata as circunstâncias de sua prisão. Prossegue dizendo que
foi detido durante um tumulto ocorrido em uma concentração de Carnaval, quando
alguns homens que fugiam da polícia passaram por ele e, em meio à fuga, jogaram
alguns objetos ao chão próximo do local onde se encontrava. Ao ser informado pelo
juiz dos termos da acusação que lhe é imputada, o acusado alega que não conhece os
homens que fugiam da polícia e pondera que sua condição física não lhe permitiria
pular um muro, arrombar uma casa e fugir em disparada, haja vista que tem as
pernas amputadas e se desloca em uma cadeira de rodas. Além de negar o crime, o
acusado pede ao juiz que, caso venha a ser mantido preso, seja transferido para um
local mais apropriado à sua condição de deficiente, pois o presídio superlotado em
que se encontra inviabiliza até mesmo a sua higiene pessoal básica. Nesse sentido,
o réu relata que ele tem que se arrastar ao vaso sanitário e ao chuveiro toda vez que
precisa evacuar ou tomar banho.
O juiz indaga ao acusado se ele possui uma recomendação médica para ser
transferido. Considerando que o acusado, desde que foi preso, não tem um médico à
sua disposição (e nem um advogado que possa formular o pedido de transferência),
o pedido é negado sob a alegação de que “isso é assunto médico, não é assunto de
juiz”. Adicionalmente, o juiz afirma que, quando o delito foi praticado, o acusado não
estava em uma cadeira de rodas. Quando o acusado corrige a informação e reitera
que é deficiente há muitos anos e que havia sido preso já em uma cadeira de rodas, o
magistrado fica surpreso. Ele repete a pergunta algumas vezes, lê novamente a peça

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Frederico de Andrade Gabrich − Tiago Lopes Mosci 395

acusatória, parecendo não acreditar. De fato, não parece plausível que um homem
amputado seja capaz de transpor um muro, praticar um arrombamento, tomar uma
residência de assalto e fugir da polícia em uma cadeira de rodas.
Ocorre que o juiz, que desde o princípio não havia sequer considerado a
possibilidade de o acusado já ser amputado à data do delito, não está disposto a
avaliar a questão à luz da nova descoberta. O magistrado prefere manter o acusado
preso, apesar das evidências bastante consistentes de que simplesmente não é
possível que ele tenha praticado a conduta que lhe é atribuída. Os termos da decisão
foram os seguintes: “pois bem, a defensora pública vai analisar essa tua situação e
pedir os direitos que ela acha que você merece”.
Infelizmente, esse não é um caso isolado, estranho ou incomum na história
judicial brasileira recente. Ao contrário, ele ilustra bem a prática decisória judicial
corriqueira adotada no Brasil. Alguns aspectos do citado julgamento, dentre outros,
chamam atenção: o excesso de autoridade do juiz; a inferioridade do acusado diante
do juiz; a utilização, pelo juiz, de uma linguagem “técnica”, que o acusado não consegue
compreender; a ausência de disposição do juiz para receber e considerar as razões do
acusado; a má vontade do juiz para com o acusado, desde o princípio; o fato de que as
razões do acusado são transcritas para o processo de forma sucinta e por intermédio
do juiz, de acordo com o que o juiz (e não o acusado) considera relevante; a difícil
exigência de obtenção de relatório médico que o acusado não pode providenciar,
porque está preso; a ausência de advogado para defender o acusado, embora este já
se encontre preso, tenha prestado depoimento e formulado requerimentos que a rigor
só poderiam ser formulados por advogado, os quais foram sumariamente indeferidos;
o acusado não tem direitos por sua condição de ser humano e cidadão, ou mesmo
direitos a ele atribuídos pelo ordenamento jurídico. Segundo o entendimento judicial
retratado, o acusado apenas passará a ter direitos se, quando e na medida em que a
defensora pública a ser nomeada achar que ele “merece”.
A atividade de julgar é certamente muito difícil. Em determinadas situações, a
dificuldade de se chegar a uma decisão correta decorre de divergências a respeito
da melhor interpretação dos fatos, dos valores subjacentes, bem como das normas
vigentes. Afinal, em direito não há precisão matemática e, como certa vez observou
Hart (2005, p. 139), as situações de fato não esperam por nós já separadas umas das
outras e etiquetadas como casos de aplicação das normas existentes.
O caso acima reproduzido, contudo, não parece oferecer maiores problemas
hermenêuticos. O juiz não se vê em um dilema acerca de qual norma aplicar ou de

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396 O aprimoramento do ensino jurídico para a orientação de uma prática judicial racional no Brasil

qual interpretação melhor efetivará o direito no caso concreto. Na verdade, o juiz


não se refere a nenhuma norma para fundamentar a decisão de negar ao acusado
a liberdade provisória ou a remoção para um estabelecimento mais condizente
com a sua condição de deficiente.
O que o caso narrado demonstra é uma prática decisória que se mostra estranha
e inconsistente, transmitindo a impressão de que, por alguma razão, o juiz não fez o
que deveria fazer. Decidiu primeiro e nem se preocupou com as premissas racionais
e normativas que justificaram a sua decisão. Isso ocorre, em grande medida, porque
a decisão proferida não parece ser o produto de um processo racionalizador em que
razões e intenções foram explicitadas, contrapostas e avaliadas, conduzindo, por fim,
a uma decisão fundamentada, legitimada e racional.
O juiz não ponderou razões. Desconsiderou solenemente os fatos e os
argumentos trazidos por aquele que sofreria os efeitos e as consequências da
decisão. Aparentemente, decidiu primeiro para depois buscar as explicações que
melhor se adequarão à decisão já tomada, caso isso venha a ser exigido no futuro por
requisição do tribunal, por exemplo, transformando em “fruto de rigoroso raciocínio
o que, na realidade, é fruto do arbítrio”.
Em interessante estudo intitulado “Como decidem as Cortes?: para uma crítica
do direito (brasileiro)”, José Rodrigo Rodriguez argumenta que a prática jurisdicional
brasileira é ancorada no personalismo e no recurso aos argumentos de autoridade
para a fundamentação das decisões, criando o que ele chama de zonas de autarquia:

Denomino zona de autarquia o espaço institucional em que as decisões não


estão fundadas em um padrão de racionalidade qualquer, ou seja, em que as
decisões são tomadas sem fundamentação. Uma observação importante: será
rara a ocasião em que os organismos de poder afirmem simplesmente “Decido
assim porque eu quero” ou “Decido desta forma porque é a melhor coisa a se
fazer”. É de se esperar que esteja presente alguma forma de falsa fundamentação
cujo objetivo seja conferir aparência racional a decisões puramente arbitrárias.
[...] uma zona de autarquia, portanto, existe na ausência de fundamentação,
ou seja, de uma justificação em que a autoridade levanta pretensões de
validade fundadas em normas jurídicas, as quais, quando necessário, podem
ser sustentadas sem contradição. [...] No Brasil, a criação de zonas de autarquia
está ligada a uma falsa justificação das decisões judiciais (e de poder em geral)
com fundamento em argumentos exclusivamente personalistas e em conceitos
ou raciocínios naturalizados. Ambos os procedimentos têm o potencial de
retirar da esfera pública a possibilidade de debater as razões para decidir e a
justificativa do desenho do Estado, tornando ambas completamente imunes
ao debate racional e público (RODRIGUEZ, 2013, p. 80-81).

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Frederico de Andrade Gabrich − Tiago Lopes Mosci 397

Nos últimos anos, diversas pesquisas de natureza qualitativa e quantitativa,


como a desenvolvida por José Rodrigo Rodriguez, têm procurado demonstrar que
a baixa performance argumentativa e a ausência de fundamentação adequada das
decisões, longe de ser um desvio arbitrário de alguns poucos juízes, são a regra geral
e a tônica da nossa prática judicial. As repercussões não são pouco significativas:
é necessário apenas ver que a decisão proferida pelo juiz e retratada fielmente no
documentário em análise existe e é válida, significando que o homem amputado
permanecerá preso e irremovível, pelo menos até que a defensoria pública peça
os “direitos que achar que ele merece” ou até que a decisão seja reformada por
outros juízes, em eventual reexame cujo procedimento será, conforme previsto na
lei, essencialmente o mesmo.
Essa é, sem dúvida, uma questão complexa, de causas variáveis múltiplas, cuja
análise profunda extrapola os limites deste ensaio. Inobstante, acredita-se que uma
breve incursão (i) nas concepções teóricas que sustentam a prática jurídica corrente
e (ii) no modelo básico de ensino que favorece a sua reprodução podem contribuir
para a melhor compreensão do problema e indicar caminhos para a sua solução.

4 Como o Direito é compreendido, ensinado e aprendido no Brasil: racionalidade


lógico-instrumental positivista e interpretação autêntica como características da
nossa compreensão científica de Direito

Toda prática é amparada por um conjunto de pressupostos teóricos que a


norteiam e estabelecem os parâmetros para o julgamento de sua correção. Então,
existe um conhecimento científico do Direito vigente no Brasil, o qual determina
o modo como as normas jurídicas são aplicadas e estabelece alguns parâmetros
para que essa aplicação seja qualificada como adequada ou inadequada, correta ou
incorreta, certa ou errada. Dimoulis chama esse pressuposto de tese da imanência da
teoria do direito na prática de sua aplicação. De acordo com o autor:

a teoria do direito não interessa só a pessoas com curiosidade filosófica


que dedicam seu tempo livre ao estudo das difíceis, controvertidas e quase
irrespondíveis questões sobre o Ser ou a Essência do Direito. Não é possível
compreender e aplicar normas jurídicas sem possuir uma base de teoria
do direito, por mais rudimentar, instável ou questionável que esta seja. Da
mesma maneira, não se pode identificar a norma aplicável, nem encontrar
soluções para os conflitos entre normas ou para o preenchimento de
lacunas sem ter um posicionamento sobre as formas de interpretação do
direito (DIMOULIS, 2011, p. 220).

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398 O aprimoramento do ensino jurídico para a orientação de uma prática judicial racional no Brasil

A concepção científica do Direito, ainda hoje vigente no Brasil, é essencialmente


estruturada sob os pressupostos do positivismo jurídico. Essa corrente do pensamento
jurídico compreende o Direito como um sistema normativo em que a validade de
seus conteúdos é medida unicamente pela observância dos procedimentos formais
de sua produção e aplicação, não sendo tarefa da ciência do Direito dizer sobre a
correção moral desses conteúdos.
O positivismo jurídico desenvolveu-se na esteira de um movimento histórico,
filosófico e cultural amplo que dominou grande parte da cultura europeia entre a
segunda metade do século 19 e primeira metade do século 20. Esse movimento,
chamado de positivismo científico, se define pelo propósito de “aplicar a todas as
questões, inclusive as humanas, morais e sociais, os métodos científicos modernos,
restringindo todo estudo (e conhecimento possível) aos fatos” (VILLEY, 2003, p. 183).
Por “métodos científicos modernos” entende-se o método dedutivo próprio das
ciências naturais, que consiste na identificação das leis causais e seu domínio sobre
os fatos. Para os cientistas da natureza, a tarefa básica da ciência consiste na descrição
do comportamento dos objetos em determinado campo objetivo, na explicação
desse comportamento e, por fim, na possibilidade de sua previsão. As ciências assim
concebidas constroem teorias que são “sistemas axiomáticos que constituem hipóteses
genéricas que se confirmam pelos experimentos empíricos, podendo, então, servir de
prognósticos para a ocorrência de fenômenos que obedecem às mesmas condições
descritas teoricamente” (FERRAZ JÚNIOR, 1979, p. 2).
Quando do florescimento do positivismo jurídico, o desenvolvimento
científico nos moldes das ciências da natureza vinha trazendo grande progresso
à humanidade em domínios como a Física, a Matemática, a Química e a Medicina,
enquanto o Direito, preso a concepções jusnaturalistas e à busca por um fundamento
de validade último e absoluto, havia ficado para trás. Nesse contexto, com o
positivismo jurídico nasce a ideia de que a Ciência do Direito deve ser avalorativa,
neutra, pura, deve preocupar-se unicamente em descrever as suas práticas (isto
é, os mecanismos formais de produção e aplicação das normas jurídicas), sem
qualquer pretensão justificadora ou legitimadora da correção de seus conteúdos.
O filósofo norte-americano Robert Brandom propõe uma reconstrução da
tradição filosófica a partir dos modelos de racionalidade subjacentes a ela (BRANDOM,
2002, p. 1-17). Se considerarmos que as teorias do Direito também podem ser
compreendidas segundo o modelo de racionalidade subjacente a cada uma delas
e que a classificação proposta por Brandom pode auxiliar nessa tarefa tem-se que

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Frederico de Andrade Gabrich − Tiago Lopes Mosci 399

a racionalidade característica do positivismo jurídico incorpora elementos dos


modelos que Brandom denomina de racionalidade lógica e racionalidade instrumental.
A combinação desses dois modelos resulta em um “padrão de racionalidade”
que identifica a racionalidade com inteligência, no sentido de uma capacidade
generalizada de prover meios para a consecução de fins (racionalidade instrumental)
e, ao mesmo tempo, reduz a “qualidade” de proposições à sua capacidade de operar
como premissas ou conclusões logicamente válidas (racionalidade lógica).
Como explica Decat:

Os modelos instrumental e lógico também compartilham um intenso


formalismo, pois ambos concebem a racionalidade como uma questão da
estrutura do raciocínio e não de seu conteúdo. Nestes modelos, “O conteúdo
substancial de crenças e desejos que fornecem as premissas para inferências
teóricas e práticas são totalmente irrelevantes para a racionalidade das
conclusões extraídas delas” (BRANDOM, 2002a, p. 4). Para ambos, a correção
do raciocínio consiste apenas na instanciação da forma mais geral de uma
inferência dedutiva válida ou da maximização da utilidade pretendida
a partir de tais premissas. As premissas em si, quer dizer, o conteúdo que
possuem, são excluídas de apreciação crítica (DECAT, 2015, p. 30-31).

A concepção de racionalidade que se encontra por trás do positivismo jurídico


determina as possibilidades e limites de uma ciência do Direito e, ainda hoje, tanto o
ensino jurídico, quanto a prática judicial são fundamentalmente orientados segundo
esse modelo teórico. De acordo com o modelo científico proposto pelo positivismo
jurídico, qualquer objetivo social, seja ele qual for, pode ser alcançado por uma
norma jurídica. O Direito pode ter qualquer conteúdo, desde que seja produzido em
conformidade com o procedimento formal estatuído pelo ordenamento. Da mesma
forma, também as decisões judiciais podem ter qualquer conteúdo, desde que sejam
proferidas por uma autoridade competente, isto é, por um poder autorizado segundo
os critérios definidos pelo ordenamento.
A ciência do Direito, tal como concebida pelo positivismo jurídico, dispensa uma
teoria interpretativa capaz de dar suporte à atividade de aplicação das normas pelos
julgadores. Kelsen, um dos maiores expoentes do positivismo jurídico, define o termo
interpretação como “uma operação mental que acompanha o processo da aplicação
do Direito no seu progredir de um escalão superior para um escalão inferior”
(KELSEN, 2008, p. 387). Segundo ele, toda interpretação de uma norma é um ato
de vontade. Mas as normas, como toda expressão linguística, são necessariamente
ambíguas e possibilitam várias atribuições de sentidos diferentes.

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400 O aprimoramento do ensino jurídico para a orientação de uma prática judicial racional no Brasil

Não existe ciência capaz de apontar um sentido unívoco para uma expressão
linguística que é plurívoca por natureza. Então, de acordo com a lógica do positivismo
jurídico, decisões judiciais não podem ser avaliadas de acordo com o sentido que elas
atribuem às normas, fatos, premissas e conclusões que são interpretadas, isto é, com
o seu conteúdo, mas apenas de acordo com a sua validade formal. De acordo com
essa concepção do Direito, quando um juiz ou qualquer outra autoridade legalmente
investida de poder interpreta uma norma, ele a dota de obrigatoriedade. O ato de
interpretação da mesma norma por qualquer outra pessoa (um jurista, por exemplo)
tem significado diferente. É apenas uma manifestação de conhecimento que não cria
vinculação ou obrigatoriedade.
A conclusão a que chega Kelsen é a de que quem afirma que é possível uma
justificação racional para um ato de vontade que fixa um sentido, quando há
outros possíveis, está, na verdade, tentando atribuir a uma escolha (política, moral
ou ideológica), um selo de autenticidade e cientificidade que essa escolha não
possui (KELSEN, 2008, p. 396).
Portanto, segundo a concepção científica do Direito cunhada pelo positivismo,
interpretações de dispositivos legais (normativos), gênero do qual as decisões
judiciais são espécie, distinguem-se em autênticas e não autênticas, conforme
sejam proferidas por uma autoridade investida de poder para criar determinações
obrigatórias ou não. Independentemente de seu conteúdo, de suas consequências
ou de sua aceitação por parte de quem se sujeita a elas.

5 A lógica do conflito como modelo mental dominante do ensino jurídico no Brasil


Os juízes, advogados e promotores não nascem juízes, advogados e promotores.
Eles são formados, informados e treinados pelo sistema de ensino jurídico. Por isso,
todos os problemas verificados na prática profissional perpassam pelo sistema
educacional. Qualquer mudança, aprimoramento ou correção do sistema judicial
precisa começar a partir do sistema de ensino jurídico e do modelo mental propalado
por ele. Assim, a reflexão sobre a concepção científica vigente acerca do Direito e sobre
a prática jurídica que dela decorre precisa ser, indiscutivelmente, complementada pela
reflexão sobre o modelo educacional usado pelas faculdades de Direito no Brasil, pois
ele é o responsável pela reprodução do conhecimento jurídico.
A concepção científica do Direito como um conjunto de normas (sendo a
lei, no caso do Brasil, a fonte primária) que não oferece critérios científicos para a
sua correta aplicação estabelece os contornos de um modelo mental que pensa

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 21 n. 124 Jun./Set. 2019 p. 386-408


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o Direito como uma ferramenta para a solução ou prevenção de conflitos (caráter


instrumental). A lógica e o pressuposto dogmático do conflito alimentam a maioria
dos raciocínios desenvolvidos pelos professores dos cursos jurídicos, que insistem no
uso da metodologia instrucionista, monológica, apegada exageradamente ao texto
da lei. Como se não bastasse, a carga horária voltada para o ensino das disciplinas
processualistas (formais) supera bastante aquela dedicada à filosofia, à hermenêutica
e às demais áreas do conhecimento afins ao Direito e aos problemas jurídicos.
Assim, o ensino jurídico brasileiro, fechado em seus pressupostos científicos,
concentra-se, quase exclusivamente, no estudo dogmático das leis nos diversos
domínios do direito público e privado, sempre orientado pela lógica do conflito
e deixando pouca ou nenhuma abertura para a interação com as outras áreas do
conhecimento. Não é de se estranhar, portanto, que o Direito tenha, cada vez mais,
dificuldade em lidar com a justificação de suas decisões, o que por sua vez provoca
um distanciamento, cada vez maior, entre a prática conduzida pelas “autoridades” do
Direito e os cidadãos comuns a quem essas decisões dizem respeito.

6 Como a mudança do ensino jurídico pode contribuir para o aprimoramento da


prática judicial brasileira

Um modelo mental alternativo ao pensamento ainda dominante no Direito é


proposto por Frederico Gabrich sob a denominação de Análise Estratégica do Direito.
De acordo com o mencionado autor:

o Direito existe para estruturar sistematicamente os objetivos das pessoas,


para que eles sejam realizados com a maior eficiência possível, com a
maior satisfação e felicidade possíveis de todas as pessoas envolvidas
direta ou indiretamente. A Análise Estratégica do Direito tem como
base o pensamento sistêmico (holístico) e afirma que o Direito deve ser
compreendido como uma das (muitas) ciências usadas pelas pessoas
(naturais e jurídicas) para a estruturação eficiente dos seus objetivos
(com o menor desgaste psicológico, de tempo e de dinheiro possíveis),
preferencialmente sem conflitos, com a máxima felicidade e, certamente,
sem os pressupostos do processo judicial e/ou da solução não consensual
de eventuais divergências que decorrem (naturalmente) do relacionamento
humano. De acordo com esse paradigma, se a estruturação jurídica for bem
realizada, não haverá conflito, não haverá processo judicial e, no plano
ideal (utópico), não haverá infelicidade. Em outras palavras, repita-se,
de acordo com a perspectiva da Análise Estratégica do Direito, no plano
absolutamente ideal, se existe conflito e/ou se existe a necessidade de
um processo judicial para dirimi-lo, há um importante indicativo de falha

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402 O aprimoramento do ensino jurídico para a orientação de uma prática judicial racional no Brasil

no planejamento jurídico dos objetivos das pessoas (naturais e jurídicas)


envolvidas no caso. É preciso, todavia, que a mudança de paradigma e
de modelo mental comecem no plano teórico e prático, a partir também
das metodologias de ensino utilizadas no ensino jurídico. E a combinação
das metodologias tradicionais, com o uso de outras mais inovadoras [...]
(GABRICH, 2010).

Pensar o Direito estrategicamente pressupõe um sistema de ensino jurídico que


esteja, cada vez mais, distante da pura mecanização e da massificação muitas vezes
injustificadas, mas impostas pela Lex mercatoria. É preciso o desenvolvimento de
um ensino dialógico e que considere realmente a importância da inter, da multi
e da transdisciplinaridade, para que seja possível o ensino holístico, sistemático,
sustentável, humanista (racional e emocional) e capaz de promover efetivamente a
transformação pessoal e social que somente ele é capaz de proporcionar (inclusive
em relação à racionalidade das decisões judiciais). Como disse, acertadamente, Edgar
Morin: “a educação do futuro deverá ser o ensino primeiro e universal, centrado na
condição humana” (MORIN, 2013, p. 43). E mais:

[...] o século XX produziu avanços gigantescos em todas as áreas do


conhecimento científico, assim como em todos os campos da técnica.
Ao mesmo tempo, produziu nova cegueira para os problemas globais,
fundamentais e complexos, e esta cegueira gerou inúmeros erros e ilusões, a
começar por parte dos cientistas, técnicos e especialistas (MORIN, 2013, p. 42).

O autor ainda esclarece que:

[...] no mundo humano, o desenvolvimento da inteligência é inseparável


do mundo da afetividade, isto é, da curiosidade, da paixão, que por sua vez,
são a mola da pesquisa filosófica ou científica. A afetividade pode asfixiar
o conhecimento, mas pode também fortalecê-lo. Há estreita relação entre
inteligência e afetividade: a faculdade de raciocinar pode ser diminuída, ou
mesmo destruída, pelo déficit de emoção; o enfraquecimento da capacidade
de reagir emocionalmente pode mesmo estar na raiz de comportamentos
irracionais (MORIN, 2013, p. 20).

Nessa perspectiva, é preciso que o ensino jurídico minimize o uso da tradicional


metodologia instrucionista, monológica, baseada, quase que exclusivamente,
em uma única fonte do Direito (na lei) e no saber dogmático e escolástico dos
professores, ministrado por meio de aulas fundamentalmente expositivas e
muito distantes dos desejos, das necessidades, das vontades e das vidas reais das
pessoas físicas e jurídicas (de direito público e de direito privado). É absolutamente

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Frederico de Andrade Gabrich − Tiago Lopes Mosci 403

necessária a valorização das metodologias construtivistas e construcionistas, bem


como do método PBL.
Como Gabrich e Benedito (2016) ressaltam, o construtivismo, desenvolvido por
Jean Piaget, busca entender o processo de aprendizagem do indivíduo e estuda o
papel ativo do sujeito na construção dos novos conhecimentos. O construtivismo
busca, então, conectar o sujeito cognoscente à unidade complexa pluridimensional
na qual ele está inserido (a sua realidade), nos planos racional, afetivo e relacional.
Entre os aspectos mais marcantes da teoria epistemológica genética de Piaget, está
a certeza de que o conhecimento é construído quando quem aprende interage com
o objeto que será apreendido. Assim, a relação entre sujeito e objeto, oferecida por
Piaget, determina uma atitude ativa de quem aprende, revelando a necessidade de
uma postura avessa à passividade no processo de aprendizagem.
Assim, de acordo com Fernando Becker:

Construtivismo significa isto: a ideia de que nada, a rigor, está pronto,


acabado e de que, especificamente, o conhecimento não é um dado, em
nenhuma instância, como algo terminado. Ele constitui pela interação do
indivíduo com o meio físico e social, com o simbolismo humano, com o
mundo das relações sociais; e se constitui por força de sua ação e não
por qualquer outra dotação prévia, na bagagem hereditária ou no meio, de
tal modo que podemos afirmar que antes da ação não há psiquismo nem
consciência e, muito menos, pensamento (BECKER, 1993, p. 88-89).

E o construtivismo pode e deve ser usado como metodologia de ensino em


todos os níveis de escolaridade. Nesse sentido, para Rosa, existem, no construtivismo
piagetiano, as possibilidades necessárias para a efetiva mudança da escola brasileira
e ele defende que “se há algo novo no ar que se respira, de modo mais intenso há
mais ou menos uma década, esse novo tem um nome: chama-se construtivismo”
(ROSA, 1994, p. 32 e ss.). E a autora prossegue:

A ação pedagógica envolve dois pólos: o ensino e a aprendizagem,


representados, respectivamente, pelo professor e pelo aluno. Os teóricos
construtivistas não têm, em princípio, como preocupação científica pensar
o pólo ‘ensino’ e sim, o pólo ‘aprendizagem’. De modo mais preciso, não
estão voltados à questão do ‘como ensinar’, mas ao ‘como o indivíduo
aprende’ (ROSA, 1993, p. 88-89).

Contudo, para o aprimoramento do sistema de ensino jurídico atual, além


do construtivismo, é também necessário que o ensino do Direito considere
o construcionismo.

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404 O aprimoramento do ensino jurídico para a orientação de uma prática judicial racional no Brasil

De fato, o construcionismo surgiu como aprimoramento do construtivismo, por


intermédio do trabalho de Seymour Papert, que desenvolveu a teoria. Pode-se dizer
que o construcionismo é uma extensão ou uma evolução do construtivismo. Papert
buscou criar um ambiente mais favorável às teorias de Piaget, bem como ampliou os
destinatários da pesquisa, ultrapassou o universo do ensino infantil e preocupou-se,
também, com a educação dos adultos.
Neste sentido:

Embora ambos, Piaget e Papert, tenham desenvolvido suas teorias através da


observação do comportamento e atividades das crianças, Papert, especialmente,
acreditava que esses resultados eram igualmente aplicáveis aos adultos.

(...)

Ele (Papert) procurou criar um ambiente de aprendizagem que fosse


mais propício para as teorias de Piaget. Ele (Papert) percebeu que os
ambientes escolares convencionais eram muito estéreis, muito passivos,
muito dominados pela instrução. Tais ambientes não permitiam que as
crianças fossem construtoras ativas, e ele sabia que elas eram (GABRICH;
BENEDITO, 2016, p. 111).

Kristiansen e Rasmussen explicam que Papert enxergava os ambientes


escolares convencionais como muito estéreis, passivos e dominados pela instrução;
eles não providenciavam nem promoviam uma atmosfera que permitia às crianças
serem construtoras ativas (algo que ele sabia que elas eram) (KRISTIANSEN;
RASMUSSEN, 2015, p. 84).
Papert, professor de matemática, observou que as aulas de sua disciplina eram
monótonas, entediantes, sem engajamento, passivas e dominadas por instrução;
ao passo que nas aulas de arte era evidente o engajamento, o entusiasmo e a
colaboração dos alunos, pois as aulas eram marcadas pela criatividade, pela
participação e pela originalidade, com o sentimento absoluto de diversão e
prazer. Tal contexto o levou a planejar uma abordagem mais construtiva para a
matemática (KRISTIANSEN; RASMUSSEN, 2015, p. 85). Então, o principal propósito
do construcionismo de Papert é criar ambientes e possibilidades que estimulem
o interesse e a participação ativa dos alunos (em qualquer disciplina e Ciência),
instigando os sentidos e aguçando a criatividade, bem como a integração e a
afetividade, tanto dos discentes, quanto dos docentes.

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Frederico de Andrade Gabrich − Tiago Lopes Mosci 405

Além do construtivismo e do construcionismo, que permitem ao aluno


contextualizar o ensino com a sua vida e construir soluções concretas para os
problemas teóricos que lhe são apresentados, é importante que o ensino jurídico
também considere o método PBL, para que a formação dos juristas favoreça, a partir
de problemas reais da vida, no final da cadeia educacional, a atividade profissional
de advogados, promotores e juízes voltada para a produção de decisões judiciais
mais racionais, mais humanas, mais democráticas e mais justas.
O PBL originou-se na escola de Medicina da Universidade de McMaster (Canadá),
no final dos anos 1960, inspirado no método de casos de ensino da escola de Direito
da Universidade de Harvard (EUA). O PBL é uma metodologia de ensino que busca
uma formação que integre a teoria à pratica, bem como o mundo acadêmico ao
mercado de trabalho, promovendo o desenvolvimento de habilidades e atitudes
profissionais e cidadãs.
Segundo Ribeiro (2008), a principal característica do PBL é que o método
utiliza um problema para iniciar, direcionar, motivar e focar a aprendizagem,
diferentemente das demais metodologias convencionais que utilizam problemas de
aplicação apenas ao final de conteúdos. Como Gabrich e Benedito (2016) ressaltam,
trata-se de uma metodologia colaborativa, construtivista e contextualizada,
na qual situações-problema são utilizadas para iniciar, direcionar e motivar a
aprendizagem de conceitos e de teorias e o desenvolvimento de habilidades e
atitudes no contexto da sala de aula. A aprendizagem baseada em problemas
promove, assim, o ensino significativo de conhecimentos, proporcionando uma
aprendizagem ativa, centrada nos estudantes, enquanto o professor atua como um
facilitador do processo de aprendizagem.
Acredita-se que a adoção de novos paradigmas da educação, como os que
foram aqui brevemente apresentados, precisam ser também considerados no ensino
jurídico, o que certamente produzirá resultados na prática jurídica.

7 Conclusão
A prática judicial brasileira encontra-se ainda distante das exigências mínimas
de racionalidade, legitimidade e fundamentação próprias dos Estados Democráticos
de Direito. De fato, nesse paradigma, o Direito, enquanto instância reguladora da
convivência humana, não pode se contentar em dispor de mecanismos de produção
e imposição de normas válidas e obrigatórias, mas tem que ser capaz de justificá-las,
oferecendo razões convincentes para a sua aceitação por parte dos cidadãos.

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406 O aprimoramento do ensino jurídico para a orientação de uma prática judicial racional no Brasil

Não são poucos os problemas decorrentes de uma prática jurídica que não toma
como preocupação central a justificação das decisões perante os cidadãos, apoiando-se
antes no poder e na autoridade. Processos decisórios monológicos tendem a conduzir
a arbitrariedades. Não há fundamentação sem que sejam explicitadas as razões e os
compromissos assumidos discursivamente através do uso de razões. O uso de um
conceito envolve o compromisso com as circunstâncias e consequências que podem
ser inferidas desse conceito (BRANDOM, 2013). Esses “compromissos inferenciais”
devem ser explicitados, pois de outro modo não podem ser submetidos ao crivo de
uma apreciação crítica e de uma contestação fundamentada. A intersubjetividade é
um pressuposto para uma razão científica atual e decisões validadas exclusivamente
porque foram proferidas por indivíduos autorizados, sem que se possam avaliar
criticamente os seus conteúdos, ferem as exigências constitucionais de fundamentação
e inviabilizam o controle de sua correção.
Por outro lado, a aplicação das normas sem que as autoridades julgadoras
atentem para as consequências das suas decisões gera graves problemas sociais,
como ocorre no caso do “Estado do Rio de Janeiro contra o homem amputado” e
em tantos outros. O resultado é uma prática judicial excludente e a absoluta
incapacidade do Direito de lidar de maneira apropriada com os problemas que lhe
compete resolver, enquanto ciência social aplicada reguladora das ações e da vida
das pessoas em um Estado Democrático de Direito.
A reflexão realizada nesta pesquisa aborda algumas práticas jurídicas adotadas
no Brasil e mostra que elas não são como são por acaso. Práticas são sustentadas
por pressupostos teóricos que, por sua vez, são construídos e reproduzidos no
ambiente acadêmico. Nesse contexto, pensar sobre o que queremos do Direito e
como construímos o que queremos é um pressuposto para o aperfeiçoamento das
práticas jurídicas.
Como este estudo procurou demonstrar, a resposta a questões de racionalidade
jurídica começa com a evolução e com o aprimoramento do ensino jurídico, que
é a maior fonte das mazelas encontradas na atuação profissional de advogados,
promotores e juízes. O caminho para favorecer, cada vez mais, a racionalidade das
decisões judiciais e do trabalho dos profissionais do Direito é o aprimoramento
do sistema de ensino jurídico, que precisa considerar o modelo mental da Análise
Estratégica do Direito, valorizar, reconhecer e utilizar as metodologias construtivistas
e construcionistas, bem como favorecer o uso do método de ensino baseado na
solução de problemas reais das pessoas. Assim, o ensino jurídico brasileiro precisa

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Frederico de Andrade Gabrich − Tiago Lopes Mosci 407

se reinventar, se abrir para a realidade e para a contribuição que outras áreas do


conhecimento têm a trazer para a solução conjunta dos problemas sociais, que
não se reduzem a questões jurídicas. Não existem, obviamente, soluções prontas e
nem se pode exigir no plano do Direito precisão absoluta. Entretanto, acredita-se
que essas reflexões constituem um primeiro passo para a melhor compreensão e
aplicação do Direito, bem como para a organização da vida social em bases mais
adequadas aos reclames dos Estados Democráticos de Direito.

8 Referências
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411

O Supremo Tribunal Federal: composição,


organização e competências

JOSÉ LEVI MELLO DO AMARAL JÚNIOR


Doutor em Direito do Estado (USP). Mestre em Direito (UFRGS). Professor
associado de Direito Constitucional (USP). Livre-docente em Direito
Constitucional (USP).

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Supremo Tribunal Federal (STF): como é 3 Supremo Tribunal Federal
(STF): como poderia ser 4 Conclusão 5 Referências.

RESUMO: O ensaio examina como é o Supremo Tribunal Federal e como ele poderia
ser relativamente às respectivas composição, organização e competências. Comenta
aspectos históricos do Tribunal, avalia o volume de processos por ele decididos,
cogita mecanismos para enfrentamento desse volume etc. Sugere que: (i) a ampliação
da maioria para aprovação dos indicados à Corte; combinada com (ii) a adoção de
mandatos para os respectivos membros; bem assim (iii) a possibilidade ampla de
o Tribunal escolher julgar apenas alguns processos, e não outros tantos, seriam
modificações a considerar para aperfeiçoar a Corte. Recorre, em especial, a dados e
a exemplos das literaturas brasileira, americana e italiana. Afirma, em conclusão, a
importância de o Tribunal adotar postura de profunda humildade frente à Constituição
e à democracia, com rigoroso respeito à lógica da organização dos poderes.

PALAVRAS-CHAVE: STF Composição Organização Competências.

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412 O Supremo Tribunal Federal: composição, organização e competências

The Brazilian Supreme Court: composition, organization and competencies

CONTENTS: 1 Introduction 2 The Brazilian Supreme Federal Court (STF): how it is 3 Supreme
Federal Court (STF): how could it be 4 Conclusion 5 References.

ABSTRACT: This paper examines how the Brazilian Supreme Court currently is
and how it could be regarding its composition, organization, and competencies. It
discusses the Court’s historical aspects, evaluates the number of cases decided by
it, and considers mechanisms to deal with such a caseload, among other things. In
order to improve the Court, the paper suggests: (i) an increase in the quorum for
approval of the nominees to the Court; combined with (ii) the adoption of term
limits for the Brazilian Supreme Court Justices; as well as (iii) the broad possibility
for the Court to select the cases to be judged, and not among so many, would be
possible changes to hone the Court. In its analysis, the paper relies on data and
examples from Brazilian, American, and Italian literature. In conclusion, it affirms the
importance of the Court adopting a position of true humility before the Constitution
and democracy, in accordance with the Separation of Powers Doctrine.

KEYWORDS: Brazilian Supreme Court Composition Organization Competencies.

La Cour Suprême du Brésil : composition, organisation et compétences

SOMMAIRE : 1 Introduction 2 La Cour Suprême Fédérale (STF) : comment est-il 3 La Cour


Suprême Fédérale (STF) : comment pourrait-il être 4 Conclusion 5 Références.

RÉSUMÉ : L’essai examine la nature et les défis pour le perfectionnement de la


Cour Suprême du Brésil en ce qui concerne sa composition, son organisation et ses
compétences. L’étude analyse les aspects historiques de la Cour Suprême, le volume
de procès décidés par la Cour, ainsi que suggère des mécanismes pour faire face à ce
volume etc. On propose certaines modifications pour améliorer la Cour, parmi lesquelles,
l’augmentation du quorum pour approuver les indiqués à la Cour, la majorité pour
l’élargissement de la répercussion générale et la redéfinition des mandats des futurs
membres. L’article s’appuie sur des données et des exemplifications de la doctrine
brésilienne, américaine et italienne. À la fin, l’article affirme qu’il est important que la
Cour Suprême adopte une posture de l’humilité profonde à l’égard de la Constitution
et de la démocratie, tout en respectant la logique de l’organisation des pouvoirs.

MOTS-CLÉS : Cour Suprême du Brésil Composition Organisation Compétences.

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José Levi Mello do Amaral Júnior 413

1 Introdução

O ensaio que segue reproduz, com adequações pontuais, a prova escrita


que realizei, em 09 de novembro de 2018, quando do Concurso Público
à Livre-docência a que me submeti na Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo (Departamento de Direito do Estado, Área: Direito Constitucional). Portanto, é
no contexto limitado de tempo e de pesquisa de uma prova que o trabalho deve ser
compreendido, mormente no que tem de sintético, objetivo e silente.
A presente exposição tem duas partes. Na primeira, contempla o Supremo
Tribunal Federal como ele é em termos de composição, organização e competências.
Na segunda, cogita sobre como ele poderia ser. Não é objeto da exposição o
detalhamento das competências da Corte, mas examinar as suas consequências
para avaliar alternativas. Pretende-se, sobretudo, ilustrar meios para avaliação do
cenário posto e, então, cogitar alternativas que tenham alguma perspectiva de
implementação para que uma composição e uma organização eventualmente mais
ajustadas resultem em um exercício de competências mais a salvo de críticas. Por
fim, o ensaio conclui que a ampliação da maioria para aprovação dos indicados à
Corte, combinada com a adoção de mandatos para os respectivos membros, bem
assim a possibilidade ampla de a Corte escolher julgar apenas alguns processos, e
não outros tantos, seriam modificações a considerar para aperfeiçoá-la.

2 Supremo Tribunal Federal (STF): como é

2.1 Composição e organização


O Supremo Tribunal Federal é composto por onze ministros escolhidos dentre
cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos, de reputação ilibada e de notável
saber jurídico, indicados pelo Presidente da República ao Senado Federal, que
procede a uma sabatina pública na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
e, a seguir, vota a indicação em Plenário, sendo aprovada a indicação se alcançar
maioria absoluta dos membros da Casa. Assim acontecendo, o Presidente da
República nomeia o indicado.
Essas características já variaram bastante no tempo.
Segundo José Celso de Mello Filho (2012, p. 9), eram 15 membros na Constituição
de 1891, 11 no Decreto no 19.656, de 1931 (Governo Provisório), número esse

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 21 n. 124 Jun./Set. 2019 p. 411-425


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414 O Supremo Tribunal Federal: composição, organização e competências

mantido pelas Constituições de 1934, de 1937 e de 1946, elevado a 16 pelo Ato


Institucional no 2, de 1965, e mantido pela “Carta” de 1967, mas reduzido novamente
para 11 pelo Ato Institucional no 6, de 1969, mantido pela Emenda Constitucional no
1, de 1969, e pela Constituição de 1988.
É esse autor quem registra que apenas cinco cidadãos foram rejeitados pelo
Senado, todos na República Velha: o médico Barata Ribeiro, os generais Ewerton
Quadros e Inocêncio Galvão de Queiroz, e os cidadãos Antonio Sève Navarro
e Demonsthenes da Silbeira Lobo (MELLO FILHO, 2012, p. 18). Note-se que isso
aconteceu em tempo em que não se exigia “notável saber jurídico”, pois o art. 56 da
Constituição de 1891 dispunha: “O Supremo Tribunal Federal compor-se-á de quinze
juízes (...) dentre os cidadãos de notável saber (...)” (BRASIL, 1891).
Esse é um modelo que tem inspiração no modelo da Suprema Corte americana.
Ora, como todo transplante institucional, nem sempre a prática é a mesma. José
Celso de Mello Filho conta que, desde 1789, “o Senado norte-americano rejeitou 12
(doze) indicações presidenciais para a Suprema Corte” (MELLO FILHO, 2012, p. 18).
Isso sem registrar indicações que não se concretizaram ou que foram retiradas.
Em verdade, a sabatina pública do indicado é bastante recente na prática
brasileira: veio com a Constituição de 1988 e o primeiro sabatinado foi o Ministro
Paulo Brossard de Souza Pinto. Infelizmente, não resulta o mesmo nível de debate
que se vê nos Estados Unidos da América (EUA). Note-se que, na República Velha, um
dos nomes rejeitados pelo Senado, o médico Barata Ribeiro chegou a exercer o cargo
de Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) por dez meses, pois a manifestação
senatorial veio apenas subsequentemente à posse no cargo (isso tudo em meio a
atritos institucionais severos protagonizados pelo Presidente Floriano Peixoto).
Quanto à organização da Corte, tradicionalmente o STF funciona em Plenário e
duas Turmas. Seus órgãos judicantes são, portanto, em essência, a Presidência da Corte
(não só com competências cerimoniais naturais, mas, também, com competências
jurisdicionais próprias), o Plenário formado pelos onze membros e as duas Turmas,
com cinco membros cada uma, sendo estas igualmente competentes (ou seja, sem
nenhum corte temático). Em outros tempos, com mais membros, a Corte chegou a
funcionar com três turmas. Mais recentemente, há, ainda, um Plenário Virtual, que
será examinado em momento próprio.

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2.2 Competências
As competências do STF são amplas e refletem a posição institucional da Corte,
ou seja, expressam o que o STF é: órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro.
É diferente do que se dá com Tribunais Constitucionais do modelo europeu. A
propósito, vejam-se dois exemplos.
Primeiro exemplo. Na Constituição italiana, de 1947, há um Título IV sobre
a “Magistratura Italiana”, de que consta uma Seção I sobre o “Ordenamento
Jurisdicional” e uma Seção II relativa a “Normas sobre jurisdição”. Do título IV não
consta a Corte Constitucional italiana. Ela só aparece no Título VI da Constituição
italiana, sobre “Garantias constitucionais”, que possui duas Seções, uma sobre a
Corte Constitucional, outra sobre revisão da Constituição. Depreende-se, dessa
mecânica de coisas, a especial posição da Corte Constitucional italiana no arranjo
institucional italiano: não está no Título IV, logo, não compõe o Poder Judiciário,
mas está no Título VI, o mesmo em que estão normas relativas à modificação
constitucional, o que parece sugestivo e emblemático, ou seja, a Corte revela-se
como um Poder do Estado, à parte do Judiciário, com o monopólio do juízo de
inconstitucionalidade, como é próprio a um típico Tribunal Constitucional, uma
jurisdição à parte, especializada, sem prejuízo de algumas outras competências
específicas, inclusive em matéria penal de certas autoridades. Enfim, é a
Corte Constitucional que decide sobre conflitos de atribuições entre órgãos
constitucionais italianos (DE VERGOTTINI, 2001, p. 641). O que isso significa fica
ainda mais claro com a citação que vem com o segundo exemplo.
Segundo exemplo. Na Lei Fundamental de Bonn, de 1949 (art. 92 e ss.), o
Tribunal Constitucional Federal alemão aparece dentro do Poder Judiciário alemão.
No entanto, Karl Doehring enfatiza o papel arbitral da Corte, inclusive comparando-a
com o Poder Moderador de que fala Benjamin Constant, com uma diferença: não age
de ofício (DOEHRING, 1995, p. 207-208).
Ademais, repita-se, Tribunais Constitucionais têm o monopólio do juízo de
inconstitucionalidade. Não é o caso do STF. É ele parte do Judiciário pátrio, seguindo
modelo análogo ao da Suprema Corte americana, ou seja, um órgão de cúpula, a ele
convergindo todos os demais ramos do Judiciário, inclusive estaduais. Tudo chega, ou
pode chegar, ao STF pela via recursal, mormente pelo recurso extraordinário, como
é natural ao modelo, mas não apenas: há toda uma imensa competência originária
em habeas corpus, mandado de segurança, mandado de injunção, ações cíveis (em
conflitos federativos) e ações penais por prerrogativa de função etc.

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416 O Supremo Tribunal Federal: composição, organização e competências

Celso de Barros Correia Neto anota: “Os números do Supremo Tribunal Federal
impressionam. Em 2016, o tribunal julgou 95.319 processos e recebeu 57.379 novos
feitos de diversas classes processuais. Em 2017, foram 56.256 recebidos e 105.296
decisões proferidas” (CORREIA NETO, 2018, p. 1).
Durante muito tempo, por causa da “crise do Supremo Tribunal Federal” (em
face do volume de feitos que era uma fração do volume atual), a Corte praticou
uma jurisprudência dita “defensiva”, criando obstáculos à subida de processos. Mais
recentemente, sobretudo dos anos 2000 em diante, a Corte mostrou-se aberta a mais
e mais competências. Em verdade, hoje, o problema maior não são as competências
que a Corte tem, mas aquelas que a Corte chama para si, inclusive avançando nas
esferas de competências de outros Poderes. Surgem, aqui, competências derivadas
de nítido ativismo judicial.
A propósito, para Elival da Silva Ramos, “por ativismo judicial deve-se entender
o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio
ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar,
resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de interesse) e controvérsias
jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos)” (RAMOS, 2010, p. 129).
Aqui, valem alguns exemplos que de algum modo ilustram o que seria atuar
dentro e fora dos limites próprios.
Primeiro exemplo. Princípio da fidelidade partidária: constava do art. 152,
parágrafo único, da Constituição de 1967, com a redação da Emenda no 1, de 1969
(passou a § 5o com a Emenda no 11, de 1978). Foi revogado pela Emenda no 25, de
1985, uma vez que servia, sobretudo, de proteção ao partido governista. Discutido
o assunto, a fidelidade foi descartada pela Assembleia Nacional Constituinte como
“entulho autoritário”. Então, no Mandado de Segurança no 20.297/DF, Relator o
Ministro Moreira Alves, julgado em 11 de outubro de 1989, o STF reconheceu que
não mais havia fidelidade partidária no Direito brasileiro. No entanto, 18 anos mais
tarde, sem que a Constituição houvesse mudado no ponto, o Tribunal – na prática
invertendo uma decisão do Poder Constituinte Originário – decidiu pela existência
da fidelidade partidária (Mandado de Segurança no 26.602/DF, Relator o Ministro
Eros Grau, Mandado de Segurança no 26.603/DF, Relator o Ministro Celso de Mello,
e Mandado de Segurança no 26.604/DF, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, julgados
em 04 de outubro de 2007).
Segundo exemplo. Ao iniciar o julgamento do Mandado de Injunção no 943/DF,
Relator o Ministro Gilmar Mendes, em 22 de junho de 2011 (em conjunto com outros

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três), a Corte decidiu que regulamentaria o aviso prévio nas relações trabalhistas.
Para tanto, tomou como parâmetro os projetos de lei em tramitação no Congresso
Nacional e a legislação vigente de outros países. Na dúvida sobre qual modelo adotar,
o julgamento foi suspenso para que o Relator alinhavasse uma proposta. Impactado
por esse modo de proceder, o Congresso Nacional veio a legislar em momento quase
que imediatamente subsequente, antes da retomada do julgamento (Lei no 12.506,
de 11 de outubro de 2011). O julgamento veio a ser concluído em 06 de fevereiro de
2013, com a aplicação da Lei que veio no entretempo. Curiosamente, um dos casos
potencialmente mais agressivos de ativismo judicial tornou-se exemplo de “diálogo”
entre os Poderes.
Terceiro exemplo. No caso da greve dos servidores públicos (Mandados de
Injunção no 670/ES, Relator o Ministro Maurício Corrêa, no 708/DF, Relator o Ministro
Gilmar Mendes, e no 712/PA, Relator o Ministro Eros Grau, julgados em 25 de outubro
de 2007), a Corte, na prática, deferiu os Mandados não para conceder o direito de
greve, mas, sim, para discipliná-lo (tanto que impetrantes tentaram desistir das
impetrações), isso por meio da aplicação ao serviço público da Lei de greve nas
relações trabalhistas em geral (Lei no 7.783, de 28 de junho de 1989).
Quarto exemplo. Por fim, vale mencionar um exemplo que é tido como ativista,
mas, salvo melhor juízo, em verdade, é uma vigorosa defesa do Legislador. Na Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental no 347, Relator o Ministro Marco
Aurélio, cuja liminar foi deferida pela Corte em 09 de setembro de 2015, tendo como
advogado da causa o Professor Titular Daniel Sarmento, ficou assente: “Presente
quadro de violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente
de falhas estruturais e falência de políticas públicas e cuja modificação depende
de medidas abrangentes de natureza normativa, administrativa e orçamentária,
deve o sistema penitenciário nacional ser caracterizado como ‘estado de coisas
inconstitucional’.” Daí decorreram duas determinações: (i) liberação imediata das
verbas do Fundo Penitenciário Nacional, devendo o Poder Executivo abster-se de
contingenciar essas verbas; (ii) obrigação de a magistratura realizar audiências
de custódia em 24h contadas da prisão. Em verdade, tem-se, aqui, determinação
judicial para o exato cumprimento da Constituição (art. 5o, inciso LXII), de tratados
internacionais (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, art. 9, no 3;
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 7, no 5) e da Lei Orçamentária
Anual (sistematicamente contingenciada no que se refere ao Fundo Penitenciário
Nacional, ou seja, uma rubrica orçamentária efetivamente destinada pelo Congresso

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418 O Supremo Tribunal Federal: composição, organização e competências

Nacional e com fontes certas e vinculadas para o Sistema Penitenciário Nacional).


Diversa é a opinião de Lenio Luiz Streck, que reputa haver, no caso, ativismo (STRECK,
2015). Ora, diferentemente dos três casos anteriores, o que se tem, aqui, é o exato
cumprimento da Lei Orçamentária, para execução de política pública contemplada
pelo Congresso Nacional naquela que é uma de suas mais importantes competências,
qual seja, a alocação de recursos orçamentários (e, no caso, recursos com destinação
certa e vinculada na forma da legislação).
Nesse contexto, parece claro que uma Corte de cúpula decidir conflitos
(subjetivos e objetivos) é uma circunstância (natural); por outro lado, pretender ter,
disputar ou, até mesmo, assumir protagonismo político na formulação de políticas
públicas, inclusive para muito além de uma função moderadora ou arbitral, é outra
circunstância bastante diferente.

2.3 Dificuldades de diversas ordens


O STF exibe algumas características peculiares que parecem catalisar a
tendência expansiva, ou mesmo ativista, das suas competências. É o caso, por
exemplo, da TV Justiça.
Foi criada por Lei, fruto de Projeto cuja sanção ou veto o então Presidente
da República deixou à decisão do então Presidente do STF, o que demandou que
saíssem do país o Presidente da República, seu Vice e os Presidentes da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal, de modo que o Presidente do STF pudesse, no
exercício do cargo de Presidente da República, sancionar o Projeto.
Aliás, conta-se que um membro da Corte, Professor Catedrático do Largo
de São Francisco, cogitou proibir que fosse filmado pela TV Justiça durante as
sessões de julgamento, o que não teria levado adiante em razão de aposentadoria
que era iminente.
Desse contexto, decorre um paradoxo. A exposição da TV Justiça, que torna
muito familiares à opinião pública brasileira os membros da Corte, faz escapar
que boa parte das causas migrou para um Plenário virtual. Dele são próprias as
repercussões gerais (para admitir ou não um recurso extraordinário que, em si
mesmo, caso admitido, será subsequentemente julgado pelo Plenário “tradicional”).
Porém, começa a ampliar suas atribuições, já envolvendo embargos de declaração
e agravos internos, cada vez mais julgados por esse mecanismo: nos termos do art.
2o da Resolução STF no 587, de 29 de julho de 2016, o Relator insere – no ambiente

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virtual – Ementa, Relatório e Voto. Transcorridos sete dias, considera-se que os


demais Ministros acompanharam o Relator caso não tenham se manifestado1.
No Plenário tradicional, a exposição parece fazer aumentar a tendência de Votos
cada vez mais longos e menos convergentes, chegando-se a situações em que é
difícil saber em que sentido decidiu a Corte.
Ademais, há situações em que processos entram e saem de pauta sem
maiores esclarecimentos. Conrado Hubner Mendes aponta isso em artigo chamado
“A pacificadora” (MENDES, 2018a). Em verdade, com perspicácia, atirou no que
viu e acertou no que não viu, pois se referia a um Mandado de Segurança que
simplesmente entrou e saiu da pauta. No entanto, na Presidência da Corte a que o
articulista dirigiu a crítica, situações da espécie teriam sido frequentes. Com efeito,
foi um biênio em que a pauta teria sido, ao menos em alguma medida, definida de
modo monocrático, sem colegialidade (talvez, aqui, podendo aplicar outra expressão
didática de Conrado Hubner Mendes, ainda que deslocando a fórmula do seu sentido
originário: uma “Colegialidade solitária” (MENDES, 2018b).
A propósito, a colegialidade da Corte também não tem sido uma tônica da prática.
Muitas causas são decididas – e ficam decididas – monocraticamente, inclusive em
Ações Diretas com efetiva declaração de inconstitucionalidade (juízo que é privativo
da maioria absoluta dos membros da Corte). Tanto é assim que o procedimento
do art. 12 da Lei das Ações Diretas, pensado para ser mecanismo de agilização do
julgamento de ações diretas (e, inclusive, evitar que uma liminar indeferida torne-se
um julgamento de mérito pela procedência anos depois, e vice-versa, o que não é
propriamente uma raridade, tendo acontecido, por exemplo, no conhecido caso da
“cláusula de desempenho”), na prática, significa juízo (monocrático) do Relator acerca
da pouca importância da ação direta (tanto que os advogados mais experimentados
na Corte não hesitam em agravar rogando o rito do art. 10 da Lei das Ações Diretas).
Por todo o exposto até aqui (e por tantos outros motivos que igualmente
poderiam ter sido declinados), importa revisitar a modelagem da Corte.

1 A Resolução citada foi revogada pela Resolução no 642, de 14 de junho de 2019. A mecânica descrita
foi mantida, mas foi alterado o prazo de sete dias para cinco dias úteis (§ 1o do art. 2o da nova Resolução)
e foi ampliado o rol de processos admitidos a julgamento em ambiente eletrônico, que passou a ser o
seguinte: (i) agravos internos, agravos regimentais e embargos de declaração; (ii) medidas cautelares
em ações de controle concentrado; (iii) referendum de medidas cautelares e de tutelas provisórias; (iv)
recursos extraordinários e agravos, inclusive com repercussão geral reconhecida, cuja matéria discutida
tenha jurisprudência dominante no âmbito do STF; (v) demais classes processuais cuja matéria discutida
tenha jurisprudência dominante no âmbito do STF (§ 1o do art. 1o da nova Resolução).

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420 O Supremo Tribunal Federal: composição, organização e competências

3 STF: como poderia ser

3.1 Composição e organização


É muito comum pretender dar uma nova composição para a Corte, inclusive
modificando o modo de recrutamento dos membros do STF.
Há alguns anos, em evento acadêmico no Salão Nobre da Faculdade de Direito
do Largo de São Francisco, um antigo membro do Tribunal Constitucional português,
José Manuel Moreira Cardoso da Costa, afirmou que Cortes Supremas e Tribunais
Constitucionais “devem ser integrados por pessoas de diferentes sensibilidades”.
Portanto, devem ter membros que sejam oriundos da Academia, da Magistratura, do
Ministério Público, da Advocacia etc. Disso não se ressente o STF. Há, na respectiva
história, inclusive, uma robusta linha de Ministros oriundos do Parlamento: Hermes Lima,
Adauto Lúcio Cardoso, Aliomar Baleeiro, Paulo Brossard, Maurício Corrêa, Nelson Jobim.
Por exemplo, a Proposta de Emenda à Constituição no 92, de 1995, do Deputado
Nicias Ribeiro, sugeria que apenas membros dos Tribunais Superiores pudessem ser
elegíveis ao STF. Ora, se assim fosse, por esse critério, oito dos atuais membros
da Corte nela não teriam chegado. Assim também nenhum dos nomes acima
declinados. E, para mencionar apenas mais um, Pedro Augusto Carneiro Lessa,
Professor Catedrático da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – que
Rui Barbosa chamava de “o Marshall brasileiro” (HORBACH, 2007, p. 69) – não teria
podido desenvolver a célebre Doutrina brasileira do habeas corpus.
Por sua vez, a Proposta de Emenda à Constituição no 35, de 2015, do Senador
Lasier Martins, pretende que sejam os membros da Corte indicados ao Presidente da
República por um colegiado formado pelos Presidentes dos Tribunais Superiores, pelo
Procurador-Geral da República e pelo Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil.
A verdade é que todas essas são opções que não parecem ter vantagem em
relação ao modelo atual, uma vez que quaisquer modelos sempre estarão sujeitos
às contingências próprias às imperfeições humanas, seja em relação a quem indica,
seja em relação a quem aprova, seja em relação a quem é escolhido.
Importa, isso sim, amenizar problemas. Aqui, cabe uma cogitação principal, sem
prejuízo do atual modelo de composição da Corte: aumentar a maioria senatorial de
aprovação do indicado. Hoje, apenas maioria absoluta, o que permite ao Governo,
com certa facilidade, fazer valer a indicação do nome que apresenta. Fosse maioria
de três quintos, ou de dois terços, ou, até mesmo, de três quartos, conversar com a

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minoria parlamentar seria uma necessidade premente, daí saindo consenso muito
maior em torno do nome a ser considerado.

3.2 Competências
A modificação de competências não parece opção muito crível. Note-se: mesmo
com a criação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando da Constituição de
1988, o STF só fez aumentar o número de processos em tramitação. Ademais, a
escolha acerca de quais competências haveriam de ser migradas para outras Cortes
(notadamente, o STJ) sempre envolverá polêmica.
Assim, convém uma cogitação que seja estratégica e cirúrgica: talvez seja o caso
de dotar o STF de juízo amplo e discricionário de oportunidade e conveniência acerca
de quais processos julgará (claro, isso sem prejuízo de alguns poucos processos de
julgamento obrigatório, como ações diretas e ações penais), aliás, como se dá na
Suprema Corte americana e nos Tribunais Constitucionais europeus.
Com efeito, o STF já tem, para o recurso extraordinário, a repercussão geral,
ainda que invertida: apenas quatro votos garantem que o recurso suba. Em matéria
de habeas corpus, há a Súmula 691, que impede que siga ao STF habeas corpus contra
o STJ se não houver decisão colegiada do STJ: na prática, o STF afasta a Súmula
691 sempre que assim deseja. Mesmo em uma ação direta, qual seja, a Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), há um mecanismo de escolha:
conforme a matéria em causa, o STF é mais ou menos flexível acerca da análise do
caráter subsidiário que se exige da ADPF relativamente às demais ações diretas.

3.3 Possibilidades de outras ordens


Nos últimos tempos, houve quem cogitasse aumentar o número de membros da
Corte. No entanto, essa é uma hipótese de triste memória, seja na História brasileira
(veja-se o que se deu nos anos 1960, em que a Corte foi vitimada por um aumento e
por uma redução súbitos no número de membros), seja na História de outros países
(lembre-se da cogitação feita pelo Presidente Franklin Delano Roosevelt relativamente
à Suprema Corte americana, quando das primeiras decisões contrárias ao New Deal).
Assim como houve um aumento na idade para aposentadoria compulsória,
também houve quem cogitasse a subsequente redução (em ambas as hipóteses
estavam – ou estão – mais em consideração cenários políticos diversos, e menos
razões de engenharia institucional). Também essa parece uma cogitação pouco

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422 O Supremo Tribunal Federal: composição, organização e competências

republicana: reportagem do jornal Folha de São Paulo, Caderno Mundo, de 04 de


julho de 2018, conta que a Presidente da Suprema Corte polonesa e outros 26
magistrados foram aposentados por legislação que reduziu o limite etário de 70
para 65 anos, gerando protestos que, inclusive, reverberaram em nível comunitário.
Aqui, cabe outra cogitação bastante pontual (e, assim mesmo, com rigoroso respeito
aos atuais membros da Corte): a instituição de mandatos para membros futuros que
permitam, em tempos certos e em proporções definidas, a natural renovação da Corte.
Por exemplo, mandatos de nove a doze anos, vedada a recondução – para que não
haja nenhum risco de constrangimentos decorrentes de favores reais ou imaginários
quando de uma recondução (DWORKIN, 2006, p. 158-159).

4 Conclusão
Robert Dahl, em artigo bastante debatido, questiona se um órgão como a
Suprema Corte americana realmente seria um órgão contramajoritário (DAHL, 1957,
p. 279-295). Para ele, “afirmar que a Corte ampara preferências minoritárias contra as
majoritárias seria negar que a soberania popular e a igualdade política, ao menos no
sentido tradicional, existam nos Estados Unidos” (DAHL, 1957, p. 283). Argumenta que
a Suprema Corte, em regra, é alinhada ao que denomina “maioria legisladora nacional”,
ou seja, aquela que se expressa pela eleição do Presidente dos EUA e pela maioria
das duas Casas do Congresso americano. Afirma que Presidentes não são conhecidos
por indicarem à Suprema Corte pessoas com visões diversas das suas próprias acerca
do mundo, o mesmo valendo para a maioria do Senado. Ademais, em uma Corte
tradicionalmente dividida, uma única indicação pode mudar o equilíbrio de votos em
favor das visões do Presidente e do Senado americanos. E, de fato, historicamente, há
uma chance em cinco de o Presidente indicar um membro já em seu primeiro ano de
mandato; uma em duas até o segundo ano; três em quatro até o terceiro ano (DAHL,
1957, p. 285). Com isso, em geral, a Corte normalmente reflete a maioria legisladora
nacional. Quando não o faz, ou está flertando com o desastre ou está prenunciando
a formação de uma nova maioria legisladora nacional. No primeiro caso, Dahl cita
o Dred Scott Case2, decisão cuja insensibilidade contribuiu para a deflagração da
Guerra de Secessão. No segundo caso, vale a hipótese: como explicar o surpreendente
voto do Chief Justice3 John Roberts Jr., sabidamente republicano, no sentido da

2 Caso Dred Scott (tradução nossa).

3 Presidente da Suprema Corte americana (tradução nossa).

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constitucionalidade do Affordable Care Act4, ou Obamacare, política central do então


Presidente democrata, a não ser dando razão a Dahl? Para Dahl, a Suprema Corte
tem comportamento muito assemelhado ao de um poderoso Presidente de Comissão
parlamentar: pode dificultar, inclusive atrasar, a implementação de políticas públicas
desejadas pela maioria legisladora nacional, mas não de impedi-las (DAHL, 1957, p.
293). E isso para o bem e para o mal.
Essa narrativa não parece tanto com uma defesa de que seja assim, mas, sim,
com uma constatação de Robert Dahl de que é assim. Tanto que, em obra mais
recente, Dahl argumenta: “Quando a Corte age na esfera dos Direitos Fundamentais
democráticos, a legitimidade das suas ações e o seu lugar no sistema democrático
de governo dificilmente podem ser desafiados. Porém, mais ela sai desse domínio
– um vasto domínio em si mesmo – mais dúbia sua autoridade se torna. Torna-se
uma Câmara Legislativa não eleita” (DAHL, 2003, p. 153-154).
No mesmo sentido, Gustavo Zagrebelsky, em obra de reflexão acerca do seu
mandato na Corte Constitucional italiana, afirma: “A função da Corte é política, mas,
ao mesmo tempo, não pertence à política; é essencial ao nosso modo de entender
a democracia, mas, ao mesmo tempo, não vem da democracia. Compreender esse
aparente contrassenso não é fácil” (ZAGREBELSKY, 2005, p. 3-4). E já na capa da obra
diz: “Significa penetrar na essência da democracia”.
No livro, o autor reflete sobre a importância de a Corte ouvir o mundo exterior
quando da instrução dos processos, bem assim sobre a não menor importância de a
Corte retirar-se, recolhendo-se consigo própria, in Camera di Consiglio5, para, livre de
influências que não a da Constituição, decidir (ZAGREBELSKY, 2005, p. 13-15).
Em verdade, nesse humilde recolhimento, deixando a política quotidiana no
lado de fora, talvez esteja a chave do bom, prudente e comedido exercício das
competências de uma Suprema Corte e de um Tribunal Constitucional. Entra-se, aqui,
no terreno da cultura, relativamente a qual o modo de compor e de organizar uma
Suprema Corte pode inspirar, mas não determinar. Como certa feita disse José Carlos
Moreira Alves, “o STF é uma Corte abastada da realidade política” (BASILE, 2011). Para
que assim não seja, é preciso, sobretudo, profunda humildade frente à Constituição e
à democracia, com rigoroso respeito à lógica da organização dos poderes. Para tanto,
a ampliação da maioria para aprovação dos membros da Corte (fazendo efetiva a

4 Lei de Proteção e Cuidado Acessível ao Paciente (tradução nossa), apelidado nos Estados Unidos de
Obamacare em homenagem ao ex-presidente Barack Obama.

5 Câmara de Conselho (tradução nossa).

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424 O Supremo Tribunal Federal: composição, organização e competências

opinião da minoria parlamentar), bem assim a adoção de mandatos (para que a


Corte renove-se sem personalíssimos alongados), talvez permita, inclusive, que a
Corte seja reconhecida como habilitada a escolher julgar alguns processos, e não
outros tantos, dedicando-se, sem a sombra da suspeição de partidarismos (e de
outras dificuldades), à guarda da Constituição.

5 Referências
ALEMANHA. Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, de 23 de maio
de 1949. Trad. Assis Mendonça. Berlim, 1949. Disponível em: https://www.btg-
bestellservice.de/pdf/80208000.pdf. Acesso em: 13 ago. 2019.

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1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www.
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BRASIL. Lei no 7.783, de 28 de junho de 1989. Dispõe sobre o exercício do direito


de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades
inadiáveis da comunidade, e dá outras providências. Brasília: Presidência da
República, [1989]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7783.
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BRASIL. Lei no 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e


julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de
constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Brasília: Presidência da
República, [1999]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9868.
htm. Acesso em: 13 ago. 2019.

BRASIL. Lei no 12.506, de 11 de outubro de 2011. Dispõe sobre o aviso prévio e


dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília: Presidência da República,
[2011]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/
Lei/L12506.htm. Acesso em: 13 ago. 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Resolução no 587, de 29 de julho de 2016. Dispõe


sobre o julgamento em ambiente eletrônico de agravos internos e embargos de
declaração no Supremo Tribunal Federal. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2016.
Disponível em: http://www.stf.jus.br/ARQUIVO/NORMA/RESOLUCAO587-2016.PDF.
Acesso em: 15 ago. 2019.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 21 n. 124 Jun./Set. 2019 p. 411-425


http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2019v21e124-2022
José Levi Mello do Amaral Júnior 425

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Resolução no 642, de 14 de junho de 2019.


Dispõe sobre o julgamento de processos em lista nas sessões presenciais e
virtuais do Supremo Tribunal Federal. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2019.
Disponível em: http://www.stf.jus.br/ARQUIVO/NORMA/RESOLUCAO642-2019.
PDF. Acesso em: 15 ago. 2019.

CORREIA NETO, Celso de Barros. Como funcionam os julgamentos virtuais no Supremo


Tribunal Federal. Observatório Constitucional, Consultor Jurídico, 27 mar. 2018.

DAHL, Robert. Decision making in a democracy: the Supreme Court as a national


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DAHL, Robert. How democratic is the American Constitution? 2. ed. New Haven &
London: Yale University Press, 2003.

DE VERGOTTINI, Giuseppe. Diritto costituzionale. 3. ed. Padova: CEDAN, 2001.

DOEHRING, Karl. A função do Tribunal Constitucional Federal alemão na qualidade


do principal guarda da Constituição na forma da Lei e da Democracia. O federalismo
na Alemanha. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 1995.

DWORKIN, Ronald. Is democracy possible here? Principles for a new political debate.
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HORBACH, Carlos Bastide. Memória jurisprudencial: Ministro Pedro Lessa. Brasília:


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MENDES, Conrado Hubner. Colegialidade solitária. Época, 13 abr. 2018.

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RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. São Paulo:


Saraiva, 2010.

STRECK, Lenio Luiz. Estado de coisas inconstitucional é uma nova forma de


ativismo. Observatório Constitucional, Consultor Jurídico, 24 out. 2015.

ZAGREBELSKY, Gustavo. Principî e voti. La Corte Costituzionale e la politica. Torino:


Einaudi, 2005.

Revista Jurídica da Presidência Brasília v. 21 n. 124 Jun./Set. 2019 p. 411-425


http://dx.doi.org/10.20499/2236-3645.RJP2019v21e124-2022
* Normas de submissão de trabalhos
à Revista Jurídica da Presidência

Condições para recebimento dos artigos

Ineditismo: a Revista Jurídica da Presidência publica apenas artigos inéditos, que


não tenham sido divulgados em outros meios (blogs, sites ou outras publicações).

Envio de artigos: somente serão aceitos artigos encaminhados à Coordenação


de Editoração da Revista Jurídica da Presidência por meio do sítio eletrônico: https://
revistajuridica.presidencia.gov.br.

Número de Palavras: mínimo de 7.000 (sete mil) e máximo de 9.000 (nove mil)
no artigo completo.

Idiomas: os autores podem encaminhar artigos redigidos em Português, Inglês,


Francês e Espanhol.

Tipo de arquivo: são admitidos arquivos com extensões .DOC, .DOCX, .RTF e
.ODT, observadas as normas de publicação e os parâmetros de editoração adiante
estabelecidos.

Requisitos para o(s) autor(es): a Revista Jurídica da Presidência só admite artigos


de autores  graduados (qualquer curso superior). Graduandos podem submeter
artigos em coautoria com graduados.

Fomento: o autor deve informar à Revista qualquer financiamento, bolsa de pesquisa


ou benefícios recebidos, de fonte comercial ou não, declarando não haver conflito de
interesses que comprometa o trabalho apresentado.

Composição e formatação dos artigos


Os artigos devem ser digitados com fonte tipo Arial ou Times New Roman,
tamanho 12, espaçamento entre linhas 1,5 e texto justificado. A configuração da
página deve ser feita no padrão A4 (210 mm x 297 mm), com margens superior e
esquerda de 3 cm e inferior e direita de 2 cm.
Revista Jurídica da Presidência
427

As seções iniciais e finais do artigo devem ser denominadas introdução e conclusão,


respectivamente.

Os textos submetidos deverão conter os seguintes itens:

1 Título
Deve conter, no máximo, 15 (quinze) palavras, incluído o subtítulo (quando
houver), realçado em negrito. Título e subtítulo do artigo devem ter  apenas  a
primeira letra de cada frase em maiúscula, salvo nos casos em que o uso desta seja
obrigatório. Exemplo:

A suposta permissão do Código Civil para emissão eletrônica dos títulos de crédito

2 Sumário
Deve ser posicionado logo abaixo do título e reproduzir somente número e
nome das seções principais que compõem o artigo.

3 Resumo
Deve ser um texto conciso (até 150 palavras), redigido em parágrafo único, que
ressalte o objetivo e o assunto principal do artigo. A enumeração de tópicos não
deve ser usada nesse item. Deve-se, ainda, evitar o uso de símbolos e contrações que
não tenham uso corrente e de fórmulas, equações e diagramas. 

4 Palavras-chave
Indicar até 5 (cinco) termos que classifiquem o trabalho com precisão adequada
para sua indexação, separados por travessão. 

5 Referências
A indicação das referências deve obedecer ao disposto na NBR 6023:2018 –
Informação e Documentação - Referências - Elaboração da ABNT. Esse item deve
conter todos os dados necessários à identificação das obras, dispostas em ordem
alfabética. A distinção de trabalhos diferentes de mesma autoria será feita levando-
se em consideração a ordem cronológica, conforme o ano de publicação. Os trabalhos
de igual autoria e publicados no mesmo ano serão diferenciados acrescentando-se
uma letra ao final do ano (Ex. 2016a, 2016b).
Revista Jurídica da Presidência
428

Citações e destaques no texto


As citações realizadas ao longo do texto devem obedecer ao disposto na
NBR 10520:2001 – Informação e Documentação - Citações em documentos –
Apresentação da ABNT e adotar o sistema autor-data, segundo o qual se emprega o
sobrenome do autor ou o nome da entidade, a data e a(s) página(s) da publicação da
qual se retirou o trecho transcrito.

1  Citação indireta ou direta sem o nome do autor expresso no texto: deve


apresentar, entre parênteses, a referência autor-data completa. Exemplo:

A criança passa a ocupar as atenções da família, tornando-se dolorosa a


sua perda e, em razão da necessidade de cuidar bem da prole, inviável a grande
quantidade de filhos (ARIÈS, 1973, p. 7-8).

Mas esse prestígio contemporâneo do Poder Judiciário decorre menos de uma


escolha deliberada do que de uma reação “de defesa em face de um quádruplo
desabamento: político, simbólico, psíquico e normativo” (GARAPON, 2001, p. 26).

2  Citação indireta ou direta com o nome do autor expresso no texto:  deve


apresentar, entre parênteses, o ano e a(s) página(s) da publicação. Exemplo:

Duarte e Pozzolo (2006, p. 25) pontuam que a ideologia constitucionalista


adota o modelo axiológico de Constituição como norma, estabelecendo uma defesa
radical de interpretação constitucional diferenciada da interpretação da lei.

A Licença Compulsória, segundo Roberta Marques (2013, p. 321), pode ser


definida como “a permissão de industrialização e comercialização de um produto
patenteado, sem o consentimento do titular do monopólio”.

Citações com até 3 (três) linhas devem permanecer no corpo do texto, sem recuo
ou realce, destacadas por aspas. As citações com mais de 3 (três) linhas devem ser
separadas do texto com recuo de parágrafo de 4 (quatro) cm, 11 pontos, espaçamento
entre linhas simples e texto justificado, sem o uso de aspas.

Destaques: os destaques existentes na obra original devem ser reproduzidos de


forma idêntica na citação. Caso não haja destaques no original mas o autor do artigo
deseje ressaltar alguma informação, é possível utilizar-se desse recurso atentando-
se às normas especificadas abaixo. 
Revista Jurídica da Presidência
429

1      Destaques no original: após a transcrição da citação, empregar a expressão


“grifo(s) no original” entre parênteses.

2     Destaques do autor do artigo: após a transcrição da citação, empregar a


expressão “grifo(s) nosso(s)” entre parênteses.
 
Outros destaques em trechos do texto devem ocorrer  apenas  no estilo de
fonte itálico e somente nos seguintes casos: 1) expressões em língua estrangeira; e
2) realce de expressões.

  Tradução de citação em língua estrangeira: as citações em língua estrangeira


devem ser sempre traduzidas para o idioma predominante do artigo nas notas de
rodapé, acompanhadas do termo “tradução nossa” entre parênteses.

  Notas de rodapé:  devem conter  apenas  informações complementares e que


não podem ser inseridas no texto. Não devem ser muito extensas nem devem conter
citações e devem ser formatadas na mesma fonte do artigo, tamanho 10 pontos,
espaçamento entre linhas simples e alinhamento justificado.
 

Elementos com traduções obrigatórias para outros idiomas


  Os elementos  Título,  Sumário,  Resumo  e  Palavras-chave  devem
ser obrigatoriamente traduzidos para outros idiomas. Os artigos enviados em Língua
Portuguesa devem ter esses itens traduzidos para o Inglês e para mais um idioma a
escolher entre Espanhol e Francês.

 Os artigos enviados em Língua Estrangeira devem ter os itens traduzidos para
o Português e o Inglês ou, caso esta seja a língua predominante do artigo, para o
Francês ou para o Espanhol.

Referências
  Todos os documentos mencionados no texto devem constar nas referências,
de acordo com o disposto na NBR 6023:2018 da ABNT. Para auxiliar os autores na
composição das referências, estão reproduzidos exemplos abaixo:

Revista Jurídica da Presidência


430

1 Livros (manual, guia, catálogo, enciclopédia, dicionário, trabalhos


acadêmicos):
 Impressos. Exemplos:

BESSA, Fabiane Lopes Bueno Netto.  Responsabilidade social: práticas sociais e


regulação jurídica. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

Eletrônicos. Exemplos:

CAMÕES, Luis de. Os Lusíadas. Biblioteca Nacional Digital de Portugal. 2. ed. 1572.
Disponível em: http://purl.pt/1/3/#/0. Acesso em: 16 mar. 2016. 

 BRASIL. Combate a Cartéis e Programa de Leniência. Secretaria de Direito Econômico,


Ministério da Justiça, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, 3. ed. 2009.
Disponível em: http://www.cade.gov.br/upload/Cartilha%20Leniencia%20SDE_
CADE.pdf. Acesso em: 29 abr. 2016.

2 Coletâneas.
Exemplos:

TOVIL, Joel. A lei dos crimes hediondos reformulada: Aspectos processuais penais. In:
LIMA, Marcellus Polastri; SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruna (Coord.). A renovação
processual penal após a constituição de 1988: estudos em homenagem ao professor
José Barcelos de Souza. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

  AVRITZER, Leonardo. Reforma Política e Participação no Brasil. In: AVRITZER,


Leonardo; ANASTASIA, Fátima (Org.).  Reforma Política no Brasil. Belo Horizonte:
UFMG, 2006.

Revista Jurídica da Presidência


431

3 Periódicos:
Impressos. Exemplo:

MENDES, Gilmar Ferreira. O Mandado de Injunção e a necessidade de sua regula-


ção legislativa. Revista Jurídica da Presidência. Brasília, v. 13, n. 100, jul./set. 2011,
p. 165-192.
PAIVA, Anabela. Trincheira musical: músico dá lições de cidadania em forma de
samba para crianças e adolescentes. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro. 12 de janeiro
de 2002, p. 2.

Eletrônicos. Exemplo:

COELHO, Fábio Ulhoa. O Projeto de Código Comercial e a proteção jurídica do


investimento privado. Revista Jurídica da Presidência. Brasília, v. 17, n. 112, jun./set.
2015, p. 237-255. Disponível em: https://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.
php/saj/article/view/1113/1099. Acesso em 16 mar. 2016.

4 Atos normativos.
Exemplos:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de


1988.  Diário Oficial da União. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 16 mar. de 2016.

______. Lei no 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação


- PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 2014. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13005.htm.
Acesso em: 16 maio 2019.

5 Projetos de lei.
Exemplos:

BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei no 6.793/2006, versão final. Disponível


em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=382
965&filename=PL+6793/2006. Acesso em: 16 mar. 2016.

______. Câmara dos Deputados.  Projeto de Lei da Câmara dos Deputados no


41/2010. Disponível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/
materia/96674. Acesso em: 16 mar. 2016.

Revista Jurídica da Presidência


432

6 Jurisprudência:
Impressa. Exemplos:

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula no  14. In: ______.  Súmulas. São Paulo:
Associação dos Advogados do Brasil, 1994, p. 16.

Eletrônica. Exemplos:

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus no 97.976 MC/MG. Relator:


Ministro Celso de Mello. Brasília, 12 mar. 2009.  Diário de Justiça Eletrônico.
Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.
asp?s1=((97976.NUME.%20OU%2097976.DMS.))%20%20NAO%20S.
PRES.&base=baseMonocraticas. Acesso em: 16 mar. 2016.

7 Notícias eletrônicas.
Exemplos:

COSTA, Rodolfo.  Ministério da Justiça fortalece consumidor.gov para diminuir


conflitos de consumo. Correio Braziliense, 12 mar. 2016. Disponível em: http://blogs.
correiobraziliense.com.br/consumidor/ministerio-da-justica-fortalece-consumidor-
gov-para-diminuir-conflitos-de-consumo/. Acesso em 16 mar. 2016.

 PORTAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Ministro aplica nova lei da infância e


garante prisão domiciliar a mãe de filho pequeno. Brasília, 11 mar. 2016. Disponível
em: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/
Not%C3%ADcias/Not%C3%ADcias/Ministro-aplica-nova-lei-da-inf%C3%A2ncia-e-
garante-pris%C3%A3o-domiciliar-a-m%C3%A3e-de-filho-pequeno. Acesso em: 16
mar. 2016.

Avaliação
Os artigos recebidos pela Revista Jurídica da Presidência são submetidos ao
crivo da Coordenação de Editoração, que avalia a adequação à linha editorial da
Revista e às exigências de submissão. Os artigos que não cumprirem essas regras
serão devolvidos aos seus autores, que poderão reenviá-los desde que efetuadas as
modificações necessárias.

Aprovados nessa primeira etapa, os artigos são encaminhados para análise dos
pareceristas do Corpo de Consultores ad hoc, formado por professores doutores das
respectivas áreas temáticas. A decisão final quanto à publicação é da Coordenação
de Editoração e do Conselho Editorial da Revista Jurídica da Presidência.

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Direitos Autorais
Ao submeterem artigos à Revista Jurídica da Presidência, os autores declaram
ser titulares dos direitos autorais, respondendo exclusivamente por quaisquer
reclamações relacionadas a tais direitos, bem como autorizam a Revista, sem ônus,
a publicar os referidos textos em qualquer meio, sem limitações quanto ao prazo,
ao território ou qualquer outra, incluindo as plataformas de indexação de periódicos
científicos nas quais a Revista venha a ser indexada. A Revista fica também autorizada
a adequar os textos a seus formatos de publicação e a modificá-los para garantir o
respeito à norma culta da língua portuguesa.

Considerações finais
Qualquer dúvida a respeito das normas de submissão poderá ser dirimida por
meio de mensagem encaminhada ao endereço eletrônico: revista@presidencia.gov.br.

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