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O Desenvolvimento das

Ideias Psicossociais no
Século XIX
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Sumário
O Desenvolvimento das Ideias Psicossociais no Século XIX
Para início de conversa… ................................................................... 04
Objetivo ............................................................................................ 05
1. As Primeiras Teorizações sobre a Formação das Cidades e
Novos Modos de Produção .................................................. 06
1.1 Dupla Revolução, Formação das Cidades e
Novos Modos de Produção ..................................................... 06
2. A População como Categoria Científica e a
Psicologia das Massas .......................................................... 10
2.1 Gustave Le Bon e a Psicologia das Multidões ........................... 11
2.2 Jean-Gabriel Tarde (1843-1904) e a Teoria da Imitação ............ 13
2.3 Psicologia das Massas na Contemporaneidade .......................... 14
3. Organização da Sociedade, seus Estudos e a Conexão com a
Psicologia Social ................................................................... 15
3.1 Influências da Inglaterra ........................................................ 15
3.2 Influências da França ........................................................... 17
3.3 Influências da Alemanha ........................................................ 18
Referências ........................................................................................ 24
Para início de conversa…
Você imagina como a Revolução Francesa e a Revolução Industrial
podem estar nas origens da Psicologia Social? E o sistema capitalista, como ele
se relaciona com a constituição da Sociologia e Psicologia enquanto ciências?
De que forma esse momento histórico contribui para que as ciências se voltem
para a análise dos fenômenos coletivos? Neste capítulo, você verá as principais
ideias sociológicas, filosóficas e psicológicas que, a partir da segunda metade
do século XIX, deram origem à Psicologia Social enquanto ciência.

Você verá que esse momento da história é importante em virtude


das consequências da “dupla revolução” – Revolução Francesa (1879-1799)
e Revolução Industrial (1750-1850) – no que diz respeito às mudanças
estruturais nos sistemas de produção e transformações nas relações sociais
advindas, dentre outros, dos processos de urbanização, nascimento e
crescimento das cidades. A nova face do capitalismo, instaurada a partir do
século XIX, trouxe novas formas de pensar os sujeitos em sua relação com a
sociedade, e as ciências se voltaram para o estudo dos fenômenos coletivos.

Assim, você conhecerá as contribuições de Gustave Le Bon (1814-


1931) e Gabriel Tarde (1843-1904) em uma área que ficou conhecida como
a Psicologia das Massas; e as contribuições de Émile Durkheim (1858-1917)
para análise de processos sociais a partir da coletividade, de modo que possa
ver como esses fatos e pensadores influenciaram o nascimento das ideias
psicossociais.

4 Psicologia Social
Objetivo
Compreender o surgimento das teorizações sobre sociedade moderna
e os processos psicossociais.

Psicologia Social 5
1. As Primeiras Teorizações sobre a Formação das
Cidades e Novos Modos de Produção
A literatura aponta que o termo Psicologia Social foi usado pela
primeira vez no século XX, sendo registrado no ano de 1908, com a
publicação de dois livros nos Estados Unidos (MACDOUGALL, 1908;
ROSS, 1908 apud FARR, 1999) que se tornaram referência para área em seus
primórdios. Historiadores também identificam a consolidação da Psicologia
Social enquanto ciência, em especial no século XX no período pós-guerra
(FARR, 1999; TORRES, NEIVA, 2011). No entanto, ainda no século XIX,
surgiu uma produção importante que se dedicou a analisar os fenômenos
indivíduo-sociedade com maior rigor científico. As contribuições para
pensar as relações entre indivíduo e sociedade vinham de diferentes áreas
do conhecimento, entre elas, Filosofia, Antropologia, Biologia, Psicologia e
Sociologia (TORRES; NEIVA, 2011).

O surgimento de diferentes ideias psicossociais em diversos campos do


saber, no século XIX, contribuiu para a distinção e consolidação da Psicologia
e da Sociologia como ciências e áreas distintas entre si, ainda que tivessem
vários pontos de interseção, contribuindo, também, para que o objeto da
Psicologia Social, a partir do século XX, possa ser pensado de várias maneiras
a partir de diferentes referenciais.

A Psicologia e a Sociologia surgiram no século XIX com status de ciência,


sob o impacto das transformações econômicas, políticas, sociais e culturais
fruto da Revolução Industrial e da Revolução Francesa, em um momento de
muita fertilidade das ciências humanas, que buscavam compreender essa nova
configuração de mundo que surgia. Nesse sentido, é importante a compreensão
contextualizada dessas mudanças para o entendimento da proposição de ideias
e teorias que emergiram naquele momento e que influenciaram o surgimento
da Psicologia Social.

1.1 Dupla Revolução, Formação das Cidades e Novos Modos de Produção


Ao final do século XVIII, a Revolução Francesa e a Revolução
Industrial, na Europa, promoveram fenômenos fundamentais para a nova
configuração de mundo moderno, são eles:

6 Psicologia Social
▪▪ A concentração da produção de bens no sistema econômico fabril,
ou seja, na fábrica.
▪▪ “Cidadãos”, como nova categoria populacional política de pessoas
livres e com direitos iguais perante a um Estado-nação.

Curiosidade
A Revolução Industrial, ocorrida entre 1760 e em torno de 1840, diz respeito ao processo de
passagem do sistema artesanal de produção para o sistema industrial que se estendeu desde
a segunda metade do século XVIII até o século XX. Ocorreu em três fases, sendo a Inglaterra
a pioneira no processo de invenção e uso de novas tecnologias nos meios de transportes
como trens e navios impulsionados a vapor. Essa fase foi marcada pela exploração da mão
de obra trabalhadora que recebia baixos salários, trabalhavam em péssimas condições e
não tinham qualquer direito trabalhista, houve utilização de mão de obra infantil e feminina
com salários ainda menores que os homens. Tudo isso acaba provoca uma série de greves e
movimentos organizados de trabalhadores e trabalhadoras que denunciavam essas condições
e buscavam melhores condições de trabalho.

A Primeira Revolução Industrial marcou uma fase caracterizada por


diversas descobertas que permitiram a expansão das indústrias, o progresso
técnico e científico e a introdução das máquinas. Houve o aparecimento de
indústrias de tecidos de algodão, com o uso do tear mecânico. Nesse período,
foi na produção inglesa de tecidos de algodão que teve início o processo de
mecanização das produções, ou seja, a passagem da manufatura para o sistema
fabril. O pioneirismo inglês está fortemente associado ao processo de colonização
de outros países, pois o acúmulo de capital necessário, a matéria-prima e mão
de obra adivinham dessas relações de subjugação e exploração de outros povos.

A Segunda Revolução Industrial, por sua vez, se desenvolveu entre


1850 a 1950, em um período de consolidação do progresso científico e
tecnológico, expandindo-se para outros países da Europa, como França e
Alemanha. Esse momento ficou marcado pelo desenvolvimento das indústrias
química, elétrica, de petróleo e de aço, bem como por outras inovações que
incluem navios de aço movidos a vapor, desenvolvimento do avião, produção
em massa de bens de consumo e técnicas de preservação de alimentos, como
a refrigeração e enlatamento, e ainda, a invenção do telefone eletromagnético.

Psicologia Social 7
Já a Terceira Revolução Industrial teve início a partir de 1950 e se
estende até a atualidade. Nesse período, ocorreu um grande avanço da ciência,
da tecnologia, da informática, da robótica e da eletrônica. Além disso, vimos
surgir elementos da modernidade, como o computador, a rede de internet e
dispositivos móveis que marcam definitivamente a história da humanidade,
nas relações tempo-espaço, relações sociais, acesso ao conhecimento, dentre
outros. Esse é um momento de consolidação e expansão do sistema capitalista.
O processo de globalização também marcou essa fase como importante fator
de incremento da produção e das relações comerciais entre diversos países do
mundo, proporcionando também um processo de massificação dos produtos,
sobretudo na área da tecnologia.
Glossário
Os movimentos e processos
da chamada “dupla revolução” são Subjetividade diz respeito a um processo de
fundantes do mundo moderno, tendo produção de modos de existências, ou seja, formas
modificado os estilos de vida, práticas de agir, de sentir, de dizer e estar no mundo. Um
cotidianas, cultura das populações, processo de produção que tem a si mesmo, o
processos de subjetivação, além sujeito, como processo e produto. Processo de criar
das mudanças na forma, ritmo e a si mesmo enquanto produto de um jogo de forças
organização do mundo do trabalho. de várias outras subjetividades e atravessamentos
Os trabalhadores rurais foram da vida cotidiana. Félix Guattari, no final do anos
expulsos de suas terras ainda nos 1970, propôs o pensamento em relação à produção
primeiros momentos da Revolução das subjetividades como processo e produto do
Industrial, o que forçou sua ida para Capitalismo Mundial Integrado (CMI). Isto é, um
as cidades em busca de trabalho, sistema econômico integrado mundialmente, com
contribuindo para um crescimento caráter neoliberal de supressão de direitos e Estado
urbano acelerado e desorganizado. mínimo que, na atualidade, forja as subjetividades.

Curiosidade
A Revolução Francesa ocorreu entre 1789 a 1799, tendo como resultado a derrubada da
monarquia absolutista e dos privilégios feudais, religiosos e aristocráticos. Nesse contexto, foi
instituída entre 1789 a 1791, a Assembleia Constituinte que aprova a Declaração Universal
dos Direitos do Homem e Cidadão. Durante a Revolução Francesa a palavra cidadão era
utilizada em uma referência à igualdade de todos, ratificando a inexistência das categorias
nobres e plebeus, livres e escravos. Todos eram cidadãos vinculados a um Estado-Nação:
cidadãos franceses, ingleses, alemães etc.

8 Psicologia Social
Importante observar, no entanto, que nesse mesmo período houve a proposição por
Olympe de Gouges da Declaração Universal dos Direitos da Mulher e Cidadã. Essa
proposição não apenas não foi aprovada, como a Olympe de Gouges foi executada,
demonstrando que, ainda que a Monarquia tivesse sido derrubada, os privilégios de
determinadas categorias de pessoas sobre outras ainda era uma realidade, como dos
homens cidadãos sobre as mulheres cidadãs.

A produção deixou de ser individual, feita de acordo com as


possibilidades físicas e de tempo do indivíduo, no ambiente familiar, em
um ritmo que permitia a execução concomitante de outras tarefas como
criação de animais ou plantio. O trabalho passou a ser realizado em outro
ambiente, na fábrica, o que ocasionou a aglomeração de trabalhadores em
uma única localidade.

A aglomeração das pessoas em busca de trabalho deu origem a


um processo acelerado de nascimento e ampliação de cidades, que não foi
acompanhado no mesmo ritmo por ações de urbanização que dessem aos
moradores melhores condições de vida e trabalho, ou seja, sem investimento
em saneamento básico, transportes e serviços de atendimento à população.
Por outro lado, a classe trabalhadora se tornou numerosa e concentrada,
uma massa populacional, que apesar do empobrecimento material e do
desenraizamento cultural e social, foi capaz de se organizar em movimentos
contra o sistema que se colocava (MUSSE, 2012).

Os trabalhadores viviam e trabalhavam em péssimas condições


recebendo baixos salários. Isso deu origem a uma série de manifestações,
greves e movimentos organizados dessa nova população em crescimento. Essas
manifestações coletivas despertaram, por um lado, medo e insegurança nas
classes dominantes que investiam fortemente na ampliação dos novos modos
de produção e, por outro, inquietações e questionamentos de intelectuais
e cientistas sobre os processos psicológicos (entendidos à época como
individuais) e sociais subjacentes à época.

O triunfo do capitalismo modificou de maneira irreversível as


sociedades e as mentalidades, bem como, consolidou os valores iluministas
da Revolução Francesa. Conforme nos coloca Musse (2012), a libertação das
pessoas do modelo de sociedade tradicionalista, supersticiosa, hierárquica,

Psicologia Social 9
vista como uma sociedade irracional, era um dos principais objetivos da
emergente burguesia. Nesse contexto, a perspectiva de um indivíduo, no
sentido de uma sociedade individualista e racional foi associada à perspectiva
de um crescimento econômico incessante. O que conta nessa nova sociedade,
não é mais o nascimento, seu lugar original de pertencimento na hierarquia,
em muito fundamentada na religião, mas como o indivíduo racional vai
se colocar na nova dinâmica social. O desejo de compreensão e explicação
desses fenômenos de aglomeração das pessoas, percebido como massas que
se desenvolveram no processo de urbanização promovido pela implantação e
expansão do capitalismo, moveu as primeiras teorizações psicossociais, como
veremos a seguir.

2. A População como Categoria Científica e a


Psicologia das Massas
Pensando sobre a conceituação de massa, Jesus (2013, p.496) nos
coloca que “etimologicamente, o conceito de massa de pessoas se refere
à totalidade ou grande maioria, a um número considerável de pessoas que
mantêm entre si certa coesão de caráter social, cultural, econômico, a uma
turba, a uma multidão”.

A pesquisa científica sobre os fenômenos de massa remonta meados


do século XIX, principiou-se em um contexto europeu tomado
pelos tumultos urbanos característicos do período, circunstância
histórica que se tornou terreno propício para que pesquisadores
refletissem acerca dos comportamentos de massa, a partir de uma
ótica preconceituosa, em que estes eram vistos como irracionais,
desordenados e instáveis (Jesus, 2013, p. 496).

A terminologia sociedade de massa nasce com a nova ordem social


onde grandes grupos passam a conviver em um mesmo local e sob um
mesmo contexto social. Diz respeito ao processo deflagrado pela ampliação e
institucionalização do sistema capitalista, como vimos acima, marcado pelo
crescimento desordenado de um grande número de cidades, da população
trabalhadora enquanto categoria social em um contexto de exploração da mão

10 Psicologia Social
de obra, ao mesmo tempo em que surge o indivíduo racional como capaz de
se sobrepor e superar todas as adversidades para encontrar seu lugar no novo
cenário social a partir de si mesmo, de sua individualidade. Os estudos sobre
as massas surgiram no século XIX nesse contexto socioeconômico e cultural
e tem como principais expoentes desse momento as contribuições de Gustave
Le Bon e Gabriel Tarde .

2.1 Gustave Le Bon e a Psicologia das Multidões


Gustave Le Bon nasceu em 07 de maio de 1841, na comuna francesa
Nogent-le-Routrou. Atuava em diferentes áreas do conhecimento sendo
referido por seus trabalhos em Filosofia, Sociologia, Física, Medicina e em
especial, na Psicologia, área em que construiu a teoria sobre a psicologia
das massas e comportamento de manada, bem como teorias nacionalistas
e de superioridade de raça. Um de seus trabalhos de maior influência foi a
publicação da obra “A Multidão: Um Estudo da Mente Popular” ou “Psicologia
das Multidões”, em 1895.

Sua principal contribuição ao campo da Psicologia foi a concepção


de massa como uma entidade psicológica independente. Segundo Le Bon,
ao se encontrar em uma multidão, o indivíduo sufoca sua personalidade e
consciência passando a ser dominado pela mente coletiva da multidão. Esse
processo seria responsável pelo fato de as pessoas que compõem a multidão
apresentarem comportamentos emocionais desprovidos de racionalidade
e comportamentos iguais, numa mesma perspectiva e direção. Ou seja, Le
Bon propõe que as pessoas perderiam sua capacidade de raciocínio quando
na multidão, tornando-se sugestionáveis de maneira contundente, o que
conduziria a atos violentos ou de outra ordem, que não fariam quando
sozinhas (TORRES; NEIVA, 2011).

Desse modo, as massas não seriam o somatório das partes que as


compunham, ou seja, um somatório das individualidades, dos sujeitos
singulares que compunham as multidões, mas um todo com características
próprias, uma mente coletiva marcada pelo primitivismo e pelo inconsciente
(Le BON, 1895-1954). Para Le Bon, conhecer as particularidades psicológicas
de um povo é o primeiro passo para dominá-lo (JESUS, 2013).

Psicologia Social 11
As primeiras produções nacionais da Psicologia Social sob influência
da obra de Le Bon tinham como objetivo a compreensão das multidões e
seu controle, buscando através entender as características e o papel do líder a
partir de um referencial psicológico, ainda estigmatizante e patologizante das
massas. Em uma nota de rodapé da sua obra Psicologia da evolução dos povos,
falando sobre a miscigenação, Le Bon se refere ao Brasil da seguinte forma:

Todos os países que apresentam um grande número de mestiços


são por essa razão, destinados a uma perpétua anarquia a menos
que sejam dominados por mão de ferro. (...) Esse país só conta com
um terço de brancos. O resto da população se compõe de negros
e mulatos. O célebre Agassiz diz com razão que ‘é suficiente ter
estado no Brasil para não poder negar a decadência dos resultados
de cruzamentos que tiveram lugar nesse país mais largamente que
em qualquer outro (...) (LE BON, 2013, p.32)

Apesar da concepção negativa de multidões de Le Bon, essa perspectiva


se manteve por muito tempo, começando a ser questionada no início do
século XX por McDougall, psicólogo social que propôs que nas massas ou
multidões havia condições ótimas para se trabalhar o desenvolvimento afetivo
e intelectual do ser humano a partir do envolvimento com as coletividades
voltadas para fins culturais positivos (JESUS, 2013). Por outro lado, a questão
da sugestão ou influência social contida na teoria da psicologia das multidões
de Le Bon se tornará no século XX objeto de um ramo da Psicologia Social
de base experimental, a chamada Psicologia Social Psicológica.

As ideias de Le Bon também influenciaram os estudos sobre


mídia, inicialmente por meio dos trabalhos de Cantrill e Blumer e até a
contemporaneidade tem influenciado estudos nas áreas de comunicação.
Porém, os estudos da mente grupal e comportamento das multidões enquanto
tal somente serão retomados com as obras de Moscivici sobre as Representações
Sociais a partir da segunda metade do século XX, em uma área da Psicologia
Social chamada Sociológica (FARR, 1999) e que tem também forte influência
do filósofo e sociólogo Émile Durkheim.

As postulações de Le Bon também podem ser encontradas nas obras


Brown (1954 apud JESUS, 2013), em trabalho publicado no primeiro manual
de Psicologia Social, onde o pesquisador desenvolve uma teoria classificatória

12 Psicologia Social
de tipos de comportamentos coletivos, dando destaque aos “tumultos
urbanos”, e em obras mais recentes como Canetti (1995 apud JESUS, 2013)
e Surowiecki (2004 apud JESUS, 2013) que em seus trabalhos postulam a
natureza racional das multidões, propondo que estas caracterizam-se por
regularidade, cooperação, inibição de conflito e adaptação.

2.2 Jean-Gabriel Tarde (1843-1904) e a Teoria da Imitação


Jean-Gabriel Tarde nasceu em 12 de março de 1843 em
Sarlat-la-Canéda na França. Atuava nas áreas da Filosofia, Criminologia,
Sociologia e Psicologia. A carreira como pesquisador começa na Criminologia
por meio da publicação de diversos artigos, em que, inclusive, entra em uma
polêmica com o renomado criminologista à época César Lombroso. Tarde, em
suas publicações nas áreas das ciências humanas e sociais, também se envolve
em intensos debates com Émile Durkheim ao qual se opõe às proposições na
área da Sociologia, quanto à sua definição e metodologia. Tarde faleceu aos 61
anos, em 12 de maio de 1904.

Em 1890, em sua obra As leis da imitação, Tarde defendeu que a imitação


é o mecanismo básico da vida em sociedade. Nesse sentido, postulando que
as iniciativas individuais são uma invenção, enquanto as uniformidades são a
socialização da inovação individual por meio da imitação. Para ele, a realidade
é formada pelas consciências individuais, em que os indivíduos se unem uns
aos outros a partir do momento em que adotam um modelo de referência
e imitam esse modelo. Nesse sentido, é a imitação que permite a vida em
sociedade a partir da adaptação social. Tarde postula, ainda, que:

▪▪ as pessoas de “status inferior” costumam imitar as de maior status;


▪▪ o processo de imitação no desenvolvimento humano começa de
maneira lenta e com o passar do tempo se acelera;
▪▪ a cultura nacional é imitada antes da estrangeira;
▪▪ quanto maior a densidade populacional, maior a competição pelos
recursos que as cidades podem oferecer;
▪▪ o povo necessita de um modelo a ser imitado, por não ser capaz de
agir de forma consciente. Nesse sentido, postula a figura do herói
em seu poder de sugestão sobre o inconsciente coletivo.

Psicologia Social 13
Suas postulações deixam claro que o povo é entendido como
desprovido de capacidade crítica, de consciência e de desenvolver atitudes,
comportamentos e uma cultura capaz de ser imitada. As ideias de Tarde
influenciaram o trabalho de Ross, citado acima, pesquisador autor de um dos
primeiros livros de Psicologia Social em 1908 (TORRES; NEIVA, 2011).

Conforme nos ressalta Jesus (2013), G. Tarde e Le Bon elaboraram


teorias psicossociais como um instrumento ideológico, a serviço de um
sistema de exploração dos trabalhadores e concebendo as populações e seus
movimentos, suas demandas como anarquia, subversão e desordem. De todo
modo, é importante ter em mente que foi através do fenômeno das multidões
que a Psicologia se aproximou e iniciou suas primeiras proposições no sentido
do social, pensando o indivíduo para além de si mesmo, no contexto e em
inter-relação com outros indivíduos, com a sociedade.

2.3 Psicologia das Massas na Contemporaneidade


Na atualidade, pesquisadores que revisitam as concepções de Le Bon
e Tarde e as proposições da chamada Psicologia das Massas ou Psicologia das
Multidões postulam o seguinte: Para que as multidões possam funcionar
positivamente, é preciso que haja descentralização de poder, de tomada de
decisões e de informações. É preciso ainda que haja liberdade de acesso
dos indivíduos às informações, independência para opiniões individuais
e habilidade para transformar juízos individuais em decisões coletivas
(JESUS, 2013).

O paradigma contemporâneo é o de que a massa é um sistema


social organizado, estruturador de comportamento coletivo, de
modo que mesmo a mais simples observação do cotidiano, desde
que prevenida ante os estereótipos, atesta que decisões tomadas
em grupo são melhores que as individuais, porque a massa toma
decisões mais rapidamente, é menos sujeita à influência de agentes
externos e é auto-organizada. (Jesus, 2013, p. 497)

Milgram e Toch (1969 apud Jesus, 2013) estudando movimentos


sociais postulam que estes apresentam comportamentos de massa. Nesse
sentido, colocam que seu sucesso não depende do tamanho do movimento,

14 Psicologia Social
da organização ou das qualidades da liderança, mas de sua capacidade de
expressar sentimentos, ressentimentos, preocupações, temores, ânsias e
esperanças de uma coletividade, e que pode ser visto como veículo para
solução de problemas generalizados. Como estudos psicossociais da
atualidade que se aproximam de uma análise qualificada das massas, temos
os estudos sobre movimentos sociais de Prado (2001), Toneli e Perucchi
(2006), e Prado e Costa (2011), que têm analisado estratégias discursivas
contra os discursos hegemônicos em processos de mobilização de grupos
historicamente discriminados (JESUS, 2013).

3. Organização da Sociedade, seus Estudos e a


Conexão com a Psicologia Social
No século XIX, os estudiosos das áreas das ciências humanas e
sociais já se dedicavam a pensar tanto o indivíduo quanto a sociedade. No
entanto, as inter-relações entre essas esferas não eram pensadas. Conforme
Farr (1999), no caso de alguns pensadores, como Durkheim, essa divisão
estaria em concordância com seu projeto científico, ou seja, pensar indivíduo
e sociedade como esferas em separado. Farr (1999) afirma que Durkheim
estava interessado nos estudos sobre sociedade e não no indivíduo e, nesse
sentido, acabou propondo uma distinção importante entre Sociologia – que se
dedicaria ao estudo empírico dos fenômenos sociais, coletivos – e a Psicologia
– que se dedicaria aos estudos do indivíduo, aos fenômenos individuais, à
mente individual.

A seguir, você verá as principais teorias europeias que influenciaram a


Psicologia Social em seu berço histórico, dentre elas, as próprias proposições
do sociólogo francês Émile Durkheim no que diz respeito a conceituação de
ato social e representações individuais e coletivas.

3.1 Influências da Inglaterra


Em 1859, Charles Darwin publicou a obra Teoria das Espécies, em
que apresentou a tese da seleção natural, defendendo que apenas as espécies

Psicologia Social 15
com maior capacidade adaptativa sobrevivem e se reproduzem. Nesse sentido,
o autor propôs que a espécie humana seria o produto final de um processo
evolucionista, o ser humano, então tomado como um animal social que
desenvolveu maior capacidade adaptativa às mudanças ambientais e sociais.
Darwin postula a singularidade da espécie humana propondo não existir
continuidade entre ela e espécies não humanas (NEIVA, TORRES, 2011).

A teoria darwiniana influenciou grandemente as ideias de Herbert


Spencer (1820-1903) que, tendo como base a teoria da seleção natural,
postulou o “darwinismo social”. Spencer aplicou o darwinismo ao contexto
social entendendo que o mundo evolui a caminho do progresso, nesse
sentido, propôs que todas as mudanças possuem um caráter comum, e
que se desvelando essa lei geral que embasa as mudanças, seria possível a
previsão de outras futuras transformações. No entanto, observou que toda
ação produziria mais de um efeito, mais de uma modificação, dando origem
a novas causas e efeitos. Desse modo, Spencer aplicou a lei do mais forte às
estruturas sociais concluindo que a seleção se aplicaria à sociedade quando
pensada em termos de ações coletivas cooperativas unindo os indivíduos de
modo a garantir a supremacia de um determinado grupo. É de Spencer a
expressão “sobrevivência do mais adaptado”.

Sob influência do darwinismo, em 1870, Spencer lançou a obra Princípios


de Psicologia, na qual as ideias de Darwin são aplicadas para pensar os grupos de
pessoas, as sociedades e culturas a partir de uma escala evolucionista, de acordo
com seu desenvolvimento, organização, poder e capacidade de adaptação. Nessa
perspectiva, os povos mais avançados em termos culturais eram classificados
como superiores aos demais entendidos como povos atrasados e primitivos
(NEIVA; TORRES, 2011). Convém observar que essa é uma perspectiva
bastante etnocêntrica e mesmo racista que desconsidera o valor e a grandeza
de povos e sistemas sociais e culturais que diferiam no modelo europeu, usado
como parâmetro para a postulação de “povo mais avançado”.

Spencer foi a maior influência do darwinismo na Psicologia. Esse


pensador aplicou à sociologia e à psicologia, ideias das ciências naturais,
criando um sistema de pensamento muito influente a seu tempo e que viria
a influenciar também a corrente psicológica da Psicologia Social. A forte
influência das ideias evolucionistas deu início a uma longa tradição biologicista
na Psicologia Social inglesa.

16 Psicologia Social
3.2 Influências da França
Entre os precursores da Psicologia Social na França, encontram-se
Le Bon, Tarde e Emile Durkheim (1858-1917). Anteriormente, você viu as
contribuições de Le Bon e Tarde na chamada Psicologia das Massas, aqui, você
verá, em especial, as teorizações do sociólogo Durkheim que influenciaram a
Psicologia Social.

Durkheim é considerado o pai da sociologia, tendo várias obras


publicadas nas quais estudou a evolução da sociedade. Propôs a metodologia
da sociologia e se dedicou e aos estudos sobre a religião para compreensão
da dinâmica e evolução social. Dentre suas contribuições mais importantes
para a Psicologia Social, temos a teorização de fato social e das representações
coletivas. Durkheim não entendia a sociedade como a soma de suas partes
e, nesse sentido, seu foco estava no estudo do fato social - termo cunhado
pelo próprio para se referir aos fenômenos que não são limitados apenas a
uma pessoa.

Biografia
Émile Durkheim nasceu na região da Lorena, na França, em 15 de abril de 1858. É
considerado o pai da Sociologia Moderna e, juntamente com Karl Marx e Max Weber, é
considerado um dos pilares dessa área do conhecimento. Dentre suas principais obras,
podemos citar: Divisão do Trabalho Social (1893) que analisa funções sociais do trabalho
e questiona a excessiva especialização e a desumanização do trabalho, fruto da Revolução
Industrial. Outra obra de grande relevância é As Regras do Método Sociológico (1895), que
propõe a constituição da sociologia como uma nova ciência social. Além da publicação de O
suicídio (1897) e os estudos sobre a religião em As formas elementares da vida religiosa
(1912). Após uma vida profícua enquanto intelectual na área das ciências humanas e
sociais, Émile Durkheim morreu em Paris, França, no dia 15 de novembro de 1917.

Fato social diz respeito aos instrumentos sociais e culturais que irão
determinar os modos como o indivíduo irá pensar, agir e sentir a vida e, nesse
sentido, obriga os indivíduos a se adaptarem às regras sociais. São exemplos
de fato social as normas, valores, leis, convenções e regras de uma sociedade,
ou seja, constructos que existem independentemente da vontade do indivíduo,
e que são percebidos por meio de uma percepção condicionada por realidades

Psicologia Social 17
sociais que impõem limites ao comportamento para que o indivíduo seja
aceito na sociedade.

Curiosidade
O fato social é caracterizado da seguinte forma: generalidade, exterioridade e coercitividade.
A generalidade é identificada no caráter coletivo e não individual, de modo que atinja toda
a sociedade. A exterioridade diz respeito ao fato social ser exterior ao indivíduo e já estarem
postas desde antes de seu nascimento e apesar dele. A coercitividade diz respeito à força que os
padrões culturais têm sobre os membros de uma sociedade. Hábitos do cotidiano como escovar
os dentes, pagar as contas, vestir-se para ir a faculdade ou trabalho são fatos sociais, são ações
organizadas que obedecem a uma rotina que tem real poder sobre a vida do indivíduo.

3.3 Influências da Alemanha


Na Alemanha, podemos destacar dois grandes pensadores como
precursores das ideais psicossociais que irão constituir a Psicologia Social:
Wilhelm Wundt com sua Psicologia dos Povos e Karl Marx com materialismo
histórico dialético.

Ferreira (2011, p.15) nos coloca que a Psicologia dos Povos, de Wundt,
surgiu num contexto de reunificação da Alemanha no pós-guerra, como uma
área de estudos que objetivava conhecer as características do pensamento
coletivo alemão. No entanto, sua obra foi sendo aprimorada ao longo dos
tempos. Inicialmente, Wundt propôs a Psicologia como uma ciência natural
de metodologia experimental para o estudo de fenômenos mentais como
sensação, imagem e sentimentos.

Em virtude dessas preocupações, Wundt criou em 1879, na cidade


de Leipizig, o primeiro laboratório de psicologia do mundo, tendo
ali realizado uma série de experimentos com o objetivo de estudar
os processos mentais básicos, além de ter fundado o primeiro
periódico de psicologia experimental. Tais ações levaram-no a ser
considerado o fundador da psicologia experimental.”

No entanto, o próprio trabalho dentro dessa perspectiva evocou


novas construções, pois Wundt observou que fenômenos mentais ditos

18 Psicologia Social
superiores, tais como memória e pensamento, não poderiam ser explicados
e estudados pelo método experimental. Assim, “propôs uma distinção entre
a psicologia experimen- tal, responsável pelo estudo dos processos mentais
básicos, e a Völkerpsychologie (psicologia dos povos), dedicada ao estudo dos
processos mentais superiores por meio do método histórico-comparativo.”
(FERREIRA, 2011, p.15).

Outra relevante influência alemã para a Psicologia Social é a teoria


marxista, que se dedicou à análise das relações complexas entre individualidade
e generalidade. Marx, em sua teoria, aponta de forma contundente para a
historicidade da constituição humana, afirmando, conforme Hobsbawm
(2011), que a interação entre o ser humano e a natureza é o que produz
a evolução social. Isto é, a partir da modificação da natureza e da relativa
independência em relação a ela que se modificam forças e relações de
produção. A acumulação do capital é entendida como fruto desse processo. A
teoria marxista afirma que a essência humana é, em verdade, o conjunto das
relações sociais.

Nesse sentido, Marx afirmou que o desenvolvimento histórico é


condicionado às condições materiais de existência e não às ideias, como
propunha Hegel. O pensamento marxista se desenvolveu como uma crítica
à filosofia hegeliana e à tradição racionalista, que entendiam as ideias como
a própria realidade em sua concretude e não como representações desta. No
entanto, Marx tomou das proposições hegelianas, o método dialético que se
tornou central em sua teoria. O autor, em sua apropriação do método, fez uma
inversão ao propor as causas dos processos históricos eram de ordem material,
ou seja, sociais, econômicas e produtivas, e não ideal, não estavam no nível
das ideias ou do espírito humano. Para Marx, é a existência que determina a
consciência e não ao contrário. O materialismo-histórico-dialético diz respeito
justo a esse processo de análise dos fenômenos humanos a partir das condições
materiais de existência que compreende que “a sociedade está estruturada a
partir das relações econômicas correspondentes a cada período histórico, cuja
evolução se desenvolve dialeticamente”. (SANTA; BARONI, 2014, p.4)

A influência das ideias marxistas podem ser identificadas em diferentes


correntes da Psicologia Social, como na Psicologia Histórico-Cultural ou
Psicologia Sócio-histórica, proposta por Lév Vigotsky juntamente com Alexei
Leontiev e Alexander Luria, ou, ainda, em diferentes correntes da Psicologia

Psicologia Social 19
Social Crítica da América Latina, tais como a Psicologia da Libertação, do
el-salvadorenho Ignácio Martin-Baró, ou na Psicologia Social Comunitária
brasileira, cuja expoente mais reconhecida é Silvia Lane.

Na Psicologia Sócio-histórica, Vigotsky objetiva a análise dos


processos de transformação do desenvolvimento humano nas suas dimensões
filogenética, ontogenética e histórico-cultural e toma o pensamento marxista
no que diz respeito à necessidade de pensar o indivíduo como constituído
nas e pelas relações sócio-econômicas e pelo contexto material e histórico
no qual está inserido. Nas correntes da Psicologia Social Crítica da América
Latina, as subjetividades e os fenômenos humanos são pensados, a partir
das contribuições marxistas, em perspectiva com as relações de dominação e
opressão que estão na base do próprio sistema capitalista, sejam as relações
estabelecidas entre países ditos desenvolvidos e subdesenvolvidos, ou entre as
elites e as populações empobrecidas dentro do mesmo país.

Nesse sentido, Portugal, Gonçalves, Boechat e Pizzi (2012) ressaltam


a importância do trabalho de Silvia Lane ao reafirmar que a psicologia social
latino-americana tem como desafio a busca por uma “ação transformadora
através da participação consciente dos indivíduos que constituem uma
comunidade” (Lane, 2000, p.60 apud PORTUGAL et al., 2012), com o
intuito de “contribuir para a eliminação das injustiças sociais, da opressão
e da ignorância alienante social e psicologicamente” (LANE, 2000, p.62
apud PORTUGAL et al., 2012). Citando Freitas (2000), os autores ratificam
a importância da publicação nacional de Psicologia Social: o homem em
movimento de 1984 como um marco na trajetória e construção da Psicologia
Social que lutava por se manter e sobreviver como uma nova maneira de
se fazer Psicologia em oposição a modelos clássicos e importados dos ditos
centros hegemônicos de produção científica, representando “[uma] leitura
epistemológica sobre a dialética marxista presente neste campo disciplinar”.
(FREITAS, 2000, p.169 apud PORTUGAL et al., 2012, p.52)

Outro conceito que virá a ser bastante importante para a Psicologia


Social é o de Representações Individuais e Representações Coletivas.
Durkheim postula com as representações individuais que os sentimentos
privados somente se tornarão sociais quando vão além dos indivíduos, e
vencem também o tempo, transformando-se em uma representação da
sociedade, ou seja, uma representação coletiva.

20 Psicologia Social
O conceito de representações coletivas é apresentado de maneira
mais consistente por Durkheim em sua obra As formas elementares da vida
religiosa”(1912), na qual o pensador discorre sobre a dimensão coletiva e
científica do conhecimento produzido pela vida religiosa, mas também pela
vida de modo geral. Na obra, Durkheim pensa as categorias religiosas como
representações sociais e lógicas como qualquer outra categoria social, dando
a elas um status científico, um status epistemológico que ainda não tinham.

Durkheim sempre se propôs a pensar a religião como um fenômeno


social, e não como uma escolha da consciência individual. Para ele, o
fenômeno religioso reflete um conjunto socialmente definido de normas e
um “sistema de representações”. Ou seja, a religião é entendida como um
fenômeno mental, porém, definido pela sociedade. Desse modo, pelo caráter
obrigatório das normativas religiosas forjadas na sociedade, as consciências
individuais são subordinadas ao coletivo, pois os indivíduos têm ciência das
sanções que podem sofrer.

A publicação dessa obra marca em Durkheim a proposição das


representações coletivas como conceito-chave de análise em Sociologia.

As representações coletivas traduzem a maneira como o grupo pensa


nas suas relações com os objetos que o afetam. Para compreender
como a sociedade representa a si própria e ao mundo que a rodeia,
precisamos considerar a natureza da sociedade e não dos indivíduos.
Os símbolos com que ela pensa mudam de acordo com sua natureza.
(MINAYO, 1995, p.90)

A ênfase se desloca da análise de determinantes estruturais, como a


divisão social do trabalho, para colocar em destaque a análise daquilo que
constitui, mas ao mesmo tempo é fruto dessa determinação estrutural,
colocando em destaque os símbolos, as representações que constroem
essa sociedade.

O conceito de representações coletivas mantém semelhanças teóricas


com o conceito de fato social que você viu acima. Porém, é menos impositivo
e coercitivo porque é forjado no cotidiano das interações sociais (OLIVEIRA,
2012). Nesse sentido, as representações são funções mentais onde qualquer
objeto pode ser mentalmente representado, criando desse modo o mundo em

Psicologia Social 21
que vivemos. As representações coletivas referem e resumem o que as pessoas
pensam sobre si e sobre a realidade social. Assim, as representações coletivas são
uma forma de conhecimento socialmente produzida, daí o status científico e
epistemológico que adquirem na obra de Durkheim.

As representações em sendo coletivas não podem ser reduzidas


aos indivíduos. Elas são fruto da interação e dos laços sociais entre as
pessoas, mas os ultrapassam, adquirindo autonomia e realidade próprias
(OLIVEIRA, 2012).

Curiosidade
A Teoria das Representações Sociais (TRS) foi apresentada pela primeira vez pelo
psicólogo social romeno naturalizado francês, Serge Moscovici na obra intitulada A
Representação Social da Psicanálise, publicada em 1978. Sob a influência das proposições
de representações coletivas e individuais de Émile Durkheim, Moscovici vai formular a teoria
no interstício entre os campos da Psicologia e a Sociologia, se ocupando da inter-relação
entre sujeito e objeto, buscando compreender o processo de construção do conhecimento,
de construção da Representações Sociais, como algo ao mesmo tempo individual e
coletivo. Para Moscovici não existe separação entre um sujeito interno e externo, nas
funções representativas o sujeito não é passivo, não assimila e reproduz passivamente o
que lhe chega, mas transforma e, ao transformar se constitui sujeito. Nesse sentido, as
representações são ao mesmo tempo, produto e processo de uma atividade mental pela
qual um indivíduo ou um grupo reconstitui o real, confrontando e atribuindo significados
específicos. A representação é um sistema sociocognitivo e contextualizado que supõe
um sujeito ativo produtor de conhecimento acerca dos objetos. Tais representações, ainda
que submetidas aos processos cognitivos, são determinadas inicialmente pelas condições
sociais nas quais são elaboradas e transmitidas. A TRS traz questões importantes ao campo
do conhecimento, uma delas é a discussão sobre o conhecimento do senso comum em
perspectiva com o conhecimento dito acadêmico. Para Moscovici, o senso comum aporta
informações e impressões significativas, fundamentais para a compreensão dos fenômenos
em estudo e ressalta ainda a necessidade de academicamente valorizarmos e trabalharmos
com esse conhecimento.

As proposições de Durkheim sobre representações coletivas influenciarão


em especial o Psicólogo Social Serge Moscovici, que, na década de 1970,
desenvolveu a Teoria das Representações Sociais (NEIVA; TORRES, 2011).

22 Psicologia Social
Moscovici registra que sua postulação de representações sociais tem
origem em um projeto de retomada e atualização de Durkheim. Esse autor
parte do conceito de representações coletivas, tomado como um conceito
abrangente e primariamente sociológico, que abrangia religiões, ciência e
noções de espaço e tempo, como construções coletivas externas e autônomas
que se impunham de maneira coercitiva aos indivíduos, para pensá-lo na
contemporaneidade em que religião e ciência perderam seu caráter unificado
e estabilizador sobre as relações sociais e onde a mídia de massa passa a ter um
papel importante como socializador de toda sorte de conhecimento.

Assim, Moscovici, ao propor as representações sociais, está sugerindo


não mais um fenômeno puramente sociológico, mas psicossocial, onde as
toma como resultado de uma construção social que é feita pela interação
cotidiana de grupos concretos, pela interação entre seus membros.

Neste capítulo, você viu como contextos históricos e sociais estão na


base de formulação de ideias, muitas vezes, tidas como “naturais”.

Viu, também, como a Revolução Industrial e a Revolução Francesa


contribuíram para a instauração de um novo mundo, o mundo moderno,
modificando definitivamente os modos de produção que passam a se dar a
partir da lógica capitalista, e modificando o modo de ser e pensar o indivíduo
na sociedade, trazendo à luz a nova proposição de “cidadão portador de
direitos”. Ocorre o crescimento acelerado e sem planejamento das cidades e
a exploração da mão de obra trabalhadora que tem como consequência uma
série de movimentos populares por melhores salários e condições de trabalho
e que estarão na base das formulações da chamada Psicologia das Massas, que
buscará entender e explicar tais fenômenos.

Por fim, você viu quais foram as principais correntes e pensadores


que influenciaram, no século XX, o conceito se institucionalizou como
Psicologia Social.

Psicologia Social 23
Referências
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