Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
BAses Historicas GestaoQualidade PDF
BAses Historicas GestaoQualidade PDF
Resumo
Este artigo mostra como a Gestão da Qualidade, tal qual conhecemos hoje, embasou seu
desenvolvimento em escolas fundamentais da Administração. Em particular, enfoca-se aqui a Escola
Clássica, suas identidades e confrontos com a Gestão da Qualidade e seus reflexos nas suas
principais ferramentas. Esta análise permite entender o verdadeiro alcance de conceitos e estratégias
da Gestão da Qualidade, garantindo assim sua correta aplicação.
Esta restrição é mais visível em agentes de didáticos bem conhecidos. Solicita-se que esta
decisão – sobretudo, aqueles com funções de restrição, propositadamente assumida por razões
gerência. E também mais crítica nestas áreas, de fidelidade a posições originais dos autores,
responsáveis pelo planejamento tático das seja considerada.
organizações, que significa, em última análise, o O artigo enfatiza as práticas organizacionais.
gerenciamento do dia-a-dia da empresa. Por isso, utilizou-se autores que investem na resenha
Neste contexto, uma constatação prática tem destas estratégias no âmbito das escolas estudadas.
sido feita. Em geral, estes profissionais conhe- De certa forma, a Abordagem Clássica da
cem, por sua formação básica, os modelos clás- Administração surgiu como uma tentativa de
sicos da Administração. Mas não os associam organizar as empresas que, a partir exatamente
aos processos gerenciais em que se envolvem. da Revolução Industrial, vinham crescendo desor-
Tendo em vista esta hipótese e esta constata- denadamente. A idéia original era conferir uma
ção, desenvolveu-se a seguinte estratégia para abordagem científica à administração, até então
tentar minimizar a causa básica apontada para o empírica e improvisada. Havia, também, neste
fracasso dos programas da qualidade: utilizar período, preocupação com eficiência e produti-
escolas clássicas da administração como fonte e vidade, considerando-se, sobretudo, a racionali-
referência histórica para a moderna gestão da zação dos recursos da empresa. Supunha-se que
qualidade (por moderna, aqui, entende-se a estes seriam objetivos que se poderia alcançar
forma como a gestão da qualidade é entendida como decorrência da melhor organização.
hoje, certamente de modo muito diferente em Compõem a Abordagem Clássica da Admi-
relação à década de 60). Por partir de conheci- nistração duas grandes correntes: a Administra-
mentos de domínio público, este processo ção Científica (Taylor) e o enfoque anatômico
facilita um melhor entendimento dos conceitos (Fayol). Além destas correntes, há outros traba-
que sustentam a gestão da qualidade, podendo-se lhos relacionados a esta abordagem, que apre-
garantir, com isto, aplicação mais adequada de sentam contribuições relevantes para a formula-
suas ferramentas e estratégias. ção do modelo de gestão para a organização como
A idéia de associar a gestão da Qualidade um todo, que foi estruturada nesta abordagem.
com escolas clássicas da administração não é Mas, para efeito de seleção de referenciais, esta
nova nem inédita. No Brasil, autores como GIL postura tem sua razão de ser, já que a meta é
(1992); CERQUEIRA NETO (1995) ou CARA- encontrar identidades e confrontos entre a gestão
VANTES et al. (1997) já mostram claramente da qualidade e posturas clássicas das teorias da
que esta relação existe, até por imposição natural administração.
do desenvolvimento gerencial. Textos clássicos Neste texto, define-se Gestão da Qualidade
de Engenharia de Produção no Brasil, como como sendo o conjunto de estratégias que, orga-
FLEURY (1989) e FLEURY & FLEURY nizadamente desenvolvidas, visam produzir
(1995) também mostram evidências na mesma qualidade em processos, produtos e serviços.
direção. O presente trabalho pretende apenas
contribuir para uma análise mais abrangente da 2. A Gestão da Qualidade e a Administração
questão, oferecendo novos ângulos de análise. Científica
Este estudo envolveu várias escolas da Histó-
ria da Administração. Neste artigo, somente o
impacto da abordagem clássica sobre a gestão da
qualidade será discutido.
O Movimento de Administração Científica
utiliza-se de algumas noções básicas que
sustentam os mecanismos de gestão. Pode-se
É extremamente importante observar que, identificar alguns conjuntos de referenciais que a
para garantir fidelidade aos textos clássicos, o Administração Científica formulou e utilizou
artigo utilizou como referência alguns textos para fundamentar suas propostas.
170 Paladini – As Bases Históricas da Gestão da Qualidade
A Administração Científica iniciou a análise te, o recurso melhor adaptado a cada tarefa e
do trabalho e, em particular, o estudo dos tempos garantir sua melhor execução. No caso dos
e movimentos. Neste contexto, procurou-se recursos humanos, oferecer a cada operador
detalhar o trabalho para otimizá-lo a partir de instruções técnicas sobre sua atividade (trei-
cada movimento elementar. Sempre com a meta ná-los adequadamente);
de obter o maior rendimento, com o mesmo 3. Ação com base técnica: evitar procedimentos
custo e esforço. baseados em critérios que sejam específicos a
A proposta de Taylor era interessante na certos recursos, ou confiados improvisada-
medida em que buscava uma identidade entre mente a eles, buscando ações técnicas, basea-
interesses de operários e patrões. Para os das em procedimentos científicos.
primeiros, prometia-se vantagens financeiras sob Outros princípios operacionais da Adminis-
forma de salários e benefícios; para os segundos, tração Científica são os seguintes: analisar cada
vantagens sob forma de redução de custos e atividade antes de fixar seu padrão de operação;
aumento da produtividade. eliminar ou reduzir movimentos inúteis, além de
CHIAVENATTO (1986) enumera várias aperfeiçoar e racionalizar os movimentos úteis; e
vantagens do controle dos tempos e movimentos. dividir as atividades em duas fases: preparo e
Este controle elimina movimentos inúteis, desenvolvimento. A cada fase, conferir carac-
substituindo-os por outros, mais eficazes; torna terísticas precisas e delimitadas; estabelecer
mais eficaz e racional a seleção e treinamento do prêmios e incentivos a serem conseguidos
pessoal; possui uma base segura para melhorar a quando se atingirem determinados alvos e
eficiência do trabalho e, conseqüentemente, o prêmios e incentivos maiores, para quando os
rendimento da produção; distribui uniformemen- padrões forem ultrapassados; dividir com todos
te o trabalho, para que não haja períodos de falta os bons resultados (empresa, trabalhadores e
ou excesso de atividade; apresenta uma base consumidores); facilitar o uso dos recursos, por
uniforme para a fixação de salários eqüitativos e exemplo, classificando equipamentos, processos,
para que sejam concedidos prêmios por aumento informações ou materiais a serem utilizados ou
de produção; e permite o cálculo mais preciso do produzidos.
custo unitário e do custo global dos produtos. Taylor tinha uma visão muito simplificada e
Taylor buscava substituir a ação improvisada imediatista do processo produtivo mas, ao
pela ação científica. Isto era visível na seleção e mesmo tempo, prática e objetiva. Isto fica
formação de operários, na tentativa de gerar um evidente quando ele enuncia seus elementos de
modo técnico de desenvolver o trabalho; nos aplicação da Administração Científica, que
mecanismos básicos de divisão do trabalho e das envolvem aspectos como a utilização da régua
responsabilidades. Neste contexto, a Adminis- de cálculo e instrumentos semelhantes para
tração Científica formulou princípios gerais para economizar tempo; o emprego de fichas com
definir o papel do gerente. Fundamentalmente, instruções de serviço; esquemas práticos para a
estes eram os princípios: classificação tanto dos produtos acabados quanto
1. Ação sobre o processo: as atividades devem do material envolvido na fabricação, etc.
ser controladas sempre em regime de con- Na maioria dos casos, entretanto, nota-se a
fronto com padrões. Espera-se da gerência preocupação permanente de Taylor com o
cooperação para o sucesso do esforço de componente econômico dos sistemas produtivos.
atingir e superar tais padrões; Esta ênfase está presente em elementos como
2. Ação sobre os recursos: associar, a cada prêmios e benefícios financeiros associados à
recurso, a ação que lhe compete, garantindo correta execução das atividades; a gratificação
perfeita disciplina e capacidade de controle diferenciada por atividade e responsabilidade;
sobre tais recursos. Selecionar, cientificamen- sistema de delineamento da rotina de trabalho
172 Paladini – As Bases Históricas da Gestão da Qualidade
voltado para a minimização de custos e até esta situação pela natureza dos problemas que
mesmo mecanismos de cálculo de custo. Esta interessam ao economista. De fato, traba-
visão está presente em estudos de tempos e lhando apenas com o componente econômi-
movimentos (prioridade permanente à minimi- co, os economistas investem em valores de
zação de custos; procedimentos de supervisão ordem econômica e os consideram mais
funcional voltados para a eficiência máxima do relevantes que os demais. A visão administra-
processo; padronização de ferramentas e tiva é mais ampla do que a econômica e
dispositivos de fabricação. utiliza uma escala de valores muito mais
Os princípios que Taylor adotou para concili- abrangente (Note-se: historicamente, a come-
ar os interesses entre empregadores e emprega- çar por Adam Smith, a abordagem econômica
dos originaram muitos problemas. Atualmente, sempre procurou traçar análises amplas do
há quem afirme que estes princípios foram a processo produtivo, envolvendo inclusive a
causa de distorções na aplicação dos dispositivos administração. Isto parece ser um esforço
gerenciais de Taylor. A suposição de que o para reduzir a limitação da visão econômica
operário se move apenas incentivado por como única possível na retribuição do traba-
benefícios materiais, porém, continua como o lho, por exemplo). Além disso, tratam com
maior equívoco da teoria. problemas que, com freqüência, envolvem
Estas idéias geraram importantes reflexos na caráter que não é de natureza econômica
área de gestão da qualidade, como se verá a (pelo menos, expresso de forma direta). Se os
seguir. responsáveis pela Gestão da Qualidade
tratarem seus subordinados tendo em vista
REFLEXOS NA GESTÃO DA QUALIDADE apenas este componente, terão uma visão
distorcida da realidade em que estão inseridos
CONFRONTOS: e poderão tomar decisões francamente dano-
O modelo básico de Gestão da Qualidade sas para a organização.
hoje em uso tende a rejeitar a visão simplifi- Dificilmente a idéia de Taylor de que o
cada do homem que a Administração Cientí- homem poderia talvez ser “pré-programável”
fica propõe. A idéia do incentivo básico (por (talvez mais decorrente da implantação do
exemplo, financeiro) está, entretanto, conso- modelo do que do pensamento de um autor
lidada como mecanismo de motivação. Há como Taylor) seria acatada pela moderna
duas características fundamentais associadas Gestão da Qualidade. A noção de que o
a este mecanismo, que devem ser considera- homem tem valores prefixados e que por isso,
das: (1) os reflexos deste tipo de incentivo pode-se conhecer antecipadamente como ele
são imediatos, visíveis e envolvem pronta reagirá em determinados casos, não é aceita.
resposta, a curto prazo, porém, (2) tratam-se Isto facilitaria as relações com os operários
de resultados pouco consistentes, que trazem de uma fábrica, mas conduziria à acomoda-
contribuição restrita e limitada para a organi- ção e à redução do processo de gestão a um
zação; simples conjunto de movimentos ação-
A noção de homem econômico pode ser reação, ambas definidas e conhecidas. Seria
prejudicial em muitos casos à Gestão da simplista demais.
Qualidade. Considere-se, por exemplo, que a Um exemplo em que se notam diferenças
idéia do homem econômico foi melhor utili- consideráveis entre a Administração Científi-
zada pelos economistas do que pelos admi- ca e a Gestão da Qualidade pode ser obtido
nistradores (A Lei de Oferta e Procura, por analisando-se a Lei da Fadiga, citada por
exemplo, se baseia na figura do homem Taylor (TAYLOR, 1903). Segundo esta lei,
econômico (MOTTA, 1989)). Justifica-se há uma relação inversa entre a carga levanta-
GESTÃO & PRODUÇÃO v.5, n.3, p. 168-186, dez. 1998 173
da e o tempo em que é suportada. Há, aqui, coletivas que se confere hoje no esforço pela
três equívocos básicos: (1) as pessoas são qualidade. Admite-se que o principal elemento
todas iguais; (2) a fadiga só depende de de avaliação do recurso humano na organiza-
condicionamento físico; (3) as pessoas atuam ção é sua contribuição para o processo como
da mesma forma em uma dada situação. Estes um todo, mais do que sua ação isolada e
equívocos derivam da forma tradicionalmente individual, que, com estas características,
simplista com que Taylor tratava os recursos torna-se quase sempre limitada e restrita.
da organização como um todo - aí incluídos
os recursos humanos. Se desconsiderar-se IDENTIDADES:
estes aspectos, pode-se pensar que existe um Alguns autores defendem a idéia de que a
tempo ótimo para executar qualquer ativida- Administração Científica e os mecanismos de
de. Uma vez determinado cada um destes melhoria da qualidade partilham dos mesmos
tempos, estará definida a forma correta de objetivos. De fato, a Administração Científica
execução de determinado trabalho. A partir se desenvolveu a partir da necessidade de
daí, ter-se-á um conjunto de movimentos e incrementar a produtividade em função, entre
tempos considerados como padrões. Ao outros fatores, da carência de mão-de-obra no
operário caberia, apenas, realizar a atividade início do século 20. Taylor, de certa forma,
na forma prescrita e sem discussão. Taylor falava em excelência em cada ramo da indús-
considerava que, desta forma, a Administra- tria. Atribuía, neste esforço em busca da
ção Científica substituía o antigo sistema de excelência, papel fundamental à gerência. Por
administração por iniciativa e incentivo. Para isso, a Administração Científica (daí o nome,
ele, este sistema envolvia perda de produtivi- inclusive) considera a administração, antes de
dade, com prejuízo para a empresa, para a tudo, uma ciência, mais do que um conjunto
sociedade como um todo e para o próprio de atividades empíricas. O estudo de tempos e
operário (MOTTA, 1989). A Gestão da movimentos foi uma tentativa de sistematizar
Qualidade rejeita esta noção de igualdade e a atividade gerencial. Neste contexto, Taylor
uniformidade. É evidente que há de se obser- priorizou a produtividade e, para tanto, suge-
var que esta lei não chega a ser fundamental riu uma “estabilização” global do processo
para a adoção do modelo de Taylor e que ela produtivo. É possível que seu erro capital
deveria ser considerada dentro de seu contex- tenha sido imaginar que os recursos humanos
to histórico. eram recursos como outros quaisquer neste
Taylor dividia o trabalho a ser feito em duas esforço de estabilização. Mas não há dúvida
partes: planejamento a cargo da gerência e de que o empenho pela estabilização do
execução a cargo dos operários e de seus processo é um dos pilares da qualidade.
superiores operacionais. As bases da gestão A Gestão da Qualidade sempre priorizou a
participativa trabalha com esta divisão de ação do gerente. Taylor também ampliou a
uma forma diferente, evitando externalizar o importância do administrador. De fato, com a
planejamento ao homem. Administração Científica, a figura do gerente
A Administração Científica encara os recur- passou a ser fundamental, na medida em que
sos humanos como elementos individuais e a ele cabia planejar, de modo bem definido,
prioriza o esforço feito por cada um deles. Há como cada operador participaria da execução
dois confrontos com a Gestão da Qualidade de cada operação na fábrica. De certa forma,
aqui: o primeiro de natureza geral – o homem há identidade com a Gestão da Qualidade em
é um ser social por excelência. A Gestão da termos de importância conferida à figura do
Qualidade mais do que aceita – tira partido gerente, embora por razões diferentes.
deste fato. O segundo é a prioridade às ações
174 Paladini – As Bases Históricas da Gestão da Qualidade
mas tarefas. Conclui-se que a Administração massa”. Para Ford, a produção em massa se
Científica teve impacto no modelo conven- baseia fundamentalmente na simplicidade. Para
cional de Gestão da Qualidade. Hoje este tanto, devem ser considerados alguns elementos
impacto é muito pequeno e serve, apenas, básicos:
para mostrar a evolução dos processos de 1. O processo produtivo é composto por
gerência da qualidade. CHIAVENATTO operações planejadas, ordenadas e contínuas.
(1986) aponta um dado importante: “A pro- 2. Não se deve conferir, ao empregado, a missão
posição de Taylor de que a eficiência admi- de fixar suas atividades nem de viabilizar
nistrativa aumenta com a especialização do recursos e decisões para executá-las. O
trabalho não encontrou amparo nos resultados trabalho deve ser confiado a ele quando
de pesquisas posteriores: qualquer aumento estiver inteiramente definido.
na especialização não redunda necessaria- 3. As operações, para serem corretamente
mente em aumento de eficiência”. executadas, devem ser decompostas em ações
elementares.
3. Os Princípios de Ford e as Bases da 4. Os mecanismos de desenvolvimento do
Produção em Série da Abordagem Clássica processo produtivo são eficientes exclusiva-
da Administração mente se puderem ser operados de forma
ritmada, coordenada e com a preocupação
cias mecânicas como suporte ao desenvolvi- japoneses, ao contrário, induzem seu operá-
mento de crescente variedade de máquinas de rios a pensar e a criar. Por isso, incentivam a
produção simples, que seriam utilizadas não criatividade. Associado com trabalho e disci-
apenas para agregar um grande número de plina, criaram o conceito de criatividade
operações similares, mas também substituir direcionada, bem conduzida e com resultados
operários, realizando atividades que requeri- predefinidos. Ford não admitia esta liberdade
am habilidade com alto grau de perfeição. de criação.
O projeto administrativo de Ford fica mais Ford parece ter aversão pela abordagem
explícito quando se considera seus três princí- participativa da administração. Ele parte do
pios básicos (CHIAVENATTO, 1986:44): (1) pressuposto que nenhum funcionário é com-
Intensificação: consiste em diminuir o tempo de petente o suficiente para definir o que pode
produção via utilização de equipamentos e ou deve (e o que não pode ou não deve)
matéria-prima, bem como a rápida colocação do executar. A Gestão da Qualidade rejeita tal
produto no mercado; (2) Economicidade: posicionamento.
consiste em reduzir ao mínimo o volume de Como outras doutrinas da Escola Clássica da
estoque da matéria-prima em transformação. Por Administração, Ford peca pela simplicidade
meio desse princípio, Ford gerou um sistema de com que analisa o processo administrativo. A
fluxo de recursos financeiros intenso: antes de Gestão da Qualidade comporta elementos que
vencer o prazo de pagamento de materiais a visão simplificada de Ford não contempla.
adquiridos ou antes de atingir a época de pagar O componente economicista do processo
salários, sua empresa já tinha recebido pelo (reduzir custos pura e simplesmente nem
produto acabado entregue, e (3) Produtividade: sempre significa agregar valor a processos,
consiste em aumentar a capacidade de produção produtos ou serviços), a visão disciplinadora
do homem no mesmo período, pela racionaliza- da ação do homem e a idéia de que o ritmo de
ção de suas atividades. produção é sinônimo de produtividade são
Neste último princípio, nota-se perfeita alguns equívocos, que exemplificam esta
identidade entre Taylor e Ford. De fato, trata-se maneira limitada de entender o processo de
da mesma idéia: o operário ganha mais, no gestão.
mesmo período de tempo, e fica feliz. Já o
empresário tem maior produção e também fica IDENTIDADES:
feliz. Ford fixou o princípio da simplicidade que é,
também, a base do sistema japonês de gestão.
REFLEXOS NA GESTÃO DA QUALIDADE De fato, todo o processo de gestão praticado
no Japão parece estar alicerçado numa única
CONFRONTOS: idéia: as coisas são simples, sempre simples -
Uma análise comparativa entre o modelo às vezes, escandalosamente simples. Assim,
japonês de qualidade e os princípios de Ford as soluções para os grandes problemas são
evidenciam diferenças e similaridades que simples. Complicar pode elevar custos e
parecem sugerir que o modelo japonês teve dificultar o alcance da solução do problema.
suas raízes calcadas nestes princípios. Os Os japoneses afirmam que, com trabalho,
próprios confrontos mostram que se procurou disciplina e criatividade, a solução para
evitar erros que Ford cometeu. Um confronto qualquer problema pode ser encontrada. Ford
bem evidente, neste sentido, pode ser identi- também enfatizava uma parte do processo –
ficado na questão da criatividade. Ford utili- trabalho e disciplina.
zava-se de princípios de disciplina e trabalho Ford privilegiava o processo planejado. Em
para evitar que as pessoas pensassem. Os particular, salientava a continuidade do
GESTÃO & PRODUÇÃO v.5, n.3, p. 168-186, dez. 1998 179
bases consistentes para a produção da quali- acrescenta: “E quase sempre é...” (FAYOL,
dade. 1954:23).
A questão do bom senso levantada por
Emerson tem definido uma forma equivocada REFLEXOS NA GESTÃO DA QUALIDADE
de definir políticas da qualidade – baseando-
se sua formulação no bom senso. Talvez CONFRONTOS:
como reflexo de posicionamento inadequado, A ênfase à disciplina é exagerada em Fayol.
as estratégias de Gestão da Qualidade enfati- A gestão participativa emprega mecanismos
zam o seguinte: as políticas da qualidade, nas de envolvimento menos rígidos. Em muitos
quais o processo de gestão se fundamenta e casos, chega-se a sentir falta de maior obedi-
operacionaliza, precisam ser (1) objetivas, (2) ência e sinais claros de respeito por parte de
claras, (3) uniformes e (4) coerentes. administradores e subordinados. Fayol dizia
Muitos princípios de Emerson salientam a que a disciplina é muito importante; sua falta
ação das pessoas. A Gestão da Qualidade tem traz o caos à administração. É possível que
desenvolvido estratégias que vão na direção este elemento, hoje considerado confronto
inversa: priorizar ações globais, nas quais as entre Fayol e a Gestão da Qualidade, trans-
pessoas se inserem. A idéia é que, na mesma forme-se em identidade no futuro.
situação e no mesmo contexto, diferentes A Gestão da Qualidade tem usado o
pessoas agiriam da mesma forma. “princípio da margarida” (PALADINI,
1995) para definir um fluxo de informações e
5. Fayol e a Centralização Administrativa de hierarquia essencialmente horizontalizado.
Fayol usou a expressão “Cadeia Escalar” para
ca. Ocorre que ele ampliou este conceito de seguinte: “cada empregado deve receber
especialização, envolvendo também as ativi- ordens de um, e apenas um único superior. É
dades administrativa, técnica ou de suporte. o princípio da autoridade única, que procura
Esta abrangência é típica da Gestão da Quali- evitar a confusão de ordens” (CHIAVE-
dade. NATTO, 1986).
Fayol combinava a autoridade “oficial” com Podem estar plantados em Fayol os princípios
a autoridade natural que cada pessoa possui de unicidade de objetivos que a Gestão da
(liderança) e mencionava inteligência, expe- Qualidade sugere em quase todas as suas
riência, valor moral, serviços prestados, senso estratégias. O chamado “princípio da Unida-
de justiça e visão objetiva. Esta combinação é de de Direção”, por ele formulado, afirma
válida ainda hoje na moderna Gestão da que cada grupo de atividades deve ser estru-
Qualidade. turado de forma a ter o mesmo objetivo.
A Gestão da Qualidade, ao envolver todos os Operacionalmente, Fayol sugere que estas
recursos da empresa em único esforço, coloca atividades devem ter um único chefe e devem
os interesses da organização acima dos inte- ser implantadas segundo um único planeja-
resses individuais. Fayol tinha a mesma idéia. mento. Ele propõe dois tipos de coordenação
Dizia ele: “Em qualquer grupo, o interesse neste caso:(1) uma unidade de direção dire-
coletivo deve sobrepor-se aos interesses dos tamente em contato com a empresa como um
indivíduos. Quando eles diferem, é função da todo e (2) uma segunda unidade de direção
administração reconciliá-los” (CHIAVE- relacionada com os funcionários. O projeto
NATTO, 1986). de Gestão da Qualidade é mais amplo do que
isso em dois aspectos: não chega a “relacio-
REFLEXOS NAS ESTRATÉGIAS E FER- nar-se” com a empresa porque dela faz parte
RAMENTAS DA GESTÃO DA QUALIDADE: a alta administração da mesma; e, por outro
O conceito de abrangência na ação da mão- lado, a “unidade de direção” de que fala
de-obra parece ter suas raízes na idéia de Fayol envolve todos os recursos da empresa e
Fayol, segundo a qual não se pode, no esfor- não apenas os recursos humanos.
ço pela qualidade, omitir qualquer função ou
atividade da empresa. Fayol, como se perce- 6. Urwick: O Primeiro Passo Rumo às
be, tinha uma visão mais ampla do que Ta- Estruturas Informais
ylor e, por isso, suas idéias têm reflexos em
estratégias que visam globalizar o esforço
pela qualidade.
As estratégias que envolvem as relações entre
O utro autor importante da Escola Clássica foi
Lyndall F. Urwick (1891-1980), que, para
divulgar os ideais do modelo administrativo
produção e qualidade destacam a importância preconizado por esta escola, formulou quatro
de evitar, a qualquer custo, conflitos entre as princípios básicos: (1) cada atividade deve ser
partes. Muitos destes conflitos derivam da desempenhada por quem melhor a conhece; (2)
ingerência de uma área (ou de seus gerentes) deve haver um fluxo de autoridade claramente
em outra. Daí o princípio de que deve haver definido na organização; (3) deve ser limitado o
clareza na definição das relações entre supe- número de subordinados de cada gerente e (4) a
riores e subordinados e que a Gestão da estrutura de funções e responsabilidades deve ser
Qualidade deve utilizar-se do mecanismo de claramente definida e oficializada (URWICK,
coordenação para desenvolver o processo 1943).
administrativo da implantação da qualidade. Urwick estudou profundamente o modelo de
Este princípio toma por base o processo liderança que ele julgava adequado para o mo-
linear de autoridade de Fayol, que dizia o delo administrativo da Escola Clássica. De fato,
GESTÃO & PRODUÇÃO v.5, n.3, p. 168-186, dez. 1998 183
ainda que tenha enfatizado a estrutura formal da centralizada nas pessoas do que nas funções
organização, Urwick foi um dos primeiros auto- em si. O projeto de Gestão da Qualidade
res desta escola a estudar e formular um modelo tende a fixar atividades e funções com maior
de liderança. Para ele, o líder deveria ser alguém ênfase do que as características das pessoas
que fosse a “cara” da empresa, isto é, alguém que vão exercê-las. Parece aceitável, entre-
que espelhasse, personificasse e representasse a tanto, a idéia de Urwick de que a linha de
sua organização. Surge, deste modo, a idéia de comando na empresa seja conhecida e reco-
que o líder se identifica claramente com a nhecida por todos. A única diferença é que se
organização. Conhecendo bem sua empresa, o trata de uma linha funcional e não de pessoas
líder pode explicar para os outros seu funciona- colocadas em postos definidos.
mento, diretrizes e missão. Isto é feito global- Parece ser um tanto fora de propósito limitar
mente em termos de políticas gerais de funcio- o número de subordinados, principalmente se
namento, e localmente em cada atividade desem- cada um deles sabe o que fazer e pouco
penhada pelos operários. Segundo Urwick, o depende de um gerente fisicamente presente.
líder os ajuda a entender suas atividades e os Urwick assegurava que cada superior “não
motiva a executá-las da melhor maneira devia ter mais do que cinco a seis subordina-
possível. O líder, portanto, estimula pensamen- dos, uma vez que o superior não tem apenas
tos, atitudes e comportamentos coerentes com a pessoas para supervisionar, mas também e
realidade da empresa. Urwick entendia que o principalmente as relações entre as pessoas”
líder devia atuar de forma sempre planejada, sem (URWICK, 1943). O modelo japonês de
improvisações (URWICK, 1943). autogestão soaria absurdo diante deste princí-
Ao se preocupar em definir o papel do líder, pio.
Urwick deu o primeiro passo em direção à
estrutura informal, que, na prática, é que produz IDENTIDADES:
qualidade nas organizações. Logo ele, que Urwick pode ter sido o precursor do modelo
enunciara um princípio que enfatiza a oficializa- administrativo que divide funções em ativi-
ção de procedimentos e diretrizes de operação. dades de linha, de “staff” e funcionais. Esta
divisão é usada na definição dos ambientes
REFLEXOS NA GESTÃO DA QUALIDADE “in-line” e “off-line” (PALADINI, 1997).
A oficialização de atividades e de funções é
CONFRONTOS: sempre desejável. Segundo Urwick, “os deve-
O primeiro princípio de Urwick fixa um res, autoridade e responsabilidade de cada
modelo de especialização nas organizações. cargo e suas relações com os outros cargos
Segundo este postulado, quem exerce deter- devem ser definidos por escrito e comunica-
minada função deve ser especialista nela. Por dos a todos” (apud CHIAVENATTO, 1986).
via inversa, pode-se afirmar que o preenchi- A Gestão da Qualidade possui um projeto
mento de cada função só deve ser feito por formalizado e que exige esta definição de
uma única pessoa. Confirma-se, aqui, o velho forma clara e oficializada.
chavão da Administração Científica: a divi-
são especializada do trabalho. A Gestão da REFLEXOS NAS ESTRATÉGIAS E FER-
Qualidade rejeita este modelo, tendo em vista RAMENTAS DA GESTÃO DA QUALIDADE:
a integração de todos no processo produtivo e É possível que os reflexos dos princípios de
a responsabilização coletiva em preferência à Urwick em estratégias da Gestão da Qualidade
individual. sejam mais visíveis pelo seu aspecto negativo.
A idéia de que seja necessário uma linha de Analisando-se os confrontos listados, pode-se
autoridade claramente definida está mais reformular os quatro princípios como segue: (1)
184 Paladini – As Bases Históricas da Gestão da Qualidade
todas as atividade devem ser conhecidas por compreensão da própria Gestão da Qualidade
todos. Detalhes técnicos podem ser repassados pela análise dos fundamentos de políticas,
em treinamentos, dirigidos a quem vai desempe- diretrizes, técnicas e ferramentas por ela
nhá-los; (2) deve haver um fluxo de funções e utilizadas e, simultaneamente, garante meios
atividades a desempenhar (com as respectivas para a correta aplicação de mecanismos
responsabilidades) claramente definido na orga- importantes no processo de gestão. Com efeito,
nização; (3) cada subordinado deve conhecer assim como são nocivos os resultados do
suas atividades e depender o menos possível de emprego de conceitos incorretos da qualidade, é
seu gerente e (4) a estrutura de funções e igualmente prejudicial o emprego de técnicas
responsabilidades deve ser claramente definida e inadequadas às diversas situações em que se
oficializada. observa o esforço pela qualidade.
Urwick tinha as mesmas preocupações que O esforço para corrigir conceitos incorretos
outros teóricos da Escola Clássica e investia na da qualidade, sobretudo em termos de sua apli-
especialização e nas relações fortes entre cação prática, pode determinar a minimização de
autoridade e subordinados. As estratégias atuais uma das causas mais conhecidas que contribuem
da Gestão da Qualidade não parecem enfatizar para o fracasso de programas da qualidade
estes aspectos. Já a oficialização das funções é implantados nas organizações. De fato, o uso
um elemento importante na Gestão da Qualidade incorreto de ferramentas gera frustrações e perda
– e este é um mérito do modelo de Urwick. da expectativa positiva de resultados que tais
Paradoxalmente, Urwick introduziu conceitos programas podem gerar. O emprego de conceitos
em direção às estruturas informais da qualidade. incorretos cria referenciais equivocados para
Sua definição de líder produz um primeiro ações e decisões. E, tudo somado, cria-se um
elemento no perfil do gerente da qualidade que clima que tende a comprometer, de forma
talvez se pudesse chamar de “ideal”: o conheci- irremediável o programa como um todo.
mento e sua identificação pessoal com a Ao apelar para identidades, confrontos e
empresa. De fato, pode-se afirmar que o gerente reflexos das escolas clássicas da administração
da qualidade deve ser alguém que tenha a cara sobre a gestão da qualidade, procurou-se utilizar
da empresa. O passo seguinte envolve repassar conceitos conhecidos para garantir a correta
informações aos subordinados para fazê-los compreensão de noções deles decorrentes ou por
trabalhar num modelo perfeitamente adequado eles afetadas. Além de concluir pela utilidade
ao que deles se espera. Urwick sugere, também, deste processo em si, este artigo aponta para
como o gerente da qualidade deve atuar: “de outras conclusões em termos do estudo feito.
forma sempre planejada, sem improvisações”. É Nota-se, por exemplo, que a Gestão da Qua-
possível que ele tenha definido um elo de lidade formulou seu modelo básico considerando
ligação entre a Escola Clássica e a Escola o próprio desenvolvimento das escolas clássicas
Humanística, que se seguira e surgiria em da administração. Nelas ela aprendeu o que fazer
oposição a ela. e como fazer; o que evitar; a que atribuir
relevância e o que desconsiderar. Este arcabouço
7. Conclusões histórico foi, sem dúvida, uma vantagem
fundamental para a Gestão da Qualidade.
modelo gerencial tendo em vista os princípios de hoje, contudo, esta integração é fundamental
Urwick. para a qualidade.
Em outros casos, a Gestão da Qualidade Concluir que as bases da Gestão da Qualida-
buscou nas posições de confronto um referencial de residem na Ciência da Administração, em
para suas próprias estratégias. Diante da visão seus vários estágios de desenvolvimento, é um
simplificada que a Administração Científica elemento vital para sua própria consolidação. E
tinha dos recursos humanos nas organizações, para torná-la uma ciência. Além, é claro, da
foram propostas estratégias abrangentes de utilidade prática de utilizar-se estas bases
envolvimento, que resultaram num processo de históricas para resolver problemas atuais.
integração amplo e complexo. Como se percebe
Referências Bibliográficas
CARAVANTES, G.; CARAVANTES, C. & GIL, A.L.: Qualidade Total nas Organizações. Atlas,
BJUR, W.: Administração e Qualidade. Makron São Paulo, 1992.
Books, São Paulo, 1997. GILBRETH, F.B.: Primer of Scientific Management.
CERQUEIRA NETO, E.P.: Ambiente da Qualidade Easton. Hive Publishing, 1985.
Total. Pioneira, São Paulo, 1995. HAYS, D.W.: “Quality Improvement and its Origin
CHIAVENATTO, I.: Introdução a Teoria Geral da in Scientific Management”. Quality Progress,
Administração. Editora McGraw Hill do Brasil, May 1994. p. 89-90.
1986. MOTTA, F.C.P.: Teoria Geral da Administração.
EMERSON, H.: The Twelve Principles of Efficiency. São Paulo, Pioneira, 1989.
New York, D. Van Nostrand, 1912. PALADINI, E.P.: Qualidade Total na Prática. 2ª ed.,
FAYOL, H.: Administração Industrial e Geral, São São Paulo, Atlas, 1997.
Paulo, Atlas, 1954. PALADINI, E.P.: Gestão da Qualidade no Processo.
FLEURY, M.T.: O desvendar a cultura de uma São Paulo, Atlas, 1995.
organização. In: FLEURY, M.T.; FISCHER, SHEWHART, W. & DEMING, W.E.: Statistical
R.M.: Cultura e Poder nas Organizações. São methods from the viewpoint of quality control
Paulo, Atlas, 1989. improvement. Washington Graduate School.
FLEURY, A.C.C. & FLEURY, M.T.: Aprendizagem e Department of Agriculture, 1939.
Inovação Organizacional. São Paulo, Atlas, 1995. TAYLOR, W.: Shop Management. New York, Harper
FORD, H.: Minha Vida e Minha Obra. New York, D. & Bros, 1903.
Van Nostrand, 1940. URWICK, L.F.: The Elements of Administration.
New York, Harper & Bros, 1943.
186 Paladini – As Bases Históricas da Gestão da Qualidade
Abstract
This paper shows how Quality Management, as we understand it today, has used the main concepts
of fundamental management approaches. Here the impact of Classical Management Theory on
Quality Management is considered. This analysis allows us to understand correctly the main concepts
of Quality Management, as well as its main tools, in order to guarantee their correct application.
Key words: quality management; classical management approaches; influences and consequences.