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AS BASES HISTÓRICAS DA GESTÃO DA

QUALIDADE: A ABORDAGEM CLÁSSICA


DA ADMINISTRAÇÃO E SEU IMPACTO
NA MODERNA GESTÃO DA QUALIDADE

Edson Pacheco Paladini


Departamento de Engenharia de Produção e Sistemas
Universidade Federal de Santa Catarina
CP 476 – 88040-970 – Florianópolis – SC
v.5, n.3, p. 168-186, dez. 1998 email: paladini@iaccess.com.br

Resumo

Este artigo mostra como a Gestão da Qualidade, tal qual conhecemos hoje, embasou seu
desenvolvimento em escolas fundamentais da Administração. Em particular, enfoca-se aqui a Escola
Clássica, suas identidades e confrontos com a Gestão da Qualidade e seus reflexos nas suas
principais ferramentas. Esta análise permite entender o verdadeiro alcance de conceitos e estratégias
da Gestão da Qualidade, garantindo assim sua correta aplicação.

Palavras-chave: gestão da qualidade; abordagem clássica da administração; influências e reflexos.

1. Introdução A observação prática mostra que são muitas


as causas que conduzem ao insucesso de

E ste artigo parte do pressuposto básico que a


prática dos últimos 10 anos tem se
encarregado de ensinar a quem atua na área de
programas da qualidade nas organizações. E
evidencia, também, que a maioria delas está
associada ao desconhecimento, em graus
Gestão da Qualidade. Esta hipótese é de variados de intensidade e alcance, dos conceitos
formulação simples e envolve uma questão que embasam a qualidade ou das idéias e
fundamental: por que fracassam os programas da noções que fundamentam as ferramentas e as
qualidade quando implementados em organiza- estratégias mais comuns do processo gerencial
ções industriais e de serviços? da qualidade.
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Esta restrição é mais visível em agentes de didáticos bem conhecidos. Solicita-se que esta
decisão – sobretudo, aqueles com funções de restrição, propositadamente assumida por razões
gerência. E também mais crítica nestas áreas, de fidelidade a posições originais dos autores,
responsáveis pelo planejamento tático das seja considerada.
organizações, que significa, em última análise, o O artigo enfatiza as práticas organizacionais.
gerenciamento do dia-a-dia da empresa. Por isso, utilizou-se autores que investem na resenha
Neste contexto, uma constatação prática tem destas estratégias no âmbito das escolas estudadas.
sido feita. Em geral, estes profissionais conhe- De certa forma, a Abordagem Clássica da
cem, por sua formação básica, os modelos clás- Administração surgiu como uma tentativa de
sicos da Administração. Mas não os associam organizar as empresas que, a partir exatamente
aos processos gerenciais em que se envolvem. da Revolução Industrial, vinham crescendo desor-
Tendo em vista esta hipótese e esta constata- denadamente. A idéia original era conferir uma
ção, desenvolveu-se a seguinte estratégia para abordagem científica à administração, até então
tentar minimizar a causa básica apontada para o empírica e improvisada. Havia, também, neste
fracasso dos programas da qualidade: utilizar período, preocupação com eficiência e produti-
escolas clássicas da administração como fonte e vidade, considerando-se, sobretudo, a racionali-
referência histórica para a moderna gestão da zação dos recursos da empresa. Supunha-se que
qualidade (por moderna, aqui, entende-se a estes seriam objetivos que se poderia alcançar
forma como a gestão da qualidade é entendida como decorrência da melhor organização.
hoje, certamente de modo muito diferente em Compõem a Abordagem Clássica da Admi-
relação à década de 60). Por partir de conheci- nistração duas grandes correntes: a Administra-
mentos de domínio público, este processo ção Científica (Taylor) e o enfoque anatômico
facilita um melhor entendimento dos conceitos (Fayol). Além destas correntes, há outros traba-
que sustentam a gestão da qualidade, podendo-se lhos relacionados a esta abordagem, que apre-
garantir, com isto, aplicação mais adequada de sentam contribuições relevantes para a formula-
suas ferramentas e estratégias. ção do modelo de gestão para a organização como
A idéia de associar a gestão da Qualidade um todo, que foi estruturada nesta abordagem.
com escolas clássicas da administração não é Mas, para efeito de seleção de referenciais, esta
nova nem inédita. No Brasil, autores como GIL postura tem sua razão de ser, já que a meta é
(1992); CERQUEIRA NETO (1995) ou CARA- encontrar identidades e confrontos entre a gestão
VANTES et al. (1997) já mostram claramente da qualidade e posturas clássicas das teorias da
que esta relação existe, até por imposição natural administração.
do desenvolvimento gerencial. Textos clássicos Neste texto, define-se Gestão da Qualidade
de Engenharia de Produção no Brasil, como como sendo o conjunto de estratégias que, orga-
FLEURY (1989) e FLEURY & FLEURY nizadamente desenvolvidas, visam produzir
(1995) também mostram evidências na mesma qualidade em processos, produtos e serviços.
direção. O presente trabalho pretende apenas
contribuir para uma análise mais abrangente da 2. A Gestão da Qualidade e a Administração
questão, oferecendo novos ângulos de análise. Científica
Este estudo envolveu várias escolas da Histó-
ria da Administração. Neste artigo, somente o
impacto da abordagem clássica sobre a gestão da
qualidade será discutido.
O Movimento de Administração Científica
utiliza-se de algumas noções básicas que
sustentam os mecanismos de gestão. Pode-se
É extremamente importante observar que, identificar alguns conjuntos de referenciais que a
para garantir fidelidade aos textos clássicos, o Administração Científica formulou e utilizou
artigo utilizou como referência alguns textos para fundamentar suas propostas.
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O primeiro destes conjuntos, e talvez o mais decisões referentes à otimização do processo


conhecido, parte da idéia de que o homem é um produtivo, quase fazendo com que a função
ser essencialmente racional. Quando se defronta única do administrador seja selecionar a maneira
com uma decisão a tomar, o homem tende a certa de executar cada atividade (segundo
conhecer todas as possibilidades de ação Taylor, esta maneira é única). A idéia de que
disponíveis e as conseqüências que cada uma existe um padrão para cada operação e, portanto,
delas gera. Desta forma, o decisor pode uma única maneira correta de executá-la,
selecionar a melhor alternativa, conseguindo os pressupõe a identificação de alguém que a
melhores resultados de sua decisão. execute. Nasce a idéia de que existem pessoas
A Administração Científica considera cada ideais para cada tipo de atividade. Seria, no caso,
decisão como motivada por elementos econômi- o operador-padrão, que deve ser considerado
cos. Todos os benefícios, diretamente ou como base para o estudo do desempenho de
indiretamente, sempre acabam redundando em todos os demais operadores.
lucros. Neste sentido, os valores do homem Uma vez fixados os padrões de produção, o
sempre têm base econômica. passo seguinte visa garantir seu alcance. A Esco-
Como se percebe, a Administração Científica la Clássica sugeria, para tanto, a seleção, o trei-
traça um modelo muito elementar do homem e, namento, o controle por supervisão e o estabele-
por extensão, da natureza humana. Com esta cimento de um sistema de incentivos (MOTTA,
simplificação, esta escola procedeu rápida 1989). Pela seleção, determinavam-se aqueles
edificação de uma teoria da administração. De que eram hábeis o suficiente para desempenhar
fato, se os objetivos do ser humano estão já certas funções; a eles seriam conferidos trei-
definidos, e, ao mesmo tempo, convergem namento para que fossem realizadas operações
sempre para uma mesma direção, qualquer ação simples, uma vez que havia padronização do
que vá ao encontro delas está com seu sucesso trabalho. O controle não incluía procedimentos
garantido. que conferissem resultados, mas procurava
Interessante notar que, apesar de simplista, a supervisionar o processo como um todo.
proposta de Taylor tem larga aceitação até O terceiro conjunto de referenciais envolvia o
nossos dias. próprio papel da administração. Segundo esta
Um segundo conjunto de referenciais impor- abordagem, o principal objetivo da administra-
tantes pelo qual se guia a Administração ção seria assegurar o máximo de prosperidade ao
Científica refere-se ao processo de desenvolvi- dono da empresa, e, ao mesmo tempo, o máximo
mento do trabalho. A idéia aqui também é de vantagens materiais ao operário. Tentava-se
simples: em qualquer situação, existe uma única criar, portanto, perfeita identidade de interesses
maneira certa de executar qualquer operação. Se de empregados e patrões.
esta maneira for descoberta e implantada, estará É interessante notar, nos princípios de Taylor,
garantida a máxima eficiência do trabalho. como funcionam as relações entre a empresa e
Taylor, expoente máximo desta abordagem, seus empregados (CHIAVENATTO, 1986): (1)
admitia a execução de várias experiências para atribuir a cada trabalhador a tarefa mais elevada
definir a forma mais racional de desenvolver possível, conforme suas aptidões pessoais
determinada atividade. Relata-se, por exemplo, (seleção científica do trabalhador); (2) exigir de
um experimento envolvendo vários movimentos, cada trabalhador uma produção sempre igual ou
sendo a duração de cada um medida com maior ao padrão estabelecido (tempo padrão) e
precisão, até que se encontre a maneira mais (3) conferir remuneração em relação a cada
rápida de executar a tarefa (MOTTA, 1989). unidade produzida. A remuneração será maior
Este raciocínio, igualmente simplificado, para aqueles que alcançarem – e superarem – o
reduz o processo de gestão a um conjunto de padrão estabelecido.
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A Administração Científica iniciou a análise te, o recurso melhor adaptado a cada tarefa e
do trabalho e, em particular, o estudo dos tempos garantir sua melhor execução. No caso dos
e movimentos. Neste contexto, procurou-se recursos humanos, oferecer a cada operador
detalhar o trabalho para otimizá-lo a partir de instruções técnicas sobre sua atividade (trei-
cada movimento elementar. Sempre com a meta ná-los adequadamente);
de obter o maior rendimento, com o mesmo 3. Ação com base técnica: evitar procedimentos
custo e esforço. baseados em critérios que sejam específicos a
A proposta de Taylor era interessante na certos recursos, ou confiados improvisada-
medida em que buscava uma identidade entre mente a eles, buscando ações técnicas, basea-
interesses de operários e patrões. Para os das em procedimentos científicos.
primeiros, prometia-se vantagens financeiras sob Outros princípios operacionais da Adminis-
forma de salários e benefícios; para os segundos, tração Científica são os seguintes: analisar cada
vantagens sob forma de redução de custos e atividade antes de fixar seu padrão de operação;
aumento da produtividade. eliminar ou reduzir movimentos inúteis, além de
CHIAVENATTO (1986) enumera várias aperfeiçoar e racionalizar os movimentos úteis; e
vantagens do controle dos tempos e movimentos. dividir as atividades em duas fases: preparo e
Este controle elimina movimentos inúteis, desenvolvimento. A cada fase, conferir carac-
substituindo-os por outros, mais eficazes; torna terísticas precisas e delimitadas; estabelecer
mais eficaz e racional a seleção e treinamento do prêmios e incentivos a serem conseguidos
pessoal; possui uma base segura para melhorar a quando se atingirem determinados alvos e
eficiência do trabalho e, conseqüentemente, o prêmios e incentivos maiores, para quando os
rendimento da produção; distribui uniformemen- padrões forem ultrapassados; dividir com todos
te o trabalho, para que não haja períodos de falta os bons resultados (empresa, trabalhadores e
ou excesso de atividade; apresenta uma base consumidores); facilitar o uso dos recursos, por
uniforme para a fixação de salários eqüitativos e exemplo, classificando equipamentos, processos,
para que sejam concedidos prêmios por aumento informações ou materiais a serem utilizados ou
de produção; e permite o cálculo mais preciso do produzidos.
custo unitário e do custo global dos produtos. Taylor tinha uma visão muito simplificada e
Taylor buscava substituir a ação improvisada imediatista do processo produtivo mas, ao
pela ação científica. Isto era visível na seleção e mesmo tempo, prática e objetiva. Isto fica
formação de operários, na tentativa de gerar um evidente quando ele enuncia seus elementos de
modo técnico de desenvolver o trabalho; nos aplicação da Administração Científica, que
mecanismos básicos de divisão do trabalho e das envolvem aspectos como a utilização da régua
responsabilidades. Neste contexto, a Adminis- de cálculo e instrumentos semelhantes para
tração Científica formulou princípios gerais para economizar tempo; o emprego de fichas com
definir o papel do gerente. Fundamentalmente, instruções de serviço; esquemas práticos para a
estes eram os princípios: classificação tanto dos produtos acabados quanto
1. Ação sobre o processo: as atividades devem do material envolvido na fabricação, etc.
ser controladas sempre em regime de con- Na maioria dos casos, entretanto, nota-se a
fronto com padrões. Espera-se da gerência preocupação permanente de Taylor com o
cooperação para o sucesso do esforço de componente econômico dos sistemas produtivos.
atingir e superar tais padrões; Esta ênfase está presente em elementos como
2. Ação sobre os recursos: associar, a cada prêmios e benefícios financeiros associados à
recurso, a ação que lhe compete, garantindo correta execução das atividades; a gratificação
perfeita disciplina e capacidade de controle diferenciada por atividade e responsabilidade;
sobre tais recursos. Selecionar, cientificamen- sistema de delineamento da rotina de trabalho
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voltado para a minimização de custos e até esta situação pela natureza dos problemas que
mesmo mecanismos de cálculo de custo. Esta interessam ao economista. De fato, traba-
visão está presente em estudos de tempos e lhando apenas com o componente econômi-
movimentos (prioridade permanente à minimi- co, os economistas investem em valores de
zação de custos; procedimentos de supervisão ordem econômica e os consideram mais
funcional voltados para a eficiência máxima do relevantes que os demais. A visão administra-
processo; padronização de ferramentas e tiva é mais ampla do que a econômica e
dispositivos de fabricação. utiliza uma escala de valores muito mais
Os princípios que Taylor adotou para concili- abrangente (Note-se: historicamente, a come-
ar os interesses entre empregadores e emprega- çar por Adam Smith, a abordagem econômica
dos originaram muitos problemas. Atualmente, sempre procurou traçar análises amplas do
há quem afirme que estes princípios foram a processo produtivo, envolvendo inclusive a
causa de distorções na aplicação dos dispositivos administração. Isto parece ser um esforço
gerenciais de Taylor. A suposição de que o para reduzir a limitação da visão econômica
operário se move apenas incentivado por como única possível na retribuição do traba-
benefícios materiais, porém, continua como o lho, por exemplo). Além disso, tratam com
maior equívoco da teoria. problemas que, com freqüência, envolvem
Estas idéias geraram importantes reflexos na caráter que não é de natureza econômica
área de gestão da qualidade, como se verá a (pelo menos, expresso de forma direta). Se os
seguir. responsáveis pela Gestão da Qualidade
tratarem seus subordinados tendo em vista
REFLEXOS NA GESTÃO DA QUALIDADE apenas este componente, terão uma visão
distorcida da realidade em que estão inseridos
CONFRONTOS: e poderão tomar decisões francamente dano-
O modelo básico de Gestão da Qualidade sas para a organização.
hoje em uso tende a rejeitar a visão simplifi- Dificilmente a idéia de Taylor de que o
cada do homem que a Administração Cientí- homem poderia talvez ser “pré-programável”
fica propõe. A idéia do incentivo básico (por (talvez mais decorrente da implantação do
exemplo, financeiro) está, entretanto, conso- modelo do que do pensamento de um autor
lidada como mecanismo de motivação. Há como Taylor) seria acatada pela moderna
duas características fundamentais associadas Gestão da Qualidade. A noção de que o
a este mecanismo, que devem ser considera- homem tem valores prefixados e que por isso,
das: (1) os reflexos deste tipo de incentivo pode-se conhecer antecipadamente como ele
são imediatos, visíveis e envolvem pronta reagirá em determinados casos, não é aceita.
resposta, a curto prazo, porém, (2) tratam-se Isto facilitaria as relações com os operários
de resultados pouco consistentes, que trazem de uma fábrica, mas conduziria à acomoda-
contribuição restrita e limitada para a organi- ção e à redução do processo de gestão a um
zação; simples conjunto de movimentos ação-
A noção de homem econômico pode ser reação, ambas definidas e conhecidas. Seria
prejudicial em muitos casos à Gestão da simplista demais.
Qualidade. Considere-se, por exemplo, que a Um exemplo em que se notam diferenças
idéia do homem econômico foi melhor utili- consideráveis entre a Administração Científi-
zada pelos economistas do que pelos admi- ca e a Gestão da Qualidade pode ser obtido
nistradores (A Lei de Oferta e Procura, por analisando-se a Lei da Fadiga, citada por
exemplo, se baseia na figura do homem Taylor (TAYLOR, 1903). Segundo esta lei,
econômico (MOTTA, 1989)). Justifica-se há uma relação inversa entre a carga levanta-
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da e o tempo em que é suportada. Há, aqui, coletivas que se confere hoje no esforço pela
três equívocos básicos: (1) as pessoas são qualidade. Admite-se que o principal elemento
todas iguais; (2) a fadiga só depende de de avaliação do recurso humano na organiza-
condicionamento físico; (3) as pessoas atuam ção é sua contribuição para o processo como
da mesma forma em uma dada situação. Estes um todo, mais do que sua ação isolada e
equívocos derivam da forma tradicionalmente individual, que, com estas características,
simplista com que Taylor tratava os recursos torna-se quase sempre limitada e restrita.
da organização como um todo - aí incluídos
os recursos humanos. Se desconsiderar-se IDENTIDADES:
estes aspectos, pode-se pensar que existe um Alguns autores defendem a idéia de que a
tempo ótimo para executar qualquer ativida- Administração Científica e os mecanismos de
de. Uma vez determinado cada um destes melhoria da qualidade partilham dos mesmos
tempos, estará definida a forma correta de objetivos. De fato, a Administração Científica
execução de determinado trabalho. A partir se desenvolveu a partir da necessidade de
daí, ter-se-á um conjunto de movimentos e incrementar a produtividade em função, entre
tempos considerados como padrões. Ao outros fatores, da carência de mão-de-obra no
operário caberia, apenas, realizar a atividade início do século 20. Taylor, de certa forma,
na forma prescrita e sem discussão. Taylor falava em excelência em cada ramo da indús-
considerava que, desta forma, a Administra- tria. Atribuía, neste esforço em busca da
ção Científica substituía o antigo sistema de excelência, papel fundamental à gerência. Por
administração por iniciativa e incentivo. Para isso, a Administração Científica (daí o nome,
ele, este sistema envolvia perda de produtivi- inclusive) considera a administração, antes de
dade, com prejuízo para a empresa, para a tudo, uma ciência, mais do que um conjunto
sociedade como um todo e para o próprio de atividades empíricas. O estudo de tempos e
operário (MOTTA, 1989). A Gestão da movimentos foi uma tentativa de sistematizar
Qualidade rejeita esta noção de igualdade e a atividade gerencial. Neste contexto, Taylor
uniformidade. É evidente que há de se obser- priorizou a produtividade e, para tanto, suge-
var que esta lei não chega a ser fundamental riu uma “estabilização” global do processo
para a adoção do modelo de Taylor e que ela produtivo. É possível que seu erro capital
deveria ser considerada dentro de seu contex- tenha sido imaginar que os recursos humanos
to histórico. eram recursos como outros quaisquer neste
Taylor dividia o trabalho a ser feito em duas esforço de estabilização. Mas não há dúvida
partes: planejamento a cargo da gerência e de que o empenho pela estabilização do
execução a cargo dos operários e de seus processo é um dos pilares da qualidade.
superiores operacionais. As bases da gestão A Gestão da Qualidade sempre priorizou a
participativa trabalha com esta divisão de ação do gerente. Taylor também ampliou a
uma forma diferente, evitando externalizar o importância do administrador. De fato, com a
planejamento ao homem. Administração Científica, a figura do gerente
A Administração Científica encara os recur- passou a ser fundamental, na medida em que
sos humanos como elementos individuais e a ele cabia planejar, de modo bem definido,
prioriza o esforço feito por cada um deles. Há como cada operador participaria da execução
dois confrontos com a Gestão da Qualidade de cada operação na fábrica. De certa forma,
aqui: o primeiro de natureza geral – o homem há identidade com a Gestão da Qualidade em
é um ser social por excelência. A Gestão da termos de importância conferida à figura do
Qualidade mais do que aceita – tira partido gerente, embora por razões diferentes.
deste fato. O segundo é a prioridade às ações
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A idéia de otimização do trabalho conduz à cava que a determinação destes elementos


noção de padrão – tanto para operações poderia ser um processo sem fim. Gilbreth
quanto para o desempenho dos operadores. A escreveu que a implantação da Administração
noção de padrão conduz aos mecanismos de Científica é um “processo permanente, sem
avaliação para defini-los e determinar se fim” (GILBRETH, 1985).
foram alcançados. Esta atividade só pode ser A Administração Científica fundamentou-se
adequadamente executada se houver uma em um esquema de identidade de objetivos,
base objetiva para ambos os casos – estrutu- baseada na certeza de que há um único e
ração e análise. Está caracterizada a raiz da comum interesse para o empresário e para o
prioridade que se confere aos mecanismos empregado. O sucesso do empregador não se
objetivos de fixação e acompanhamento de consolida se não for acompanhado da prospe-
padrões. É evidente que, no caso dos opera- ridade do empregado. A relação inversa é
dores-padrão, esta avaliação é mais complexa também real. A Gestão da Qualidade investe
do que no caso das operações-padrão. pesado na busca de objetivos idênticos entre
Por outro lado, a preocupação com a pessoas, setores e alta administração. No caso
otimização do processo está presente hoje na da Administração Científica, esta identidade
Gestão da Qualidade. Esta preocupação tem de objetivos determina alto grau de eficiência
suas raízes nas bases da Administração e de produtividade; na Gestão da Qualidade,
Científica. Mas cabe notar que, em todos os evita conflitos prejudiciais à organização.
métodos de gestão, a otimização do processo
é uma etapa de um processo mais amplo; às REFLEXOS NAS ESTRATÉGIAS E FER-
vezes, um meio para atingir determinado fim. RAMENTAS DA GESTÃO DA QUALIDADE:
Isto mostra que a Administração Científica São muitas as restrições à teoria da Adminis-
ofereceu contribuições para um modelo tração Científica. Elas começam, talvez, na falta
administrativo que, na verdade, é muito mais de sustentação científica, algo que seria
amplo do que foi concebido originariamente. essencial, já que Taylor pretendia transformá-la
Esta análise mostra uma conclusão importan- em ciência, embora nunca tenha apresentado
te: a Administração Científica forneceu as comprovação científica das suas afirmações,
bases para a Gestão da Qualidade em aspec- elementos e princípios. Outro ponto a considerar
tos como motivação e racionalização dos é a visão incompleta da organização, restrita à
processos produtivos. Mas, em ambos os sua estrutura formal, sem se considerar a
casos, estas bases mostraram-se insuficientes. organização informal, base da cultura da
Os mecanismos de motivação evoluíram para empresa, elemento fundamental para a qualida-
formas muito mais abrangentes do que sim- de. A simplificação da análise da organização é
ples retribuição financeira e a racionalização outro elemento crítico a considerar. A Adminis-
do processo redirecionou-se inteiramente tração Científica parece centrada na visão de
para focar sua atenção em ambientes e ele- fábrica, na empresa em si e, segundo alguns
mentos tão amplos como o pleno atendimento autores, considera a cultura do ambiente de onde
a clientes e consumidores. provém os operários de forma pouco enfática
A idéia de melhoria contínua, típica da (uma constatação feita por um autor de sugestões
qualidade total, está presente nas bases da a este artigo afirma, com razão, que se a cultura
Administração Científica. Note-se que, ainda local não fosse considerada a abordagem teria
que Taylor baseasse toda sua filosofia de morrido). Por outro lado, a Administração
trabalho em padrões, e afirmasse mesmo que Científica traçou um perfil da “qualidade
havia elementos que determinavam a maneira in-line”, um conceito só definido 50 anos mais
ótima de desenvolver o trabalho, ele especifi- tarde.
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Entre acertos e erros, vantagens e benefícios, as árvores de decisão ou o estudo de histo-


é inegável que a Administração Científica teve gramas de defeitos (PALADINI, 1995). De
fortes reflexos na Gestão da Qualidade, como se certa forma, todas estas ferramentas buscam
observa na análise dos elementos a seguir. desmembrar causas gerais em causas mais
Se existe um conjunto de ferramentas da específicas. Nestas causas menores, mais
qualidade diretamente afetado pela Adminis- simples, pode-se impor comportamentos que
tração Científica este conjunto é, sem dúvida, geram maior uniformidade do processo como
formado pelos gráficos de controle. Este um todo. Igual procedimento era adotado pela
impacto possui compreensíveis razões histó- Administração Científica. De fato, as idéias
ricas: Walter Shewhart desenvolveu seus pri- básicas da Administração Científica (e da
meiros gráficos na década de 20, na Western Escola Clássica como um todo) em relação à
Electric Company, quase na mesma época em estrutura da organização envolvem os seguin-
que Taylor havia lançado os fundamentos da tes aspectos (CHIAVENATTO, 1986): (1)
Administração Científica (SHEWHART et al., quanto mais dividido for o trabalho em uma
1939). Shewhart usou recursos estatísticos organização, mais eficiente será a empresa;
para desenvolver seus gráficos de controle e (2) quanto mais o agrupamento de tarefas em
teve seu trabalho reconhecido exatamente por setores, áreas ou departamentos, for feito,
um dos grandes expoentes da Administração segundo critérios de similaridade de objeti-
Científica, Frank Gilbreth. Em 1923, Gilbreth vos, mais eficiente será a empresa; (3) um
afirmou que “o estudo da estatística em pequeno número de subordinados para cada
gráficos de controle se constitui em cuidado- chefe e um alto grau de centralização das
sa investigação do passado de processos decisões, de forma que o controle possa ser
produtivos, cujo presente permite prever o cerrado e completo, tenderá a tornar as orga-
futuro” (GILBRETH, 1985:1-7). Gilbreth nizações mais eficientes. Nota-se, aqui, a
utilizou-se dos gráficos de Shewhart para tendência de trabalhar com etapas extrema-
desenvolver estudos referentes à determina- mente simples de trabalho, com ações uni-
ção do nível de qualidade de processos indus- formizadas e centralizadas. Ainda que o
triais. Além desta identidade histórica, há terceiro item seja discutível pelo aspecto
identidades conceituais entre a Administração concentrador, é bastante visível que a estraté-
Científica e o controle de processos. Como se gia da Administração Científica era a de
sabe, Shewhart fundamentou todo o seu pulverizar as operações em passos extrema-
trabalho no controle das causas das variações mente simples que, ao se desenvolverem de
dos processos, buscando eliminá-las sempre forma repetitiva, não pudessem gerar desvios.
que essas causas determinassem variações A Administração Científica aparece, portan-
julgadas inaceitáveis (HAYS, 1994). Esta to, na raiz de muitas ferramentas modernas da
estabilidade do processo foi uma das bases da Gestão da Qualidade.
Administração Científica. Os mecanismos da chamada abordagem clás-
O controle das variações é uma preocupação sica da motivação vêm, em grande parte, da
de várias outras áreas da Gestão da Qualidade. Administração Científica. Como se sabe, esta
McCooler, por exemplo, afirma que as ferra- abordagem está fundamentada em ações
mentas básicas da Qualidade Total envolvem, aplicadas diretamente aos responsáveis pelos
fundamentalmente, a eliminação de todas as serviços (PALADINI, 1995): inicialmente,
causas de variações inaceitáveis nos proces- confia-se à gerência a função de promover
sos produtivos (apud HAYS, 1994). A deter- contatos diretos com seus subordinados e
minação destas causas está presente em mostrar a eles, o prejuízo da má qualidade.
ferramentas como os diagramas de Ishikawa, Neste contato deve ser destacado o custo de
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matérias-primas e operações realizadas, entre Há uma identidade considerável entre os


outros custos nos quais se incorre quando há objetivos básicos do controle da qualidade e a
rejeições de produtos. Ao gerente exige-se Administração Científica. Como se sabe, o
que mostre, aos funcionários, os reflexos da controle da qualidade investe, em grande
má qualidade para a empresa (reclamações, escala, na prevenção de defeitos. Esta preo-
devoluções, perda pura e simples de clientes cupação com mecanismos preventivos estava
e a queda nas vendas) e para o empregado presente nas bases da Administração Científi-
(perda de promoção, descontos de salários e, ca. Gilbreth, por exemplo, afirmava que
até, demissão). Espera-se que os gerentes res- “erros devem ser prevenidos muito antes de
ponsabilizem os empregados por erros e faltas serem corrigidos apenas” (GILBRETH,
e informem a eles que serão utilizadas ações 1985). Esta preocupação com os erros e
corretivas para eventuais erros. A abordagem falhas está presente em todas as estratégias do
clássica da motivação coloca em evidência Controle da Qualidade e integrava as bases da
bons e maus empregados. No primeiro caso, Administração Científica. Note-se, ainda, que
por processos de premiação e ampla divulga- se busca enfatizar, na Gestão da Qualidade, a
ção dos prêmios recebidos; no segundo, por diferença entre a inspeção propriamente dita
um processo de acompanhamento intenso e e o controle da qualidade. Esta mesma preo-
constante. Nota-se, assim, que a abordagem cupação é notada pela idéia de que, mais
clássica da motivação faz valer a obediência e importante do que tratar homens doentes,
a disciplina, privilegiando a hierarquia formal cumpre zelar por sua saúde (GILBRETH,
da empresa. Há muitas identidades conceitu- 1985).
ais entre esta estratégia de motivação e os A Gestão da Qualidade convencional investia
mecanismos de implantação da Administração na superespecialização dos operadores de
Científica. Procedimentos típicos de implan- produção. Visando sempre a maior eficiência,
tação desta abordagem (ênfase à disciplina; a Administração Científica adotava igual
destaque à relação causa-efeito; apoio à estru- postura, indo um pouco além: sugeria a
tura formal; contato mais direto; boa divulga- divisão das operações em partes mínimas.
ção de informações; incentivo à especializa- Juntando os dois procedimentos, Taylor
ção e controle mais eficiente) são elementos enfatizava a idéia de que tarefas mais simples
que provêm quase que diretamente da escola (resultantes da pulverização da atividade
clássica da administração, como também dela produtiva) têm condições de ser mais bem
decorrem muitos de seus pontos negativos ensinadas. A competência do operador, neste
(motivação pela coação; indução pelo medo; contexto, é incrementada muitas vezes.
limitação da criatividade; preferência pela Taylor ainda destacava uma vantagem deste
hierarquia, não havendo chances iguais para processo: a normalização. Com atividades
todos; tendência à fraude e encobrimento de mais elementares, de fato, pode-se obter alto
erros e insatisfação gerada pela perspectiva grau de padronização no desempenho de
de punição). Há um aspecto importante a ser operação. Hoje, a Gestão da Qualidade não
considerado: já havia dúvidas, na Adminis- mais encara estes elementos como relevantes.
tração Científica, sobre a validade destes O operador multifuncional tende a ser mais
mecanismos: “No século XIX, a própria idéia útil no contexto dos sistemas integrados de
de demissão poderia ser suficiente para produção; a divisão das tarefas deve conside-
motivar, embora de forma negativa, a produ- rar, primeiro, sua relação de importância no
tividade do empregado, mas já no início do contexto do sistema como um todo e a nor-
século XX tornava-se necessário um sistema malização deve ser analisada num conceito
de incentivos positivos” (MOTTA, 1989). globalizado e não individualizado, de míni-
GESTÃO & PRODUÇÃO v.5, n.3, p. 168-186, dez. 1998 177

mas tarefas. Conclui-se que a Administração massa”. Para Ford, a produção em massa se
Científica teve impacto no modelo conven- baseia fundamentalmente na simplicidade. Para
cional de Gestão da Qualidade. Hoje este tanto, devem ser considerados alguns elementos
impacto é muito pequeno e serve, apenas, básicos:
para mostrar a evolução dos processos de 1. O processo produtivo é composto por
gerência da qualidade. CHIAVENATTO operações planejadas, ordenadas e contínuas.
(1986) aponta um dado importante: “A pro- 2. Não se deve conferir, ao empregado, a missão
posição de Taylor de que a eficiência admi- de fixar suas atividades nem de viabilizar
nistrativa aumenta com a especialização do recursos e decisões para executá-las. O
trabalho não encontrou amparo nos resultados trabalho deve ser confiado a ele quando
de pesquisas posteriores: qualquer aumento estiver inteiramente definido.
na especialização não redunda necessaria- 3. As operações, para serem corretamente
mente em aumento de eficiência”. executadas, devem ser decompostas em ações
elementares.
3. Os Princípios de Ford e as Bases da 4. Os mecanismos de desenvolvimento do
Produção em Série da Abordagem Clássica processo produtivo são eficientes exclusiva-
da Administração mente se puderem ser operados de forma
ritmada, coordenada e com a preocupação

H enry Ford (1863-1947) foi um dos impor-


tantes fundadores da abordagem Clássica
da Administração. Sua atividade profissional
constante de reduzir custos. Neste contexto,
pode-se pensar em aumentar a velocidade de
processamento.
iniciou-se como mecânico, atingindo, depois, o A produção em massa, segundo Ford, tende a
posto de engenheiro-chefe em uma fábrica. Em produzir efeitos positivos. Ford identificou os
1899, Ford fundou a primeira fábrica de auto- seguintes como os mais relevantes:
móveis, logo em seguida fechada. Mas seu esfor- 1. Prioridade ao controle de operações: muito
ço continuou e, logo após, criou a Ford Motor mais do que um controle em termos de recur-
Company que, em 1913, já fabricava quase 900 sos financeiros, o projeto administrativo de
carros por dia. No final da década de 20, suas 90 Ford priorizava o controle das atividades de
empresas empregavam 140.000 pessoas e fabricação. Ford entendia que era natural o
fabricavam dois milhões de carros por ano. envolvimento da administração neste esforço
Ford criou mecanismos interessantes de - com esta nova ênfase.
administração. Em 1915, por exemplo, ele 2. Prioridade à operação racional do homem: a
fundou o instituto do salário-mínimo; no ano atividade humana pode ser menos eficiente
anterior, havia criado a jornada diária de trabalho em determinadas ações do que a utilização de
(8 horas); desenvolveu um sistema de produção equipamentos. Por isso, em muitos casos, é
altamente concentrado vertical e horizontalmen- preciso substituir o homem pela máquina,
te, da matéria-prima ao produto acabado, e criou conferindo, a ele, atividades que requerem
um processo complementar da atividade mais raciocínio (isto em tese – Ford parece
industrial, com métodos de vendas diretas ao que nunca permitiu que seus operários pen-
cliente e assistência técnica ao consumidor. Este sassem).
conjunto de mecanismos, somado a alguns 3. Prioridade ao produto acabado: Ford
princípios operacionais, formam uma estrutura visualizava a relação entre processos e produ-
bem definida, que poder-se-ia chamar de tos e garantia que a repetibilidade do proces-
“projeto administrativo de Ford”. so gerava alto padrão de qualidade.
Um dos conceitos que sustenta este projeto é, 4. Prioridade aos procedimentos “científicos”
sem dúvida, o de produção em série ou “em de trabalho: Ford enfatizava o uso das ciên-
178 Paladini – As Bases Históricas da Gestão da Qualidade

cias mecânicas como suporte ao desenvolvi- japoneses, ao contrário, induzem seu operá-
mento de crescente variedade de máquinas de rios a pensar e a criar. Por isso, incentivam a
produção simples, que seriam utilizadas não criatividade. Associado com trabalho e disci-
apenas para agregar um grande número de plina, criaram o conceito de criatividade
operações similares, mas também substituir direcionada, bem conduzida e com resultados
operários, realizando atividades que requeri- predefinidos. Ford não admitia esta liberdade
am habilidade com alto grau de perfeição. de criação.
O projeto administrativo de Ford fica mais Ford parece ter aversão pela abordagem
explícito quando se considera seus três princí- participativa da administração. Ele parte do
pios básicos (CHIAVENATTO, 1986:44): (1) pressuposto que nenhum funcionário é com-
Intensificação: consiste em diminuir o tempo de petente o suficiente para definir o que pode
produção via utilização de equipamentos e ou deve (e o que não pode ou não deve)
matéria-prima, bem como a rápida colocação do executar. A Gestão da Qualidade rejeita tal
produto no mercado; (2) Economicidade: posicionamento.
consiste em reduzir ao mínimo o volume de Como outras doutrinas da Escola Clássica da
estoque da matéria-prima em transformação. Por Administração, Ford peca pela simplicidade
meio desse princípio, Ford gerou um sistema de com que analisa o processo administrativo. A
fluxo de recursos financeiros intenso: antes de Gestão da Qualidade comporta elementos que
vencer o prazo de pagamento de materiais a visão simplificada de Ford não contempla.
adquiridos ou antes de atingir a época de pagar O componente economicista do processo
salários, sua empresa já tinha recebido pelo (reduzir custos pura e simplesmente nem
produto acabado entregue, e (3) Produtividade: sempre significa agregar valor a processos,
consiste em aumentar a capacidade de produção produtos ou serviços), a visão disciplinadora
do homem no mesmo período, pela racionaliza- da ação do homem e a idéia de que o ritmo de
ção de suas atividades. produção é sinônimo de produtividade são
Neste último princípio, nota-se perfeita alguns equívocos, que exemplificam esta
identidade entre Taylor e Ford. De fato, trata-se maneira limitada de entender o processo de
da mesma idéia: o operário ganha mais, no gestão.
mesmo período de tempo, e fica feliz. Já o
empresário tem maior produção e também fica IDENTIDADES:
feliz. Ford fixou o princípio da simplicidade que é,
também, a base do sistema japonês de gestão.
REFLEXOS NA GESTÃO DA QUALIDADE De fato, todo o processo de gestão praticado
no Japão parece estar alicerçado numa única
CONFRONTOS: idéia: as coisas são simples, sempre simples -
Uma análise comparativa entre o modelo às vezes, escandalosamente simples. Assim,
japonês de qualidade e os princípios de Ford as soluções para os grandes problemas são
evidenciam diferenças e similaridades que simples. Complicar pode elevar custos e
parecem sugerir que o modelo japonês teve dificultar o alcance da solução do problema.
suas raízes calcadas nestes princípios. Os Os japoneses afirmam que, com trabalho,
próprios confrontos mostram que se procurou disciplina e criatividade, a solução para
evitar erros que Ford cometeu. Um confronto qualquer problema pode ser encontrada. Ford
bem evidente, neste sentido, pode ser identi- também enfatizava uma parte do processo –
ficado na questão da criatividade. Ford utili- trabalho e disciplina.
zava-se de princípios de disciplina e trabalho Ford privilegiava o processo planejado. Em
para evitar que as pessoas pensassem. Os particular, salientava a continuidade do
GESTÃO & PRODUÇÃO v.5, n.3, p. 168-186, dez. 1998 179

processo (ausência de interrupções) como Economicidade. De fato, já nesta época, Ford


meta deste planejamento. A Gestão da Quali- preocupava-se com a redução de estoques e o
dade tem idênticas preocupações, embora desenvolvimento de um modelo produtivo
confira prioridade relativamente menor: puxado pelo cliente. Uma frase típica de Ford:
considera-se a operação ótima global do “Extraímos a matéria-prima no sábado; na terça-
processo mais importante do que eventuais feira, o cliente já recebeu o carro” (FORD,
falhas localizadas. Paradas no processo, sob 1940).
certas circunstâncias, podem ser mais ade-
quadas ao processo como um todo do que 4. Os Princípios de Emerson: A Noção de
desenvolver operações que, mais tarde, Eficiência na Escola Clássica da
podem trazer danos a este mesmo processo Administração
(exemplo: aceitação de matérias-primas
pouco adequadas para não parar a fábrica,
embora, mais tarde, possam ser prejudiciais
ao produto acabado).
D iversos autores notam que Taylor priorizou
mais a filosofia da Administração
Científica (na sua visão, a essência do sistema),
Ford criou as bases para a automação, que exige uma revolução mental em nível de
mostrando sua utilidade em situações bem administração e funcionários. Já estes autores
específicas: existem critérios claros que notam também que a tendência de seus
mostram onde a máquina pode substituir o seguidores foi a de desenvolver uma preocupa-
homem com vantagem. ção maior com o mecanismo e com as técnicas
do que com a filosofia da Administração
REFLEXOS NAS ESTRATÉGIAS E FER- Científica (CHIAVENATTO, 1986).
RAMENTAS DA GESTÃO DA QUALIDADE: Um exemplo que sustenta esta análise pode
Os princípios de Ford estão na raiz de alguns ser obtido analisando-se o que Gilbreth descreve
mecanismos de melhoria da qualidade, como como “lei ou princípio da Administração
no caso dos pokaioke. Como se sabe, este Científica” que envolve o estudo de tempo; a
dispositivo visa prevenir a ocorrência de determinação de padrões de produção; o
erros na operação. A idéia é decompor a emprego de fichas de instrução; o uso de
operação em seus movimentos mais elemen- métodos funcionais para administração da
tares e muni-los de dispositivos que forcem fábrica; o emprego de métodos de pagamento
sua execução da maneira mais correta. por compensação e até mesmo medidas sutis
Alguns princípios de Ford são utilizados em destinadas a evitar a “cera” no trabalho. Como
modelos que analisam vantagens, viabilidade, descrito acima, Taylor incluíra estes aspectos no
conveniência e oportunidade de automatizar que ele chamou de “mecanismo de aplicação da
operações do processo produtivo. No ambien- Administração Científica”.
te da Gestão da Qualidade, adotam-se crité- Outro autor a destacar nesta mesma linha é
rios voltados para o aumento da qualidade e Emerson. Um dos mais importantes integrantes
produtividade. Ocorre, porém, que se parte de da Escola Clássica, Harrington Emerson (1853-
princípios básicos de produção, aos quais se 1931) foi também um colaborador direto de
agregam critérios específicos. Estes princí- Taylor. Emerson era engenheiro e priorizou, na
pios básicos têm suas raízes no projeto admi- sua visão administrativa da empresa, os proces-
nistrativo de Ford que, em última análise, sos de simplificação das operações industriais e
questionou profundamente a ação dos recur- dos próprios métodos propostos por Taylor.
sos humanos na empresa. Emerson considerava que, mesmo prejudi-
Técnicas mais recentes, como o Just-in-time, cando a perfeição da organização, seria mais
parecem ter suas raízes em princípios como o da razoável incorrer em menores custos e realizar
180 Paladini – As Bases Históricas da Gestão da Qualidade

menores despesas na análise do trabalho idéia, sobretudo ao público externo, de que


(CHIAVENATTO, 1986: 43). Uma característi- existe alguma diretriz para a produção da
ca fundamental do seu trabalho foi a populariza- qualidade na empresa.
ção da Administração Científica, tornando-a A noção de Emerson para a eficiência é uma
mais conhecida. Ele desenvolveu os primeiros noção restrita aos mecanismos de operação
esforços no sentido de gerar um processo de em si. Não se nota, aqui, a preocupação com
seleção e treinamento de recursos humanos das a otimização global do sistema e dos próprios
organizações. Emerson fixou alguns princípios recursos que o sustentam, atitude típica da
voltados para a eficiência de processos e moderna Gestão da Qualidade.
serviços (EMERSON, 1912). Em particular,
doze princípios foram mais enfatizados: traçar IDENTIDADES:
um plano objetivo e bem definido; estabelecer o Para muitos autores, como CHIAVENATTO
predomínio do bom senso; manter orientação e (1986), Emerson antecipou-se à Administra-
supervisão competente; manter disciplina; haver ção por Objetivos, que seria proposta por
honestidade nos acordos, ou seja, justiça social Peter Drucker mais tarde, já nos anos 60. De
no trabalho; manter registros precisos, imediatos fato, Emerson enfatiza a importância de
e adequados; fixar remuneração proporcional ao definir objetivos e atuar com base neles. A
trabalho; fixar normas padronizadas para as ênfase a objetivos bem definidos é, também,
condições de trabalho; fixar normas padroniza- preocupação e prioridade da Gestão da Qua-
das para o trabalho; fixar normas padronizadas lidade.
para as operações; estabelecer instruções Emerson enfatizava o processo de normaliza-
precisas e fixar incentivos eficientes ao maior ção, envolvendo, sobretudo, o desenvolvi-
rendimento e à eficiência. mento do trabalho. Esta prioridade permane-
ce nos processos atuais de Gestão da
REFLEXOS NA GESTÃO DA QUALIDADE Qualidade.

CONFRONTOS: REFLEXOS NAS ESTRATÉGIAS E FER-


Emerson destaca o emprego do bom senso. RAMENTAS DA GESTÃO DA QUALIDADE:
Em geral, a Gestão da Qualidade rejeita esta Emerson teve, na Administração Científica,
idéia. De fato, observa-se que muitas empre- um papel análogo ao do consultor americano
sas orientam seus funcionários, sobretudo os Philip Crosby na Gestão da Qualidade. Ele
que tomam decisões, a agirem baseados no preocupou-se, em primeiro lugar, em divulgar
bom senso quando enfrentarem situações que a Administração Científica, em torná-la mais
podem afetar, de alguma forma, a produção popular. E, neste esforço, acabou por simpli-
da qualidade. Este posicionamento tende a ser ficar seus mecanismos e princípios, da mes-
entendido como sintoma de falta de políticas ma forma que Crosby fez em relação à Ges-
definidas para a qualidade. De fato, o bom tão da Qualidade. É possível, assim,
senso é algo subjetivo, que depende de cada identificar no esforço de Emerson raízes para
pessoa. Se a política da qualidade da empresa as estratégias de simplificação das ferramen-
depende de situações fortemente calcadas em tas da qualidade, do empenho em obter
subjetivismos – justamente na definição das formas compreensíveis e atrativas de divulgá-
diretrizes básicas de operação que serão las. Emerson deve ter sido a inspiração maior
usadas para determinar toda a ação na empre- de Crosby e o idealizador da noção de que é
sa – nota-se que, na verdade, ela não está necessário simplificar sempre o processo de
definida. É possível que a política do bom Gestão da Qualidade para torná-lo adequado
senso tenha sido criada apenas para dar uma ao ambiente onde se aplica e, com isto, criar
GESTÃO & PRODUÇÃO v.5, n.3, p. 168-186, dez. 1998 181

bases consistentes para a produção da quali- acrescenta: “E quase sempre é...” (FAYOL,
dade. 1954:23).
A questão do bom senso levantada por
Emerson tem definido uma forma equivocada REFLEXOS NA GESTÃO DA QUALIDADE
de definir políticas da qualidade – baseando-
se sua formulação no bom senso. Talvez CONFRONTOS:
como reflexo de posicionamento inadequado, A ênfase à disciplina é exagerada em Fayol.
as estratégias de Gestão da Qualidade enfati- A gestão participativa emprega mecanismos
zam o seguinte: as políticas da qualidade, nas de envolvimento menos rígidos. Em muitos
quais o processo de gestão se fundamenta e casos, chega-se a sentir falta de maior obedi-
operacionaliza, precisam ser (1) objetivas, (2) ência e sinais claros de respeito por parte de
claras, (3) uniformes e (4) coerentes. administradores e subordinados. Fayol dizia
Muitos princípios de Emerson salientam a que a disciplina é muito importante; sua falta
ação das pessoas. A Gestão da Qualidade tem traz o caos à administração. É possível que
desenvolvido estratégias que vão na direção este elemento, hoje considerado confronto
inversa: priorizar ações globais, nas quais as entre Fayol e a Gestão da Qualidade, trans-
pessoas se inserem. A idéia é que, na mesma forme-se em identidade no futuro.
situação e no mesmo contexto, diferentes A Gestão da Qualidade tem usado o
pessoas agiriam da mesma forma. “princípio da margarida” (PALADINI,
1995) para definir um fluxo de informações e
5. Fayol e a Centralização Administrativa de hierarquia essencialmente horizontalizado.
Fayol usou a expressão “Cadeia Escalar” para

O utro autor importante da Escola Clássica da


Administração Científica foi Henry Fayol
(1841-1925). Fayol fixou alguns princípios para
estruturar uma linha de autoridade que define,
claramente, uma “cadeia de superiores” do
escalão mais alto ao mais baixo. Fayol dizia
o desenvolvimento do trabalho (FAYOL, 1954). que seria inadequado ao subordinado desviar-
Os princípios que parecem ter maiores influên- se do fluxo linear de autoridade. Abre, entre-
cias na atual Gestão da Qualidade são os tanto, uma possibilidade: caso a obediência
seguintes: o trabalho requer especialização; é fiel e inquestionável possa prejudicar a em-
fundamental que haja disciplina no trabalho; presa, a cadeia hierárquica pode ser rompida.
existe uma relação clara entre autoridade e Este posicionamento parece induzir que
responsabilidade; existe um fluxo único de Fayol se referia a algumas situações específi-
autoridade; há uma relação única entre chefes e cas que ele não identificou nem detalhou –
objetivos (atividades de igual objetivo tem única pelo menos em seus textos básicos.
administração); a autoridade deve ser estruturada Em resumo, pode-se dizer que o grande
linearmente e o interesse individual é menos confronto entre a Gestão da Qualidade, como
importante do que o interesse geral. é vista hoje, e a obra de Fayol envolve os
Fayol é considerado um teórico importante da seguintes aspectos: (1) a ênfase exagerada ao
administração mais pelo processo de sistemati- conceito e aplicação de “unidades de coman-
zação de conceitos já lançados do que pela do” e (2) o emprego de estruturas administra-
introdução de idéias novas. Mas é, também, um tivas fortemente centralizadas.
pensador fortemente polarizado por uma única
noção: a do comando forte, centralizador e IDENTIDADES:
autoritário. Fayol dizia que, em relação a este Ao pregar a especialização requerida pela
último item, o administrador só deve ser eficiência da ação da mão-de-obra, Fayol
autoritário se for necessário. Em seguida ele parece cair no lugar comum da Escola Clássi-
182 Paladini – As Bases Históricas da Gestão da Qualidade

ca. Ocorre que ele ampliou este conceito de seguinte: “cada empregado deve receber
especialização, envolvendo também as ativi- ordens de um, e apenas um único superior. É
dades administrativa, técnica ou de suporte. o princípio da autoridade única, que procura
Esta abrangência é típica da Gestão da Quali- evitar a confusão de ordens” (CHIAVE-
dade. NATTO, 1986).
Fayol combinava a autoridade “oficial” com Podem estar plantados em Fayol os princípios
a autoridade natural que cada pessoa possui de unicidade de objetivos que a Gestão da
(liderança) e mencionava inteligência, expe- Qualidade sugere em quase todas as suas
riência, valor moral, serviços prestados, senso estratégias. O chamado “princípio da Unida-
de justiça e visão objetiva. Esta combinação é de de Direção”, por ele formulado, afirma
válida ainda hoje na moderna Gestão da que cada grupo de atividades deve ser estru-
Qualidade. turado de forma a ter o mesmo objetivo.
A Gestão da Qualidade, ao envolver todos os Operacionalmente, Fayol sugere que estas
recursos da empresa em único esforço, coloca atividades devem ter um único chefe e devem
os interesses da organização acima dos inte- ser implantadas segundo um único planeja-
resses individuais. Fayol tinha a mesma idéia. mento. Ele propõe dois tipos de coordenação
Dizia ele: “Em qualquer grupo, o interesse neste caso:(1) uma unidade de direção dire-
coletivo deve sobrepor-se aos interesses dos tamente em contato com a empresa como um
indivíduos. Quando eles diferem, é função da todo e (2) uma segunda unidade de direção
administração reconciliá-los” (CHIAVE- relacionada com os funcionários. O projeto
NATTO, 1986). de Gestão da Qualidade é mais amplo do que
isso em dois aspectos: não chega a “relacio-
REFLEXOS NAS ESTRATÉGIAS E FER- nar-se” com a empresa porque dela faz parte
RAMENTAS DA GESTÃO DA QUALIDADE: a alta administração da mesma; e, por outro
O conceito de abrangência na ação da mão- lado, a “unidade de direção” de que fala
de-obra parece ter suas raízes na idéia de Fayol envolve todos os recursos da empresa e
Fayol, segundo a qual não se pode, no esfor- não apenas os recursos humanos.
ço pela qualidade, omitir qualquer função ou
atividade da empresa. Fayol, como se perce- 6. Urwick: O Primeiro Passo Rumo às
be, tinha uma visão mais ampla do que Ta- Estruturas Informais
ylor e, por isso, suas idéias têm reflexos em
estratégias que visam globalizar o esforço
pela qualidade.
As estratégias que envolvem as relações entre
O utro autor importante da Escola Clássica foi
Lyndall F. Urwick (1891-1980), que, para
divulgar os ideais do modelo administrativo
produção e qualidade destacam a importância preconizado por esta escola, formulou quatro
de evitar, a qualquer custo, conflitos entre as princípios básicos: (1) cada atividade deve ser
partes. Muitos destes conflitos derivam da desempenhada por quem melhor a conhece; (2)
ingerência de uma área (ou de seus gerentes) deve haver um fluxo de autoridade claramente
em outra. Daí o princípio de que deve haver definido na organização; (3) deve ser limitado o
clareza na definição das relações entre supe- número de subordinados de cada gerente e (4) a
riores e subordinados e que a Gestão da estrutura de funções e responsabilidades deve ser
Qualidade deve utilizar-se do mecanismo de claramente definida e oficializada (URWICK,
coordenação para desenvolver o processo 1943).
administrativo da implantação da qualidade. Urwick estudou profundamente o modelo de
Este princípio toma por base o processo liderança que ele julgava adequado para o mo-
linear de autoridade de Fayol, que dizia o delo administrativo da Escola Clássica. De fato,
GESTÃO & PRODUÇÃO v.5, n.3, p. 168-186, dez. 1998 183

ainda que tenha enfatizado a estrutura formal da centralizada nas pessoas do que nas funções
organização, Urwick foi um dos primeiros auto- em si. O projeto de Gestão da Qualidade
res desta escola a estudar e formular um modelo tende a fixar atividades e funções com maior
de liderança. Para ele, o líder deveria ser alguém ênfase do que as características das pessoas
que fosse a “cara” da empresa, isto é, alguém que vão exercê-las. Parece aceitável, entre-
que espelhasse, personificasse e representasse a tanto, a idéia de Urwick de que a linha de
sua organização. Surge, deste modo, a idéia de comando na empresa seja conhecida e reco-
que o líder se identifica claramente com a nhecida por todos. A única diferença é que se
organização. Conhecendo bem sua empresa, o trata de uma linha funcional e não de pessoas
líder pode explicar para os outros seu funciona- colocadas em postos definidos.
mento, diretrizes e missão. Isto é feito global- Parece ser um tanto fora de propósito limitar
mente em termos de políticas gerais de funcio- o número de subordinados, principalmente se
namento, e localmente em cada atividade desem- cada um deles sabe o que fazer e pouco
penhada pelos operários. Segundo Urwick, o depende de um gerente fisicamente presente.
líder os ajuda a entender suas atividades e os Urwick assegurava que cada superior “não
motiva a executá-las da melhor maneira devia ter mais do que cinco a seis subordina-
possível. O líder, portanto, estimula pensamen- dos, uma vez que o superior não tem apenas
tos, atitudes e comportamentos coerentes com a pessoas para supervisionar, mas também e
realidade da empresa. Urwick entendia que o principalmente as relações entre as pessoas”
líder devia atuar de forma sempre planejada, sem (URWICK, 1943). O modelo japonês de
improvisações (URWICK, 1943). autogestão soaria absurdo diante deste princí-
Ao se preocupar em definir o papel do líder, pio.
Urwick deu o primeiro passo em direção à
estrutura informal, que, na prática, é que produz IDENTIDADES:
qualidade nas organizações. Logo ele, que Urwick pode ter sido o precursor do modelo
enunciara um princípio que enfatiza a oficializa- administrativo que divide funções em ativi-
ção de procedimentos e diretrizes de operação. dades de linha, de “staff” e funcionais. Esta
divisão é usada na definição dos ambientes
REFLEXOS NA GESTÃO DA QUALIDADE “in-line” e “off-line” (PALADINI, 1997).
A oficialização de atividades e de funções é
CONFRONTOS: sempre desejável. Segundo Urwick, “os deve-
O primeiro princípio de Urwick fixa um res, autoridade e responsabilidade de cada
modelo de especialização nas organizações. cargo e suas relações com os outros cargos
Segundo este postulado, quem exerce deter- devem ser definidos por escrito e comunica-
minada função deve ser especialista nela. Por dos a todos” (apud CHIAVENATTO, 1986).
via inversa, pode-se afirmar que o preenchi- A Gestão da Qualidade possui um projeto
mento de cada função só deve ser feito por formalizado e que exige esta definição de
uma única pessoa. Confirma-se, aqui, o velho forma clara e oficializada.
chavão da Administração Científica: a divi-
são especializada do trabalho. A Gestão da REFLEXOS NAS ESTRATÉGIAS E FER-
Qualidade rejeita este modelo, tendo em vista RAMENTAS DA GESTÃO DA QUALIDADE:
a integração de todos no processo produtivo e É possível que os reflexos dos princípios de
a responsabilização coletiva em preferência à Urwick em estratégias da Gestão da Qualidade
individual. sejam mais visíveis pelo seu aspecto negativo.
A idéia de que seja necessário uma linha de Analisando-se os confrontos listados, pode-se
autoridade claramente definida está mais reformular os quatro princípios como segue: (1)
184 Paladini – As Bases Históricas da Gestão da Qualidade

todas as atividade devem ser conhecidas por compreensão da própria Gestão da Qualidade
todos. Detalhes técnicos podem ser repassados pela análise dos fundamentos de políticas,
em treinamentos, dirigidos a quem vai desempe- diretrizes, técnicas e ferramentas por ela
nhá-los; (2) deve haver um fluxo de funções e utilizadas e, simultaneamente, garante meios
atividades a desempenhar (com as respectivas para a correta aplicação de mecanismos
responsabilidades) claramente definido na orga- importantes no processo de gestão. Com efeito,
nização; (3) cada subordinado deve conhecer assim como são nocivos os resultados do
suas atividades e depender o menos possível de emprego de conceitos incorretos da qualidade, é
seu gerente e (4) a estrutura de funções e igualmente prejudicial o emprego de técnicas
responsabilidades deve ser claramente definida e inadequadas às diversas situações em que se
oficializada. observa o esforço pela qualidade.
Urwick tinha as mesmas preocupações que O esforço para corrigir conceitos incorretos
outros teóricos da Escola Clássica e investia na da qualidade, sobretudo em termos de sua apli-
especialização e nas relações fortes entre cação prática, pode determinar a minimização de
autoridade e subordinados. As estratégias atuais uma das causas mais conhecidas que contribuem
da Gestão da Qualidade não parecem enfatizar para o fracasso de programas da qualidade
estes aspectos. Já a oficialização das funções é implantados nas organizações. De fato, o uso
um elemento importante na Gestão da Qualidade incorreto de ferramentas gera frustrações e perda
– e este é um mérito do modelo de Urwick. da expectativa positiva de resultados que tais
Paradoxalmente, Urwick introduziu conceitos programas podem gerar. O emprego de conceitos
em direção às estruturas informais da qualidade. incorretos cria referenciais equivocados para
Sua definição de líder produz um primeiro ações e decisões. E, tudo somado, cria-se um
elemento no perfil do gerente da qualidade que clima que tende a comprometer, de forma
talvez se pudesse chamar de “ideal”: o conheci- irremediável o programa como um todo.
mento e sua identificação pessoal com a Ao apelar para identidades, confrontos e
empresa. De fato, pode-se afirmar que o gerente reflexos das escolas clássicas da administração
da qualidade deve ser alguém que tenha a cara sobre a gestão da qualidade, procurou-se utilizar
da empresa. O passo seguinte envolve repassar conceitos conhecidos para garantir a correta
informações aos subordinados para fazê-los compreensão de noções deles decorrentes ou por
trabalhar num modelo perfeitamente adequado eles afetadas. Além de concluir pela utilidade
ao que deles se espera. Urwick sugere, também, deste processo em si, este artigo aponta para
como o gerente da qualidade deve atuar: “de outras conclusões em termos do estudo feito.
forma sempre planejada, sem improvisações”. É Nota-se, por exemplo, que a Gestão da Qua-
possível que ele tenha definido um elo de lidade formulou seu modelo básico considerando
ligação entre a Escola Clássica e a Escola o próprio desenvolvimento das escolas clássicas
Humanística, que se seguira e surgiria em da administração. Nelas ela aprendeu o que fazer
oposição a ela. e como fazer; o que evitar; a que atribuir
relevância e o que desconsiderar. Este arcabouço
7. Conclusões histórico foi, sem dúvida, uma vantagem
fundamental para a Gestão da Qualidade.

U ma análise das escolas clássicas da


administração mostra que as raízes da
Gestão da Qualidade se encontram em conceitos,
Em alguns casos, a Gestão da Qualidade
apenas redirecionou muitas das estratégias que
as escolas da administração formularam. Esta
estratégias, diretrizes e postulados que caracteri- reformulação envolve vários elementos, como a
zaram cada um destes movimentos da história da análise da ação dos recursos humanos face à
administração. Este estudo permite melhor Administração Científica e a estrutura do
GESTÃO & PRODUÇÃO v.5, n.3, p. 168-186, dez. 1998 185

modelo gerencial tendo em vista os princípios de hoje, contudo, esta integração é fundamental
Urwick. para a qualidade.
Em outros casos, a Gestão da Qualidade Concluir que as bases da Gestão da Qualida-
buscou nas posições de confronto um referencial de residem na Ciência da Administração, em
para suas próprias estratégias. Diante da visão seus vários estágios de desenvolvimento, é um
simplificada que a Administração Científica elemento vital para sua própria consolidação. E
tinha dos recursos humanos nas organizações, para torná-la uma ciência. Além, é claro, da
foram propostas estratégias abrangentes de utilidade prática de utilizar-se estas bases
envolvimento, que resultaram num processo de históricas para resolver problemas atuais.
integração amplo e complexo. Como se percebe

Referências Bibliográficas

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186 Paladini – As Bases Históricas da Gestão da Qualidade

THE HISTORICAL PRINCIPLES OF QUALITY MANAGEMENT:


THE CLASSICAL MANAGEMENT APPROACH AND ITS IMPACT ON
MODERN QUALITY MANAGEMENT

Abstract

This paper shows how Quality Management, as we understand it today, has used the main concepts
of fundamental management approaches. Here the impact of Classical Management Theory on
Quality Management is considered. This analysis allows us to understand correctly the main concepts
of Quality Management, as well as its main tools, in order to guarantee their correct application.

Key words: quality management; classical management approaches; influences and consequences.

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