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MATERIAL DE APOIO

“A gravidez na adolescência como um problema


social no Brasil do século XXI.” Carta na Escola: Que tendências se observam nos
índices de gravidez na adolescência no Brasil hoje?
Jovens e mães
João Luiz Pinto e Silva: A mudança tem sido bem
A relação entre a escolarização e as taxas de gravidez favorável. Quando comecei a trabalhar com eles, em
na adolescência é direta: quando a primeira sobe, a 1978, aqui no hospital a taxa de gravidez entre jovens
segunda cai, explica João Luiz Pinto e Silva, professor de 10 a 19 anos era por volta de 25%, hoje está em
de Obstetrícia da Faculdade de Ciências Médicas da torno de 12%. O que se observa é que, em todos os
Unicamp e titular da Divisão de Obstetrícia do Centro grupos, de todas as faixas etárias, a fertilidade caiu
de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM) da bastante, mas aumentou nessa faixa de adolescente ou
Unicamp, centro de referência na área. tem caído em menor proporção. Há números maiores
em alguns estados, principalmente no Norte e
Ao final do Ensino Médio, de 70% a 80% dos
Nordeste. O número de partos feitos pelo Sistema
adolescentes já são sexualmente ativos, segundo
Único de Saúde nessa faixa etária caiu 34,6% entre
dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar de
2000 e 2009. Ou seja, a tendência é de queda. Existe
2009.
uma associação entre o número maior de adolescentes
De todos os partos realizados no Brasil, cerca de 20% existentes e o número maior de gravidez nesse grupo.
são de jovens entre 10 e 19 anos. Os números, por si Isso porque, no momento, por razões diversas da
só, alertam para a necessidade de a educação sexual se estrutura demográfica brasileira, temos a maior coorte
fazer presente no ambiente escolar de uma maneira de adolescentes de todos os tempos. Ou seja, se há
contínua. mais gente demograficamente, mantemos um número
muito alto de gravidez nesse perfil.
Segundo o pesquisador, autor de diversos artigos sobre
o tema, o País apresenta hoje uma tendência de queda CE: As campanhas de prevenção à Aids nos últimos 30
nesses índices graças a mudanças culturais e ao maior anos têm algum impacto nessa queda?
acesso à informação, a serviços de saúde e a métodos
anticoncepcionais, mas seguem altos devido à JLPS: É difícil especificar o peso dessas iniciativas.
prevalência de adolescentes na população do País. Quando, no começo dos anos 1980, fiz meu doutorado
sobre o tema, chamou a atenção que a grande maioria
Ainda assim, a escola tem papel fundamental para das adolescentes grávidas conhecia anticoncepcionais,
informar e levar o jovem a lançar mão desses mas não havia usado. Em primeiro lugar, porque não
conhecimentos em sua vida sexual. Mais que isso, havia na rede de saúde, em segundo, porque não tinha
critica, são necessárias políticas focadas nessas informação, em terceiro, porque a relação sexual
populações. precoce era um tabu muito grande e o uso de
“Boa parte das meninas que ficam grávidas muito cedo anticoncepção denunciaria isso… Existia também uma
já saiu da escola antes, não é a gravidez que as tira da característica própria da adolescência, que é pensar
escola. Agora há outro problema: o Bolsa Família, que “comigo não vai acontecer”, e o fato de ser também
as coloca para complementar a renda da família, mas, um sexo ainda exploratório. São fatores que faziam
quando ela fica grávida, acaba saindo da escola e com que, embora, na época, cerca de 90%
perdendo o benefício. A incompreensão das políticas conhecessem ou tivessem usado anticoncepcionais
públicas voltadas a esse tipo de assistência pode ser antes de engravidar, elas não os utilizassem, ou o
fatal para ela e para o núcleo em que ela está inserida”, fizessem sem constância, de forma errada.
afirma.
Hoje, as unidades básicas de saúde têm pílula, DIU, JLPS: A educação sexual na escola é importantíssima. A
injetáveis, camisinha… A popularização e a extensão da combinação é desejada e é a que funciona. Mas já
cobertura ajudaram. Agora, é óbvio que há também passamos do tempo de ter uma aula isolada de
uma referência da mudança da cabeça das pessoas, e educação sexual, que mostre os órgãos, o
de certa forma misturaram a prevenção da gravidez na espermatozoide… A educação sexual se faz de maneira
adolescência com o medo das doenças sexualmente contínua, aproveitando todas as oportunidades e
transmissíveis e da Aids. instrumentos que a escola tem para orientar e
acrescentar à educação como um todo. Há recursos
CE: Essa questão do uso incorreto dos métodos
midiáticos muito mais eficientes que esses antigos. É
anticoncepcionais ainda se faz presente hoje em dia?
possível, por exemplo, em Português, inserir o debate
a partir de leituras de obras clássicas que descrevam os
JLPS: Muitas das grávidas de hoje ou usaram errado ou
relacionamentos humanos. É possível entrar nele
de forma irregular. Há as duas coisas. Antigamente era
também por outras disciplinas, como Geografia,
muito tabu falar de anticoncepcional, especialmente
História… Ou seja, há oportunidades pedagógicas
para jovens. Hoje, esse tipo de conversa é mais comum,
várias que não se limitam à área da Biologia, e elas
houve uma mudança cultural. Você vê na televisão,
devem visar a prática sexual sadia, um relacionamento
campanhas públicas, falamos mais abertamente sobre
positivo, com confiança, que são elementos
sexo. Assim, hoje, os adolescentes lançam mão dessas
importantíssimos para a integração dessa
informações mais do que no passado, mas têm ainda
responsabilidade no adolescente.
características de adolescentes. Em primeiro lugar,
porque têm ainda dependência econômica dos pais, CE: Quais devem ser os pilares desse trabalho na
precisam de convênio para ir ao médico, ou que o pai escola?
compre ou dê dinheiro para o anticoncepcional, JLPS: A educação sexual precisa estar vinculada ao
embora existam serviços públicos que façam isso com conceito de educação integral, e não seccionada. O
maior ou menor eficiência. E aí entramos em outra principal pilar é a discussão grupal que leva em
questão, a de que nem todo serviço está capacitado a consideração valores daquela comunidade, que integra
fazer uma orientação e promover o fornecimento os pais sempre que possível para que haja
contínuo dos métodos. Fora isso, às vezes os pais não continuidade do debate em casa, que se aproveite de
sabem que o jovem já iniciou sua vida sexual, e ele tem teatro, jogos e atividades para explorar a sexualidade e
de esconder a pílula, a camisinha, o que é um o início da vida sexual. Essa fase etária é realmente um
empecilho para se usar. Hoje temos também uma cadinho de ebulição sexual, e é preciso canalizar isso de
campanha maciça do governo, a rede de informação forma efetiva, de modo a contribuir para a formação
dirigida a esse público, a rede de instrumentalização de de caráter, da relação de confiança, da autoestima do
métodos anticoncepcionais, se modificou muito nos adolescente.
últimos anos. E, somado a isso tudo, há a questão
educacional: a escolaridade melhorando, diminui a CE: Que questões ligadas à sexualidade tornam-se
fatores de risco?
negação ao uso do anticoncepcional.

CE: Qual é o papel da educação sexual na escola? Ela JLPS: A sexualidade tem a ver com esse conceito do
por si só basta ou precisa estar atrelada a um trabalho papel social do adolescente. Minha vó casou-se com
com a família e a comunidade? 12, 13 anos, antes mesmo de menstruar pela primeira
vez, e sua perspectiva era casar, cozinhar, costurar,
cuidar dos filhos e acabou.
Quando o valor social se modifica, do indivíduo, da A lógica do benefício pode ser a de fazê-la voltar à
mulher principalmente, a situação muda, porque aí, escola depois, mas ela tem condições para isso? É
sim, a adolescência aparece. Você, então, está apto a preciso ter amparo do Estado, porque, em geral, essas
começar suas atividades sexuais, por estar meninas vêm de um ciclo de perpetuação de pobreza,
biologicamente pronto, mas não convém que você são mulheres que chegam aos 50 anos bisavós, todas
engravide. Mas há países e mesmo regiões do Brasil em as gerações têm filhos aos 14, 15 anos, e a coisa não
que a importância social é medida pela maternidade, e para nunca. Se não houver um aparelho social de
elas de fato querem e ficam felizes ao engravidar. No suporte, que dê condições de educação, de
nosso ambulatório, temos muitas meninas que planejamento para não repetir gravidez, de não excluí-
queriam engravidar sim, apesar de estar estudando. E la da escola, isso é algo que tende a continuar.
a gente tem outra questão importante, que é o número
preocupante de meninas que engravidam antes dos 15 “https://www.cartacapital.com.br/educacaoentrevist
anos. São 18 milhões de meninas abaixo de 20 anos as as/jovens-e-maes/”
que dão à luz a cada ano e, dessas, 2 milhões têm
menos de 15 anos. Esse grupo é muito mais vulnerável.
Do ponto de vista médico, são mais vulneráveis por ser
muito jovens e, não raro, especialmente se têm 11, 12
anos, a questão tem ligação com a violência sexual
doméstica. Outro problema: há muitos casos de jovens
que, aos 15, 16 anos, já estão na segunda, terceira ou
até quarta gravidez. Isso é dramático porque, sem
esperar um intervalo ideal entre partos de dois anos,
vão aparecendo doenças. Ou seja, é um grupo
altamente preocupante.

CE: Mesmo sem esse quadro de gravidez repetida, a


idade da adolescente a torna mais vulnerável? JLPS: Há
muitos estudos que afirmam que não há fatores
complicadores pela idade mais baixa. Só que, quanto
mais precoce, mais problemas a gente tem: mesmo
que os biológicos sejam poucos, eles são mais de
ordem psicossocial e familiar, o que pode redundar em
má assistência pré-natal ou no período pós-parto. Se
não houver estrutura familiar, e quase sempre ela não
tem nessa circunstância, suas condições vão piorar.
Boa parte das meninas que ficam grávidas muito cedo
já saiu da escola antes, não é a gravidez que as tira da
escola. Agora há outro problema com o Bolsa Família,
que as coloca para complementar a renda, mas,
quando ela fica grávida, acaba saindo da escola e
perdendo o benefício. A incompreensão das políticas
públicas voltadas a esse tipo de assistência pode ser
fatal para ela e para o núcleo em que ela está inserida.

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