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AUTORIZAÇÃO
RESUMO
ABSTRACT
In the field of Science Education there are many arguments for more attention to the
axiological and attitudinal dimensions of the teaching and learning scientific disciplines
processes. This demand requires continuous in-depth investigation about this theme because it
involves the knowledge of various theoretical fields that have not still attracted the deserved
attention. In the light of developmental psychology and discursive ethics, the present study
focuses on a relevant component of the attitudinal-axiological dimension: the moral
development of students in Science classes. Based on the social and moral perspectives in
Jean Piaget, Lawrence Kohlberg and Jürgen Habermas’s theories, and on other authors that
share these presuppositions, we presented theoretical and empirical data in order to (i) explore
a valid and viable correlation of secular and rational theoretical and practical aspects and
components between Science classes and moral development, including an analysis of the
knowledge about moral, critical and scientific thinking of students learning Sciences
formation; (ii) delineate the status of scientific research and studies of the field of Science
Education in Brazil on moral development. Our study demonstrates the existence of an
interface of reciprocal and plausible theoretical and practical contributions between moral
development and Science classes, which has so far received little attention in the Science
Education research.
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................. 13
INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 16
PARTE II - CORRELAÇÕES........................................................................................... 84
4.0 - AULAS DE CIÊNCIAS E DESENVOLVIMENTO MORAL: UMA
ABORDAGEM PRELIMINAR SOBRE OS ASPECTOS CORRELATIVOS........... 85
4.1 - Ciência, religião e tolerância............................................................................... 86
4.2 - Valores na ciência e nas aulas de Ciências.......................................................... 88
4.3 - Ciência, ensino de Ciências e hierarquias............................................................ 90
4.4 - A relevância do “hablar ciencia” nas aulas de Ciências..................................... 96
4.5 - O ensino de Ciências e a atuação cidadã............................................................. 102
4.6 - A natureza da ciência na educação básica: exigências e contribuições............... 103
4.7 - As controvérsias sociocientíficas e implicações ético-morais............................. 108
4.8 - Destaques............................................................................................................. 110
5.0 - DESENVOLVIMENTO MORAL E(M) AULAS DE CIÊNCIAS: EXERCÍCIOS,
SITUAÇÕES E ANÁLISES......................................................................................... 112
5.1 - Os estágios de desenvolvimento moral de Kohlberg em aulas de Ciências........ 112
5.2 - Atmosferas morais em aulas de Ciências: componentes correlativos................. 114
5.3 - Aulas de Ciências em possíveis situações preponderantes de heteronomia e de
autonomia moral.................................................................................................. 118
5.4 - Correlações e potencialidades: análise................................................................ 120
5.4.1 - As visões de Janus................................................................................... 126
5.4.2 - Os itinerários de Antígona passam pelas aulas de Ciências.................... 127
5.4.3 - Para além dos assuntos controvertidos.................................................... 131
5.4.4 - Nas entrelinhas de um discurso “científico”............................................ 134
5.4.5 - Pesquisas sobre relações coercitivas em sala de aula.............................. 135
5.5 - Destaques............................................................................................................. 138
CONCLUSÕES.................................................................................................................... 184
REFERÊNCIAS................................................................................................................... 189
GLOSSÁRIO........................................................................................................................ 218
APÊNDICES........................................................................................................................ 221
ANEXOS............................................................................................................................... 223
13
APRESENTAÇÃO
“As questões de pesquisa não vêm do nada. Em muitos casos, originam-se na biografia
pessoal do pesquisador e em seu contexto social”. A afirmação de Flick (2004, p. 64)
corresponde ao nosso caso. Em 1994, com sete anos de experiência no magistério, entrei2
numa classe de 2ª série do ensino médio e pus em prática os conteúdos planejados sobre o
tema Evolução para aproximadamente 30 alunos. Ao final da aula, enquanto os demais saíam
para o intervalo, um aluno aproximou-se e disse: “Professor, interessante o que o senhor falou
na aula de hoje, mas eu não acredito em nada disso. E não concordo como são dadas as aulas
sobre o assunto”. Então, conversamos nesse dia e também em outras aulas subsequentes. Nas
conversas eu procurava defender a ciência, na tentativa de despersuadi-lo. Algum tempo
depois aquele aluno deu-me de presente um livro (figura 1) com a seguinte dedicatória:
“Primeiramente gostaria de agradecer-lhe o companheirismo e a amizade que tivemos. E
espero que pela leitura deste livro o senhor possa perceber como a palavra de Deus - a Bíblia
- se harmoniza com a ciência, sendo proveitoso para ensinar” (Aluno I. S. M., 22/11/94).
Não, não deixei de ser “evolucionista” para acreditar no criacionismo e nem me deixei
convencer pelas contra-argumentações do aluno, pois bases epistemológicas sustentam
1
Diálogo de Antígona com sua irmã Ismênia sobre Creonte.
2
Em geral o trabalho será apresentado na terceira pessoa do plural. Em casos como esse, nos quais a pessoa do
pesquisador é ressaltada por envolvimento experiencial particular, será utilizada a primeira pessoa do singular.
3
Livro intitulado “A vida - qual a sua origem?: a evolução ou a criação?”, editado por Watch Tower Bible
Society of Pennsylvania (Nova York), em 1985. O nome do aluno foi intencionalmente omitido.
14
minhas ideias4 sobre o tema. No entanto, após esse evento comecei a refletir sobre as
possíveis coerções involuntárias exercidas ao ensinar Ciências. Utilizando-me, em alguns
casos, dos próprios conhecimentos científicos para tal fim, especialmente nas aulas de
assuntos controvertidos, como Evolução, por exemplo, com possibilidades de interferência no
desenvolvimento moral dos alunos. Afinal, os meus procedimentos nessas aulas poderiam ser
involuntariamente coercitivos e orientados para aquilo que Piaget, extraído de Kant, denomina
de heteronomia moral. Juntamente com esse episódio ocorrido comigo, ainda retomei
lembranças do caso Scopes5 e toda a discussão subjacente à ciência e ao ensino de Ciências
daquela época, naquele contexto (vide ANEXO A), mas que ainda perdura em nosso meio
(vide ANEXO B). Desde esse momento comecei a observar com olhos mais atentos os
diferentes aspectos que transitam entre as aulas de Ciências e a formação moral dos alunos,
especialmente sob a luz do aporte teórico do desenvolvimento.
Mais à frente, com a promulgação da LDBEN (Lei 9394/96), a publicação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, as leituras diversas que eu fiz sobre ética e moral e a
proposta do professor Roberto Nardi em orientar um processo investigativo sobre assuntos
controvertidos no ensino de Ciências, houve a possibilidade de problematizar e investigar
alguns aspectos inerentes à ética e à moral. Muito pouco, no entanto, para a importância e
complexidade do tema. O que me fez retornar à dimensão axiológica do ensino de Ciências no
projeto de doutorado. Eram (e ainda são) muitas as questões abertas e, evidentemente, caberia
uma escolha. Então, qual escolher? Buscando argumentos na literatura que pudessem
subsidiar meus rumos, encontrei estes dizeres de Flick:
4
Nesse período de reforma ortográfica (acordo dos países lusófonos) optamos pelo uso das novas normas em
vigor, exceto para as citações diretas que permanecem como nos respectivos documentos originais.
5
Não são poucos os casos em que as controvérsias entre evolução e criacionismo fizeram penetrar suas
discussões no âmbito educacional, em interferências ou decisões - até com amparos legais - sobre aquilo que os
professores poderiam ou não “ensinar” e o que os alunos poderiam ou não “aprender” sobre o tema em questão.
O primeiro e famoso episódio ocorreu em 1925 no Tennesse, Estados Unidos, onde o professor John Scopes foi
a julgamento por ensinar a teoria da evolução. Desde 1920 havia se tornado ilegal o ensino dessa teoria nas
escolas americanas. Em 1960 a insólita história do professor Scopes foi transformada em filme originalmente
chamado Inherit the Wind. Dirigido por David Greene, no Brasil o nome do filme recebeu a tradução de
“Herdeiros do Vento”.
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Não vou esconder dos leitores a vontade que tive de trabalhar um conjunto grande de
variáveis, já que o tema é complexo e envolve uma multiplicidade delas. No entanto, isso
inviabilizaria a pesquisa. A escolha foi pelo recorte, acreditando-se na geração de
conhecimentos - ainda que parciais - capazes de juntar-se a outros diversos para fins de
contribuir com a área de Educação em Ciências. Com orientação do professor Roberto Nardi,
decidi por uma exploração teórico-empírica sobre uma interface contributiva entre aulas de
Ciências e desenvolvimento moral dos alunos, como veremos ao longo do texto.
Em relação aos princípios e noções de ensino formal sobre os quais este trabalho foi
pensado, não haverá dificuldades do leitor identificar a perspectiva escolhida: o
desenvolvimento do pensamento crítico e autônomo do aluno em bases laicas e racionais.
Nesta sucessão de esclarecimentos também cabe uma justificativa sobre as epígrafes
colocadas no início de cada tópico. Assumimos um posicionamento contrário à educação
moral com bases na mera transmissão verbal (ou por meio da escrita). Então, pode parecer
paradoxal que as epígrafes apareçam, pois, como diz Menin (2003, p. 61), “todos sabemos
que o fato de ouvirmos belas histórias ou guardarmos belas frases não nos torna melhores, por
si só”. Concordamos e justificamos que as epígrafes não se constituem simples frases de
efeito, mas denotam expressões de autores reconhecidos sobre as quais procuramos exprimir
correspondências simbólicas ou reflexivas com os conteúdos subsequentes.
Ao finalizar esta apresentação, voltemos ao problema de pesquisa. A origem foi na
minha prática docente. Isso não significa dizer que este trabalho tenha se restringido a essa
preocupação individual ou pela busca de respostas imediatas que pudessem dar conta de
aplicações também imediatas. A busca foi pela compreensão teórica de um fenômeno que não
se limita a uma prática particular ou individualizada. Essa ressalva é necessária para sanar
dúvidas quanto a seguinte preocupação encontrada em Alves-Mazzotti e Gewandsznadjer
(2004, p. 144): “se o pesquisador permanece no nível de sua prática específica e de seus
interesses individuais, sem uma tentativa de teorização que permita estender suas reflexões a
outras situações, pouco ou nada contribui para a construção do conhecimento”.
Conscientes das opções assumidas e necessidades científicas impostas pela
complexidade deste tipo de trabalho, apresentamos na sequência o nosso relatório de tese;
ressaltando-se, por fim, que utilizaremos discussões orientadas por teorias previamente
escolhidas e que sob essa óptica devem ser contextualizadas e interpretadas. Há outras
possibilidades? A resposta é, sem dúvida, afirmativa. Contudo, a construção que se segue está
estruturada em tais referenciais, sem a ilusão do esgotamento de outras possibilidades.
16
INTRODUÇÃO
(referentes à atitude e à axiologia), aos quais denomina de fatores não-epistêmicos, “ainda que
isso não exclua alguma relação com o epistêmico” (ACEVEDO, 2006, p. 371). Acevedo
defende que uma atenção maior deve ser dada a esses fatores não-epistêmicos, porque
também estão inclusos na base dos raciocínios e argumentos nas tomadas de decisão sobre as
questões tecnocientíficas.
Solbes (2009) apresenta-nos uma outra linha de discussão, mas com argumentos que
indicam inquietações similares a aquelas de Acevedo (2006). As dificuldades de
aprendizagem de Ciências dos alunos da escola básica não se restringem a deficiências
conceituais, segundo Solbes (2009), porque o processo de aprendizagem conceitual ocorre em
consonância com aspectos diversos, isto é, os metodológicos, as estratégias de raciocínio dos
alunos, as relações de afetividade, o clima da aula e as motivações. Não são apenas os
conceitos científicos que entram em cena na aprendizagem, afirma Solbes (2009), mas
também um conjunto de aspectos atitudinais que pode atuar em prol ou contra a aprendizagem
de Ciências. Atitudes que podem ser sobre a aprendizagem da ciência (interesse do aluno em
compreendê-la), sobre a ciência (curiosidade, rigor, espírito crítico), sobre as implicações
sociais da ciência etc. Para o autor existem ideias, crenças e valores que obstaculizam ou
favorecem a aprendizagem e devem ser levados em consideração. Quando obstaculizam, são
elementos de difíceis mudanças. Nesse caso, para uma aprendizagem conceitual também é
exigido trabalhar as dimensões procedimentais e axiológicas. A inserção de conteúdos de
história da ciência e abordagens relacionando CTSA6 são ferramentas úteis nesse processo,
salienta Solbes.
Entendemos que o conjunto de discussões sobre as dimensões axiológicas e atitudinais
do ensino e da aprendizagem de Ciências ainda é discreto (especialmente no Brasil), mas
tende a ampliar-se na área de Educação em Ciências, porque o tema tem relevância,
complexidade e implicações que ainda demandam investigações teóricas e empíricas com
possibilidades de expandir os limites preponderantes das atuais discussões.
As dimensões axiológicas agrupam valores estéticos, políticos e éticos. Os três estão
inseridos na educação (GORDILLO et al., 2000), ampliando a complexidade e as exigências
de quem trabalha com o tema nas áreas educacional e de pesquisa. Na pesquisa, no entanto,
esse caráter de complexidade e de exigências não impede de optarmos pela exploração e
6
Uma das conclusões apresentadas na 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação revela
inquietudes de perspectiva atitudinal e axiológica em relação à ciência, que podemos transpor para a sua
aprendizagem na escola: “valorização dos aspectos culturais e humanísticos da ciência”, “favorecer a
interculturalidade na relação entre ciência e os demais conhecimentos” e “devem ser promovidos o
reconhecimento e a valorização de saberes populares e tradicionais no processo de construção do conhecimento e
nas políticas de popularização da C&T” (DAVIDOVICH et al., 2010, p. 51).
18
7
“Pensamento crítico”, “pensamento moral” e “pensamento científico” são descritores que aparecem num
mesmo nível na estrutura das relações hierárquicas do Thesaurus Brasileiro da Educação. São três processos que
envolvem o desenvolvimento cognitivo e moral.
19
indiretamente todos os sujeitos, mas de modo especial os alunos, pois estão em fases
relevantes de desenvolvimento. É uma formação moral que pode ter vieses teóricos e práticos
diversos, que apontam para diferentes fins, princípios, domínios e técnicas, isto é, podem ou
não atuar em prol de uma formação orientada para a autonomia e construção do espírito
crítico. “Querendo ou não, todas as escolas atuam na formação moral de seus alunos; nem
todas o fazem, no entanto, na direção da autonomia” (MENIN, 2003, p. 60).
Na perspectiva piagetiana o desenvolvimento do raciocínio moral de cada pessoa
depende da aprendizagem e das interações sociais ocorridas ao longo da vida, pois não é
processo completamente inato ou apenas resultado de maturação neurológica (LA TAILLE,
2009, p. 228). Nesse caso, tanto a aprendizagem como as interações podem favorecer ou
prejudicar o desenvolvimento moral. Aproveitamos de Vinha e Tognetta (2009, p. 529), entre
outros autores que compartilham os mesmos pressupostos extraídos de Piaget, para a
afirmação complementar de que “quanto mais o ambiente oferecido for cooperativo, maior o
desenvolvimento da autonomia, e; quanto mais autoritário, maiores os níveis de
heteronomia”.
Seguindo nessa linha de argumentação, e buscando aproximações com o que foi
exposto no início, podemos trazer as aulas de Ciências à discussão. Acreditamos que as aulas
de Ciências encerram características de um ambiente peculiar, cujas interações atitudinais e
axiológicas implicam tanto o desenvolvimento moral como a aprendizagem cognitiva dos
alunos. Esse nosso entendimento refere-se às potencialidades de mobilização do raciocínio
moral e do pensamento crítico que subjazem diversas situações específicas de aula de
Ciências: em possíveis confrontos entre conhecimento científico e senso comum, em
compreensões e difusões acerca dos métodos, do status e da natureza da ciência, em
tratamentos de assuntos sociocientíficos controversos, nas relações entre “verdade” e teoria
em ciência, nas dimensões ético-discursivas que permeiam a construção e difusão do
conhecimento científico, além das relações humanas e dos princípios e métodos de ensino e
aprendizagem envolvidos, entre outros.
Esta introdução não é exaustiva, mas já contém elementos suficientes para justificar a
implementação de um estudo referencial sobre o desenvolvimento moral dos alunos em
aulas de Ciências que explore os aspectos teórico-práticos de ambos - desenvolvimento
moral e aulas de Ciências - e tente avançar os limites que preponderam nas atuais discussões.
Assim, embasados pelas perspectivas sociomorais das teorias de Piaget (1994, 2003),
Kohlberg (1992) e Habermas (1987a, 1987b, 1999, 2003), além de outros autores que se
alinham a esses pressupostos, neste trabalho apresentamos dados, análises e argumentos que
20
buscam (i) explorar uma interface de aspectos teórico-práticos laicos e racionais entre o
desenvolvimento moral e as aulas de Ciências, permitindo avanços nos conhecimentos
sobre formação do pensamento moral, crítico e científico dos estudantes em processo de
ensino-aprendizagem de Ciências; (ii) delinear o estado dos trabalhos científicos da área
brasileira de Educação em Ciências sobre o assunto desenvolvimento moral.
A nossa expectativa, ao final, é que o estudo sobre o desenvolvimento moral em aulas
de Ciências e o respectivo estado dos trabalhos da área configure a existência de uma
interface de contribuições teórico-práticas recíprocas, plausíveis e viáveis entre o
processo de desenvolvimento moral dos alunos e as aulas de Ciências, que merece maior
atenção da área.
Em suma, temos um panorama de inquietação sobre as dimensões atitudinais e
axiológicas do ensino e aprendizagem de Ciências, que leva a exigências de ampliação e
aprofundamento de pesquisas sobre o tema, porque as pesquisas ainda são discretas,
envolvem conhecimentos de domínios teóricos diversos (Filosofia, Sociologia, Psicologia,
Neurociência) e podem conter relevantes subsídios para a nossa área. O desenvolvimento
moral dos alunos em aulas de Ciências é um dos assuntos desse contexto abertos à
investigação. Esse panorama encerra problemas passíveis de investigação, como estas duas
questões que optamos resolver: (1) Tendo-se por base as perspectivas sociomorais de Piaget,
Kohlberg e Habermas, que contribuições correlativas podemos delinear (esboçar, projetar)
entre o desenvolvimento moral dos alunos e as aulas de Ciências? (2) O que os trabalhos
científicos da área, no Brasil, apresentam sobre o assunto desenvolvimento moral? A hipótese
que esperamos confirmar refere-se à existência de uma interface de contribuições teórico-
práticas recíprocas, plausíveis e viáveis entre o processo de desenvolvimento moral dos
alunos e as aulas de Ciências, que ainda é subestimada nas discussões e merece maior atenção
da área.
Para darmos conta de nossos propósitos, estruturamos o trabalho em três partes:
“Abrangências e posicionamentos”; “Correlações” e “Ausências e necessidades”.
Basicamente, as três partes estão assim organizadas:
I - Abrangências e posicionamentos: Traz um alinhamento de ideias e de argumentos
que tomamos das áreas de Educação e de Psicologia do Desenvolvimento. Inicia com um
conjunto de conceitos e abordagens gerais sobre ética, moral e educação em valores e termina
com uma revisitação específica às teorias de Piaget, Kohlberg e Habermas. Essa trajetória
delineia aspectos axiológicos e atitudinais que entendemos válidos e pertinentes para a
educação escolar atual (orientações dirigidas para a autonomia e emancipação das pessoas).
21
Agrega ideias (e ideais) contextuais - das mais gerais às mais específicas, incluindo
componentes legais e de orientações extraídos da LDBEN e dos PCN - sobre as quais
retomamos em posicionamento posterior em relação às aulas de Ciências.
II - Correlações: Nesta parte do trabalho prepondera uma análise teórica, realizada
com a justaposição de subsídios encontrados em Piaget, Kohlberg (área da Psicologia) e
Habermas (área sociológica da Ética Discursiva) e as argumentações (diretas ou denotadas)
em prol das necessidades axiológicas do ensino de Ciências difundidas na literatura (de
Educação e da nossa área). Além de agregar algumas especificidades a essas argumentações
em prol das necessidades axiológicas do ensino de Ciências, a análise projeta uma efetiva
aproximação entre aspectos do desenvolvimento moral e das aulas de Ciências. São
apresentados exercícios de situações diversas em que elementos de princípios, conteúdos e
procedimentos de duas áreas distintas - Educação em Ciências e Psicologia do
Desenvolvimento - tomam um delineamento de correspondências potenciais tanto para as
aulas de Ciências como para o desenvolvimento moral dos alunos.
III - Ausências e Necessidades: Refere-se a uma parte empírica necessária para
atingir integralmente o conjunto dos objetivos traçados. O empreendimento empírico
apresenta um estado de conhecimento sobre o assunto formação moral em trabalhos
científicos da área brasileira de Educação em Ciências, permitindo um posicionamento de
relevância e de tendência quanto aos aspectos do desenvolvimento moral e da ética discursiva,
além de apresentar um conjunto de descritores que permite visualizar de modo abrangente as
questões de ética e de moral que aparecem nesses trabalhos.
Para finalizar este tópico introdutório, três ressalvas são apresentadas. A primeira
confirma que este trabalho não procura explorar (ou resultar em) modelos de ensino e nem
tem a intenção de avaliar pessoas, mas em identificar e analisar potenciais subsídios
correlacionados a ambos os processos: formação moral dos alunos e aulas de Ciências. Assim,
concordamos com La Taille (1994, p. 81) quando se refere aos trabalhos de Piaget (e que
aproveitamos para também estendermos essa sua afirmação para os demais referenciais que
utilizamos): “limitar-se a transformar a teoria de Piaget em técnicas de sala de aula é dela tirar
pouco proveito. E [...] corre-se o risco de acreditar que se resolvem as questões de autonomia
intelectual e moral através de métodos pedagógicos”. Afinal, também estão em jogo relações
sociais bastante amplas e profundas que o pedagógico ajuda, mas não dá conta totalmente.
A segunda refere-se a opções tomadas por nós. Num trabalho como este, no qual são
apresentadas e defendidas ideias subjacentes a princípios e noções de educação e de moral,
não há dúvidas que as escolhas e decisões tomadas por nós implicam valores e ideologias
22
(como ocorre em qualquer outra pesquisa). Antes de tornar explícitas as nossas bases
ideológicas sobre esse ponto e também para acalmar os ânimos daqueles que se preocupam,
como nós mesmos, sobre as possibilidades de prejuízos ao campo científico que possam
surgir, nos apropriamos de uma citação que representa nossa linha de pensamento.
PARTE I
ABRANGÊNCIAS E POSICIONAMENTOS
A verdade dividida
De toda uma discussão mais prolongada que se poderia fazer sobre os conceitos de
ética e moral, entendemos que para os propósitos deste trabalho podemos nos apropriar dos
seguintes conceitos trazidos por Vázquez (2005): “ética é a ciência da moral” (p. 23),
enquanto “moral é um sistema de normas, princípios e valores, segundo o qual são
regulamentadas as relações mútuas entre os indivíduos ou entre estes e a comunidade” (p. 84).
Ao comentar sobre esse conceito de moral, Vázquez afirma que as regras e normas têm
características históricas e sociais e devem ser acatadas livremente e com consciência e não
por meio de imposições externas. Esses argumentos estão alinhados ao pensamento de Piaget
(1994, p. 23): “Toda moral consiste num sistema de regras, e a essência de toda moralidade
deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas regras”.
Este nosso trabalho versa sobre a Educação em Ciências e tem nas suas bases os
pressupostos de racionalidade e laicidade. No entanto, já fomos questionados algumas vezes
se, por se tratar de um tema que envolve moral, o nosso estudo não traria vínculos
implicitamente religiosos, cujos vieses seriam, então, interferentes negativos à investigação
científica implementada. Ainda que possam articular-se, entendemos que não há uma relação
obrigatória e exclusiva entre moral e religião. Não se pode confundir moral com religião.
De algumas alternativas disponíveis na literatura sobre essa questão, optamos por
Vázquez para, com ele, brevemente ratificarmos nosso posicionamento entre moral e religião.
Vázquez (2005, p. 91-92) explica que a moral não tem origem na religião, pois é anterior a
ela. Homens primitivos viviam sem religião, mas tinham suas regras de convivência - uma
forma embrionária de moralidade. Portanto, moral é possível sem a religião e não depende da
religião, ainda que possa articular com o religioso em nossos dias.
Por fim, e ainda utilizando as palavras de Vázquez (2005, p. 23), ressaltamos que
“não existe uma moral científica, mas existe - ou pode existir - um conhecimento da moral
que pode ser científico. Aqui, como nas outras ciências, o científico baseia-se no método, na
abordagem do objeto”. Dentro desse plano conceitual encontra-se o nosso trabalho, cuja
preocupação está voltada para um evento específico da moralidade: o processo psicológico de
desenvolvimento moral dos alunos em aulas de Ciências, considerado dentro da tríade “escola
pública9 - laicidade - racionalidade”.
9
Enfatizamos a escola pública porque é espaço de formação geral e tem acesso não restritivo. Diferente, por
exemplo, de escolas confessionais, de escolas privadas ou de escolas técnicas.
26
10
Sobre “Ensinar a competir” na escola pública, vide interessante reportagem da revista Veja (ANEXO F).
28
negativamente. Resultados apontam que, em geral, são utilizadas “opiniões do senso comum
para decidir o que é moral, imoral ou como educar moralmente”. Em tom crítico, a autora
assim resume acerca dessa ideia difundida de que a educação moral tem pouca ou quase
nenhuma relevância na escola por causa da origem e preponderância de influências familiares
e religiosas: “é como se houvesse a crença que, em moral, a família é tudo e a escola, nada”.
De acordo com Menin (2002), os dois posicionamentos analisados - doutrinário e
relativista - comentem erros e são ineficazes. E pergunta: “existem outras posições?” (p. 96).
Estudos diversos sobre educação moral apontam alguns caminhos. Há diferentes
abordagens para a educação moral, cada qual com sua especificidade, princípios, conceitos e
elementos teórico-práticos.
Assim como nós, a autora baseia-se especialmente nos estudos de Piaget para construir
seus argumentos em prol da educação em valores na escola. Utilizando esse referencial, em
resumo, podemos afirmar que “a educação moral ou educação em valores não poderia jamais
se dar na forma de imposição de valores [... e] os meios usados no ensino são tão
fundamentais quanto os fins” (MENIN, 2002, p. 96-97).
A educação com fins voltados para a autonomia, portanto, não se respalda em coação,
coerção, imposição, autoritarismo, transmissões de “verdades” acabadas etc. Nesse caso,
apontamos juntamente com Menin a necessidade da escola criar situações que possibilitem
diálogo, reflexões, críticas e escolhas próprias dos alunos.
Esse posicionamento extraído de Piaget não é relativista, pois “há uma clara opção
pela autonomia moral como melhor, racional e moralmente falando, que a heteronomia”,
como veremos mais adiante. No entanto, já podemos deixar algumas reflexões, no formato
das seguintes questões, agora com o foco deslocado para as aulas de Ciências: Podemos
encontrar aulas de Ciências caracterizadas pelo ensino impositivo de conceitos prontos e
verdades absolutas? Pode o ensino de Ciências em sala de aula ocorrer de modo relativista, do
tipo se laisser aller ou se laisser faire, e sem planejamento psicopedagógico embasado para o
aprendizado específico dessa disciplina? Se assim for, num ou noutro, parece-nos que o erro e
a ineficácia apontados nos argumentos de Menin se repetem.
moderna e teórico-crítica da formação do sujeito moral. Afinal, todo esse trabalho perpassa a
educação.
Apesar de tema complexo, não há como negar que a preocupação ética tem dimensão
universal, sendo presente em todos os âmbitos da vida humana. No entanto, há “uma curiosa
ambigüidade entre o discurso ético que se dissemina e ocupa todos os espaços e a efetiva
importância que se dá à ética no campo prático” (GOERGEN, 2005, p. 984). Goergen critica
o que chama de menosprezo dispensado à ética, ainda que se reconheça a importância da
relação entre ética, moral e educação. Tanto no currículo escolar como no seu cotidiano,
“constatamos que a ética ocupa um lugar bastante singelo, muitas vezes restrito a um recorte
disciplinar ou, quando muito, a uma atividade transversal” (GOERGEN, 2005, p. 985). O que
orienta um modelo de educação que consiste na transmissão de valores fixos e inapeláveis de
geração em geração. “As crianças e jovens são levados a reconhecer a autoridade e seguir
seus mandamentos” (GOERGEN, 2005, p. 995). E se na escola, em geral, os estudantes são
educados para obedecer às normas e, de forma heterônoma, aceitá-las, isso nos remete a
pensar que essa instituição não vem se servindo de pressupostos orientados para uma
formação crítica.
Habermas, então, aparece com a sua ideia de educação moral focada na melhoria das
condições sociais. Desenvolve sua teoria com fundamentos numa nova compreensão da razão,
do ser humano e da sociedade: a ética do discurso. Habermas concorda com Kant que o
mundo da moral é o mundo da autonomia do ser humano, mas discorda dele por entender que
as decisões são sempre das pessoas afetadas por elas. Uma decisão a ser tomada com base
num entendimento alcançado mediante um diálogo em condições iguais de racionalidade. “É
pelo diálogo e não individualmente que devemos chegar à conclusão se uma norma moral é
correta ou não”. Transferindo-se tal abordagem para a educação moral, vislumbram-se
conteúdos e atitudes didáticas voltados para “o processo de desenvolvimento da liberdade, da
emancipação e da responsabilização dos educandos”. Nesse caso, não há espaço para
doutrinação, mas para um processo discursivo argumentativo que resulta gradativamente em
autonomia pessoal e responsabilidade social (GOERGEN, 2005, p. 1002-1004).
Em resumo, o ser humano só é ou só pode ser um sujeito moral se for realmente livre
para decidir e assumir conscientemente essa responsabilidade. “Do ponto de vista do
educador, pode-se dizer que sua influência educativa deve contribuir para um sujeito
consciente e autônomo, capaz de decidir que atitudes tomar que, na busca da felicidade,
preservem tanto interesses individuais quanto sociais” (GOERGEN, 2005, p. 1007).
30
configurado pela cultura do tédio, não encontramos expectativa de um futuro modificado para
melhor, pois essa expectativa somente é possível na cultura do sentido, por meio da educação
ético-moral.
Pesquisas diversas mostram que a maioria das pessoas é heterônoma, isto é, tendem a
apenas aderir às idéias e valores que circulam no meio social em que vivem. Nesse caso, uma
mudança de perspectiva para um futuro melhor estaria implicando a formação moral para a
autonomia: “somente uma cultura do sentido pode vencer uma cultura do tédio” (LA
TAILLE, 2009, p. 79). Para tanto, a formação moral no contexto da escola e das disciplinas
torna-se relevante. Essas ideias passam pelo potencial das escolas e das disciplinas escolares
na perspectiva de mudanças, pois em qualquer cenário de futuro a educação aparece como
atividade inconteste para que a cultura do sentido seja manifestada.
Concordamos com La Taille ao dizer que cabe à escola tomar parte na formação moral
de seus alunos e não apenas ficar restrita a transmitir conhecimentos, sem aproveitar-se deles
com vistas a melhoria do futuro. Afinal, “os próprios conhecimentos transmitidos na escola
são portadores de sentido que transcendem a especificidade de cada matéria. A escola é uma
verdadeira usina de sentidos, [...] e não há outra instituição social de que se possa dizer o
mesmo” (LA TAILLE, 2009, p. 81).
Para a escola e, em especial, para a busca da verdade como valor, devemos nos voltar
para a construção daquilo que La Taille chama de “cultura do sentido”, pois ela não existe
sem educação para o sentido. E para falar de uma educação para o sentido, o autor enfatiza a
relevância da busca de um valor em especial: a verdade. Ainda que haja limitações, erros e
ilusões quando mencionamos o termo “verdade”, o empenho nessa busca é investimento para
a cultura do sentido, ou seja, a formação moral também perpassa por esse valor (da verdade).
Baseado em Williams (2006), La Taille aponta dois obstáculos que dificultam a busca
da verdade: os interiores e os exteriores. Os obstáculos exteriores são inerentes aos objetos e
32
os interiores são inerentes ao sujeito. Sobre a superação dos obstáculos exteriores, que se
referem a objetos de pesquisa, a psicologia não tem o que auxiliar. Esse auxílio pode ser dado,
no entanto, na superação dos obstáculos interiores, relacionados ao sujeito. Sobre esses
obstáculos, La Taille diz que podem ser de três tipos, os quais a educação pode ajudar a
superá-los: lacunas no conhecimento, fragilidade ou insipiência das ferramentas intelectuais e
ausência de determinadas virtudes.
a) Lacunas no conhecimento: Para que um sujeito busque a verdade (ou confirme o
que é transmitido) sobre algum evento ou fenômeno, ele precisa lidar com dados e
informações diversas, ou seja, há necessidade não apenas de apropriar-se de conhecimentos
específicos, mas também correlacioná-los e observá-los de maneira crítica para resolver o seu
problema. Para La Taille (2009, p. 97), compete essencialmente às instituições educacionais a
tarefa de trabalhar com essas lacunas e “fazer que as pessoas possuam conhecimentos
variados”, especialmente no campo científico e filosófico.
b) Ferramentas intelectuais: Ter somente conhecimentos não é suficiente para
desvendar verdades. De acordo com La Taille, além de conhecimentos (conteúdos) é
necessário que os indivíduos também mobilizem formas precisas de raciocínio (formas).
“Para raciocinar, ou seja, para produzir conclusões fiáveis, o ser humano dispõe de duas
ordens de ferramentas intelectuais: as operações e os procedimentos”.
Sobre as operações, o autor baseia-se no sentido piagetiano de “ações interiorizadas
reversíveis, [...] porque todo pensar é uma ação”. As operações são ferramentas da mente que
usamos para estruturar e promover ajustes na lógica de nosso raciocínio. “Não houvesse
operações, não haveria critérios que nos permitissem afirmar que um raciocínio é válido ou
não. A lógica [...] garante consistência, objetividade e possibilidade de comunicação” (LA
TAILLE, 2009, p. 101).
Nesse caso, trabalhar operacionalmente com a verdade implica aprendizagem sobre as
possibilidades de falhas nas nossas observações e conclusões para que não sejam precipitadas
e falhas ou contaminadas, por exemplo, por ilusões de óptica ou por equívocos de construção
de lógica. Em discussões que envolvem a natureza da ciência temos diversos exemplos
ilustrativos desses problemas.
Sobre os procedimentos, são sequências de ações para se chegar a determinados
resultados, que podem ou não ser interiorizadas. Podemos dizer que, enquanto a operação
corresponde à lógica interna do pensamento, os procedimentos correspondem aos passos por
ele percorridos. Para auxiliar o entendimento entre ambos, pode-se fazer uma analogia
interessante ao dizer que “a operação está para a teoria como o procedimento está para o
33
método”, pois, como sabemos, os métodos de pesquisa são criados e utilizados para verificar a
validade de teorias. “Logo, se não há busca da verdade possível sem postura teórica,
tampouco é possível chegar a ela sem procedimentos adequados” (LA TAILLE, 2009, p.
104).
Isso posto, La Taille insere aspectos que entendemos sejam elementos úteis aos
propósitos correlacionais que vislumbramos para o ensino de Ciências.
[...] embora variados procedimentos possam ser criados pelos alunos para
dar vida prática a suas operações e chegar a verdades múltiplas, na maioria
das vezes eles são ensinados pela escola. Melhor dizendo: aqueles atinentes
à ciência são apresentados pela escola. Ou deveriam.
Aqui devemos voltar ao alerta de Rosseau: para que os alunos não sejam
coagidos a se limitarem a acreditar nas verdades produzidas pelos cientistas,
é preciso que tenham acesso aos variados procedimentos por intermédio dos
quais os pesquisadores colocam à prova suas teorias. Não se trata de
desconfiança em relação a eles, mas sim da necessidade de se apoderar, na
medida do possível, dos procedimentos que eles criam e empregam para
chegar a suas respectivas verdades (LA TAILLE, 2009, p. 105).
Para La Taille (2009, p. 105), não existe procedimento geral possível de ser aplicado a
todos os problemas. Cada um deles tem um correspondente. Contudo, quando é implementado
um trabalho com o aluno que envolve busca da verdade, não há como excluir o ensino de
procedimentos. “Trata-se de mostrar a ele [aluno] que a busca da verdade depende de uma
‘disciplina’ da reflexão, disciplina essa que se traduz pela criação e emprego de
procedimentos”. Acaba-se demonstrando, então, que a busca da verdade não é tarefa fácil e
que sua realização leva em conta a lógica e os procedimentos correspondentes dessa busca.
Para reforçar esses argumentos, o autor fala sobre os resultados positivos obtidos da
iniciação à pesquisa científica que dá a seus alunos, pois eles trabalham com teoria, métodos e
procedimentos. E complementa dizendo que as escolas básicas, guardando as devidas
proporções, poderiam fazer o mesmo.
c) Virtudes: A tese é de que sem determinadas virtudes, mesmo tendo mobilizado
conhecimentos, operações e procedimentos, a pessoa não se dispõe a buscar a verdade,
satisfazendo-se mais facilmente “com ideias prontas, com fatos não comprovados, com
preconceitos de toda ordem, com reflexões brumosas e afirmações peremptórias”. (LA
TAILLE, 2009, p. 106). Nesse caso, a verdade entendida como valor requer virtudes de boa-
fé, exatidão, paciência, simplicidade e humildade para buscá-la. Apoiando-se em Comte-
Sponville (1995), La Taille diz que uma pessoa dotada de boa-fé busca e respeita a verdade.
As virtudes decorrem de desenvolvimento pela aprendizagem, porque não são inatas e
nem correspondentes a traços de personalidade biológica. O que coloca a escola em evidência,
34
porque é instituição em que o amor e o respeito pela verdade são (ou deveriam ser)
fundamentais, desde o nível infantil até a universidade. “Um professor que não seja inspirado
pelo mesmo amor [à verdade, que também os cientistas devem ter] é, além de pessoa
inconsequente e alienada, um possível cúmplice de possíveis imposturas: como pode ele sem
critérios de veracidade, ensinar o que quer que seja?” (LA TAILLE, 2009, p. 109).
De acordo com os argumentos de La Taille (2009, p. 110), a verdade implica exatidão.
Exatidão entendida “como apreço pela clareza, pela precisão, pelo rigor, pelo controle”.
Portanto, quem se inspira na verdade sabe que ideias vagas, raciocínios lacunares, frases
obscuras são obstáculos à sua busca. Pode-se ter uma opinião, mas que não se confunde com
verdade. Nesse ponto, o autor chama nossa atenção para algumas estratégias de aula que tanto
podem corresponder a ricos modelos de exatidão como permanecerem somente no nível de
troca de opiniões e, nesse caso, ajudando a fortalecer o relativismo em detrimento da verdade.
Vê-se, portanto, que a forma, a estratégia de aula tem papel relevante nessa questão da busca
da verdade e, ainda, que as aulas de Ciências encaixam-se igualmente nesse papel por causa
das características de seu objeto, ou seja, a ciência.
Ao discutir as estratégias de aula, La Taille retoma as ideias de Piaget acerca das
relações de coação e de cooperação, com a ressalva de que as relações de cooperação
defendidas por Piaget não excluem aulas expositivas. Da mesma forma que o método ativo
envolvendo as relações de cooperação não é garantido, por si só, no simples fato de promover
discussões entre alunos. Relações de cooperação, na perspectiva piagetiana, devem apresentar
as seguintes características que convergem para a participação simétrica dos membros: saber
ouvir os outros; procurar expressar-se de forma clara; avisar sobre possíveis mudanças de
ideia; usar os mesmos conceitos. Essa perspectiva, aliás, contém similaridades com as ideias
apresentadas na teoria habermasiana da ética do discurso. Então, fica esclarecido que
convencimento é diferente de imposição e, consequentemente, ambos implicam aspectos
antagônicos em relação à moralidade, mais especificamente ao desenvolvimento moral.
Ainda que tenhamos priorizado aspectos pontuais a envolver verdade, valor e ensino,
demonstra-se em La Taille (2009) uma abordagem provocadora de muitas reflexões dessa
temática, tanto para investigadores da área de Educação em Ciência como para o trabalho do
professor em sala de aula.
35
como nós, a busca e consolidação da autonomia e emancipação dos alunos pelo caminho da
racionalidade na educação escolar não pode renegar os princípios de respeito mútuo, justiça,
diálogo e solidariedade.
Por fim, apresentamos na sequência um conjunto de dados empíricos (quantitativos e
qualitativos) sobre as diferentes versões dos PCN, para que o leitor tenha um panorama mais
claro sobre os aspectos de formação ético-moral contidos nesses respectivos documentos.
Então, vejamos11.
11
Os respectivos dados foram coletados de cópias eletrônicas dos PCN (arquivos em PDF), por meio das
ferramentas de busca do Adobe® Reader® , versão 9.3.0.
12
A categorização que apresentamos tem outras possibilidades, pois os documentos apresentam discussões
diversas nas quais os termos “ética” e “moral”, por vezes, aparecem associados a mais de um contexto. Nesse
caso, optamos por categorizá-los de acordo com as abrangências e especificidades em que aparecem.
38
embotado, nunca ousando pensar por si mesma, sempre refém das ‘autoridades’ que tudo
sabem por ela. [...] uma criança a quem nunca se dê a possibilidade de se afirmar, de ter
êxito nos seus menores empreendimentos, uma criança sempre humilhada, dificilmente
desenvolverá alguma forma de respeito próprio. Ora, sendo que o desenvolvimento moral
depende da afetividade, notadamente do respeito próprio, e da racionalidade, e sendo que a
qualidade das relações sociais tem forte influência sobre estas, a socialização também tem
íntima relação com o desenvolvimento moral. Sendo que as relações sociais efetivamente
vividas, experienciadas, têm influência decisiva no processo de legitimação das regras, se o
objetivo é formar um indivíduo respeitoso das diferenças entre pessoas, não bastam belos
discursos sobre esse valor: é necessário que ele possa experienciar, no seu cotidiano, esse
respeito, ser ele mesmo respeitado no que tem de peculiar em relação aos outros” (p. 58);
“Se o objetivo é formar alguém que procure resolver conflitos pelo diálogo, deve-se
proporcionar um ambiente social em que tal possibilidade exista, onde possa, de fato,
praticá-lo. Se o objetivo é formar um indivíduo que se solidarize com os outros, deverá poder
experienciar o convívio organizado em função desse valor. Se o objetivo é formar um
indivíduo democrático, é necessário proporcionar-lhe oportunidades de praticar a
democracia, de falar o que pensa e de submeter suas idéias e propostas ao juízo de outros. Se
o objetivo é que o respeito próprio seja conquistado pelo aluno, deve-se acolhê-lo num
ambiente em que se sinta valorizado e respeitado. Em relação ao desenvolvimento da
racionalidade, deve-se acolhê-lo num ambiente em que tal faculdade seja estimulada. A
escola pode ser esse lugar. Deve sê-lo” (p. 59).
Em “Meio Ambiente e Saúde” (BRASIL, 1997d), encontramos:
a) 14 inserções da palavra “ética”: em menção ao nome do tema transversal (uma vez);
em abordagem sobre a formação ética (duas vezes); em menção sobre um dos objetivos do
Ensino Fundamental (uma vez); em reflexões e discussões filosóficas e (ou) políticas (seis
vezes); correlacionando ética e conteúdos de Meio Ambiente (uma vez); correlacionando ética
e conteúdos de saúde (duas vezes); em obra citada na lista de referências bibliográficas (uma
vez).
b) Uma inserção da palavra “moral”: em menção aos princípios da Educação
Ambiental escolar, de acordo com a Conferência Intergovernamental de Educação Ambiental
de Tbilisi de 1977.
Exemplos de excertos em que aparecem no documento as palavras “ética” e (ou)
“moral”: “A questão ambiental, no ensino de primeiro grau, centra-se principalmente no
desenvolvimento de valores, atitudes e posturas éticas, e no domínio de procedimentos, mais
42
do que na aprendizagem de conceitos” (p. 43); “Nesse contexto, falar de saúde implica levar
em conta, por exemplo, a qualidade da água que se consome e do ar que se respira, [...]
envolve aspectos éticos relacionados ao direito à vida e à saúde, direitos e deveres, ações e
omissões de indivíduos e grupos sociais, dos serviços privados e do poder público” (p. 66).
Em “Pluralidade Cultural e Orientação Sexual” (BRASIL 1997e), encontramos:
a) 22 inserções da palavra “ética”: em título do capítulo e nome do tema (duas vezes);
correlacionando com sexualidade (uma vez); correlacionando com saúde (uma vez); em
reflexões filosóficas (doze vezes); em menção sobre um dos objetivos do Ensino Fundamental
(uma vez); em abordagem sobre formação ética na escola (três vezes); correlacionando
diretamente com pluralidade cultural (duas vezes).
b) Duas inserções da palavra “moral”: em reflexão filosófica do tema (uma vez); em
abordagem sobre sexualidade (uma vez).
Exemplos de excertos: “No âmbito instrumental, [...o tema] exige do professor
atitudes compatíveis com uma postura ética que valoriza a dignidade, a justiça, a igualdade e
a liberdade” (p. 39); “Não se pode exigir do professor uma isenção absoluta no tratamento
das questões ligadas à sexualidade, mas a consciência sobre quais são os valores, crenças,
opiniões e sentimentos que cultiva em relação à sexualidade é um elemento importante para
que desenvolva uma postura ética na sua atuação junto dos alunos” (p. 84); “O professor
deve manifestar a compreensão de que as manifestações da sexualidade infantil são
prazerosas e fazem parte do desenvolvimento saudável de todo ser humano. É necessário
cuidado para não humilhar ou expor os alunos: tais manifestações não devem ser
condenadas ou julgadas segundo doutrinas morais” (p. 103).
Nos PCN do Ensino Médio (BRASIL, 1999), na parte referente às bases legais do
documento (parte I), encontramos:
a) 34 inserções da palavra “ética”: em abordagem sobre a formação ética na escola (17
vezes); em correlações com conteúdos de Ciências, Matemática e suas Tecnologias (três
vezes); em título e subtítulo do documento (duas vezes); em reflexões filosóficas e políticas
(12 vezes).
b) Sete inserções da palavra “moral”: em reflexões filosóficas correlacionadas à
educação (seis vezes); referindo-se ao trabalho de Piaget sobre a autonomia moral e
intelectual (uma vez).
Exemplos: “Alteram-se, portanto, os objetivos de formação no nível do Ensino Médio.
Prioriza-se a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento
crítico” (p. 15); “Como princípio educativo, a ética só é eficaz quando desiste de formar
pessoas ‘honestas’, ‘caridosas’ ou ‘leais’ e reconhece que a educação é um processo de
construção de identidades. Educar sob inspiração da ética não é transmitir valores morais,
mas criar as condições para que as identidades se constituam pelo desenvolvimento da
sensibilidade e pelo reconhecimento do direito à igualdade a fim de que orientem suas
condutas por valores que respondam às exigências do seu tempo” (p. 69, grifos do
documento).
2.5 - Destaques
13
A análise das inserções dos termos subsidiou a elaboração dessa nossa breve categorização.
47
subsídios contributivos tanto para as aulas de Ciências como para o desenvolvimento moral
dos alunos.
Depois de ler pela primeira vez “O juízo moral na criança” (PIAGET, 1994), lembro-
me de retornar ao prefácio de La Taille, no qual algumas de suas falas, à época, me marcaram:
“[...] é um clássico da literatura psicológica”; “Quem quiser seguir a trilha das pesquisas e
reflexões que JM [O juízo moral na criança] suscitou deverá instruir-se sobre, entre outras, a
teoria de Kohlberg”; “[JM] ajuda-nos a prosseguir pensando a moralidade humana”. Iniciei
este item com essas lembranças porque hoje posso confirmar o quanto a obra clássica de
Piaget influenciou-me nessa temática e fez-me buscar em Kohlberg, em Habermas e também
em outras teorias originais ou de interlocutores, as compreensões sobre questões de
moralidade que tanto me incomodavam em minhas aulas de Ciências, especialmente após o
evento da aula de evolução relatado logo no início deste trabalho.
Basicamente o que Piaget apresenta em “O juízo moral na criança” são os estágios de
heteronomia e autonomia moral. Esses dois conceitos, extraídos de Kant, referem-se à forma
de obediência às normas ou regras estabelecidas. Assim, heteronomia moral é a obediência
motivada por controle externo, geralmente por interesse egocêntrico (por exemplo, medo de
castigo), enquanto autonomia moral é a obediência motivada por controle interno, na escolha
consciente de um princípio aceito como válido, mas mutável se for justo (por exemplo, em
prol da vida) e cuja responsabilidade social vem acompanhada por essa consciência na
escolha.
O conjunto da obra compreende importante relato de pesquisa sobre a gênese do juízo
moral infantil. Após entrevistas clínicas com crianças de cinco a doze anos, Piaget (1994)
acaba concluindo que o processo de julgamento moral da criança passa por duas fases
distintas: a moral heterônoma e a moral autônoma.
49
A primeira fase é marcada por normas morais entendidas pela criança como leis
sagradas e não passíveis de modificações. Nesse caso, a criança interpreta a norma ao pé da
letra, como se a origem da ordem surgisse e ficasse encerrada na própria norma. Para a
criança nessa fase, será mais culpado, por exemplo, aquele que mentir sobre algo de tamanho
maior, mesmo por engano ou por distorção da realidade.
A segunda fase é marcada por um entendimento das normas como elementos sociais
de regulação entre as pessoas. Nesse caso, a criança (em torno de onze anos, doze anos) já
consegue se ver integrante ativo na dimensão do universo moral, sendo capaz de manter
relações de reciprocidade com os demais. Portanto, a criança passa de uma obediência passiva
sobre normas inquestionáveis para uma relação que perpassa o acordo racional e o respeito
mútuo.
Piaget (1994) observou em suas pesquisas que as fases de heteronomia e de autonomia
moral ocorrem junto aos respectivos estágios pré-operatório e operatório, em decorrência da
capacidade de uso da razão na fase de autonomia moral, ou seja, da mera crença ou do
simples acreditar em algo que venha do seu exterior (do adulto, por exemplo), a criança passa
para uma fase em que procura de forma consciente a justificação contida nas normas.
De acordo com La Taille (1994, p. 81) o que Piaget nos revela com suas experiências é
que “o universo moral não é exterior à constituição do sujeito epistêmico e psicológico; ao
contrário”, pois a moralidade “têm influência direta sobre os processos integrantes da natureza
humana”. Portanto, “o princípio da igualdade, condição necessária ao exercício da
cooperação, passa a ter uma justificativa cientifica, pois sem esta liberdade não há
desenvolvimento intelectual e moral”.
Tanto na dimensão da inteligência como na da moral, Piaget vê que a imposição e a
coerção (ainda que estejam presentes na primeira fase) são elementos de relações humanas
que não conseguem levar à autonomia. Pelo contrário, esses são elementos que apenas
reforçam a heteronomia e o respectivo egocentrismo. A cooperação, o diálogo, o acordo
mútuo, para Piaget, são os elementos-chave para favorecer o desenvolvimento da autonomia
moral.
Essas observações de Piaget nos fazem refletir sobre as relações sociais experenciadas
pelas crianças nos diferentes ambientes em que vivem e se relacionam com outras crianças e
também com os adultos, incluindo a escola. De acordo com os pressupostos piagetianos, a
depender de relações de coação ou de cooperação poderá haver interferências no
desenvolvimento moral (e também intelectual) da criança.
50
Para autores diversos que estudam a teoria moral piagetiana, entre eles Freitas (2002),
o psicólogo suíço teve forte influência de Kant. Abordando esse tema, Freitas (2002)
demonstra qual foi a intenção de Piaget no que diz respeito à moral. Para tanto, baseia-se no
método da análise estrutural de Ramozzi-Chiarottino para a análise dos textos escritos por
Piaget sobre moral. Em seus argumentos, são destacadas três partes: o projeto do jovem
Piaget; as razões de seus escritos sobre o juízo moral; explicação sobre o caminho que se
percorre para chegar na consciência moral autônoma. Interessa-nos especificamente as duas
últimas.
Desde que publicou Recherche, em 1918, Piaget “aspirava propor uma teoria sobre a
moral”, afirma Freitas (2002). “O juízo moral na criança” pode ter sido uma “tentativa de
submeter as suas idéias sobre a moral a uma verificação empírica”. Com isso, Piaget pretendia
dirimir dúvidas interpostas por divergências advindas de autores como Kant, Durkheim e
Bovet, entre outros.
O que se vê nos estudos de Piaget é o que pesquisadores, como Freitas (2002, p. 305),
entre outros, chamam de “um paralelismo entre o desenvolvimento da lógica e da moral no
ser humano”, tendo o ambiente social um papel relevante no processo de ambos.
Em suma, nos experimentos de Piaget, as crianças de até aproximadamente dois anos
não acusaram perceber a existência de regras (anomia moral). Após esse período, o que se
apresentou a Piaget foi uma prevalência do respeito unilateral da criança para o adulto. Uma
obediência proveniente da coação social, com a criança valorizando as regras e normas
porque estas se ligam à presença dos adultos. O que não significava, na prática, que as
crianças seguiam as regras impostas. A essa fase Piaget denominou de realismo moral, pois a
moral era vista pela criança como algo exterior a ela, isto é, que vinha de fora para dentro.
Esse respeito unilateral, segundo diversos autores, como Freitas (2002), não deve ser
visto como desrespeito ou algo evitável, pois é fase necessária ao processo de
desenvolvimento moral. O que não se admite, no entanto, é que essa prática de unilateralidade
coercitiva ultrapasse esse período preliminar a ponto de não dar condições ou prejudicar o
processo evolutivo moral da criança. Nesse ponto, podemos retomar e reconhecer como
legítimas as preocupações de Kant (apud VINCENTI, 1994, p. 19) que colocamos na epígrafe
deste tópico.
Pelas pesquisas de Piaget, são os efeitos de uma cooperação entre os indivíduos
colocados como iguais que propiciam o respeito mútuo. Ao lado desse resultado de pesquisa
de Piaget também se posicionou Habermas, como veremos mais adiante.
Na relação de cooperação há um processo de empatia que faz as crianças enxergarem
as regras de maneira diferente: agora a regra não vem mais do exterior, por meio da
autoridade do adulto; ela pode ser construída coletivamente; pode ser justa ou injusta e, sendo
assim, pode ser modificada sem que isso seja visto como transgressão.
Piaget trabalhou em suas experiências somente com o que chamou de reciprocidade
espontânea. Uma condição que sozinha não basta, mas que é necessária para que a
reciprocidade normativa (moral) ocorra. A autonomia moral, para Piaget, dá um status
perfeito e completo ao indivíduo em termos de sociedade.
Se em Kant todo o ser humano tem a capacidade de agir eticamente, em Piaget todo o
ser humano pode tornar-se capaz de ação moral na interação social. Piaget baseia-se em Kant
e consegue, com sua teoria científica e por meio da racionalidade, comprovar a existência do
homem ético.
Sobre esse lado da racionalidade da teoria piagetiana, mais uma vez retomamos os
comentários do professor La Taille no prefácio de “O juízo moral na criança”:
52
Quaisquer que sejam os fins que se proponha alcançar, quaisquer que sejam
as técnicas que se decida adotar e quaisquer que sejam os domínios sob os
quais se aplique essas técnicas, a questão primordial é a de saber quais são as
disponibilidades da criança. Sem uma psicologia precisa das relações das
crianças entre si e delas com os adultos, toda a discussão sobre os
procedimentos de educação resulta estéril (PIAGET, 2003, p. 2).
processos emancipatórios dos sujeitos. Diz Piaget (2003, p. 14) que “o respeito mútuo é uma
espécie de forma limite de equilíbrio para a qual tende o respeito unilateral, e pais e
professores devem fazer tudo o que for possível, segundo cremos, para converterem-se em
colaboradores iguais à criança”. Nesse caso, não podemos negligenciar um ou outro tipo de
respeito. Nos questionamentos sobre uma possível liberdade absoluta, sem nenhum tipo de
coação, Piaget deixa sem respostas, mas não descarta que o respeito unilateral se faça presente
numa fase inicial do processo de construção da moralidade. O que não significa querer a sua
permanência nos procedimentos formais de ensino ao invés de seu desenvolvimento.
Sobre a segunda técnica, ou seja, os procedimentos verbais de educação moral, a
referência é o ensino pela fala, pelas palavras, nos diferentes tipos de “lições de moral”.
Também tem suas bases na heteronomia, pois a lição de moral traz uma verdade pronta para a
criança, que é sempre coagida a recebê-la de fora. “Queiramos ou não, os métodos orais
repousam sempre sobre um fundo de respeito unilateral” (PIAGET, 2003, p. 18). É um
método puramente verbal ao qual Piaget também tece críticas por causa de sua ineficácia ou
até mesmo pelo efeito contrário que pode tomar no rumo desse procedimento, a depender das
características do responsável pela implementação. Circunstâncias de rejeição, relações
emocionais afetadas entre professor e aluno, ou entonações inadequadas inseridas na história
contada em classe (configurada como lição de moral), por exemplo, pode trazer resultados
contrários aos esperados.
Uma outra questão que se faz para esse tipo de procedimento diz respeito à inserção
das lições de educação moral nas matérias disciplinares. É o caso dos diferentes conteúdos
servirem para os propósitos da educação moral, isto é, o ensino de História, Geografia,
Ciências etc. converterem-se em espaços para discussões e desenvolvimentos morais. Sobre
isso, Piaget fez algumas ressalvas. Vejamos.
Como vimos, o autor critica mas não radicaliza num único ponto. Mesmo com os
procedimentos verbais de educação moral tendo bases na heteronomia, há casos ou situações
cujas inserções, quando cuidados são tomados (isso é imprescindível), tornam-se pertinentes.
Diz Piaget (2003, p. 9): “Queremos apenas ressaltar, no momento, que mantidas as justas
proporções a ‘lição moral’ não deve ser proscrita. Porém, ela não desenvolverá
produtivamente a não ser por ocasião de uma vida social autêntica e no interior da própria
classe”.
A terceira técnica refere-se aos “métodos ativos” de educação moral, que propõem
matérias ensinadas sem a imposição externa. A “escola ativa” da qual Piaget fala é aquela
onde as crianças possam fazer experiências morais.
São três os aspectos que dão base a esses métodos: i) a educação moral não se
constitui numa matéria específica de ensino, ou seja, em todas as atividades a educação moral
está ocorrendo; ii) os trabalhos se caracterizam pelo coletivo, são realizados em grupo, num
processo de cooperação; iii) as descobertas ocorrem pelos alunos e não por transferência de
conteúdo ou informação do adulto, no caso, o professor.
“Se, realmente, o desenvolvimento moral da criança ocorre em função do respeito
mútuo [...], a cooperação no trabalho escolar está apta a definir-se como o procedimento mais
fecundo de educação moral”. Em complementação a esse aspecto, no procedimento da escola
ativa, está o posicionamento de uma educação moral não constituinte de uma matéria de
ensino específica, pois a educação é um todo e as atividades que são executadas na escola, em
cada uma das disciplinas, “supõem um esforço do caráter e um conjunto de condutas morais,
assim como supõe uma certa tensão da inteligência e mobilização de interesses” (PIAGET,
2003, p. 20 - 21).
questão que levantamos e que cremos úteis discutir com um pouco mais de ênfase, na
trajetória desse nosso trabalho, mais adiante.
Nos procedimentos da escola ativa, Piaget dá relevância aos questionamentos dos
alunos. Questionamentos que não podem estar ausentes das aulas ou ser interrompidos por
explicações reduzidas e unilaterais, por exemplo, pelo conhecimento científico em nome de
provocar mudanças conceituais em prol de apenas e tão somente uma opção, a da ciência,
mesmo que ela se explique a fortiori. As crianças devem antes experimentar, expor suas
ideias, entender por si mesmas, ampliando-se o universo delas com opções que só ela poderá
escolher. E escolherá tanto melhor para si quanto forem as oportunidades disponibilizadas.
Também aqui abro parênteses para que se atente o leitor sobre as possíveis relações entre as
aulas de Ciências e o desenvolvimento moral quando aparecem diminuídas essas
oportunidades aos alunos nas situações em que se trabalha com objetivos de uma educação
científica na qual nitidamente sobressaem as verdades absolutas, as neutralidades, os
desinteresses éticos, sociais, políticos e econômicos dos cientistas etc. Voltaremos a essa
discussão posteriormente, pois ainda que lacunas estejam aparentes aí emana um dos
elementos nucleares da nossa tese.
Até esse momento vimos que Piaget nos ofereceu uma discussão sobre os
procedimentos da educação moral sob dois pontos de vista: dos fins da educação
(emancipatórios ou mantenedores do status quo) e das técnicas gerais de educação moral. O
terceiro e último enfoque na sequência das discussões refere-se aos domínios da moral. E
Piaget é incisivo:
Na discussão sob o ponto de vista dos domínios da moral, o texto de Piaget traz os
seguintes exemplos: i) a formação do caráter e o cultivo da bondade; ii) veracidade e
objetividade; iii) a educação das tendências instintivas; iv) responsabilidade e justiça; v)
educação cívica e social; vi) educação internacional. Não serão por nós comentados todos
esses, mas somente alguns.
O trecho propositalmente longo a seguir expõe as ideias de Piaget tomando-se os
aspectos de veracidade e objetividade, que também subsidiarão nossas discussões sobre as
relações entre aulas de Ciências e formação moral. Nesta leitura, pede-se que o leitor
57
permaneça atento e exercite nas respectivas linhas, entrelinhas e contextos alguns dos
elementos associados à difusão mistificada de verdade absoluta, de ciência neutra etc., que
discutiremos à frente. Vejamos.
Processos investigativos e de mensuração sobre moral hoje são possíveis porque têm
bases experimentais e teóricas bastante sólidas, devendo-se a transformação da moralidade em
objeto de pesquisa em grande parte aos estudos de Piaget e, mais tarde, de maneira mais
estruturada e completa, aos trabalhos de Lawrence Kohlberg. Para Lind (2000, p. 400), foi
58
Kohlberg, dando sequência aos trabalhos de Piaget, por intermédio de sua pesquisa inovadora,
que “abriu a possibilidade de um conhecimento científico sobre uma educação moral
sistemática que vá além da doutrinação moral de um lado e do relativismo moral
desinteressado de outro”.
Piaget e Kohlberg (este último, numa fase posterior) não concentraram seus estudos na
conduta moral, ou seja, não se interessaram no que os sujeitos faziam ou fariam (ações ou
atitudes) diante de uma situação, mas nas razões dadas e declaradas dos porquês (juízos de
valor) da conduta adotada. Para ambos, as análises das razões eram mais reveladoras do que
as análises de condutas, pois uma criança e um adulto podem ter conduta semelhante diante
de uma mesma situação (não roubar mercadorias de um supermercado, por exemplo), mas as
razões podem ser diferentes e, nessa diferença, indicar os níveis ou estágios de juízo moral de
cada um (talvez a criança por causa do medo de castigo e o adulto pelo reconhecimento
consciente e racional da lei). No entanto, com algumas ressalvas sobre “um grande número de
variáveis dentro da situação social ou na personalidade do indivíduo que tem influência sobre
essas condutas” (KOHLBERG; CANDEE, 1992, p. 532), parece haver indicativos nas
próprias pesquisas de Kohlberg e de outros pesquisadores sobre a presença de relações entre
conduta e juízo moral.
Kohlberg (1992), em sequência aos trabalhos de Piaget, e com um grau de maior
profundidade nos seus estudos sobre moralidade, considera três níveis hierárquicos de
desenvolvimento moral, cada qual com dois estágios. Inicialmente, Kohlberg trabalhou com
pessoas de 10 a 16 anos. Com auxílio de outros pesquisadores, posteriormente ampliou esse
quadro, tanto na idade dos sujeitos como no acompanhamento deles.
II. Nível Convencional 3. Orientação sobre a concordância "Lógico que eu ajudaria a outra
interpessoal pessoa. Ficaria pensando acerca de
O valor moral reside no como se sentiria. Qualquer pessoa
desempenho de papéis bons ou Neste estágio a conduta orienta-se decente poderia ajudá-lo".
corretos, na manutenção e sobre a busca da aprovação, a
conformação da ordem complacência e a ajuda a outros.
convencional e em satisfazer as
expectativas de outros. Neste nível, Conformidade com a conduta
julgam-se as intenções e, portanto, majoritária, definida por meio de
aparece a responsabilidade imagens estereotipadas e aprovadas,
subjetiva. porque são desejáveis.
O subtítulo deste item também é nome de outra obra de Lawrence Kohlberg, escrito
com a colaboração de Meyer14, que não chegou a ser traduzida para o português. No entanto,
e juntamente com as demais, tornou-se referência para a área educacional. Ainda que críticas
tenham surgido sobre alguns dos aspectos, princípios ou ideias que aparecem em suas obras,
como veremos em outro momento deste nosso trabalho, isso não minimiza a relevância de seu
legado, tornando-o ainda atual para muitos dos debates que envolvam as áreas da educação e
do desenvolvimento humano. Aliás, Kohlberg, ao longo do tempo, aproveitando-se de
diálogos travados com outros pesquisadores (incluindo Habermas) e aberto a posicionamentos
que acreditava fossem pertinentes, não se limitou a apenas defender-se das críticas, pois
processou ajustes e aperfeiçoamentos em suas teses (figura 2).
14
Kohlberg escreveu muitas de suas obras em parceria com outros pesquisadores, seus seguidores, ex-alunos etc.
64
Figura 2. Da esquerda para a direita: Georg Lind, Ann Higgins, Kohlberg e Jim Rest15
15
Conferência em Educação Moral realizada em Fribourg, Suiça, em 1982 (fonte: www.uni-konstanz.de/ag-
moral/about.htm). Reprodução da foto permitida pelo professor Georg Lind.
65
de Ciências - as quais nos preocupamos de maneira mais específica. Diante disso, há muito
que depreender sobre esse importante aporte teórico.
Antes das discussões sobre o conteúdo em si, e para efeito de expor o design estrutural
da obra, são os seguintes itens constitutivos de “O desenvolvimento do educando como
finalidade da educação”: Introdução; As três correntes da ideologia educacional
(Romantismo; Transmissão cultural; Progressismo); Teorias psicológicas subjacentes às
ideologias educacionais; Componentes epistemológicos das ideologias educacionais; Posições
de valor ético subjacentes às ideologias educacionais; A falácia da neutralidade valorativa; Os
valores e a ideologia da transmissão cultural; A falácia do relativismo dos valores; Os valores
e a ideologia romântica; Postulados de valor do progressismo; Estratégias para a definição de
objetivos educacionais e a avaliação das experiências educacionais; A estratégia do “talego
[saco] de virtudes”; A racionalidade da psicologia industrial; A estratégia filosófico-evolutiva;
O desenvolvimento como finalidade da educação; Resumo e conclusões.
Logo de início, após enfatizar a importância dos fins educacionais e defender o papel
da investigação empírica para os rumos do processo, Kohlberg já se posiciona em prol da
última das “três estratégias que prevalecem para a definição de objetivos e para relacioná-los
aos fatos da investigação”. Então, entre (i) traços desejáveis (talegos de virtudes); (ii) predição
do êxito (psicologia industrial); (iii) evolutivo-filosófica, diz: “sustentamos que a estratégia
evolutivo-filosófica para obter os objetivos educacionais, que emerge dos trabalhos de Dewey
e Piaget, é um marco teórico de referência que suporta a crítica lógica e é consistente com
atuais resultados da investigação científica” (KOHLBERG; MAYER, p. 38).
Ciente de que sua escolha sobre a teoria psicológica cognoscitiva-evolutiva é uma
ideologia educacional, mas de cunho racional e progressista que contrasta com as demais,
Kohlberg se propõe a apresentar seus argumentos. Mais especificamente, dentre outras
discussões, sustentará que “uma noção alternativa de que a finalidade da escola deveria ser a
estimulação do desenvolvimento humano é uma concepção exeqüível, cientificamente,
eticamente e na prática, e oferece [...] nova ordem para a psicologia educacional”
(KOHLBERG; MAYER, p. 39).
Sobre as três correntes da ideologia educacional, mesmo incorrendo em reduções
indesejáveis16, resumiremos assim os pressupostos kohlberguianos sobre elas:
i) Romantismo: centra-se na criança (paidocentrismo), o que vem do íntimo é o mais
importante elemento do desenvolvimento; a criança possui um “eu” que se torna relevante; o
16
Kohlberg cita os seguintes autores nos três itens: Rosseau, Freud e Gessel, Neill e Summerhill, Stanley Hall
(Romantismo); Bereiter e Engelmann (Transmissão cultural) e Dewey (Progressimo).
66
“eu” é o fato primário; a escola atuaria para desenvolver e controlar aquilo que vem desse
íntimo.
ii) Transmissão cultural: raiz na tradição acadêmica ocidental, baseia-se em transmitir
o passado às novas gerações (internalização de conhecimentos, destrezas, regras)
iii) Progressismo: base nas filosofias pragmáticas funcional-genéticas; educação
estimula ativamente o desenvolvimento de uma estrutura não inata, em estágios cada vez mais
elevados.
Porque Kohlberg defende essa última linha de pensamento, e também porque
encontramos neste trecho alguns princípios dentre os quais os leitores serão chamados a
refletir conosco mais adiante, seguem outras características.
praticar ao mesmo tempo, e com resultados melhores para o desenvolvimento moral. Esse
aspecto que envolve a participação da escola no desenvolvimento moral é corroborado em
trabalhos de Lind (2003), entre outros.
Para dar ênfase ao aspecto inclusivo da escola no processo de desenvolvimento moral,
destacamos - por concordarmos - as seguintes afirmações de Hersh e colaboradores (1996, p.
182-183): i) “O prático da educação moral deve estar disposto a lutar com a complexidade”;
ii) “O desenvolvimento de um raciocínio moral para estágios mais elevados, em sentido lato,
envolve técnicas de discussão eficazes e uma capacidade de pensar mais crítica”; iii)
“Necessitamos ter o cuidado de não igualar o comportamento moral com uma ‘melhor
disciplina’ ou com o enfoque de fatos virtuosos”.
O objetivo e a estruturação do professor são semelhantes ao que ocorreu na primeira sessão, mas há a sustentação de um diálogo espontâneo.
O aluno A, embora sem vontade de mudar a sua escolha, parece mover-se para aceitar a ideia de que há boas razões para isso, mas ele insiste.
“Nós não estamos discutindo moral, estamos discutindo a lei”.
Habermas entende que a razão moral não é uma razão monológica, mas uma razão
dialógico-comunicativa. Assim sendo, será pelo diálogo intersubjetivo que se chegará à
conclusão sobre a correção ou não das normas. Para Habermas, as argumentações servem para
tematizar e examinar as pretensões de validez e não de poder. Assim, é o consenso que dá
autoridade à norma. Por meio do agir comunicativo, isto é, pelo discurso, que se buscam
consensos sobre o que oralmente é melhor para cada um e também para todos. (GOERGEN,
2005).
Segundo Gonçalves (1999), o modelo de Habermas traz, entre outros, os seguintes
pressupostos que podem servir de subsídio ao trabalho docente: mobilização do potencial
racional para o entendimento e caminhos para proporcionar a formação crítica dos alunos. A
autora ressalta que nesse processo: i) o grupo se auto-governa e deve estar livre e isento de
coação; ii) cada um oferece ao outro a possibilidade de críticas e interpretações; iii) o caminho
a ser percorrido é imprevisível e de construção; iv) é tentativa permanente para elevar o nível
de argumentação dos participantes. Portanto, em Habermas encontramos diferenças em
72
relação a propostas educacionais que atualmente alguns defendem e que se distanciam dos
princípios e pressupostos desse e dos referenciais usados neste nosso trabalho. Há algumas
linhas de pensamento, por exemplo, que defendem “ensinar a competir” (vide ANEXO F).
Com bases na teoria ético-discursiva de Habermas, cabe-nos refletir: Afinal, nas aulas
atuais de Ciências vemos prevalecer que tipo de ação, a comunicativa ou a instrumental? Não
apenas pela nossa prática como educador, mas juntando-se aos nossos estudos e análises de
resultados diversos difundidos na literatura, a resposta inicial e reduzida dirige-nos para a
“ação instrumental”. Então, se confirmada essa resposta, que efeitos vêm causando ao ensino
e à aprendizagem de Ciências? E se a prevalência fosse da “ação comunicativa”?
As respostas podem estar inseridas numa das análises realizadas por Freitag. Vejamos.
recíproca e de entendimento mútuo, não havendo decisões prévias sobre quem tem de
aprender de quem.
Em segundo lugar, na atitude performativa que assumem, os intérpretes não apenas
renunciam ao posicionamento de superioridade acerca de seu domínio de objetos, como
também se confrontam com a questão de “como superar a dependência de sua interpretação
relativamente ao contexto”. Nenhum deles pode estar antecipadamente seguro “de que eles
próprios e seus sujeitos de experiência partem do mesmo fundo de suposições e práticas”.
Em terceiro lugar, “a linguagem quotidiana se estende a proferimentos não-descritivos
e a pretensões de validez não cognitivas”. No dia-a-dia estamos mais frequentemente de
acordo ou em desacordo “sobre a correção de ações e normas, sobre a adequação de
avaliações e padrões e sobre a autenticidade ou a sinceridade de uma auto-representação do
que sobre a verdade de proposições”. Por isso, Habermas diz que “o saber que empregamos
quando dizemos algo a alguém é mais abrangente do que o saber estritamente proposicional
ou relativo à verdade”. Então, para a compreensão do que é dito, “os intérpretes têm que
alcançar um saber que se apóia em pretensões de validez adicionais”. Isso ocorre porque
“uma interpretação correta não é simplesmente verdadeira, como é o caso de uma proposição
relatando uma interpretação correta”, mas uma interpretação correta deve ser conveniente a,
ou adequada a que todos alcancem.
Essas três consequências resultam no fato de que ‘compreender o que é dito’ exige a
participação e não a mera observação (HABERMAS, 2003, p. 43).
tua vontade possa sempre valer simultaneamente como um princípio para uma legislação
geral”.
Em Kant, o sujeito (epistêmico) ganha status e centralidade. Atribui-se à razão a
competência de criar a ciência e instituir a moral (quadro 3).
Entre Kant e Piaget, tendo-se como base os argumentos de Freitag (1989, 1992),
construímos a síntese a seguir (quadro 4).
Piaget concorda com Kant que pode haver no ser humano duas tendências
morais: a autonomia e a heteronomia. Porém, como psicólogo, mostrará que
essas duas morais são construídas durante o desenvolvimento da criança e
que a evolução de uma sobre a outra dependerá de vários fatores,
principalmente os ligados às formas de relações sociais em que a criança
estiver submersa (p. 42)
75
Para que a regra seja obedecida tal como convém que seja obedecida, nós
devemos nos submeter a ela não para evitar penas ou para obter
recompensas, mas simplesmente porque a regra assim ordena, e por respeito
à própria regra, porque ela se apresenta a nós como respeitável. Em uma
palavra, como diz a consciência pública, há que cumprir o dever porque é
o dever, por respeito ao dever (DURKHEIM, 2000, p. 278, grifo nosso).
Durkheim Piaget
Indistinção entre sociedade ideal e de fato Diferenciam-se sociedade concreta e a ideal
Assimila o dever ao bem (agir bem é obedecer bem) Essa assimilação fortalece a subordinação, está no
campo da heteronomia
Autonomia: processo que resulta da consciência da Autonomia: processo de maturação e descentração, em
obediência à regra e na aceitação inquestionada da que o sujeito se emancipa da coerção do grupo
coerção do grupo
Adesão ao grupo Cooperação recíproca entre iguais
Educação moral: objetivo é disciplina e obediência às Educação moral: passagem do nível heterônomo de
regras (adaptação à sociedade) obediência às regras para o nível de autonomia
(emancipação)
Só admite uma forma de moral para cada tipo de Existência de vários tipos de moral válidos
trabalho simultaneamente
Explica o fato social da solidariedade como uma Explica a reconstrução da regra e do mundo social na
realidade objetiva, decorrente da divisão de trabalho consciência moral da criança no decorrer da
psicogênese
Fatos sociais se sucedem, caracterizando a evolução Estágios de consciência se constroem e se reconstroem
histórica das sociedades pela criança num permanente trabalho de pensamento e
do conceito
Inserção do papel constituinte do social na formação do pensamento e da moralidade (laicidade)
17
O próprio artigo informa modo de citá-lo, com paginas entre 7 e 44, mas o texto não tem paginação impressa.
77
Já comentamos que Piaget trabalhou com crianças até 12 anos e Kohlberg com uma
faixa etária maior (adolescentes, jovens e adultos, de todas as culturas, classe e profissões).
Piaget usou entrevistas clínicas em suas experiências; Kohlberg, um sofisticado método quali-
quantitativo. Piaget detectou três estágios (anomia, heteronomia e autonomia); Kohlberg, três
níveis com seis estágios (universais e com sequência invariável). Ambos, fundamentando as
bases morais nos princípios de respeito e justiça, observaram que os estágios detectados
caracterizavam-se por evoluir em direção à conscientização e autonomia.
Piaget e Kohlberg utilizaram os conceitos de Kant para autonomia e heteronomia
moral, ou seja, referiram-se à forma de obediência e não às normas ou regras (heteronomia
moral: obediência motivada por controle externo, por interesse; autonomia moral: obediência
motivada por controle interno, na escolha de um princípio aceito como válido). Segundo La
Taille (2006, p. 14), em ambos “o papel da razão é privilegiado e a autonomia é possível”.
Isso é coerente, porque “a noção de autonomia só faz sentido na esfera racional”.
Entre Kohlberg e Kant, destacamos o seguinte comentário de Menin:
atenção é exigida nesse processo para não reduzir o trabalho da moral em sala de aula em
puro verbalismo ou moralismo, mas em uma prática inserida no tratamento de conteúdos, em
relações cooperativas e justas com os alunos (MENIN, 2002).
A literatura nos mostra que as teorias escolhidas por nós, para embasar os nossos
argumentos, não passaram imunes pelas críticas. O que não tira o mérito e as incontestáveis
contribuições delas para o conhecimento atual sobre o assunto.
Chilton (2002) é, por exemplo, um daqueles que tecem críticas às teorias de
Habermas. O autor diz que “busca o simultâneo resgate e reconhecimento do pós-
modernismo, situando-o como participante de uma estrutura dialética – a ‘ciência
reconstrutiva’ de Habermas” (p. 285), sendo os pressupostos de Kohlberg utilizados na
organização do posicionamento teórico do autor. Chilton faz a defesa do pós-modernismo
contra a acusação de relativismo e de auto-negação.
“Mas como pode Habermas provar que a sua compreensão dos pressupostos
argumentativos é correta? Aqui ele se volta ao que denomina “ciência
reconstrutiva”, uma lógica dialética em que a correção dos pressupostos
argumentativos deve provar-se na prática. Se o cético for capaz de formular
uma objeção ao argumento ético sem enredar-se numa contradição
performativa, então os pressupostos devem ser revistos para levar em conta
essa objeção, e o argumento ético decorrente deve ser alterado de modo
correspondente. A argumentação ética é assim reconhecida como
contingente, já que nunca podemos provar a exatidão dos pressupostos
argumentativos – embora a menos, e até que alguém consiga contorná-los, a
utilização do método da contradição performativa permita demonstrar, na
prática e para todos, a sua correção e a do sistema moral a que apela”
(CHILTON, 2002, p. 290).
cuidado) ter sido representado em estágio mais baixo que o da moralidade de justiça dos
homens (BIAGGIO, 2006; SETTELMAIER, 2002).
No entanto, as teorias de Kohlberg sobreviveram às críticas. Se assim não fosse, não
estaria a atrair novas pesquisas e pesquisadores sobre o desenvolvimento moral. E mais, os
fundamentos kohlberguianos ainda são frequentemente utilizados. Além de Georg Lind (na
Alemanha), podemos mencionar outros pesquisadores que seguiram ou ainda seguem a linha
da abordagem do desenvolvimento moral-cognitivo de Piaget e Kohlberg. Dentre eles,
destacamos especialmente Angela Biaggio (no Brasil) e Orlando Martins Lourenço (em
Portugal). Esses foram destacados por nós porque estudamos suas obras. No entanto, a
literatura nos informa um número maior de pesquisadores que, de alguma forma, se
aproveitaram (ou ainda se aproveitam) das obras de Piaget e Kohlberg para o embasamento de
seus estudos, tanto teóricos como empíricos (cf. BIAGGIO, 2006 e LOURENÇO, 2002).
Para finalizar este breve item, duas considerações. A primeira refere-se a apresentação
de algumas conclusões dos estudos de Georg Lind, da Universidade de Konstanz, na
Alemanha. Em seus estudos, tira as seguintes conclusões:
A segunda consideração refere-se ao não prejuízo das críticas aos trabalhos de Piaget,
Kohlberg e Habermas para os nossos propósitos, pois acreditamos que o núcleo das teorias, o
qual nos pautamos, permanece útil e válido em nossos argumentos.
81
Este item foi inserido porque há pesquisadores que contestam, dizendo que a moral
tem componentes inatos. Não nos cabe entrar nessa discussão, mas apenas dizer que as
relações de aprendizagem e desenvolvimento moral, nos contextos que apresentamos neste
trabalho, permanecem preservados.
De modo breve podemos dizer que a Biologia não foi construída para fornecer normas
éticas específicas, mas não podemos ignorar que os aspectos biológicos também podem nos
ajudam a compreender a construção dessas normas éticas. Os conhecimentos que temos
atualmente sobre os processos evolutivos nos capacitam a fazer escolhas mais eticamente
apropriadas. No entanto, “na maioria das vezes, tomamos nossa decisão ao aplicar
automaticamente as regras tradicionais de nossa cultura. Somente quando há conflito entre
várias regras é que fazemos uma análise racional” (MAYR, 2008, p. 333-346).
Darwin, de acordo com Mayr (2008), tinha conhecimento de que a inculcação de uma
crença durante a infância adquire quase a natureza de um instinto. Essa doutrinação levaria à
aceitação sem questionamento que podem ser encontradas em diferentes culturas. Portanto, a
educação ética é relevante e deve ser discutida, analisada, investigada. Tudo dependerá do que
queremos, do que acreditamos ser o caminho melhor.
A mente evoluiu, mas a moralidade, assim como o comportamento, ainda decorrem de
aprendizagem. A aprendizagem, hoje, ocorre em mente que evoluiu e está mais apta a
aprender do que outrora.
Pode-se dizer que há uma parte inata referente à aprendizagem que existe e que sofreu
um processo evolutivo. Esse argumento, no entanto, não significa dizer que já esteja nessa
parte inata todo o aprendizado ou que a aprendizagem seja pouco importante, mas que essa
estrutura, evolutivamente está mais apta a aprender.
Citando resultados encontrados por Pinker (1997, 2004), Lopes e Vasconcelos (2008,
p. 125) afirmam que:
3.7 - Destaques
• Moral não é completamente inata, decorre de aprendizagem. Piaget relata dois estágios de
moral: heteronomia - obediência motivada por controle externo, geralmente por interesse
egocêntrico (por exemplo, medo de castigo) - e autonomia - a obediência motivada por
controle interno, na escolha consciente de um princípio aceito como válido, mas mutável se
for justo (por exemplo, em prol da vida) e cuja responsabilidade social vem acompanhada por
essa consciência na escolha.
• As fases de heteronomia e de autonomia moral ocorrem juntamente aos estágios de
desenvolvimento intelectual.
• O estágio de heteronomia moral não deve ser visto como algo evitável, pois é fase
necessária; o que não se admite é que essa prática de unilateralidade coercitiva persista nas
práticas sociais a ponto de prejudicar o processo evolutivo moral da criança.
• A imposição e a coerção são elementos de relações humanas que não conseguem levar à
autonomia, pois reforçam a heteronomia. Cooperação, diálogo, acordo mútuo são elementos-
chave para favorecer o desenvolvimento da autonomia moral.
• Piaget dá relevância aos questionamentos dos alunos, que não podem estar ausentes das
aulas ou ser interrompidos por explicações reduzidas e unilaterais, por exemplo, pelo
conhecimento científico em nome de provocar mudanças conceituais em prol de apenas e tão
somente uma opção, a da ciência, mesmo que ela se explique a fortiori. As crianças devem
83
antes experimentar, expor suas ideias, entender por si mesmas, ampliando-se o universo delas
com opções que só ela poderá escolher.
• A ação mútua faz a criança compreender o que a mentira é e qual o valor social da verdade.
• Os estudos de Kohlberg ampliam os estágios de desenvolvimento moral: No nível Pré-
Convencional o valor moral reside em regras externas acerca do bem e do mal, do justo e do
injusto. No nível Convencional a moral está centrada na conformação da ordem convencional
e na satisfação de expectativas de outros. O nível Pós-Convencional caracteriza-se pela
distinção de valores e princípios válidos independentemente da autoridade.
• Piaget e Kohlberg, ambos baseando-se na universalidade dos princípios morais e tendo a
justiça como critério de regulação moral, concluíram em seus trabalhos que o
desenvolvimento moral é influenciado pela aprendizagem formal.
• O desenvolvimento moral não é puramente afetivo e o desenvolvimento cognitivo é uma
condição necessária, ainda que não suficiente, para o desenvolvimento moral. Esses vínculos
essenciais entre o desenvolvimento cognitivo e moral devem ser explorados em aula em prol
dos alunos.
• Os pressupostos da ética discursiva de Habermas apresentam convergências com o
desenvolvimento moral, busca de autonomia e construção de um espírito crítico, também
presentes nas teorias de Piaget e de Kohlberg.
• Pode-se pretender que algo seja bom ou verdadeiro (moral) impondo a força (heteronomia)
ou entrando num diálogo (autonomia) no qual os argumentos dos outros podem mudar sua
opinião. No primeiro caso, há uma pretensão de poder (heteronomia moral); no segundo, uma
pretensão de validade (autonomia moral). Quando vencem as pretensões de poder, se aplica o
argumento da força (desfavorável ao desenvolvimento moral). Quando se abrem às pretensões
de validade, se impõe a força dos argumentos: “coação sem coação do melhor argumento”.
• O discurso ético é forma de comunicação que tem objetivo de fundamentar as pretensões de
validade das opiniões e as normas de interação. Por meio da linguagem, busca-se o consenso
de uma forma livre de toda coação externa e interna.
• Piaget, Kohlberg e Habermas defendem e (ou) têm suas bases no racionalismo, cognitivismo
e construtivismo, em princípios morais de justiça, solidariedade, verdade.
• Se a inculcação durante a infância adquire quase a natureza de um instinto (aceitação sem
questionamentos), como apresenta Darwin, o ensino de Ciências tratado com procedimentos
de inculcação fará com que a ciência também tenda a adquirir semelhante natureza instintiva,
ou seja, o conhecimento científico terá/receberá um caráter acrítico. O ensino de Ciências
tratado com procedimentos de inculcação não servirá de estímulos ao desenvolvimento moral.
84
PARTE II
CORRELAÇÕES
Canção Amiga
Eu distribuo um segredo
como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.
18
Reprodução autorizada pelo autor, o cartunista Laerte.
86
Os argumentos e ideias apresentados por Fischmann (2008), a seguir, foram por nós
escolhidos porque são úteis em determinados pontos de nossa discussão, especialmente sobre
as questões de laicidade.
A autora nos coloca que há diferentes possibilidades de análises para compreender as
relações entre ciência e Estado laico, como é o caso do Brasil. Relações essas que, por vezes,
não são cordiais ou pacíficas, “mas, ao contrário, freqüentemente marcada[s] por acusações de
heresia dirigidas a cientistas que chegavam, em suas investigações, a achados distintos do que
pregavam dogmas ou a doutrina da Igreja Católica” (FISCHMANN, 2008, p. 42).
Fischmann faz uma análise exploratória, buscando apontar vertentes dessa conturbada
relação, convidando o leitor ao debate que, segundo ela, é necessariamente interdisciplinar.
Para tanto, entrelaça seus argumentos a artigos da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, de 1948.
87
Lembra a autora que a Declaração Universal dos Direitos Humanos insere num mesmo
artigo (artigo 18) o direito à liberdade de pensamento e de consciência, com o direito à
liberdade de religião. Portanto, em espaço público, seja individual ou coletivamente, a
ninguém deve ser imposto crenças aos outros.
Então, num mundo caracterizado pela diversidade, tolerância e respeito são elementos
a serem buscados. Elementos esses que têm implicações também com a produção de
conhecimento na busca da verdade. Aproveitando-se dos argumentos de Bobbio (1992, p. 46),
são apresentadas três razões que colocam a tolerância como fator relevante na busca da
verdade, “no tema da ciência e da relação entre cientistas, bem como para analisar a
possibilidade de diálogo com as religiões, no âmbito das garantias proporcionadas a todos
pelo caráter laico do Estado”.
A primeira razão não teria a ver diretamente com a verdade, pois a tolerância estaria
pautada apenas em suportar o outro, como simples estratégia do mais forte ou mais astuto
para não deixar o outro, de quem discorda, crescer ou, ainda, por necessidade de não ver o
outro se rebelar.
A segunda razão refere-se à universalidade da tolerância como método de convivência
civil. Um entendimento buscado por meio da argumentação ao invés da força e coerção. Nas
palavras de Bobbio (1992, p. 207 apud FISCHMANN, 2008), “recusa consciente da violência
como único meio para obter o triunfo das próprias idéias”.
A terceira razão é baseada no princípio moral, do respeito à liberdade da pessoa. “Se o
outro deve chegar à verdade, deve fazê-lo por convicção íntima e não por imposição. [...] a
tolerância [...] é a única resposta possível à imperiosa afirmação de que a liberdade é um bem
88
demasiadamente elevado para que não seja reconhecido, ou melhor, exigido” (BOBBIO,
1992, p. 209 apud FISCHMANN, 2008).
Dessa forma, a tolerância torna-se base para que a verdade seja alcançada no confronto
de diferentes visões, pois apresenta-se “como necessidade inerente à natureza da verdade – e,
evidentemente, de toda elaboração científica e da própria ordenação da comunidade
acadêmica” (FISCHMANN, 2008, p. 47).
Essa exposição de argumentos nos leva a relacionar tolerância com o fazer científico,
porque a ciência se vale de uma lógica de cooperação, de debate e de críticas na busca da
verdade e não de simples adesão. A ciência trabalha hipóteses e argumentos que se estendem
numa faixa de termos da seguinte espécie: aceitável – inaceitável; provável – improvável;
plausível – implausível etc. Diferente das religiões, que não se valem dessa lógica.
Por fim, cabe ressaltar que o termo tolerância apresentado nos argumentos acima tem
base na Declaração Mundial de Princípios Sobre a Tolerância (UNESCO, 1995, item 1.4):
“[...] praticar a tolerância não significa tolerar a injustiça social [...], significa que toda pessoa
tem a livre escolha de suas convicções e aceita que o outro desfrute da mesma liberdade. [...]
Significa também que ninguém deve impor suas opiniões a outrem”.
Trazendo tais argumentos, ideias e princípios para a Educação em Ciências, podemos
inferir que, mesmo nas diferenças de objetivos que se colocam entre a ciência e o seu ensino
em sala de aula, a lógica da relação entre tolerância e busca da verdade traz relevantes
subsídios ao trabalho docente, especialmente em possibilidades de oferecer ao aluno uma
lógica que o fará mais crítico de si próprio diante de todos os seus conhecimentos.
da razão e um “adversário do dogmatismo”. Como diz Allègre (1997 apud VALENTE, 2000),
a ciência não é um dogma, pois se se transformasse nisso deixaria de ser ciência, mas muitos
continuam a ter dela, ciência, uma visão bastante dogmática.
Todos esses argumentos traz implicações de responsabilidade para o ensino de
Ciências, que Valente (2000, p. 7, grifo do autor), assim resume.: “Para além de ensinar a
própria ciência, o seu fazer-se e o seu corpo de conhecimento, é preciso ajudar a integrar a
ciência nas nossas crenças e convicções”.
Em resumo, entendemos que o ensino de Ciências tem elementos de complexidade,
quanto às questões éticas e morais, que exigem permanente reflexão. Dentre os diversos,
destacamos um que envolve o desenvolvimento moral: as discussões de conhecimentos
científicos entre cientistas e as discussões de conhecimentos científicos nas salas de aula têm
suas peculiaridades de forma e de conteúdo (de um lado, pares adultos e com níveis
intelectuais e morais teoricamente desenvolvidos, tratam o assunto numa gradação única e
elevada e se reúnem com objetivos não formativos; de outro lado, relações entre professor
adulto e alunos - crianças, adolescentes e jovens -, que devem tratar o assunto em gradações
diversas, a respeitar níveis psicobiológicos, e pautados por objetivos formativos quanto ao
intelecto e ao desenvolvimento moral).
Integrar a ciência e o seu ensino por intermédio dessa perspectiva é mais uma
exigência que recai sobre os professores. Quando “os alunos aprendem a elaborar razões que
lhes permitem aceitar ou rejeitar as formas de atuação que existem em seu meio, são capazes
de descobrir aspectos da realidade objetiva e subjetiva que antes lhes passavam
despercebidos” (SASTRE; FERNANDEZ, 1998, p. 167).
Na perspectiva de favorecimento do desenvolvimento moral, espera-se do professor
um esforço consciente e deliberado a fim de que aos alunos seja permitido “fazer a mente
deles próprios” à luz de todas as evidências abordadas (LEWIS, 1986). Ensinar Ciências a fim
de propiciar o desenvolvimento moral subentende, portanto, trabalhar as intenções, os
contextos de valores e ideologias que se fizeram presentes na história e que ainda se fazem em
todas as situações interpessoais e de conteúdo, incluindo a sala de aula. Nesse caso, cabe
discutirmos também sobre as ideologias inseridas nos discursos de aula, às vezes, não
percebidos e não correlacionados com aspectos de formação moral (vide ANEXO G).
Na história mundial, as relações de poder e autoridade poderiam se tornar lição
poderosa para todos os nossos alunos. Mostraria a eles como constantemente “nós somos
influenciados e afetados pelas autoridades institucionalizadas (igreja, governo, sistemas de
ensino, ciência) e autoridades individuais (pastores, políticos, professores, cientistas), na
medida em que confiamos nelas”. No entanto, temos que ter a capacidade de, como membros
da sociedade, avaliar as ações dessas autoridades. “Avaliar as questões de poder e autoridade,
direitos e deveres envolve raciocínio moral”, o que nos remete a buscar aportes teóricos que
nos auxilie a lidar com essas questões nas escolas. Nesse caso, conhecer as teorias sobre
desenvolvimento moral se torna bastante útil, pois seus estudos postulam que “o objetivo
primário da educação deve ser o desenvolvimento do raciocínio moral”. “Assim, a melhor
forma de facilitar os alunos na avaliação de autoridade seria o de promover a progressão da
fase de moral, isto é, proporcionar um ambiente educativo que incentiva o desenvolvimento
do raciocínio pós convencional”. Há outras linhas teóricas que também oferecem aportes
sobre moralidade, que focalizam algumas especificidades sobre essa temática, e que podem se
juntar no auxílio de constituir competências necessárias para avaliar a autoridade (SADLER;
ZEIDLER, 2003, p. 262).
Retomando o que brevemente mencionamos no início deste tópico acerca do impacto
de autoridade da ciência sobre a sociedade e as implicações para o ensino nas escolas,
podemos complementar com Sadler e Zeidler (2003):
92
O ensino de Ciências não deve ser instrumento para essa confirmação equivocada. Os
alunos, como dito anteriormente, devem aprender a avaliar as autoridades, requerendo para
isso o uso de raciocínio moral. “Portanto, para satisfazer os objetivos da educação científica,
os educadores de ciências devem lidar com questões morais e atender ao desenvolvimento
moral dos alunos” (SADLER; ZEIDLER, 2003, p. 263). Erros da ciência do passado podem
ser usados para exemplificar abusos de autoridade. Casos diversos contendo impactos que
relacionam ciência e sociedade têm potenciais pedagógicos no desenvolvimento de
habilidades do raciocínio crítico, porque nesses casos podem ser destacados e discutidos os
erros e os respectivos raciocínios falaciosos que podem levar à bad science. Sadler e Zeidler
(2003) trazem os seguintes exemplos: a) Estudos antigos de frenologia e craniologia; b)
Testes de inteligência e raças; c) Experiências de Tuskegee sobre sífilis entre pessoas de raças
diferentes; d) Estudos parciais e conduzidos por indústrias do cigarro sobre os efeitos do
tabaco; e) Efeitos da radiação e os experimentos iniciais com as bombas atômicas; f)
Utilização generalizada de DDT; g) CFC e a degradação de ozônio; h) Espécies exóticas.
Esses casos envolvem o uso de autoridade e exemplos de aceitação e de resistência.
Em ambos os casos os conhecimentos científicos foram utilizados (ou omitidos) e as questões
morais também estiveram envolvidas. Os cidadãos devem ser capazes de fazer essas
distinções. E isso nos remete novamente ao ensino em geral e, em especial, o de Ciências. Os
autores defendem que esses e outros casos de bad science possuem elementos que, se
aproveitados em discussões de aula, possibilitam a promoção do desenvolvimento moral dos
alunos.
Em todos esses casos podemos traçar paralelos com o processo de desenvolvimento
moral. Vemos na teoria de Piaget que os indivíduos passam por uma fase inicial de
heteronomia moral, caracterizada pela aceitação cega às solicitações da autoridade de um
adulto. Isso ocorre porque na mente da criança o certo e o errado são determinados pelos
adultos. Essa obediência hetorônoma tem paralelos junto às pessoas que tomam posição
93
os conhecimentos podem mudar, mas um conhecimento científico é muito bem apoiado. “Os
estudantes não podem desenvolver uma compreensão dessas realidades sem pensamento
crítico (avaliação de argumentos, suposições e conclusões) ou raciocínio moral (discernir o
certo e o errado, o justo e o injusto)” (SADLER; ZEIDLER, 2003, p. 281). Assim, introduzir
esses casos proporciona uma excelente oportunidade para os alunos utilizarem e
desenvolverem o pensamento crítico e o raciocínio moral em sala de aula de Ciências, além
de outras possibilidades sobre questões relacionadas à natureza da ciência. Esses casos se
aproximam das sugestões de Kohlberg, porque se assemelham de dilemas morais capazes de
estimular o desenvolvimento moral. E incluem um elemento a mais. Enquanto nos casos dos
dilemas de Kohlberg os conteúdos em si não são projetados para interferir sobre o raciocínio,
esses casos integram conteúdo real em processo no ambiente imediato. Os desafios propostos
à discussão são reais e não fictícios.
Ao nos apoiarmos em objetivos de educação voltados para o desenvolvimento do
pensamento crítico, do raciocínio moral e da argumentação, não podemos apenas apresentar a
ciência como fato verdadeiro. “Como podemos esperar que os alunos avaliem criticamente as
informações se elas forem apenas apresentadas com ‘fatos’, afirmando-se enfaticamente que
são verdadeiras?” (SADLER; ZEIDLER, 2003, p. 282).
A ciência ainda é a saída, pois encontra na racionalidade a posição mais consistente
não somente da crítica, mas na capacidade de reversão do quadro de pessimismo difundido
por segmentos pós-modernos. E a escola, por meio da educação formal (aqui inserimos com
notável potencial o ensino de Ciências), tem papel relevante nesse processo. Desde que
trabalhe a ciência como a ciência é, como está sendo utilizada na disputa de poderes
hegemônicos, como se diferencia dos demais tipos de conhecimentos, como pode fazer parte
do bem estar de todos, como é um bem de apropriação acessível ao qual podemos discutir e
escolher (ou não) como conhecimento instrumental de emancipação da humanidade.
Parece algo paradoxal dizer que na ciência e no ensino de Ciências encontramos a
saída para a ruptura de uma dominação, sendo a própria ciência responsabilizada por essa
mesma dominação, como nos apresenta Goergen (2001, p. 8): “Aquilo que um dia foi
imaginado como um porvir glorioso no final das contas não deixou o homem mais feliz. Livre
da submissão religiosa e guiado unicamente por sua razão, o homem seria dono de seu
destino, imaginava-se”. No entanto, tornou-se ela mesma em nova forma de alienação (ou
melhor, nós a tornamos assim).
Essas e outras questões (que obrigatoriamente envolvem aspectos éticos), para serem
discutidas e (ou) implementadas, carecem de elementos que a educação formal estimula (ou
95
não?). Nesse caso, a saída para uma nova humanidade que contempla a razão (e não
simplesmente aniquila, como alguns desejam) ainda se apresenta nos processos de educação
formal. Como diversos autores afirmam, entre eles Goergen (2001, p. 9), “a mudança de
mentalidade, o nascer de uma nova consciência precisam ser estimulados através do processo
educativo, educação e formação ética se tocam, necessariamente”. E isso não pode ser apenas
retórica, não pode cair em discurso vazio. Nesse caso, o tratamento do conhecimento
científico na escola não pode ocorrer de forma autoritária ou brutalizada, ignorando-se de
partida os demais tipos de conhecimento que os estudantes trazem consigo de outros lugares.
Acreditamos, juntamente com Vinha e Tognetta (2009), que, apesar das intenções ou
discursos contrários, não vem ocorrendo na educação escolar as devidas oportunidades para o
desenvolvimento moral dos alunos. O que vemos ainda é um ambiente escolar em que
predomina a submissão à autoridade e obediência acrítica ao que o professor diz.
Portanto, quando os professores atuam, suas crenças são reativadas para solucionar
problemas. É um círculo vicioso: o que se aprende ao longo do tempo, torna-se útil e
aplicável. Portanto, desde criança deve-se tratar essa questão do desenvolvimento moral:
cooperação, justiça, diálogo etc.
19
Revista semanal brasileira, da editora Abril, edição número 33, ano de 2008, páginas 76 a 87.
97
sucessos dos cientistas que os professores tentam transmitir aos alunos, na tentativa de fazê-
los gostar da ciência. Essa atitude, no entanto, não é benéfica, pois ajuda a reforçar uma
mística especial sobre a ciência que apenas favorece os interesses de uma pequena elite. “É
uma elite tecnocrática: administradores que tratam de controlar a tomada de decisões
apelando às descobertas dos especialistas”. Com isso, acabam afastando o entendimento dos
alunos de que eles também podem atuar e intervir em tais decisões e que essa tarefa não é
apenas dos especialistas.
De acordo com Lemke (1997, p. 141), a tendência que o ensino de Ciências tem de se
opor sistematicamente ao senso comum acaba debilitando a confiança dos alunos, servindo-se
apenas para consolidar a submissão “ao que os detentores do poder dizem que, segundo ‘os
expertos’ temos que fazer”. Nesse caso, temos que “aprender como ensinar contra essa
‘mística’ da ciência”.
A preocupação não pode se restringir apenas a conteúdo, mas também a “como”
ocorre o ensino de Ciências. E isso inclui “a forma em que falamos de ciência” (LEMKE,
1997, p. 142). Afinal, a forma como ocorre o ensino de Ciências também traz consequências
para a construção de uma ideia de ciência nos estudantes. Se mal utilizada em sala de aula, a
linguagem pode estabelecer uma falsa ideia da dimensão científica (figura 4).
Figura 4. Charge sobre o uso possível da ciência no discurso do professor20 (Fonte: BIZZO, 1993)
As ciências, assim como ocorre com outras atividades humanas especializadas, têm
uma linguagem própria que combina conteúdo e estilo. Para Lemke (1997, p. 143), o estilo
(na escrita ou na oralidade) utilizado na linguagem científica reforça o efeito de
20
Tradução: “A evolução biológica é um processo cujo progresso culmina com vosso professor sobre este
tablado (cátedra)”.
98
especial”, com habilidades especiais e inteligência excepcional que a média dos alunos nunca
terá (LENKE, 1997, p. 150).
Da elite tecnocrática mencionada por Lemke não fazem parte os professores e nem os
cientistas, mas aqueles pequenos grupos que tomam decisões por todos nós com justificativas
ou apelos “científicos”. No entanto, por caminhos que subjazem a mística da ciência, tanto os
professores como os cientistas, por vezes de forma inconsciente, tomam parte na manutenção
desse estado. Por meio de uma mística, a ciência é ensinada “como o paradigma de todo o
conhecimento especialista, é uma verdade objetiva, superior e especial [...]. A educação
científica, gostemos ou não, realiza o trabalho de imposição desses mitos à maioria” (LENKE,
1997, p. 161).
Gérard Fourez também aparece nessa mesma linha de preocupação de Lemke. Para
Fourez (1995), na ânsia de legitimar a ciência os professores muitas vezes omitem os traços,
componentes ou vestígios históricos e situacionais da origem, da fonte daquilo que não
podemos chamar de verdade, mas somente de válido para aquela situação, naquele momento e
para aquele grupo social. O ensino de Ciências pode, assim, trazer nos seus discursos dois
tipos de véus ideológicos: o de primeiro grau (atuante na dimensão da autonomia moral) e o
de segundo grau (atuante na dimensão da heteronomia moral), ou seja, um aceitável e outro a
ser evitado. O discurso ideológico de primeiro grau é aquele pelos quais as representações de
sua construção aparecem de forma mais nítida, são facilmente detectadas. O discurso de
segundo grau é aquele cujos “traços históricos dessa construção quase desaparecem e se
pretende, prática ou teoricamente, implícita ou explicitamente, que a noção seja objetiva e
eterna”. Esse último tipo de discurso é “profundamente manipulador”, pois apresenta como
naturais as opções que são particulares. Portanto, os discursos ideológicos de primeiro grau
tornam-se aceitáveis, porque aparecem neles a consciência da parcialidade de sua construção.
Em contrapartida, os de segundo grau são inaceitáveis para a promoção do desenvolvimento
moral, pois se pautam em omissão ou tentativa de generalização (FOUREZ, 1995, p. 187).
Baseados nos argumentos de Fourez (1995), podemos assim exemplificar os dois
casos: Quando alguém diz “João Paulo II declarou que a teoria da evolução – o processo de
seleção natural dos seres vivos identificado por Charles Darwin em 1859 – é mais do que
uma simples hipótese” ou “O Vaticano reconhece que o homem e o macaco têm o mesmo
antepassado”21, os elementos ideológicos nitidamente estão expostos nas proposições (as
fontes das asserções ou ideias são apresentadas). Não são, por isso, discursos manipuladores.
21
Frases extraídas de: REVISTA ISTO É. O papa da ciência, n. 1461, out. 1997, p. 30 - 34.
100
Mas se alguém diz “Precisamos encarar o fato de que a teoria da evolução serve ao
propósito de Satanás. Crer na evolução significa promover os interesses dele e ficar cego
diante dos maravilhosos propósitos do Criador”22 ou, ainda, “A idéia de que a teoria da
evolução contraria as escrituras é muito ignorante”23, encontramos nessas afirmações a
omissão de sua construção, de sua parcialidade, dando o entendimento de alguma lei geral.
Seria, portanto, uma ideologia de segundo grau.
Ainda sobre os discursos, mas agora com outro viés, encontramos nos trabalhos de
Fritz Oser alguns pontos que também podemos inserir como complementação dessas
discussões. Em suas pesquisas, Oser (1995) identificou diferentes níveis de discurso em
situações cotidianas na escola. Os discursos éticos de sua teoria apresentam cinco níveis
hierarquizados, cada qual com suas características: I) Evitação (nível mais baixo - a
responsabilidade somente se encontra de forma vaga e não se considera como algo que requer
ação urgente; o professor trata de evitar o problema, pois não acredita que as crianças sejam
capazes de responsabilizar-se); II) Delegação ou busca de segurança (tendência de desviar a
responsabilidade; os professores parecem que jogam para ver quem pode mais, tentando
fortalecer sua posição e conseguir indiretamente seus próprios interesses); III) Tomada de
decisões unilaterais (o professor deve ser o líder e deve atuar sem cerimônias); IV) Discurso
incompleto (considera-se o ponto de vista dos demais envolvidos); V) Discurso completo
(participação coletiva na tomada de decisão).
Alguns professores, por exemplo, decidem por um nível mais baixo em algumas
situações, enquanto outros professores podem preferir por um tipo particular de tomada de
decisão de nível mais elevado. Oser menciona o discurso moral de nível completo como a
forma mais estruturada de solucionar um conflito no âmbito da autonomia moral.
22
Frase extraída de: WATCH TOWER BIBLE AND TRACT SOCIETY. A vida - qual sua origem? A evolução
ou a criação? Pennsylvania: WTBTS, 1985, p. 248.
23
Frase extraída de: REVISTA ISTO É. O papa da ciência, n. 1461, out. 1997, p. 30-34.
101
O autor afirma que não pode haver na escola educação moral dirigida à autonomia, ao
estímulo do desenvolvimento moral, sem uma formação intensiva dos professores. Para ele, a
formação dos professores atinge apenas a preparação para a tomada de decisões naquilo que
denomina de nível II de discurso.
Como se vê, a forma de comunicação, de discurso que se utiliza em sala de aula, deve
ser uma preocupação de pesquisadores e educadores, pois se constitui em elemento relevante
na construção do ideário sobre ciência nos alunos. Podem até mesmo afastar muitos dos
alunos dela. Sobre esse aspecto nós concordamos, mas ampliamos esse quadro com a inclusão
de elementos de moralidade extraídos das teorias por nós elegidas como subsidiárias de um
projeto de emancipação (livre de tutela ou de algum tipo de coerção externa). Não
defendemos nada além dos conteúdos de ciência em sala de aula. Não defendemos, por
exemplo, que se ensine o senso comum ou os conhecimentos religiosos nas aulas de Ciências,
como alguns podem de forma equivocada pensar - isso seria ingenuidade de nossa parte, além
disso, se assim pensássemos, incorreríamos no mesmo equívoco de favorecimento ao elitismo
tecnocrático e às dificuldades impostas ao desenvolvimento moral, cuja ruptura ensejamos.
Para que os argumentos em aulas de Ciências tragam favorecimentos ao raciocínio
crítico dos alunos, a formação do professor é relevante. “Sem formação é difícil para o
professor participar eficazmente do processo de construção de discurso e fazer da atividade
uma experiência de aprendizagem significativa”. Aspectos discursivos devem receber atenção
no ensino da ciência e as faculdades de Ciências também devem atuar na capacidade de
argumentar de forma eficaz, porque “no processo dialógico encontra-se a oportunidade de
raciocinar, de criticar e justificar, ou seja, para discutir”. “O argumento não é uma atividade
periférica ou marginal da educação científica, mas que merece estar no seu núcleo”. O
discurso compartilhado, e que tem como pano de fundo as questões éticas, leva à mobilização
cognitiva que favorece o desenvolvimento moral dos alunos. “No entanto, como e onde o
argumento poderia ser gerado na aula de ciências?”. Afinal, essa é uma tarefa difícil e
complexa. Pelas características de inserção de aspectos científicos, éticos e morais, os
assuntos sociocientíficos são úteis na produção de argumentos diversos, dentre os quais
possivelmente surgirão argumentos falaciosos que os professores terão oportunidade de
identificar e trabalhar. “Quais são esses tipos de erros e como podem ser identificados?”.
Nesse caso, é relevante que os professores conheçam as falácias mais comuns e as fontes
desses erros e consigam traduzir em mudanças de ideias e pensamentos dos respectivos
alunos. Nesse caso, a qualidade da argumentação é relevante e influencia a qualidade do
raciocínio crítico (ZEIDLER et al., 2003, p. 97-100).
102
Assim como Gil-Pérez e Vilches (2006, p. 42), também nós entendemos que este é “o
principal aporte da ciência à cultura cidadã: a contribuição no desenvolvimento do espírito
crítico”. Acreditamos que uma das relevantes contribuições do ensino de Ciências está na
formação do espírito crítico dos estudantes, que, assim, crescerão com o aprendizado (talvez
não totalmente consolidado, mas mesmo assim numa trajetória nesse sentido) da criticidade. E
essa oportunidade escolar potencializa, por exemplo, a diferenciação entre conhecimento
científico e dogmas, conhecimento científico e senso comum etc.
Gil Pérez e Vilches (2006) criticam aqueles que colocam em dúvida ser possível uma
educação em Ciências com objetivos voltados para a formação de cidadania. Argumentam de
forma crítica que além de ser possível vale a pena o esforço para esse investimento. “Não
constitui nenhuma ingênua pretensão, mas uma necessidade fundamentada” (p.50). Essa
crítica se direciona para uma linha de pensamento que não acredita na possibilidade de uma
participação mais atuante das pessoas em tomadas de decisão fundamentadas por
conhecimentos científicos porque isso requereria assimilação de conhecimentos específicos e
de um nível elevado e inacessível aos não especialistas.
Isso não se confirma, pois essa participação vincula apenas um mínimo de
conhecimentos específicos que são acessíveis para o exercício de uma cidadania. Além disso,
possuir conhecimentos profundos e especializados sobre determinados problemas, por si só,
não garante tomadas de decisão acerca deles, porque há uma exigência de “enfoques que
contemplem os problemas numa perspectiva mais ampla”. Os não especialistas podem
contribuir, então, sobre essas perspectivas e interesses mais amplos, requerendo para isso de
apenas “um mínimo de conhecimentos científicos específicos sobre a problemática estudada”.
(PRAIA et al., p. 143).
seguir; iii) visão aproblemática e a-histórica, ou seja, uma ideía de ciência dogmática e
fechada, sem vínculos com os problemas, a sua evolução, as dificuldades etc.; iv) visão
exclusivamente analítica, esquecendo-se das relações entre as partes e os conhecimentos
mais amplos; v) visão acumulativa de conhecimento linear, vi) visão individualista e
elitista da ciência, fundada no preconceito de que o conhecimento científico é para poucos
expertos; vii) imagem descontextualizada e socialmente neutra da ciência, que transmite a
ideia de que a ciência está “acima do bem e do mal”.
A educação científica deve promover a superação de uma distorção da natureza da
ciência. Aquela distorção que apresenta o trabalho científico como uma atividade
descontextualizada e alheia a interesses e conflitos. Deve fomentar a alfabetização científica e
tecnológica dos cidadãos por intermédio de uma certa imersão na cultura científica e
tecnológica, fundamental para a formação de cidadãos críticos que, no futuro, participarão na
tomada de decisões. O enriquecimento do currículo do ensino das ciências que reflita as
propostas precedentes, reiteradamente postas em prática com estudantes e com professores em
formação, é um bom exemplo da incidência positiva que pode ter a clarificação da Natureza
da Ciência (e a tecnologia), se essa clarificação não se limitar a uma mera exposição verbal de
determinadas características, mas abrir caminho a uma autêntica imersão numa cultura
científica e tecnológica (PRAIA et al., 2007).
Para um ensino mais adequado e eficaz sobre a natureza da ciência, Acevedo (2009b)
orienta que os professores devem ser capazes de: a) orientar os alunos em atividades de
indagação, de argumentações dialógicas; b) trabalhar com questões sociocientíficas
controvertidas; c) utilizar a história e filosofia da ciência.
Acevedo e colaboradores (2005, p. 2) apontam que a Didática das Ciências tende
considerar com maior força “que um dos objetivos mais importantes da educação científica é
que os estudantes do Ensino Básico e do Secundário cheguem a adquirir uma melhor
compreensão da natureza da ciência”. É um objetivo que, apesar de antigo, renova-se
periodicamente com a inserção de novos elementos em discussões sobre “as razões que se têm
dado para o implementar”.
Há diversas linhas de investigação na área que trazem variados argumentos sobre a
relevância da compreensão da natureza da ciência. Alguns desses argumentos, de acordo com
Acevedo e colaboradores (2005, p. 2-3), apoiam-se de forma acrítica e sem levar em
consideração o conjunto de investigações realizadas. Os autores ressaltam que o objetivo de
inserir a natureza da ciência na educação básica “não é formar filósofos nem sociólogos da
ciência, mas ajudar a compreender melhor a ciência e a tecnologia contemporâneas”. Os
105
métodos, portanto, devem ser bem discutidos e analisados, sendo que “os métodos para
ensinar NdC [natureza da ciência] têm-se, recentemente, mostrado eficazes quando abordam
alguns dos seus aspectos básicos de maneira explícita e reflexiva”.
Acevedo e colaboradores (2005) mencionam a tese de Sadler (2003) para exemplificar
a existência de aspectos diversos associados à compreensão da natureza da ciência, e que às
vezes até preponderam, quando os alunos tomam suas decisões acerca de um tema
sociocientífico que envolve suas crenças pessoais. Alguns desses fatores que influenciam
estão relacionados com os aspectos morais, emocionais, religiosos, culturais, sociais e
políticos. Há uma linha de investigação (entre outros, vide ACEVEDO, 2006; VÁZQUEZ;
MANASSERO, 2007a, 2007b) sobre a tomada de decisão em questões científicas de interesse
social que traz resultados e considerações favoráveis em relação ao uso dos aspectos
atitudinais e emocionais no ensino de Ciências. Trabalhos de Sadler (2003), Zeidler (2003) e
Sadler e Zeidler (2004) também adicionam aos aspectos atitudinais e emocionais os aspectos
morais como relevantes nas resoluções dos assuntos sociocientíficos.
Nesse caso, “a tomada de decisões é, sem dúvida, uma importante capacidade que
pode ser educada”, mas tomando-se os devidos cuidados com todos esses fatores envolvidos.
Além disso, “é bastante ingênuo pensar na existência de uma única NdC, pelo que qualquer
descrição da NdC, só pode aspirar a refletir de maneira parcial e enviesada a ciência e a
tecnociência do presente” (ACEVEDO et al., 2005, p. 5 e 7).
A história da ciência nos mostra que existiram, e ainda existem, tipos diferentes de
ciência. Por exemplo, não desapareceu totalmente aquela ciência clássica, de gabinete, de
laboratório, de gênio individual. Existem, ainda, a ciência institucional e acadêmica das
universidades, a ciência e a alta tecnologia ligadas à indústria e ao exército e, por último, a
tecnociência contemporânea. O sistema científico e tecnológico atual reúne todos esses tipos
diferentes coexistindo no presente (VÁZQUEZ et al., 2004).
A sala de aula de Ciências, nesse caso, não pode ficar restrita a um ensino que leve em
consideração apenas a natureza da ciência acadêmica que dominava no passado, ampliando-se
as exigências e, por consequência, as dificuldades para o ensino da natureza da ciência, pois
atualmente convivem com ela outras formas, como a tecnociência. A depender do que se
pretende, entra a ênfase de uma ou de outra. Educação para melhorar as tomadas de decisão
no mundo (participação cidadã): “possivelmente é mais importante conhecer os aspectos da
natureza da tecnociência que os da ciência acadêmica”. Educação para pequenas decisões do
cotidiano: “certamente é essencial uma melhor compreensão da natureza correspondente à
tecnologia do tipo menos sofisticado”. Educação para satisfação de necessidades estéticas
106
Afinal, há uma diferença entre ensinar Ciências para crianças, adolescentes, jovens e
adultos, porque cada qual está numa faixa de desenvolvimento, tanto intelectual como moral.
Nessas diferentes faixas de desenvolvimento que se encontram os aprendentes há diferentes
graus de crenças, desde as mais simples até mais complexas, que exigem tratamentos
diferenciados em relação a métodos e técnicas de ensino.
4.8 - Destaques
• Questões de ética e de moralidade inevitavelmente fazem parte das aulas de Ciências, mas
carecem de aportes teórico-práticos que aprofundem as argumentações, especificamente, em
prol do desenvolvimento moral dos alunos.
• Em espaço público, seja individual ou coletivamente, a ninguém deve ser imposto crenças
aos outros. O direito à liberdade de pensamento e de consciência, com o direito à liberdade de
religião é item contemplado na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
• Ciência e ensino de Ciências apresentam aspectos de ética e de moral em planos e níveis de
lógica diferentes.
• A ideia de verdade que a ciência transporta traz implicações atitudinais e axiológicas que os
professores de Ciências devem atentar. Impor, discutir, ficar neutro, somente transmitir
informações, auxiliar os alunos ou deixá-los pensar o que quiserem? Esses são alguns
caminhos possíveis, mas nem todos se dirigem em prol do desenvolvimento moral.
• A história traz episódios que demonstram como nós somos influenciados e afetados por
autoridades institucionalizadas. Aulas de Ciências podem explorar esses episódios para fins
de mobilizar a capacidade de avaliar as ações dessas autoridades.
• A preocupação das aulas de Ciências não pode se restringir apenas ao conteúdo, mas
também aos discursos e à forma de falar sobre ciência. Discursos inserem elementos que
podem favorecer ou prejudicar tanto a aprendizagem de Ciências como o desenvolvimento
moral.
24
Aqui relembramos a nota inserida na Introdução, extraída de Davidovich e colaboradores (2010, p. 51), sobre
uma das conclusões da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em relação à ciência e que
são passíveis de transposição para o ensino de Ciências: “valorização dos aspectos culturais e humanísticos da
ciência”, favorecimento da “interculturalidade na relação entre ciência e os demais conhecimentos” e promoção
do “reconhecimento e a valorização de saberes populares e tradicionais no processo de construção do
conhecimento e nas políticas de popularização da C& T”.
111
Exemplificamos com Solbes (2009) e Acevedo (2006), logo no início deste nosso
trabalho, uma preocupação sobre a educação em valores a ser dispensada nos processos de
ensino e de aprendizagem de Ciências. Vimos, ainda, a área de Educação em Ciências
apresentar argumentos diversos que, direta ou indiretamente, acabam nos remetendo a
possíveis contribuições que implicam valores e, em especial, incidem no tema do
desenvolvimento moral. Com o aporte teórico de Piaget, Kohlberg e Habermas, retomamos e
ampliamos as argumentações em prol das necessidades atitudinais e axiológicas no ensino de
Ciências, agora direcionando nossas discussões para as contribuições correlacionais que
entendemos existir entre os elementos teórico-práticos do desenvolvimento moral e da ética
discursiva e os elementos que compõem as aulas de Ciências.
Para auxiliar em nossos propósitos, utilizamos os seguintes procedimentos: i)
exercício de justaposição entre os estágios morais apresentados por Kohlberg e alguns
discursos possíveis em aulas de Ciências; ii) organização de dois ambientes com “atmosferas
morais”, que agregam elementos sociomorais das teorias de Piaget, Kohlberg e Habermas e
elementos correlatos de aulas de Ciências extraídos do conjunto de discussões anteriores; iii)
exercícios de correlação entre diferentes discursos reais ou hipotéticos a envolver aulas de
Ciências e os elementos das atmosferas morais que compõem os dois ambientes; iv) análise
do conjunto de exercícios implementados.
II. Nível Convencional 3. Orientação sobre a concordância “Eu trabalho com educação sexual
interpessoal na minha aula, porque os alunos
O valor moral reside no gostam da liberdade que eu dou a
desempenho de papéis bons ou Neste estágio a conduta orienta-se eles” (professor).
corretos, na manutenção e sobre a busca da aprovação, a
conformação da ordem complacência e a ajuda a outros.
convencional e em satisfazer as
expectativas de outros. Neste nível Conformidade com a conduta
se julgam as intenções e, portanto, majoritária, definida através de
aparece a responsabilidade imagens estereotipadas e aprovadas,
subjetiva. porque são desejáveis.
No ensino escolar, a ciência é vista 4. Orientação sobre a manutenção “Eu não penso que o
e difundida como processo, mas da autoridade e da ordem social. homossexualismo seja uma doença
com compreensão parcial em genética, mas vou concordar para
questões de seu papel social, A conduta orienta-se sobre o não contrariar o professor e criar
responsabilização e capacidade “cumprimento do dever”, o respeito polêmica” (aluno)
interventiva. à autoridade e à manutenção da
ordem social.
114
Com bases em todas as nossas discussões anteriores (das áreas de Educação, Educação
em Ciências e da Psicologia do Desenvolvimento) e, em especial, no aporte das perspectivas
sociomorais das teorias e respectivas ideias compartilhadas sobre o tema, organizamos dois
ambientes com “atmosferas morais” distintas que contemplam (e conjugam) elementos de
fins, princípios, conteúdos e procedimentos teórico-práticos do desenvolvimento moral e da
ética discursiva, aos quais agregamos elementos correlatos e afins de aulas de Ciências.
A organização dos dois ambientes foi inspirada no conceito de “atmosfera moral” de
Kohlberg. Cada um deles reúne um conjunto de características correlacionadas entre
elementos de perspectivas sociomorais das teorias e elementos afins provenientes de diversas
115
• Cultura do sentido (educação do sentido e expectativa de • Cultura do tédio (perda de expectativa de um futuro
um futuro modificado para melhor). modificado para melhor).
• Eleição da verdade como valor a ser buscado (não • Não eleição da verdade como valor a ser buscado
satisfação com ideias prontas, com fatos não comprovados, (satisfação fácil com ideias prontas, com fatos não
com preconceitos de toda ordem, com reflexões brumosas e comprovados, com preconceitos de toda ordem, com
afirmações peremptórias). reflexões brumosas e afirmações peremptórias).
• Lacunas do conhecimento são identificadas e trabalhadas • Lacunas do conhecimento não são identificadas e nem
(ênfase não apenas na apropriação de conhecimentos trabalhadas (ênfase na apropriação acrítica de conhecimentos
específicos, mas nas capacidades de correlação e observação específicos, sem mobilização das capacidades de correlação e
crítica na resolução de problemas). observação crítica na resolução de problemas).
• Ensino não divorciado de reflexão ética sobre os conteúdos • Ensino com preponderância na descrição instrumental,
desenvolvidos no interior da ciência. teórico ou experimental da ciência, divorciado de reflexão
ética sobre os conteúdos desenvolvidos no interior da ciência.
• Preponderância de cooperação, diálogo e acordo mútuo. • Preponderância de repressão, castigo, imposição e coerção.
• Atitudes compatíveis com uma postura ética, que valoriza a • Atitudes que não valorizam a dignidade, a justiça, a
dignidade, a justiça, a igualdade e a liberdade. igualdade e a liberdade.
• Possibilidades do aprendizado se expandir para fora de • Aprendizagem restrita a assuntos puramente científicos
assuntos puramente científicos, em prol da autonomia crítica. (desfavorável para a autonomia crítica).
• Obediência motivada por controle interno na escolha • Obediência motivada por controle externo, por interesse
consciente de um princípio aceito como válido, mas mutável egocêntrico (por exemplo, medo de castigo).
se for justo (por exemplo, em prol da vida).
• Entendimento das normas morais como elementos sociais • Entendimento das normas morais como leis sagradas e não
de regulação entre as pessoas, passíveis de modificações. passíveis de modificações.
• Relações sociais orientadas pelo acordo racional sobre as • Relações de obediência passiva sobre as normas, entendidas
normas e respeito mútuo. como inquestionáveis.
• Regras e respeito construídos coletivamente. • Regras e normas provenientes da coação social (respeito
unilateral - da não autoridade para a autoridade).
• Não traz uma verdade pronta para a criança, nem ela é • Traz uma verdade pronta para a criança, que é coagida a
coagida a recebê-la de fora. recebê-la de fora.
• Relevância aos questionamentos dos alunos; não são • Não relevância aos questionamentos dos alunos;
interrompidos por explicações reduzidas e unilaterais. predomínio de explicações reduzidas e unilaterais.
• Condução da criança ao espírito dos valores sociais da • Não condução da criança ao espírito dos valores sociais da
verdade por meio da colaboração entre os pares e da prática verdade; discussão organizada não praticada.
da discussão organizada.
116
• Uso de argumentos discursivos com pretensões de validade. • Uso de argumentos discursivos com pretensões de poder.
• Simetria de participação nas argumentações e discussões. • Assimetria de participação nas argumentações e discussões.
• Mobilização do potencial racional para o entendimento e • Não mobilização do potencial racional para o entendimento
formação crítica dos alunos. e despreocupação com a formação crítica dos alunos.
• Tentativas permanentes para elevar o nível de argumentação • Ausência de tentativas para elevar o nível de argumentação
dos participantes. dos participantes.
• Diálogos baseados em princípios de justiça e solidariedade. • Ausência de diálogos baseados em princípios de justiça e
solidariedade.
• Tolerância. • Intolerância.
• Ideia de verdade provisória e processual da ciência. • Ideia de verdade absoluta e produto acabado da ciência.
• Não hierarquização da ciência perante as outras áreas de • Hierarquização da ciência perante as outras áreas de
conhecimento. conhecimento.
• Não difusão da ideia de ciência como uma autoridade • Difusão da ideia de ciência como uma autoridade
monolítica. monolítica.
• Consciência de que todos os conhecimentos podem mudar. • Inconsciência de que todos os conhecimentos podem
mudar.
• Compreensão crítica e não relativista sobre os diferentes • Compreensão acrítica e relativista sobre os diferentes tipos
tipos de conhecimento. de conhecimento.
• Capacidade de avaliação crítica de argumentos, suposições • Avaliação acrítica de argumentos, suposições e conclusões
e conclusões sobre os diferentes tipos de conhecimento que sobre os diferentes tipos de conhecimento que coexistem com
coexistem com o científico. o científico.
• Tratamento do conhecimento científico de forma não • Tratamento do conhecimento científico de forma autoritária
autoritária ou brutalizada. ou brutalizada.
• Conhecimentos divergentes do científico, que os estudantes • Conhecimentos divergentes do científico, que os estudantes
trazem consigo de outros lugares, não rechaçados trazem consigo de outros lugares, previamente rechaçados ou
previamente e nem ignorados com desdém. ignorados com desdém.
117
• Preocupações e cuidados com o “hablar ciência” (com a • Despreocupações e descuidos com o “hablar ciência” (com
forma e estilo de comunicação). a forma e estilo de comunicação).
• Discursos com véus ideológicos de primeiro grau. • Discursos com véus ideológicos de segundo grau.
• Discursos de nível completo (equilíbrio entre a ética do • Discursos de evitação dos problemas ou com tendências de
cuidado, da justiça e da veracidade, na qual o professor não desvios da responsabilidade sobre a formação ético-moral.
somente pressupõe boa vontade, racionalidade e autonomia
em todas as pessoas envolvidas, mas centra-se na
participação real e decisão comum).
• Mobilização para um posicionamento crítico dos estudantes • “Fé cega” dos estudantes sobre “suas provas” não
sobre os diferentes tipos de “provas” (para uma predisposição trabalhada (continuidade da predisposição acrítica para a
crítica dos estudantes sobre as suas crenças iniciais). confirmação das crenças iniciais do estudante).
• Ensino e aprendizagem orientados para o exercício de • Ensino e aprendizagem não orientados para o exercício de
cidadania (preparação para tomadas conscientes de decisão). cidadania (não preparação para tomadas conscientes de
decisão).
• Difusão de imagem de ciência processual e humana • Difusão de imagem ingênua do que é a ciência
(contextualizada e socialmente não neutra; concepção não (descontextualizada e socialmente neutra; concepção
empírico-indutivista e nem ateórica; visão problemática, empírico-indutivista e ateórica; visão aproblemática, a-
histórica, não exclusivamente analítica, nem acumulativa de histórica, exclusivamente analítica, acumulativa de
conhecimento linear). conhecimento linear, individualista e elitista).
• Ideia de que não existe apenas uma única natureza da • Ideia de existência de uma única natureza da ciência e aulas
ciência e aulas de Ciências não restritas a um ensino que de Ciências restritas a um ensino que apenas considera a
apenas considera a natureza da ciência acadêmica que natureza da ciência acadêmica que dominava no passado.
dominava no passado.
• Compreensão que ultrapassa a visão internalista da ciência. • Compreensão que não ultrapassa a visão internalista da
ciência.
• Ideias, princípios, procedimentos e conteúdos em prol de • Ideias, princípios, procedimentos e conteúdos em prol de
uma ciência acessível (disciplina de acesso não restrito a uma ciência inacessível (disciplina difícil e acesso restrito a
expertos para tomadas de decisão). expertos para tomadas de decisão).
• Não utilização do conhecimento científico como • Uso do conhecimento científico como instrumento de
instrumento de opressão, coerção ou coação. opressão, coerção ou coação.
• Uso de controvérsias de contextos CTSA, por meio dos seus • Não utilização de temas polêmicos em aula ou uso de
dilemas e respectivos raciocínios morais, com objetivos de controvérsias de contextos CTSA sem objetivos de mobilizar
mobilizar o pensamento crítico e a evolução da autonomia o pensamento crítico e o desenvolvimento da autonomia.
moral e intelectual.
• Os alunos são confrontados com múltiplas perspectivas de • Os alunos não são confrontados com as múltiplas
problemas morais que envolvem pontos de vista e de perspectivas de problemas morais que envolvem pontos de
informação discrepantes e, por vezes, em contradição com vista e de informação discrepantes e, por vezes, em
seus próprios pontos de vista. contradição com seus próprios pontos de vista.
118
Discurso 1: “Noventa por cento vêm com aquela ideia de que está tudo errado aquilo que o professor
falou, porque aprendeu em casa com a mãe e com a avó que Deus criou o universo. Até um tempo
atrás eu fazia um terrorismo dentro da sala de aula. Quando eu falava sobre a teoria da evolução eu
perguntava aos alunos quem era adepto à teoria religiosa. Então, de setenta a oitenta por cento
levantavam a mão. E quando eu perguntava quem acreditava na teoria evolucionista, da origem do
homem pelo ancestral do macaco, tinha uma meia dúzia que levantava a mão. Mas isso por falta de
informação talvez, ou por ter tido uma informação errada. Então, eu fazia um terrorismo com eles”
(Resposta de professor de Biologia de escola particular em entrevista sobre evolução versus criação
nas aulas. Dados extraídos de pesquisa realizada por SOUZA, 2008).
25
Os enunciados de situações reais foram extraídos de pesquisas diversas, cujos autores autorizaram a
reprodução e inserção em nosso trabalho.
119
“Fazer um terrorismo com eles” com o sentido Busca de autonomia moral e em prol da aprendizagem
metafórico de usar estratégias de brain storm, a fim de de Ciências:
mobilizar o pensamento crítico para efeitos de • Uso de estratégias que se beneficiam da
subversão dos conhecimentos de senso comum dos heterogeneidade e diversidade em aulas de Ciências,
alunos. com objetivos voltados em prol da evolução do
raciocínio moral dos alunos.
• Os alunos são confrontados com múltiplas
perspectivas de problemas morais que envolvem pontos
de vista e de informação discrepantes e, por vezes, em
contradição com seus próprios pontos de vista.
Discurso 2: “Às vezes os alunos me perguntam: “Professor, o que o senhor quer que eu escreva?
Porque eu acredito que Deus criou tudo, mas o senhor está me falando da evolução e eu preciso tirar
nota. Eu entendi as duas coisas, mas eu acredito em uma apenas” (Professor de Biologia de escola
particular. Resposta de entrevista sobre evolução versus criação nas aulas. Dados extraídos de pesquisa
realizada por SOUZA, 2008).
Discurso 3: “A gente programa em função do livro, embora a gente tenha uma sequência básica.
Começa pela célula, tecido, órgão e sistemas. Eu gosto muito de 7ª série, porque estuda o corpo
humano, numa sequência lógica” (Os dados referem-se a respostas dadas por professores, por meio de
entrevista, em pesquisa sobre representações sociais de corpo humano realizada por SHIMAMOTO,
2006).
Ensino de conteúdo por meio de “uma sequência Reforço de heteronomia moral e prejuízos ao ensino de
linear”: começa pela célula, tecido, órgão e sistemas”. Ciências:
• Discursos normatizador ou de modelo edificante a ser
copiado.
• Ensino e aprendizagem não orientados para o
exercício de cidadania (não preparação para tomadas
conscientes de decisão).
• Imagem ingênua de ciência (descontextualizada e
socialmente neutra; concepção empírico-indutivista e
ateórica; visão aproblemática, a-histórica,
exclusivamente analítica, acumulativa de conhecimento
linear, individualista e elitista).
• Ideia de existência de uma única natureza da ciência e
aulas de Ciências restritas a um ensino que apenas
considera a natureza da ciência acadêmica que
dominava no passado.
• Compreensão que não ultrapassa a visão internalista
da ciência.
Ainda que apresente lacunas, é um quadro que exercita nossa reflexão sobre o
processo de desenvolvimento moral dos alunos em aulas de Ciências. Representa uma parcela
de contribuição do ensino de Ciências para o processo de desenvolvimento moral dos alunos.
No entanto, não apenas o ensino de Ciências pode contribuir para o desenvolvimento moral
dos alunos, mas vislumbramos uma via de mão dupla nesse processo. Os exercícios seguintes
dão apoio a esse nosso entendimento.
Na justaposição entre as perspectivas sociomorais das teorias de Piaget, Kohlberg e
Habermas e as diversas argumentações que expusemos da área de Educação (em valores e em
Ciências), extraímos um conjunto de elementos característicos e correlacionais relevantes para
os nossos propósitos. Esse procedimento permitiu apontar correspondências que organizamos
nos dois ambientes com “atmosferas de heteronomia e de autonomia moral”. Os dois
ambientes subsidiaram os exercícios com os enunciados de aulas de Ciências.
Esses exercícios não permitem (e nem têm a finalidade de) avaliações ou mensurações
de condutas. São fragmentos discursivos extraídos de determinadas situações e sem apresentar
o contexto ampliado em que foram obtidos. Também não são exaustivos. No entanto, trazem
diferentes elementos que nos permitem ilustrar algumas correlações entre os pressupostos
teórico-práticos do desenvolvimento moral, da ética discursiva e do ensino de Ciências.
Ao conjunto de análises sobre os exercícios anteriores podemos juntar um trecho de
artigo que discute o Big Bang, pois encontramos nele argumentos sobre criticidade que são
inerentes aos nossos. Afinal, como expusemos no início de nosso trabalho, apoiando-nos em
Simmons e Zeidler (2003), os processos que envolvem pensamento crítico e raciocínio moral
estão intimamente entrelaçados e a interação entre essas duas construções permanece aberta a
análises.
Não são cientistas adultos que estão nas aulas, mas crianças, adolescentes ou jovens
em estágios preliminares ou intermediários de desenvolvimento cognitivo e moral. Eles se
apresentam para aprender Ciências, para exercitar suas capacidades críticas e também para
desenvolver cognitiva e moralmente. São processos correlativos, cujos procedimentos de
ensino interferem em todos eles.
Em um dos tópicos anteriores deste trabalho, vimos em Lemke (1997), por exemplo,
como a maneira de falar sobre ciência pode difundir ideias equivocadas e envolver a
moralidade.
Ao ensinar o conteúdo do currículo de ciências e os valores que
frequentemente o acompanham, a educação científica, muitas vezes sem
notar, também perpetua uma certa “mística da ciência”. Essa mística tende a
fazer que a ciência apareça ante os alunos como dogmática, autoritária,
impessoal e, ainda, inumana. [...] Isso aliena os alunos a respeito da ciência.
[...] Analisar como professores e alunos falam sobre ciência em aula pode
nos ajudar a compreender como se perpetua essa mística, que é nociva, e o
que podemos fazer a respeito (LEMKE, 1997, p.13).
conteúdos por meios impositivos, ainda que os seus fins estejam na justificativa “preciso
ensinar o conhecimento científico”, essa orientação teleológica, que difere da orientação
deontológica, já implica obstáculos à autonomia moral. No entanto, se as ideias forem
apresentadas e debatidas com simetria de participação e busca de validação do conhecimento
por meios da criticidade, o relativismo acrítico tenderá a perder espaço. Em qualquer desses
casos vemos implicações para a aprendizagem de Ciências, para o desenvolvimento da
autonomia moral e para a construção do pensamento crítico, resultando em vantagens ou
desvantagens que impactam todo o conjunto desses processos. Entendemos que o impacto
ocorre em todos os processos porque estão dispostos numa interface na qual os diferentes
elementos são correlativos.
Nossos exercícios ilustram como os pressupostos teórico-práticos do desenvolvimento
moral e da ética discursiva podem orientar as aulas de Ciências e vice-versa.
Um subsídio das bases teórico-práticas do desenvolvimento moral e da ética discursiva
para as aulas de Ciências: o debate orientado e caracterizado por simetria de participação, sem
a presença de elementos característicos da heteronomia moral potencializa a ampliação de
uma visão crítica de ciência e auxilia na comparação com os demais tipos de conhecimento.
Essa “atmosfera” potencializa (não necessariamente em prazo imediato, mas no processo
formativo como um todo) comparações desimpedidas e livres de obstáculos da imposição, por
exemplo, entre os graus de criticidade e de fundamentações em que tais conhecimentos são
construídos, difundidos e apropriados pelos sujeitos do debate, da sociedade, de grupos de
cientistas, de grupos religiosos etc. Não há elementos potenciais de promoção de
distanciamento entre os alunos e a ciência.
Um subsídio das aulas de Ciências - bases em visão desmistificada e destituída de
características de neutralidade e de conhecimento como produto acabado ou de difícil acesso
para os leigos - para o desenvolvimento moral e ética discursiva: esse tipo de ensino é
efetivado em “atmosfera” ausente de unilateralidade, mera transmissão ou imposição, isto é,
apresenta características e elementos estimulantes ao desenvolvimento do raciocínio moral.
Não há elementos potenciais de promoção de distanciamento entre os alunos e a ciência.
Nessa interface, a inversão de um corresponde a inversão do outro. O prejuízo de um
obstaculiza o outro, pois há uma correlação mútua (um mutualismo válido e exequível) entre
componentes do desenvolvimento moral e da aprendizagem em aulas de Ciências.
Um prejuízo provocado pela formação moral heterônoma para o ensino de Ciências: a
ausência de debate orientado / caracterizado por simetria de participação e a presença de
autoritarismo, de uso do conhecimento científico como forma de poder obstaculiza a
126
ampliação de uma visão crítica de ciência e dos demais tipos de conhecimento. Essa
“atmosfera” é impeditiva (não necessariamente em prazo imediato, mas no processo
formativo) de comparações entre os graus de criticidade e de fundamentações em que tais
conhecimentos são construídos, difundidos e apropriados pelos sujeitos do debate, da
sociedade, de grupos de cientistas, de grupos religiosos etc. Há elementos potenciais de
distanciamento entre os sujeitos da aprendizagem escolar e a ciência.
Um prejuízo provocado pelas aulas de Ciências - bases em visão mistificada da
ciência, com a difusão de características de neutralidade e de conhecimento como produto
acabado - no desenvolvimento moral: esse tipo de ensino é efetivado em “atmosfera” de
unilateralidade, de transmissão de conhecimento e de imposição, ou seja, com características e
elementos desestimulantes ao desenvolvimento do raciocínio moral, pois é ambiente em que
prepondera reforço de heteronomia moral. Há elementos potenciais de distanciamento entre
os sujeitos da aprendizagem escolar e a ciência.
Em síntese, podemos extrair dessas discussões duas situações diferentes (ou uma única
situação com possibilidades divergentes de interpretação ou ação). Assim como fez Latour
(2000) na sua análise de ciência, na qual procura demonstrar a relevância dos contextos
sociais para o entendimento da atividade científica, também nós utilizamos a personagem
mitológica de Janus Bifronte26 para dar continuidade aos nossos argumentos (figura 7).
26
Personagem da mitologia romana com duas faces que miravam para lados opostos. Dizem que uma face
olhava para o passado e a outra para o futuro. Assim, ambas sempre enxergavam coisas diferentes.
127
Kohlberg e Habermas), também nós ousamos nessa tentativa. Não com personagens de
Sófocles, mas com dois cenários simulados de aulas de Ciências (quadros 8 e 9). Esse
exercício traz subsídios para nossa análise.
27
Esse conjunto de ideias transmitido pelo observador externo foi extraído de situação real.
129
As simulações dos dois cenários anteriores podem ser reduzidas e incipientes, mas
ilustram alguns elementos de formação moral e aulas de Ciências em formatos e
consequências silenciosos e até mais duros como na tragédia “Antígona”, de Sófocles.
Diz Freitag num determinado trecho de sua análise condicionante sobre a metáfora de
Antígona:
Vimos, contudo, especialmente com auxílio de Piaget e Kohlberg, que
Antígona, por si só, não tinha as competências (cognitivas, morais e
lingüísticas) para iniciar, sozinha, um discurso prático no sentido dado por
Habermas, pois ainda não tinha atingido a autonomia moral (segundo Piaget)
ou a moralidade pós-convencional (segundo Kohlberg) que lhe permitiriam o
distanciamento e o questionamento das duas leis em vigor em Tebas
(FREITAG, 1992, p. 271).
Paralelamente aos nossos dois cenários anteriores, também podemos admitir que os
alunos não têm competências cognitivas, morais e linguísticas para iniciar o discurso prático
habermasiano, pois se supõe que ainda estejam no estágio de heteronomia moral (segundo
Piaget) ou no nível pré-convencional (segundo Kohlberg). Isso não permite que observem e
analisem criticamente os distanciamentos e diferenciações entre conhecimento científico e os
demais. Por outro lado, seguindo-se por esse mesmo tipo de exemplo condicionante, o
professor seria, teoricamente, o personagem com as devidas e necessárias competências
(cognitivas, morais e linguísticas) para não somente iniciar mas conduzir um discurso prático,
o que resultaria (não obrigatoriamente de forma imediata, mas, no mínimo, com preparações
de “terreno”) aproximar dos alunos, por reflexão e ação deles próprios, uma aprendizagem
significativa do conhecimento científico (no sentido ausubeliano).
Os nossos dois cenários intencionalmente contrastam. Em qual deles temos elementos
correlativos entre ensino-aprendizagem de Ciências e formação moral? Em ambos podemos
identificá-los. No entanto, cada cenário encerra perspectivas correlacionais mútuas, mas
divergentes entre si. O primeiro cenário encerra perspectivas de manutenção da heteronomia
moral e prejuízos à aprendizagem de Ciências. O segundo cenário, no mínimo, traz
potencialidades para o desenvolvimento da autonomia moral e para a aprendizagem de
Ciências (análise crítica, capacidade para comparações com maior grau de complexidade
etc.).
Nos dois cenários, tanto no modo inter como no modo intra, observamos a ocorrência
de correlações que são recíprocas. No primeiro cenário, por exemplo, heteronomia moral leva
à ideia indesejável de ciência e a ideia indesejável de ciência reforça a heteronomia moral. No
130
segundo cenário, autonomia moral leva à ideia mais próxima de ciência e esse modo de
pensar sobre a ciência-processo humano potencializa favoravelmente a autonomia moral. No
modo inter-ambiente, a correlação é de oposição, ou, no mínimo, de afastamento: Cenário um
afasta-se do cenário dois e vice-versa.
Ao fazer defesa da teoria de Kohlberg, Lourenço afirma:
Mais uma vez, repetimos: entendemos que o conhecimento científico obterá ganhos de
aprendizagem nas comparações (ainda que não imediatamente processadas) com outros tipos
de conhecimento se estiverem suas bases ancoradas na autonomia moral. O entendimento que
temos é, por exemplo, que a compreensão da teoria da evolução torna-se facilitada se não
tratada no mesmo nível dos dogmas e dos produtos acabados e dos conhecimentos acríticos
(ou com graus menores de criticidade) como é o caso do criacionismo.
Ou será que estamos equivocados e a imposição acabará com as controvérsias e
contribuirá de maneira promissora para o ensino de Ciências? Ou será que impor o
conhecimento científico às crianças e aos adolescentes basta para que aprendam e avancem
criticamente acerca do senso comum? Nesse caso, não estaríamos promovendo algo similar
como uma troca de dogmas por outros “dogmas”?
Na sequência abaixo, extraímos de publicações diversas alguns exemplos de citações
pró-criacionistas (itens a, b, c) e pró-evolucionista (item d). E se chegassem assim às salas de
aula em que se encontram crianças?
a) [...] A equívoca ciência nos mostra um caos, [...] não explicam a origem da vida e, quando tentam
fazê-lo, o fazem de forma ridícula (BOLETIM INFORMATIVO, 1999, p.1).
b) [...] Precisamos encarar o fato de que a teoria da evolução serve ao propósito de Satanás. [...]
Deveríamos sentir a mais forte indignação diante da doutrina da evolução e de seu originador, uma
vez que a intenção é privar-nos da vida eterna (WATCH TOWER..., 1985).
c) A idéia de que a teoria da evolução contraria as escrituras é muito ignorante (REVISTA ISTO É,
1997, p. 31);
d) [O ensino do criacionismo] é propaganda enganosa. É um caso que deveria ser visto como de
defesa do consumidor. Os alunos deveriam procurar o Procon28.
28
Depoimento inserido em: GAZIR, A. Escolas do Rio vão ensinar criacionismo. Folha de São Paulo (on line),
2004 (vide ANEXO B).
133
preocupação nossa de como o embate chega e é trabalhado nas salas de aula. Para a linha
argumentativa que traçamos, queremos apenas que os leitores identifiquem as semelhanças no
formato contundente e impositivo dos discursos de ambos os lados, que assim também podem
chegar às salas de aula.
A segunda ressalva que se faz necessária refere-se à dimensão ampliada que nossos
argumentos tomam, para além dos debates de assuntos sociocientíficos. O debate de assuntos
sociocientíficos pode subsidiar o desenvolvimento moral, por causa de seu conteúdo
controverso que facilita a emersão de aspectos inerentes à ética. No entanto, entendemos que
a contribuição do ensino de Ciências para a formação moral vai além da estratégia de aula
desse tipo, pois envolve não apenas quem planeja, implementa e media o debate, mas também
de conhecimentos teóricos sobre formação moral que são multidisciplinares e devem ser
buscados, por exemplo, no campo da psicologia do desenvolvimento humano.
As discussões de questões sociocientíficas podem contribuir para a formação moral na
perspectiva do desenvolvimento moral. Não negamos esse potencial de contribuição. No
entanto, defendemos a existência de um quadro maior de potencialidade das aulas de Ciências
para a formação moral, com a perspectiva cognitivo-desenvolvimentista, que não se restringe
aos dilemas ou assuntos controvertidos do ensino de Ciências. É uma contribuição de maior
abrangência que se faz presente na interface das duas áreas, como vimos na exposição das
características de mutualismo. Portanto, não há uma via de mão única nesse processo, como
alguns pesquisadores argumentam, pois não apenas o ensino de Ciências contribui para o
desenvolvimento moral como também os elementos e princípios que fundam as perspectivas
sociomorais (encontradas especialmente em Piaget, Kohlberg e Habermas) são contributos
relevantes para o ensino de Ciências.
A terceira ressalva recai sobre uma possibilidade pragmática, mas não menos relevante
que se apresenta substanciada em nossas argumentações. A ideia que defendemos sobre a
interface de mutualismo entre ensino-aprendizagem de Ciências e formação moral possibilita
sair de generalizações e retóricas encontradas em diferentes trabalhos e, assim, dar sentido,
clareza e explicação assentada em teorias do desenvolvimento sociomoral a discursos até
então vagos como, por exemplo: “O ensino de Ciências deve promover a formação ética e
moral dos estudantes”; “O ensino de Ciências é relevante para a formação integral do aluno”;
“A educação em ciência deve levar em consideração os aspectos cognitivos, sociais, afetivos e
morais”.
134
Em meio a esses argumentos, peço licença aos leitores para apresentar uma
experiência por mim vivenciada, e que fortalece a necessidade de reflexões e de fundamentos
para discernimento sobre a sutileza das entrelinhas de quem se apropria de uma situação de
equívoco do senso comum. Refiro-me à apropriação dessa ideia de ciência que ensejamos
desmistificar, mas que é utilizada para veicular e reforçar outras ideias também equivocadas.
Explico brevemente a seguir.
Interessado na forma e no conteúdo dos argumentos que seriam apresentados ao
público, participei como ouvinte de um seminário sobre “Criação e Evolução” realizado num
determinado colégio confessional. O anúncio no jornal destacava, então, um largo currículo
científico do palestrante (pós-doutorado no exterior, doutorado em Física com projeto de
pesquisa aprovado pela FAPESP etc.), o que fez aumentar em mim o interesse pelo evento.
No conjunto, foram três dias de palestras. Cada uma de duas horas e meia de duração,
aproximadamente. Participei da primeira. No auditório estavam aproximadamente 120
pessoas. Na sua maioria, estudantes e professores. Antes do início da palestra, instigados a se
identificarem pelo apresentador, soube-se que no meio dos presentes estavam
aproximadamente 40 professores da rede pública de ensino.
O palestrante fez um alerta inicial de que não se tratava ali de confronto entre ciência e
religião. Não falaria sobre religião, mas apenas de ciência. Sobre o conteúdo, confrontaria e
explicitaria cientificamente os posicionamentos entre criacionismo e evolucionismo. O que se
viu, então, foi uma explícita defesa daquilo que chamava de “criacionismo científico”,
utilizando-se “a força da ciência” para embasar seus argumentos.
O conteúdo era confuso, num ir e vir que sempre terminava na “vitória do
criacionismo sobre o evolucionismo”. Chamou-me a atenção a forma de apresentação dos
argumentos: uso de ideia falsa e equivocada da ciência em diversos momentos e estratégia de
sedução nos seus discursos (a todo instante repetiu que se tratava de uma posição científica,
mencionou diversos nomes de cientistas criacionistas, fez uso do indutivismo ingênuo etc.).
Começou com uma “aula sobre ciência”, distinguindo conceitualmente teoria, fato, hipótese,
mas inserindo definições falsas e não menos confusas. Essa era a minha avaliação. No
entanto, a forma que apresentava suas argumentações seduzia a platéia. Enfim, a ideia de
ciência veiculada para corroborar os seus argumentos nitidamente aproveitava-se do senso
comum. Utilizou-se da ideia de senso comum de ciência para descaracterizar e desmoralizar a
135
evolução. Não apresentou fontes ou origens de seus argumentos, o que me fez retomar
lembranças dos véus ideológicos apresentados por Fourez (1995). Não apresentou elementos
de coerção explícita, mas sim de sedução e de direcionamento acrítico. A forma de sua
apresentação, utilizando-se de técnicas de sedução, e aproveitando-se da ideia mistificada de
ciência que perdura no senso comum, conseguiu distorcer e omitir, por exemplo, a
característica do senso crítico da ciência.
O que nos preocupa, com tudo isso é a forma coercitiva aplicada e utilizada para se
ensinar isso ou aquilo a crianças, adolescentes e jovens em processo de formação cognitiva e
moral. O que nos importa não é meramente o posicionamento da ciência perante os
conteúdos, especialmente dos temas polêmicos, mas, porque o objeto deste estudo foca o
ensino de Ciências, o problema está em “Como os assuntos - especialmente os polêmicos -
são trabalhados em sala de aula?” Porque, como dissemos anteriormente, há consequências
para as crianças, os adolescentes e os jovens no processo de mudança conceitual - do senso
comum para o científico. O “como” desse processo envolve, por exemplo, interferências no
desenvolvimento moral, à luz das perspectivas sociomorais que especialmente perpassam
Piaget, Kohlberg e Habermas. Pudemos observar isso no conjunto de argumentos anteriores.
são mais solicitados a participar das atividades propostas em sala de aula do que os alunos
com o histórico.
A pesquisa de Viecili e Medeiros (2002) demonstra que a coerção ainda é elemento
presente na sala de aula, podendo ter efeitos prejudiciais à formação moral e intelectual do
aluno, como vimos em Piaget, Kohlberg, Habermas e outros autores que se alinham aos
argumentos deles.
Os autores da pesquisa apresentam, ao final, um interessante questionamento que
concordamos e assim se resume: Os licenciandos aprendem nos seus cursos que o ensino
escolar não deve ser coercitivo, mas será que não falta formação complementar sobre
técnicas, estratégias e procedimentos de como ensinar sem coagir?
Em pesquisa realizada junto a alunos de 8ª série do ensino fundamental, Cabral,
Carvalho e Ramos (2004) verificaram que a falta de respeito mútuo, a falta de compreensão
do professor, a falta de incentivo, a falta de diálogo quando o aluno tem vergonha de falar
com o professor e o autoritarismo do professor são algumas das maiores dificuldades no
relacionamento entre professor e aluno durante as aulas.
Os mesmos alunos investigados apontaram ainda os seguintes fatores que facilitam o
relacionamento entre professor e aluno: um bom diálogo; relacionamento por igual; a
disciplina; a amizade entre ambos; quando o aluno estuda, escuta o professor, presta atenção,
faz tudo o que o professor manda, resolve exercícios, faz as tarefas, tira nota boa, se interessa
com relação ao conteúdo, respeita o professor, se esforça em aprender; o fato do professor: ser
simpático, entender o aluno, dedicado em sua função, ser educado, dar atenção ao aluno, ser
humilde, estar disposto a ajudar o aluno, esclarecer a matéria, demonstrar confiança no aluno.
Questionados se os professores usam de autoridade ou autoritarismo, verificou-se
entre os alunos que: 38,6% citaram que os professores usam de autoritarismo; 35,1% dizem
que raramente o professor ajuda os alunos que têm mais dificuldade. Sobre se o professor é
acessível ao aluno, verificou-se que para 73,7%, raramente o professor é acessível ao aluno.
Ao mesmo questionamento “se usam de autoridade ou autoritarismo em sala de aula”,
os professores afirmaram que: “o diálogo é a melhor solução para os problemas que surgem”
(Professor 1); “muitas vezes uso do autoritarismo para dominar a sala, pois só assim os alunos
colaboram” (Professor 2); “às vezes é preciso usar o autoritarismo” (Professor 3); “uso de
autoridade; procuro junto com os alunos encontrar um caminho mais apropriado para o acesso
ao conhecimento” (Professor 4); “autoridade, pois o autoritarismo não funciona” (Professor
5); “autoridade, pois o professor que usa de autoritarismo geralmente é arrogante, prepotente e
busca impor suas opiniões e decisões, o professor que age com autoridade demonstra bom
137
senso, respeita a opinião dos alunos, tem domínio do assunto e dessa forma conquista a
confiança e o respeito dos alunos” (Professor 6).
Pesquisa de Arcipreste (2001) com alunos e professores universitários de um curso de
Arquitetura coletou, entre outros, os seguintes discursos que nos auxiliam em nossos
argumentos e reflexões: “O professor impõe, de certa forma o que para ele tem mais valor no
projeto” (Aluno 36 A); “(...) eu coloco completamente o meu gosto, entendeu assim, não
tenho nenhuma dúvida: acho jeca [...] isso eu acho cafona!” (Professor IA); “Ao contrário do
óbvio, os professores dão mais atenção para os projetos mais bem resolvidos no começo do
que para os que realmente precisam de orientação” (Aluno 36A); “Às vezes eu notei isso,
varias vezes assim: você começa às vezes a criticar, a mostrar as inconsistências, o aluno não
aceita, assim, ele não dá conta da crítica né, de mudar, e começa a levar a coisa às vezes pro
lado pessoal, não, o (nome do professor) não gosta do meu trabalho, o (nome do professor)
não gosta de mim” (Professor IIA).
Dados e análises de pesquisa realizada por Rosa-Silva, Lorencini Júnior e Laburú
(2010), com professora de Ciências, também nos oferece aspectos relevantes aos nossos
propósitos. Os pesquisadores relatam assim algumas partes de suas observações:
5.5 - Destaques
• Por meio de argumentos e exercícios de situações diversas, buscamos evidências que nos
permitissem esboçar / projetar que as aulas de Ciências podem potencializar favoravelmente a
formação moral à luz das perspectivas sociomorais e vice-versa.
• A formação moral como desenvolvimento e como dimensão ética do discurso – que se
baseiam e se objetivam na busca de autonomia e na emancipação – também podem, ambas, no
conjunto de seus princípios e elementos, constituir um corpo teórico orientador para as aulas
de Ciências, pois potencializa a aprendizagem crítica e próxima de um entendimento real da
ciência.
• A preocupação do ensino de Ciências deve permanecer nos conteúdos científicos, mas não
em atmosferas de reforço da heteronomia moral.
• Discussões sobre formação moral e aulas de Ciências não encerram preocupações vazias ou
já bem resolvidas. Pelo contrário, envolvem diferentes aspectos que tornam a questão bastante
complexa e ainda aberta as pesquisas de nossa área.
139
PARTE III
AUSÊNCIAS E NECESSIDADES
Nesta parte empírica da nossa tese delineamos o estado dos trabalhos científicos
(ensaios, relatos de experiência e relatos de pesquisa) da área brasileira de Educação em
Ciências sobre formação moral com viés no desenvolvimento e ética discursiva. Além dessa
especificidade, o empreendimento empírico apresenta um conjunto de descritores que permite
visualizar de modo abrangente diversas questões de ética e de moral que aparecem nesses
trabalhos.
Educação em Ciências (de 2001 a 2010) e Investigações em Ensino de Ciências (de 1996 a
2010)29.
Por fim, utilizamos e analisamos as informações apresentadas por Teixeira (2008) em
dissertações e teses na área do ensino de Biologia (de 1972 a 2004).
6.2 - Procedimentos
29
Meios e estratégias diferentes foram utilizados neste nosso mapeamento atual em relação à pesquisa publicada
em 2006.
30
As buscas foram realizadas nos seguintes períodos: V ENPEC (ISSN 1809-5100) - entre 08/10/2008 e
25/10/2008; VI ENPEC (ISSN 9788-5993-7258-6) - entre 08/05/2009 e 21/05/2009; VII ENPEC (ISSN 2176-
6940) - entre 12/12/2009 e 19/12/2009. Os trabalhos do VII ENPEC foram verificados antes da elaboraçao das
atas. Nesse caso, a busca foi realizada na relação de trabalhos aceitos para apresentação no evento, publicada no
sítio da internet da ABRAPEC.
142
31
Mesmo quando omitidas do texto, todas as menções sobre os termos de interesse detectados e analisados
também incluem as suas respectivas variações e (ou) derivações.
143
(vide APÊNDICE A). Por conseguinte, assuntos subjacentes à formação moral, formação
ética, desenvolvimento moral, autonomia moral, ética discursiva habermasiana e teorias
morais de Piaget, Kohlberg e Durkheim também puderam ser analisados.
Ressalvamos que este formato não possibilitou detectar os termos de nosso interesse
nos abstracts, títulos de obras das referências bibliográficas ou trabalhos publicados em
línguas estrangeiras cujas grafias não correspondiam com as letras digitadas em português
(Exemplo: a palavra “ética” foi detectada na referência em versão portuguesa da obra de
Gérard Fourez, mas não na versão francesa, intitulada “La construction des Sciences. Les
logiques des inventions scientifiques. Introduction à la Philosophie et à l’Éthique des
Sciences”, pois “etic” quando digitada na ferramenta de busca não identifica “étique” - letras
não correspondentes na grafia de ambas).
A pesquisa em periódicos seguiu os mesmos procedimentos e estratégias de busca das
atas dos ENPEC:
a) Busca eletrônica nos artigos da revista Ensaio - Pesquisa em Educação em
Ciências, publicados e disponíveis no sítio da internet. Utilização do software Adobe®
Reader® versão 9.3. Após cada trabalho aberto individualmente, a ferramenta de pesquisa do
software era acionada (figura 10)32. Todos os termos de interesse e respectivas observações
foram anotados em planilhas para a realização da análise (vide APÊNDICE B).
32
As buscas realizadas na revista Ensaio (ISSN 1983-2117) ocorreram entre 18/03/2010 e 30/08/2010, em
<http://www.portal.fae.ufmg.br/seer/index.php/ensaio>. Ferramenta de busca do site da revista não foi utilizada.
144
33
As buscas realizadas na revista Ciência & Educação (ISSN 1516-7313) ocorreram entre 29/04/2010 e
25/08/2010, em <http://www2.fc.unesp.br/cienciaeeducacao/archive.php>.
34
As buscas realizadas na RBPEC (ISSN 1806-5104) ocorreram de 28/05/2010 a 15/09/2010, em
<http://www.fae.ufmg.br/abrapec/revista/index.html>.
35
As buscas realizadas em Investigações em Ensino de Ciências (ISSN 1518-8795) ocorreram entre 15/06/2010
e 25/09/2010, em <http://www.if.ufrgs.br/ienci/>.
145
ii) A análise dos trabalhos submetidos ao III ENPEC (2001), realizada por
Greca, Costa e Moreira (2002), demonstrou uma forte tendência de pesquisa
em temas vinculados ao ensino, currículo e formação de professores,
havendo poucos trabalhos de investigação na aprendizagem e na avaliação.
Nessa análise, os autores detectaram e fizeram breve menção de algumas
lacunas temáticas nas pesquisas apresentadas no evento, algumas delas
subjacentes aos aspectos éticos, por exemplo, violência na escola,
segregação e tratamento diferenciado entre homens e mulheres.
vi) Uma busca eletrônica (também com auxílio do web browser mencionado
anteriormente) nos 612 títulos de artigos publicados entre 1983 e 1998 na
Revista Enseñanza de las Ciências, disponibilizados na internet, não
detectou a presença de nenhuma das seguintes palavras, nas versões em
português, espanhol, inglês e francês: ética, moral, desenvolvimento moral,
respeito, justiça e liberdade.
Essa pesquisa nos deu indicativos preliminares de que os trabalhos, então analisados à
época, apresentavam uma lacuna sobre o tema ética e moral, incluindo o desenvolvimento
moral. A própria pesquisa mencionou o trabalho de Greca, Costa e Moreira (2002) que fez
menção acerca dessa e de outras lacunas temáticas em pesquisas apresentadas especificamente
no III ENPEC. O resultado geral da pesquisa de Razera e Nardi (2006a) demonstrou que essa
lacuna foi, até então, mantida no conjunto dos trabalhos da área (levando-se em conta a
amostra analisada à época).
Com técnicas, procedimentos e meios diferentes, esta nossa investigação atual
apresenta uma quantidade maior e complementar de dados sobre o estado do tema na área
brasileira de Educação em Ciências.
(*) Enquanto a coluna de frequência das demais categorias apresenta a porcentagem (frequência relativa percentual), nessas três últimas categorias são apresentadas as
147
médias (aritméticas simples) de presença do termo por artigo correspondente (ex: média de presença do termo “Ética” por artigo em que o termo aparece).
Nota: Os totais excluem links quebrados, que não abriram após 3 tentativas ou apresentaram problemas técnicos diversos.
148
Gráfico 1. Os termos ética e (ou) moral nos trabalhos dos V, VI e VII ENPEC (em %)
para o desenvolvimento moral dos estudantes. No outro (VI345), Kohlberg foi apenas citado
em lista com outros pesquisadores que seguem pressupostos do desenvolvimento humano.
e) “Habermas”: Em abordagens sobre formação de professores - citação das obras da
teoria da ação comunicativa; em menção à teoria crítica ou escola de Frankfurt; em técnica de
debate, com citação da obra “Consciência moral e agir comunicativo”; em abordagens de
outras temáticas ou contextos (validação para uso de livros didáticos, processos colaborativos)
não relacionados à ética discursiva com a conformidade de nossos pressupostos.
f) “Durkheim”: Em nenhum dos trabalhos apareceu em contextos de formação moral.
36
Neste item, alguns excertos sofreram pequenas alterações ou adaptações, mas sem interferências nas ideias.
152
(*) Enquanto a coluna de frequência das demais categorias apresenta a porcentagem (frequência relativa percentual), nessas três últimas categorias são apresentadas as
153
médias (aritméticas simples) de presença do termo por artigo correspondente (ex: média de presença do termo “Ética” por artigo em que o termo aparece).
Nota: O total não inclui 7 artigos, por causa de links quebrados - não abriram após 3 tentativas - ou somente disponibilizaram os resumos.
154
explorar a relação CTS, na medida em que pode propiciar reflexões acerca dos aspectos éticos
e epistemológicos da ciência e da tecnologia, além de dar a dimensão da presença da ciência e
da tecnologia na sociedade” (E6); “Esta contribuição pode ser acrescida da necessidade de
que todo docente tenha compromisso ético com o conhecimento e que a sua ação docente
aponte na direção da contextualização e da articulação destes saberes específicos com o
processo de formação crítica e reflexiva do educando” (E43); “Através das declarações dos
alunos, colhidas durante as atividades que compõem esta pesquisa, percebemos uma forte
influência de crenças e valores morais e familiares” (E59); “As implicações sociais, políticas
e éticas destes avanços, foram trabalhadas, de modo contextualizado durante as aulas de
biologia, com alunos do Ensino Médio. Este trabalho destina-se à área de formação de
professores e aos mecanismos de produção de conhecimentos pelos alunos” (E59); “[Citando
Fourez, diz que] alfabetização científica implica a capacidade de refletir sobre deliberações
éticas e políticas e diferenciar de reflexões técnicas” (E89).
(*) Enquanto a coluna de frequência das demais categorias apresenta a porcentagem (frequência relativa percentual), nessas três últimas categorias são apresentadas as
157
médias (aritméticas simples) de presença do termo por artigo correspondente (ex: média de presença do termo “Ética” por artigo em que o termo aparece).
Nota: O total não inclui 3 artigos, porque os links não disponibilizaram os textos completos.
158
Gráfico 3. Artigos com presença e ausência dos termos ética ou moral em Ciência & Educação (em %)
Quadro 12. Contexto dos descritores em trabalhos da Ciência & Educação (cont.)
Trabalho: C40
Tema / Assunto: Educação ambiental.
Palavras-chave: Ensino de Ecologia. Ambientes naturais. Dimensão estética. Aulas de campo.
Autoria principal: Brasileira.
Contexto dos descritores: [Citou Piaget:] O desenvolvimento da inteligência e a formação dos
valores morais obedecem às mesmas relações lógicas.
Trabalho: C56
Tema / Assunto: Estudos culturais de povos indígenas.
Palavras-chave: Conhecimento tradicional. Conhecimento indígena. Multiculturalismo. Kaiowá /
Guarani.
Autoria principal: Brasileira.
Contexto dos descritores: Educação e formação moral e espiritual inserem-se nos aspectos
necessários para a conservação ambiental.
Trabalho: C66
Tema / Assunto: Formação de professores.
Palavras-chave: Atividades de investigação. Ambiente virtual de aprendizagem. Estudos de caso.
Autoria principal: Brasileira.
Contexto dos descritores: [Citou P. Freire:] Uma formação mais crítica, reflexiva, ética e
investigativa eleva a qualidade na formação de professores.
Trabalho: C77
Tema / Assunto: O trabalho com valores em Educação Ambiental.
Palavras-chave: Educação ambiental. Conteúdo valorativo da Educação Ambiental. Educação em
valores. Valores éticos e estéticos em Educação Ambiental.
Autoria principal: Brasileira.
Contexto dos descritores: Necessidade de elaboração de programas educacionais com inserção de
educação moral baseada em princípios e valores de justiça e igualdade, sem caráter de imposição;
Educação moral deve considerar o papel ativo do sujeito; A perspectiva piagetiana baseia-se nos
métodos ativos de educação moral. Puig defende a educação moral como construção da personalidade
moral.
Trabalho: C183
Tema / Assunto: Formação de professores.
Palavras-chave: História da Ciência. Formação de professores.
Autoria principal: Estrangeira.
Contexto dos descritores: Uma formação multidisciplinar deve contemplar também uma formação
cultural, pessoal, social e ética.
Trabalho: C279
Tema / Assunto: O conhecimento físico.
Palavras-chave: Educação moral. Autonomia. Cooperação.
Autoria principal: Brasileira. Professora de ensino médio.
Contexto dos descritores: [Citou Piaget:] O desenvolvimento moral deve ser considerado na atuação
do professor no relacionamento adulto-criança; A criança não pode construir autonomia moral sem
autonomia intelectual e vice-versa, portanto um proposta do conhecimento físico passa por uma
abordagem da educação moral na escola.
(*) Enquanto a coluna de frequência das demais categorias apresenta a porcentagem (frequência relativa percentual), nessas três últimas categorias são apresentadas as
médias (aritméticas simples) de presença do termo por artigo correspondente (ex: média de presença do termo “Ética” por artigo em que o termo aparece).
Nota: O total não inclui 2 artigos, por causa de links quebrados - não abriram após 3 tentativas.
163
Gráfico 4. Artigos com presença e ausência dos termos ética ou moral em RBPEC (em %)
37
Porque diversos artigos da RBPEC foram publicados em língua inglesa, estendemos nossas buscas por termos
em inglês (exemplo: digitação das letras “eth” para possibilitar o encontro de “ethics”).
165
ensino e aprendizagem de um conjunto de valores, que se realiza não apenas por vias
intelectuais, mas, especialmente, por uma consciência ética que supõe tanto a razão quanto os
sentimentos” (R145); “A aprendizagem cooperativa requer a utilização de práticas
pedagógicas que favoreçam a interação social em sala de aula, propiciando além do
desenvolvimento cognitivo do aluno, a construção de atitudes éticas e sociabilidade humana”
(R171).
(*) Enquanto a coluna de frequência das demais categorias apresenta a porcentagem (frequência relativa percentual), nessas três últimas categorias são apresentadas as
médias (aritméticas simples) de presença do termo por artigo correspondente (ex: média de presença do termo “Ética” por artigo em que o termo aparece).
166
167
Gráfico 5. Artigos com presença e ausência dos termos ética ou moral em Investigações (em %)
Quadro 15. O termo “ética” em dissertações e teses sobre o ensino de Biologia (de 1972 a 2004)
Referência do Trechos de inserção do termo (abrangência: título, Situações ou contextos de uso
trabalho resumo e palavras-chave)
Dissertação: No resumo: “Mediante a combinação destes Dimensões ético-profissonais no
LUZ (1982) aspectos, estabelece três dimensões (cognitiva, tratamento da Botânica.
metodológica e ético-profissional) como sendo
necessárias ao currículo da Botânica”.
Dissertação: No resumo: “O ensino atual de Biologia não tem Aspectos éticos envolvidos na
FERRAZ (1997) contemplado os avanços tecnológicos assim como a produção científica.
análise das implicações sociais e éticas da produção
científica”; “Debates e reflexões éticas sobre
problemas atuais e relevantes para a sociedade
permitem orientar nossos alunos quanto à tomada de
decisões de forma consciente e ao encaminhamento
de soluções para nossos problemas cotidianos”.
Dissertação: No título: “Ética em assuntos controvertidos no Postura ética do professor e as
RAZERA (2000) Ensino de Ciências: perspectivas ao desenvolvimento possíveis interferências ao
moral nas atitudes que configuram as controvérsias desenvolvimento moral dos alunos.
entre Evolucionismo e Criacionismo”; No resumo:
“Todavia, a presença de elementos sintáticos nos
enunciados dos professores, somados à ausência de
determinadas percepções éticas subjacentes a
contextos fora do eixo ciência-religião, mostrou-nos
[...]”. Nas palavras-chave: “Ética; Ensino de
Biologia; Temas Polêmicos; Evolução;
Criacionismo”.
Dissertação: No título: “Biologia e Ética: um estudo sobre a Questões éticas em relação à
ALVES (2003) compreensão e atitudes de alunos do Ensino Médio Genética.
frente ao tema Genoma/DNA”. No resumo: “A
produção científica e tecnológica das últimas décadas
tem modificado o homem e o mundo em que vive. As
implicações sociais, políticas e éticas destes avanços,
que afetam a sociedade, foram trabalhadas [...]”.
171
Quadro 15. O termo “ética” em dissertações e teses sobre o ensino de Biologia (de 1972 a 2004) (cont.)
Referência doTrechos de inserção do termo (abrangência: título, Situações ou contextos de uso
trabalho resumo e palavras-chave)
Dissertação: No título: “Educação Científica, Genética e Ética: a Questões éticas em relação à
CANAL (2003) abordagem de temas contemporâneos no Ensino de Genética.
Biologia”. No resumo: “Temas contemporâneos
relacionados às pesquisas recentes da Genética
Molecular estão inseridos em contextos sociais
econômicos e éticos”; “Procurou-se verificar de que
maneira os alunos do Ensino Médio interagem com a
programação proposta, com destaque para os
seguintes aspectos: interesse, motivação e
envolvimento que os conteúdos, questões e atividades
propostos podem suscitar entre os alunos com as
novas informações sobre conhecimentos e técnicas
em Genética Molecular, identificando-se dificuldades
conceituais e possíveis caminhos para a superação
das mesmas; posicionamento assumidos pelos alunos
diante de questões que envolvem discussões sobre
Ciência e Ética e sobre as relações entre Ciência,
Tecnologia e Sociedade”; “Partiu-se da hipótese de
que a programação de ensino que focalize avanços
científicos recentes e suas implicações econômicas,
sociais, políticas e éticas pode ser: (a) interessante
para os alunos do Ensino Médio [...]”.
Tese de Livre No resumo: “Explora as relações entre Relações entre ciência, ética e
Docência: Ciência/Ética/Cidadania tomando como referência o cidadania.
BIZZO (1994) cenário escolar”. Nas palavras-chave: “História da
Ciência; Reprodução Sexual; Eugenia; Ciência;
Ética; Cidadania; Ensino de Ciências”.
Dissertação: No resumo: “Para isso faz-se necessário que os Aspectos éticos envolvidos na
BONATTO (1991) professores conheçam, e considerem em todas as Educação Ambiental.
disciplinas, os fundamentos das relações ecológicas
da natureza, a integração do saber formal, e o
exercício de discussões que reconsiderem as funções
de valores éticos-sociais, tais como o bom e o mau, a
justiça, a identidade, a cidadania, a verdade e muitos
outros”.
Dissertação: No resumo: “Buscou-se no relato apresentar a Aspectos éticos envolvidos na
FERRAZ (2002) seqüência de estratégias educacionais que Educação Ambiental.
envolveram atividades de autoconhecimento dos
estudantes, orientação e análise de problemas no
âmbito do tema de pesquisa escolhido, estímulo à
capacidade crítica individual e coletiva, à ética e aos
valores humanos”.
Tese: No resumo: “[...] verificou-se o limitado alcance da Questões éticas em relação à
ROSA (2000) contribuição destas práticas para a formação crítica Genética.
e responsável dos futuros profissionais, frente às
complexas implicações sociais e éticas da moderna
Genética Humana”.
Dissertação: No resumo: “O conhecimento científico, CTSA e implicações éticas.
SILVA (2001) especificamente o da Biologia, traz consigo
implicações sociais, políticas e éticas que devem ter
lugar no ensino desta disciplina. Este trabalho
propõe investigar como estudantes do Ensino Médio
apreendem a dimensão ética dos saberes biológicos à
luz de princípios preconizados pela Bioética, bem
como a importância da contextualização destes
saberes a partir das relações entre Ciência e
Sociedade”.
172
Quadro 15. O termo “ética” em dissertações e teses sobre o ensino de Biologia (de 1972 a 2004) (cont.)
Referência do Trechos de inserção do termo (abrangência: título, Situações ou contextos de uso
trabalho resumo e palavras-chave)
Dissertação: No resumo: “[...] questões relacionadas à influência Aspectos éticos envolvidos na
PINHEIRO (1999) da Química no cotidiano das vidas das pessoas, Educação Ambiental.
integração do conteúdo químico propriamente dito
com o contexto social, e ainda se está sendo possível
através deste ensino, contribuir para a formação de
um profissional de Biologia com certo discernimento
de ética, moral, respeito aos problemas ambientais, e
principalmente de seu papel de cidadão dentro da
nossa sociedade”.
Dissertação: No resumo: “Vale ressaltar que, apesar das diversas Aspectos éticos envolvidos na
LOPES (2004) visões de EA, os conceitos apresentados apontam a Educação Ambiental.
EA como instrumento de transformação social,
atitude individual e coletiva, desenvolvendo no
indivíduo valores éticos, bem como a condição de
cidadão. Com relação aos alunos, observamos os
seguintes pontos convergentes: os valores morais
(éticos) têm relação com todas as disciplinas [...]”.
Quadro 16. O termo “moral” em dissertações e teses sobre o ensino de Biologia (de 1972 a 2004)
Referência do Trechos de inserção do termo (abrangência: título, Situações ou contextos de uso
trabalho resumo e palavras-chave)
Dissertação: No título: “Ética em assuntos controvertidos no Postura ética do professor e as
RAZERA (2000) Ensino de Ciências: perspectivas ao desenvolvimento possíveis interferências ao
moral nas atitudes que configuram as controvérsias desenvolvimento moral dos alunos.
entre Evolucionismo e Criacionismo”. No resumo:
“O objetivo deste trabalho centrou-se na verificação
das atitudes que configuram o ensino de Biologia nas
controvérsias entre evolucionismo e criacionismo,
com as respectivas implicações pedagógicas
inerentes ao processo de desenvolvimento moral”;
“[...] as representações mostraram elementos
sintáticos de atitudes benéficas à autonomia moral”;
“[...] os discursos denotaram desaprovação a fatores
que pudessem inibir ou perturbar o processo de
desenvolvimento moral”; “[...] falhas na formação
docente, contribuindo negativamente no processo de
desenvolvimento moral dos alunos e nos propósitos
de uma educação mais progressista em relação à
consolidação de cidadania”.
Dissertação: No resumo: “Os Parâmetros Curriculares Nacionais Aspectos morais envolvidos na
COVA (2004) (PCN) recomendam que, ao tratar de assuntos Educação Sexual.
relacionados à sexualidade, o tópico Orientação
Sexual seja incluído[...] de modo a não disseminar
preconceitos. Porém, a orientação sexual é um tema
polêmico, tanto no que diz respeito a questões morais,
quanto no campo científico, no qual se encontra um
grande número de controvérsias”; “Em vista dessa
necessidade, realizamos uma enquête com
professores de Biologia da rede pública estadual da
cidade de Salvador (BA), para investigar seus
julgamentos morais sobre a diversidade de
orientações sexuais e suas visões sobre o
desenvolvimento da orientação sexual”; “Entre os
professores estudados, predominaram julgamentos
morais positivos sobre a homossexualidade,
principalmente entre os mais jovens [...]”.
173
Quadro 16. O termo “moral” em dissertações e teses sobre o ensino de Biologia (de 1972 a 2004) (cont.)
Referência do Trechos de inserção do termo (abrangência: título, Situações ou contextos de uso
trabalho resumo e palavras-chave)
Dissertação: No resumo: “[...] questões relacionadas à influência Aspectos morais envolvidos na
PINHEIRO (1999) da Química no cotidiano das vidas das pessoas, Educação Ambiental.
integração do conteúdo químico propriamente dito
com o contexto social, e ainda se está sendo possível
através deste ensino, contribuir para a formação de
um profissional de Biologia com certo discernimento
de ética, moral, respeito aos problemas ambientais, e
principalmente de seu papel de cidadão dentro da
nossa sociedade”.
Tese: No resumo: “Deste estudo foram retiradas quinze Aspectos morais envolvidos na
SILVEIRA (1997) concepções, sendo três do período grego, duas do Educação Sexual.
romano, quatro da idade média e seis da Idade
Moderna, que foram divididas em concepções
biológicas e morais. As concepções biológicas
estavam relacionadas com o ato sexual, a
menstruação, a fecundação, a masturbação e a
amamentação. As concepções morais, com a
virgindade e o aborto”; “[...] quatro concepções
morais não foram superadas”.
Dissertação: No resumo: “A 1ª representação - de entorno - dá Aspectos morais envolvidos na
FERREIRA (2004) ênfase aos elementos próximos, tudo aquilo que Educação Ambiental.
rodeia os espaços ocupados pelo ser humano e que
necessita ser conhecido. A 2ª representação -
comportamentalista moralista - relaciona-se também
ao entorno, porém associado a atitudes e
comportamentos diante desse meio”; “[...] a
pedagogizante moralista (conscientizar as crianças
para salvar o meio ambiente); a idealista
(conscientizar para mudar o comportamento e agir
para preservar) [...]”.
Dissertação: “Com relação aos alunos, observamos os seguintes Aspectos morais envolvidos na
LOPES (2004) pontos convergentes: os valores morais (éticos) têm Educação Ambiental.
relação com todas as disciplinas [...]”.
Dissertação: No resumo: “[...] a agricultura e seus Aspectos morais envolvidos na
RIPOLL (2001) “superalimentos”, que possibilitarão acabar com a divulgação científica por
fome, além do comércio e das práticas de intermédio da mídia.
manipulação de entidades vivas, tidas como “coisas
do demônio”, “imorais” e “lucrativas”.
discussões ou investigações futuras ou, ainda, para fundamentar aquilo que parte dos
trabalhos já traz, de modo explícito ou implícito, sobre as relações entre ética, moral e ensino-
aprendizagem de Ciências. Lembrando-se que o conjunto geral de dados demonstrou que
“ética” e (ou) “moral” apresentam tendência crescente de presença em trabalhos da área.
6.5 - Destaques
• A área de Educação em Ciências ainda carece de mobilização investigativa que tenha como
foco temático ou assunto principal a formação moral.
• Há menções diversas que denotam a relevância da “formação moral”, do “desenvolvimento
moral” e da “autonomia moral” no ensino de Ciências, mas em discussões não centrais.
• No conjunto dos trabalhos os descritores “ética” e “moral” aparecem associados a ideias
diversas e difusas que nos colocam a refletir sobre o papel e as exigências do ensino de
Ciências na abrangência do assunto e, por consequência, tais resultados abrem diversas
possibilidades de investigação.
• Há tendência crescente de presença dos termos “ética” e (ou) “moral” em trabalhos da área.
• Uma quantidade maior de trabalhos - teóricos e empíricos - sobre formação moral no ensino
de Ciências poderia trazer contribuições relevantes para a área de Educação em Ciências.
• Trabalhos que abrangem ou abordam temáticas sobre CTSA, Educação Ambiental e
Assuntos Controvertidos preponderam entre os demais nas inserções dos descritores “ética” e
“moral” (em percentuais gerais e em contextos que denotam formação moral).
176
7.1 - As licenciaturas em discussão: relações entre teoria e prática e o tema moral nas
disciplinas
No que diz respeito aos professores, as observações revelam que eles têm
uma grande dificuldade para lidar com o tema, tanto conceitualmente como
do ponto de vista didático. Parece-nos que eles precisam ter um preparo um
pouco mais adequado no que se refere à introdução de Temas Transversais
simultaneamente aos conteúdos de suas disciplinas, inclusive quanto à Ética,
182
apesar da instituição destes pelos PCN desde 1997. [...] Uma possível
proposta é examinar a possibilidade do retorno de uma disciplina
específica na grade das escolas de preparação para os futuros
professores, sobre o tema de ética e moral. Além disto a Ética deve
continuar a ser trabalhada dentro do conteúdo das demais disciplinas
(LINS et al., 2007, p. 274).
7.2 - Destaques
CONCLUSÕES
Logo na introdução deste trabalho nós nos colocamos como um daqueles que têm
preocupações sobre os aspectos atitudinais e axiológicos no ensino e aprendizagem das
disciplinas científicas. Sob influência dessas preocupações, e orientados especialmente pelas
perspectivas morais encontradas nas teorias de Piaget, Kohlberg e Habermas, propusemos esta
investigação teórica e empírica dos aspectos correlacionais entre aulas de Ciências e
desenvolvimento moral, porque nossas observações preliminares davam conta da
possibilidade desse evento correlativo existir e ainda ser subestimado pelo conjunto de
trabalhos da nossa área (Educação em Ciências). Portanto, haveria possibilidades de
avançarmos nos conhecimentos sobre o assunto.
Ao término deste nosso estudo vimos evidências diversas que confirmam a existência
de contribuições correlativas válidas, plausíveis e viáveis estabelecidas entre elementos do
aporte teórico-prático laico e racional do desenvolvimento moral (e que associamos à
elementos da ética discursiva) e das aulas de Ciências; uma correlação de mutualismo
interfacial que ainda aparece subestimada nas abordagens e discussões de trabalhos nacionais
da área e que merece nossa atenção.
Esse nosso entendimento se dá pelas possibilidades contributivas recíprocas que
levantamos em nossas discussões e análises: contribuições que transitam em via de mão
dupla, ou seja, ao potencializar o desenvolvimento moral dos alunos, as aulas de Ciências
também potencializam a aprendizagem de Ciências e vice-versa (ao potencializar a
aprendizagem de Ciências, por meio de seus diversos pressupostos teórico-práticos que
subjazem a moralidade, o desenvolvimento da autonomia crítica e moral dos alunos também é
potencializado).
Aulas de Ciências contêm componentes teórico-práticos diversos que influenciam o
desenvolvimento moral dos alunos. O desenvolvimento moral contém componentes teórico-
práticos que influenciam a aprendizagem de Ciências. Potencialmente ambos, de modo
concomitante, podem ser beneficiados (figura 12).
185
Figura 12. Interface de contribuições mútuas entre Formação Moral e Aulas de Ciências
Portanto, aulas de Ciências que, por diferentes motivos, não levam em consideração
princípios, conteúdos e procedimentos teórico-práticos do desenvolvimento moral perdem
oportunidades de subsídios potenciais em favor da aprendizagem de Ciências.
Os dados e análises deste nosso estudo evidenciam que aulas de Ciências inseridas em
atmosfera de heteronomia moral são obstáculos tanto para a aprendizagem de Ciências como
para a evolução moral dos alunos. Por outro lado, a atmosfera de autonomia moral amplia as
possibilidades de uma aprendizagem mais consciente e crítica em Ciências, além de favorecer
a autonomia moral e a emancipação dos alunos. Uma consciência crítica e racional que pode
atuar sobre conteúdos e conhecimentos científicos, a fim de melhor entendê-los no seu
processo de construção e diferenciá-lo dos demais tipos de conhecimentos (sem que haja
exclusão antecipada de qualquer tipo de conhecimento que os alunos trazem consigo e nem a
obrigação deles em aceitar esse ou daquele tipo de conhecimento por algum tipo de ação
impositiva externa). Como se vê, esses argumentos não se afastam da relevância dos
conteúdos e conhecimentos científicos.
O conjunto de aspectos que envolvem a autonomia moral e a construção do
pensamento crítico não contém características que fazem aproximar das ideias de ciência
como produto neutro, absoluto, verdadeiro e inquestionável. Na perspectiva do
desenvolvimento moral e da ética discursiva, o ensino memorístico, as avaliações punitivas,
os conteúdos compartimentados e descontextualizados e a aceitação acrítica e (ou) coercitiva
do conhecimento científico em detrimento do senso comum também não são contemplados.
Mesmo que as considerações dos alunos inicialmente estejam distantes do
conhecimento científico, não será em ambiente que reforça a heteronomia moral, como vimos
nos diferentes exercícios anteriores, que mudanças ocorrerão. Por outro lado, em ambiente de
autonomia moral, com preponderância de diálogo, cooperação e busca compartilhada de um
senso crítico racional, haverá favorecimentos aos alunos nas suas tomadas de decisão. Sem
186
laissez-faire, sem coação, sem imposição, seja explícita ou velada, pois as opções de escolha
sempre estarão – e assim deverão permanecer – com os alunos. O exercício da consciência
crítica e racional permite ao aluno um melhor entendimento sobre o processo de construção
do conhecimento científico, auxiliando-o na comparação e diferenciação dos demais tipos de
conhecimentos e, portanto, nas suas escolhas. Atividade crítica que deve permear desde o
interior da ciência até o seu ensino e aprendizagem, pois auxilia a compreensão da ciência. A
busca da consciência crítica e racional, nesse caso, tende a jogar a favor da compreensão do
conhecimento científico.
No ambiente de heteronomia moral, a ciência tende a ser trabalhada como dogma.
Mesmo ao se trabalhar a ciência como processo, a forma heterônoma contrapõe-se, torna-se
incoerente, ou seja, obstaculiza a aprendizagem. Torna-se conhecimento fragilizado: conteúdo
e discurso não se completam. Entram em choque na interação. Como podemos falar, por
exemplo, que a ciência é processo humano por meio de uma fala restritiva e coercitiva? Num
ambiente de heteronomia moral, até mesmo o ensino da ciência em abordagens CTSA
encontra obstáculos, por causa das incoerências entre conteúdo e discurso.
Aulas de Ciências em perspectiva de heteronomia moral resultam em aprendizagem
não significativa, não consistente. O estímulo ao desenvolvimento moral oferece
potencialidades mais consistentes para a compreensão de conteúdos e conhecimentos
científicos, porque a atmosfera de autonomia estimula níveis mais elevados de raciocínio
crítico, moral e emancipatório. Em ambiente no qual a autonomia moral é buscada, o sujeito
escolhe sua opção não por medo de castigo ou para obedecer ao adulto ou ao outro. Além
disso, haverá maiores probabilidades de escolher a melhor opção. Entende-se a opção
científica como processo humano. Diferencia-se a opção científica das verdades dogmáticas.
Ao aceitá-lo, saber-se-á isso.
Na interface entre aspectos teórico-práticos do desenvolvimento moral e das aulas de
Ciências há uma dimensão diferente daquela que se apresenta em outras teorias de formação
moral. Por exemplo, em alguns pontos da formação moral criticados por Piaget, como no caso
da disciplina e adesão do grupo às regras sociais por meio de aceitação unilateral
(perspectivas teóricas de Durkheim). Trocando-se o elemento “sociedade” pelo elemento
“ciência”, teríamos nesse exercício uma situação teórica similar de disciplina e adesão dos
alunos aos conteúdos e conhecimentos científicos por meio de aceitação unilateral, ou seja,
sem mobilização de criticidade.
As aulas de Ciências na escola básica não são para formar cientistas, mas para compor
uma formação que tem caráter geral em que conteúdos e conhecimentos científicos são
187
que compõem a estrutura de aprendizagem dessa matéria escolar. Por outro lado, ressaltamos
que este trabalho não traz problemas já totalmente resolvidos pela área. Ainda que no pano de
fundo apareçam exemplos ou exercícios que contemplem problemas que as pesquisas já
tratam em difusão (natureza da ciência, assuntos sociocientíficos controvertidos, CTSA, entre
outros), acreditamos que a inserção de componentes da ética discursiva e do desenvolvimento
moral retoma e consolida pontos relevantes sobre o processo de formação intelectual e moral
dos alunos em aulas de Ciências.
Antes de finalizarmos, apresentamos as seguintes informações complementares, a fim
de dirimir possíveis dúvidas dos leitores sobre os nossos propósitos e (ou) ideias subjacentes
com esta tese: i) ideias não desvinculadas das preocupações com os conteúdos das aulas de
Ciências; ii) nenhuma proposta de fazer outra defesa a não ser da racionalidade da ciência e
da relevância dos conhecimentos científicos; iii) se a educação moral é um processo inevitável
em sala de aula, defesa de uma educação moral em prol da aprendizagem de Ciências,
teoricamente embasada em princípios racionais, laicos e de emancipação; iv) discussões e
argumentos com foco especial na psicologia do desenvolvimento humano, que podem se
alinhar às contribuições trazidas pela História e Filosofia da Ciência; v) o conceito de
“verdade” que aparece ao longo do texto não é unívoco e deve ser compreendido nos
contextos dos respectivos autores e (ou) argumentos apresentados; v) as perspectivas teóricas
aqui defendidas não se prestam a pretensões de gerar soluções simplistas e nem prescrições
(não pode ser entendido como impossibilidades de aplicação educacional no cotidiano das
aulas, mas aí já entraríamos numa outra dimensão que, por opção, nos ausentamos neste
trabalho); vi) ao contemplar perspectivas com bases racionais, o nosso estudo distancia-se das
respectivas disfunções biológicas ou anomalias patológicas de comportamento e
personalidade.
Por fim, este é um trabalho inserido num plano de preocupação atitudinal e axiológica
(o desenvolvimento moral) que envolve aulas de Ciências (cognição e conteúdo de matéria
específica). A intenção do cenário que construímos é de enriquecimento, pois acrescenta em
favor da consistência do ensino de Ciências em ideais de um processo educacional voltado
para a paz, a verdade, a justiça, a solidariedade, a esperança e ao espírito democrático.
Especialmente encontramos na educação em Ciências um papel relevante quanto a essas
possibilidades. Além disso, somos levados a pensar se tudo o que discutimos neste trabalho
também não implica diretamente (no mínimo, subjaz) um outro contexto escolar ampliado e
atual a envolver manifestações de bulling, de desprezos dos alunos pelas matérias de ensino,
de sentimentos negativos à instituição escolar etc.
189
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A lista a seguir contempla obras consultadas no decorrer deste nosso trabalho. Apesar
de não constarem de citações ou menções no corpo do texto, a leitura crítica destas obras
também serviu de relevante suporte e orientação para a construção de um panorama sobre a
temática que desenvolvemos. Nelas encontramos autores que defendem perspectivas teórico-
práticas diversas sobre a moral. Algumas estão embasadas em pressupostos que convergem
com os nossos referenciais, mas outras se apresentam com diferentes graus de divergência.
Após os dados referenciais de cada uma delas, compartilhamos com o leitor uma breve
abordagem de seus aspectos gerais ou daqueles de interesse para o nosso trabalho.
ACEVEDO, J. A.; VÁSQUEZ, A.; MARTÍN, M.; OLIVA, J. M.; ACEVEDO, P.; PAIXÃO, M. F.;
MANASSERO, M. A. Naturaleza de la ciencia para la participación ciudadana: una revisión crítica. Revista
Eureka sobre Enseñanza y Divulgación de las Ciencias, Cádiz, v. 2, n. 2, p. 121-140, 2005. (Os autores são de
instituições educacionais e de centros de investigação da Espanha e Portugal. A abordagem segue a linha CTSA,
enfatizando-se as contribuições que o ensino de ciências podem trazer para as tomadas de decisão no meio
social, cujas necessidades formativas inserem aspectos de educação moral - desenvolvimento do raciocínio
moral).
ADINOLFI, V. T. S. Discurso científico, poder e verdade. Revista Aulas, Campinas, n. 3, mar. 2007. (A autora
discute os aspectos de poder envolvidos no discurso científico, especialmente quando produzem sentidos de
verdade e, ainda, quando apagam os sinais de história. Bases teóricas que serviram de referenciais: Foucault,
Orlandi, Possenti e Boaventura Santos).
APEL, K.-O. Estudos de moral moderna. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. (Obra de um dos autores mais conhecidos
sobre a temática da moral. Neste livro estão reunidos cinco estudos sobre a fundamentação filosófica da ética. A
ressaltar a explicação dada sobre o problema da racionalidade ética, sobre o desenvolvimento moral e os
aspectos éticos discursivos).
ARAÚJO, U. F.; PUIG, J. M.; ARANTES, V. (Org.). Educação e valores: pontos e contrapontos. São Paulo:
Summus, 2007. (Cada autor tece argumentos sobre o tema e, posteriormente, dialogam e trocam
questionamentos sobre os seus pontos de vista).
ARROYO, M. G. A função social do ensino de ciências. Em Aberto, Brasília, ano 7, n. 40, p. 3-11, out./dez.
1988. (O artigo discute os aspectos dicotômicos entre ciência-técnica e cultura e o reducionismo prejudicial
apresentado pelo ensino de ciências sobre a produção do conhecimento científico).
ARTETA, J.; CHONA, G.; FONSECA, G.; IBÁÑEZ, X. MARTÍNEZ, S. La clase de ciencias y la formación en
valores. Enseñanza de las Ciencias, Barcelona, número extra, p. 1-5, 2005. (O artigo apresenta um relato de
pesquisa, do tipo estudo de caso, sobre os valores universais e específicos do ensino de ciências que se
promovem em sala de aula, de acordo com os próprios professores. Nesta pesquisa, estudos de Adela Cortela
serviram como referenciais para as análises, cujas conclusões corroboram o relevante espaço que o ensino de
ciências representa para a educação moral).
escola ética, a autora desenvolve sua tese orientada pela seguinte questão: Como é que a escola proporciona
condições para esse desenvolvimento?)
BANDURA, A. Social cognitive theory of moral thought and action. In: KURTINES, W. M.; GEWIRTZ (Eds.).
Handbook of moral behavior and development. Hillsdale, NJ: Erlbaum, 1991. p. 45-103. (O conhecido autor
argumenta sobre mecanismos de auto-regulação com possibilidades de integrar pensamento e ação moral).
BARBA, B. Educación y valores: una búsqueda para reconstruir la convivencia. Revista Mexicana de
Investigación Educativa, México, DF, v. 10, n. 24, p. 9-14, 2005. (O autor - professor e investigador da
Universidade Autônoma de Aguascalientes, México - apresenta argumentos em prol das preocupações
pedagógicas atuais a envolver a educação de valores na escola e a necessidade de ampliar as investigações sobre
essa temática. Ressalta, ainda, no decorrer de seu texto, que os mesmos aspectos de valores e de ideologia que
estão presentes no ensino também estão presentes na investigação).
BIAGGIO, A. M. B.; VARGAS, G. A. O.; MONTEIRO, J. K.; SOUZA, L. K.; TESCHE, S. L. Promoção de
atitudes ambientais favoráveis através de debates de dilemas ecológicos. Estudos de Psicologia, Natal, v. 4, n. 2,
p. 221-238, 1999. (Os autores relatam uma pesquisa na qual propuseram, por meio de uma intervenção educativa
com base em debates, promover atitudes ambientais favoráveis em adolescentes. Os resultados finais
demonstram que a técnica teve eficácia somente para os ativos participantes nas discussões implementadas).
206
BOAVIDA, J.; SANCHES, M. D. F. Educación, ética y posmodernidad. Educación XX1, Madrid (Revista de la
Faculdad de Educación), n. 4, p. 167-187, 2002. (Os autores apresentam argumentos e reflexões sobre a prática
educativa nas necessidades cada vez mais complexas ante a crise social contemporânea, não se descartando o
relevante papel que o desenvolvimento moral tem para a busca da emancipação dos sujeitos. Na discussão, os
autores resgatam e discutem diferentes teorias ou posicionamentos de autores como Kant, Piaget, Kohlberg,
Lipovetsky, Lyotard, Cortina e Habermas).
BOTERO, P. A.; GARZÓN, S. M.; OSTOS, D.; RAMIREZ, A. Desarrollo moral en la infancia: aspectos
básicos. Biblioteca Virtual, Artículos Educativa & Desarrollo (Associación Colombiana para el Avance de las
Ciencias del Comportamiento, 2003. Disponível em: <http://www.abacolombia.org.co>. (Assim como em vários
outros estudos, as autoras desse artigo explicitam as teorias de Piaget e Kohlberg sobre o desenvolvimento
moral).
BUSCATO, M. De onde vem nossa moral. Revista Época, Rio de Janeiro, Editora Globo, edição 499, 10 dez.
2007. (A jornalista apresenta estudos de alguns neurocientistas que investigam a origem da moral, cujos
resultados sugerem um senso de moral inato e instintivo nos seres humanos. A seguir, destacamos o trecho final
dessa matéria:“Mas, se os seres humanos vêm “equipados de fábrica” com um senso moral, por que não
vivemos num mundo perfeito, em que todos fazem o bem uns aos outros? O pesquisador Marc Hauser, da
Universidade Harvard, responde com um conceito emprestado do estudo da linguagem, desenvolvido pelo
americano Noam Chomsky. A tese de Chomsky é que todos os seres humanos nascem sabendo as estruturas
fundamentais da linguagem, que seriam comuns a todas as línguas. Mas o idioma que cada um falará dependerá
do ambiente e da cultura onde cresceu. Segundo Hauser, o mesmo ocorreria com a moral. Todos os seres
humanos nascem com esse senso codificado em seu cérebro. A estrutura seria a mesma. Mas sua interpretação
mudaria de acordo com os valores do ambiente. A ciência começa a nos mostrar de onde vem a moral. Mas isso
não nos exime da responsabilidade de ensiná-la, praticá-la e vigiar os que se desviam dela”).
BUSCATO, M. A moral serve como guia intuitivo da ação. Revista Época, Rio de Janeiro, Editora Globo,
edição 499, 10 dez. 2007. (A jornalista entrevista o psicólogo americano Joshua Greene, cujas descobertas
apontam para um senso moral inato nos seres humanos).
CABANILLAS, P. O. El problema del sujeto de la educación. Educación, San Marcos (Universidad Nacional
Mayor de San Marcos), ano 1, n. 1, p. 31-41, maio 2004. (O artigo refere-se à atividade docente frente aos
inúmeros problemas, especialmente de conduta e compromissos morais que se relacionam à natureza do sujeito.
Nos argumentos, aparecem, por exemplo, uma contextualização/explicitação dessa natureza do sujeito em áreas
da neurociência e das ciências naturais).
CANASTRA, F. Uma abordagem narrativa da experiência moral: o relato de uma experiência, em contexto de
formação inicial de professores. Revista Iberoamericana de Educación, Madrid, 2002. Disponível em:
<http://www.rieoei.org/experiencias33.htm>. Acesso em: 15 mar. 2007. (O autor reitera algumas críticas às
teorias de Kohlberg e apresenta na abordagem narrativa um novo enfoque no campo do desenvolvimento moral).
207
CONDE, S. L. La formación de sujetos con una moral democrática. Educar - Revista de Educación, México, n.
4, jan.-mar., 1998. (A autora discute o papel da escola na formação de uma moral que chama de democrática,
utilizando-se de princípios teóricos extraídos de diferentes autores, incluindo Piaget, Kohlberg, Puig e Turiem).
CONDORCET, J. -A. -N. C. Cinco memórias sobre a instrução pública. Tradução de Maria das Graças de
Souza. São Paulo: Editora Unesp, 2008. (Obra clássica deste autor iluminista, na qual aponta suas visões e
propostas teóricas para a instrução pública, a destacar a quinta memória intitulada “Sobre a instrução relativa às
ciências”).
CORRIGAN, D.; DILLON, J.; GUNSTONE, R. (Eds.). The re-emergende of values in Science Education.
Roterdã, Holanda: Sense Publishers, 2007. 277p. [ISBN: 90-8790-035-x] (Livro composto por uma coletânea de
17 trabalhos que, direta ou indiretamente, abordam questões sobre valores no ensino de Ciências, demonstrando
a relevância da temática na área).
CORTINA, A. La educación del hombre y del ciudadano. Revista Iberoamenricana de Educación, Madrid, n. 7,
p. 41-63, jan./abr. 1995. Disponível em: <http://www.rieoei.org/oeivirt/rie07.htm> (A conhecida autora discute e
tece severas críticas sobre as formas que os fundamentos teóricos foram utilizados pelas constituições de países
de língua hispânica, notadamente em relação aos conceitos de justiça. No final de seu artigo, Adela Cortina
conclui: “La educación del hombre y del ciudadano ha de tener en cuenta, por tanto, la dimensión comunitaria
de las personas, su proyecto personal, y también su capacidad de universalización, que debe ser dialógicamente
ejercida, habida cuenta de que muestra saberse responsable de la realidad, sobre todo de la realidad social,
aquel que tiene la capacidad de tomar a cualquier otra persona como un fin, y no simplemente como un medio,
como un interlocutor con quien construir el mejor mundo posible”).
CORTINA, A. La dimensión pública de las éticas aplicadas. Revista Iberoamericana de Educación, Madrid, n.
29, p. 45-64, 2002. (A autora discute qual deve ser o papel das éticas aplicadas no processo de decisão da esfera
pública. Para isso, analisa criticamente diferentes teorias sobre educação moral).
DESSANDRE, S. A. B. A educação moral possível: o conflito como estratégia para a autonomia. 2003. 123f.
Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2004. (No capítulo 2 de sua dissertação, a autora discute a formação moral nas escolas, revisando brevemente os
diferentes pressupostos e princípios da educação moral trazidos pela literatura da área - “socialização”;
“clarificação de valores”; “desenvolvimento”; “formação de hábitos virtuosos”; “construção da personalidade
moral”).
DIAS, A. A. Educação moral e autonomia na educação infantil: o que pensam os professores. Psicologia:
Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 18, n. 3, p. 370-380, 2005. (A autora analisa concepções de autonomia na
educação moral de professores, com resultados que demonstram necessidades acerca de fundamentações teóricas
para as ideias ou práticas vigentes).
DIAS, F. C. Durkheim e a sociologia dá educação no Brasil. Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 46, p. 33-48, 1990.
(O autor resgata os pensamentos de Durkheim e suas influências na trajetória educacional brasileira. Entre as
obras mencionadas e analisadas nesse trabalho está “A Educação Moral” que, segundo o autor, teve peso menor
que outras obras de Durkheim no Brasil).
DIAS, M. G. B. B.; SALTZSTEIN, H. D.; MILLERY, M. Raciocínio moral em interação social: um estudo
sobre sugestionabilidade. Estudos de Psicologia, v. 4, n. 2, p. 199-219, 1999. (Os autores relatam uma pesquisa
realizada ao mesmo tempo em Recife e Nova Iorque com crianças de seis a doze anos, buscando-se por meio de
histórias com dilemas a sugestionabilidade deles).
obra, o nosso interesse voltou-se especialmente para o capítulo XIII, “Conclusion (suite et fin) l’enseignement de
la nature les sciences”. De acordo com Durkheim, o ensino de ciências tem seu papel de subsidiar a educação
moral. Essa ideia de Durkheim tem bases positivistas que preponderavam à época).
DUSKA, R. WHELAN, M. O desenvolvimento moral na idade evolutiva: um guia a Piaget e Kohlberg. São
Paulo: Loyola, 1994. (Os autores expõem, em linguagem simplificada, as teorias de desenvolvimento moral de
Piaget e Kohlberg. Obra de interesse para quem quer compreender os trabalhos de ambos).
ECHEVERRÍA, J. Filosofía de la ciencia. Madrid: AKAL, 1995. 215 p. (Livro clássico do conhecido filósofo
espanhol. Apresenta e discute diferentes aspectos sobre a ciência e a atividade científica, incluindo capítulos de
interesse ao nosso tema: capítulo III - “Ciência e valores” e capítulo IV - “O pluralismo axiológico da ciência”).
ERAZO, E. D. Contexto de crisis de sentido y su relación con el desarrollo moral en la escuela colombiana.
Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, Manizales, v. 2, n. 2, 2004. (Diante da
potencialidade da escola em dinamizar processos de desenvolvimento moral, e respaldando-se em referenciais
sobre a temática, o autor enfatiza as necessidades de implementações de projetos pedagógicos que coadunem o
desenvolvimento da autonomia e a sensibilidade moral dos alunos colombianos).
ESCRIVÁ, M. V. M.; PÉREZ-DELGADO, E.; VILAR, M. M.; PORCAR, A. M. Instrumentos para medir la
cognición y el afecto em el desarrollo moral: adaptación en el población española. In: CONGRESO
IBEROAMERICANO DE PSICOLOGÍA, 2., 1998, Madrid. Libro de resúmenes y trabajos completos, Madrid:
Colégio Oficial de Psicólogos, 1998. (Os autores utilizam e analisam instrumentos - Definning Issues Test e
Interpersonal Reactivity Index - para medir a cognição e a afetividade no desenvolvimento moral em população
espanhola).
FÁVERO, A. M. Por uma pedagogia da autonomia moral: as conexões entre as teorias da moralidade de
Piaget e Habermas. 2005. 154f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, 2005. (O estudo aborda as possibilidades práticas da educação moral na pedagogia
contemporânea, baseando-se no entrelace teórico de Piaget e Habermas, especialmente quanto ao
desenvolvimento da consciência moral, a estrutura comunicativa do desenvolvimento moral e a educação moral).
FERNANDES, J. V. Saberes, competências, valores e afectos necessários ao bom desempenho profissional do/a
professor/a. Lisboa: Plátano, 2001. (O autor é sociólogo e educador, com atuação na formação de professores. A
obra trata da educação axiológica na escola, tendo-se a emancipação como princípio e os paradigmas
interculturais e da complexidade como referenciais. De acordo com o autor, o desenvolvimento moral na escola
deve ser integrado e articulado entre as dimensões cognitiva, afetiva e axiológica).
FERNANDEZ, A. Inteligência moral: mente, cérebro e o Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 803, 14 set.
2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/ texto.asp?id=7294>. (O autor é pós-doutorado em Teoria
Social, Ética e Economia. Discutem-se os aspectos da neurociência no caso das discussões morais e as
respectivas implicações vinculadas ao problema de interpretação e aplicação do Direito. Os argumentos e
reflexões apresentados são referenciados, entre outros, por autores como Joshua Greene e Jorge Moll).
FERREIRA, S. D. O construtivismo na teoria da justiça como eqüidade de John Rawls. 2005. 98f. Dissertação
(Mestrado em Filosofia Transcendental e hermenêutica) - Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria,
RS, 2005. (Aborda o modelo filosófico de argumentação, com foco na moralidade, daquilo que Rawls chama de
209
construtivismo kantiano. Capítulos desse trabalho trazem, por exemplo, reflexões sobre “construtivismo moral” e
“construtivismo na teoria da justiça”).
FONSECA, L. C. S. Religião popular: o que a escola pública tem a ver com isso? - pistas para repensar o ensino
de Ciências. 2005, 246 f. Dissertação (Educação)- Universidade Federal do Rio de Janeiro, Niterói, 2005.
(Abordagens sobre as tensões entre ciência e religião.com enfoques específicos dados ao evolucionismo e
criacionismo e propostas para superação desse conflito por meio da dialogicidade. A autora utiliza autores
diversos para fundamentar seus argumentos, entre eles, Morin).
GARRITZ, A. Naturaleza de la ciencia e indagación: cuetiones fundamentales para la educación científica del
ciudadano. Revista Iberoamericana de Educación, Madrid, n. 42, p. 127-152, 2006. (Diante de diversos
questionamentos e ceticismos que cercam a educação científica voltada para a cidadania, o autor propõe uma
maneira de incorporar nos livros didáticos o desenvolvimento da compreensão da natureza da ciência).
GOERGEN, P. Educação moral: cenários, perspectivas e perplexidades. Educação & Sociedade, Campinas, v.
28, n. 100, p. 737-762, 2007. (O autor aprofunda o debate sobre moral, defendendo a tese de que a educação
moral não deve centrar-se na “disciplinarização”, mas na “formação dialógica do sujeito moral”, tendo-se a
justiça como o princípio de regulação).
GONÇALVES, M. A. S.; PIOVESAN, O. M.; PRESTES, L. F.; LINK, A. Ações educativas e formação ética no
ensino fundamental. In: CONGRESSO LUSO-AFRO-BRASILEIRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS, 8., Coimbra, A
questão social no novo milênio, Coimbra: Centro de Estudos Sociais, 2004. (De acordo com os autores deste
trabalho, a escola enfrenta problemas graves em relação aos valores. Questionam o que fazer. Como
contribuição, trazem reflexões sobre as possibilidades de se introduzir a formação ética no currículo escolar, com
bases na construção da autonomia moral, cooperação, respeito mútuo e responsabilidade).
GRANERO, M. C. Educación, filosofía y diálogo: el programa de filosofía para niños de Matthew Lipman.
Apuntes Filosóficos, Caracas, v. 15, n. 28, 2008. (A autora discute a obra de Lipman, que defende a relevância da
filosofia como uma disciplina dinâmica na educação para o desenvolvimento da consciência crítica, baseada no
diálogo, reflexões sobre valores, contra a doutrinação, numa linha de similitudes com princípios teóricos de
Piaget, Kohlberg e Habermas).
GRIESSE, M. A. Ética empresarial e responsabilidade social corporativa à luz da teoria de julgamento moral, de
Lawrence Kohlberg. Impulso, Piracicaba, v. 14, n. 35, p.33-48. (A autora, que é PhD em Educação pela
Universidade de Frankfurt, trata sobre as relações entre ética e ciências econômicas. Apesar do enfoque voltado
para a área empresarial, há argumentações interessantes que inserem os subsídios dados pela teoria de Kohlberg
acerca da responsabilidade social apoiada nos seus princípios éticos universais).
KAWASAKI, C. S. Ensino de Biologia e ética: a conexão possível. In: MARANDINO, M.; SELLES, S. E.;
FERREIRA, M. S.; AMORIM, A. C. R. Ensino de Biologia: conhecimentos e valores em disputa. Niterói: Eduff,
2005. p. 76-81. (A autora defende que o ensino de Ciências apresenta um relevante papel acerca de questões
éticas a envolver o fazer ciência que não tem sido aproveitado a contento. Refere-se ao potencial de debates e
questionamentos a envolver ciência e ética que podem ser usados para o favorecimento do desenvolvimento do
pensamento crítico dos estudantes).
KNÜPPE, L. La construción moral y la ética en la infancia. Revista Electrónica Diálogos Educativos, Chile, n.
8, 2004. (Texto com abordagens básicas sobre a relevância da educação moral e ética no processo educativo
escolar infantil. Bases teóricas em Piaget e Kohlberg).
KONZEN, A. A. et al. (Coord.). Pela justiça na educação. Brasília: MEC / FUNDESCOLA, 2000, 735p. (A
obra agrega diversos trabalhos que, no conjunto, tratam sobre aspectos educacionais fundados em princípios de
justiça e de valores para as necessidades democráticas. Especificamente no 1º capítulo, escrito por Luis Henrique
Beust, são apresentados referenciais da psicologia e da filosofia que permitem subsídios aos pressupostos gerais
defendidos. Dentre eles, destacam-se as obras clássicas de Piaget e Kohlberg).
LA TAILLE, Y. A dimensão ética na obra de Piaget. Idéias, São Paulo (FDE / Secretaria de Educação de São
Paulo), n. 20, p. 75-82, 1994. (Neste artigo de 1994, o conhecido autor analisa a dimensão ética, nos níveis
temático e teórico, da obra “O juízo moral na criança”, de Piaget. No final, La Taille adverte sobre os perigos do
reducionismo que se pode fazer nas leituras das obras de Piaget: “limita-se a transformar a teoria de Piaget em
técnicas de sala de aula e dela tirar pouco proveito”).
LA TAILLE, Y. Desenvolvimento moral: a polidez segundo as crianças. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n.
114, p. 89-119, nov. 2001. (O autor tem diversos trabalhos sobre a moralidade, que é uma de suas principais
linhas de investigação na área da psicologia. O presente artigo traz resultados de quatro pesquisas empíricas que
culminam em algumas considerações teóricas que mostram a relevância da virtude polidez na educação moral a
ser implementada na escola, pois esta também implicaria o universo moral da criança).
LA TAILLE, Y.; SOUZA, L. S.; VIZIOLI, L. Ética e educação: uma revisão da literatura educacional de 1990 a
2003. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 3-, n. 1, p. 91-108,2004. (Os autores trazem o estado da arte de
dissertações, teses e artigos que tratam sobre a relação, direta ou indireta, entre ética e educação. Conclui-se que
o número de trabalhos sobre o assunto é crescente, mas ainda pequeno e insuficiente diante da complexidade dos
problemas envolvidos no tema).
LA TAILLE, Y. Desenvolvimento humano: contribuições da psicologia moral. Psicologia USP, São Paulo, v.
18, n. 1, p. 11-36, mar. 2007. (Apresentam-se argumentos sobre a inexistência de possibilidades da articulação
entre as dimensões afetiva e intelectual nas teorias psicológicas da moral e, paralelamente, analisa-se o
sentimento da vergonha no processo de desenvolvimento humano).
LEPRE, R. M. Educação moral e construção da autonomia. Psicopedagogia OnLine, São Paulo, 2006.
Disponível em: <http://www.psicopedagogia.com.br/artigos/artigo.asp?entrID=790>. (Baseando-se em Piaget,
211
Kohlberg e Puig, a autora defende a educação escolar que promove o desenvolvimento moral, possibilitando-se a
construção de autonomia do aluno).
LEPRE, R. M.; MENIN, M. S. S. Educação moral na escola: caminho para a construção da cidadania.
Disponível em: <http://www.artigocientifico.com.br/uploads/artc_1148701843_ 70.doc>. Acesso em
23/11/2009. (Neste artigo, as autoras trazem uma reflexão sobre educação moral na escola e as respectivas
consequências na formação de alunos autônomos).
LHULLIER, L. A. Autoritarismo, autoridad y conciencia moral. Psicología Política, São Paulo, n. 11, p. 69-84,
1995. (A autora defende a perspectiva sócio-histórica e crítica para melhor compreender os fenômenos do
autoritarismo. Nas discussões sobre autonomia e consciência moral, os seus referenciais giram especialmente em
torno de Apel e Kohlberg).
LIND, G. Moral dilemma discussion revisited: the Konstanz method. Europe’s Journal of Psychology, Londres,
fev. 2005. Disponível em: <http://www.ejop.org/archives/2005/02/moral_ dilemma_d.html>. (O autor compara e
analisa dois métodos de mensuração para o desenvolvimento moral: o método clássico de Blatt e o KMDD -
Konstanz Method Dilemma Discussion).
LOURENÇO, O. Além de Piaget? Sim, mas primeiro além de sua interpretação padrão. Análise Psicológica,
Lisboa, v. 16, n. 4, p. 521-552, 1998. (O autor argumenta que os estudos de Piaget, em diferentes casos, são
equivocadamente interpretados, criando-se superficialidades ou falsos isolamentos em relação a outras teorias do
desenvolvimento humano. Portanto, há que se ter cuidados e ir além da interpretação padrão sobre Piaget para
melhor compreender, e até mesmo criticar, suas obras. Uma linha de argumentos semelhantes é também
encontrada em Castorina et al., 2007).
MACEDO, L. (Org.). Cinco estudos de educação moral. 3. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003 (Coleção
Psicologia e Educação). (A coletânea refere-se a cinco textos sobre educação moral dos seguintes autores: Jean
Piaget, Maria Suzana de Stefano Menin, Ulisses Ferreira de Araújo, Yves de La Taille e Lino de Macedo. Cada
qual traz algumas específicas contribuições à temática).
MAIA, H.; MAZZOTTI, T. É possível ensinar ética nas escolas? Revista da Faced, Salvador (UFBA), n. 10, p.
113-124, 2006. (Os autores, professores de Programas de Pós-Graduação da UNESA, enfatizam a necessidade
de ampliar investigações que focalizem as possibilidades de ensinar ética nas escolas, notadamente porque os
dias atuais requerem posicionamentos diante, por exemplo, dos avanços científicos e tecnológicos que atingem a
todos nós. Nos argumentos que apresentam, questionam desde as propostas dos PCN até a omissão da escola e as
dificuldades dos professores na implementação desse tipo de ensino. No texto, ainda resgatam e discutem
pressupostos teóricos de Piaget, Kohlberg e Habermas).
212
MALIANDI, R. Ética discursiva y ética aplicada: reflexiones sobre la formación de profesionales. Revista
Iberoamericana de Educación, Madrid, n. 29, p. 105-128, 2002. (O autor destaca a relevância da formação de
profissionais, incluindo-se aspectos morais que se relacionem a uma ética aplicada. Discorre sobre a proposta de
Apel, mas sugere uma variante desta que dê conta dos aspectos relacionados à ética educacional).
MARTINS, E. C. O conceito de emancipação como uma nova meta educativa na formação humana. Educação e
Filosofia, Uberlândia, v. 7, n. 14, p. 39-59, 1993. (O autor português discute e coloca em reflexão os conceitos
de emancipação, autonomia e liberdade que se fazem presentes nas propostas educativas. Para tanto, resgata
diferentes contextos históricos e autores que trabalharam esses conceitos).
MARTINS, L. C.; BRANCO, A. U. Desenvolvimento moral: considerações teóricas a partir de uma abordagem
sociocultural construtivista. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 17, n. 2, p. 169-176, 2001. (Os autores
defendem a necessidade de se levar em consideração os aspectos socioculturais, cognitivos e afetivos nas
abordagens sobre desenvolvimento moral).
MASSI, P. A. Una educación experiencial para desarrollar la democracia en las instituiciones educativas. Revista
Iberoamericana de Educación, Madrid, n. 8, p. 41-72, 1995. (O autor apresenta uma experiência com a
finalidade de desenvolver os princípios democráticos nas escolas. Para tanto, defende que os alunos devem
participar como protagonistas no processo de aprender / conhecer).
MATTHEWS, M. R. Historia, filosofía y enseñanza de las ciencias: la aproximación actual. Enseñanza de las
Ciencias, Barcelona, v. 12, n. 1, p. 255-277, 1994. (O renomado professor da Universidade de Auckland, Nova
Zelândia, argumenta em seu artigo a favor da história e filosofia no ensino de ciências. No decorrer do texto,
inclui a psicologia da aprendizagem na discussão sobre o desenvolvimento cognitivo para o entendimento de
crenças e resistências que permeiam o ensino científico).
MORIN, E. Los siete saberes necesarios para la educación del futuro. Paris: UNESCO, 1999. (Interessou-nos,
de forma especial, os capítulos seis e sete dessa obra, respectivamente intitulados “Enseñar la comprensión” e
213
“La ética del género humano”. O conhecido autor faz uma discussão da ética sob o ponto de vista da
complexidade que cerca esse e outros temas subjacentes às questões da educação humana).
MORISSETTE, D.; GINGRAS, M. Como ensinar atitudes: planificar, intervir, avaliar. Porto/Lisboa: Asa, 1994.
(Os autores, atuantes em ensino universitário e no Ministério de Educação do Canadá, ocupam-se na abordagem
teórica e prática dos aspectos afetivos no ensino e na aprendizagem escolar).
MUÑOZ, C. S. Los valores en la educación. Educar - Revista de Educación, México, n. 4, jan.-mar., 1998. (No
âmbito da temática, o autor traz reflexões sobre algumas das principais teorias que subsidiam a educação moral:
clarificação de valores, desenvolvimento moral, ensino de virtudes).
NIETZSCHE, F. W. A genealogia da moral. 3. ed. São Paulo: Escala, 2009. (Coleção Grandes Obras do
Pensamento Universal). (Uma das obras clássicas do autor, que, de modo incisivo e contundente, constrói uma
versão própria e crítica sobre a origem da moral).
NAVARRO, S. P. El uso informatizado del cuestionario de problemas sociomorales (DIT) del Rest. Pixel Bit,
Sevilha, Universidad de Sevilla, n. 20, jan. 2003. Disponível em: <http://www.sav.us.es/pixelbit/
pixelbit/articulos/n20/n20art/art2001.htm>. Acesso em: 21 jan. 2007. (O professor da Universidad del Pais
Vasco descreve o uso da informática, por meio de um programa denominado DITcor 1.0, para facilitar a
aplicação da ferramenta DIT, criada por Rest.
NUCCI, L. Psicologia moral e educação: para além de crianças “boazinhas”. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.
26, n. 2, p.71-89, 2000. (Apesar das reivindicações educativas em prol da educação do caráter, especialmente nos
Estados Unidos, o autor questiona programas desse tipo e oferece sugestões “que levem em conta as complexas
interações entre valores morais e não morais e que ultrapassem a mera doutrinação das crianças conforme os
valores da sociedade”).
OLIVEIRA, A. M. O processo educativo e a construção dos valores morais e sociais: uma questão
interdisciplinar. Educação: Teoria e Prática, Rio Claro, v. 2, n. 3, p. 19-24, 1994. (Por intermédio das teorias
sociomorais com bases cognitivas em Piaget e Kohlberg, a autora discute sobre o processo de formação moral na
escola).
OLIVEIRA, M. B. A crise e o ensino de ciências. Educação & Sociedade, Campinas, v. 19, n. 62, p. 151-172,
1998. (Apesar de publicado em 1998, o artigo pode ser considerado atual. O professor Oliveira defende que o
espírito crítico existente no interior da prática científica seja estendido para o ensino de Ciências. Mereceu de
nós uma especial atenção o item que, por si só, já define seu objetivo e relevância: “A atitude crítica na ciência e
sobre ciência”).
OLIVEIRA, M. N. Para inspirar confiança: considerações sobre a formação moral em Kant. Trans/Form/Ação,
São Paulo, v. 29, n. 1, p. 69-77, 2006. (O autor - professor da Universidade Federal de Ouro Preto - trata da
formação moral em Kant, que ensejava uma preocupação de vida livre ao homem. O texto apresenta uma
interessante abordagem sobre os pressupostos kantianos sobre a temática da moralidade).
OLIVEIRA, R. J. Ética e educação: a formação do homem no contexto de crise da razão. Revista Brasileira de
Educação, Rio de Janeiro, n. 2. p. 33-41, 1996. (Neste ensaio, o autor discute o papel da educação em meio ao
contexto contemporâneo de crise da razão que afeta a modernidade. Apresenta para reflexão bases teóricas
fundadas especialmente no processo de argumentação de Perelman e Habermas).
OLIVEIRA, R. J. Ética e humanização do homem: desafios para uma educação pluralista. Perspectiva,
Florianópolis, v. 16, n. 29, p. 153-173, 1998. (Com objetivos voltados para a formação do homem por meio de
uma educação pluralista, e tendo como base a teoria de argumentação de Chaim Perelman, o autor coloca em
discussão alguns dos princípios éticos da modernidade, propiciando reflexão e caminhos alternativos para a
educação de valores no mundo contemporâneo).
OLIVEIRA, R. J. Ética na escola: (re)acendendo uma polêmica. Educação & Sociedade, Campinas, ano XXII, n.
76, p. 212-231, 2001. (O texto aborda alguns princípios teóricos referentes à ética e questiona determinadas
concepções e práticas pedagógicas que permeiam o tema).
OSORNIO, F. L. M. La adopción de perspectivas como elemento central del desarrollo moral: su relación con la
cooperación en el aula. In: CONGRESO NACIONAL DE INVESTIGACIÓN EDUCATIVA, 9., 2007, Mérida,
214
México. Memórias... México: Consejo Mexicano de Investigación Educativa, 2007. Disponível em:
<http://www.comie.org.mx/ congreso/memoria/v9/ponencias/at06/PRE1178240916.pdf>. (A autora apresenta a
síntese de análise crítica das teorias de Piaget, Kohlberg, Selman e Turiel e resultados de uma pesquisa com
estratégias que promovem ou evitam as atitudes cooperativas em aula. Nas suas análises críticas, a autora aponta
que as teorias de Piaget e Kohlberg aparecem superadas por focar apenas no aspecto cognitivo da moralidade).
PÉREZ, M. M. Educación moral como pedagogía del sentido: una reivindicación del juicio reflexionante en la
ética. Revista Latinoamericana de Estudios Educativos, México, v. 34, n. 2, p. 29-45, 2004. (A autora
brevemente descreve os pressupostos sociomorais de Kant, Piaget, Kohlberg e Habermas. Aponta as resistências
sobre o modelo excessivamente centrado no cognitivismo nas aplicações em educação e sugere uma
aproximação dos pressupostos kantianos como possível mediação entre a ética deontológica clássica e as
propostas neoaristotélicas enfocadas de maior abrangência sobre as responsabilidades).
PIZZI, J. O conteúdo moral do agir comunicativo. São Leopoldo: Unisinos, 2005. (O autor é professor da
Universidade Católica de Pelotas, RS. Nesse livro, faz-se uma análise sobre o procedimentalismo. De acordo
com Pizzi, o mundo da vida é conceito complementar do agir comunicativo, sendo que os estudos de Habermas e
Adela Cortina constituem contribuições relevantes para o resgate da racionalidade. Nesse caso, a racionalidade
do conteúdo moral aparece reorganizada nos contextos comunicativos).
POSADA, C. V. Influencia de Piaget en el estudio del desarrollo moral. Revista Latinoamericana de Psicologia,
Colômbia, v. 30, n. 2, p. 223-232, 1998. (A autora analisa as concepções de Piaget acerca da moral e as
respectivas influências dos pressupostos piagetianos sobre os trabalhos de Kohlberg e Habermas).
REGO, S. Sobre a classificação de indivíduos em estágios de acordo com a teoria de desenvolvimento moral de
Lawrence Kohlberg. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, n. 4, p. 1082-1083, 2005. (O autor
contesta dados e argumentos de uma determinada pesquisa, publicada no mesmo periódico, por utilizar de forma
superficial e/ou equivocada a teoria de Kohlberg na metodologia para mensurar o desenvolvimento moral e,
ainda, na difusão de alguns conceitos e princípios).
REMBERT, R. B. Socrates, discussion and moral education. International Review of Education, New York, v.
41, n. 1-2, p. 97-108, 1995. (Ao analisar algumas obras referenciais, entre elas, “Diálogos sobre educación
moral”, de John Wilson e Barbara Cowell, o autor defende neste artigo que a noção socrática do valor moral da
discussão ainda é proveitosa e pode ser utilizada nos dias atuais).
ROSA, D. L. A escola e a formação do sujeito moral: possibilidades e limites da instituição escolar. Revista da
FACED, Salvador, n. 5, p. 13-26, 2001. (Como o próprio título traz, a autora deste artigo apresenta limites e
possibilidades da escola na formação moral. É cética sobre a perspectiva desse tipo de formação, mas coloca a
escola como espaço possível de educação guiada por princípios éticos).
RUEDA, J. L. M.; MEDINA, G. A. S. Formación de la consciencia moral: desafío para la educación superior.
Actualidades Pedagógicas, Colômbia, n. 49, p. 23-32, jul./dez. 2006. (Ambos os autores são professores e
membros de grupos de pesquisa da Universidad de La Salle. Utilizando-se de pressupostos teóricos de Piaget,
Kohlberg e Freire, busca-se a construção de uma proposta pedagógica com bases nos princípios morais de justiça
social e possibilidades de aplicação em estudantes universitários de Bogotá).
RUIZ, M. J. F. Reflexões sobre a moralidade infantil. Revista Iberoamericana de Educación, Madrid, p. 1-19,
2003. Disponível em: <http://www.rioei.org/edu_val13.htm>. (Como o próprio título do artigo sugere, a autora
apresenta algumas reflexões sobre a moralidade infantil, a envolver os papéis desempenhados pela escola,
família, mídia etc. Para tanto, revisa e se utiliza de referenciais que perpassam Kant, Piaget, Kohlberg e La
Taille, entre outros).
RUIZ, P. O. La educación moral como pedagogía de la alteridad. Revista Española de Pedagogía, Madrid, v.
LXII, n. 227, jan./abr. 2004. (O autor propõe o que chama de pedagogia da alteridade como um novo paradigma
da educação moral. Para subsidiar seus argumentos, baseia-se principalmente em Levinas).
SILVA, M. O.; CICILLINI, G. A. O potencial das discussões polêmicas nas aulas de Biologia. In: SEMANA
ACADÊMICA, 5., Anais... Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2008. (As autoras, por meio de
resultados de investigação realizada com alunos, enfatizam sobre o potencial que existe no uso das discussões de
temas polêmicos em prol do ensino escolar de Biologia).
SILVA, M. V. O declínio dos paradigmas da modernidade e as experiências pós-modernas: tudo que é sólido
desmancha no ar? Educação e Filosofia, Uberlândia, v. 18, n. 35/36, p. 127-144, jan./dez. 2004. (Em seu texto, a
autora, que é professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia, apresenta uma
39
O sobrenome da autora também aparece em outra obra com o formato de Schmelkes. Todas as menções de
autoria estão em conformidade com o que apresentam os artigos originais.
216
SILVA, S. R. Instrução pública e formação moral: a gênese do sujeito liberal segundo Condorcet. Campinas:
Autores Associados, 2004. (O autor destaca os pressupostos educativos iluministas de Condorcet. Ressaltamos
os capítulos quatro e cinco, que incluem discussões sobre educação moral, razão e instrução pública e as visões
que o Marquês tinha sobre as relações entre ciências e o ensino da moral).
SILVA, S. R. Razoabilidade, pluralismo e educação segundo John Rawls. Educação On-Line, Rio de Janeiro
(PUCRJ), n. 2, p. 1-11, 2006. (O texto traz discussões sobre as escolhas de concepções morais inseridas na
educação escolar. Aponta como relevantes os pressupostos de Rawls, porque segue princípios de autonomia
encontrados em Piaget e Kohlberg, entre outros).
SOUZA, L. S.; CARVALHO, A. M. P. Ensino de ciências e formação da autonomia moral. Enseñanza de las
Ciencias, Barcelona, número extra, p. 1-5, 2005. (Os autores relatam brevemente uma pesquisa sobre atitudes de
alunos de 3ª e 4ª séries em situação de trabalho de classe em grupo. Artigo resumido e sem detalhes sobre os
referenciais seguidos).
VALENTE, M. O. A educação para os valores. In: ABREU, I.; MOURÃO, C.; PIRES, E. L. O ensino básico em
Portugal. Porto: ASA, 1989. p. 133-172. (A autora destaca neste capítulo da obra o contexto português,
apresenta alguns questionamentos e traz argumentos que envolvem duas teorias sobre educação moral:
“clarificação de valores” e “desenvolvimento moral”).
VALENTE, M. O. Ensino das ciências e cidadania. In: ENCONTRO DE ENSINO DAS CIÊNCIAS, 8., 2001,
Ponta Delgada, Actas... Ponta Delgada: Universidade dos Açores, 2001. p. 29-42. (A autora é docente da
universidade de Lisboa. O texto refere-se a uma conferência proferida pela autora no evento mencionado logo
acima. Argumenta-se sobre a natureza da ciência, o ensino das ciências e os sistemas de valores e crenças
envolvidos nas concepções relacionadas à cidadania moderna. Uma parte significativa dos argumentos
apresentados faz referências a Poole, 1995, também mencionado neste nosso relatório de tese).
VAÑO, A. C. (Coord.). Orientación, tutoría y psicopedagogía. Alicante: Cefire de Elda, 2002 (ISBN: 84-699-
8899-9). (O livro traz uma coletânea de trabalhos com abordagens psicopedagógicas diversas. Especificamente o
capítulo II, intitulado “Educación en valores y resolución de conflictos” traz oito artigos sobre educação moral.
São eles: i.“Educar en valores”, de José Cantillo Carmona; ii. “Los dilemas morales: un método para la
educación en valores”, de Grup Xibeca; iii. “Actividades de resolución de conflictos” e iv. “Actividades para la
elaboración de unas normas de convivencia en la clase, de Leandro Oseguera Lomeña e Julia Rebolloso
217
Sánchez; v. “Educación emocional y prevención de la violencia”, de Augustín Caruana Vaño; vi. “Técnicas de
resolución de conflictos en educación infantil”, de María Pérez Torreblanca e María José Esteve Sarrió; vii.
“¿Me conozco a mi mismo?”, de Rosa María Mira Martínez; viii. “Los dilemas morales y su aplicación en el
aula como recurso para prevenir la violencia”, de Pedro Juan Chico).
VENTURI, G. O universalismo ético: Kohlberg e Habermas. Lua Nova - Revista de Cultura e Política, São
Paulo, n. 36, p. 67-84, 1995. (São analisadas as obras de Kohlberg e Habermas sobre o aspecto do universalismo
ético que ambos defendem).
VILCHES, A.; GIL-PÉREZ, D. Educación, ética y sostenibilidad. Educação: Temas e Problemas, Évora,
Portugal, Itajaí, n. 3, p. 11-15, 2007. (Nas reflexões que apresentam, os autores defendem que a construção de
um futuro de mundo sustentável deve ter por base a educação e a ética. Portanto, há que se considerar uma
concepção mais ampla de educação do que apenas o perfil de ensino que se vê atualmente).
WILSON, J.; COWELL, B. Diálogos sobre educación moral. Bilbao, Espanha: Desclée De Brouwer, 1999.
(Colección Aprender a Ser). (Os autores, com publicações diversas e referenciais sobre a temática, apresentam
relevantes aspectos da educação moral sob a forma de uma história dialogada entre personagens platônicos.
Destaques especiais para o capítulo 6, nos itens “Los peligros de los enfoques doctrinarios” e “La necesidad de
una investigación científica y de un trabajo arduo”. Uma obra que mereceu críticas positivas de outros autores
que trabalham com a moralidade, entre eles, Lawrence Kohlberg).
ZERPA, C. E.; RAMIREZ, J. J. Un instrumento de medición del desarrollo para estudiantes universitarios:
Defining Issues Test (DIT). Revista de Pedagogia, v. 25, n. 74, p. 427-450, 2004. (Os autores utilizam e
analisam o DIT em avaliação de raciocínio moral, com bases em Kohlberg. Concluem que o instrumento é
consistente, confiável e com validade científica).
40
O sobrenome da autora também aparece em outra obra com o formato de Vilarrasa. Todas as menções de
autoria estão em conformidade com o que apresentam os artigos originais.
218
GLOSSÁRIO
Atmosfera moral: O conceito de atmosfera moral foi introduzido por Kohlberg. Refere-se ao
clima social mais ou menos favorável para a realização com êxito de programas de educação
moral. Reflete a sua preocupação com o contexto social no qual se processa a psicogênese da
moralidade (FREITAG, 1992, p. 220). É um meio social onde as relações entre as pessoas
estão orientadas para a figura da pessoa e não para a posição ou estatuto que ela ocupa. Um
meio é considerado atmosfera justa e moral quando estimula a participação e a construção,
nunca a mera obediência ou a submissão (LOURENÇO, 2002).
Consciência (das regras): “A compreensão que as crianças têm das mesmas: o que elas são,
para que servem, de onde vêm, quem as faz, se podem ser mudadas...” (MENIN, 2003, p. 44,
ao referir-se sobre o conceito dado por Piaget).
Consciência moral: Grau de obrigação que a pessoa tem de respeitar e cumprir normas e
princípios morais. Na perspectiva da aprendizagem como socialização, “a consciência moral é
sobretudo a interiorização de normas morais que são aprovadas socialmente”. Na perspectiva
do desenvolvimento, “a consciência moral é o resultado de uma contínua interação entre a
pessoa e o seu meio social; a construção pessoal é sempre enfatizada” (LOURENÇO, 2002, p.
321).
Elemento: Tudo que entra na composição, que faz parte de alguma coisa (FERREIRA, 1999).
Escola ativa (método ativo de educação): “Escola ativa baseia-se na idéia de que as
matérias a serem ensinadas à criança não devem ser impostas de fora, mas redescobertas pela
criança por meio de uma verdadeira investigação e de uma atividade espontânea. Atividade se
opõe, assim, à receptividade”. Envolve cooperação, auto-governo e decorre em atividades em
qualquer disciplina e não numa específica (PIAGET, 2003, p. 19).
Imperativo categórico: “Proposição que expressa uma ordem absoluta, i. e., uma ordem que
deve ser cumprida sem condição” (FERREIRA, 1999). Em Kant, “designa um critério de
verificação para a maior ou menor justiça e moralidade das ações”, com as características de
ser universalizável e de tratar o outro como fim em si mesmo e não como meio
(LOURENÇO, 2002, p. 317).
Interface: Com as devidas adaptações aos nossos propósitos, utilizamos o termo baseados no
significado do léxico: Conjunto de elementos comuns entre duas ou mais áreas de
conhecimento ou de interesse. Também pode ter o significado de meio que promove a
comunicação ou interação entre dois ou mais grupos (FERREIRA, 1999).
Máxima: “É um princípio de ação, um motivo racional para agirmos” (MENIN, 2003, p. 38).
Normas morais: “No contexto de desenvolvimento moral em geral, esta expressão designa
um conjunto de regras de caráter normativo, não roubar ou não mentir, por exemplo, que
constituem critérios para a ação moral, mas que são distintas dos princípios éticos ou morais.
No contexto da teoria de Kohlberg em particular, essa expressão refere-se também a um
conjunto relativamente pequeno de considerações morais, tais como considerações afetivas
[...] ou de obediência [...], que os sujeitos invocam para justificar a escolha de determinados
valores quando são confrontados com certos dilemas morais” (LOURENÇO, 2002, p. 341).
Orientação moral deontológica: “Expressão utilizada para designar a orientação moral das
pessoas que tendem a julgar o valor moral das ações em si mesmas, não importa quais sejam
as suas consequências” (LOURENÇO, 2002, p. 325). A justiça e o tratamento igualitário são
princípios fundamentais desse tipo de orientação.
220
Perspectiva (teórico-prática): Aspecto teórico-prático sob o qual uma coisa se apresenta (em
nosso caso, o desenvolvimento moral em aulas de Ciências com subsídios de dados teóricos e
empíricos); panorama; ponto de vista (adaptado de FERREIRA, 1999).
Valor: “Caráter do que, de modo relativo (ou para um só ou para alguns) ou de modo
absoluto (para todos), é tido ou deve ser tido como objeto de estima ou de desejo”
(FERREIRA, 1999). Aquilo que uma pessoa, grupo de pessoas ou de culturas entendem digno
de ser alcançado para orientar as ações. A teoria de Kohlberg traz o valor como questão
central (LOURENÇO, 2002).
APÊNDICES
ANEXOS
41
O jornal “The Onion”, de 20 de julho de 1925, com a repercussão do caso Scopes
O professor John Scopes (de camisa branca, à esquerda) a caminho do tribunal e um dos textos utilizados
42
por ele em suas aulas (página 193 do livro Hunter's Civic Biology, de 1914) .
41
Reproduzido com a permissão do THE ONION. Copyright © 2008, by ONION, INC.www.theonion.com.
42
Reprodução autorizada por Douglas O. Linder, professor da University of Missouri-Kansas City School of
Law (http://www.law.umkc.edu/faculty/projects/ftrials/scopes/scopes.htm).
224
ANEXO B - Jornais “The Denver Post” (2000)43 e “Folha de São Paulo” ( 2004)44
43
Fonte: MOORE, Randy. The revival of creationism in the United States. Journal of Biological Education, v.
35, n. 1, p. 17-21, 2000.
44
Versão on-line da Folha de São Paulo, com artigo de Augusto Gazir sobre a introdução do ensino do
criacionismo nas escolas estaduais do Rio de Janeiro.
225
1. Tô adorando morar na Urca! Pena que a praia lá seja cheia de pretos! Um horror...
2. Estou com uma empregada ótima! A negrinha é limpa, acaba a cozinha e vai pro
quarto...
3. Macumba? Eu, heim? Vou lá me meter com estas ignorâncias de preto...
4. Ronaldo vai se casar, sabia? Ela é de família, branca...
5. O Rex está enorme! É a segurança da casa. Menina, ele não pode ver preto! Uma beleza!
Dá cada corrida na negrada e...
6. Ô Rossana! Ele também é filho de Deus, minha filha! Onde é que você aprendeu isto?
45
Sobre os personagens e as temáticas da revista, vide: IZIDRO, S. C. Os Fradins de Henfil, Agâque, São Paulo,
v. 2, n. 2, out. 1999.
226
ANEXO D - Tira do cartunista Laerte contendo sátira de uma possível relação ética
entre professor e aluno (ambiente de heteronomia moral)46
46
Reprodução autorizada pelo autor, o cartunista Laerte.
227
Mr Blatt: What is the problem? Was the man legally wrong for refusing to drive Mr Jones and Mike to the hospital?
Student A: It's his car, he doesn't have to drive.
Mr B: Well, Mike was hurt. You said no, he's not legally responsible, because, why not?
Student A: Because it's his car.
Mr B: It's his car. It's his property, and he has the right of property and he can legally —
Student B: But a life is at stake.
Mr B: Okay. It's not so easy. Like here is property, but here is life, so the conflict here is between life, Mike's life, or that man's car.
Student B: But if Mike died, then that guy could be charged with murder, because, you know...
Student C: No, he couldn't. (Argument over whether he could or could not be charged with murder.)
Mr B: But do you people think this man has a right, a legal right, to refuse to give Mr Jones the car?
Student D: Does that man have children; he probably has to support a family, he's got a family, he can't just —
Student E: So? He can always find a job —
Mr B: The question is, do you think that the man who had the job, wouldn't he understand if you came up to him and said, 'Look, I was here,
I wanted to be on time, but I saw this boy bleeding, and I wanted to help him out.' Don't you think he would understand? (Chorus of ‘yes’
and ‘no’.)
Student F: No, because if you're supposed to go on the job —
Student G: You could make him show some proof.
Student F: Bring the kid there when he's well.
Mr B: All right. This man, who refused to give the car was not legally wrong. You couldn't take him to court. But do you think he was
wrong in any way? (Chorus of ‘yes’).
Student B: He was just all wrong because if that kid died, I don't know what he'd be charged with, but he'd be charged with something.
There's something, I don't know what it is, but there's something they could charge him with.
Mr B: I don't know if they could charge him legally, but you're right; there's something very wrong with that, because what is this man
doing? Which is more important: property or life? (Chorus of 'life'.) Why? (Confused answers, on the principle that life is irreplaceable.) Life
is something you can't replace, right? Everybody wants to live. Now this guy, what was he putting first, life or a job? What do you think is
more important, losing a job and maybe getting another one, or saving a life? (Answers: ' saving a life.') Helping to save a life. But this guy
refuses to help Mr Jones and Mike out, to take them to the hospital. What was he doing? He was putting his property before somebody else's
life? (Answers: 'saving a life'.) Helping to save a life. But this guy you to lend me your car, Til bring it back.' The guy said,' No, I don't trust
you.'
Student A: Well, he didn't know Mr Jones, maybe he didn't trust him.
Student D: What did he look like?
Student A: Yeah, I wouldn't trust nobody with my car.
Student H: Well, I would trust him if I knew him. (Confused comments about whether they would or would not trust somebody with their
car.)
Student B: Would you care if you trust him or not?
Student E: Well, I wouldn't go so far as to beat him up and to take his car. He might still need it. (Conversation on beating up somebody.)
Mr B: So what you're saying is, this man's value, what he thought was most important was his property. His property was more important to
him than somebody else's life. You said legally he was right. Right? (Agreements.) Can you say morally he was right? (Undistinguishable
answers.) What do you mean by morally? Can somebody tell us what is meant by morally?
Student C: It's — there's not a law but —
MrB: What kind of a law may be involved? It's not a legal law, although it may be, it doesn't have to be. What kind of law is it? What were
you saying before, about your mother? What did she say?
Student B: God's law.
Mr B: God's law, what does it say about killing?
Student B: Thou shalt not kilL
Students B and F: God's law is moral law.
Mr B: What do you mean?
Student B: Cause this is the laws of this country and God has moral laws for everybody.
Mr B: Oh, so what you're saying is — did you listen to what he's saying? Would you repeat what you said? It's very important
Student B: God's law is for everyone and there's different laws in different countries, so God's law, his moral laws are for everyone.
Student D: God's laws include more people than laws down here, yes.
47
Tradução nossa.
228
Mr B: Now what you're saying is that God's laws are for all people regardless of where you live. And so, they're universal laws, right?
They're for the whole universe, is what you're saying. All right Now you said, from the legal point of view he was right from a moral point of
view he was wrong. He had a legal right to refuse his property but no moral right to do so. Now what about Mr Jones? Was Mr Jones
justified from a legal point of view, in beating up the man and taking his car? (Chorus of' no'.) Why not?
Student B: Because there's a law that like, that guy's car, you know, he can say whatever he likes about it, he has a right to do what he wants
with it, but with the moral law [Mr Jones] was doing pretty good.
Mr B: He was doing right? Do you agree with him? He says that Mr Jones was doing right from a moral point of view.
Student B: But it still went outside God's law, going against the law. Thou shalt not steal.
Mr B: So what you're saying is —
Student D: There's a problem. It's still stealing.
Student F: Yes, he should have asked him. If the man said no, that should have been the answer.
Mr B: Did he have a moral right to beat up the man and take his car? (Chorus of' no'.) Why not?
Student F: He didn't have no right to do it.
Student B: There's another moral law...
Mr B: Now, Mr Jones was brought before the judge. Should the judge consider the circumstances and let Mr Jones off free — (Chorus of
'yes') or should he give him punishment and what punishment and why?
Student B: I'd give him a week. (Argument in which the following is distinguishable: Mr B : 'Why would you give him ? Student F : 'Yes,
he didn't hurt the guy.' Student I: ' It still was a car theft'. Student F : ' He's got to get out and support his family again.').
Mr B: What is the reason for punishment? Why do you think he needs to be punished? And, should he be punished for what he did or to
teach him next time not to do something like that?
Student B: Well, it [wouldn't] teach him to do that
Student D: No, he'll go out and do it again if you don't —
Student B: If your son was bleeding and you can't say if it happens again, if you're going to do the same thing.
Mr B: What did you — what were you about to say?
Student F: He couldn't help it; he couldn't stand there; by the time some help came he could have been dead.
Mr B: So what you're saying is, you wouldn't give him a big punishment?
Student D: I wouldn't give him one at all. Why not?
Student D: Look, he couldn't help it that much for saving a life. He couldn't just stand there and—
Mr B: What you're saying is to understand the situation he was in, the circumstance that he has a boy who was dying, his son was dying in
his hands. And you would understand that he didn't steal to be greedy, he did it to save a life, and you'd understand this and you'd let him off
because what he was doing, saving a life, was moral. Is that right? (Chorus of 'yes'.) Now about punishment — Why do we give punishment?
Why do we punish criminals?
Student B: Like I said, so they won't do it again.
Mr B: Do you think that given the same situation, if he would get punishment, he'd do the same thing again? Well?
Student B: I think he would, too.
Student F: He'd probably go and be hysterical.
Mr B: Is it a matter of being hysterical or a matter of saving a life again?
Student B: He'd be out of his mind.
Mr B: He'd save a life again. Even if you were in your right mind — And therefore, punishing him would not really teach him a lesson,
would it?
Comment:
The experimenter in the early portion of the transcript is endeavouring to get the students to sense a conflict between the legal and the moral.
He endeavours to get students to see that the reasons which lead them to feel that the law is not the deciding element, reasons are general or
moral, that they can relate to a more universal moral law, and involves the experimenter in attempting to translate the Stage 2 and Stage 3
thinking of the children into a Stage 4 level which is also compatible with Stage 5 reasoning and to develop a set of distinctions (moral
versus legal, etc) in terms of which there is some possibility of consensus across levels. This pattern of teaching, effective with the Study 1
children, may have been oriented to too high a stage and too high a level of abstraction for this group.
Student A: No!
Student B: Yes, you would. You'd be laying there, bleeding to death, wouldn't you? You'd let your own self die?
Student A: But I'm saying that it's against the law. You took something that wasn't yours.
Mr B: All right, let me ask you, ' What is the purpose of the law?' (Two or three answer, ' To protect'.) To protect people and their property.
In this case suppose you have here a person whose life is hi danger. You say the function of the law is to protect the people. All right. Now, it
has to protect life —
Student A: But what about the property part? What about the other person. He has to be protected, too.
Mr B: You're saying that it's not only this guy who has to be protected, it's also the other guy that has to be protected. Okay, but suppose this
guy's right to property interferes with this guy's right to life. Is property and life the same?
Student A: That car may depend on that other man's life. too. He has to get a job. If he don't get it, he might die. You have to see what a
person thinks is more valuable, a life or a car.
Mr B: So what you're saying is. circumstances don't make a difference. Stealing is stealing, no matter what. (Chorus of 'No'. Another chorus
of 'Yes'.) Defend yourself.
Student A: I will not change my mind. Why should it make a difference? Tell me one good solid reason why it should. That's just like telling
a doctor that he should take a man's life so he can save his best friend's life. Like bis best friend needs a heart so he's going to go out and kill
somebody.
Student D: It's wrong. I'd rather my friend died. Taking somebody else's heart to have his friend's life—
Mr B: But there you're depriving someone of life. You're saying that property equals life?
Student A: He had a good reason but that doesn't mean it's right
Mr B: What kind of reason are you talking about? (Argument.)
Student E: A moral reason.
Student B: Legally it's wrong, morally it's right. (Argument.)
Student A: We are not arguing moral, we're arguing legal.
Mr B: I want you to consider both, moral and legal. All right Mr Jones is brought before the judge. What punishment should Mr Jones get
and why?
Student I: A fine, about a hundred dollars.
Mr B: All right, what's the purpose of punishment? What's the function of punishment?
Student A: So you won't do it again.
Mr B: All right this is one. Any other reason?
Student A: To make the other person feel good.
Mr B: So what you're saying is — I don't understand why?
Student A: So, like, if somebody kills your child, or your mother, or father, or friend, and they get punished it'll make you feel better,
maybe.
Mr B: Okay, so what you're saying is that we —
Student A: Satisfy the man.
Mr B: Satisfy the man, and we have a good reason. To prevent others —
Student A: Protecting people's rights.
In this class, the discussion centres around Student A's position that taking the car was unjustified. Student A's position is a mixture of Stage
1 (It's still stealing, I'll bet you get put in jail) and Stage 2 (You can't make somebody do something he don't want to do). His view is that
apart from law and punishment everything is arbitrary (in a Stage 2 sense). 'What is a good reason for you doesn't have to be a good reason
for someone else,' ' You have to see what a person thinks is more valuable, a life or a car.' The teacher as well as the other students attempt to
convince him that there are good reasons independent of the law which may be formulated at a Stage 2 or 3 level, and that you should think
of the ' morally right' and of ' good reasons' as well as the legally right. The teacher's purpose and structuring is similar to that in the first
session, but there is a sustained spontaneous dialogue. Student A, though unwilling to shift the content of his choice seems to move toward
accepting the notion that there are good reasons, though he insists,' We are not arguing moral, we are arguing legal.'
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Dilema:
Outro dia houve um caso em um tribunal sobre um homem, o Sr. Jones, que sofreu um acidente em sua casa. Seu filho, Mike, foi ferido no
peito. Ele estava sangrando muito, os sapatos e as calças estavam encharcados de sangue. Mike estava com medo. Ele começou a gritar até
que finalmente perdeu a consciência.
Seus pais também estavam com medo. Sua mãe começou a gritar e a chorar. Ela pensou que seu filho estava morrendo. O pai não hesitou;
pegou Mike, desceu as escadas e foi para fora na esperança de conseguir um táxi e ir ao hospital. Ele pensou que conseguir um táxi seria
mais rápido do que chamar uma ambulância. No entanto, não havia táxi na rua e o sangramento de Mike parecia pior.
De repente, o pai de Mike viu um homem estacionando um carro. Ele correu e pediu ao homem para levá-lo ao hospital. O homem
respondeu: “Olha, eu tenho um compromisso com uma pessoa sobre um trabalho importante. Eu realmente devo estar lá na hora certa. Eu
gostaria de ajudá-lo, mas não posso”. Então, Sr. Jones disse: “Então, apenas empresta o carro”. O homem disse: “Olha, eu não te conheço. Eu
não confio em você.” O Sr. Jones pediu para sua esposa, Sra. Jones, segurar Mike. Ela o fez. Então o Sr. Jones deu um soco no homem,
pegou as chaves dele e partiu em direção ao hospital. O homem levantou-se da rua, chamou a polícia e a levou para o hospital. A polícia
prendeu o Sr. Jones por roubo de carro e agressão.
Sr. Blatt: Qual é o problema? O homem estava legalmente errado por se recusar a levar Sr Jones e Mike para o hospital?
Aluno A: É o seu carro, ele não tem que dirigir.
Sr. B: Bem, Mike ficou ferido. Você disse que não, ele não é legalmente responsável, porque, por que não?
Aluno A: Porque é o seu carro.
Sr. B: É o seu carro. É sua propriedade, e ele tem o direito de propriedade e ele pode legalmente -
Aluno B: Mas a vida está em jogo.
Sr. B: Certo. Não é tão fácil. Aqui é a propriedade, mas aqui é a vida, então o conflito que temos é entre a vida, a vida de Mike, ou o carro do
homem.
Aluno B: Mas se o Mike morre, então o cara poderia ser acusado de homicídio, porque, você sabe...
230
Aluno C: Não, ele não poderia. (Discussão se o homem poderia ou não ser acusado de homicídio).
Sr. B: Mas você acha que as pessoas, como este homem, têm direito, um direito legal de se recusar a dar o carro ao Sr. Jones?
Aluno D: Será que o homem tem filhos, ele provavelmente tem que sustentar uma família, ele tem uma família, ele não pode simplesmente -
Aluno E: E então? Ele sempre pode encontrar um emprego -
Sr. B: A questão é, você acha que o homem que daria o trabalho não iria entender se você chegasse e falasse: ‘Olha, eu queria estar aqui, eu
queria estar na hora marcada, mas eu vi o sangramento do menino e quis ajudá-lo’. Você não acha que ele entenderia? (Refrão de “sim” e
“não”).
Aluno F: Não, porque se você está comprometido a ir ver o trabalho -
Aluno G: Você poderia fazer ele mostrar alguma prova.
Aluno F: Levar a criança lá, quando estivesse bem.
Sr. B: Tudo bem. Este homem, que se recusou a dar o carro, não era legalmente errado. Você não poderia levá-lo ao tribunal. Mas você acha
que ele estava errado de alguma forma? (Refrão de “sim”).
Aluno B: Ele estava todo errado, porque se o garoto morre, eu não sei do que ele seria acusado, mas ele seria acusado de algo. Há algo, eu
não sei o que é, mas há algo de que eles poderiam acusá-lo.
Sr. B: Eu não sei se eles poderiam acusá-lo na forma da lei, mas você está certo, há algo muito errado com isso, porque o que este homem
estava pensando? Qual é mais importante: a propriedade ou a vida? (Coro de “Vida”). Por quê? (Respostas confusas sobre o princípio de que
a vida é insubstituível). A vida é algo que você não pode substituir, certo? Todo mundo quer viver. Agora esse cara, o que ele estava
colocando em primeiro lugar, a vida ou um emprego? O que você acha que é mais importante, perder o emprego e talvez conseguir um outro,
ou salvar uma vida? (Respostas: “Salvar uma vida”). Ajudar a salvar uma vida. Mas esse cara se recusa a ajudar o Sr. Jones a levar Mike ao
hospital. O que ele estava fazendo? Ele tinha que colocar em primeiro lugar a sua propriedade ou salvar uma vida? (Respostas: “Salvar uma
vida”). Ajudar a salvar uma vida. Mas esse cara que você pede para emprestar o carro e depois trazê-lo de volta diz: “Não, eu não confio em
você”.
Aluno A: Bem, ele não conhecia o Sr. Jones, talvez ele não confiava nele.
Aluno D: Com quem ele se parece?
Aluno A: Sim, eu não confio em ninguém com o meu carro.
Aluno H: Bem, eu confio se eu o conheço. (Comentários confusos sobre confiar ou não em alguém com o carro.)
Aluno B: Você se importaria de confiar nele ou não?
Aluno E: Bem, eu não iria tão longe a ponto de espancá-lo e tomar seu carro. Ele ainda pode precisar dele. (Conversa de espancar alguém).
Sr. B: Então o que você está dizendo é que o valor deste homem, que ele achava mais importante era sua propriedade. Sua propriedade era
mais importante para ele do que a vida de alguém. Você disse que juridicamente ele estava certo. Certo? (Aceitação). Pode-se dizer
moralmente ele estava certo? (Respostas indistinguíveis.) O que você entende por moral? Alguém pode nos dizer o que se entende por
moral?
Aluno C: É - não há uma lei, mas -
Sr. B: Que tipo de lei pode estar envolvida? Não é um direito legal, embora possa ser, não tem que ser. Que tipo de direito é esse? O que
você estava dizendo antes, da sua mãe? O que ela disse?
Aluno B: A lei de Deus.
Sr. B: A lei de Deus diz o que sobre matança?
Aluno B: “Não matarás”.
Os alunos B e F: A lei de Deus é a lei moral.
Sr. B: O que você quer dizer?
Aluno B: Porque esta é a lei deste país e as leis morais de Deus são para todos.
Sr B: Ah, então o que você está dizendo - você escutou o que ele está dizendo? Poderia repetir o que você disse? É muito importante.
Aluno B: A lei de Deus é para todos e não há leis diferentes em países diferentes, por isso a
lei de Deus, suas leis morais são para todos.
Aluno D: As leis de Deus incluem mais pessoas do que as leis aqui, sim.
Sr. B: Agora o que você está dizendo é que as leis de Deus são para todas as pessoas, independentemente de onde você mora. E assim, elas
são leis universais, certo? Elas são para todo o universo, é o que você está dizendo. Tudo bem, você disse que do ponto de vista jurídico ele
estava certo, mas do ponto de vista moral ele estava errado. Ele tinha o direito legal de recusar a sua propriedade, mas não tem o direito
moral de fazê-lo. Agora, o que acontece com o Sr. Jones? Foi justo do ponto de vista jurídico o Sr. Jones espancar o homem e pegar o carro?
(Refrão de "não"). Por que não?
Aluno B: Porque não há uma lei que, assim como, o carro do cara, você sabe, pode dizer o que quiser sobre isso, ele tem o direito de fazer o
que quiser com ele, mas com a lei moral [Sr Jones] estava fazendo certo.
Sr. B: Ele estava fazendo certo? Você concorda com ele? Ele diz que o Sr. Jones estava fazendo o certo do ponto de vista moral.
Aluno B: Mas ele saiu da lei de Deus, indo contra a lei. Não furtarás.
Sr. B: Então o que você está dizendo é -
Aluno D: Há um problema. Ainda é roubar.
Aluno F: Sim, ele deveria ter perguntado a ele. Se o homem disse que não, que deveria ter sido a resposta.
Sr. B: Será que ele tem o direito moral de espancar o homem e levar o seu carro? (Refrão de "não"). Por que não?
Aluno F: Ele não tinha nenhum direito de fazê-lo.
Aluno B: Há uma outra lei moral...
Sr. B: Agora, Sr Jones foi levado perante o juiz. Caso o juiz considere as circunstâncias, deve deixar o Sr. Jones livre? - (Coro do "sim") ou
que pena e que castigo e por quê?
Aluno B: Eu daria a ele uma semana. (Argumento em que o seguinte é distinguível: Sr B: “Por que você daria a ele?”. Aluno F: “Sim, ele
não feriu o rapaz”. Aluno I: “Ainda assim, é um roubo de carro”. Aluno F: “Ele tem que sair e sustentar sua família novamente”).
Sr. B: Qual é o motivo para a punição? Por que você acha que ele precisa ser punido? E, ele deve ser punido pelo que fez ou ensiná-lo da
próxima vez a não fazer uma coisa dessas?
Aluno B: Bem, não [se] ensiná-lo a fazer isso.
Aluno D: Não, vai sair e fazer isso de novo, se você não -
Aluno B: Se o seu filho estiver sangrando, você não pode dizer se isso acontecer novamente, se você está indo fazer a mesma coisa.
Sr. B: O que você - o que você estava prestes a dizer?
Aluno F: Ele não poderia ajudá-lo, ele não poderia ficar lá, esperando chegar alguma ajuda, ele poderia ter morrido.
Sr. B: Então o que você está dizendo é que você não iria lhe dar uma punição severa?
Aluno D: Eu não lhe daria nenhum. Por que não?
Aluno D: Olha, ele não poderia ajudar muito para salvar uma vida. Ele não podia ficar ali e-
Sr. B: O que você está dizendo é compreender a situação em que estava, a circunstância de que tem um menino que estava morrendo, seu
filho estava morrendo em suas mãos. E você entenderia que ele não roubou para ser ganancioso, ele fez isso para salvar uma vida, e você
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entender isso e você deixá-lo fora porque o que ele estava fazendo, salvar uma vida, era moral. É isso mesmo? (Refrão de “sim”). Agora,
sobre o castigo - Por que dar a punição? Por que punir os criminosos?
Aluno B: Como eu disse, para que eles não façam isso de novo.
Sr. B: Você acha que, dada a mesma situação, se ele ficar de castigo, ele não faria a
mesma coisa outra vez? Certo?
Aluno B: Eu acho isso também.
Aluno F: Ele provavelmente vai ficar furioso.
Sr. B: É uma questão de ser furioso ou uma questão de salvar uma vida outra vez?
Aluno B: Ele estaria fora de seu controle.
Sr. B: Ele ia salvar uma vida novamente. Mesmo se você estivesse no seu juízo perfeito - e, portanto, puni-lo não seria realmente ensinar
uma lição a ele, não é?
Comentário:
O pesquisador, na parte inicial da transcrição, está se esforçando para levar os alunos a perceberem um conflito entre o legal e o moral. Ele se
esforça para levar os alunos a verem que as razões que os levam a sentir que a lei não é o elemento decisivo são de caráter geral ou de moral
que eles podem relacionar com uma lei moral universal, e envolve o pesquisador na tentativa de traduzir os estágios 2 e 3 pensando que as
crianças estão dentro do estágio 4 que também é compatível com raciocínios do estágio 5 e desenvolver um conjunto de distinções (moral
versus jurídica, etc) em termos de que há alguma possibilidade de consenso entre os diferentes níveis. Este padrão de ensino, eficaz com o
Estudo 1 da criança, pode ter sido orientado para um estágio muito alto e também para um nível alto de abstração para este grupo.
Nesta aula, a discussão gira em torno da posição do aluno A de que ter o carro era injustificada. A posição do aluno A é uma mistura de
estágio 1 (Ainda é roubar, eu aposto que você é colocado na prisão) e estágio 2 (Você não pode obrigar alguém a fazer algo que ele não quer
fazer). Sua visão é que fora da lei a punição é arbitrária (um sentido do estágio 2). “O que é uma boa razão para você pode não ser uma boa
razão para outra pessoa”, “Você tem que ver o que uma pessoa pensa que é mais valioso, uma vida ou um carro”. O professor, assim como os
outros alunos tentam convencê-lo de que há boas razões independentes da lei, que podem ser formuladas nos estágios 2 ou 3, e que você
deve pensar no “moralmente correto” e em “boas razões” bem como o legalmente direito. O objetivo e a estruturação do professor são
semelhantes ao que ocorreu na primeira sessão, mas há a sustentação de um diálogo espontâneo. O aluno A, embora sem vontade de mudar a
sua escolha, parece mover-se para aceitar a ideia de que há boas razões para isso, mas ele insiste. “Nós não estamos discutindo moral,
estamos discutindo a lei”.
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ANEXO F - Revista VEJA (edição 2035, ano 40, n. 46, p. 11-15, nov. 2007)
Entrevista: Eric Nadelstern
Ensinar a competir
À frente de uma reforma radical nas escolas de Nova York, o professor diz que, quanto mais meritocracia, melhor fica o ensino.
"Para fazer de uma escola um exemplo de excelência, é preciso dar incentivos concretos a quem trabalha nela, tal qual em qualquer empresa"
O americano Eric Nadelstern, 57 anos, tem um cargo pouco usual para alguém que trabalha com escolas públicas. Ele é CEO na Secretaria de
Educação da cidade de Nova York, de onde comanda uma das reformas mais radicais já feitas tendo como alvo uma rede tão grande de escolas
públicas. Desde 2002, quando o empresário Michael Bloomberg assumiu a prefeitura de Nova York, é de Nadelstern a função de implantar nas
escolas um novo modelo cujos pilares são a competição e a recompensa baseada no mérito, tal qual no melhor setor privado. Os especialistas dizem
que a reforma implementada por ele merece a atenção de governantes, educadores e também dos pais, pelos bons resultados já colhidos. Resume
Nadelstern: "Temos uma escola de século XXI com a cara do século XIX. Precisamos de coisa melhor". Com uma carreira de 35 anos em escolas
públicas de Nova York, onde já deu aulas e exerceu todos os cargos possíveis na hierarquia, poucas pessoas entendem tanto do assunto quanto ele.
Por essa razão, Nadelstern é convidado para dar palestras no mundo inteiro. Casado e pai de uma filha, também professora, ele concedeu a VEJA a
seguinte entrevista.
Veja – É mesmo possível transformar escolas de má qualidade em bons colégios ou é melhor fechá-las, como ameaça Michael Bloomberg, prefeito
de Nova York?
Nadelstern – É possível. O primeiro passo é mudar radicalmente a velha cultura que abomina a competição e a meritocracia no ambiente escolar. A
ausência de competição e de honra ao mérito é predominante não só em colégios de países em desenvolvimento, como o Brasil, mas também em
escolas americanas. Em quase quarenta anos como professor e pesquisador do assunto, sempre me causou perplexidade o fato de que, mesmo em
um país como os Estados Unidos, alguns dos conceitos mais fundamentais na sociedade sejam tratados nas escolas como pecados capitais. É preciso
superar esse ranço para, aí sim, começar a sonhar com melhorias no ensino.
Nadelstern – De saída, concluímos que não dá para ter bom ensino sem reunir na escola um grupo de profissionais obcecados por acertar. Isso é
algo que certamente não aparece por geração espontânea, pelo idealismo puro e simples. Para contar com uma tropa de gente decidida a fazer de
determinada escola um exemplo de excelência, é preciso antes de tudo lhe dar incentivos concretos, tal qual ocorre em uma empresa privada. Não
me refiro aqui apenas ao aumento de salário, que também ajuda, mas sobretudo a uma política de premiar com mais dinheiro diretores e
professores que alcancem os melhores resultados. A Coréia do Sul já fez isso com sucesso e estamos colocando a idéia em prática agora em Nova
York. Com a velha isonomia salarial, passamos uma mensagem equivocada do menor esforço, segundo a qual dar a alma ao trabalho não faz
nenhum sentido. Queremos estimular justamente o contrário.
Nadelstern – Às vezes. Mas o fato é que se foi o tempo dos relatórios subjetivos produzidos por burocratas do ensino, que dependiam do humor do
avaliador. Chamavam atenção pelo festival de adjetivos e pela escassez de substantivos. Em sociedades modernas tão afeitas às estatísticas, não há
por que não aferir a qualidade dos professores atribuindo-lhes notas numa escala numérica. As pessoas podem reclamar, mas o número é algo
irrefutável. Aplicamos provas aos alunos. Se a classe de um professor vai mal numa série de testes, é um sinal de que ele está falhando. Por outro
lado, quando há um consistente avanço nas notas, temos em mãos um poderoso indicador do seu talento ao lecionar. São essas as escolas que, no
caso de Nova York, recebem bônus no orçamento. Cabe ao diretor fazer o rateio do prêmio, tendo pesado o mérito de cada um para o resultado
final. Ele é o gerente de fato.
Veja – Que tipo de interferência do estado, afinal, contribui para o progresso de uma escola?
Nadelstern – Como em outros setores da economia, também em uma rede de escolas públicas não faz sentido que o governo seja o todo-poderoso,
a quem elas devam consultar sobre a compra de uma borracha ou um vazamento no teto. No novo sistema, os diretores recebem dinheiro da
prefeitura e são livres para administrar a escola como julgarem melhor. Como esperar que os diretores sejam gestores tão eficazes quanto os das
grandes empresas se os privamos de poder? É ilógico. Por essas e outras, as escolas públicas americanas costumam ser lembradas pelos magos da
administração como exemplos de ineficiência e atraso. Com a autonomia, a história é outra. Antes dela, apenas 13% do dinheiro que deveria chegar
às escolas seguia esse destino. O restante era consumido com a burocracia ou desaparecia nos ralos da corrupção. Depois que a gestão ficou nas
mãos dos diretores, 70% do dinheiro está nas escolas. A meta é chegar a 90%. Com isso, estou convencido de que o estado não tem talento nem o
dever de intervir no miúdo, mas é, sim, seu papel estabelecer um conjunto eficiente de regras para estimular o bom ensino – e, claro, cobrar os
resultados.
Veja – Como exatamente o governo pode cobrar bom desempenho de uma escola?
Nadelstern – Damos a autonomia e, em troca, o diretor assina um contrato com a prefeitura em que se compromete a fazer seus estudantes
alcançarem uma determinada média de notas, a reduzir a evasão, a combater a repetência, e por aí vai. Se as escolas não cumprem tais metas,
recebem menos dinheiro do que as demais que mostram avanço nos indicadores. Nas escolas em que o resultado é sempre péssimo, não há saída
senão demitir os diretores. No mundo privado, não causa espanto que alguém de alto escalão seja mandado embora por incapacidade de gestão. Na
escola pública, isso ainda é visto como uma injustiça. Para mim, é mais um sinal de que as escolas têm muito a aprender com as empresas.
Nadelstern – A política de dar bônus por desempenho é uma medida que, por si só, já enche os olhos dos bons profissionais do mercado.
Evidentemente, um ambiente de trabalho em que ficarão equiparados à mediocridade não lhes é atraente. Outro ponto fundamental, de novo, é o
fato de as escolas serem autônomas, e não mais tão dependentes do estado. É claro que um bom executivo se sentirá mais desafiado com esse
cenário. Também é possível fisgar os melhores profissionais ao colocá-los em funções estratégicas pelas quais serão bem remunerados. Estou certo
de que um de nossos trunfos foi ter conseguido recrutar alguns dos melhores acadêmicos de universidades como Harvard e Princeton e, ainda que
em menor proporção, trazer gente do setor privado para as escolas. Alguns deles estão dando aulas de ciências em escolas localizadas em áreas
234
menos nobres e mais violentas. Ninguém em sã consciência hoje pode abrir mão de um bom ensino de ciências, senão vai ficar para trás. É também
contra isso que estamos lutando ao contratar os melhores acadêmicos do país.
Veja – O que seus estudos e a própria experiência mostram sobre o combate ao crime nas escolas?
Nadelstern – Esse está longe de ser um problema exclusivo da cidade de Nova York, tampouco de países pobres, como o Brasil. Tenho observado
nas últimas décadas o modo como os diversos educadores e governantes lidam com a criminalidade no ambiente escolar e cheguei a duas
conclusões sobre o que ajuda a erradicá-la. Primeiro, é preciso adotar medidas de segurança na escola, ainda que isso pareça estranho a algumas
pessoas. Defendo minha posição com base em fatos, e não em ideologia. Em escolas de Nova York antes dominadas por gangues, a violência
despencou desde a década de 90, quando foram instalados detectores de metais na entrada e elas recrutaram agentes de segurança treinados para
lidar com essa situação. Em outra frente, uma medida eficaz de mais longo prazo é reduzir o tamanho das classes e das próprias escolas.
Veja – O senhor acha viável transformar um sistema público de escolas gigantes e classes lotadas em uma rede de pequenos colégios?
Nadelstern – Esse é um processo que pode consumir décadas, mas, sim, está no campo do possível. Defendo isso com base em pesquisas segundo
as quais, de todos os fatores, o tamanho da escola é o que mais influencia as chances de um aluno em Nova York concluir o ensino médio e chegar à
universidade. Não estou dizendo que todas as escolas de grande porte são ruins, nem que as pequenas são sempre oásis de bom ensino, mas, na
média, é essa a realidade – e os pais devem estar informados sobre isso ao matricular seus filhos. Do ponto de vista prático, é evidente que não é
viável para um governo sair por aí comprando terreno para construir mais escolas. É possível, no entanto, transformar uma escola grande em várias
pequenas, fazendo uso do mesmo prédio. Cada uma delas passa a ter diretor próprio, uma equipe de professores e funcionamento de escola
pequena.
Nadelstern – Em primeiro lugar, porque num ambiente menor os pais passam a participar mais, segundo nos mostra uma pesquisa sobre o
assunto. Hoje as famílias estão, em geral, alheias ao que se passa na escola. De um lado, porque não lhes sobra tempo. De outro, porque têm
dificuldade em ser recebidas nas escolas – o que só atrapalha. Outro ponto a favor das escolas menores é que, nelas, os professores passam a
conhecer um pouco melhor as necessidades de seus alunos. Uma de minhas cruzadas é justamente criar nos colégios uma nova cultura, de modo
que as aulas não sejam tão dissociadas das reais demandas dos estudantes.
Nadelstern – Insisto, de novo, na necessidade de aplicar provas aos estudantes, nesse caso com o objetivo de saber o detalhe do detalhe sobre o
que eles aprenderam até aquele momento do ano. Criamos seis testes anuais com essa finalidade. Isso mesmo: a idéia é fazer monitoramento
permanente. Acredito que só aí é possível ao professor dar uma boa aula, mais de acordo com as necessidades dos alunos. Infelizmente, o que
observo sobre a maioria das escolas nos Estados Unidos é que, em se tratando de ensino, oferta e demanda ainda andam, basicamente, separadas.
O professor fala sobre Platão para estudantes que desconhecem os fundamentos da Grécia antiga. Em aulas sobre a I Guerra, quase ninguém sabe
onde fica a Europa. Não tem como dar certo. Se os alunos ignoram o básico, vamos lhes dar primeiro isso.
Veja – De que modo o senhor acha que dar prêmios em dinheiro aos melhores estudantes, como ocorre em Nova York, pode ajudar a melhorar esse
cenário?
Nadelstern – A competição empurra as pessoas para a frente. Nas escolas, as crianças a encaram como uma gincana, na qual, para sair
vencedoras, precisam estudar mais. Esse é o objetivo. Os alunos gostam. Os pais adoram. Mas sindicalistas e intelectuais lunáticos reclamam. Se a
sociedade como um todo cultua os rankings, não vejo por que ser diferente no ambiente escolar, no qual supostamente se dá uma espécie de treino
para a vida real. Premiar é, afinal, uma maneira de jogar luz sobre um conjunto de bons hábitos que devem servir de modelo para os outros.
Veja – Como atrair para as escolas públicas 350 milhões de dólares do setor privado, a exemplo do que ocorreu em Nova York?
Nadelstern – Lição número 1: não dá para bater à porta de Bill Gates com um diagnóstico de 1 000 páginas sobre a educação pública e esperar
que ele tenha tempo e disposição para lançar-se numa longa e enfadonha discussão teórica. O que funciona é chegar com um projeto curto, de
execução palpável e custos definidos. Essa é a linguagem do mercado. Repetimos sempre nos Estados Unidos que a diversidade é a pedra
fundamental de uma sociedade livre e democrática – e, por essa razão, estamos em busca de perfis distintos de escola. Ao passar o chapéu nas
empresas, comecei a falar em um novo "portfólio" de colégios, e não mais em diversidade. Funcionou. Um país mais pobre como o Brasil certamente
poderia se beneficiar mais desse tipo de prática.
Veja – Apesar de todos esses esforços, os indicadores de ensino em Nova York ainda são ruins...
Nadelstern – Os resultados na educação são sempre lentos, mas acho que, diante disso, avançamos a uma velocidade bastante razoável. Há cinco
anos, 50% dos estudantes concluíam o ensino básico em Nova York. Hoje, são quase 60%. Ou seja: 20% mais gente. É um indicador de que
seguimos na direção correta. Estou bastante atento ao que outros países estão fazendo para melhorar. Essa é uma obrigação de qualquer homem
público no mundo globalizado. Meu diagnóstico geral é que as escolas ainda têm a cara do século XIX em sociedades do século XXI. Elas continuam
afeitas à decoreba, encaixotadas em grades curriculares ultrapassadas e incapazes de preparar as crianças para olhar os problemas da atualidade de
modo abrangente e desprovido de preconceito. Os pais devem cobrar, sim, porque, no que diz respeito à escola pública, seus filhos são reféns de um
serviço que se situa entre o mediano e o ruim; o velho e o antiquado. Por tudo isso, estou convicto de que as escolas precisam de um bom banho de
modernidade.
235
Muitos professores e seus compêndios enxergam o mundo de hoje como ele era no tempo dos tílburis. Com a
justificativa de "incentivar a cidadania", incutem ideologias anacrônicas e preconceitos esquerdistas nos alunos
Monica Weinberg e Camila Pereira
Tema para reflexão: vale a pena usar chocadeiras artificiais para acelerar a produção de frango? Deu-se com isso o início de uma das aulas de geografia no
Colégio Ateneu Salesiano Dom Bosco, de Goiânia, escola particular que aparece entre as melhores do país em rankings oficiais. Da platéia, formada por alunos às
vésperas do vestibular, alguém diz: "Com as chocadeiras, o homem altera o ritmo da vida pelo lucro". O professor Márcio Santos vibra. "Você disse tudo! O homem se
perdeu na necessidade de fazer negócio, ter lucro, exportar." E põe-se a cantar freneticamente Homem Primata / Capitalismo Selvagem / Ôôô (dos Titãs), no que é
acompanhado por um enérgico coro de estudantes. Cena muito parecida teve lugar em uma classe do Colégio Anchieta, de Porto Alegre, outro que figura entre os
melhores do país. Lá, a aula de história era animada por um jogral. No comando, o professor Paulo Fiovaranti. Ele pergunta: "Quem provoca o desemprego dos
trabalhadores, gurizada?". Respondem os alunos: "A máquina". Indaga, mais uma vez, o professor: "Quem são os donos das máquinas?" E os estudantes: "Os
empresários!". É a deixa para Fiovaranti encerrar com a lição de casa: "Então, quem tem pai empresário aqui deve questionar se ele está fazendo isso". Fim de aula.
Os dois episódios, ambos presenciados por VEJA, não são raridade nas escolas brasileiras. Ao contrário. Eles exemplificam uma tendência prevalente entre
os professores brasileiros de esquerdizar a cabeça das crianças. Parece bobagem, uma curiosidade até pitoresca num mundo em que a empregabilidade e o sucesso na
vida profissional dependem cada vez mais do desempenho técnico, do rigor intelectual, da atualização do pensamento e do conhecimento. Não é bobagem. A
doutrinação esquerdista é predominante em todo o sistema escolar privado e particular. É algo que os professores levam mais a sério do que o ensino das matérias em
classe, conforme revela a pesquisa CNT/Sensus encomendada por VEJA. Pobres alunos.
Eles estão sendo preparados para viver no fim do século XIX, quando o marxismo surgiu como uma ideologia modernizante, capaz não apenas de explicar
mas de mudar o mundo para melhor, acelerando a marcha da história rumo a uma sociedade sem classes. Bem, estamos no século XXI, o comunismo destruiu a si
próprio em miséria, assassinatos e injustiças durante suas experiências reais no século passado. É embaraçoso que o marxismo-leninismo sobreviva apenas em Cuba,
na Coréia do Norte e nas salas de aula de escolas brasileiras. As chocadeiras produzem os frangos vendidos a menos de 5 reais nos supermercados brasileiros, e isso
propicia a dose mínima de proteína a famílias que, de outra forma, estariam mal nutridas. A realidade não interessa nas aulas como a do professor Márcio Santos. O que
interessa? Passar a idéia de que as máquinas tiram empregos. Elas tiram? Tiraram no começo dos processos de robotização e automação de fábricas nos anos 90. Hoje,
sem robôs e máquinas, os empregos nem sequer seriam criados. Mas dizer isso pode desagradar ao espírito do velho barbudo enterrado no novo Cemitério de Highgate,
em Londres. Os professores esquerdistas veneram muito aquele senhor que viveu à custa de um amigo industrial, fez um filho na empregada da casa e, atacado pela
furunculose, sofreu como um mártir boa parte da existência. Gostam muito dele, fariam tudo por ele, menos, é claro, lê-lo – pois Karl Marx é um autor rigoroso, complexo,
profundo que, mesmo tendo apenas uma de suas idéias ainda levada a sério hoje – a Teoria da Alienação –, exige muito esforço para ser compreendido. "A salada
ideológica resulta da leitura de resumos dos grandes pensadores", diz o filósofo Roberto Romano. Gente que vê maldade em chocadeiras e mal em empresários que
usam máquinas em suas fábricas no século XXI não pode ter lido Karl Marx. É de supor que não tenham lido muito, quase nada. Mas são esses senhores que ensinam
nossos filhos nas melhores escolas brasileiras – sem, diga-se, que os pais se incomodem com isso.
A pesquisa CNT/Sensus ouviu 3 000 pessoas de 24 estados brasileiros, entre pais, alunos e professores de escolas públicas e particulares. Sua conclusão
nesse particular é espantosa. Os pais (61%) sabem que os professores fazem discursos politicamente engajados em sala de aula e acham isso normal. Os professores,
em maior proporção, reconhecem que doutrinam mesmo as crianças e acham que isso é sua missão principal – algo muito mais vital do que ensinar a interpretar um
texto ou ser um bamba em matemática. Para 78% dos professores, o discurso engajado faz sentido, uma vez que atribuem à escola, antes de tudo, a função de "formar
cidadãos" – à frente de "ensinar a matéria" ou "preparar as crianças para o futuro". Muito bonito se não estivessem nesse processo preparando os alunos para um mundo
que acabou e diminuindo suas chances de enfrentar a realidade da vida depois que saírem do ambiente escolar. Para atacar um problema, o primeiro passo é
reconhecer sua existência. Esse é o mérito da pesquisa CNT/Sensus.
Adversária do exercício intelectual, a ideologização do ensino pode ser resultado em parte também do despreparo dos professores para o desempenho da
função. No ensino básico, 52% lecionam matérias para as quais não receberam formação específica – 22% deles nunca freqüentaram faculdade. Para esses, os chavões
de esquerda servem como uma espécie de muleta, um recurso a que se recorre na falta de informação. "Repetir meia dúzia de slogans é muito mais fácil do que estudar
e ler grandes obras. Por isso, a ideologização é mais comum onde impera a ignorância", diz o historiador Marco Antonio Villa. A questão não é exatamente nova na
educação. Meio século atrás, a filósofa alemã Hannah Arendt já alertava para o equívoco de fazer das aulas um lugar para a doutrinação ideológica, qualquer que fosse o
matiz. Em A Crise na Educação, ela dizia: "Em vez de (o professor) juntar-se a seus iguais, assumindo o esforço da persuasão e correndo o risco do fracasso, há a
intervenção ditatorial, baseada na absoluta superioridade do adulto". Ao refletirem sobre o atual cenário, os especialistas concordam com a idéia central da filósofa. Está
claro, e a própria experiência mostra isso, que o viés político retira da escola aquilo que deveria, afinal, ser seu atributo número 1: ensinar a pensar – verbo cuja origem,
do latim, significa justamente pesar. Diz o sociólogo Simon Schwartzman: "O verdadeiro exercício intelectual se faz ao colocar as idéias e os juízos numa balança, algo
que só é possível com uma ampla liberdade de investigação e de crítica".
Não é o caso na maioria das salas de aula. Muitos professores brasileiros se encantam com personagens que em classe mereceriam um tratamento mais
crítico, como o guerrilheiro argentino Che Guevara, que na pesquisa aparece com 86% de citações positivas, 14% de neutras e zero, nenhum ponto negativo. Ou
idolatram personagens arcanos sem contribuição efetiva à civilização ocidental, como o educador Paulo Freire, autor de um método de doutrinação esquerdista
disfarçado de alfabetização. Entre os professores brasileiros ouvidos na pesquisa, Freire goleia o físico teórico alemão Albert Einstein, talvez o maior gênio da história da
humanidade. Paulo Freire 29 x 6 Einstein. Só isso já seria evidência suficiente de que se está diante de uma distorção gigantesca das prioridades educacionais dos
senhores docentes, de uma deformação no espaço-tempo tão poderosa que talvez ajude a explicar o fato de eles viverem no passado.
Entre as figuras históricas e da atualidade mais citadas em classe está, como não poderia deixar de ser, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As
referências a Lula são contidas. O presidente brasileiro obtém aprovação menor entre os professores, segundo relatam os estudantes, do que aquela com que a
sociedade brasileira em geral o brinda. Ele tem 70% de avaliação positiva dos brasileiros, mas na boca dos professores esse índice cai para 30% – com 27% de citações
negativas e 43% de neutras. Ressalte-se aqui que é um ponto louvável para os mestres o fato de, como mostram os números relativos a Lula, eles não fazerem
proselitismo eleitoral em classe – mesmo que seja preciso relevar o fato de o ditador venezuelano Hugo Chávez ter merecido 51% de citações positivas. A neutralidade e
o comedimento em relação a Lula desautorizam a interpretação de que os professores tentam direcionar o voto dos alunos, o que seria desastroso. É sinal de que sua
pregação, mesmo equivocada, se mantém no nível das idéias – o que é excelente.
"Eu e todos os meus colegas professores temos, sim, uma visão de esquerda – e seria impossível isso não aparecer em nossos livros. Faço esforço para
mostrar o outro lado", diz a geógrafa Sonia Castellar, que há vinte anos dá aulas na faculdade de pedagogia da Universidade de São Paulo (USP) e escreveu Geografia,
um dos best-sellers nas escolas particulares (livro que tem dois de seus trechos comentados por VEJA na reportagem seguinte). "Reconheço o viés esquerdista nos
livros e apostilas, fruto da formação marxista dos professores. Mas não temos nenhuma intenção de formar uma geração de jovens socialistas", diz Miguel Cerezo,
responsável pelo conteúdo publicado nas apostilas do COC (de onde foram extraídos quatro trechos comentados pela revista). À luz de outra pesquisa em profundidade
feita pelo Ibope em colaboração com a revista Nova Escola, editada pela Fundação Victor Civita, os professores da rede pública revelam que, para eles, o principal
problema da sala de aula é, de longe (77%), a ausência dos pais no processo educativo. Repousam na colaboração entre pais e professores a correção dos rumos do
ensino no país e a aceleração da curva de melhora de desempenho que começa a se desenhar. A questão do excesso de ideologização é um desses problemas que
podem ser abordados em conjunto por pais e professores. Demanda para o diálogo existe. O advogado Miguel Nagib fundou, há quatro anos, em Brasília, a ONG Escola
Sem Partido, com o objetivo de chamar atenção para a ideologização do ensino na sala de aula. Nagib se incomodou com os sinais do problema na escola particular de
sua filha, então com 15 anos, onde o professor de história gostava de comparar Che Guevara a São Francisco de Assis. Foi ao colégio reclamar. Diz Nagib: "As escolas
precisam ficar sabendo que muitos pais não concordam com essa visão".
48
WEINBERG, M.; PEREIRA, C. Prontos para o século XIX - Você sabe o que estão ensinando a ele? VEJA,
edição 2074, ano 41, n. 33, p. 76-84, 20 ago. 2008.
49
IOSCHPE, G. A neutralidade como dever. VEJA, edição 2074, ano 41, n. 33, p. 86-87, ago. 2008.
236
Uma pesquisa mostra que para os brasileiros tudo vai bem nas escolas. Mas a realidade é bem menos rósea: o
sistema é medíocre
Monica Weinberg e Camila Pereira
Vamos falar sem rodeios. Em boa parte dos lares brasileiros, uma conversa em família flui com muito mais vigor e participação quando se decide a
assinatura de novos canais a cabo, o destino das próximas férias ou a hora de trocar de carro do que quando se discute sobre o que exatamente o Júnior está
aprendendo na escola. Quando e se esse assunto é levantado, ele se resumirá às notas obtidas e a algum evento extraordinário de mau comportamento, como ter sido
pego fumando no corredor ou ter beliscado o traseiro da professora de geografia. O quadro acima é um tanto anedótico, mas tem muito de verdadeiro. De modo geral,
com as nobilíssimas exceções que todos conhecemos, os pais brasileiros de todas as classes não se envolvem como deveriam na vida escolar dos filhos. Os mais
pobres dão graças aos céus pelo fato de a escola fornecer merenda, segurança e livros didáticos gratuitos. Os pais de classe média se animam com as quadras
esportivas, a limpeza e a manifesta tolerância dos filhos quanto às exigências acadêmicas muitas vezes calibradas justamente para não forçar o ritmo dos menos
capazes. Uma pesquisa encomendada por VEJA à CNT/Sensus traduz essa situação em números. Para 89% dos pais com filhos em escolas particulares, o dinheiro é
bem gasto e tem bom retorno. No outro campo, 90% dos professores se consideram bem preparados para a tarefa de ensinar. Como mostra a Carta ao Leitor desta
edição, sob sua plácida superfície essa satisfação esconde o abismo da dura realidade – o ensino no Brasil é péssimo, está formando alunos despreparados para o
mundo atual, competitivo, mutante e globalizado. Em comparações internacionais, os melhores alunos brasileiros ficam nas últimas colocações – abaixo da
qüinquagésima posição em competições com apenas 57 países.
A reportagem que se vai ler pretende chamar atenção para as raízes dessa cegueira e contribuir para que pais, professores, educadores e autoridades
acordem para a dura realidade cuja reversão vai exigir mais do que todos estão fazendo atualmente – mesmo os que, como é o caso em especial dos pais, acreditam
estar cumprindo exemplarmente sua função. Em Procura da Poesia, o grande Carlos Drummond de Andrade provê uma metáfora eficiente do que o desafio de melhorar
a qualidade da educação exigirá da atual geração de brasileiros: "O que pensas e sentes, isso ainda não é poe-sia". Uniformizar, alimentar, dar livros didáticos aos jovens
e perguntar como foi o dia na escola é fundamental, mas isso ainda não é educação para o século XXI. "Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil
faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres: Trouxeste a chave?", continua nosso maior poeta, morto em
1987. Outra metáfora exata. Os jovens estudantes são como as palavras, com mil faces secretas sob a face neutra e esperando as chaves que lhes abram os portais de
uma vida pessoal e profissional plena.
Isso só se conseguirá, como mostra a pesquisa encomendada por VEJA, quando o otimismo com o desempenho do sistema, que é também compartilhado
pelos alunos, for transformado em radical inconformismo. A fagulha de mudança pode ser acendida com a constatação de que as escolas que pais, alunos e professores
tanto elogiam são as mesmas que devolvem à sociedade jovens incapazes de ler e entender um texto, que se embaralham com as ordens de grandeza e confiam
cegamente em suas calculadoras digitais para não apenas fazer contas mas substituir o pensamento lógico. Mais uma vez abusa-se do recurso da generalização para
que o mérito individual de alguns poucos não dilua a constatação de que o complexo educacional brasileiro é medíocre e não se enxerga como tal. Quando um conselho
de notáveis americanos fez a célebre condenação do sistema de ensino do país ("parece ter sido concebido pelo pior inimigo dos Estados Unidos..."), as pesquisas de
opinião mostravam que a maioria dos americanos estava plenamente satisfeita com suas escolas. A comissão viu mais longe e soou o alarme. Agora no Brasil o mesmo
senso de realidade e urgência se faz necessário, como resume Claudio de Moura Castro, ensaísta, pesquisador e colunista de VEJA: "Uma crise, uma crise profunda. Só
isso salva nossa educação".
"A pesquisa CNT/Sensus publicada nesta edição corrobora esse quadro: só 18% dos professores da escola pública
dizem que seu discurso em sala de aula é politicamente neutro. Setenta e quatro por cento escolhem ‘formar cidadãos’
como missão do professor – apenas 8,4% dizem que é ‘ensinar a matéria’. Os resultados são praticamente idênticos
nas escolas particulares"
Gustavo Ioschpe
Sabendo que, em uma população de 190 milhões de habitantes, temos mais de 50 milhões de alunos no ensino básico e aproximadamente 100 milhões de
pais desses alunos e apenas 2 milhões de professores, e sabendo que vivemos em uma democracia, a pergunta que se impõe a todo professor, diretor, secretário
municipal, estadual ou ministro da Educação do país de agora em diante é: como se pode justificar que uma minoria imponha sobre a maioria a sua visão da educação?
Em uma sociedade democrática, quem decide que tipo de educação será oferecido no sistema público: o público ou as corporações do setor? Como se justifica que
professores e administradores escolares ditem uma política educacional à revelia dos desejos expressos da sociedade brasileira? A educação para a cidadania não
pressupõe, afinal, o respeito à vontade coletiva e a valorização da sabedoria popular?
Quando se discutem as razões pelas quais nosso sistema escolar não consegue ensinar a maioria dos alunos a ler e a escrever ou a realizar operações
aritméticas simples, muitos supostos fatores vêm à baila: o salário dos professores, a condição da infra-estrutura das escolas, o descaso da sociedade etc. Essa análise
parte do pressuposto de que todos os atores do processo educacional estão engajados no mesmo projeto, o que não é verdade. Seguimos ignorando um problema que
me parece cada vez mais crucial: o ensino acadêmico é percebido pelos nossos professores como uma tarefa desimportante do processo educacional. Quando instado,
em pesquisa da Unesco, a apontar as finalidades mais importantes da educação, o professorado brasileiro disse o seguinte: com 72% dos votos, a campeã foi "formar
cidadãos conscientes". A segunda mais lembrada foi "desenvolver a criatividade e o espírito crítico" (60,5%). Lá atrás, na rabeira, apareceram "proporcionar
conhecimentos básicos" (8,9%) e "transmitir conhecimentos atualizados e relevantes" (17%). No mesmo levantamento, 73% dos professores concordaram com a
afirmação que segue: "O professor deve desenvolver a consciência social e política das novas gerações". Cinqüenta e cinco por cento rejeitam a idéia de que "a atividade
docente deve reger-se pelo princípio da neutralidade política". Mais de 75% dos professores acham que a igualdade é um valor superior à liberdade. A pesquisa
CNT/Sensus publicada nesta edição corrobora esse quadro: só 18% dos professores da escola pública dizem que seu discurso em sala de aula é politicamente neutro.
Setenta e quatro por cento escolhem "formar cidadãos" como missão do professor – apenas 8,4% dizem que é "ensinar a matéria". Os resultados são praticamente
idênticos nas escolas particulares.
É triste constatar que o pendor atingiu o nível de formação de políticas públicas e, como tal, virou uma questão sistêmica. Na avaliação que o MEC faz dos
livros didáticos que serão escolhidos para todas as escolas do país, a obra ganha pontos se mostrar preocupação com a questão da cidadania. Não apenas na área de
humanas, mas também em ciências e matemática. Na avaliação de livros didáticos de ciências do ensino fundamental, por exemplo, há seis itens. Um deles é "cidadania
e ética". Lá está dito que o livro deve incentivar a "valorização do debate sobre direitos do trabalhador e do cidadão" e que se deve atentar "à relação entre conhecimento
popular e científico, com respeito e valorização de ambos". Não sei muito bem o que isso quer dizer, mas imagino que, se perguntarem a um aluno numa prova a razão
da existência das chamadas "estrelas cadentes", ele tirará 10 se responder que é para atender aos três desejos da vizinha. Se complementar dizendo que os três desejos
são uma conquista da cidadania, aí então será 10 com louvor.
Acho que a formação política de cada um é sua prerrogativa individual, sujeita apenas à interferência dos pais. Não é para ser condenada ou legitimada na
escola. Mesmo que os pais não pratiquem sua prerrogativa, isso não dá ao professor o direito de se assenhorear da tarefa. Não acredito que a maioria dos professores
brasileiros, com seu baixo preparo intelectual, tenha condições de oferecer ao aluno a exposição complexa e multifacetada que as questões inerentes à formação da
cidadania exigem. Vira panfletagem. Também não acredito no poder do discurso dissociado da prática. Se essas razões são válidas para qualquer tipo de escola, creio
que as regras devessem ser ainda mais rigorosas para as escolas públicas, nas quais o aluno não tem condições de optar por escola diferente. Aqui o texto de referência
é de Max Weber, em "Wissenschaft als Beruf" (A Ciência como Vocação). Falando sobre o dever de neutralidade dos professores universitários – creio que não lhe
passaria pela cabeça que pudesse ocorrer como no Brasil de hoje a politização de alunos de 10 anos de idade –, Weber disse: "Só se pode exigir do professor que tenha
a integridade intelectual para ver que uma coisa é declarar fatos, determinar as relações matemáticas ou lógicas ou a estrutura interna de valores culturais; outra coisa é
responder a questões sobre o valor da cultura e seus componentes individuais e como alguém deve agir na comunidade cultural e em associações políticas. Se ele
perguntar por que não deve lidar com os dois tipos de problema em sala de aula, a resposta é: porque o profeta e o demagogo não pertencem ao espaço acadêmico.
(...)" Uma discussão político-ideológica profícua pressupõe a igualdade de poder entre os participantes. A relação professor-aluno é totalmente assimétrica: se o aluno
questionar as convicções de seu mestre, correrá o risco de sofrer represálias, enquanto o oposto é impossível. Pela mesma razão que o estado é laico, as aulas do
estado também deveriam ser politicamente neutras.