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CAPÍTULO

Anatomia cardíaca básica

1 José Paulo Ladeira / Victor Ales Rodrigues

1. Introdução trações cardíacas. O 1º som dá-se com o fechamento das


válvulas atrioventriculares (mitral e tricúspide), gerando um
Para iniciar o livro de Cardiologia, é importante relem- som grave, denominado de 1ª bulha cardíaca (B1). O 2º som
brar alguns pontos básicos da anatomia cardíaca. A maioria é gerado com o fechamento das válvulas semilunares (pul-
dos assuntos abordados neste capítulo provavelmente já monar e aórtica), denominado de 2ª bulha cardíaca (B2).
faz parte do conhecimento do aluno, porém alguns tópicos
serão destacados. B - Localização anatômica
O coração está localizado no mediastino, que é a cavi-
2. Coração dade central do tórax. Estende-se de forma oblíqua da 2ª
costela até o 5º espaço intercostal. Situa-se acima do dia-
A - Visão geral fragma, anterior a coluna e posterior ao esterno. Está ro-
deado parcialmente pelos pulmões. Dois terços do coração
O coração é uma bomba dupla, de sucção e pressão, au- estão à esquerda do eixo mediano e o outro terço à direita.
toajustável, cujas porções trabalham conjuntamente para O vértice cardíaco encontra-se entre a 5ª e a 6ª costela, lo-
impulsionar o sangue para todos os órgãos e tecidos. O cal onde se pode fazer a palpação do “choque da ponta” ou
lado direito do coração recebe o sangue venoso através da ictus cordis.
veia cava superior e veia cava inferior, bombeando-o, pos-
teriormente, através do tronco pulmonar, fazendo-o ser oxi- C - Morfologia
genado nos pulmões. O lado esquerdo do coração recebe
sangue arterial dos pulmões através das veias pulmonares, O coração pode ser descrito como tendo uma base, ápi-
bombeando-o, posteriormente, para a aorta, de onde será ce, 4 faces e ainda 4 margens:
distribuído a todo o corpo. a) Ápice do coração
São 4 as câmaras do coração: Átrio Direito (AD), Átrio Es- Situa-se no 5º espaço intercostal esquerdo, a aproxi-
querdo (AE), Ventrículo Direito (VD) e Ventrículo Esquerdo madamente 9cm do plano mediano; imóvel durante o ciclo
(VE). Os átrios recebem e bombeiam o sangue ao ventrícu- cardíaco e o local de máximo som de fechamento da valva
lo. O sincronismo de bombeamento das 2 bombas atrioven- mitral.
triculares cardíacas (câmaras direita e esquerda) constitui
o chamado ciclo cardíaco. Tal ciclo inicia-se com a diástole, b) Base do coração
que é o período em que há o relaxamento e enchimento Voltada posteriormente em direção aos corpos das vér-
ventricular, terminando com a sístole, que é o período de tebras T6-T9, separada delas pelo pericárdio, seio pericár-
contração muscular e esvaziamento dos ventrículos. dico oblíquo e pela aorta; recebe as veias pulmonares nos
Os 2 sons fisiologicamente auscultados no coração são lados direito e esquerdo de sua porção atrial esquerda e as
produzidos pelo estalido de fechamento das válvulas que Veias Cavas Superior (VCS) e Inferior (VCI) nas extremidades
normalmente impedem o refluxo de sangue durante as con- superior e inferior de sua porção atrial direita.

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CARD I OLOG I A

c) Faces do coração

Tabela 1 - Quatro faces do coração


Face esternocostal
Formada principalmente pelo VD.
(anterior)
Face diafragmática Formada principalmente pelo VE e parte
(inferior) do VD.
Face pulmonar
Formada principalmente pelo AD.
direita
Face pulmonar Formada principalmente pelo VE; forma a
esquerda impressão cardíaca do pulmão esquerdo.

d) Margens do coração

Tabela 2 - Quatro margens do coração


Margem Ligeiramente convexa e formada pelo AD, esten-
direita dendo-se entre VCS e a VCI.
Margem Oblíqua, quase vertical, formada principalmente Figura 1 - Pericárdio
inferior pelo ventrículo esquerdo.
Margem Quase horizontal e formada principalmente pelo
esquerda VE e por pequena parte da aurícula esquerda.
Formada pelos átrios e aurículas direitos e es-
querdos em vista anterior; a aorta ascendente e
o tronco pulmonar emergem dessa margem e a
Margem
VCS entra no seu lado direito. Posterior à aorta e
superior
ao tronco pulmonar e anterior à veia cava supe-
rior, essa margem forma o limite inferior ao seio
transverso do pericárdio.

3. Revestimento e parede cardíaca


Há uma membrana fibrosserosa que envolve todo o co-
ração e o início de seus grandes vasos chamada pericárdio
(Figura 1). Esta tem a característica de ser semelhante a um Figura 2 - Pericárdio e parede cardíaca
saco fechado contendo o coração. É formado por 2 cama-
das: a externa, chamada pericárdio fibroso, mais resisten- A - Câmaras cardíacas
te, constituída por tecido conjuntivo denso e que tem por
função fixar o coração ao diafragma e grandes vasos; e uma São 4 as câmaras cardíacas (Figura 3), sendo 2 átrios e
camada interna, chamada pericárdio seroso, mais delicada 2 ventrículos, separados por um septo e por 2 valvas atrio-
e que, por sua vez, possui 2 lâminas – lâmina parietal, que ventriculares. De forma geral o sangue chega ao coração
reveste internamente o pericárdio fibroso, e a lâmina vis- nos átrios (do pulmão através do AE e do corpo através do
ceral, que recobre o coração e os grandes vasos. Entre as átrio direito) e é ejetado do coração pelos ventrículos (para
2 lâminas, existe a cavidade pericárdica, que contém certa o pulmão pelo VD e para o restante do corpo pelo ventrícu-
quantidade de líquido e que permite a movimentação do lo esquerdo).
coração dentro do tórax.
a) Átrio direito
Já a parede do coração é formada por 3 camadas (Fi-
gura 2): Recebe o sangue venoso da VCS, da VCI e do seio co-
ronário. A aurícula direita é uma bolsa muscular cônica
Tabela 3 - Formação da parede cardíaca que se projeta como uma câmara adicional, aumentando
Camada interna, fina espessura (endotélio e tecido a capacidade do átrio, enquanto se superpõe à aorta as-
Endocárdio conjuntivo subendotelial), atuando como revesti- cendente. No AD há ainda 2 estruturas muito importantes
mento íntimo do coração, inclusive de suas valvas.
que serão tratadas mais a frente, são elas o nó sinusal e o
Camada intermediária, helicoidal e espessa, forma- nodo atrioventricular (AV). Seu interior é formado por uma
Miocárdio
da por músculo cardíaco.
parede posterior lisa e fina e uma parede anterior muscular
Camada externa, fina espessura (mesotélio) e for- rugosa, formada pelos músculos pectíneos, que auxiliam na
Epicárdio
mada pela lâmina visceral do pericárdio seroso.
contração atrial.

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ANATOMIA CARDÍACA BÁSICA

b) Ventrículo direito mitral. Seu interior possui uma parte maior com paredes lisas e
É responsável pelo bombeamento do sangue na circu- uma aurícula muscular menor, contendo músculos pectíneos.
lação pulmonar. Ele recebe o sangue venoso do AD, que Sua parede é também um pouco mais espessa que a do AD.
repassa ao ventrículo através da valva tricúspide. Deságua d) Ventrículo esquerdo
no tronco da artéria pulmonar através da valva pulmonar.
É responsável pelo bombeamento do sangue ao corpo.
Possui em seu interior elevações musculares chamadas tra-
béculas cárneas. Os chamados músculos papilares come- Recebe o sangue arterial do AE, que passa ao VE através da
çam a contrair antes da contração ventricular, tensionando valva mitral. Deságua na aorta através da valva aórtica. O

CARDIOLOGIA
estruturas chamadas cordas tendíneas. Esse mecanismo é o VE forma o ápice do coração, suas paredes são até 3 vezes
responsável pela abertura e fechamento das válvulas. mais espessas que a do VD, as trabéculas cárneas são mais
finas e numerosas e os músculos papilares são maiores que
c) Átrio esquerdo do VD. Vale lembrar que a pressão arterial é muito maior
Recebe o sangue arterial, proveniente das veias pulmona- na circulação sistêmica do que na circulação pulmonar, por
res direitas e esquerdas. Deságua no VE, separado pela valva isso o VE trabalha mais do que o VD.

Figura 3 - Estruturas cardíacas

B - Valvas cardíacas a cordas tendíneas proveniente de músculos papilares. Es-


sas estruturas promovem sustentação, permitindo que as
As valvas são formadas basicamente de tecido conjun- válvulas resistam a maiores pressões, também impedindo
tivo e têm a função de garantir o sentido unidirecional do o prolapso.
sangue, ou seja, elas impedem o refluxo sanguíneo nas 4
cavidades cardíacas. As valvas são formadas por válvulas, c) Valva aórtica
espécie de folhetos das valvas, que variam de acordo com a Possui 3 válvulas e permite o fluxo sanguíneo de saída
localização (Figuras 4, 5 e 6). do VE em direção à aorta.
a) Valva mitral d) Valva pulmonar
Possui 2 válvulas e permite o fluxo sanguíneo entre o Possui 3 válvulas e permite o fluxo sanguíneo de saída
AE e o VE. do VD em direção à artéria pulmonar. Ao contrário das
outras 2, as valvas aórtica e pulmonar não possuem cor-
b) Valva tricúspide das tendíneas para sustentá-las. São menores e a pres-
Possui 3 válvulas e permite o fluxo sanguíneo entre o são sobre elas é menor que a metade da exercida nas
AD e o VD. Essas 2 valvas (mitral e tricúspide) são fixadas valvas AVs.

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CARD I OLOG I A

Figura 4 - Valvas cardíacas Figura 5 - Focos de ausculta cardíaca

Tabela 4 - As valvas cardíacas e o exame clínico


Focos de ausculta Valva cardíaca Localização Observações
Área em que são melhor percebidos os fenô-
5º espaço intercostal esquerdo, na linha
menos estetoacústicos como bulhas, estalidos e
Foco mitral Valva mitral hemiclavivular, correspondendo ao
sopros relacionados a valva mitral estenótica ou
ictus cordis ou ponta do coração.
insuficiente.
Algumas vezes os acometimentos da Valva
Base do apêndice xifoide, ligeiramente Tricúspide são melhor ouvidos no foco mitral,
Foco tricúspide Valva tricúspide
à esquerda. porém a inspiração profunda intensifica o sopro
se ele for de origem tricúspide.
2º espaço intercostal direito, junto ao Local de maior intensidade de ausculta de B2,
Foco aórtico Valva aórtica
esterno. juntamente com o foco pulmonar.
Foco onde se têm condições ideais para análise
2º espaço intercostal esquerdo, junto
Foco pulmonar Valva pulmonar de desdobramentos, patológico ou fisiológico,
ao esterno.
da 2ª bulha pulmonar.
Entre o 3º e o 4º espaço intercostal Melhor local para perceber fenômenos acústi-
Foco aórtico acessório Valva aórtica
esquerdo, próximo ao esterno. cos de origem aórtica.

Figura 6 - Valvas cardíacas (corte transversal)

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ANATOMIA CARDÍACA BÁSICA

C - Coronárias rados por ele se propagam pelos feixes de condução atrial


(anterior, médio e posterior) até o nó atrioventricular, que
As artérias coronárias são os primeiros ramos da aor- os retransmitem. O nó AV está situado abaixo do endo-
ta. Elas suprem o miocárdio e o epicárdio. As artérias co- cárdio atrial direito, na parte do septo interatrial imedia-
ronárias direita e esquerda originam-se dos seios da aorta tamente acima do óstio do seio coronário. O feixe atrio-
correspondentes na região proximal da parte ascendente ventricular dirige-se para a parte membranácea do septo
da aorta e seguem por lados opostos do tronco pulmonar interventricular e em seguida se divide em ramos direito e
(Figura 7). esquerdo, propagando-se até as paredes dos respectivos

CARDIOLOGIA
ventrículos.
a) Artéria Coronária Direita (ACD) A frequência de geração e a velocidade de condução são
Origina-se do seio direito da aorta, seguindo no sulco aumentadas pelo sistema simpático e inibidas pelo sistema
coronário. Próximo de sua origem, emite o ramo do nó si- parassimpático. Isso acontece para atender as demandas
noatrial (supre o nó SA), e depois emite o ramo do nó atrio- ou conservar energia.
ventricular (supre o nó AV). Passando para parte posterior, Os nós SA e AV são supridos pelos ramos nodais da
dá origem ao grande ramo interventricular posterior, que, ACD, o que justifica a maior incidência de bloqueios da
por sua vez, envia os chamados ramos interventriculares condução AV nas síndromes coronarianas agudas de CD;
septais. já os feixes são supridos pelos ramos septais da ACE, o que
justifica a presença frequente de bloqueios de ramos agu-
b) Artéria Coronária Esquerda (ACE) dos nas síndromes coronarianas agudas desta artéria. A
Origina-se do seio esquerdo da aorta, seguindo no sulco oclusão de qualquer artéria, com consequente infarto do
coronário. Na extremidade superior do sulco IV anterior, a tecido nodal, pode exigir a inserção de um marca-passo
ACE divide-se em 2 ramos, o ramo anterior e o ramo cir- cardíaco artificial.
cunflexo. O ramo IV anterior segue até o ápice do coração.
Em muitas pessoas o ramo IV anterior dá origem ao ramo
diagonal. A artéria circunflexa origina a artéria marginal es-
querda.

Figura 8 - Sistema elétrico do coração

5. Grandes vasos
Figura 7 - Artérias coronárias Como grandes vasos, apresentados na Figura 9, pode-
mos citar:
4. Sistema elétrico - Aorta;
O sistema de condução do coração é constituído basi- - Tronco braquiocefálico;
camente de fibras musculares especializadas para a trans- - Artéria carótida comum esquerda;
missão de impulsos elétricos. É representado pelo nó sino-
atrial, feixes de condução atrial, nó atrioventricular, feixe
- Artéria subclávia esquerda;
atrioventricular com seus ramos e fibras de Purkinje (Figura - Porção distal do tronco pulmonar;
8). Os estímulos são gerados ritmicamente, resultando na - Veias braquiocefálica direita;
contração coordenada dos átrios e ventrículos.
O nó sinoatrial localiza-se na parte superior do AD, no
- Veias braquiocefálica esquerda;
contorno anterolateral de junção da VCS. Os estímulos ge- - Parte da VCS.

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CARD I OLOG I A

Figura 9 - Grandes vasos

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CAPÍTULO Dislipidemia e fatores de risco

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para doença cardiovascular
José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado

1. Introdução membrana celular e participa da síntese de ácidos biliares e


de hormônios esteroides.
A doença cardiovascular (DCV) é a principal causa de As lipoproteínas transportam os lípides do local de sín-
morte entre adultos homens e mulheres, com mais de tese ao local de utilização, apresentando as seguintes fun-
250.000 óbitos no Brasil em 2002. Aproximadamente, 50% ções:
dos homens e 64% das mulheres não apresentavam sinto-
- Formação de membranas celulares;
mas prévios de doença até o aparecimento de evento car-
diovascular. Por isso, prevenção e tratamento dos fatores
- Síntese de ácidos biliares;
predisponentes da doença aterosclerótica são de grande
- Substrato para esteroidogênese;
importância. Entre os fatores predisponentes, as alterações - Precursor da formação de vitamina D;
lipídicas representam um dos mais importantes para o de- - Produção e armazenamento de energia.
senvolvimento e progressão da doença aterosclerótica nas
Como os lípides são moléculas hidrofóbicas, para se-
sociedades industrializadas, e o seu tratamento objetiva a
rem transportados no plasma, associam-se a determinadas
diminuição do risco cardiovascular.
proteínas (apoproteínas), formando complexos lipídicos
solúveis. Esses complexos são divididos de acordo com sua
2. Lípides e lipoproteínas densidade, característica conferida pela proporção entre
A arteriosclerose pode ser definida como uma afecção quantidade de apoproteínas e de TG, em:
de artérias de grande e médio calibre, caracterizada pela - Quilomícrons (Qm);
presença de lesões com aspectos de placas (ateromas). Ar- - VLDL (Very Low Density Lipoprotein);
teriosclerose é essa afecção nas arteríolas, sendo a lesão - IDL (Intermediate Density Lipoprotein);
típica da hipertensão arterial. Uma das primeiras lesões - LDL (Low Density Lipoprotein);
associadas à dislipidemia é a placa gordurosa, formação - HDL (High Density Lipoprotein).
plana e amarelada na parede dos vasos, sem repercussão
clínica. As placas podem evoluir para a formação das placas A dosagem de cada um destes componentes é possível
fibrolipídicas, que são formações elevadas na superfície da para utilização clínica, mas é frequente a substituição des-
camada íntima da artéria, estáveis ou instáveis. Podem ser tas dosagens pelo cálculo indireto de alguns de seus com-
associadas a complicações como fissuras, calcificação, ne- ponentes, conforme a fórmula de Friedwald a seguir:
crose, trombose e rotura.
Para valores de TG menores que 400mg/dL
Os principais lípides de importância clínica são Ácidos LDL-c = CT - HDL-c - TG/5
Graxos (AG), triglicérides (TG), fosfolípides (FL) e Colesterol
(C). Merecem destaque os TG, que têm o papel fisiológi- Em pacientes com hipertrigliceridemia (TG >400mg/
co de reserva de energia, e o C, que é um componente da dL), hepatopatia colestática crônica, diabetes mellitus ou

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CARD I OLOG I A

síndrome nefrótica, a equação é imprecisa. Nestes casos, o - Hipertrigliceridemia com HDL baixo.
valor do LDL-C pode ser obtido por dosagem direta.
Devido ao diabetes mellitus e à síndrome metabólica, A classificação de Fredrickson, apesar de ser menos uti-
doenças muito frequentes na população e que causam lizada atualmente, é importante para entender os padrões
dislipidemia secundária, os tipos mais comuns de dislipi- das dislipidemias familiares (Tabela 1). Também é importan-
demias são: te saber que a avaliação semiológica pode sugerir o diag-
- Hipercolesterolemia isolada ou em associação a hiper- nóstico em algumas dislipidemias em que é característica a
trigliceridemia; aparência do plasma.

Tabela 1 - Dislipidemias familiares: classificação de Fredrickson, Lees e Lewis


Lipoproteínas plasmáticas pre- Lipídio plasmático predomi- Aparência do plasma
Tipo Exemplo
dominantemente elevadas nantemente elevado após refrigeração
I Qm TG Sobrenadante cremoso Deficiência de LPL
IIa LDL C Claro Hiperlipidemia familiar
Hiperlipidemia familiar combi-
IIb LDL e VLDL C e TG Geralmente claro
nada
III Remanescentes C e TG Turvo Disbetalipoproteinemia
IV VLDL TG Turvo Hipertrigliceridemia familiar
Sobrenadante cremoso
V Qm e VLDL C e TG Deficiência de apo-CII
e resto turvo

Uma discussão mais aprofundada das características das diferentes síndromes monogênicas que causam dislipidemia
não é o objetivo deste capítulo, mas a Tabela 2 apresenta as principais causas genéticas dessa alteração.

Tabela 2 - Principais causas genéticas de dislipidemia


Doença Gene mutante Herança Frequência estimada na população Padrão de lipoproteínas
Deficiência familiar
LPL Autossômica recessiva 1/106 I, V
de LPL
Deficiência familiar de
Apo-CII Autossômica recessiva 1/106 I, V
apo-CII
Hipercolesterolemia Autossômica 1/500 (heterozigoto)
Receptor de LDL IIa
familiar dominante 1/106 (homozigoto)
Defeito familiar de Apo Autossômica
Apo-B 1/1.000 IIa
B-100 dominante
Hiperlipoproteinemia
Apo-E Autossômica recessiva 1/10.000 III
familiar tipo III
Hiperlipidemia familiar Autossômica IIa, IIb, IV
Desconhecida 1/100
combinada dominante (raramente V)
Hipertrigliceridemia Autossômica
Desconhecida Incerta IV (raramente V)
familiar dominante
Manifestações típicas
Xantomas Pancreatites Doença vascular prematura
Eruptivos + -
Eruptivos (raro) + -
Tendinosos - +
Xantelasma - +
Arco córneo lipídico - +
Palmar - +
Tuberoso - +

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DISLIPIDEMIA E FATORES DE RISCO PARA DOENÇA CARDIOVASCULAR

3. Metabolismo de lipoproteínas e colesterol lomícrons é chamado de quilomícron remanescente, que é


retirado da circulação por receptores hepáticos. Os quilomí-
O metabolismo das lipoproteínas pode ser dividido em
crons remanescentes contêm uma pequena quantidade de
2 vias: exógena e endógena. A via exógena se inicia com
lípides que são envelopados pelos componentes restantes de
a absorção intestinal dos AG e do C da dieta. Dentro das
células intestinais, os AG são combinados com o glicerol, superfície. Esses constituintes de superfície são transferidos
formando os TG, e o C é esterificado pela acetilcoenzima dos quilomícrons remanescentes para a formação do HDL.
A. No intracelular, os TG e o C são agregados, formando A via endógena se inicia com a síntese hepática de VLDL,

CARDIOLOGIA
os quilomícrons. Ao saírem das células intestinais, estes formados por 60% de TG e 20% de ésteres de C. A transfe-
adquirem apoliproteínas (componentes proteicos dos qui- rência proteica microssomal de TG é essencial para o trans-
lomícrons que funcionam como cofatores para enzimas e porte do conjunto de TG para o retículo endoplasmático,
ligandinas para receptores) como a B-48, CII e E. A apo onde ocorrerão a montagem do VLDL e a secreção de apo
B-48 permite a ligação entre os lípides e os quilomícrons, B-100 no fígado. O núcleo de TG do VLDL é hidrolisado pela
mas não se liga ao receptor LDL, prevenindo o clearance
lípase lipoproteica. Durante a lipólise, o núcleo do VLDL é
precoce de quilomícrons da circulação (Figura 1).
reduzido, gerando o VLDL remanescente. Os componentes
A apo-CII é um cofator para liproteínas que geram quilo-
mícrons progressivamente menores por hidrolisar o núcleo de superfície do VLDL remanescente como FL, C não esteri-
de TG liberando os AG. Quando liberados, os 3 AG são uti- ficado e apoproteínas são transferidos para o HDL. Os VLDL
lizados como fonte de energia, convertidos novamente em remanescentes podem ser eliminados da circulação ou re-
TG ou estocados no tecido adiposo. O produto final dos qui- modelados para formar as partículas de LDL.

Figura 1 - Metabolismo de lipoproteínas e colesterol

4. Características e causas das dislipidemias xantomas tendinosos; já os xantomas eruptivos são mais
comuns nas grandes hipertrigliceridemias, enquanto a li-
Algumas características dependem do tipo de dislipi- pemia retiniana é mais frequente em pacientes com hiper-
demia que o paciente apresenta. Pacientes com aumen- quilomicronemia. A Tabela 3 sumariza as principais causas
to de LDL-colesterol podem apresentar xantelasma e de dislipidemia.

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CARD I OLOG I A

Tabela 3 - Principais causas de dislipidemia - Obstrução biliar ou colestase: elevação de lipoprote-


Dislipidemias ína X. Extravasamento do C biliar e FL na circulação;
Alteração Dislipidemias primárias
secundárias - Hepatite: hipertrigliceridemia. Há diminuição da LCAT
- Hipercolesterolemia fami- (Lecithin-Cholesterol-Acyl-Transferase);

Elevação de C
liar; - Hipotireoidismo;
- Defeito familiar apo-B100; - Síndrome nefró-
- Lúpus eritematoso sistêmico: hipertrigliceridemia. An-
- Hipercolesterolemia poli- tica. ticorpos diminuem a atividade da lipase lipoproteica;
gênica. - Gamopatia monoclonal: hipercolesterolemia ou hi-
- Hipotireoidismo; pertrigliceridemia. Anticorpos ligam lipoproteínas e
- Hiperlipidemia familiar
Elevação de C - Síndrome nefró- interferem no catabolismo;
combinada;
e TG tica;
- Disbetalipoproteinemia.
- Diabetes mellitus.
- Outras causas secundárias: incluem porfiria, hepatite
e diversos medicamentos (diuréticos, beta-bloqueado-
- Hipertrigliceridemia fami-
liar; res, corticosteroides, ciclosporina, entre outros).
- Diabetes mellitus;
- Deficiência de LPL;
Elevação de TG - Hiperlipidemia al-
- Deficiência de Apo-CII;
- Hipertrigliceridemia espo-
coólica. 5. Rastreamento para dislipidemia
rádica. Não há evidências diretas demonstrando que a dosa-
gem rotineira de lípides consiga diminuir eventos cardiovas-
As causas de dislipidemia secundária são frequente-
culares, mas evidências indiretas sugerem que esses even-
mente encontradas na população e podem ser divididas em
tos podem diminuir com rastreamento em homens a partir
endócrinas e não endócrinas.
dos 35 anos e mulheres a partir dos 45 anos.
A - Endócrinas O objetivo primário no manejo dos pacientes com dislipi-
demia é o controle do LDL-colesterol. Após atingi-lo, a meta
- Diabetes mellitus: hipertrigliceridemia ou hiperlipide- é, idealmente, um HDL-colesterol maior que 40mg/dL para
mia mista. Há aumento da produção de VLDL e redu-
os homens e 50mg/dL para as mulheres e para pacientes dia-
ção do catabolismo de VLDL;
béticos. Os TG são o 3º objetivo, porém, em pacientes com
- Hipotireoidismo: hipercolesterolemia. Há diminuição
da depuração do LDL. As anormalidades no C costu- valores de TG acima de 500mg/dL, torna-se prioritário o seu
mam reverter após a correção do hipotireoidismo; controle pelo risco de pancreatite secundária à hipertrigli-
- Terapia com estrogênio: hipertrigliceridemia. Há au- ceridemia. Não é possível calcular os níveis de partículas de
mento da produção de VLDL; as mulheres pós-meno- C com a fórmula de Friedewald quando os níveis de TG são
pausa podem reduzir o LDL em 20 a 25%. No entanto, maiores que 400mg/dL. Nesses pacientes, pode-se utilizar o
não devem ser utilizados exclusivamente com essa C não HDL como indicador e meta terapêutica.
indicação devido ao discreto aumento do risco cardio- A hepatopatia colestática crônica, o diabetes e a síndro-
vascular com o uso prolongado; me nefrótica também podem tornar a fórmula imprecisa. A
- Terapia com glicocorticoide: hipercolesterolemia e/ IV Diretriz Brasileira sobre Dislipidemia publicada em 2007
ou hipertrigliceridemia. Há aumento da produção de recomenda a dosagem direta de LDL-C nesta população.
VLDL e conversão a LDL; O NCEP (National Cholesterol Education Program) re-
- Hipopituitarismo: hipercolesterolemia e hipertriglice- comenda a dosagem de C, HDL, LDL e TG a pacientes com
ridemia. Há aumento da produção de VLDL e conver- menos de 20 anos, repetindo dosagem a cada 5 anos, em
são a LDL; caso de presença de valores normais. Tal recomendação se
- Acromegalia: hipertrigliceridemia. Há aumento da justifica para o rastreamento das causas monogênicas de
produção de VLDL; dislipidemia, que podem causar eventos adversos em pa-
- Anorexia nervosa: hipercolesterolemia. Há diminuição cientes com menos de 20 anos. O ACP (American College
da excreção biliar de C e ácidos biliares; of Physicians) considera raridade esses casos, com conduta
- Lipodistrofia: hipertrigliceridemia. Há aumento da mais conservadora, e recomenda o rastreamento a partir
produção de VLDL. de 35 anos.

B - Não endócrinas
6. Risco cardiovascular e alvos do trata-
- Álcool: hipertrigliceridemia. Há aumento da produção
de VLDL; mento
- Uremia: hipertrigliceridemia. Há diminuição da depu- Para determinar os níveis lipídicos desejados, devem-se
ração de VLDL; seguir estes passos:

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DISLIPIDEMIA E FATORES DE RISCO PARA DOENÇA CARDIOVASCULAR

- 1º passo: • HAS;
Avaliar presença de doença aterosclerótica significativa • Baixo HDL-c (<40);
ou seus equivalentes: • História familiar de DCV em homem <55 anos ou em
• Doença arterial coronariana conhecida manifesta; mulher <65 anos;
• Doença arterial cerebrovascular; • Idade (homem ≥45 anos, mulher ≥55 anos).
• Doença aneurismática ou estenótica da aorta abdo- Deve-se acrescentar, também, que quando o HDL-c é
minal ou de seus ramos; maior que 60mg/dL, recomenda-se retirar um dos fatores

CARDIOLOGIA
• Doença arterial periférica; de risco. Dessa forma, o risco individual de eventos cardio-
• Doença arterial carotídea; vasculares em 10 anos pode ser dividido em:
• Diabetes mellitus tipo 1 ou 2. - Baixo risco (<10%): no máximo, 1 fator de risco;
- Risco moderado (de 10 a 20%): 2 ou mais fatores de
Pacientes com uma das características anteriores já de- risco;
vem ser classificados como de alto risco para apresentar - Alto risco (>20%): diabetes mellitus, DCV prévia ou
novo evento cardiovascular em 10 anos. Se o paciente se equivalente de risco cardiovascular.
enquadra nesse perfil, deve-se ir direto ao 4º passo.
Equivalentes de risco cardiovascular incluem manifesta-
- 2º passo: ções de formas não coronarianas de doença aterosclerótica
Avaliar o risco cardiovascular. Entre os indivíduos não (doença arterial periférica, aneurisma de aorta abdominal e
classificados como de alto risco no passo nº 1, deve-se esti- doença arterial carotídea).
mar o risco cardiovascular individual por meio dos fatores de A IV Diretriz Brasileira sobre Dislipidemia recomenda o
risco para doença cardiovascular. Assim, são considerados: uso do escore de Framingham para esta estratificação (Ta-
• Tabagismo; bela 4).

Tabela 4 - Adaptada da IV Diretriz Brasileira sobre Dislipidemia


Homens Mulheres
Idade Pontos Idade Pontos
20 a 34 -9 20 a 34 -7
35 a 39 -4 35 a 39 -3
40 a 44 0 40 a 44 0
45 a 49 3 45 a 49 3
50 a 54 6 50 a 54 6
55 a 59 8 55 a 59 8
60 a 64 10 60 a 64 10
65 a 69 11 65 a 69 12
70 a 74 12 70 a 74 14
75 a 79 13 75 a 79 16
Colesterol Idade Colesterol Idade
Total, Total,
20 a 39 40 a 49 50 a 59 60 a 69 70 a 79 20 a 39 40 a 49 50 a 59 60 a 69 70 a 79
mg/dL mg/dL
<160 0 0 0 0 0 <160 0 0 0 0 0
160 a 199 4 3 2 1 0 160 a 199 4 3 2 1 1
200 a 239 7 5 3 1 0 200 a 239 0 6 4 2 1
240 a 279 9 6 4 2 1 240 a 279 11 8 5 3 2
≥280 11 8 5 3 1 ≥280 13 10 7 4 2
Idade Idade
Fumo Fumo
20 a 39 40 a 49 50 a 59 60 a 69 70 a 79 20 a 39 40 a 49 50 a 59 60 a 69 70 a 79
Não 0 0 0 0 0 Não 0 0 0 0 0
Sim 8 5 3 1 1 Sim 9 7 4 2 1

11
CARD I OLOG I A

HDL-colesterol (mg/dL) Pontos HDL-colesterol (mg/dL) Pontos


≥60 -1 ≥60 -1
50 a 59 0 50 a 59 0
40 a 49 1 40 a 49 1
<40 2 <40 2
PA (sistólica, mmHg) Não tratada Tratada PA (sistólica, mmHg) Não tratada Tratada
<120 0 0 <120 0 0
120 a 129 0 1 120 a 129 1 3
130 a 139 1 2 130 a 139 2 4
140 a 159 1 2 140 a 159 3 5
≥160 2 3 ≥160 4 6
Escores de Risco de Framingham (ERF) para cálculo do risco absoluto de infarto e morte em 10 anos para homens e mulheres (fase 2) – continuação
Total de pontos Risco absoluto em 10 anos (%) Total de pontos Risco absoluto em 10 anos (%)
<0 <1 <9 <1
0 1 9 1
1 1 10 1
2 1 11 1
3 1 12 1
4 1 13 2
5 2 14 2
6 2 15 3
7 3 16 4
8 4 17 5
9 5 18 6
10 6 19 8
11 8 20 11
12 10 21 14
13 12 22 17
14 16 23 22
15 20 24 27
16 25 ≥25 ≥30
≥17 ≥30 - -

- 3º passo: fatores agravantes: • Insuficiência renal crônica;


A presença de fatores agravantes entre os pacientes • PCR de alta sensibilidade maior que 3mg/L.
classificados pelo escore de Framingham como baixo ou - Exame complementar com evidência de doença ate-
médio risco levam o indivíduo à categoria de risco imedia- rosclerótica subclínica:
tamente superior. Os fatores agravantes são:
• Escore de cálcio >100;
• História familiar de doença cardiovascular prematura;
• Espessamento da carótida;
• Síndrome metabólica;
• Micro ou macroalbuminúria; • Índice tornozelo-braquial <0,9.
• Hipertrofia ventricular esquerda; - 4º passo: metas terapêuticas e reavaliação do risco:
Tabela 5 - Adaptada da IV Diretriz Brasileira sobre Dislipidemia
Risco em 10 anos pelo escore de Meta terapêutica Medida Reavaliação
Framingham LDL-c Não HDL-c terapêutica inicial de metas
Baixo <10 % <160 <190 MEV 6 meses
Intermediário 10 a 20% <130 <160 MEV 3 meses
Alto ou diabéticos >20% <100 (opcional <70) <130 (opcional <100) MEV + terapia farmacológica 3 meses
Aterosclerose significativa >20 <70 <100 MEV + terapia farmacológica Individualizada
HDL-C TG
Homens ≥40 <150
Mulheres ≥50 <150
Diabéticos ≥50 <150
MEV: Mudança de Estilo de Vida.

12
DISLIPIDEMIA E FATORES DE RISCO PARA DOENÇA CARDIOVASCULAR

Os TG são considerados fatores de risco independentes tais, como óleo de oliva ou canola. Dentre os carboidratos,
para doença coronariana, e a classificação quanto a seus ní- deve-se preferir pelos alimentos integrais e pelas formas
veis é apresentada na Tabela 6. com menor índice glicêmico.
Tabela 6 - Classificação dos níveis de triglicérides
Classificação Nível
B - Álcool
Normal <150mg/dL Ingestão de álcool e mortalidade por DCV estão relacio-
Limítrofe 150 a 199mg/dL nadas, e o consumo excessivo determina aumento do risco

CARDIOLOGIA
Alto 200 a 499mg/dL de DCV, enquanto o consumo moderado (1 dose/dia para
Muito alto >500mg/dL mulheres e 2 para homens) está associado a redução do
risco cardiovascular. Consumos maiores aumentam o risco,
Outros fatores de risco menores e que não são usados
principalmente, de acidente vascular cerebral.
para tomada de decisão são:
- Obesidade;
- Sedentarismo; C - Perda de peso
- Dieta aterogênica; Além de melhorar o perfil lipídico, a perda de peso
- Lipoproteína A; tem grande influência nos demais fatores de risco car-
- Homocisteína;
- Fatores pró-inflamatórios e pró-trombóticos; diovascular envolvidos com o excesso de peso, como HAS
- Glicemia de jejum alterada; e DM. Uma redução no peso de 5 a 10% reduz o C total
- Evidência de doença aterosclerótica subclínica. em até 18%, TG em até 44%, LDL-C em até 22%, e au-
menta os níveis de HDL-C em até 27%. Hoje, é uma das
7. Tratamento não medicamentoso = mu- mais importantes medidas preventivas quanto ao risco
dança no estilo de vida cardiovascular.

A - Dieta D - Atividade física


Um dos principais elementos das modificações no es- A inatividade física contribui, substancialmente, com
tilo de vida é a dieta, que deve ser recomendada a todos os fatores de risco cardiovasculares lipídicos e não lipí-
os pacientes com alteração dos níveis de lípides. Somente dicos. Os níveis de HDL-C aumentam proporcionalmente
com a dieta, 60% dos pacientes têm 1,8% de diminuição do
com o nível de gasto energético. Os níveis de TG também
peso corpóreo, e de 5 a 7% de queda dos níveis de LDL.
Além disso, a dieta pode ajudar a modificar outros fatores sofrem uma diminuição importante, especialmente nos
envolvidos no desenvolvimento de DCV, como hipertensão, pacientes com altos níveis iniciais. A recomendação é que
diabetes e obesidade. A recomendação sugerida pelo NCEP os exercícios sejam realizados de 3 a 6 vezes por semana,
está na Tabela 7. em sessões de duração de 30 a 60 minutos.
Tabela 7 - Dieta recomendada pelo NCEP
Nutriente Recomendação 8. Tratamento medicamentoso
Gordura saturada <7% total calorias
A - Estatina (inibidor da HMG-CoA redutase)
Gordura poli-insaturada Até 10% total calorias
Gordura monoinsaturada Até 20% total calorias A estatina deve ser considerada medicação de 1ª esco-
Gordura total 25 a 35% total calorias lha para níveis altos de LDL-C, sejam primários ou secun-
Carboidrato 50 a 60% total calorias dários. Apresenta também o efeito cardioprotetor devido
Fibra 20 a 30g/dia a propriedades pleiotrópicas, envolvendo a biologia da ate-
Proteína 15% total calorias rosclerose (modulando imunorregulação, inflamação, coa-
Colesterol <200mg/dia gulação e resposta vasomotora).
Essa medicação inibe de maneira competitiva a enzima
O total de calorias deve proporcionar equilíbrio entre HMG-CoA redutase (Figura 2), que é o passo limitante na
ingestão e gasto de energia, a fim de manter o peso deseja-
síntese de C, levando à queda transitória dos níveis intra-
do ou prevenir ganho de peso. Entretanto, deve-se salientar
que atualmente é considerada mais importante a qualida- celulares, aumentando a síntese dos receptores celulares
de do alimento ingerido do que proporções fixas de cada de LDL, acelerando a remoção de LDL-c e TG. A medicação
alimento. Uma dieta pode apresentar concentrações mais aumenta de 5 a 10% os níveis de HDL-c e diminui em 20 a
altas de gorduras, desde que na forma de gorduras vege- 60% os níveis de LDL-c e 10 a 33% os níveis de TG.

13
CARD I OLOG I A

Tabela 9 - Apresentação comercial das principais estatinas


Estatina Apresentação comercial
- Lipitor – comprimido, 10 e 20mg;
Atorvastatina
- Citalor – comprimido, 10 e 20mg.
- Zocor – comprimido, 5, 10, 20 e 40mg;
Sinvastatina - Mivalen – comprimido, 5 e 10mg;
- Vaslip – comprimido, 5 e 10mg.
- Mevacor – comprimido, 10 e 20mg;
Lovastatina
- Reducol – comprimido, 20mg.
- Pravacol – comprimido, 10 e 20mg;
Pravastatina
- Mevalotin – comprimido, 10 e 20mg.
- Lescol – cápsula, 20 e 40mg;
Fluvastatina
- Lescol XL – cápsula, 80mg.

São medicações consideradas bem toleradas, sendo in-


comuns efeitos adversos significativos. Os principais são ce-
faleia, náuseas, alteração de sono, aumento de enzimas he-
páticas e de fosfatase alcalina, miosite e rabdomiólise (prin-
Figura 2 - Síntese de colesterol cipalmente, na presença de insuficiência renal, quando as-
sociadas a genfibrozila e ciclosporina). São contraindicadas
Não só para o tratamento da hipercolesterolemia e da na gestação, na amamentação, em doença hepática aguda
hiperlipidemia mista, o uso da estatina também tem sido e em aumento persistente inexplicável de transaminases.
recentemente estudado na osteoporose e na insuficiência Recomendam-se obter os níveis basais de CK total e
coronariana aguda, em que é notado o efeito potencializa- transaminases antes do início da terapia com estatinas. De-
dor na estabilização da placa, principalmente pela atorvas- vem-se repetir essas dosagens na 1ª reavaliação ou a cada
tatina. A posologia desse grupo medicamentoso é descrita aumento de dose.
na Tabela 8. Devem ser suspensas nos seguintes casos:
- Aumento progressivo de CK;
Tabela 8 - Posologia sugerida das estatinas
- Aumento superior a 10 vezes o limite superior do mé-
Melhor Alteração no todo ou manutenção de mialgia;
Dose
administrar LDL-C
- Sinais de hepatotoxicidade: icterícia, hepatomegalia, au-
10 a Redução de 37 a mento de bilirrubina direta e do tempo de protrombina;
Atorvastatina À noite
80mg/dia 55%
- Elevação de transaminases acima de 3 vezes o limite
20 a Redução de 27 a superior do método. Se assintomática, avaliar a redu-
Sinvastatina À noite
80mg/dia 42%
ção da dose ou suspensão da droga a critério clínico.
10 a Após refeição Redução de 21 a
Lovastatina
80mg/dia noturna 41%
B - Resinas sequestradoras de ácidos biliares
20 a Redução de 20 a
Pravastatina Ao deitar São medicações que se ligam aos ácidos biliares no intes-
40mg/dia 33%
20 a Redução de 15 a tino, diminuindo sua absorção no íleo terminal, reduzindo,
Fluvastatina Ao deitar assim, o pool hepático de ácidos biliares. Isso leva ao au-
80mg/dia 37%
mento da conversão de C em ácidos biliares nos hepatócitos.
Rosuvasta- 10 a Qualquer ho- Redução de 43 a
tina 40mg/dia rário 55% Dessa forma, ocorrem aumento da síntese e expressão dos
receptores de LDL-c, determinando uma queda dos níveis de
LDL-c. As resinas diminuem de 15 a 30% os níveis de LDL-
Há uma relação de equivalência terapêutica entre as -c e podem levar a um pequeno aumento do HDL-c. Devem
estatinas: 10mg de atorvastatina = 20mg de sinvastati- ser evitadas entre pacientes com hipertrigliceridemia, pois se
na = 40mg de lovastatina/pravastatina = 80mg de flu- observam, eventualmente, aumentos nos níveis de TG.
vastatina. Por serem medicações sem efeitos sistêmicos, são a úni-
O efeito é observado, em média, de 3 a 4 semanas após ca classe de droga aprovada para o tratamento de hiper-
o início do uso, podendo-se aumentar a dose após esse in- colesterolemia na infância. São, também, consideradas a
tervalo, caso não seja atingido o efeito desejado. Após uma opção de escolha para mulheres em idade fértil e utilizadas
redução inicial de 30 a 35% do LDL-c, cada vez que se dobra da seguinte forma:
a dose, obtém-se uma redução adicional de 6%. - Colestiramina: de 4 a 24g/dia, 30 minutos antes das
Algumas apresentações estão citadas na Tabela 9. refeições – única droga disponível no Brasil;

14
DISLIPIDEMIA E FATORES DE RISCO PARA DOENÇA CARDIOVASCULAR

- Colestipol: de 5 a 30g/dia, 30 minutos antes das re- dução dos níveis de triglicerídeos em 35 a 50% e podem elevar
feições; os níveis de HDL-c em 15 a 25%. Agem por meio da ativação do
- Colesevelam: 3,75g/dia, às refeições. fator de transcrição nuclear PPAR-alfa, levando a:
- Diminuição da síntese da apo-CIII;
A Tabela 10 sumariza as apresentações comerciais des- - Aumento da atividade da lipase lipoproteica;
sas medicações. - Aumento da transcrição da apo-AI (e consequente-
Tabela 10 - Apresentação comercial das resinas mente aumento do HDL-c) e da apo-AII;
- Aumento da remoção hepática de LDL.

CARDIOLOGIA
Resina Apresentação comercial
Colestiramina Questran pó – misturar com água. Como via final dessas alterações, ocorrem aumento do
Colestid – tablete de 1g, pacote com grânulos HDL-c e diminuição da trigliceridemia, do LDL-C e da coles-
Colestipol
de 5g. terolemia.
Colesevelam Welchol – tablete de 625mg. As principais indicações para a terapia com fibratos são
níveis de TG acima de 500mg/dL associados a medidas não
O efeito adverso mais comum é a alteração da função farmacológicas (recomendação classe I, nível de evidência
intestinal (plenitude abdominal, flatulência e constipação), A), disbetalipoproteinemia familiar e pacientes com baixos
que ocorre em 30% dos casos, sendo contraindicadas a pa- níveis de HDL-c. Dentre as medicações disponíveis, citam-se
cientes com obstrução biliar completa e obstrução intesti- genfibrozila, bezafibrato, fenofibrato, etofibrato, ciprofibra-
nal. Tais medicações podem levar ao aumento de enzimas to e clofibrato. Este último foi proscrito devido à associação
hepáticas e de fosfatase alcalina, de forma que se devem encontrada com colangiocarcinoma e outros cânceres gas-
monitorizar esses indivíduos. trintestinais.
O genfibrozila tem efeito modesto em diminuir LDL-c
C - Inibidores da absorção de colesterol (ezetimiba) em pacientes com hipercolesterolemia e pequeno efeito
O ezetimiba interfere na absorção intestinal do C, dimi- no LDL-c dos pacientes com hiperlipidemia mista. Além
nuindo o seu aporte ao fígado e levando a uma diminuição do disso, determina aumento do LDL-c em pacientes com
depósito hepático de C. Ocorre aumento do clearance sérico hipertrigliceridemia pura. Sua principal característica
de C por aumento do seu catabolismo endógeno. Quando usa- é a capacidade em aumentar HDL-c em pacientes com
do como monoterapia, reduz os níveis de LDL-c em 15 a 20%. altos níveis de TG, porém com pequenos aumentos em
Pode ser usado em associação a estatinas, levando a um acrés- pacientes com níveis normais de TG e baixos de HDL-c.
cimo de diminuição de LDL-c de até 14%. Tal associação tam- O fenofibrato apresenta efeito um pouco melhor na re-
bém mostrou um decréscimo dos níveis de proteína C reativa. dução de LDL-c em relação ao genfibrozila. A posologia e
A grande indicação são casos em que os níveis de redu- as apresentações dessas medicações estão descritas nas
ção do LDL-c estão subótimos, principalmente quando se Tabelas 11 e 12.
desejam evitar doses altas de estatinas, ou quando a dose Recomenda-se evitar a associação do genfibrozila a es-
máxima já foi atingida, sem que os níveis de LDL-c estejam tatinas pelo aumento do risco de rabdomiólise.
satisfatórios. A dose utilizada é de 10mg, e deve ser tomada
1 vez ao dia, com ou sem a refeição. Tabela 11 - Posologia dos fibratos
Apesar de ser um coadjuvante importante para atingir Fibrato Dose
Melhor momento de
as metas propostas, ainda não existem estudos clínicos con- administração
sistentes que demonstrem a redução de eventos cardiovas- Genfibrozila
- 600mg, (2 vezes - 30 minutos antes das
culares com o seu uso. ao dia)*. refeições.
Efeitos adversos clinicamente significativos são inco- - 200mg, (3 vezes - Durante ou após as
muns, ocorrendo entre 1 e 10%. Pode haver diarreia, dor Bezafibrato ao dia)**; refeições;
- 400mg. - À noite.
abdominal, artralgia, lombalgia, fadiga, tosse e sinusite. O
uso em associação a estatinas pode levar a um aumento - 250mg, dose
Fenofibrato - À noite.
única.
das transaminases um pouco maior que o uso isolado de
Fenofibrato mi- - 200mg, dose
estatinas. No 1º caso, devem-se realizar provas de função - À noite.
cronizado única.
hepática antes e depois da introdução da droga.
- À noite;
Ciprofibrato - 100mg, dose única.
- Longe da refeição.
D - Fibratos
Etofibrato - 500mg, dose única. - À noite, ao jantar.
Os fibratos são as drogas de maior eficácia a pacientes com * A dose pode ser diminuída para 900mg antes do jantar, caso os
hipertrigliceridemia e baixos níveis de HDL-c. A eficácia da sua níveis de TG desejados sejam atingidos.
ação está relacionada com a magnitude dos níveis de TG. No ** Em caso de sensibilidade gástrica, iniciar com um comprimido
entanto, quanto maior o nível, menor a probabilidade de nor- e aumentar, gradativamente, para 3. Caso os níveis ideais de TG
sejam atingidos, pode-se diminuir para 2 vezes ao dia.
malização com o tratamento por fibratos. São associados à re-

15
CARD I OLOG I A

Tabela 12 - Apresentações comerciais dos fibratos um complexo insolúvel com os ácidos biliares (mecanismo
Fibrato Apresentação de ação semelhante aos sequestradores de ácidos biliares).
Genfibrozila - Lopid – comprimido, 600 e 900mg. b) Probucol
- Cedur – comprimido, 200mg;
Bezafibrato Esta droga diminui a síntese hepática e a secreção de
- Cedur Retard – comprimido, 400mg.
- Lipanon Retard – comprimido, 250mg;
VLDL, além de diminuir a captação de LDL por via inde-
Fenofibrato pendente do receptor. Estimula a atividade da proteína de
- Lipidil – cápsula, 200mg.
- Lipless – comprimido, 100mg; transferência do C (CETP), o que leva à redução do HDL. In
Ciprofibrato vitro, demonstra grande capacidade em aumentar a resis-
- Oroxadin – comprimido, 100mg.
Etofibrato - Tricerol – comprimido. tência do LDL à oxidação, diminuindo a sua modificação em
formas mais aterogênicas. A administração é via oral, e a
Os fibratos são medicações geralmente bem toleradas. eliminação é biliar. A dose diária é de 1g, dividida no almoço
Os efeitos adversos mais relatados são distúrbios gastrin- e no jantar. Deposita-se no tecido adiposo, sendo sua libe-
testinais. Dor, fraqueza muscular, diminuição da libido, ração muito lenta. Atualmente, é pouco usada como mono-
erupção cutânea e distúrbios do sono são outros efeitos re- terapia, mais utilizada como antioxidante.
latados. Além desses, os fibratos parecem estar envolvidos c) Ácidos graxos ômega-3 (óleos de peixe)
no aumento de cálculos biliares.
Agem pela inibição da síntese de VLDL e de apolipopro-
E - Ácido nicotínico teína B, podendo reduzir os níveis de TG em até 50% e ele-
var discretamente os níveis HDL-c. São indicados aos casos
O ácido nicotínico age por meio da inibição hepática da de hipertrigliceridemia refratária e encontrados em cápsu-
produção de VLDL, levando à diminuição do LDL-c. Diminui las de 500 e 1.000mg, com teor de ômega-3 de 30 a 50%.
a transformação de HDL-c em VLDL, aumentando, assim, os
níveis de HDL. Também está associado à diminuição dos ní- d) Terapia de reposição hormonal (estrogênica)
veis séricos de plasminogênio. A medicação obtém diminui- A Terapia de Reposição Hormonal (TRH) em mulheres
ção de 5 a 25% nos níveis de LDL-c, de 20 a 50% nos níveis pós-menopausadas proporciona efeito benéfico no perfil
de TG e aumento de 15 a 35% nos níveis de HDL-c. lipídico, com redução de 15% no LDL-C, 20% na Lp(a), 24%
Deve ser iniciado com 100mg, 2 vezes ao dia, aumentan- nos TG e aumento de 10 a 15% no HDL-C. Apesar do te-
do-se gradualmente até a dose-alvo tolerada (dose máxima órico benefício cardiovascular, isso não foi confirmado no
de 1,5 a 2g, divididos em 3 vezes ao dia). É administrado estudo Women’s Health Initiative, nem no estudo HERS. A
durante a refeição, para diminuir os efeitos colaterais de TRH pode até ser prejudicial, não sendo recomendada para
flushing (rubor e prurido cutâneo) e náuseas. A administra- prevenção primária ou secundária.
ção prévia de aspirina também diminui a ocorrência de tais e) Aspirina
efeitos. As apresentações comerciais incluem:
O estudo HOT sugeriu que há benefício potencial com o
- Olbetam: cápsula – 250mg; uso de aspirina para prevenir eventos cardiovasculares. Seu
- Niaspan: cápsula – 500mg, 750mg, 1000mg; uso é recomendado pela US Task Force quando o risco de
- Slo-Niacin: cápsula – 250mg, 500mg, 750mg; evento cardiovascular é maior que 6% em 10 anos. Já a AHA
- Ácido nicotínico: comprimido – 50mg, 100mg, 250mg, (American Heart Association) recomenda o uso se o risco
500mg. de evento cardiovascular é maior que 10%. Apesar disso,
Os efeitos adversos são frequentes, e a droga não é apenas 14% das pessoas com 1 ou mais fatores de risco car-
tolerada em até 10% dos pacientes. Os mais comuns são diovasculares estão em uso de AAS.
relacionados à mediação por prostaglandinas, como rash f) Antioxidantes
cutâneo, desconforto gastrintestinal e mialgia. Pode levar Não há evidências de que suplementos de vitaminas
à piora do controle glicêmico, bem como ao aumento de antioxidantes (vitamina E, C ou beta-caroteno) previnam
homocisteína e de ácido úrico. É contraindicado na presen- manifestações clínicas da aterosclerose, portanto não são
ça de doença hepática, úlcera péptica ativa, hipotensão se- recomendados.
vera e hemorragia arterial. E deve ser evitado em etilistas,
pacientes com insuficiência coronariana, DM, doença renal,
gota e história pregressa de doença hepática. 9. Situações especiais
F - Outras drogas A - Pacientes com HDL baixo
O HDL-c baixo está associado a doença aterosclerótica.
a) Neomicina O estudo VA-HIT demonstrou benefício com uso de fibrato
Na dose de 2g/dia, a neomicina reduz os níveis de LDL- para aumentar o HDL-c em pacientes com LDL-c não au-
-c e de Lp(a) em cerca de 25%. Age através da formação de mentado. Nesses casos, o uso dos fibratos é considerado de

16
DISLIPIDEMIA E FATORES DE RISCO PARA DOENÇA CARDIOVASCULAR

escolha, e a niacina é 2ª opção naqueles sem diabetes ou a competição com o plasminogênio pelos receptores espe-
intolerância à glicose. cíficos, com diminuição da ativação e geração do plasmino-
gênio na superfície do trombo. Além disso, tal lipoproteína
B - Pacientes com hipertrigliceridemia se liga aos macrófagos através de receptores de alta afinida-
Recomenda-se tratar a hipertrigliceridemia quando em de, facilitando o depósito de C nas placas ateroscleróticas.
níveis acima de 150mg/dL, procurando enfatizar as medi-
das gerais de dieta e atividade física quando os níveis estão B - Doença renal crônica

CARDIOLOGIA
entre 150 e 199mg/dL. Quando ultrapassam 200mg/dL, o É recomendado na literatura que a doença renal crôni-
tratamento da hipertrigliceridemia passa a ser objetivo se- ca seja considerada equivalente de risco coronariano, pois
cundário no tratamento, enfatizando a importância de tratar, uma análise mostrou chance de eventos próxima a 20% em
primariamente, o LDL-c elevado e, posteriormente, o HDL-c 2,8 anos.
baixo. Contudo, nesses pacientes, considera-se introduzir in-
tervenção medicamentosa adjuvante às medidas gerais. C - Microalbuminúria
Quando os níveis ultrapassam 500mg/dL, os TG passam
a ser objetivo primordial do tratamento, com combinação Vários estudos demonstraram aumento de risco car-
de terapia medicamentosa (ácido nicotínico ou fibratos) diovascular nos pacientes com microalbuminúria positiva.
com medidas gerais. Acredita-se que isso reflita dano vascular, sendo marcador
Níveis de TG acima de 1.000mg/dL podem causar pan- precoce de lesão endotelial.
creatite aguda, e a hipertrigliceridemia é responsável por
cerca de 1,3 a 3,8% desses casos. A maioria de tais pacien- D - Hiper-homocisteinemia
tes tem TG em níveis superiores a 4.000mg/dL. Os indivídu- É associada a aumento de risco cardiovascular tanto em
os com hipertrigliceridemia importante e sintomas sugesti- estudos de caso-controle quanto em estudos prospectivos.
vos de pancreatite devem permanecer em repouso até que Contudo, pacientes que receberam terapia dirigida com áci-
os níveis de TG fiquem abaixo de 1.000mg/dL. do fólico e vitaminas B6 e B12 não apresentaram benefício.
C - Pacientes HIV positivo E - Terapia antioxidante
A dislipidemia relacionada à infecção pelo HIV apresen- Sabe-se que o LDL oxidado está associado a aumento do
ta característica altamente aterogênica apresentando HDL risco de desenvolver aterosclerose. Apesar dos benefícios
baixo, LDL e TG altos. teóricos da terapia antioxidante, vários estudos realizados
Um recente estudo demonstrou a presença de hiperco-
com uso de vitamina E, vitamina C ou beta-caroteno não
lesterolemia em 27% dos indivíduos em terapia antirretroviral
demonstraram benefício com a intervenção.
com IP, em 23% dos pacientes que recebiam somente inibi-
dores da transcriptase reversa não análogos de nucleosídeos
F - Fatores de coagulação
(NNRTI) e 10% no grupo tratado apenas com NRTI, quando
comparado com 8% nos indivíduos sem terapia antirretroviral. Níveis de fibrinogênio são importantes preditores do ris-
A correspondência desses dados para hipertrigliceridemia foi co cardiovascular, mas ainda não foi determinado se esse é
de 40, 32 e 23%, respectivamente, quando em comparação um fator independente de risco cardiovascular. Dados pre-
com os 15% dos indivíduos que não recebiam tratamento. liminares, como D-dímero, parecem também ser associa-
As estatinas como a sinvastatina, lovastatina e atorvasta- dos a aumento de eventos, assim como fator de von Wille-
tina são metabolizadas pelo citocromo P-450 isoforma 3A4, o brand, aumento da trombomodulina e diminuição do fator
qual é inibido pelos IPs, entretanto a pravastatina e o ezetimi- ativador do plasminogênio.
ba podem ser boas alternativas pelo metabolismo alternativo.
Nos casos de associação entre drogas antirretrovirais e antili- G - Proteína C reativa
pemiantes (fibratos e/ou estatinas), é fundamental uma rigo-
A PCR e outros marcadores inflamatórios associam-se
rosa monitorização da função renal, das enzimas hepáticas e
a aumento de risco de doença cardiovascular. Um estudo
da creatinofosfoquinase (CPK) pela potencialização dos efeitos
nefrotóxicos, hepatotóxicos e miotóxicos dessas medicações. publicado na Circulation em 2001 demonstrou que as es-
tatinas diminuem em 20% os níveis de PCR. Um 2º estudo,
publicado no New England Journal Of Medicine, demons-
10. Outros fatores de risco para ateroscle- trou que as estatinas reduzem a mortalidade no subgrupo
rose e DCV de pacientes com PCR elevado e LDL normal.

A - Lipoproteína A H - Síndrome metabólica


Trata-se da forma específica de LDL-c formado no extra- O estudo WOSCOPS encontrou risco 1,7 vez maior de
celular, com interferência no processo de fibrinólise devido evento cardiovascular no grupo com síndrome metabólica e

17
CARD I OLOG I A

3,5 vezes mais chance de DM. Outros estudos demonstraram


associação semelhante. O diagnóstico de síndrome metabóli-
ca é feito tendo a obesidade abdominal como critério obriga-
tório, somado a pelo menos mais 2 critérios entre os expos-
tos a seguir: hipertrigliceridemia, HDL-c baixo, hipertensão
arterial e glicemia de jejum alterada ou tratamento para DM.

I - Hiperuricemia
Está associada a aumento de risco cardiovascular, mas
não se sabe se tem relação causal com aterosclerose ou se
é apenas um marcador de atividade do processo.

J - LDL pequenas e densas


A presença de partículas pequenas e densas de LDL pode
estar relacionada a aspectos da síndrome metabólica, e alguns
estudos mostraram melhora angiográfica da coronariopatia
após melhora do seu tamanho. No entanto, continua incerto
se a mudança no tamanho das partículas de LDL, além da re-
dução no seu número absoluto, traz benefícios clínicos.

K - Outros fatores
Vários outros fatores se associam a aumento de risco
cardiovascular, como:
- Hipertrofia de ventrículo esquerdo;
- Taquicardia ao repouso;
- Espessamento de artérias e relação íntima/média;
- Doenças do colágeno;
- Alterações retinianas;
- Peptídio natriurético cerebral;
- Acúmulo de ferro.

11. Resumo
Quadro-resumo
- Dislipidemia é importante fator de risco para doença cardiovas-
cular;
- Em pacientes com dislipidemia, deve-se avaliar a possibilidade
de dislipidemia secundária;
- A decisão de iniciar estatinas depende da estimativa de risco de
cada paciente e dos fatores de risco que esse paciente apresenta;
- O HDL-c aumentado implica diminuição do risco de eventos car-
diovasculares;
- O LDL-c é o principal alvo no tratamento da dislipidemia;
- Em pacientes com níveis de TG maiores que 500mg/dL, essa pas-
sa a ser a prioridade do tratamento;
- Pacientes com hipertrigliceridemia podem beneficiar-se do uso
de fibratos;
- Aspirina está indicada a pacientes com risco aumentado de even-
tos cardiovasculares;
- O tratamento medicamentoso depende do perfil da dislipidemia;
- Há outros fatores de risco cardiovascular, como microalbuminú-
ria, PCR e hiper-homocisteinemia, contudo ainda restam dúvidas
se a intervenção modifica o risco.

18
CAPÍTULO

3
Hipertensão arterial sistêmica

José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado

1. Introdução muitas vezes difícil e necessita do uso combinado de várias


drogas, o que tem impacto na redução da adesão ao trata-
A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é uma doença
mento medicamentoso.
que representa um dos maiores problemas em saúde pú-
blica no Brasil e no mundo, gerando elevado custo médico-
-social, principalmente por sua participação em complica- 2. Fisiopatologia
ções como na doença cerebrovascular, na Doença Arterial Apesar de não estarem muito bem estabelecidos todos
Coronariana (DAC), na Insuficiência Cardíaca (IC), na insu- os mecanismos associados à HAS, existem 2 teorias que ex-
ficiência renal crônica, na retinopatia hipertensiva e na in- plicam a maioria dos casos: a neurogênica e a do desbalan-
suficiência vascular periférica. É uma condição clínica mul- ço na absorção de sódio e água.
tifatorial caracterizada por níveis elevados e sustentados da A teoria neurogênica sustenta a ideia de que o sistema
Pressão Arterial (PA). Tem alta prevalência e baixas taxas de nervoso autônomo teria o seu set point pressórico alterado
controle, sendo importante problema de saúde pública. para um patamar mais elevado, determinando elevação da
No Brasil, desde a década de 1960, as doenças cardio- PA. A teoria do desbalanço do controle da absorção de só-
vasculares têm superado as doenças infectocontagiosas dio sustenta a ideia de que ocorre perda da capacidade de
como a principal causa de morte, com certa participação da excreção adequada de sódio frente à quantidade de sódio
HAS nesse fato. ingerido, determinando retenção de sódio e de água.
A HAS é um dos fatores mais relevantes para o desen- O sistema renina-angiotensina-aldosterona é o prin-
volvimento de doenças cardiovasculares. Alguns autores cipal mecanismo de regulação da pressão arterial. Em si-
consideram que 40% das mortes por AVC e 25% das mortes tuações de hipoperfusão renal, (1) ocorre a liberação da
por DAC são decorrentes de HAS. renina, uma enzima renal. Por sua vez, a renina (2) ativa
No país, em 2003, 27,4% dos óbitos foram decorrentes a angiotensina (3), um hormônio que provoca contração
de doenças cardiovasculares, atingindo 37% quando exclu- das paredes musculares das pequenas artérias (arterío-
ídos os óbitos por causas mal definidas e violência. A prin- las), aumentando a PA. A angiotensina também desenca-
cipal causa de morte de origem cardiovascular em todas as deia a liberação do hormônio aldosterona pelas glândulas
regiões é o AVC, acometendo as mulheres em maior pro- suprarrenais (4), provocando a retenção de sódio e a ex-
porção. Um dos principais desafios no tratamento da hiper- creção de potássio. O sódio promove a retenção de água
tensão é a realização do diagnóstico precoce devido à ine- e, dessa forma, provoca a expansão do volume sanguíneo
xistência de sintomas precoces específicos. Dos pacientes e o aumento da pressão arterial. Esse é o principal sistema
com diagnóstico de hipertensão, atingir o alvo terapêutico é de modulação da PA.

19
CARD I O LOG I A

não há como utilizar o fator genético para predizer o


risco de desenvolvimento da HAS.

4. Diagnóstico
A medida da PA deve ser feita em toda consulta médi-
ca, porém isso nem sempre é feito corretamente. Deve ser
aferida com manguito apropriado para a circunferência do
braço (o cuff insuflável deve recobrir, pelo menos, 80% da
circunferência do braço), com repouso de, no mínimo, 5 a
10 minutos e abstinência de nicotina, álcool e cafeína de
ao menos 30 minutos. Devem ser realizadas medidas nos
2 braços, considerando a medida de maior valor para re-
ferência e certificando-se de que o indivíduo não está de
bexiga cheia, pernas cruzadas e nem praticou exercícios nos
últimos 90 minutos. Todos esses fatores podem influenciar
a medida da PA.
Para indivíduos com idade superior a 18 anos, o diag-
nóstico de HAS é feito sempre que se obtêm 2 ou mais
Figura 1 - Regulação da pressão arterial: sistema renina-angioten- medidas de pressão diastólica, em 2 visitas subsequentes,
sina-aldosterona iguais ou acima de 90mmHg ou pressão sistólica maior ou
igual a 140mmHg. Como pode haver grande labilidade da
pressão arterial, as medidas devem ser feitas em diferen-
3. Fatores de risco tes ocasiões ao longo de semanas ou meses, a menos que
Existem vários fatores de risco para desenvolvimento ocorram sintomas.
da HAS e a maioria pode ser eliminada apenas com hábitos Há situações em que a medida de PA pode estar fal-
saudáveis e cuidados com a saúde. samente elevada, decorrente de estresse ou outros fato-
- Idade: existe relação direta entre idade e desenvolvi- res, principalmente de aspecto psicológico. Nesses casos,
mento de HAS; acima de 65 anos, a prevalência é de pode-se lançar mão de 2 artifícios diagnósticos: a Medida
60%; Residencial da Pressão Arterial (MRPA) ou a Medida Am-
bulatorial de Pressão Arterial (MAPA). O objetivo desses
- Gênero e etnia: até os 50 anos, a prevalência é maior artifícios é minimizar ao máximo o estresse da visita ao mé-
em homens, invertendo-se esta tendência após esta
dico, o desconforto do exame e da medida da PA e permitir
idade. Também é mais prevalente nas raças não bran-
maior número de medidas, oferecendo ideia mais precisa
cas. No Brasil, mulheres negras têm o dobro da inci-
da variação da PA durante o dia. O aumento transitório da
dência de HAS do que mulheres brancas;
PA associado a estresse ou ansiedade não constitui doença
- Sobrepeso e obesidade: mesmo em jovens, a obesi- hipertensiva, mas pode indicar propensão para HAS no fu-
dade aumenta o risco de HAS; o aumento de 2,4kg/m2 turo. As principais indicações de MAPA são:
acima do IMC adequado já eleva o risco de HAS; - Suspeita de hipertensão do consultório ou do avental
- Ingesta de sal: a ingesta excessiva de sal está associa- branco;
da a HAS; já foram identificadas populações indígenas - Suspeita de episódios de hipotensão arterial sintomá-
onde o sal não faz parte da dieta e não foram encon- tica.
trados casos de HAS; Avaliação da eficácia da terapêutica:
- Álcool: o consumo excessivo de álcool determina ele- - Quando a PA casual permanecer elevada, apesar da
vação da PA e aumento da mortalidade cardiovascular otimização do tratamento anti-hipertensivo para diag-
em geral; nóstico de hipertensão arterial resistente ou efeito do
- Sedentarismo: a atividade física protege o indivíduo avental branco;
de desenvolver HAS, mesmo em pré-hipertensos; - Quando a PA casual estiver controlada e houver in-
dícios da persistência ou da progressão de lesão de
- Fatores socioeconômicos: no Brasil, a HAS é mais pre- órgãos-alvo.
valente em pessoas com baixa escolaridade;
- História familiar: a contribuição de fatores genéticos A seguir, observe o fluxograma para diagnóstico de HAS
no desenvolvimento da HAS é bem estabelecida, mas no segmento ambulatorial.

20
HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA

CARDIOLOGIA
Figura 2 - Avaliação de normotensos com lesão de órgãos-alvo

A seguir, os procedimentos adequados para a aferição Procedimento de medida da pressão arterial


da PA (Tabela 1). 1 - Medir a circunferência do braço do paciente.
2 - Selecionar o manguito de tamanho adequado ao braço.
Tabela 1 - Metodologia correta para aferição da PA
3 - Colocar o manguito sem deixar folgas, cerca de 2 a 3cm acima
Preparo do paciente para medida da pressão arterial da fossa cubital.
1 - Explicar o procedimento ao paciente. 4 - Centralizar o meio da parte compressiva do manguito sobre a
2 - Oferecer repouso de, pelo menos, 5 minutos em ambiente calmo. artéria braquial.
3 - Evitar bexiga cheia. 5 - Estimar o nível da pressão sistólica (palpar o pulso radial e inflar
4 - Não praticar exercícios físicos 60 a 90 minutos antes. o manguito até o seu desaparecimento, desinflar rapidamente
e aguardar 1 minuto antes da medida).
5 - Não ingerir bebidas alcoólicas, café ou alimentos e não fumar
30 minutos antes. 6 - Palpar a artéria braquial na fossa cubital e colocar a campânula
do estetoscópio sem compressão excessiva.
6 - Manter pernas descruzadas, pés apoiados no chão e dorso
recostado na cadeira e permanecer relaxado. 7 - Inflar rapidamente até ultrapassar de 20 a 30mmHg o nível
7 - Remover roupas do braço no qual será colocado o manguito. estimado da pressão sistólica.

8 - Posicionar o braço na altura do coração (nível do ponto médio 8 - Proceder à deflação lentamente (velocidade de 2 a 4mmHg/s).
do esterno ou 4ª espaço intercostal), apoiado, com a palma 9 - Determinar a pressão sistólica na ausculta do 1º som (fase I de Ko-
da mão voltada para cima e o cotovelo ligeiramente fletido. rotkoff), que é um som fraco seguido de batidas regulares, e, pos-
9 - Solicitar para que não fale durante a medida. teriormente, aumentar ligeiramente a velocidade de deflação.

21
CARD I O LOG I A

Procedimento de medida da pressão arterial - Acelerada: hipertensão acentuada, associada a perda


10 - Determinar a pressão diastólica no desaparecimento do som rápida da função renal, exsudatos ou hemorragias no
(fase V de Korotkoff).
exame do fundo do olho, sem papiledema;
11 - Auscultar cerca de 20 a 30mmHg abaixo do último som para
- Maligna: hipertensão acentuada com papiledema e ne-
crose fibrinoide da camada íntima das pequenas artérias;
confirmar seu desaparecimento e depois proceder à defla-
ção rápida e completa. - Complicada: HAS associada à lesão de órgãos-alvo:
AVE, ICC, IRC, IAM e aneurismas.
12 - Se os batimentos persistirem até o nível zero, determinar a
pressão diastólica no abafamento dos sons (fase IV de Ko-
rotkoff) e anotar valores da sistólica/diastólica/zero. 6. Avaliação
13 - Esperar de 1 a 2 minutos antes de novas medidas. A análise de exames gerais do paciente recém-diagnos-
14 - Informar os valores de pressão arterial obtidos para o paciente. ticado permite uma melhor compreensão do contexto da
15 - Anotar os valores e o membro. HAS (Tabela 4).

A partir dos valores encontrados, deve-se orientar o Tabela 4 - Avaliação laboratorial do paciente com HAS
paciente para nova aferição e avaliação clínica, conforme Avaliação inicial de rotina para hipertenso
a Tabela 2. - Análise de urina;
- Potássio plasmático;
Tabela 2 - Recomendações para reavaliação da PA
- Creatinina plasmática*;
Pressão arterial inicial (mmHg) - Glicemia de jejum;
Seguimento
Sistólica Diastólica - Colesterol total, HDL e triglicérides plasmáticos**;
Reavaliar em 1 ano. Estimular - Ácido úrico plasmático;
<130 <85
mudanças no estilo de vida.
- Eletrocardiograma convencional;
Reavaliar em 6 meses. Insistir
130 a 139 85 a 89 - Pacientes hipertensos diabéticos, hipertensos com síndrome
em mudanças no estilo de vida.
metabólica e hipertensos com 3 ou mais fatores de risco: re-
Confirmar em 2 meses. Consi- comenda-se pesquisa de microalbuminúria – índice albumina/
140 a 159 90 a 99
derar MAPA/MRPA. creatinina em amostra isolada de urina (mg de albumina/g de
Confirmar em 1 mês. Conside- creatinina ou mg de albumina/mmol de creatinina);
160 a 179 100 a 109
rar MAPA/MRPA.
- Normal <30mg/g ou <2,5mg/mmol;
Realizar intervenção medica- - Microalbuminúria: de 30 a 300mg/g ou de 2,5 a 25mg/mmol;
≥180 ≥110 mentosa imediata ou reavaliar
em 1 semana. - Pacientes com glicemia de jejum entre 100 e 125mg/dL: reco-
menda-se determinar a glicemia 2 horas após sobrecarga oral
De acordo com o valor pressórico encontrado, o pacien- de glicose (75g);
te é classificado por estágios da HAS, conforme a Tabela 3. - Em hipertensos estágios 1 e 2 sem hipertrofia ventricular es-
querda ao ECG, mas com 3 ou mais fatores de risco, considerar
Tabela 3 - Classificação da PA, de acordo com a medida casual em o ecocardiograma para a detecção de hipertrofia ventricular
consultório (>18 anos) esquerda;
Pressão sistólica Pressão diastólica - Para hipertensos com suspeita clínica de insuficiência cardíaca,
Classificação
(mmHg) (mmHg) considerar o ecocardiograma para a avaliação das funções sistólica
Ótima <120 <80 e diastólica.
Normal <130 <85 * Calcular a Taxa de Filtração Glomerular Estimada (TFGE) pela
fórmula de Cockroft-Gault 57: TFGE (mL/min) = (140 - idade) x
Limítrofe 130 a 139 85 a 89
peso (kg) / creatinina plasmática (mg/dL) x 72 para homens;
Estágio 1 140 a 159 90 a 99 para mulheres, multiplicar o resultado por 0,85. Interpretação:
Hiper- Estágio 2 160 a 179 100 a 109 função renal normal: >90mL/min; disfunção renal leve: 60 a
tensão Estágio 3 ≥180 ≥110 90mL/min; disfunção renal moderada: 30 a 60mL/min e disfun-
ção renal grave: <30mL/min.
Estágio 4 ≥140 <90
** O LDL-c é calculado pela fórmula: LDL-c = colesterol total - HDL-
-c – triglicérides/5 (quando a dosagem de triglicérides for abaixo
5. Classificação de 400mg/dL).
- Essencial: não tem causa identificada; corresponde à Estabelecido o diagnóstico de HAS, a avaliação do pa-
grande maioria dos casos; ciente deve ser focada em 3 aspectos:
- Secundária: representa de 5 a 10% dos casos, em que
uma causa secundária é associada à gênese da hiper- 1 - Estratificação de risco de doença cardiovascular: a
tensão. Muitas vezes, essas causas são curáveis, resol- estratificação de risco de pacientes com HAS é feita con-
vendo a HAS; siderando os níveis pressóricos, a presença de fatores de

22
HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA

risco para doença cardiovascular e a lesão de órgãos-alvo 3 - Determinação da probabilidade de causa secundá-
(Figura 3), conforme a Tabela 5. A partir da estratificação, ria: deve-se suspeitar de hipertensão de causa secundária
estabelece-se a abordagem terapêutica. nos casos de início precoce (antes dos 30 anos), tardio (após
os 50 anos), ausência de história familiar, descontrole ines-
perado da PA e hipertensão refratária. Outros sinais podem
estar presentes e estão listados na Tabela 6.
Tabela 6 - Indícios de HAS secundária

CARDIOLOGIA
- Início da hipertensão antes dos 30 anos ou após os 50 anos;
- Hipertensão arterial grave (estágio 3) e/ou resistente à terapia;
- Tríade do feocromocitoma: palpitações, sudorese e cefaleia em crises;
- Uso de medicamentos e drogas que possam elevar a pressão arterial;
- Fácies ou biótipo de doença que cursa com hipertensão: doen-
ça renal, hipertireoidismo, acromegalia e síndrome de Cushing;
- Presença de massas ou de sopros abdominais;
- Assimetria de pulsos femorais;
- Aumento da creatinina sérica ou taxa de filtração glomerular
estimada diminuída;
- Hipopotassemia espontânea;
- Exame de urina anormal (proteinúria ou hematúria);
- Sintomas de apneia durante o sono.

São causas de HAS secundária:


Figura 3 - Acometimento de órgãos-alvo na doença hipertensiva - Uso de estrogênios: mais comum em mulheres acima
dos 35 anos. Em geral, a PA retorna ao normal algumas
Tabela 5 - Componentes para a estratificação do risco individual semanas após a suspensão da medicação;
dos pacientes - Doença renal: causa mais comum de HAS secundária,
Identificação dos fatores de risco cardiovasculares pode ser resultado de doença glomerular, tubular, do-
- Fatores de risco maiores: ença policística ou nefropatia diabética;
· Tabagismo; - Doença renovascular: representa de 1 a 2% dos pacien-
· Dislipidemias; tes hipertensos. Em jovens, a causa mais comum é a
· DM;
· Nefropatia; displasia fibromuscular. No restante, deve-se à doença
· Idade acima de 60 anos; aterosclerótica da porção proximal das artérias renais;
- História familiar de doença cardiovascular em: pode ser uni ou bilateral (25% dos casos – Figura 4).
· Mulheres com menos de 65 anos;
· Homens com menos de 55 anos.
Lesões em órgãos-alvo e doenças cardiovasculares
- Doenças cardíacas:
· Hipertrofia do ventrículo esquerdo;
· Angina ou infarto agudo do miocárdio prévio;
· Revascularização miocárdica prévia;
· Insuficiência cardíaca.
- Episódio isquêmico ou acidente vascular cerebral;
- Nefropatia;
- Doença vascular arterial de extremidades;
- Retinopatia hipertensiva;
- Demência vascular.

2 - Avaliação complementar – seus objetivos são:


- Confirmar o diagnóstico de HAS;
- Avaliar lesões de órgãos-alvo; Figura 4 - Hipertensão arterial sistêmica renovascular por estenose
- Identificar fatores de risco para doenças cardiovascu- bilateral de artérias renais

lares; Deve-se suspeitar de doença renovascular em casos de


- Diagnosticar doenças associadas à HAS; início precoce (antes dos 30 anos), tardio (após 50 anos),
- Diagnosticar causas secundárias. presença de sopro abdominal (epigástrico), presença de in-

23
CARD I O LOG I A

suficiência arterial periférica e piora de função renal com Tabela 8 - Identificação de fatores de risco associados a lesões em
inibidores da enzima de conversão. órgãos-alvo
O exame de eleição para o diagnóstico é a arteriografia; - Hipertrofia do ventrículo esquerdo;
testes não invasivos, como a ultrassonografia com Doppler - Angina do peito ou infarto agudo do miocárdio prévio;
de artérias renais, cintilografia renal com DTPA (com ou sem
- Revascularização miocárdica prévia;
teste do captopril) e a angiorressonância também podem
ser utilizados. - Insuficiência cardíaca;
Para a doença fibromuscular, o tratamento de escolha é - Acidente vascular cerebral;
a angioplastia com stent. Na doença aterosclerótica, grande - Isquemia cerebral transitória;
parte dos indivíduos permanece hipertensa, mesmo após - Alterações cognitivas ou demência vascular;
restauração do fluxo renal; a angioplastia é indicada apenas
- Nefropatia;
quando há hipertensão refratária ou perda de função renal.
- Feocromocitoma: caracteristicamente, apresenta-se - Doença vascular arterial de extremidades;
de forma episódica e se acompanha de intensos sinais - Retinopatia hipertensiva.
de ativação adrenérgica; - A pacientes com 3 ou mais fatores de risco cardiovascular, con-
- Hiperaldosteronismo primário: geralmente, por ade- siderar marcadores mais precoces da lesão de órgãos-alvo,
noma de suprarrenal ou hiperplasia; deve-se suspeitar como:
na presença de hipocalemia e baixo nível de renina · Microalbuminúria (índice albumina/creatinina em amostra
plasmática. Antes considerado causa rara de hiperten- isolada de urina);
são, alguns acreditam ser a principal causa de hiper- · Parâmetros ecocardiográficos: remodelação ventricular, fun-
tensão secundária atualmente. ção sistólica e diastólica;
· Espessura do complexo íntimo-média da carótida (ultrassom
Outros distúrbios endócrinos, como a síndrome de
vascular);
Cushing, a acromegalia, o hipertireoidismo e o hipotireoi-
· Rigidez arterial;
dismo também podem iniciar sua apresentação com HAS.
· Função endotelial.
A coarctação da aorta é uma situação rara em adultos. E
a HAS associada a gestação também caracteriza uma forma
Após a classificação do risco de evento cardiovascular
secundária de hipertensão.
do hipertenso, é necessário determinar metas pressóricas a
serem atingidas com o tratamento da HAS.
7. Tratamento
A decisão terapêutica considera, além de valores pressóri- Tabela 9 - Metas terapêuticas do paciente hipertenso
cos, outros fatores, como a presença de lesão em órgãos-alvo Metas de valores da pressão a serem obtidas com o tratamento
e fatores de risco maiores associados a doenças cardiovascu- Meta
lares. A estratégia terapêutica, assim como as metas pressó- Categorias
(no mínimo)
ricas a serem atingidas, é determinada pela estratificação de
Hipertensos estágios 1 e 2 com risco cardio-
risco cardiovascular do paciente, como descrito na Tabela 7. <140x90mmHg
vascular baixo e médio
Tabela 7 - Estratificação de risco individual do paciente hipertenso Hipertensos e limítrofes com risco cardiovas-
Risco cardiovascular adicional de acordo com os níveis da cular alto
pressão arterial e a presença de fatores de risco, Hipertensos e limítrofes com risco cardiovas-
lesões de órgãos-alvo e doença cardiovascular cular muito alto, ou com 3 ou mais fatores
Fatores de risco Pressão arterial de risco 130x80mmHg
Hiperten- Hiperten- Hiperten-
Nor- Limítro- Diabetes mellitus
são são são
mal fe Síndrome metabólica ou lesão de órgão-alvo
estágio 1 estágio 2 estágio 3
Sem fator Sem risco adi- Risco Risco Hipertensos nefropatas com proteinúria >1g/L
Risco alto
de risco cional baixo médio
1 a 2 fato- Risco Risco Risco Risco
Risco Após a classificação do risco cardiovascular e da defini-
muito ção de metas terapêuticas do paciente hipertenso, é neces-
res de risco baixo baixo médio médio
alto
sária a indicação da estratégia terapêutica (Tabela 10).
3 ou mais
fatores de
Risco Risco Tabela 10 - Estratégia terapêutica para o paciente hipertenso, a
risco ou Risco
mé- Risco alto Risco alto muito partir do seu risco cardiovascular
lesão de alto
dio alto
órgãos-alvo Decisão terapêutica da hipertensão arterial segundo o risco
ou DM cardiovascular
Doença Risco Risco Risco
Risco Risco mui- Categoria de risco Estratégia
cardiovas- muito muito muito
alto to alto Sem risco adicional Tratamento não medicamentoso isolado
cular alto alto alto

24
HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA

Categoria de risco Estratégia Tabela 12 - Mudanças nos hábitos de vida e seus impactos nos
valores da PA
Tratamento não medicamentoso isolado
Risco baixo por até 6 meses. Se não atingir a meta, Redução apro-
Modificação Recomendação
associar tratamento medicamentoso. ximada na PAS
Risco médio, alto ou Tratamento não medicamentoso + medi- Manter o peso do corpo 5 a 20mmHg
muito alto camentoso. na faixa normal (índice de para cada 10kg
Controle de peso
massa corporal entre 18,5 de peso redu-
Inicia-se sempre o tratamento com medidas não far- e 24,9kg/m2). zido

CARDIOLOGIA
macológicas como orientação dietética (Dieta DASH – Diet Consumir dieta rica em
Approach to Stop Hypertension) e estímulo à atividade fí- frutas e vegetais e ali-
sica. Essas modificações nos hábitos de vida são mais efi- mentos com baixa densi-
Padrão alimentar 8 a 14mmHg
cientes em se tratando de casos leves e moderados. dade calórica e baixo teor
de gorduras saturadas e
Tabela 11 - Dieta DASH totais.
- Escolher alimentos que possuam pouca gordura saturada, co- Reduzir a ingestão de
lesterol e gordura total. Por exemplo, carne magra, aves e pei- sódio para não mais de
xes, utilizando-os em pequena quantidade; 100mmol/dia = 2,4g de
Redução de con-
sódio (6g de sal/dia = 4 2 a 8mmHg
- Comer muitas frutas e hortaliças, aproximadamente de 8 a 10 sumo de sal
colheres de café rasas de
porções/dia (1 porção = 1 concha média);
sal = 4g + 2g de sal próprio
- Incluir 2 ou 3 porções de laticínios desnatados ou semidesna- dos alimentos).
tados por dia;
Limitar o consumo a 30g/
- Preferir os alimentos integrais, como pão, cereais e massas in- Moderação no
dia de etanol para os
tegrais ou de trigo integral; consumo de ál- 2 a 4mmHg
homens e 15g/dia para
cool
- Comer oleaginosas (castanhas), sementes e grãos, de 4 a 5 por- mulheres.
ções/semana (1 porção = 1/3 de xícara ou 40g de castanhas, 2 Habituar-se à prática
colheres de sopa ou 14g de sementes, ou 1/2 xícara de feijões regular de atividade física
ou ervilhas cozidas e secas; aeróbica, como cami-
Exercício físico 4 a 9mmHg
- Reduzir a adição de gorduras. Utilizar margarina light e óleos nhadas por pelo menos
vegetais insaturados (como, azeite, soja, milho, canola); 30 minutos por dia, 3 a 5
vezes/semana.
- Evitar a adição de sal aos alimentos. Evitar, também, molhos e
caldos prontos, além de produtos industrializados;
- Diminuir ou evitar o consumo de doces e bebidas com açúcar.
8. Tratamento farmacológico
O objetivo do tratamento de HAS é, prioritariamente,
As principais medidas são restrição de sal, controle do reduzir a morbidade e a mortalidade por doenças cardio-
peso, restrição de álcool, restrição ao tabagismo, suplemen- vasculares. O anti-hipertensivo ideal deve apresentar ca-
tação de Ca, K, Mg e prescrição de atividade física. Após tais racterísticas como tratamento em dose única, baixo custo
orientações, há a prescrição de medicação, lembrando que e poucos efeitos colaterais. Infelizmente, não há, até agora,
o controle dos níveis pressóricos deve ser mais rigoroso nos droga para monoterapia com todas as características do
medicamento ideal. Algumas classes específicas de drogas
diabéticos, coronariopatas e pacientes com hipertrofia ven-
têm indicação preferencial em determinados pacientes por
tricular esquerda, pois estes têm maior risco de progressão
adicionarem benefícios ao controle e à evolução de outras
para lesão de órgãos-alvo. doenças associadas.
Hipertensos com excesso de peso devem ser incluídos
Tabela 13 - Forte indicação para escolha terapêutica da HAS
em programas de emagrecimento com restrição da inges-
Situação clínica Medicamento
tão calórica e aumento de atividade física. A meta é alcan-
çar índice de massa corporal inferior a 25kg/m2 e circun- DM tipo 1 com protei-
IECA
núria
ferência da cintura inferior a 102cm para homens e 88cm
DM tipo 2 IECA – inibidor AT2
para mulheres, embora a diminuição de 5 a 10% do peso
corporal inicial já seja suficiente para reduzir a pressão ar- ICC IECA, beta-bloqueador e diuréticos
terial sistólica em hipertensos leves. A seguir, as medidas de Pós-IAM Beta-bloqueador e IECA
mudança do estilo de vida e seu impacto sobre os valores HAS sistólica isolada Diuréticos e bloqueadores de canais
(idosos) de cálcio
pressóricos (Tabela 12).

25
CARD I O LOG I A

Tabela 14 - Escolha terapêutica preferencial em situações especiais eventos mórbidos. Drogas de escolha na IC e na disfunção
Negros Diuréticos / bloqueadores de canais de cálcio ventricular assintomática, não alteram a glicemia e o perfil
Diurético + betabloqueador, bloqueadores de canais lipídico, sendo bem tolerados durante o uso. Podem de-
Idosos
de cálcio, IECA e BRA sencadear tosse seca, angioedema, elevação transitória da
Alfa-metildopa, bloqueio de canais de cálcio, beta- ureia e da creatinina (em especial na presença de estenose
Gestantes
bloqueadores bilateral das artérias renais). Drogas como captopril, enala-
pril, lisinopril e ramipril têm essa ação.
As classes disponíveis para tratamento são:
E - Inibidores de receptor de angiotensina II
A - Diuréticos
Há evidências de que possam reduzir risco cardiovas-
São drogas seguras, de baixo custo, amplamente utili-
cular em indivíduos hipertensos, diabéticos e com insufi-
zadas e aparentam melhor efeito em negros e idosos. São
ciência cardíaca. Seu custo mais elevado e efeito protetor
recomendadas como 1ª escolha para monoterapia ou asso-
semelhante limitam seu uso a pacientes que desenvolvem
ciação a outra categoria de drogas e podem ter benefício
tosse com IECA. No entanto, parece haver menor incidência
adicional em ICC e IRC. Os efeitos colaterais mais comuns
de efeitos colaterais. Drogas como losartana, candesartana
são hiperuricemia, hiperglicemia, aumento de LDL, rash
e irbesartana pertencem a este grupo.
cutâneo, hipocalemia e impotência. Drogas que pertencem
a tal grupo são a furosemida, a hidroclorotiazida e a clorta-
F - Agentes de ação simpatolítica central
lidona.
Metildopa e clonidina têm seu uso reduzido para a hi-
B - Beta-bloqueadores pertensão severa, não controlada com as outras categorias
de drogas. Agem estimulando os adrenorreceptores cen-
Mais utilizados em jovens, trazem benefício adicional
trais, diminuindo o fluxo simpático e gerando vasodilatação
a pacientes com angina estável, infarto agudo prévio, ma-
e redução da frequência cardíaca. Há baixa adesão de tra-
nifestações somáticas de ansiedade, enxaqueca e IC (ape-
tamento devido aos efeitos colaterais (impotência sexual,
nas para carvedilol, bisoprolol e metoprolol). Associados a
vasodilatadores, evitam a taquicardia reflexa. Devem ser depressão, anemia hemolítica e teste de Coombs positivo)
usados com cautela em casos de diabetes, dislipidemias, e ao risco de hipertensão rebote quando o uso é interrom-
bloqueios atrioventriculares e doença pulmonar obstrutiva. pido abruptamente.
Seus efeitos colaterais mais comuns são fadiga, indisposi-
ção, depressão, broncoespasmo, bradiarritmias, insônia,
G - Vasodilatadores arteriolares diretos
impotência sexual, hipertrigliceridemia, hiperglicemia, des- Seus principais representantes são a hidralazina e o
compensação de IC e de insuficiência arterial periférica. minoxidil. Podem causar taquicardia reflexa e, quando
Também bloqueiam a resposta fisiológica à hipoglicemia suspensos, produzir hipertensão rebote. São utilizados na
e retardam a neoglicogênese, podendo mascarar os sinais hipertensão de difícil controle, principalmente quando em
clínicos da hipoglicemia. São drogas deste grupo o propra- associação à alteração renal.
nolol, o atenolol, o carvedilol e o metoprolol. A seguir, são listados efeitos benéficos do uso de deter-
minadas classes de medicações no controle de outras doen-
C - Bloqueadores de canal de cálcio ças associadas (Tabela 15), assim como efeitos indesejáveis
Têm boa indicação para coronariopatas, com efeito me- em algumas associações (Tabela 16).
lhor em negros e idosos, principalmente para controle da Tabela 15 - Possível efeito benéfico adjacente para nortear escolha
hipertensão leve e moderada. Nifedipina, amlodipina, vera- terapêutica
pamil e diltiazem pertencem a tal grupo. Situação clínica Medicamento
Angina Beta-bloqueador e bloqueador de cálcio
D - Inibidores da Enzima Conversora de Angio-
tensina (IECA) Doença ateroscle-
IECA
rótica
São pouco eficazes em negros, mas têm sua eficácia Fibrilação atrial Beta-bloqueador
melhorada quando associada ao diurético. São os agentes Tremor essencial Beta-bloqueador
de escolha em pacientes com DM tipo 1 com microalbumi- Enxaqueca Beta-bloqueador e bloqueador de cálcio
núria ou proteinúria, assim como disfunção renal. Há indi-
Osteoporose Tiazídicos
cação, também, para pacientes com DM tipo 2 e alteração
Prostatismo Bloqueador alfa (prazosina)
renal. Em pacientes com alto risco de eventos cardiovascu-
lares, são capazes de reduzir a mortalidade e o número de IRC IECA – inibidor AT2

26
HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA

Tabela 16 - Provável efeito indesejável da escolha terapêutica Posologia Número


Situação clínica Medicamento de to-
Medicamentos
Broncoespasmo Beta-bloqueador Mínima Máxima madas/
Depressão Beta-bloqueador e agonista alfa central dia
Gota Diurético Anlodipino 2,5 10 1
Bloqueio atrioventri- Beta-bloqueador e bloqueador de canal Felodipino 5 20 1a2
cular de cálcio (não diidropiridínico) Isradipina 2,5 20 2

CARDIOLOGIA
Alfa-bloqueador, bloqueador de canal Lacidipino 2 8 1
ICC
de cálcio e beta-bloqueador Diidropiri- Lercarnidipino 10 30 1
Doença vascular pe- dinas Manidipino 10 20 1
Beta-bloqueador
riférica Nifedipino Oros 30 60 1
Gravidez IECA e inibidor AT2 Nifedipino Retard 20 60 2a3
IRC Agentes poupadores de K Nisoldipino 5 40 1a2
Doença renovascular Nitrendipino 10 40 2a3
IECA e inibidor AT2
bilateral
Benazepril 5 20 1
Captopril 25 150 2a3
Cilazapril 2,5 5 1
Delapril 15 30 1a2
Enalapril 5 40 1a2
Inibidores
Fosinopril 10 20 1
da ECA
Lisinopril 5 20 1
Perindopril 4 8 1
Quinapril 10 20 1
Ramipril 2,5 10 1
Trandolapril 2 4 1
Candesartana 8 32 1
Bloquea- Irbesartana 150 300 1
dores de Losartana 25 100 1
receptor Olmesartana 20 40 1
AT1 Telmisartana 40 160 1
Figura 5 - Algoritmo geral: tratamento da hipertensão Valsartana 80 320 1
Inibidor
Tabela 17 - Drogas para HAS e suas doses terapêuticas direto da Alisquireno 150 300 1
renina
Posologia Número
Alfametildopa 500 1.500 2a3
de to-
Medicamentos Clonidina 0,2 0,6 2a3
Mínima Máxima madas/ Inibidores
dia adrenérgi- Guanabenzo 4 12 2a3
cos (ação Moxonidina 0,2 0,6 1
Clortalidona 12,5 25 1 central)
Tiazídicos Rilmenidina 1 2 1
Hidroclorotiazida 12,5 25 1
(diuréti- Reserpina 12,5 25 1a2
Indapamida 2,5 5 1
cos) Atenolol 25 100 1a2
Indapamida SR 1,5 5 1
Bisoprolol 2,5 10 1a2
Bumetanida 0,5 - 1a2
Carvedilol 12,5 50 1a2
Alça Furosemida 20 - 1a2 Inibidores Metoprolol e meto-
Piretanida 6 12 1 adrenérgi- 50 200 1a2
prolol (ZOK)
Amilorida 2,5 10 1 cos (beta-
Poupa- Nadolol 40 120 1
-bloquea-
dores de Espironolactona 25 100 1a2 dores) Nebivolol 5 10 1
potássio Triantereno 50 100 1 Propranolol/propra- 2 a 3/1
40/80 240/160
Benzotia- Diltiazem AP, SR ou nolol (LA) a2
180 480 1a2
zepinas CD Pindolol 10 40 1a2

27
CARD I O LOG I A

Posologia
Número Cardiovasculares
de to- - Edema agudo de pulmão;
Medicamentos
Mínima Máxima madas/ - Síndromes coronarianas agudas.
dia Crises adrenérgicas graves
Inibidores Doxazosina 1 16 1 - Crise de feocromocitoma;
adrenérgi- Prazosina 1 20 2a3 - Ingestão de cocaína e catecolaminérgicos.
cos (alfa-
Prazosina XL 4 8 1 Associadas à gestação
-bloquea-
dores) Terazosina 1 20 1a2 - Eclâmpsia;
Vasodila- Hidralazina 50 150 2a3 - Hipertensão maligna e acelerada (considerar emergência).
tadores Urgências hipertensivas
diretos Minoxidil 2,5 80 2a3
Hipertensão associada a
Bloque-
- Insuficiência coronariana crônica;
adores
dos canais - Insuficiência cardíaca;
Verapamil Retard 120 480 1a2
de cálcio - Aneurisma de aorta;
(fenilalqui- - AVCI (prévio);
laminas)
- Glomerulonefrites agudas;
- Pré-eclâmpsia.
9. Hipertensão arterial resistente
As urgências hipertensivas caracterizam-se por níveis
Quando o paciente aderente ao tratamento não res-
pressóricos elevados, geralmente com níveis de PA sistólica
ponde à terapia combinada de 3 classes diferentes (obri-
>200mmHg e/ou PA diastólica >120mmHg, sem sinais evi-
gatoriamente uma delas é um diurético) fica caracterizada
dentes de lesão de órgãos-alvo ou piora de lesão prévia. As
a hipertensão resistente. Nesta condição, devem-se buscar drogas podem ser administradas via oral, e utilizam-se ben-
causas que determinem este comportamento como obesi- zodiazepínicos para ansiedade e analgésicos para dor. Caso
dade, consumo excessivo de álcool, apneia do sono e cau- não haja controle da PA com essas medidas, podem-se uti-
sas secundárias de hipertensão. Na ausência destes fatores lizar bloqueadores de canais de cálcio, beta-bloqueadores,
de refratariedade, a associação de espironolactona e sim- diuréticos de alça e inibidores da ECA.
patolíticos centrais e beta-bloqueadores é recomendada. A seguir, um breve relato a respeito de algumas pato-
logias.
10. Emergência hipertensiva
A - Dissecção aguda de aorta
As emergências caracterizam-se pela presença de sofri-
mento tecidual de órgãos-alvo, com iminente risco de vida A dissecção de aorta é classificada em tipo A, se envolve
ao paciente, em geral, mas não necessariamente associa- a aorta ascendente, e tipo B, se não a envolve. Em geral,
do a altos níveis pressóricos. É o caso da encefalopatia hi- as dissecções proximais (tipo A) acontecem em indivíduos
com anormalidades do colágeno (por exemplo, síndrome
pertensiva, da cardiopatia isquêmica, do edema agudo de
de Marfan), e as dissecções distais (tipo B) em indivíduos
pulmão, da dissecção de aorta e do AVC. São situações de
com HAS de longa data. As dissecções tipo A respondem
gravidade clínica acentuada, e o tratamento deve acontecer
melhor ao tratamento cirúrgico, enquanto as do tipo B ao
no ambiente da sala de emergência ou da terapia intensiva
tratamento clínico, embora ambas devam ser estabilizadas
com infusão de drogas intravenosas, como o nitroprussiato
com tratamento clínico emergencial.
de sódio.
Tabela 18 - Principais causas de emergências e urgências hiper-
tensivas
Emergências hipertensivas
Neurológicas
- Encefalopatia hipertensiva;
- Hemorragia intraparenquimatosa;
- Hemorragia subaracnóidea.
Cardiovasculares
- Dissecção aguda de aorta;
- Infarto agudo do miocárdio; Figura 6 - Dissecções de aorta; (A) ascendente e (B) descendente

28
HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA

O quadro clínico manifesta-se por dor torácica severa, na dose de 0,15mg/kg, iniciando-se com 1 a 2mg IV em 5
de início agudo, quase sempre anterior (retroesternal), ir- minutos, e repetindo-se a dose conforme necessário. Pode-
radiando-se frequentemente para o dorso (interescapular, -se utilizar o metoprolol (Seloken®), iniciando-se com 5mg
inicialmente) e algumas vezes para o abdome, acompanha- a cada 3 a 5 minutos para atingir a FC necessária (em geral,
da de sintomas adrenérgicos. Essa apresentação ocorre em 15mg). É importante lembrar o alívio da dor, que pode ser
90% dos casos e se deve à dissecção propriamente dita. alcançado com morfina, em doses de 3 a 6mg IV, até atingir
Complicações da dissecção podem produzir outros sinto- analgesia adequada.

CARDIOLOGIA
mas, como síncope, sintomas neurológicos focais, sinais de
isquemia em outros órgãos, insuficiência cardíaca, tampo- B - Encefalopatia hipertensiva
namento cardíaco e paraplegia. O fluxo sanguíneo cerebral é autorregulado dentro de
Ao exame físico, o paciente parece estar em choque, limites específicos. Em indivíduos normotensos, o fluxo
mas a PA quase sempre está elevada. Os pulsos podem sanguíneo cerebral permanece constante entre PA média
apresentar-se assimétricos, e a PA medida em ambos os (PAm) de 60mmHg a 120mmHg. Quando a PAm ultrapas-
braços pode apresentar diferença significativa. É possível sa o limite superior da capacidade de autorregulação do
ouvir sopro de regurgitação aórtica, podendo-se encontrar fluxo sanguíneo, há a hiperperfusão cerebral, levando a
sinais de tamponamento cardíaco e derrame pleural. uma disfunção endotelial, quebra da barreira hematoen-
O ECG pode mostrar sinais de hipertrofia ventricular cefálica com aumento da permeabilidade, edema cerebral
esquerda decorrente da HAS crônica, ser normal ou, even- e micro-hemorragias. Em indivíduos normotensos, sinais
tualmente, mostrar isquemia miocárdica aguda, predomi- de encefalopatia podem ocorrer com PA tão baixa quanto
nantemente nas derivações inferiores, quando a dissecção 160x100mmHg, enquanto indivíduos com HAS de longa
envolve o óstio coronariano direito. Já a radiografia de tórax data, por terem sua curva de autorregulação desviada para
pode mostrar um alargamento de mediastino e um contor- a direita, podem não apresentar sinais e sintomas de ence-
no aórtico anormal; é possível encontrar, ainda, sinais de falopatia com PAs = 220x110mmHg ou maiores.
derrame pericárdico e pleural. O exame normal não afasta A encefalopatia hipertensiva pode ser definida como
o diagnóstico. uma síndrome cerebral orgânica aguda que resulta da falên-
O diagnóstico final pode ser obtido com a angiotomo- cia do limite superior da autorregulação vascular cerebral.
grafia de tórax ou o ecocardiograma transesofágico (sen- Clinicamente, caracteriza-se por início agudo ou subagudo
sibilidade de 98%), eventualmente, com ressonância ou de letargia, confusão, cefaleia, distúrbios visuais (incluindo
angiografia. O ecocardiograma transtorácico também pode amaurose) e convulsões (podem ser focais, generalizadas
ser usado, porém apresenta uma sensibilidade menor (75% ou focais com generalização). Em geral, a encefalopatia está
para dissecções do tipo A e apenas 40% para dissecções do associada à HAS não tratada ou subtratada. Uma série de
tipo B). Para pacientes instáveis, deve-se utilizar o ecocar- outras circunstâncias pode estar associada à hipertensão
diograma transtorácico e, se não diagnosticada a dissecção, arterial, como doença renal, terapia imunossupressora, uso
o transesofágico. de eritropoetina e Púrpura Trombocitopênica Trombótica
O principal fator que determina o risco de dissecção, a (PTT) ou eclâmpsia.
progressão da dissecção e suas complicações, além da pres- O fundo de olho é obrigatório, devendo-se procurar
são arterial, é o ritmo de aumento da onda de pulso aórtico por papiledema, hemorragias e exsudatos. Deve-se reali-
(dP/dT – variações da pressão em relação ao tempo), que zar TC de crânio para diagnóstico diferencial com AVC. Em
tem, como principais determinantes, a amplitude da pres- geral, a encefalopatia hipertensiva não produz sintomas
são de pulso e a Frequência Cardíaca (FC). neurológicos focais, ao contrário dos AVCs isquêmicos e
Assim, o tratamento clínico deve incluir, simultanea- hemorrágicos.
mente, a redução da PA sistólica (para próximo de 100 a O tratamento pode ser realizado com nitroprussiato de
110mmHg) e a do fluxo aórtico pulsátil (dP/dT), o que pode sódio e anticonvulsivantes (fenitoína ou benzodiazepínicos),
ser obtido com um anti-hipertensivo de ação rápida, como em caso de convulsões. Na 1ª hora de tratamento, o obje-
o nitroprussiato de sódio, e de um beta-bloqueador paren- tivo é reduzir de cerca de 20% a PAm ou uma PA diastólica
teral, como o propranolol ou o metoprolol, para atingir uma de 100mmHg (atingindo o valor mais alto dessas 2 opções).
FC = 60bpm. É importante lembrar que o beta-bloqueador Deve-se ter muito cuidado com hipertensos de longa data e
associado a vasodilatador é imprescindível, uma vez que o idosos, em quem uma redução abrupta da PA pode causar
uso de um vasodilatador isoladamente pode levar a uma ta- isquemia cerebral por redução significativa do fluxo sanguí-
quicardia reflexa aumentando a dP/dT e produzindo resul- neo cerebral. Em caso de piora do estado neurológico, de-
tados deletérios ao paciente. O propranolol pode ser usado ve-se suspender ou reduzir a infusão do anti-hipertensivo.

29
CARD I O LOG I A

C - Hipertensão maligna

A hipertensão maligna caracteriza-se por necrose fibrinoide das arteríolas e proliferação miointimal das pequenas artérias,
manifestadas por neurorretinopatia e doença renal. É uma doença incomum nos dias de hoje, ocorrendo em, aproximadamen-
te, 1% dos hipertensos. Sua mortalidade, se não tratada adequadamente, chega a 90% em 1 ano. Clinicamente, caracteriza-se
por hipertensão e alterações de fundo de olho (retinopatia graus III e IV de Keith-Wagener), especialmente o papiledema (grau
IV). Além disso, pode haver:
- Sintomas gerais: astenia, mal-estar, fadiga e perda de peso são muito frequentes;
- Sintomas cardiovasculares: ICC (apresentação inicial em 11% dos pacientes) e doença coronariana;
- Sintomas neurológicos: cefaleia, tontura, encefalopatia hipertensiva e AVCs.
O envolvimento renal é comum, varia em gravidade e pode variar de proteinúria não nefrótica a franca perda de
função renal. Há creatinina acima de 2,3mg/dL em 31% dos pacientes na apresentação. O tratamento da hipertensão
maligna deve ser realizado prontamente, entretanto pode variar na dependência da forma de apresentação. Assim,
em pacientes com hipertensão maligna não complicada (sintomas gerais, como papiledema, mas sem grande perda de
função renal ou sintomas cardiovasculares ou neurológicos importantes), pode-se considerá-la uma urgência hiperten-
siva, e a redução da PA é possível mais lentamente ao longo de 24 a 48h, com anti-hipertensivos via oral. Contudo, se
a hipertensão maligna é complicada por outras emergências como insuficiência coronariana aguda, edema agudo de
pulmão ou encefalopatia hipertensiva, deve-se considerá-la uma verdadeira emergência hipertensiva e devem-se usar
medicações parenterais, como o nitroprussiato de sódio, com o cuidado de não reduzir excessiva e abruptamente a PA.
Deve-se estar atento, ainda, ao balanço hidroeletrolítico e à função renal, pois a depleção volêmica é muito comum entre
esses pacientes.

Tabela 19 - Achados de história e exame físico das diferentes emergências hipertensivas


Emergência hipertensiva Anamnese Exame físico Comentários
- Estertores pulmonares;
- Paciente angustiado e com dificul- - Às vezes, podem ocorrer sibilos
- Baixa saturação de oxigênio;
dade para falar; importantes, deixando dúvidas
Edema agudo de pulmão - B3 e/ou B4;
- Geralmente, já apresenta algum com o diagnóstico diferencial de
- Pode ter estase de jugulares
grau de disfunção ventricular. asma.
(não é obrigatório).
- Dor ou sensação de opressão
- B4 presente; - A caracterização minuciosa da
Síndrome Coronariana precordial;
- Pobres achados propedêuti- dor é a etapa mais importante na
Aguda (SCA) - Pode ser acompanhada de náuse-
cos geralmente. investigação de SCA.
as, dispneia e sudorese fria.
- Pode ter pulsos assimétricos;
- Dor lancinante, pode ser precor-
Dissecção aguda de aorta - Pode ter sopro diastólico em - É fundamental diferenciar de SCA.
dial ou irradiar-se para as costas.
foco aórtico.
- Letargia, cefaleia, confusão, distúr-
- Pode não ter qualquer acha- - Usualmente, é necessário excluir
Encefalopatia hipertensiva bios visuais e convulsões, todos com
do ao exame físico. AVC com tomografia.
início agudo ou subagudo.
- Astenia, mal-estar, oligúria, sinto- - Potencialmente fatal, seu diagnósti-
Hipertensão maligna mas vagos cardiovasculares e/ou - Fundo de olho: papiledema. co rápido só é possível com exame
neurológicos. de fundo de olho.
Acidente vascular encefá-
- Diagnóstico diferencial com várias
lico isquêmico candidato - Súbita alteração neurológica (ge- - Alterações no exame neuro-
outras condições clínicas, como
a trombólise ou hemor- ralmente, motora ou sensitiva). lógico.
hipo ou hiperglicemia.
rágico
- Gestante após a 20ª semana de
- Diagnóstico prévio de pré-eclâmp-
Eclâmpsia gestação ou até a 6ª semana após - sia e que desenvolve convulsões.
o parto.

30
HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA

CARDIOLOGIA
Figura 7 - Condições clínicas na hipertensão e papiledema

Tabela 20 - Drogas para uso em emergências hipertensivas


Medicamentos Dose Início Duração Efeitos adversos e precauções Indicações
Náuseas, vômitos, intoxicação
Nitroprussiato de por cianeto. Cuidado na insu- Maioria das emer-
sódio (vasodilatador 0,25 a 10mg/kg/min IV Imediato 1 a 2min ficiência renal e hepática e na gências hiperten-
arterial e venoso) pressão intracraniana alta. Hipo- sivas.
tensão grave.
Insuficiência coro-
Nitroglicerina (vaso- Cefaleia, taquicardia reflexa,
nariana, insufici-
dilatador arterial e 5 a 100mg/min IV 2 a 5min 3 a 5min taquifilaxia, flushing, meta-
ência ventricular
venoso) -hemoglobinemia.
esquerda.
Taquicardia, cefaleia, vômitos.
Hidralazina (vaso-
10 a 20mg IV ou 10 a Piora da angina e do infarto. Cui-
dilatador de ação 10 a 30min 3 a 12h Eclâmpsia
40mg IM 6/6h dado com pressão intracraniana
direta)
elevada.
Insuficiência coro-
Metoprolol (bloque- 5mg IV (repetir Bradicardia, bloqueio atrioven- nariana. Dissecção
ador beta-adrenérgi- 10/10min, se necessá- 5 a 10min 3 a 4h tricular avançado, insuficiência aguda de aorta
co seletivo) rio até 20mg) cardíaca, broncoespasmo. (em combinação
com NPS).
Ataque: 500μ/kg, infu- Dissecção aguda
Esmolol (bloqueador são intermitente: 25 a de aorta (em
beta-adrenérgico 50μ/kg/min. Náuseas, vômitos, BAV 1º grau, combinação com
1 a 2min 1 a 20min
seletivo de ação ↑ 25μ/kg/min cada espasmo brônquico, hipotensão. NPS). Hipertensão
ultrarrápida) 10 a 20min. Máximo: pós-operatória
300μg/kg/min grave.

31
CARD I O LOG I A

Medicamentos Dose Início Duração Efeitos adversos e precauções Indicações


Insuficiência ven-
Furosemida (diuré- 20 a 60mg (repetir tricular esquerda.
2 a 5min 30 a 60min Hipopotassemia
tico) após 30min) Situações de hi-
pervolemia.
Fentolamina (blo-
Infusão contínua: 1 a Taquicardia reflexa, flushing, Excesso de cate-
queador alfa-adre- 1 a 2min 3 a 5min
5mg. Máximo 15mg tontura, náuseas, vômitos. colaminas.
nérgico)
NPS: nitroprussiato de sódio.

11. Resumo
Quadro-resumo
- A forma de aferição da PA deve ser corretamente aplicada, pois os critérios diagnósticos da HAS são dependentes da forma de aferição;
- Os critérios para definição de HAS são baseados na aferição pressórica em 2 consultas consecutivas;
- A partir dos valores da PA, fatores de risco associados e existência de lesão em órgãos-alvo, as metas dos valores pressóricos a serem
atingidos são diferentes;
- A existência de fatores de risco, história ou alterações laboratoriais sugestivas de causa secundária da HA demandam investigação;
- O reforço na adesão às medidas de mudanças dos hábitos de vida e o uso adequado das medicações devem ser sempre estimulados
no paciente hipertenso.

32
CAPÍTULO
Síncope

4 Rodrigo Antônio Brandão Neto / José Paulo Ladeira / Fabrício Nogueira Furtado

1. Introdução e definições 2. Epidemiologia


A síncope é definida como a perda súbita e breve da O maior estudo epidemiológico sobre o assunto consis-
consciência e do tônus postural, com recuperação espontâ- tiu em um seguimento de 822 pacientes no estudo de coor-
nea e sem sequelas neurológicas. Quase todas as formas de te de Framingham; por cerca de 17 anos, o estudo verificou
síncope cursam com diminuição ou interrupção transitória que a taxa de eventos sincopais aumentava de cerca de 5
eventos a cada 1.000 pessoas/ano no grupo entre 20 e 29
do fluxo sanguíneo cerebral. A pré-síncope, por sua vez, é
anos, para cerca de 20 eventos a cada 1.000 pessoas/ano no
apenas a percepção de uma perda de consciência iminente
grupo com mais de 80 anos, mostrando um aumento con-
com quadro clínico prodrômico semelhante à síncope.
siderável dos eventos com a idade, que se tornava muito
A síncope é responsável por mais de 3% de todas as importante a partir dos 70 anos. Nesse estudo, a incidência
consultas ao pronto-socorro. Cerca de 20% da população não foi diferente a depender do sexo, embora outros estu-
adulta já experimentaram um episódio que pudesse ser dos tenham demonstrado diferenças, com uma incidência
descrito como síncope, e cerca de 1 a 6% das internações um pouco maior no sexo feminino. Os pacientes do sexo
hospitalares nos Estados Unidos têm a síncope como causa. masculino, entretanto, apresentam maior probabilidade de
Na maioria dos casos, é um evento limitado e benigno, mas apresentar causa cardiológica de síncope.
pode causar injúrias (descritas em até 30% dos pacientes),
aflição e complicações psicológicas em pacientes e familia- 3. Etiologia
res. Na avaliação desses pacientes, deve-se ter em mente As causas mais frequentes de síncope estão descritas na
que existem 4 principais fatores envolvidos com risco de Tabela 1. A chamada síncope vasovagal ou neurocardiogê-
eventos adversos: nica é a principal causa. Os pacientes apresentam profunda
1 - Idade ≥45 anos. vasodepressão devido à falência abrupta da modulação au-
2 - História de insuficiência cardíaca. tonômica sobre o aparelho cardiovascular, e podem ainda
3 - História de arritmias ventriculares. apresentar importante diminuição da frequência cardíaca
4 - ECG anormal (exceto alterações de repolarização por reflexos neuromediados. Alguns autores subdividem
inespecíficas). esses casos em síncope vasodepressora ou síncope cardioi-
nibitória. Outras causas importantes são:
Os doentes que não apresentam nenhum desses fatores - Anemia;
têm de 4 a 7% de risco de apresentar eventos adversos, en- - Arritmias cardíacas;
quanto os doentes com 3 ou 4 fatores de risco têm de 58 a - Débito cardíaco extremamente baixo, como em IAM
80% de chance de apresentar os mesmos eventos. extenso e em tamponamento cardíaco;

33
CARD I OLOG I A

- Cardiomiopatia hipertrófica; 4. Achados clínicos


- Estenose aórtica (a síncope é associada à mortalidade A anamnese e o exame físico minuciosos são os princi-
de 50% em 5 anos) e estenose mitral;
pais instrumentos para o diagnóstico da causa da síncope. O
- Hipersensibilidade do seio carotídeo; principal objetivo é detectar doentes com risco aumentado
- Hipoglicemia; de óbito ou de complicações que necessitarão de uma in-
- Hipotensão ortostática; vestigação adicional imediata ou de internação.
- Hipoxemia; Tabela 3 - Tipos de síncope
- Uso de medicações; Síncope vasovagal
- Insuficiência adrenal; Também conhecida como o desmaio comum, é mediada pelo
- Síncope situacional (precipitada por tosse, defecação estresse emocional ou ortostático. Geralmente, é precedida por
e micção com esforço), considerada uma variante da pródromos como sudorese, náusea e palidez cutânea.
síncope vasovagal. Síncope situacional
Ocorre logo após acessos de tosse, micção ou evacuação, o que
A síncope apresenta causa desconhecida em cerca de
facilita o seu diagnóstico. Geralmente determinada por descar-
5 a 20% dos casos, mas estudos antigos relatam que mais
ga vagal.
de 30% dos pacientes não têm causa detectável de síncope
Síndrome do seio carotídeo
(31% no estudo de Framingham e 34% em uma análise de 5
estudos publicada em 1997). O uso de novos métodos diag- A manipulação mecânica do seio carotídeo é responsável pelo
nósticos, como o tilt-table test, diminuiu significativamente episódio de síncope. Os sinais e sintomas podem ser reproduzi-
esses números. dos pela massagem do seio carotídeo. Acomete, principalmen-
te, os idosos.
Tabela 1 - Causas de síncope Hipotensão ortostática
Prevalência média Apresenta queda progressiva da PA com a posição ortostática, e
Tipo ou causa de síncope (%, variação entre estu- ocorre diminuição da pressão sistólica medida com paciente em
dos)
pé por 3 minutos maior que 20mmHg em relação à PA medida
Síncope mediada neurologicamente após o mesmo indivíduo ficar 5 minutos deitado.
40 a 60%
(neurocardiogênica)
Síncope associada a arritmias
Síncope vasovagal 30 a 50% Geralmente associadas a:
Síncope situacional 5% - FC <40bpm ou bloqueios sinoatriais repetidos ou pausa sinu-
Síndrome do seio carotídeo 1% sal maior que 3 segundos;
- BAV 2º grau Mobitz 2 ou BAV total;
Hipotensão ortostática 1 a 14%
- Alternância de bloqueio de ramo direito e bloqueio de ramo
Medicações 3% (0 a 7) esquerdo;
Transtornos psiquiátricos 1 a 5% - Paroxismos de taquicardias ventriculares ou supraventricula-
Neurológica (todas) 10% res;
- Disfunção de marca-passo com pausas cardíacas.
10 a 25% (estudos
Cardíaca Associada a isquemia
antigos <20%)
Doença cardíaca orgânica 3 (1 a 8) Procurar fatores de risco para IAM e sinais de isquemia no ele-
trocardiograma de repouso.
Bradiarritmias e taquiarritmias 14 (4 a 26)
Síncope associada a outras doenças cardiovasculares
5 a 20% (estudos antigos
Causa desconhecida Considerada quando acontece em pacientes com estenose aór-
>30%)
tica grave, hipertensão pulmonar, embolia pulmonar, dissecção
aórtica ou mixoma atrial grande.
Tabela 2 - Medicamentos que podem levar à síncope
- Antiarrítmicos; Entre pacientes com diagnóstico de doença cardíaca e
- Antidepressivos; com síncope, os fatores mais fidedignos de predição de sín-
- Anti-hipertensivos (especialmente, beta-bloqueadores, diuré- cope por causa cardíaca parecem ser desencadeados pelo
ticos, IECAs, antagonistas dos canais de cálcio e bloqueadores decúbito ou esteja relacionada aos esforços, ou ainda sín-
alfa-2-adrenérgicos). Risco particular em pacientes idosos;
cope associada a convulsões. Entre pacientes sem doença
- Antiparkinsonianos;
cardíaca, a presença de palpitações parece correlacionar-se
- Antipsicóticos e fenotiazinas;
com maior possibilidade de síncope por causa cardíaca; em
- Bromocriptina. síncopes neuromediadas, a diferença de tempo, entre o 1º e

34
SÍNCOPE

o 2º episódio, de mais de 4 anos, desconforto abdominal pre- Achados Possibilidades


cedendo as crises e náuseas e diaforese no período de recu-
Inespecífico: pode indicar subs-
peração são fatores sugestivos desse diagnóstico. A presença Ectopia atrial e ventricular
trato para arritmias
de fadiga após o episódio sincopal também foi associada, em
Síndrome de pré-excitação
estudos, à maior probabilidade de síncope vasovagal. Wolff-Parkinson-White
(onda delta)

5. Exames complementares Em pacientes com episódio único, a possibilidade de

CARDIOLOGIA
- ECG: baixa sensibilidade, sendo exame diagnóstico em recorrência em 2 anos é pequena segundo a maioria dos
5% dos casos e sugestivo em outros 5%. Ainda assim, estudos, mas em pacientes com mais de 1 episódio em
é considerado obrigatório em todos os pacientes com tempo recente, predomina a necessidade de investigação.
síncope. Alterações sugestivas de isquemia e altera- Em pacientes jovens e com provável síncope neurocardio-
ções do ritmo e da condição cardíaca como as já des- gênica, o teste de escolha para avaliação é o tilt-table-test.
critas sugerem causas cardíacas. O teste também pode ser útil em pacientes idosos, com
síncope inexplicada. O tilt-test, também chamado de tes-
Na maioria dos doentes com ECG normal e sem doença te da inclinação, é um exame desenvolvido para identificar
cardíaca, a síncope neuralmente mediada é a principal hi- a síncope neurogênica que acomete pacientes de todas as
pótese diagnóstica. idades, mas principalmente adultos jovens e adolescentes.
Um 1º episódio de síncope sem achados sugestivos de Para realizar o exame, o paciente é colocado sobre uma
etiologia cardíaca ou neurológica não necessita de outros
mesa basculante especial que permite avaliá-lo em diversas
testes além do ECG. Por outro lado, testes diagnósticos são
inclinações (0, 80 e -30°). Simultaneamente, o paciente é
recomendados em casos recorrentes, episódios graves (que
monitorado eletrocardiograficamente e através da medida
envolvem lesões ou acidentes) e doentes com ocupações
não invasiva da pressão arterial a cada 2 minutos. Na Tabela
de alto risco (ex.: pilotos de avião).
6, descrevem-se as indicações para o teste, sugeridas pela
A Tabela 4 sugere alterações de exame físico e história
que podem sugerir a causa da síncope. European Society of Cardiology.

Tabela 4 - Achados do exame físico que podem sugerir a causa da Tabela 6 - Principais indicações do tilt-test
síncope Classe I
Achados Possibilidades 1 - Episódio sincopal único em doentes em situações de alto ris-
Desidratação, uso de medica- co – ocorrência ou risco de lesão física ou ocupacional.
Hipotensão ortostática ções de risco e outras causas de 2 - Episódios recorrentes em pacientes:
disfunção autonômica a) Sem evidência de doença estrutural cardiovascular.
Ictus desviado, sopro de regur- b) Doença cardiovascular presente, mas outras causas de sín-
Baixo débito cardíaco ou taqui-
gitação mitral e B3, sugerindo cope foram excluídas com testes diagnósticos.
cardias ventriculares
disfunção ventricular
3 - Situações em que seja importante demonstrar síncope neu-
Hipotensão e/ou assistolia romediada.
Síndrome (hipersensibilidade)
ventricular durante massagem
do seio carotídeo Classe II
do seio carotídeo
1 - Quando verificar o comportamento hemodinâmico na sínco-
Sopros de ejeção (estenose
Obstrução ao fluxo de saída do pe, alteração de manejo.
aórtica e cardiomiopatia hiper-
ventrículo esquerdo 2 - Diferenciação entre síncope e crises convulsivas.
trófica obstrutiva)
3 - Avaliação de doentes (principalmente idosos) com “quedas”
Tabela 5 - Achados do ECG que podem sugerir a causa da síncope recorrentes inexplicáveis – investigar tonturas recorrentes ou
Achados Possibilidades pré-síncope.
Taquicardia ventricular tipo tor- 4 - Avaliação de síncope inexplicada em situações como neuro-
Intervalo QT longo patias periféricas ou disautonomias.
sades de pointes
Infarto do miocárdio prévio Taquicardia ventricular Classe III
1 - Avaliação do tratamento.
Atraso de condução e bloqueio
Bradicardia
de ramo ou de fascículo
Em pacientes sem doença cardíaca, um resultado positi-
Bloqueio do ramo direito com vo do teste (hipotensão ou bradicardia desencadeadas pelo
elevação do segmento ST e in- teste) é considerado diagnóstico, mas, em pacientes com
Síndrome de Brugada
versão de onda T em derivações doença cardíaca estrutural, devem ser excluídas complica-
precordiais (V1 - V3) ções dessas doenças.

35
CARD I OLOG I A

O ecocardiograma também pode ser utilizado para a nalmente, ser difícil, mas, em episódios convulsivos, a recu-
avaliação do paciente com síncope. As recomendações da peração da consciência tende a levar mais tempo. Quando
European Society of Cardiology sugerem realizar o exame ocorre atividade motora rítmica (clônica ou mioclônica),
sempre que há suspeita de causa cardíaca, mas apenas es- o diagnóstico mais provável é de crise convulsiva, porém
tenose aórtica severa, dissecção aórtica, tumores cardíacos a síncope pode ser acompanhada de rápidos movimentos
obstrutivos, tamponamento pericárdico e anomalias con- similares. Eventualmente, observação em laboratórios es-
gênitas das artérias coronárias podem ser diagnosticados pecializados e eletroencefalograma serão necessários para
como causa de síncope com certeza por meio desse exame. a correta diferenciação das 2 patologias.
Estudos eletrofisiológicos podem ser realizados em pa- Transtornos psiquiátricos podem levar a episódios de
cientes selecionados, principalmente se apresentarem do- síncope de repetição. Os principais diagnósticos psiquiátri-
ença cardíaca estrutural. A European Society of Cardiology cos, nesse caso, são transtorno da ansiedade generalizada
considera avaliar os pacientes em que arritmia é sugerida e depressão maior.
pela avaliação inicial, ou que apresentem doença cardíaca
estrutural associada à história de palpitações ou anteceden- A - Hipotensão ortostática
te familiar de morte súbita. Condições que possivelmente A hipotensão ortostática representa a incapacidade do
se beneficiam desses estudos são sugeridas na Tabela 7. sistema nervoso autônomo de manter pressão arterial ade-
O desenvolvimento da técnica e a disseminação do es- quada quando em posição ortostática. Caracteriza-se por
tudo eletrofisiológico tornaram esse exame cada vez mais redução da Pressão Arterial Sistólica (PAS) ≥20mmHg ou da
presente no dia a dia. No entanto, as indicações formais Pressão Arterial Diastólica (PAD) ≥10mmHg após 3 minutos
para o seu uso no manejo da síncope são bem claras, como em pé (após repouso de 5 minutos em posição supina).
discriminado a seguir. Quando ocorrem diminuições pressóricas menores
associadas a quadro de sintomas semelhantes, também
Tabela 7 - Indicações para avaliação do eletrofisiologista (ESC é provável o diagnóstico. A doença pode ser causada por
2009 guidelines for the diagnosis and management of syncope)
hipovolemia, uso de medicações como diuréticos, neuropa-
- Arritmia sugerida pela avaliação inicial e pacientes com história tias autonômicas primárias ou secundárias (diabetes, ure-
de cardiopatia isquêmica; mia, amiloidose etc.) e endocrinopatias como insuficiência
- Pacientes com bloqueio de ramo e falha dos testes não invasi- adrenal e feocromocitoma (hipertensão associada a episó-
vos no diagnóstico; dios de hipotensão postural). A maioria dos casos relaciona-
- Pacientes com palpitação precedendo a síncope e falha dos -se ao uso de medicações, e os pacientes, na maioria das
exames não invasivos no diagnóstico; vezes, têm idade superior a 60 anos.
- Pacientes com síndrome de Brugada, cardiomiopatia hipertró- O tratamento inclui evitar situações de vasodilatação
fica, displasia arritmogênica do ventrículo direito – podem ser periférica ou que dificultam o retorno venoso, como ba-
feitos em casos selecionados;
nhos quentes, exercício isométrico, grandes refeições e
- Pacientes com altos riscos ocupacionais, pelos quais se devem permanecer em pé por grandes períodos. Assim, pequenas
realizar todos os esforços para excluir causa cardiovascular
refeições com alta quantidade de carboidratos podem ser
para a síncope;
benéficas a esses doentes que recebem agentes pressóricos
- Não recomendados a pacientes com ECG normal, ausência de
durante o dia. Uma opção seria cafeína durante a refeição,
doença estrutural e sem palpitações.
pois tem ação pressórica e bloqueia o receptor de adeno-
O peptídio natriurético cerebral foi avaliado em um es- sina. A elevação da cabeceira (decúbito) de 5 a 20° ativa
tudo demonstrando capacidade para ajudar na diferencia- o sistema renina-angiotensina-aldosterona e pode ser útil.
ção de síncopes cardiogênicas de não cardiogênicas, com Meias compressivas também são recomendadas, e pode
sensibilidade e especificidade de 82 e 92%, respectivamen- haver uma eventual necessidade de expansão volêmica.
te, mas ainda não faz parte do manejo habitual desses pa- Em pacientes com sintomas recorrentes, pode ser preciso
cientes. Testes de esforço e de Holter também apontaram instituir dieta rica em sal, e fluoridrocortisona em doses de
0,1 a 1mg ao dia, pois aliviam os sintomas. Outras opções
benefícios em alguns estudos e podem ser feitos em pa-
farmacológicas incluem anti-inflamatórios não esteroidais e
cientes selecionados.
agonistas alfa-1-adrenérgicos como a midodrina. Há relatos
do uso da fluoxetina para essa situação.
6. Diagnóstico diferencial
Devem-se diferenciar episódios sincopais de tonturas, B - Hipersensibilidade e Síndrome do Seio Caro-
de vertigens ou de pré-síncope, os quais não cursam com
tídeo (SSC)
perda do nível de consciência ou do tônus postural. A dife- Considerada uma variante da síncope vasovagal. Em al-
renciação entre síncope e crises convulsivas pode, ocasio- guns pacientes, a massagem do seio carotídeo leva a grande

36
SÍNCOPE

queda da FC, que pode ou não ser associada a um declínio - Inibidores da recaptação da serotonina, como a fluo-
da pressão arterial. Essa reação é descrita como hipersensi- xetina.
bilidade do seio carotídeo, e tal resposta exacerbada pode
decorrer de 2 fatores, isoladamente ou em conjunto: No entanto, nenhuma dessas medicações se mostrou
a) Cardioinibitória: predomínio na queda da FC. superior em relação ao placebo nos estudos de seguimento
b) Vasodepressora: declínio da pressão arterial na au- em longo prazo. As únicas indicadas pela European Society
sência de significativa bradicardia. of Cardiology são a etilefrina e a midodrina, 2 alfa-agonistas
que parecem reduzir os eventos de síncope, sendo que esta

CARDIOLOGIA
Os critérios para o seu diagnóstico são:
- Assistolia ventricular ≥3s (devido à parada sinusal e ao última recebeu, no último guideline dessa sociedade, um
bloqueio atrioventricular); grau de recomendação IIb para pacientes refratários às me-
- Diminuição da PAS de 50mmHg ou mais; didas não farmacológicas.
Quanto a pacientes com resposta predominantemente
- Reprodução dos sintomas associado ao declínio de 30
cardioinibitória, deve-se considerar a possibilidade de im-
a 40% na FC, assistolia maior que 2 segundos e/ou di-
plante de marca-passo, principalmente naqueles com mais
minuição de 30mmHg na PA.
de 40 anos e episódios sincopais frequentes.
O manejo dos pacientes consiste, principalmente, em
evitar a compressão da região cervical por gravatas, colares D - Síncope cardíaca
ou outros. O tratamento envolve as mesmas táticas utili- As síncopes de causa cardíaca são ocasionadas princi-
zadas para hipotensão ortostática ou síncope vasovagal, palmente por arritmias e doenças cardíacas estruturais.
evitando medicações que podem causar bradicardia e hi- Ambas podem cursar com redução do débito cardíaco. Em-
potensão, bem como vasoconstritores como a midodrina bora bradiarritmias e taquiarritmias possam levar à sínco-
ou inibidores da recaptação da serotonina, em pacientes pe, não há um valor fixo abaixo ou acima do qual ela possa
com a forma vasodepressora. Aqueles com a forma cardio- ocorrer. Os sintomas dependem da capacidade de compen-
inibitória, caso apresentem episódios recorrentes, podem sação do sistema nervoso autônomo e do grau de doença
beneficiar-se com o uso de marca-passo. aterosclerótica dos vasos do SNC.
A maioria dos doentes com síncope cardíaca por arrit-
C - Síncope vasovagal mia não tem sintomas prodrômicos, e o quadro é súbito, o
Em todas as estatísticas, a síncope vasovagal é a causa que pode ajudar a diferenciá-la da síncope vasovagal. Por
mais frequente de síncope. Apresenta curso em geral be- outro lado, em doenças cardíacas estruturais, a síncope cos-
nigno, mas pode estar associada a injúrias devido às que- tuma ser desencadeada por esforço físico ou vasodilatação
das. Caracteristicamente, os episódios ocorrem em posição arterial (calor ou medicação).
ortostática, raramente com o paciente deitado, sentado ou A estenose aórtica é muito mais frequente em idosos, e
em atividade física. os pacientes podem apresentar a tríade de dispneia aos es-
Os pacientes habitualmente apresentam um pródromo forços, dor torácica anginosa e síncope aos esforços. Todas
de mal-estar abdominal. Os episódios são em geral desen- implicam pior prognóstico, e pacientes com dispneia aos
cadeados por situações de estresse emocional, a perda de esforços têm mortalidade de 50% em 2 anos, caso não seja
consciência é de curta duração, e os pacientes apresentam realizada nenhuma intervenção. Pacientes com síncope iso-
uma fase de recuperação, que pode ser associada a náuseas lada apresentam prognóstico melhor.
e fadiga. A cardiomiopatia hipertrófica é mais comum em jovens,
O tratamento geralmente é realizado por especialistas. embora também seja possível em indivíduos com mais de
Diversas medicações foram utilizadas na tentativa de dimi- 60 anos. Estes pacientes apresentam alto risco de morte
nuir os episódios de síncope: súbita, com algumas séries demonstrando mortalidade de
- Pacientes com formas cardioinibitórias pareciam ter 40% em 1 ano após um episódio sincopal.
benefício com o uso de beta-bloqueadores, pois estes Os pacientes com embolia pulmonar também podem,
diminuem a pressão intracavitária cardíaca, de forma a eventualmente, apresentar síncope. Em algumas séries, até
suprimir o reflexo vasovagal; 135 desses doentes apresentam tal complicação. Normal-
- Também foi descrito o uso da escopolamina que, mente, ocorre em indivíduos com grandes êmbolos.
provavelmente, tem ação central, com inibição das O tratamento depende da causa da síncope, mas aque-
eferências vagais, parecendo eficaz nas síncopes com les com síncope de causa cardíaca apresentam pior prog-
componente cardioinibidor importante. A fluoridro- nóstico, sendo esse o principal fator envolvido em eventos
cortisona seria particularmente eficaz a pacientes com adversos, com possibilidade de IAM ou AVC e morte de 2 a
crises vasodepressoras; 3 vezes maior em tais grupos.

37
CARD I OLOG I A

7. Avaliação

Figura 1 - Avaliação da síncope

8. Resumo
Quadro-resumo
- Síncope é evento clínico comum; demanda maior atenção nos pacientes com insuficiência cardíaca, maiores de 45 anos, portadores de
arritmia e ECG alterado;
- As causas são multifatoriais, tendo maior relevância os eventos de causa neurocardiogênica;
- A anamnese e o exame físico são importantes na identificação do mecanismo da síncope;
- O diagnóstico diferencial envolve as crises convulsivas e causas psiquiátricas.

38
CAPÍTULO

5
Eletrofisiologia

José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado

1. Atividade elétrica cardíaca entram no intracelular por meio de canais iônicos da mem-
brana, tornando seu interior positivo eletricamente. Exis-
A atividade elétrica cardíaca é uma propriedade intrín- tem 2 tipos de canais por onde passam os íons através das
seca às células miocárdicas, que são divididas em 2 tipos: membranas:
1 - Células de trabalho: responsáveis pela contratilidade 1 - Canal rápido: é ativado quando os potenciais da
cardíaca. membrana estão menores do que -60mV, permitindo a
2 - Células do sistema elétrico: responsáveis pela gera- entrada rápida de Na. Esse é o canal normal para as célu-
ção e pela condução do estímulo elétrico cardíaco. las miocárdicas sem propriedade cronotrópica, ou seja, de
As células de trabalho possuem a característica de con- marca-passo.
tratilidade, podendo encurtar seu tamanho e voltar ao ta- 2 - Canal lento: funciona com potenciais de membrana
manho original. Para ocorrer a contração, é necessária uma maiores do que -50mV e determina o influxo de cálcio. A
despolarização da membrana celular do miócito, através do
despolarização dos canais lentos e o fluxo de potássio são
aumento da permeabilidade da membrana ao sódio e ao
os responsáveis pela atividade de marca-passo do nó sinu-
cálcio. Este último determina a ligação entre actina e miosi-
sal e do nó AV. Tais canais lentos também estão envolvidos
na no sarcômero, gerando a contração celular.
na ativação de despolarizações anormais nas regiões pe-
As células elétricas transmitem o impulso elétrico até as
riféricas em áreas isquêmicas miocárdicas, podendo gerar
células de trabalho, permitindo que estas desempenhem
focos ectópicos por extravasamento de potássio das células
sua função. Certas células do sistema elétrico têm a carac-
lesadas regionais com redução do potencial de repouso da
terística de gerar um estímulo elétrico (automaticidade) e
membrana celular (por exemplo, de -90 para -40mV).
são encontradas no Nó Sinusal (NS), nas fibras do sistema
Na membrana celular de um miócito típico (célula de
de condução atrial, no nó atrioventricular (nó AV), no feixe
de Hiss e seus ramos e no sistema ventricular de Purkinje. trabalho), o potencial de repouso (potencial transmembra-
na antes da despolarização) é de, aproximadamente, -90mV.
O interior celular é eletricamente negativo em relação ao
2. Eletrofisiologia extracelular. O Na é encontrado em altas concentrações no
Para ocorrer a função celular de contração ou condução extracelular e em baixas no intracelular, determinando uma
do estímulo elétrico, é necessário que a célula esteja polari- tendência de entrada do elemento. Para manter o gradien-
zada eletricamente. Há diferentes concentrações de K, Na e te transmembrana, é necessário o transporte ativo de Na
Ca no intracelular e no extracelular. Essa diferença de con- do intracelular para o extracelular, apesar de a membrana
centrações iônicas gera um gradiente elétrico de -80 a -90mV ser pouco permeável à substância na fase de repouso.
através da membrana. Quando a célula é estimulada, o gra- O K encontra-se em grandes concentrações no intracelu-
diente se inverte até +35mV, determinando condução ou lar e em baixas no extracelular, sendo a membrana perme-
contração, dependendo da função da célula analisada. ável a pequenas quantidades de K na fase de repouso (fase
O processo de despolarização determina uma mudança 4). Assim, o potencial de repouso depende, basicamente,
transitória das propriedades físicas da membrana. Cátions do gradiente de K através da membrana celular.

39
CARD I OLOG I A

A seguir, as fases dos potenciais de membrana das célu- O nível de potencial de repouso da membrana celular
las miocárdicas durante um ciclo completo de despolariza- (fase 4) no início da despolarização é um determinante da
ção e repolarização. condutividade (capacidade de despolarizar a célula vizi-
- Fase 0: é a fase em que se inicia a despolarização. Nes- nha com rapidez) do impulso elétrico para outras células.
se período, o canal rápido de Na é ativado, permitindo Quanto menos negativo for esse potencial na fase 0, menor
influxo rápido de Na para o intracelular. Com isso, há será a velocidade de subida dessa fase, o que representa
diminuição do gradiente elétrico transmembrana até diminuição da condutividade. O gradiente de K na fase 4
valores positivos ao redor de +20mV, enquanto o ex- também determina a condutividade. Quanto menor tal
tracelular permanece negativo; é nessa fase que sur- gradiente, menor a condução. Isso explica a lentificação da
gem a onda P e o complexo QRS no eletrocardiograma condução elétrica na hipercalemia.
(ECG), representando a despolarização da massa atrial O potencial de ação das células do sistema condutor
e ventricular, respectivamente; difere, significativamente, das células de trabalho, pois as
- Fase 1: é a fase em que diminui a entrada de Na na células de condução têm a capacidade de se despolariza-
célula cardíaca, determinando menor positividade in- rem sozinhas (automaticidade). Isso ocorre porque, na fase
tracelular. É o início da fase de repolarização; 4, o potencial de ação não permanece constante durante
- Fase 2: é a fase em que o potencial de ação transmem- todo o tempo, devido à perda progressiva do potencial de
brana é praticamente isoelétrico; a célula permanece repouso por entrada de pequenas quantidades de Ca e Na,
despolarizada, e não há mais influxo de Na para o inte- o que torna o potencial de repouso na membrana menos
rior da célula. Os canais rápidos de Na estão fechados, negativo (despolarização diastólica espontânea). Quando
enquanto há entrada de Ca para o intracelular pelos o potencial de repouso da membrana alcança certa volta-
canais lentos. Nessa fase, ocorre o segmento ST no gem crítica (limiar), tem início a fase 0. Como o potencial
ECG; é menos negativo, a velocidade de ascensão da fase zero é
menor. As velocidades de ascensão lenta nas células do nó
- Fase 3: é a fase em que ocorre a repolarização rápida, sinusal e do nó AV dependem da entrada rápida de Ca.
ou seja, o intracelular volta a ficar negativo, devido à
saída de K do intracelular para o extracelular, com ten-
dência de a membrana voltar ao potencial de repouso,
o que acontece no final da fase 3. Surge a onda T no
ECG;
- Fase 4: a célula está com um potencial de membrana
igual ao imediatamente anterior à despolarização, po-
rém a composição iônica transmembrana é bastante Figura 2 - Potencial de ação da célula de trabalho do miocárdio
diferente daquele momento. Há uma alta concentra- ventricular
ção de Na e uma baixa concentração de K no intrace-
lular. Nessa fase, é ativada a bomba de sódio-potássio A inclinação da fase 4 nas células de condução é impor-
dependente de ATP, que proporciona gasto energético tante para determinar a velocidade de formação do impul-
significativo para restabelecer a concentração iônica so. Quanto mais íngreme a curva, maior a velocidade de
fisiológica. Caso ocorram nessa fase repetidas despo- formação de impulsos e vice-versa. A ativação simpática
larizações, sem tempo para que as células retomem a do sistema nervoso autônomo torna essa curva mais íngre-
concentração iônica fisiológica, poderá haver disfun- me, enquanto o sistema nervoso parassimpático determina
ção celular importante. efeito oposto.
Segundo a classificação de Vaughan Williams, distin-
guem-se 4 classes de antiarrítmicos:
- Classe I: fármacos que bloqueiam os canais de sódio
(Na+); fazem parte deste grupo a flecainida, a propafe-
nona, a quinidina, a lidocaína e a procainamida;
- Classe II: antagonistas beta-adrenérgicos, como o pro-
pranolol, o pindolol, carvedilol e metoprolol;
- Classe III: bloqueiam os canais de potássio (K+), pro-
longando o potencial de ação, como a amiodarona e
o sotalol;
- Classe IV: bloqueiam os canais de cálcio, como o vera-
pamil e o diltiazem.
Figura 1 - Potencial de ação da célula do sistema cardíaco de con-
dução elétrica: observar a comparação com o traçado eletrocar- A frequência de disparo das células do sistema de con-
diográfico dução é diferente entre vários locais. No NS, é de 60 a

40
ELETROFISIOLOGIA

100bpm, no nó AV, é de 40 a 60bpm, e no ventrículo (fibras circuito seja longo o suficiente para o período refratário da
de Purkinje), menor do que 40bpm. Assim, os marca-passos célula de Purkinje mais próxima ao local de bloqueio não
inferiores (nó AV e região juncional) não conseguem atingir ser mais absoluto (e sim relativo). Geralmente, tais altera-
o limiar antes de serem despolarizados pelo NS na fase 4. O ções de padrão na condução são determinadas por isque-
marca-passo “superior” subordina os inferiores em termos mias ou miocardiopatias.
de frequência de despolarização. Portanto, o nó AV e a re-
gião juncional somente geram estímulos elétricos quando 4. Condução do impulso cardíaco
há falha do marca-passo atrial.

CARDIOLOGIA
Há um momento no ciclo cardíaco em que o ventrículo O impulso cardíaco normal origina-se no NS, que está
se encontra refratário à condução de um novo estímulo elé- situado no átrio direito, em sua junção com a veia cava
trico. Esse período tem início na fase zero, acaba na fase 3 e superior. A condução do NS até o nó AV se dá por 3 vias
pode ser dividido em absoluto e relativo. internodais (anterior, posterior e mediana). A velocidade
- Período refratário absoluto: a célula é incapaz de con- de condução por essas fibras é de 1.000mm/s. O nó AV lo-
duzir um novo potencial de ação; esse período se inicia caliza-se inferiormente ao átrio direito e abaixo da válvula
no QRS e se estende até o pico da onda T; tricúspide. Caudalmente, tais fibras formam o feixe de Hiss,
- Período refratário relativo: um estímulo intenso pode que originará os ramos ventriculares, sendo a velocidade
determinar a condução de um potencial de ação, po- de condução nesse ponto de 200mm/s. Os ramos direito e
rém de forma não normal. Estende-se pelo restante da esquerdo distribuem o estímulo elétrico pela rede de fibras
onda T. de Purkinje intraventricular, em cada um dos ventrículos, a
uma velocidade de condução de 4.000mm/s.

3. Mecanismos de formação do impulso


elétrico
Há 2 mecanismos de geração de um estímulo elétrico no
músculo cardíaco: automatismo e reentrada.

A - Automaticidade
Fisiologicamente, o estímulo pode ser gerado de forma
espontânea. Podem ocorrer outras formas patológicas de
automatismo:
- Pós-potencial: diminuição transitória do potencial de
repouso que pode atingir o limiar, determinando des-
polarização;
- Múltiplos pós-potenciais: também chamados de osci-
lações;
- Diferenças no potencial entre células vizinhas: no in-
farto, as células periféricas da região isquêmica podem
apresentar repolarização incompleta, enquanto ocorre
Figura 3 - Sistema cardíaco de condução elétrica
a repolarização normal nas demais células. A corrente
elétrica anômala pode fluir através desses grupos de
células, causando despolarização das células normais;
- Automaticidade em gatilho: indução de foco automá- 5. Resumo
tico, dependente de batimento prematuro inicial que, Quadro-resumo
por repolarização anormal, determina uma 2ª despo- - As células cardíacas de trabalho apresentam características de
larização ou uma série de despolarizações. potencial elétrico diferentes das células do sistema de condu-
ção elétrica;
B - Reentrada - O principal determinante do potencial elétrico de repouso
transmembrana é o potássio;
Este fenômeno pode acontecer no NS, no átrio, no nó
AV ou no sistema de condução ventricular. Pode determinar - As arritmias cardíacas são geradas por mecanismos de automa-
batimentos isolados (extrassístoles) ou ritmos anormais (ta- tismo ectópico ou mecanismo de reentrada.
quicardias). Os componentes do mecanismo de reentrada
incluem 2 vias de condução: uma com bloqueio unidirecio-
nal (ou período refratário mais longo) e outra com condu-
ção muito lenta, que faz que o tempo de passagem pelo

41
CARD I OLOG I A

CAPÍTULO

6
Arritmias cardíacas

José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado

1. Introdução de despolarização, exceto em situações em que focos elé-


tricos ectópicos (fora do sistema de condução) apresentem
Para melhor compreensão do tema, é necessária uma frequências automáticas de despolarização mais elevadas
revisão de conceitos importantes. do que a do sistema de condução elétrica miocárdica, como
na taquicardia ventricular ou na taquicardia atrial.
A - Sistema de condução elétrico intracardíaco
O sistema de condução intracardíaco é composto pelas
seguintes estruturas: nó sinusal, nó atrioventricular (AV),
feixe juncional ou de His, ramos direito e esquerdo e fibras
de Purkinje. Tais estruturas têm a característica intrínseca
de se despolarizarem automaticamente numa frequência
própria, sendo desnecessário algum estímulo externo para
gerar essa despolarização. As estruturas mais superiores
apresentam frequências de despolarizações automáticas
mais elevadas que as estruturas mais inferiores (Figura 1).
A estrutura que, fisiologicamente, tem a maior frequência
de despolarização é o nó sinusal, de cerca de 80 despolari-
zações por minuto, fazendo que as estruturas abaixo desse
nó sejam despolarizadas pelo estímulo elétrico gerado pelo
próprio nó sinusal.
Em determinadas condições (hipercalemia, degenera-
ção do nó sinusal entre outras), o nó sinusal pode perder
tal capacidade de despolarização automática, determinan- Figura 1 - Estruturas do sistema de condução elétrica intracardíaca
do, comumente, queda da frequência cardíaca. Isso ocorre e suas frequências automáticas de despolarização
porque, na ausência funcional do nó sinusal, a frequência
cardíaca passa a ser determinada pela estrutura do sistema
de condução que tem a maior frequência de despolarização
B - Onda P
autônoma, geralmente o nó AV. Caso este não esteja ativo, A onda P compreende o registro eletrocardiográfico da
a região juncional determina o ritmo cardíaco e assim por despolarização atrial, determinada, fisiologicamente, pela
diante. despolarização automática do nó sinusal. A onda elétrica da
Ou seja, a frequência cardíaca será determinada pela re- repolarização atrial não é visível ao ECG por ocorrer, justa-
gião do sistema de condução que tiver a maior frequência mente, no período em que o complexo QRS é registrado,

42
ARRITMIAS CARDÍACAS

havendo sobreposição dos traçados. O intervalo compreen-


dido entre o início da onda P e o início do QRS é chamado
intervalo PR, o qual corresponde ao atraso fisiológico na
condução da onda elétrica gerada na despolarização atrial
dentro do nó AV. Tal atraso pode ter a duração máxima de
0,20ms (ou 5 quadrinhos do traçado eletrocardiográfico,
sendo que cada um tem a duração de 0,04ms).

CARDIOLOGIA
C - Complexo QRS
O complexo QRS representa a despolarização elétri-
ca dos ventrículos e tem a duração fisiológica máxima de
0,12ms. A despolarização ventricular normal acontece por Figura 2 - Traçado eletrocardiográfico normal
progressão do estímulo elétrico através da região juncional,
ramos direito e esquerdo e fibras de Purkinje, até chegar
ao músculo cardíaco. Quando o QRS apresenta duração
<0,12ms, é chamado de QRS estreito; quando ≥0,12ms, é
chamado de QRS largo.
A importância de definir o QRS como largo ou estreito
está no fato de que, quando o estímulo de despolarização
ventricular progride pelos ramos direito e esquerdo, a velo-
cidade com que a onda elétrica determina a despolarização
dos 2 ventrículos é elevada, determinando o QRS de menor
duração. Quando, por algum motivo (alteração metabólica,
isquemia, degeneração etc.), o estímulo elétrico progride
apenas por 1 dos ramos ventriculares, o ventrículo oposto é
despolarizado pela propagação da onda elétrica através do
músculo cardíaco do ventrículo já despolarizado até chegar Figura 3 - Papel milimetrado para traçado eletrocardiográfico
ao outro ventrículo. Essa condução intramuscular ocorre de
forma mais lenta do que aquela no sistema de condução
através dos ramos, determinando o QRS largo. Assim, de
forma genérica, QRS largo indica o bloqueio de 1 dos ramos
do sistema de condução. A exceção acontece quando há um
foco elétrico ectópico ventricular, pois o estímulo elétrico
nasce em um dos ventrículos propagando-se para o outro
através da musculatura cardíaca, mesmo com a integridade
do sistema de condução.

D - Onda T
A onda T representa a repolarização elétrica ventricular. Figura 4 - Eletrocardiograma normal
Vários fatores podem influenciar esse período, como distúr-
bios metabólicos e isquemia. 2. Arritmias
A chave para a interpretação das arritmias é a análise
E - Onda U da forma e das inter-relações da onda P, do intervalo PR e
do complexo QRS. A avaliação do traçado envolve a análise
O significado da onda U ainda é incerto e, possivelmen-
da frequência, ritmo, origem mais constante do estímulo
te, representa a repolarização mais tardia das fibras de His- (marca-passo predominante) e configuração da onda P e do
-Purkinje. Também se associa a situações de hipocalemia. QRS (estreito ou largo).
Nas Figuras seguintes, estão descritas as ondas do traça- As arritmias cardíacas acontecem, de forma simplifica-
do eletrocardiográfico normal. da, por 3 mecanismos possíveis.

43
CARD I OLOG I A

A - Alteração do automatismo cardíaco artefato técnico, confirmação da correta colocação dos ele-
trodos assim como a ligação dos cabos e confirmação da
Pode ocorrer por aceleração ou desaceleração das es- assistolia em 2 derivações). O tratamento passa pelo uso de
truturas automáticas do coração, como o nó sinusal (taqui- adrenalina, atropina, entre outras medidas.
cardia ou bradicardia sinusal), nó AV ou do próprio mio- - Critérios de diagnóstico ao ECG:
cárdio. Batimentos (ou despolarizações ectópicas) podem
• Ausência completa de atividade elétrica ventricular;
surgir por distúrbios elétricos atriais, da junção AV ou dos
é possível a ocorrência de ondas P ou de batimentos
ventrículos. É possível que também ocorram ritmos anor-
de escape ventricular agônicos.
mais, como taquicardia atrial ou ventricular.
No entanto, quando se identifica o QRS, é necessária a
B - Distúrbios de condução atrioventricular análise mais detalhada de sua duração, primeiramente pela
A condução pode ser acelerada, como na síndrome de caracterização desta em estreito ou largo. O QRS estreito
Wolff-Parkinson-White, ou lenta, como no bloqueio AV. (<0,12ms) demonstra o funcionamento correto do sistema
de condução intraventricular, e o QRS alargado pode indicar
C - Combinações de distúrbios de automatismo ou não o funcionamento de 1 dos ramos do sistema de con-
e de condução dução ou um complexo QRS determinado por batimento
ectópico de origem ventricular.
Extrassístole atrial com bloqueio AV ou taquicardia atrial
com bloqueio AV 3:1 são exemplos destas combinações. c) Taquicardia Ventricular (TV)
É definida como 3 ou mais batimentos sucessivos de
3. Identificando arritmias origem ventricular com frequência >120bpm, sendo que o
QRS tem duração >0,12ms. Apesar de ter a mesma origem
Serão interpretadas as arritmias pela análise de um tra-
que a TV, o ritmo idioventricular acelerado difere desta por
çado eletrocardiográfico (ECG) em derivação única.
sua frequência menor (FC entre 100 e 120bpm). Na TV, o
Há vários métodos de identificação das arritmias, porém
ritmo é regular, porém pode apresentar alguns períodos de
o mais sistematizado se baseia na análise das respostas a
irregularidade. A apresentação clínica é variável, podendo
estas 4 perguntas.
ser bem tolerada, assim como determinar instabilidade he-
modinâmica e, até mesmo, parada cardiorrespiratória.
A - 1ª pergunta: o QRS tem aparência e tamanho
Tal variação na apresentação clínica depende muito da
normais?
presença ou não de disfunção miocárdica e da frequência
Quando não é possível a identificação de um complexo cardíaca associada. Quando a morfologia do QRS é cons-
QRS no traçado eletrocardiográfico, restam apenas 2 diag- tante, trata-se de TV monomórfica; quando ocorrem várias
nósticos: fibrilação ventricular ou assistolia, sendo condi- morfologias do QRS, há a TV polimórfica. Pode haver a pre-
ções que demandam intervenções imediatas. sença de ondas P relacionadas à despolarização sinusal, as
a) Fibrilação ventricular quais são bloqueadas pela despolarização do nó AV deter-
minada pela TV. Também pode ocorrer condução retrógra-
Ritmo de origem ventricular, desorganizado, represen- da, gerando a onda P retrógrada após o QRS. Tal condição é
tando a despolarização caótica dos ventrículos. Essa forma de difícil diferenciação da taquicardia supraventricular com
de despolarização não gera contração ventricular coorde- condução retrógrada.
nada e efetiva, determinando parada cardíaca. O tratamen- O tratamento da TV depende da condição clínica do pa-
to imediato é a desfibrilação cardíaca. ciente. Nos pacientes com estabilidade hemodinâmica, há
- Critérios de diagnóstico ao ECG: tempo para aplicação de antiarrítmicos, como amiodarona
• Não se identifica QRS; e lidocaína. Pacientes com QTc prévio normal devem rece-
• Frequência: muito elevada e caótica; ber amiodarona, enquanto aqueles com aumento do QTc
• Ritmo: desorganizado, não se identificando ondas P, devem receber lidocaína. Nas TVs com repercussão hemo-
complexo QRS, segmento ST ou onda T. dinâmica (hipotensão, alteração de consciência, dor pre-
cordial e congestão pulmonar importante), a cardioversão
elétrica imediata é o tratamento de escolha.
A TV também é considerada sustentada quando a sua
duração é >30 segundos ou, independentemente do seu
Figura 5 - Fibrilação ventricular
tempo de duração, determinar sintomas clínicos; e é cha-
mada de não sustentada quando a duração é <30 segundos.
b) Assistolia Uma característica que auxilia na localização do foco ectó-
Representa a ausência completa de atividade elétrica pico ventricular é a avaliação da morfologia dos complexos
cardíaca, quando confirmada por meio da checagem do QRS nas derivações precordiais. Quando a TV apresenta
protocolo da linha plana (aumento do ganho, exclusão de morfologia de bloqueio de ramo direito (rsR’ em V1), o foco

44
ARRITMIAS CARDÍACAS

ectópico está no ventrículo esquerdo. Similarmente, quan- - Desvio de eixo;


do a morfologia em V1 é de BRE (qs), a origem da taquiar- - QRS >0,16ms;
ritmia é o ventrículo esquerdo.
- Critérios diagnósticos ao ECG: - QS predominantemente negativo em V6;
• Frequência >100bpm; - QRS concordantes (positivos ou negativos) nas deriva-
• Ritmo: geralmente regular; ções precordiais;
• Ondas P: normalmente não visíveis nas TVs com alta - Complexo rS em V1.

CARDIOLOGIA
frequência, mas podem estar presentes e dissocia-
das do QRS; d) Torsades de pointes (torção da ponta)
• QRS, segmento ST e onda T: morfologia do QRS ser- É uma forma de TV em que os complexos QRS aparen-
rilhada e bizarra, com duração >0,12ms; segmento tam estar, constantemente, mudando de eixo após cada 5
ST e onda T geralmente opostos em polaridade com a 20 batimentos, lembrando uma forma de atividade elétri-
o QRS; ca de forma helicoidal torcida no seu eixo espacial (daí seu
• Quando a TV é polimórfica, o intervalo e a morfolo- nome). Geralmente, é desencadeada por distúrbios meta-
gia do QRS variam. bólicos (hipomagnesemia ou hipocalemia), alargamento do
intervalo QT (bradicardias) e efeito pró-arrítmico de certas
Um desafio clínico associado a essa arritmia é a diferen- drogas, como procainamida, quinidina e disopiramida, que
ciação com a taquicardia supraventricular (TSV) associada a podem alargar o intervalo QT que, quando normal (medido
bloqueio de ramo, pois nessa condição o QRS também será do início do QRS até o final da onda T), é entre 390 e 450ms
alargado. Tal diferenciação tem impacto sobre qual trata- nos homens e 460ms nas mulheres. Quando este está alar-
mento será corretamente empregado. Os critérios de Bruga- gado, deve-se considerar a possibilidade de indução dessa
da podem ser utilizados na tentativa de diferenciar uma TV
arritmia com o uso dos antiarrítmicos citados. O tratamento
de uma TSV. Quando não são encontrados esses critérios, a
da arritmia envolve o uso de sulfato de magnésio, procaina-
arritmia é, provavelmente, de origem supraventricular.
mida (quando a droga não foi indutora da arritmia) e marca-
1º passo: -passo em alta frequência.
Ausência de complexos RS nas derivações precordiais?
- Sim: TV;
- Não: ir para passo 2.
2º passo:
O intervalo entre o início do R e o nadir do S é maior que
100ms (2,5mm)? Figura 6 - Taquicardia ventricular
- Sim: TV;
- Não: ir para passo 3.
3º passo:
Há dissociação AV?
- Sim: taquicardia ventricular;
- Não: ir para os critérios morfológicos (passo 4). Figura 7 - Torsades de pointes
4º passo:
É sugerida a etiologia ventricular de taquicardia asso- e) Extrassístole ventricular (ESV)
ciada a bloqueio do ramo direito (QRS predominantemente Alguns complexos QRS de aspecto anormal (QRS
positivo em V1) quando: >0,12ms) podem ocorrer intercalados com complexos
- QRS >0,14ms; QRS normais em alguns pacientes. Denominados de ex-
- Desvio de eixo; trassístoles ventriculares, surgem a partir de qualquer
- Onda QS predominante em V6; um dos ventrículos antes do próximo batimento sinusal,
- QRS concordantes (positivos ou negativos) nas deriva- de forma prematura, podendo ser geradas por reentrada
ções precordiais; ou a partir de um foco automático ventricular. O interva-
- Onda R simples ou bifásica em V1. lo entre o batimento normal prévio e a ESV, chamado de
intervalo de conexão, é constante quando o mecanismo
É sugerida a etiologia ventricular de taquicardia associa- é de reentrada do mesmo foco (ESV uniformes). Quan-
da a bloqueio do ramo esquerdo (QRS predominantemente do o intervalo de conexão e a morfologia dos complexos
negativo em V1) quando: QRS variam, geralmente as extrassístoles são originadas

45
CARD I OLOG I A

de vários focos (multifocais). Quando, de cada 2 bati- a) Fibrilação Atrial (FA)


mentos, 1 é uma ESV, o ritmo é chamado de bigeminis- É a arritmia cardíaca mais frequente, responsável por
mo; quando, de cada 3 batimentos, o 3º é uma ESV, o 30% das internações por alteração do ritmo cardíaco. Apre-
ritmo é chamado de trigeminismo, e assim por diante. senta incidência de 0,1% na população acima de 40 anos. A
Quando uma ESV cai sobre o período vulnerável do ST, prevalência na população é alta, chegando a 8% da popula-
pode haver uma TV ou FV. As ESV são, geralmente, bem ção acima de 80 anos (Figura 8). Os portadores de FA sem
toleradas e raramente tratadas, exceto quando os sinto- intervenção terapêutica têm até o dobro da mortalidade
mas de palpitação são importantes. em relação aos não portadores. O prognóstico da arritmia
- Critérios diagnósticos ao ECG: relaciona-se aos eventos embólicos arteriais. Um em cada
6 acidentes vasculares cerebrais isquêmicos tem a FA como
• QRS com aparência aberrante (≥0,12ms); causa básica. Quando a FA é causada por valvulopatia reu-
• Ritmo irregular; mática (geralmente, estenose mitral), a chance de evento
embólico aumenta 17 vezes em relação à população sem FA
• Onda P geralmente oculta pela ESV, podendo deter-
e 5 vezes em relação à população com FA sem valvulopatia
minar a pausa compensatória.
associada. O fenômeno tromboembólico decorre da forma-
ção de trombos atriais, principalmente na aurícula esquer-
B - 2ª pergunta: existe onda P? da, que não é corretamente avaliada pelo ecocardiograma
Após a identificação do complexo de QRS, deve-se tentar transtorácico. Com a persistência do ritmo de FA, os átrios
identificar a onda P normal. A ausência desta ou a presença de sofrem processo de remodelação muscular, determinando
ondas P atípicas permitem o diagnóstico de várias arritmias. a sua dilatação e favorecendo a persistência da arritmia.

Figura 8 - Prevalência de FA

Esta arritmia pode resultar de múltiplas áreas de reen- As ondas fibrilatórias têm frequência variável, e a pas-
tradas dentro dos átrios ou de múltiplos focos ectópicos. É sagem delas pelo nó AV ocorre de forma aleatória, deter-
frequentemente desencadeada por síndrome do nó sinu- minando o ritmo ventricular irregular. Nem todos os estí-
sal, hipóxia, pressão atrial aumentada, pericardites e outras mulos que chegam ao nó AV passam para o ventrículo, po-
condições menos frequentes, como a ingestão de álcool. dendo ser bloqueados no próprio nó. É o que determina a
Quando há doença isquêmica miocárdica, a causa mais co- resposta da frequência ventricular menor do que o núme-
mum é o aumento da pressão atrial esquerda decorrente ro de estímulos iniciados no átrio. A FA, geralmente, é se-
da falência miocárdica. Usualmente, a atividade elétrica cundária a alguma doença subjacente cardíaca, podendo
atrial é muito elevada (de 400 a 700 despolarizações por ocorrer de forma crônica ou em paroxismos, sem outras
minuto) determinada pela despolarização de vários peque- evidências de doença cardíaca. O tratamento inicial envol-
nos seguimentos atriais e não de todo o átrio. Isso gera con- ve o controle da frequência cardíaca por meio de drogas
tração atrial desordenada e estase sanguínea, favorecendo que retardam a condução dentro do nó AV, determinando
a formação dos trombos atriais. redução da resposta ventricular, como diltiazem, verapa-

46
ARRITMIAS CARDÍACAS

mil, beta-bloqueadores ou digoxina. A reversão da FA fica - FA crônica: é definida quando se documenta a recor-
condicionada ao tempo de existência da arritmia, pois a rência de FA após um episódio de FA inicial e pode ser
perda da contração mecânica efetiva dos átrios permite a classificada em paroxística, persistente e permanente;
formação de trombos intra-atriais pela estase sanguínea
subsequente. Quando há o retorno ao ritmo sinusal e a
- FA paroxística: resolução espontânea da arritmia com
contração mecânica atrial é restabelecida, podem ocorrer duração geralmente <7 dias e frequentemente <24
fenômenos tromboembólicos agudos, principalmente ar- horas; geralmente, não necessita de tratamento de
teriais. manutenção, exceto anticoagulação conforme comor-

CARDIOLOGIA
- Critérios ao ECG: bidades associadas;
• Frequência atrial: normalmente, não pode ser con- - FA persistente: demanda tratamento específico para
tada, enquanto a frequência ventricular pode che- a reversão ao ritmo sinusal, durando geralmente mais
gar de 160 a 180bpm; de 7 dias. É chamada de longa duração quando perma-
• Ritmo: o ritmo ventricular é irregular, devido à pre- nece por mais de 1 ano;
sença de bloqueio atrioventricular (BAV) fisiológico
que protege os ventrículos da imensa quantidade
- FA permanente: aquela em que houve falha nas ten-
tativas de cardioversão química ou elétrica ou aquela
de impulsos atriais. Na fibrilação atrial, o BAV é
em que se optou por não tentar a reversão da arritmia;
sempre inconstante;
• Ondas P: substituição das ondas P por outras de- - FA recorrente: história de 2 ou mais episódios de FA;
nominadas de ondas F (fibrilação). Estas se apre- se não houver sintomas incapacitantes, apenas a an-
sentam muito diferentes umas das outras, na am- ticoagulação e o controle da FC serão necessários.
plitude, na duração ou no formato, sem qualquer Caso os sintomas sejam significativos, é necessária
semelhança entre elas. Ocorre substituição da linha droga antiarrítmica para prevenção de recorrência ou
de base isoelétrica por ondulações ou serrilhado ablação.
polimórfico;
• Intervalo QRS: a condução ventricular é normal, ex- A FA também pode ser classificada como primária ou se-
ceto se há condução aberrante intraventricular. cundária. A FA primária não está associada a outras causas
(como IAM, IC, pericardite e TEP), pois, nesses contextos,
a FA tende a resolver-se quando há controle da causa de
base. A FA secundária é tida como entidade diferente da
primária, pois a recorrência/persistência não é esperada. A
FA isolada é encontrada em indivíduos abaixo dos 60 anos,
sem sinais clínicos ou ecocardiográficos de doença cardio-
pulmonar associada. No entanto, a maioria dos casos de FA
associa-se a patologias cardiopulmonares.
O manuseio da FA tem 2 objetivos principais: controles
de sintomas e prevenção de eventos cardioembólicos. A
terapêutica baseada nestes 2 princípios determina redu-
ção da mortalidade quando comparada a nenhum trata-
mento. Para isto, o tratamento da FA passa por 2 focos
principais: reversão da arritmia e controle da resposta
ventricular. A reversão do ritmo de FA para ritmo sinusal
visa evitar eventos tromboembólicos e sintomatologia no
paciente, além de impedir o remodelamento ventricular
e a progressão para Insuficiência Cardíaca (IC) determi-
nados pela arritmia. No entanto, os efeitos colaterais das
Figura 9 - Fibrilação atrial drogas utilizadas para reversão do ritmo são maiores que
A sintomatologia da FA é muito variada e pode ocorrer os das drogas utilizadas para controle da frequência cardí-
de forma assintomática, embora a maioria dos pacientes aca em longo prazo, assim a melhor estratégia terapêutica
refira palpitação, tontura, dor torácica, fadiga, síncope e pe- na FA ainda não é definida: será a reversão da arritmia
ríodos de escurecimento visual. melhor do que a estratégia de controle da frequência car-
Em relação à apresentação, a FA pode ser classificada díaca? Um estudo recente mostrou a melhor tolerância ao
como: exercício nos pacientes mantidos em ritmo sinusal. Porém,
- FA inicial ou aguda: 1º episódio documentado com du- a estratégia de controle da resposta ventricular na FA crô-
ração >30s; nica associada à anticoagulação mostra os mesmos bene-

47
CARD I OLOG I A

fícios na ocorrência de complicações (IC, AVC, número de


internações).
A seguir, um algoritmo para tratamento de acordo com
a classificação da FA.

Figura 11 - Conduta medicamentosa para controle de FA persis-


tente/paroxística

Em nosso meio, é frequente o uso de digoxina associada


a quinidina para controle e reversão da FA. Porém, a última
Figura 10 - Estratégia terapêutica para tratamento da FA
diretriz brasileira de FA contraindica o uso de digoxina com
esse objetivo e classifica como IIb o uso de quinidina com
A reversão para ritmo sinusal pode ser obtida por car-
essa indicação nos pacientes sem disfunção ventricular.
dioversão farmacológica ou elétrica. O uso de antiarrítmi-
Apesar de rara a associação de FA e Síndrome de Wolff-
cos é reservado a pacientes estáveis, sem grande reper-
-Parkinson-White (SWPW), alguns cuidados devem ser
cussão clínica da arritmia, enquanto o uso da cardioversão
tomados no manuseio da FA nessa situação. Quando a FA
elétrica é indicado aos instáveis, independente da duração
se instala no portador da síndrome, em geral, ocorre alta
da FA, e aos casos refratários ao uso de antiarrítmicos. O
resposta ventricular a arritmia. No entanto, há competição
índice de reversão da FA por terapêutica farmacológica é
entre os estímulos conduzidos através do nó AV e pela via
menor que o obtido pela cardioversão elétrica que deve ser
AV anômala responsável pela síndrome. Quando há o uso
iniciada com 100 a 200J na onda monofásica ou entre 120
de drogas que determinam a redução seletiva na condução
e 200J na onda bifásica; elevações de 100J na energia são
do nó AV (não atuam sobre a via anômala), há inibição da
adicionadas aos choques subsequentes até a reversão da
competição entre as 2 vias, causando o aumento do nú-
arritmia e/ou a carga de 360J em onda monofásica e 200J
mero de estímulos conduzidos efetivamente ao ventrículo,
em onda bifásica.
determinando aumento da resposta ventricular e evolução
A reversão para ritmo sinusal do 1º episódio de FA, prin-
para FV, já que 300 a 400 estímulos passam por minuto pela
cipalmente em pacientes jovens deve ser considerada, pri-
via anômala “liberada” pelo bloqueio seletivo do nó AV. Por
mordialmente pelo baixo risco de recorrência, quando:
isso, para o controle da resposta ventricular na FA, devem-
- Átrio esquerdo <4,5 a 5cm; -se utilizar drogas que bloqueiem tanto o nó AV como a via
- Causa reversível identificada (hipertireoidismo, peri- de condução AV anômala, como a amiodarona. Devem-se
cardite, cirurgia cardíaca, tromboembolismo pulmo- evitar beta-bloqueadores, bloqueadores de canais de cálcio
nar). e digoxina.
Há modalidades terapêuticas além da farmacológica, no
A escolha do fármaco para o tratamento da FA persis- manuseio da FA. A ablação cirúrgica dos pontos de ectopia
tente depende da existência de doença cardíaca estrutural atrial é possível quando o paciente é submetido à revas-
em vista dos efeitos colaterais das drogas utilizadas. A Figu- cularização miocárdica ou troca valvar. Na vigência de ou-
ra 11 apresenta as opções terapêuticas. tras indicações de marca-passo, a aplicação de um eletrodo

48
ARRITMIAS CARDÍACAS

atrial promove a despolarização atrial coordenada. Outra Categoria de risco Terapia recomendada
possibilidade é a ablação de FA através de cateter ou a co- Qualquer fator de
locação de marca-passo AV associado à ablação do nó AV risco elevado ou + de
Varfarina (RNI 2 a 3)
nos pacientes refratários aos tratamentos farmacológicos. 1 fator de risco mo-
De forma resumida, podemos destacar as seguintes re- derado
comendações para manuseio da FA, segundo o Consenso Fator de risco Fator de risco
Fator de risco fraco
moderado elevado
Europeu de FA:
- A estratégia de controle da frequência é preferida em Sexo feminino Idade >75 anos AVEI/AIT

CARDIOLOGIA
pacientes mais idosos e pouco sintomáticos, em virtu- Hipertensão ar-
Idade: 65 a 74 anos Embolia prévia
de dos efeitos pró-arrítmicos das drogas para reversão terial
do ritmo e da prevalência elevada de FA permanente Doença coronariana IC Estenose mitral
nesta faixa etária; Tireotoxicose
FE <35%
Prótese valvar
- A estratégia de controle de ritmo é preferida em pa- Diabetes mellitus
cientes sintomáticos, a despeito da terapêutica de con- A anticoagulação aplicada à reversão do ritmo de FA
trole da frequência, mesmo naqueles pacientes com para sinusal deve ser cercada de alguns cuidados. Após a
insuficiência cardíaca sintomática; reversão para ritmo sinusal, o átrio permanece sem função
- A estratégia de controle de ritmo é sugerida para pa- contrátil por um período de até semanas, favorecendo a
cientes jovens sintomáticos; formação de trombos atriais. Quando ocorre a recuperação
- A estratégia de controle de ritmo é sugerida para pa- mecânica atrial, há o risco de o trombo formado ser ejetado
cientes com FA secundária determinada por causa já e acontecer o fenômeno embólico. Quanto maior o período
corrigida. em FA, maior o tempo para a recuperação mecânica ocor-
rer. Isso explica porque a maioria dos eventos embólicos
Outro ponto importante da estratégia terapêutica da FA acontece até o 10º dia após a reversão da FA para ritmo
é a terapia anticoagulante, cujo objetivo principal é reduzir sinusal. O INR alvo na anticoagulação da FA é de 2 a 3.
a possibilidade de evento tromboembólico no manuseio da Estima-se que a FA de início recente (<48 horas) apre-
FA. Proteger o doente de eventos cardioembólicos deve ser senta pouco risco para a formação do trombo atrial, não
considerado diante dos riscos de complicações hemorrági- necessitando de anticoagulação nos pacientes sem car-
cas do tratamento. Por isso, a indicação terapêutica varia de diopatia associada ou outros fatores de risco para evento
acordo com o grau de risco do evento. A antiagregação pla- tromboembólico. Para os pacientes com tempo de FA acima
quetária com aspirina e a anticoagulação oral são eficazes de 48 horas ou por tempo indeterminado, é recomendada a
em reduzir o número de eventos cardioembólicos (redução anticoagulação por 3 semanas previamente à reversão para
de 22 e 64%, respectivamente). o ritmo sinusal. Quando o ecocardiograma transesofágico
Nos pacientes com valvulopatia e FA associada, a antico- está disponível, é possível identificar os pacientes que te-
agulação é fortemente recomendada. nham trombos atriais (sensibilidade acima de 90%). Quan-
Na população não valvulopata, a indicação de antiagrega- do há trombo, é adequada a anticoagulação prévia por 3 a
ção/anticoagulação é discutida a seguir, assim como as orien- 4 semanas anteriormente à cardioversão, mantendo a anti-
tações para antiagregação/anticoagulação dos pacientes coagulação por mais 4 semanas após a conversão para rit-
que terão a FA revertida para ritmo sinusal (Tabela 1) e para mo sinusal. Quanto aos pacientes que não tenham trombos
aqueles com recorrência/persistência da arritmia (Figura 12). ao ecocardiograma, deve-se iniciar heparinização plena, e
De forma geral, todo indivíduo com FA persistente deve ter pode-se proceder à cardioversão e manter a anticoagulação
proteção contra evento cardioembólico, cuja estratégia é de- por mais 4 semanas. Portanto, o ecocardiograma apenas
finida a partir dos fatores de risco associados (CHADS – Con- permite reduzir o tempo de anticoagulação.
gestive Heart failure/Hypertension/Age >75 anos/Diabetes/
Secundary prevention). A reavaliação contínua desses fatores Tabela 2 - Anticoagulação e tempo de duração da FA
ao longo da evolução do paciente com FA pode determinar - FA aguda (<48h): não anticoagular, proceder ao controle/re-
mudança da estratégia protetora. A decisão de permanecer versão da FA;
o paciente anticoagulado ou apenas antiagregado deve ba- - FA crônica ou de duração indeterminada: proceder à anticoa-
sear-se em alguns fatores. A Diretriz Brasileira de FA indica a gulação e ao controle da FC; após 3 a 4 semanas com RNI entre
seguinte classificação de risco a ser seguida. 2 a 3, proceder à cardioversão e manter a anticoagulação por
mais 3 a 4 semanas. Na vigência de ecocardiograma transeso-
Tabela 1 - Classificação de risco indicada pela Diretriz Brasileira de FA fágico negativo para trombo atrial, proceder à cardioversão e
Categoria de risco Terapia recomendada manter a anticoagulação por 3 a 4 semanas.
Sem fatores de risco Aspirina 81 a 325mg Nos pacientes com FA permanente, persistente ou pa-
1 fator de risco mo- Aspirina 81 a 325mg ou varfarina roxística, é necessária a proteção prolongada para eventos
derado (RNI 2 a 3) cardioembólicos. A intensidade dessa proteção é determi-

49
CARD I OLOG I A

nada pela presença de fatores de risco que potencializam o blema. Há, ainda, a substituição das ondas P por ou-
risco do evento, que pode ser baixo, moderado ou alto, de- tras denominadas de ondas F (Flutter), de aspecto
terminando o uso de AAS ou varfarina, conforme a Tabela 2. pontiagudo, largas, interligadas umas às outras e
Nos pacientes com valvulopatia e FA associada, a antico- apresentam aspecto semelhante;
agulação é fortemente recomendada. • Intervalo PR: geralmente, regular, mas pode variar;
Recentemente, um estudo demonstrou que o dabiga- • Intervalo QRS: geralmente, normal.
trana, um inibidor da trombina, pode ser utilizado na FA
como terapêutica isolada de anticoagulação, com menor
risco de sangramento, quando comparado com a varfarina.
Nos pacientes com contraindicação formal ao uso de an-
ticoagulantes, a associação de AAS e clopidogrel pode ser
utilizada, apesar do efeito protetor para eventos embólicos
desta associação ser menor do que aquele determinado
pela warfarina.

b) Flutter atrial
Trata-se de uma arritmia desencadeada por um circuito
de reentrada intra-atrial. A despolarização atrial acontece
de baixo para cima e é mais bem observada nas derivações Figura 12 - Flutter atrial
inferiores (DII, DIII e aVF). O registro de ondas “em dente de
serra” da atividade atrial caracteriza o flutter atrial. Em ge-
ral, a frequência dessa atividade varia de 220 a 350 despola-
C - 3ª pergunta: existe relação entre a onda “P”
rizações por minuto. No entanto, tais estímulos sofrem um e o QRS?
bloqueio fisiológico no nó AV, caracterizando os ritmos de Ao ECG normal, todo complexo QRS é precedido de uma
batimento atrial em relação ao ventricular 2:1, 3:1 e assim onda P, e o intervalo PR normal é de, no máximo, 0,20ms.
por diante. Algumas drogas, como beta-bloqueador, digital Os bloqueios cardíacos são ritmos causados pela condu-
e verapamil podem determinar aumento do grau de blo- ção alterada através do nó AV. À medida que a velocidade
queio e, até mesmo, torná-lo variável. de condução pelo nó AV diminui, o intervalo PR aumenta.
É uma arritmia que raramente acontece na ausência de Quando o bloqueio é intenso, algumas ondas P não passam
patologia cardíaca e, em geral, associa-se à doença valvar para o ventrículo, e, na pior situação, nenhuma onda P che-
mitral ou tricúspide, cor pulmonale crônico e agudo ou do- ga ao ventrículo. Há 3 graus possíveis de BAV:
ença coronária. Também é raro ocorrer por intoxicação di-
a) BAV de 1º grau
gitálica. O tratamento preferencial para o paciente instável
é a cardioversão elétrica, iniciada em 50J. O indivíduo que Traduz, simplesmente, o retardo na passagem do impul-
tolera razoavelmente a arritmia pode ter sua frequência so do átrio para os ventrículos, geralmente no nó AV, mas
controlada com diltiazem, digital, verapamil ou beta-blo- pode ser também infranodal. O intervalo é maior do que
queadores. A reversão da arritmia pode ser atingida com 0,20ms, e toda onda P determina um QRS. O tratamento,
o uso de quinidina, procainamida ou amiodarona, apesar geralmente, é desnecessário quando não há sintomas.
de o sucesso na estratégia farmacológica não ser frequente. - Critérios ao ECG:
Após a falha terapêutica farmacológica, deve-se cardiover- • QRS normal;
ter eletricamente o doente. • Ritmo regular;
Embora haja poucos dados a respeito, aconselha-se o • Onda P: onda normal, seguida de QRS;
seguimento das mesmas orientações de anticoagulação de- • Intervalo PR: maior do que 0,20ms; geralmente,
finidos para a FA no manuseio do flutter, apesar de a apre- permanece constante.
sentação crônica de tal patologia ser incomum.
- Critérios ao ECG:
• Frequência atrial: geralmente, em torno de 300bpm;
• Ritmo: é regular, mas pode ser irregular em caso de
bloqueio AV variável;
• Onda P: as ondas atriais lembram os dentes de uma Figura 13 - BAV de 1º grau
serra e são mais bem identificadas nas derivações
inferiores; em graus de bloqueio 1:1 ou 2:1, pode b) BAV de 2º grau
ser difícil identificar as ondas do flutter, mas o uso Alguns estímulos são bloqueados e outros conduzidos.
de manobra vagal ou de adenosina resolve tal pro- Esse tipo de bloqueio é subdividido em:

50
ARRITMIAS CARDÍACAS

- BAV de 2º grau Mobitz I: também conhecido como • Critérios ao ECG:


fenômeno de Wenckebach, usualmente é causado * QRS: normal, quando o bloqueio ocorre no feixe de
por aumento do tônus simpático no nó AV ou ação de His; quando abaixo desse nível, o QRS é alargado;
drogas (digital, verapamil), podendo ocorrer na região * Frequência: a frequência atrial não é afetada, e a
juncional; geralmente, é transitório e de bom prog- ventricular é menor que a atrial. Ausência de 1 ou
nóstico. Caracteriza-se pelo aumento progressivo do mais ciclos elétricos completos P-QRS-T, traduzidos
intervalo PR, até haver o bloqueio total de uma onda P, por uma pausa elétrica;
repetindo o mesmo padrão ao longo do tempo. O tra- * Ritmo: o ritmo atrial é regular, enquanto o blo-

CARDIOLOGIA
tamento específico raramente é necessário, a menos queio intermitente da onda P determina resposta
que estejam presentes sinais e sintomas graves. ventricular irregular;
• Critérios ao ECG: * Ondas P: morfologia normal. Intervalos P-P cons-
* QRS: normal; tantes, nos ciclos de base;
* Frequência: a atrial não é afetada, mas a ventricu- * Intervalo da pausa elétrica: o dobro do intervalo
lar se altera devido às ondas P bloqueadas. O in- diastólico do ciclo sinusal;
tervalo da pausa elétrica é menor que o dobro do * Intervalo PR: pode ser normal ou alargado, porém é
intervalo diastólico do ciclo sinusal precedente; constante nas ondas P que são conduzidas; pode ha-
* Ritmo: o ritmo atrial é regular, ao contrário do ver diminuição do PR após uma onda P bloqueada.
ventricular;
* Onda P: aspecto normal, sucedida por QRS, exce-
to aquela bloqueada. Intervalos P-P progressiva-
mente mais curtos, até a ocorrência da pausa.

Figura 15 - BAV 2º de grau Mobitz II

c) BAV de 3º grau
Figura 14 - BAV de 2º grau Mobitz I
Representa uma desconexão total entre átrios e ventrí-
- BAV de 2º grau Mobitz II: é mais comum no feixe de His culos, podendo ocorrer no nível do nó AV, feixe de His ou
e em seus ramos. Geralmente, associa-se à lesão orgâni- nos seus ramos. No 1º caso, o ritmo que mantém a frequên-
ca do sistema de condução, sendo raramente derivado cia ventricular é, geralmente, originado na região do nó jun-
do aumento do tônus parassimpático ou da ação de dro- cional (ritmo de escape juncional), com frequência estável
gas. Tem maior probabilidade de evoluir para bloqueio de 40 a 60bpm e QRS estreito. É associado a IAM inferior,
AV total. A característica do BAV de 2º grau é de não efeito de drogas (beta-bloqueador) ou dano ao nó AV, sen-
haver alargamento do intervalo PR antes da onda P, e do de bom prognóstico. Quando o BAV acontece em região
pode haver mais de 1 batimento não conduzido no mo- infranodal, em geral é de 2 ramos, e é indicativo de lesão
mento do bloqueio. O tratamento depende da condição extensa do sistema de condução intracardíaca. O ritmo de
clínica do paciente. Quando há repercussão hemodinâ- escape desse bloqueio é em geralmente ventricular, com 30
mica da bradicardia, o tratamento imediato consiste em a 40bpm, e o QRS, por ser originado no próprio ventrículo,
marca-passo transcutâneo; na ausência do dispositivo é alargado, não sendo um marca-passo confiável, podendo
ou na falha da sua captura, podem-se utilizar drogas evoluir para assistolia.
adrenérgicas, como a dopamina ou a adrenalina em in- - Critérios ao ECG:
fusão contínua, para melhora da frequência. O paciente • QRS: geralmente normal, pode ser alargado, depen-
assintomático deve receber marca-passo transcutâneo dendo da origem do ritmo de escape;
para teste de captura elétrica que deve ser mantido
• Ondas P: normais;
desligado (ligado novamente caso o paciente se torne
instável). Tal medida é necessária em virtude do risco de • Frequência: a atrial é normal, e a ventricular é me-
o indivíduo piorar o ritmo da bradicardia e tornar-se sin- nor que a atrial;
tomático. Tanto no paciente instável quanto no estável, • Ritmo: o ritmo atrial é regular, mas pode ser irregu-
é aceitável atropina para melhora da frequência cardía- lar; o ritmo ventricular é sempre regular;
ca; essa medida é mais efetiva nos graus mais elevados • Intervalo PR: é variável pela independência atrial e
de bloqueio AV. ventricular.

51
CARD I OLOG I A

O manuseio das bradiarritmias deve seguir as orienta-


ções do fluxograma a seguir. Quando assintomática, a bra-
dicardia deve ser tratada de forma conservadora, buscando
a reversão das possíveis causas associadas. Quando deter-
minada por ritmo de BAV de 2º grau Mobitz II ou BAV de
3º grau, recomenda-se marca-passo transcutâneo como
dispositivo de segurança para estabilização do quadro, uti-
lizado somente na ocorrência de desestabilização. Na bra-
dicardia sintomática, independente da forma (bradicardia
sinusal, bloqueio AV total etc.), devem-se utilizar as orien-
tações descritas na Figura 17. Sintomas e sinais como hipo-
tensão, choque, congestão pulmonar, tontura, dor torácica
isquêmica, IC, fraqueza ou fadiga e alteração aguda da cons-
Figura 16 - BAVT ciência, definem a situação de instabilidade da bradicardia.

Figura 17 - Tratamento das bradicardias sintomáticas

52
ARRITMIAS CARDÍACAS

d) Complexos juncionais - Critérios ao ECG:


O tecido de condução próximo ao nó AV pode assumir • QRS: normal;
a função de marca-passo do coração. Isso acontece em pa- • Frequência: o ritmo de escape juncional tem frequên-
cientes com frequências cardíacas baixas (de 40 a 60bpm) cia de 40 a 60bpm;
e complexos QRS invertidos, porém estreitos, e podem ser • Ritmo: a presença de alguns complexos de escape
identificadas ondas P retrógradas nas derivações DII e DIII. juncional pode causar ritmo irregular, no entanto o
ritmo de escape juncional geralmente é regular;
- Extrassístoles juncionais

CARDIOLOGIA
• Ondas P: pode haver a onda P retrógrada;
Trata-se de impulso elétrico com origem na junção AV e
• Intervalo PR: geralmente variável, porém menor do
que acontece antes do próximo impulso sinusal fisiológico,
que o PR da onda sinusal;
determinando uma despolarização atrial retrógrada, com
onda P negativa nas derivações inferiores. Essa onda pode • Intervalo QRS: normal.
coincidir com o complexo QRS, precedê-lo ou segui-lo por
haver dependência do tempo de condução relativo entre o
local de origem na junção e os átrios e ventrículos; quando
o impulso é gerado em uma porção mais alta da junção AV,
a onda P retrógrada geralmente antecede ou coincide com
o QRS; porções mais baixas da junção podem determinar
a onda P retrógrada após o QRS. Raramente, é necessário
tratamento.
- Critérios ao ECG:
• QRS: normal; pode ocorrer QRS alargado, indicando Figura 19 - Extrassístole juncional
bloqueio de ramo;
• Ritmo: irregular;
• Ondas P: geralmente negativas nas derivações in- D - 4ª pergunta: qual a frequência cardíaca?
feriores (aVF, DII e DIII), determinadas pelas despo- Um grupo final de ritmos deve ser identificado com base
larizações retrógradas; pode coincidir com o QRS, na análise da frequência: a bradicardia e a taquicardia sinu-
precedê-lo ou vir depois dele; sal e a taquicardia supraventricular.
• Intervalo PR: geralmente menor do que 0,12ms. A frequência cardíaca do traçado eletrocardiográfico
Pode ocorrer em BAV total. pode ser avaliada por várias formas. Uma mais trabalhosa
é dividir o número 1.500 pelo número de quadrinhos exis-
- Escape juncional tentes entre 2 ondas R de 2 complexos QRS consecutivos
A junção AV pode funcionar como marca-passo cardía- (passam pela fita do traçado 1.500 quadrinhos em 1 minu-
co, gerando uma frequência de 40 a 60bpm. Em situações to); o resultado é a frequência cardíaca do traçado. Uma
normais, o marca-passo sinusal predomina sobre a junção forma mais simples de determinar a frequência cardíaca é
AV em virtude da frequência mais alta de despolarizações. lembrar a regra numérica descrita na Figura 20. Ao avaliar o
Quando não há tal predomínio, ou seja, quando não há o traçado, encontra-se uma onda R do QRS que incide sobre o
estímulo do nó AV pela ordem sinusal em 1 a 1,5 segun- início do intervalo de 200ms (5 quadrados menores). A par-
do, o nó AV despolariza-se de forma autônoma, gerando o tir desse ponto, contam-se quantos intervalos de 5 quadri-
chamado complexo de escape juncional. Quando há uma nhos existem, aproximadamente, até a próxima onda R do
série repetida de tais estímulos, estamos diante do ritmo de QRS. Tal regra pré-calcula o número prévio de quadrinhos
escape juncional. Trata-se de uma situação frequentemente entre as ondas R de 2 QRS consecutivos, determinando a
associada à intoxicação digitálica. FC. Frequências >100bpm são consideradas taquicárdicas,
e <60bpm, bradicárdicas.

Figura 18 - (A) Ondas P retrógradas antes do QRS e (B) após o QRS Figura 20 - Forma rápida para cálculo da frequência cardíaca

53
CARD I OLOG I A

a) Taquicardia sinusal cuidado com pacientes com QRS alargado, pois pode
Definida pelo aumento da frequência de despolariza- tratar-se de taquicardia ventricular;
ções atriais, compreende uma resposta fisiológica à neces- - Flutter e fibrilação atrial: já discutidos;
sidade de aumento do débito cardíaco. Pode ser determi- - Taquicardia atrial não paroxística: normalmente, é se-
nada por febre, exercício, ansiedade, hipovolemia e dor, de- cundária a outros eventos, mais comumente à intoxi-
vendo ser tratada a causa que a determinou e não a própria cação digitálica. Seu mecanismo envolve o surgimento
taquicardia. de um foco atrial ectópico com automatismo aumen-
- Critérios ao ECG: tado. É comum associar-se ao bloqueio AV variável.
• QRS: normal; • Critérios ao ECG:
• Frequência: acima de 100bpm; * Frequência: a atrial, em geral, oscila entre 140 e
• Ritmo: regular; 220bpm;
• Ondas P: positivas em DII, DIII e aVF. * Ritmo: o ritmo atrial é normalmente regular; pode
haver bloqueio AV o que determinará frequência
b) Bradicardia sinusal ventricular menor;
Determinada pela lentidão do nó sinusal em despolari- * Ondas P: de difícil identificação, geralmente com
zar-se, podendo acontecer devido ao efeito de determina- morfologia diferente da onda P sinusal;
das drogas (beta-bloqueador, digital e verapamil), doença * Intervalo PR: normal ou prolongado;
do nó sinusal ou aumento do tônus parassimpático. * Intervalo QRS: normal ou alargado.
- Critérios ao ECG:
• QRS: normal; 4. Abordagem das taquiarritmias
• Frequência: abaixo de 60bpm;
As taquiarritmias caracterizam-se por uma frequência
• Ritmo: regular;
cardíaca >100bpm e podem ser classificadas em instáveis
• Ondas P: positivas em DII, DIII e aVF. (apresentam os mesmos critérios de instabilidade das bra-
dicardias citados) ou estáveis:
a) Taquicardias com QRS estreito (todas de origem su-
praventricular)
Taquicardia sinusal, fibrilação atrial, flutter atrial, taqui-
cardia atrial, taquicardia por reentrada nodal, taquicardia
juncional e taquicardia AV (ortodrômica – envolvendo uma
via acessória). Ainda podem ser diferenciadas entre as ta-
quicardias com intervalo QRS irregular ou regular.

Figura 21 - (A) Taquicardia sinusal; (B) bradicardia sinusal e (C)


ritmo sinusal

c) Taquicardias supraventriculares
As taquicardias supraventriculares podem ser multifo-
cais ou uniformes e englobam as seguintes arritmias:
- Taquicardia paroxística supraventricular (TPSV): ocor-
re em episódios paroxísticos de taquicardia com início
abrupto e duração breve (segundos) ou prolongada (ho-
ras) e pode ser abortada por manobras vagais. O me-
canismo mais comumente associado é a reentrada, em
geral envolvendo somente o nó AV ou este juntamen-
te com uma via anômala acessória. Os complexos QRS
são estreitos, porém podem ocorrer de forma alargada Figura 22 - Taquicardias com QRS estreito
quando há bloqueio de ramo frequência-dependente,
bloqueios preexistentes ou por condução anterógrada
aos ventrículos por via anômala extranodal, como na b) Taquicardias com QRS largo (na maioria das vezes,
SWPW (feixe de Kent). A despolarização atrial é retró- de origem ventricular)
grada (onda P negativa). Tal arritmia é bem tolerada em Taquicardia ventricular, fibrilação ventricular e TSV com
jovens, e o tratamento envolve o uso de manobra vagal, aberrância de condução intraventricular (com bloqueio de
adenosina, verapamil ou beta- bloqueador. Deve-se ter ramo antigo ou funcional).

54
ARRITMIAS CARDÍACAS

CARDIOLOGIA
Figura 23 - Taquicardias com QRS largo

c) Taquicardias pré-excitadas (de origem supraventricular)


Taquicardia antidrômica (utiliza em sentido anterógrado uma via acessória e, em sentido retrógrado, o nó AV) e taquiar-
ritmias atriais que são conduzidas através de uma via acessória.
A seguir, os algoritmos para tratamento das taquiarritmias de complexo QRS largo e estreito com intervalo regular ou
irregular do QRS.

Figura 24 - Tratamento das taquicardias com QRS estreito

55
CARD I OLO G I A

Figura 25 - Tratamento das taquicardias com intervalo QRS irregular

5. Resumo
Quadro-resumo
- A correta identificação do ritmo cardíaco é essencial na conduta terapêutica das arritmias;
- As FV/TV sempre devem ser tratadas imediatamente com desfibrilação elétrica (choque não sincronizado);
- A TV, TSV e a FA instáveis devem ser tratadas com cardioversão elétrica imediata;
- A FA estável pode ter seu tratamento de 2 formas: controle do ritmo (reversão para sinusal) ou controle da FC (resposta ventricular);
- Nas bradicardias sintomáticas, a aplicação do marca-passo transcutâneo está indicada; o uso de atropina pode ser empregado;
- Na falha da atropina ou do marca-passo, epinefrina ou dopamina podem ser utilizadas para tratar a bradicardia sintomática.

56
CAPÍTULO

7
Angina estável

Rodrigo Antônio Brandão Neto / José Paulo Ladeira / Fabrício Nogueira Furtado

1. Introdução e definições 2. Epidemiologia


A angina estável é a forma de apresentação de cerca de Há dúvida quanto à real prevalência da doença coro-
50% dos casos de insuficiência coronariana crônica. É de- nariana, mas certamente são milhões de casos. Uma es-
finida, segundo as Diretrizes Brasileiras de Angina Estável, tatística americana mostra uma incidência em torno de
como uma síndrome clínica caracterizada por dor ou des- 213:100.000, na população com idade acima de 30 anos.
conforto em quaisquer das seguintes regiões: tórax, epigás- Segundo estimativas da American Heart Association (AHA),
trio, mandíbula, ombro, dorso ou membros superiores, sen- pelo menos 6.500.000 pacientes nos EUA apresentam dor
do, tipicamente, desencadeada ou agravada por atividade precordial. Entretanto, também têm um prognóstico rela-
física ou estresse emocional e atenuada com repouso, uso tivamente bom, em comparação àqueles com insuficiência
de nitroglicerina e derivados. Com base nessas característi- coronariana, que evoluem para infarto agudo do miocár-
cas, a angina pode ser classificada como típica, atípica ou de dio de 3 a 3,5% ao ano (pacientes que apresentam angina
origem não cardíaca, conforme a Tabela 1. estável crônica). Portanto, pode-se estimar que, para cada
A maioria dos pacientes apresenta estenose de ao me- paciente que necessita de internação por doença corona-
nos 70% de uma das principais artérias coronarianas ao riana aguda, há um pouco mais de 30 pacientes com angina
apresentar sintomas clínicos. Pode, entretanto, ocorrer estável. De qualquer forma, a doença coronariana ainda é
em pacientes com doença cardíaca valvar, cardiomiopatia a maior causa de mortalidade no mundo, representando a
causa de morte em 1 a cada 4,8 óbitos nos EUA.
hipertrófica e hipertensão não controlada. Pacientes com
coronárias normais podem, ainda, ter isquemia miocárdica
relacionada a vasoespasmo ou disfunção endotelial, apre- 3. Fisiopatologia
sentando-se sob a forma de angina. A angina acontece quando há isquemia miocárdica re-
A angina precordial acontece quando a demanda de oxi- gional, devido à perfusão coronariana inadequada, usual-
gênio pelo miocárdio supera a oferta, e a dor é indicativa da mente associada a situações em que o consumo de oxigê-
presença de isquemia miocárdica transitória. O diagnóstico nio aumenta, como estresse emocional e atividade física.
clínico de angina estável tem capacidade de predizer a pre- Uma característica dessa situação é a reversibilidade dos
sença de doença coronariana com 90% de acurácia. sintomas após a interrupção do fator estressante e/ou o
Do ponto de vista angiográfico, a doença arterial coro- uso de nitratos (gera vasodilatação coronariana).
nariana é considerada significativa quando ocorre estenose A angina pectoris ocorre como consequência da evolu-
de, no mínimo, 70% do lúmen do vaso, ao menos em 1 seg- ção da arteriosclerose coronariana. Nesse processo, inicial-
mento de 1 das artérias epicárdicas maiores, ou estenose mente aparecem estrias gordurosas, que são formações pla-
maior que 50% do diâmetro do tronco da coronária esquer- nas amareladas sem repercussão clínica; posteriormente,
da. Apesar de lesões com menor grau de estenose também podem aparecer placas fibrolipídicas. Estas são formações
causarem angina, estas apresentam melhor prognóstico elevadas na superfície da íntima que podem se associar a
nessas situações. complicações como fissuras, trombose, roturas, calcifica-

57
CARD I OLOG I A

ção e necrose. As placas fibrolipídicas podem ser divididas - Dor torácica não cardíaca: 1 ou nenhuma das caracte-
em estáveis e instáveis. Quando ocorrem fissuras e roturas, rísticas anteriores.
pode haver instabilidade da placa, de forma que o pacien-
Apesar de diferentes classificações terem sido criadas,
te evolui com síndrome coronariana instável. Por sua vez,
esta é a que provavelmente melhor auxilia na realização do
quando o indivíduo apresenta calcificação, com obstrução
diagnóstico de doença coronariana.
fixa ao fluxo coronariano, há evolução para angina estável.
Tabela 1 - Classificação da dor torácica segundo as características
4. Manifestações clínicas clínicas
- Angina típica;

A - Anamnese - Angina atípica;


- Dor torácica não cardíaca.
Na história clínica, devem-se observar os caracteres
propedêuticos da dor tipo anginosa, conforme descrito a Alguns autores dividem, ainda, a angina crônica estável
seguir: em 2 padrões de dor: angina estável de limiar fixo, em que
- Caráter: em pressão, aperto, constrição ou peso; a dor é reproduzida pelo mesmo tipo de esforço físico, e an-
- Duração: alguns minutos (usual), pacientes com qua- gina crônica estável de limiar variável, em que diferentes es-
dro de aparecimento repentino e duração fugaz, ou forços podem causar dor, ora apenas com esforços maiores,
com várias horas de evolução, raramente apresentam ora com esforços menores. Neste caso, os pacientes podem
angina; apresentar algum componente vasoespástico de base, e em
- Localização: subesternal, podendo ocorrer, ainda, em tal situação alguns autores preconizam que poderia haver
ombro, epigástrio, região cervical, hemitórax e dorso; efeito benéfico com o uso de medicações vasodilatadoras
- Irradiação: eventualmente, para membros superiores (bloqueadores dos canais de cálcio, por exemplo).
(direito, esquerdo ou ambos), ombro, mandíbula, pes- O que caracteriza a estabilidade ou a instabilidade da
coço, dorso e região epigástrica; angina é o fato de ela manter ou não o mesmo padrão. Ou
seja, angina instável é qualquer angina que tenha aumenta-
- Intensidade: variada, pode levar o indivíduo à imobi- do a frequência de ocorrência, a intensidade ou a duração,
lidade por alguns minutos ou ser menos pronunciada,
ou que esteja surgindo com limiares menores de esforço.
em especial em alguns grupos com neuropatia associa-
da (diabéticos, por exemplo); 6. Diagnósticos diferenciais
- Fatores desencadeantes (e de piora): precipitação por
esforço físico e estresse emocional; A dor tipo anginosa pode ser causada por outras doen-
- Fatores de melhora: alívio característico com repouso ças, e nesses casos é denominada angina funcional. Esta
ou uso de nitratos; também se relaciona à isquemia miocárdica, mas na ausên-
cia de obstrução significativa ao fluxo coronariano. Pode ser
- Sintomas associados: possibilidade de náuseas, vômi- causada, por exemplo, pelo aumento no consumo de oxigê-
tos e palidez mucocutânea.
nio associado a hipertermia, hipertireoidismo e uso de co-
caína. É interessante salientar que pacientes idosos podem
B - Exame físico não apresentar um quadro clínico típico de tireotoxicose
O exame físico é quase sempre normal, entretanto a (hipertireoidismo apático); desse modo, deve-se considerar
presença de 3ª ou 4ª bulha cardíaca, sopro de regurgitação tal hipótese principalmente nos indivíduos que apresentam
mitral e estertores pulmonares são sugestivos de doença aumento da frequência cardíaca. A intoxicação por cocaína
coronariana no indivíduo com dor no momento do exame. ou agentes catecolaminérgicos (como os que existem nas
O achado de aterosclerose em outros locais costuma fórmulas de emagrecer) pode levar à toxicidade simpatico-
ter boa correlação com a presença de doença coronariana, mimética, aumentando o consumo de oxigênio e levando,
assim como a presença de múltiplos fatores de risco car- eventualmente, ao aparecimento de espasmo coronariano.
diovascular, como hipertensão arterial, tabagismo, dislipi- Pacientes com hipertensão não controlada podem, de-
demia e antecedente familiar de doença cardiovascular, os vido ao aumento da tensão da parede ventricular esquerda
quais aumentam a probabilidade diagnóstica. e diminuição da perfusão subendocárdica do miocárdio,
apresentar sintomas anginosos. Episódios de taquiarritmias
5. Classificação da dor torácica também podem aumentar o consumo de oxigênio.
As causas cardíacas de dor anginosa como miocardio-
A dor torácica pode ser classificada, de acordo com suas patia hipertrófica e estenose aórtica também devem ser
características clínicas, em: lembradas no diagnóstico diferencial desses pacientes.
- Angina típica: dor característica, provocada por esfor- Indivíduos com dissecção de aorta apresentam-se com as-
ço, com alívio por meio de nitrato ou repouso; simetria de pulsos e têm, como diagnóstico diferencial, a
- Angina atípica: 2 das características anteriores; síndrome coronariana aguda.

58
ANGINA ESTÁVEL

A anemia é uma situação em que se reduz a capacidade A angina estável apresenta uma classificação clínica, da
de transporte de oxigênio do sangue, podendo cursar com Sociedade Canadense de Cardiologia, adotada tanto pelo
sintomas anginosos. O débito cardíaco aumenta com níveis consenso da American Heart Association quanto pelas Dire-
de hemoglobina inferiores a 9g/dL, e alterações do segmen- trizes Brasileiras de Angina Instável (Tabela 4).
to ST podem ocorrer quando o nível cai abaixo de 7g/dL.
Situações em que a viscosidade sanguínea está aumentada, Tabela 4 - Classificação clínica da angina estável
como policitemia, leucemia e trombocitose, entre outras si- I Angina com esforço físico extremo.
tuações, também podem levar à dor anginosa. Angina com atividades do cotidiano, como andar mais que

CARDIOLOGIA
II
O espasmo esofagiano pode reproduzir dor em região 2 quarteirões.
retroesternal em aperto, com duração de minutos e alívio III Angina com importante restrição na atividade física.
com nitratos, de forma que pode ser um fator de confusão. Inabilidade de realizar qualquer atividade física sem dor ou
IV
A dor torácica pode, ainda, associar-se a afecções pul- dor mesmo ao repouso.
monares como pleurite (mas, nesse caso, a dor costuma ter
caráter ventilatório-dependente), tromboembolismo pul- B - Exames complementares
monar, pneumotórax e outras condições que cursam com
Em pacientes com suspeita diagnóstica de angina está-
hipoxemia.
vel, são necessários exames mínimos, segundo as recomen-
Por fim, na avaliação do quadro de dor anginosa, também
devem ser lembrados, como diagnósticos diferenciais, qua- dações da American Heart Association, os quais incluem he-
dros de distúrbios ansiosos, depressivos e somatoformes. moglobina, glicemia de jejum, perfil lipídico, raio x de tórax
e ECG de repouso.

7. Diagnóstico e exames complementares a) Laboratório


O hemograma, principalmente a dosagem de hemo-
A - Diagnóstico globina, ajudará a descartar a presença de anemia, en-
quanto glicemia de jejum e perfil lipídico objetivam ava-
A história e o exame físico apresentam ótima acurácia liar os fatores de risco associados à doença coronariana.
no diagnóstico de doença arterial coronariana. É importante também a avaliação da função tireoidiana,
A probabilidade dessa doença também depende da ida- já que o hipertireoidismo pode ser um fator etiológico e
de e do sexo do paciente, além da presença de fatores de agravante, assim como o hipotireoidismo pode contribuir
alto risco para doença coronariana (diabetes, tabagismo e para o surgimento de alterações metabólicas que predis-
dislipidemia). As Tabelas a seguir, adaptadas do Consenso põem à aterosclerose.
Americano de Angina Estável, mostram a probabilidade do
diagnóstico da doença (dados percentuais), segundo idade, b) Raio x de tórax
sexo, características da dor e presença de fatores de alto A radiografia de tórax pode auxiliar na diferenciação
risco. com causas de dor torácica, como fraturas de costelas e
pneumotórax, sendo de grande importância em pacientes
Tabela 2 - Pacientes sem fatores de alto risco
com suspeita de doença coronariana e sinais/sintomas su-
Dor não gestivos de insuficiência cardíaca, além daqueles com pos-
Angina atípica Angina típica
Idade anginosa
sível doença pulmonar associada.
Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher
30 a 39 4 2 34 12 76 26 c) Eletrocardiograma
40 a 49 13 3 51 22 87 55 O eletrocardiograma (ECG) tem utilidade limitada para
o diagnóstico de doença arterial crônica, pois alterações
50 a 59 20 7 65 31 93 73
da repolarização, observadas em alguns anginosos, tam-
60 a 69 27 14 72 51 94 86
bém podem ocorrer em outras situações, como sobrecar-
Tabela 3 - Pacientes com fatores de alto risco ga ventricular esquerda secundária à hipertensão, distúr-
Dor não bios hidroeletrolíticos, entre outras. Deve-se acrescentar
Angina atípica Angina típica ainda que o ECG normal não exclui a presença de obstru-
Idade anginosa
Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher ção coronariana. Ainda assim, pode auxiliar no diagnós-
tico. Áreas inativas prévias, com ondas Q significativas,
35 3 a 35 1 a 19 8 a 59 2 a 39 30 a 88 10 a 78
são bastante sugestivas do diagnóstico, principalmente se
45 9 a 47 2 a 22 21 a 70 5 a 43 51 a 92 20 a 79
associadas a ondas T negativas. A presença de ondas T po-
23 a sitivas, pontiagudas e simétricas também sugere isquemia.
55 4 a 25 45 a 79 10 a 47 80 a 95 38 a 82
59
O exame é considerado pela AHA como classe I (fortemen-
49 a te indicado) nos pacientes com suspeita de dor torácica de
65 9 a 29 71 a 86 20 a 51 93 a 97 56 a 84
69 causa cardíaca.

59
CARD I OLOG I A

d) Teste ergométrico O teste pode ser usado, ainda, para avaliar o prognósti-
O teste de esforço ou ergométrico é utilizado tanto para co dos pacientes.
diagnóstico como para estratificação do risco de pacientes Tabela 6 - Recomendações das diretrizes brasileiras sobre angina
com doença coronariana, sendo o método não invasivo estável para o uso do TE na definição prognóstica do paciente
mais comumente empregado, tornando-se a abordagem Todos os pacientes com probabilidade intermedi-
mais custo-eficaz nessa população. Apresenta sensibilida- Classe I ária ou alta de DAC, após uma avaliação inicial ou
de de 68% para o diagnóstico, com especificidade de 77%, que apresentem modificações dos sintomas.
além de ser considerado seguro, com complicações impor- Pacientes revascularizados com sintomas sugerindo
tantes como IAM e morte ocorrendo em menos de 1 a cada Classe IIa
isquemia.
2.500 procedimentos. Pacientes portadores de pré-excitação, depressão
O teste é, usualmente, considerado positivo quando do segmento ST >1mm no ECG de repouso, ritmo
Classe IIb
ocorre depressão horizontal ou descendente do segmento de marca-passo, bloqueio completo do ramo es-
ST maior que 1mm, 60 a 80ms após o final do QRS (ponto J). querdo (interpretação dificultada do teste).

Tabela 5 - Indicações do teste de esforço para o diagnóstico da Os resultados do teste de esforço apresentam impli-
condição, segundo a American Heart Association e as Diretrizes cação prognóstica e são considerados dados de alto risco
Brasileiras de Angina Estável para eventos cardiovasculares: baixa capacidade funcional
- Pacientes com probabilidade intermediária (≤4mets) e depressão ou elevação do segmento ST em car-
Classe I
de doença arterial coronariana. gas baixas. Uma forma mais objetiva de avaliar a capaci-
- Angina vasoespástica (indicação não discu- dade funcional é calculando o escore de Duke, obtido por
Classe IIa
tida nas diretrizes brasileiras). meio da seguinte fórmula:
- Pacientes com probabilidade baixa ou alta
Tempo de exercício (em minutos) - desvio máximo segmento
de doença arterial coronariana ou hiper-
ST (em mm) máximo - 4x angina de esforço (0 se sem, 1 se não
trofia do ventrículo esquerdo com depres-
Classe IIb limitante e 2 se limitante)
são de ST <1mm ou bloqueio completo do
ramo esquerdo;
- Paciente com infarto prévio. Tabela 7 - Interpretação dos resultados

Classe III (pa- ≥5 Baixo risco


cientes sem -10 a 4 Moderado risco
- Pacientes com alterações no ECG de repou-
indicação do ≤-11 Alto risco
so que impossibilitam a interpretação do
procedimento,
teste de esforço e pacientes com doença
e este, se reali-
arterial coronariana definida angiografica-
Sabe-se que os pacientes com doença coronariana crô-
zado, pode ser nica assintomáticos e sem alteração eletrocardiográfica que
mente (classe IIb pela diretriz brasileira).
potencialmente conseguem ultrapassar o 3º estágio do protocolo de Bruce
maléfico) têm taxa de mortalidade anual inferior a 1%.
O teste de esforço será interrompido nas seguintes con-
Caso os pacientes apresentem importante sobrecarga
dições:
esquerda, com alterações de repolarização ventricular sig-
nificativas, ou bloqueios de ramo, a interpretação do teste - Paciente atingiu FC submáxima;
será prejudicada, e deve-se preferir outro método para ava- - Queda de 10mmHg na PAS com sinais de isquemia;
liação. - Angina moderada a severa;
Assim, pelas indicações do teste citadas, observa-se - Tontura ou ataxia;
uma dependência das indicações e do resultado na pro-
babilidade pré-teste. A avaliação das indicações pode ser
- TV sustentada;
feita com base no julgamento clínico ou nas tabelas apre- - Paciente deseja interromper o teste;
sentadas no capítulo, mas pacientes com mais de 60 anos - Sinais de má perfusão;
do sexo masculino, com dor típica, são, obviamente, de alta - Supra ST maior que 1mm.
probabilidade e não necessitam de indicações adicionais.
Por outro lado, uma mulher de 25 anos, com dor atípica e e) Ecocardiografia
sem fatores de risco, é, logicamente, de baixa probabilida- A ecocardiografia pode ajudar tanto no diagnóstico
de. O TE não deve ser usado nesses cenários, pois um teste quanto na definição do prognóstico de pacientes com angi-
positivo em paciente com probabilidade pré-teste baixa de na estável. O exame em repouso serve para avaliar função
doença coronariana pode ser um falso positivo, assim como e viabilidade miocárdicas, sendo sua indicação classe I em
um teste negativo em paciente de alta probabilidade não pacientes com doença coronariana com IAM prévio, ondas
exclui a doença, sendo que em ambos os casos será preciso Q patológicas, sintomas de ICC e arritmias ventriculares
continuar a investigação para a definição diagnóstica. complexas.

60
ANGINA ESTÁVEL

O ecocardiograma pode, ainda, avaliar a contratilidade radioisótopos leva em conta vantagens e desvantagens es-
segmentar. Nessa análise, o ventrículo esquerdo é dividido pecíficas; assim, o tálio é um isótopo mais validado pela li-
ecocardiograficamente em 16 segmentos, aos quais serão teratura, enquanto o sestamibi (derivado do tecnécio) tem
atribuídos valores de 1 a 4 (1 representa a normalidade indicação especialmente em pacientes obesos.
da contratilidade, e déficits contráteis são gradativamente
representados de 2 a 4); posteriormente, é possível fazer Tabela 8 - Indicações para realização de cintilografia segundo a
um escore de motilidade somando os valores segmentares American Heart Association
e dividindo-os por 16. Valores entre 1 e 1,6 são conside- Classe I

CARDIOLOGIA
rados normais; entre 1,6 e 2, representam déficit discreto; - Pacientes com probabilidade intermediária de doença corona-
e maiores que 2 representam comprometimento significa- riana com síndrome de pré-excitação ou depressão do ST ao
tivo da contratilidade miocárdica. É importante ressaltar repouso maior que 1mm;
que a alteração segmentar isoladamente não é sensível o - Pacientes com história de procedimento de revascularização
suficiente para definir que a etiologia da cardiopatia seja miocárdica prévia;
isquêmica. No entanto, a sua presença sugere o diagnóstico - Cintilografia com radionucleotídeos em pacientes com marca-
de insuficiência coronariana, assim deve-se seguir a inves- -passo e bloqueio de ramo esquerdo.
tigação de acordo com o risco e a probabilidade clínica de Classe IIb
cada paciente. - Mesmas condições anteriores, mas em paciente com baixa ou
A ecocardiografia de estresse tem grande utilidade. alta probabilidade de doença coronariana.
Em regiões supridas por uma artéria com grau significativo
de estenose, o estresse cardiovascular acarreta isquemia Deve-se preferir a cintilografia miocárdica com radionu-
miocárdica, e esse fenômeno se manifesta por alteração cleotídeos, e o ecocardiograma com estresse farmacológico
transitória da contração segmentar. Os métodos disponí- ao teste de esforço no manejo de pacientes com angina es-
veis para a indução do estresse são esforço físico (esteira tável nas seguintes situações:
ou bicicleta ergométrica), estimulação atrial transesofágica, - BRE completo;
uso de drogas vasodilatadoras (dipiridamol e adenosina) ou - Ritmo ventricular com marca-passo;
de estimulantes adrenérgicos (dobutamina). A indução de
isquemia miocárdica por esforço físico, dobutamina e mar-
- Depressão maior que 1mm no ECG em repouso;
ca-passo transesofágico baseiam-se no aumento do duplo
- Inabilidade de realizar esforço físico;
produto cardíaco e, consequentemente, do consumo mio- - Angina e história de revascularização.
cárdico de oxigênio.
A realização de exames para estratificação prognóstica
Por outro lado, os agentes vasodilatadores aumentam
o fluxo sanguíneo coronariano e podem levar a uma per- dos pacientes com angina estável permite classificar tais in-
fusão miocárdica heterogênea devido ao roubo de fluxo divíduos em grupos de risco (Tabela 9).
que, em alguns pacientes, é suficiente para causar isque-
Tabela 9 - Estratificação prognóstica em grupos de risco nos pa-
mia miocárdica. O ecocardiograma de estresse com dobu-
cientes com angina estável
tamina é considerado anormal quando se verificam anor-
malidades de mobilidade de parede ventricular. A sensi- Alto risco (mortalidade >3% ao ano)
bilidade do exame é de 76%, com especificidade de 88%, - Disfunção VE <35%;
sendo a 1ª maior em pacientes com doença coronariana - Escore de Duke no teste de esforço ≤-11;
triarterial (superior a 90%).
- Defeitos de perfusão importantes ou múltiplos defeitos na cin-
f) Medicina nuclear tilografia;
Os métodos de medicina nuclear permitem avaliar o co- - Alterações de motilidade com ECO com dobutamina em peque-
ração com enfoque nos aspectos de perfusão miocárdica, nas doses ou com FC <120bpm em mais de 2 segmentos.
integridade celular, metabolismo e contratilidade miocárdi- Risco intermediário (mortalidade entre 1 a 35 ao ano)
cos, além da função ventricular global ou segmentar. Com
- Disfunção VE: de 35 a 49%;
a incorporação à cardiologia nuclear de equipamentos de
última geração (detectores digitais duplos), novos radiofár- - Risco intermediário no escore de Duke: de -11 a +5; defeitos
macos e programas de computador mais sofisticados, tais moderados em exame de imagem;
avaliações poderão ser obtidas com um único exame. - Alterações de motilidade em ECO com dobutamina em doses
Os estudos de cintilografia de perfusão miocárdica com maiores em menos de 2 segmentos.
radioisótopos (são utilizados, principalmente, o tálio e o Baixo risco (mortalidade menor que 1% ao ano)
tecnécio), com estresse farmacológico (com dipiridamol - Escore de Duke <5;
ou adenosina, por exemplo) ou de esforço, apresentam
excelentes resultados (sensibilidade e especificidade de - Exame de cintilografia ou ecocardiograma normais ou com pe-
quenas alterações.
90 e 80%, respectivamente). A escolha entre os diferentes

61
CARD I OLOG I A

g) Cateterismo cardíaco volvimento tecnológico intenso, com repercussão na sua


A cineangiocoronariografia (ou cateterismo cardíaco) aplicação clínica nos últimos anos. É útil na determinação
é considerada padrão-ouro para o diagnóstico de doença tanto de isquemia miocárdica como na avaliação de viabili-
coronariana. Porém, levando em conta a baixa mortalidade dade em pacientes com infarto prévio.
desses pacientes secundariamente à coronariopatia, o exa- A tomografia computadorizada de coronárias avalia a
me não é apropriado na grande maioria dos casos. carga de placas de ateroma representada por calcificação,
além de poder avaliar as obstruções coronarianas por meio
Tabela 10 - Indicações para o diagnóstico de doença coronariana da angiografia não invasiva. Uma meta-análise publicada
por cateterismo, segundo a American Heart Association recentemente mostrou o papel independente dos esco-
Classe I res de cálcio coronariano na predição de eventos clínicos.
- Pacientes sobreviventes de morte súbita; O exame apresenta sensibilidade alta (cerca de 95%) para
- Angina estável CCS III e IV; o diagnóstico de doença coronariana, com especificidade
- Critério de alto risco em exame de imagem não invasivo. relativamente baixa (66%), e não é útil para pacientes com
Classe IIa diagnóstico fechado de doença coronariana.
- Angina CCS III e IV que melhora com tratamento medicamen-
toso; 8. Tratamento
- Diagnóstico incerto após testes não invasivos;
- Contraindicações a testes não invasivos; A - Tratamento não farmacológico
- Pacientes que, por motivos ocupacionais, necessitam do diag-
nóstico; a) Redução dos fatores de risco
- Suspeita de causa não aterosclerótica.
O controle de fatores de risco é importante. Também
Classe IIb são indicações universais o tratamento de diabetes, hiper-
- Angina CCS I ou II e exame não invasivo com isquemia de baixo tensão e mudança de hábitos, como cessação do tabagis-
risco; mo. Exercícios físicos, com aumento progressivo da tolerân-
- Paciente assintomático e exame não invasivo com isquemia de cia ao esforço, também são benéficos.
baixo risco;
- História de IAM prévio, porém assintomático e exame não inva- b) Redução dos lípides séricos
sivo com isquemia de baixo risco; A terapia para dislipidemia está indicada aos pacientes
- Avaliação periódica pós TX cardíaco. com baixo risco cardiovascular, com o objetivo de manter
Classe III o LDL-colesterol abaixo de 100mg/dL. Nos demais grupos,
- Calcificação coronariana presente em qualquer método na au- é necessário seguir as orientações pertinentes a cada co-
sência das indicações anteriores; morbidade.
- Pós-revascularização na ausência de isquemia em testes não c) Combate às situações que causam agravamento da
invasivos;
isquemia
- Pacientes com comorbidades importantes;
Devem ser combatidos fatores de hipóxia, como tireoto-
- Pacientes querendo fazer o exame, mas com probabilidade ex-
xicose, anemia e doenças pulmonares.
tremamente baixa do diagnóstico.
d) Abandono do tabagismo
Entretanto, situações em que o tratamento clínico de-
monstra resultados insatisfatórios ou que os pacientes e) Atividade física
apresentam fatores de mau prognóstico constituem a prin- Os pacientes com angina estável devem ser encorajados
cipal indicação de cateterismo. a realizar atividade física aeróbica por 30 a 60 minutos, 7
As principais indicações para o exame entre os pacien- dias da semana (mínimo de 5 dias) – classe I. O teste ergo-
tes com angina estável são: métrico pode ajudar na prescrição do exercício. O treino de
- Angina limitante, apesar da terapia; resistência pode ser incluído na programação da atividade
- Pacientes com contraindicações a testes não invasivos; física 2 vezes por semana (classe IIb).
- Sobreviventes de morte súbita e com arritmias ventri-
culares complexas; B - Tratamento medicamentoso
- Angina classes funcionais I e II, mas com disfunção a) Aspirina
ventricular.
O tratamento dos pacientes com angina estável implica
h) Novos exames terapia com antiagregante plaquetário. Segundo um estudo
A ressonância magnética cardíaca é uma técnica não mundialmente reconhecido, a aspirina em dose de 75mg ao
invasiva de imagem cardíaca que vem apresentando desen- dia reduz cerca de 34% os eventos cardiovasculares primá-

62
ANGINA ESTÁVEL

rios e diminui em 32% a recorrência destes. Em pacientes tiazem, são eficazes em aliviar os sintomas e não aumentam
com contraindicação ao uso de aspirina, deve-se considerar a ocorrência de eventos cardíacos. As doses recomendadas
o uso de ticlopidina ou clopidogrel. A ação antiagregante do diltiazem são de 30 a 90mg, de 8/8 horas (VO), e do vera-
da aspirina reduz a probabilidade de, na vigência de insta- pamil de 40 a 120mg, de 8/8 horas (VO). Seu principal efeito
bilização de uma placa aterosclerótica, ocorrer progressão é de vasodilatação coronariana e controle de FC.
significativa do trombo, levando à oclusão coronária.
d) Nitratos
b) Beta-bloqueadores Os nitratos não estão associados à diminuição de mor-

CARDIOLOGIA
Os beta-bloqueadores são as drogas de 1ª linha na te- talidade, mas podem ser associados a outras medicações
rapia antianginosa, em especial nos pacientes com angina no controle dos sintomas. Determinam vasodilatação co-
após infarto. Quanto à angina estável, não há evidências ronariana. As 2 formas principais de apresentação dessas
concretas na literatura da diferença entre o uso de beta- substâncias são:
-bloqueadores e de bloqueadores dos canais de cálcio. Es- - Dinitrato de isossorbida em dose de 10 a 40mg (VO),
tudos comparando as 2 medicações, além de não mostra- de 8/8 horas, ou 5mg (sublingual) a cada 5 a 10 minu-
rem diferença na mortalidade em longo prazo, demonstram tos até a dose máxima de 15mg ou alívio da dor;
resultados similares quanto a desfechos (como tempo, após
- Mononitrato de isossorbida em dose 10mg (VO) de
iniciar atividade física até manifestar dor e número de me-
12/12 horas, até 40mg VO, de 8/8 horas.
tros percorridos sem dor). Contudo, considerando o maior
benefício com os beta-bloqueadores em pacientes com an- Alguns pacientes apresentam dor associada a vasoes-
gina instável, essa classe se torna a 1ª linha para terapia pasmo, sem obstrução fixa, denominada angina de Prinz-
antianginosa. A dose dos beta-bloqueadores deve ser ajus- metal. Nesses casos, os beta-bloqueadores, além de inefica-
tada para manter FC em torno de 60bpm. A Tabela 11 cita a zes, podem piorar o vasoespasmo. Os nitratos, entretanto,
posologia e a apresentação dos principais beta-bloqueado- podem ser benéficos devido à dilatação dos vasos epicárdi-
res. O efeito protetor do betabloqueador está associado à cos, com ou sem aterosclerose. Contudo, os bloqueadores
limitação da elevação da frequência cardíaca. dos canais de cálcio são as drogas de escolha no manejo em
longo prazo dessa condição. Uma das principais questões
Tabela 11 - Posologia e apresentação dos beta-bloqueadores
no manejo dos pacientes com angina de Prinzmetal é veri-
Nome co- ficar a indicação de intervenção com angioplastia e revas-
Droga Apresentação Posologia**
mercial ® cularização do miocárdio. Pacientes com angina limitante
Pro- podem beneficiar-se de angioplastia com stent, e aqueles
20 a 320mg (2 a
pra- Inderal 10, 40 e 80mg com lesões triarteriais ou biarteriais e envolvimento da ar-
3x/dia)
nolol
téria descendente anterior, ou com disfunção ventricular
Ate- 25 a 200mg (1 a esquerda, são candidatos à cirurgia de revascularização
Atenol 25, 50 e 100mg
nolol 2x/dia)
miocárdica. Em geral, as recomendações para intervenção
Seloken, são semelhantes às das síndromes coronarianas agudas,
Meto- 100mg (25, 50 e 50 a 200mg (1 a
Lopressor e
prolol 100mg) 2x/dia) mas há pouca evidência de superioridade dessas terapias
Selozok*
em relação ao tratamento clínico em pacientes com angina
Biso- 2,5 a 10mg (1x/
Concor 1,25/2,5/5/10mg estável.
prolol dia)
Nas Diretrizes Brasileiras de Angina Estável, sugere-se
Coreg, Dive-
Carve- 12,5 a 100mg que os pacientes de alto risco cardiovascular e com miocár-
lol, Carvedilol 3,125/6,25/12,5/25mg
dilol (2x/dia) dio viável (verificado em exame de medicina nuclear) po-
e Dilatrend
deriam beneficiar-se de procedimentos de revascularização
Pin- 5 a 60mg (2x/
dolol
Visken 5 e 10mg
dia)
miocárdica, seja a angioplastia, seja a cirurgia.
* Seloken® e Lopressor® – tartarato de metoprolol (comprimidos e) Trimetazidina
de 100mg); Seloken Duriles® – comprimidos de 200mg; Selozok® A trimetazidina faz parte de um grupo de agentes com
– succinato de metoprolol (comprimidos de 25, 50 e 100mg).
ação no metabolismo, que também apresentam a capacida-
** Dose diária (número de tomadas diárias).
de de aumentar a tolerância ao exercício em pacientes com
angina. É a 1ª de uma nova classe de agentes conhecidos
c) Antagonistas dos canais de cálcio como 3-KAT inibidores, que ajudam a otimizar a energia do
Os antagonistas dos canais de cálcio diidropiridínicos de metabolismo cardíaco e, secundariamente, inibem a oxi-
curta ação devem ser evitados, uma vez que aumentam a dação beta dos ácidos graxos. A ação metabólica da trime-
ocorrência de eventos cardíacos em portadores de doença tazidina não interfere no fluxo coronariano e não modifica
isquêmica do miocárdio. Em compensação, os de longa du- parâmetros hemodinâmicos. Acredita-se que exista um po-
ração e os não diidropiridínicos, como o verapamil e o dil- tencial de benefício, particularmente nos idosos.

63
CARD I OLOG I A

f) Vacinação
Vacinação anual para influenza deve ser recomendada a
pacientes com doença cardiovascular (classe I).

9. Resumo
Quadro-resumo
- A angina estável é decorrente do desbalanço entre a oferta e
o consumo de oxigênio ao miocárdio, associada a uma lesão
aterosclerótica estável da coronária;
- A anamnese e o exame físico têm boa sensibilidade em identi-
ficar o quadro;
- As provas e provocação de estresse metabólico miocárdico
como o ecocardiograma com estresse ou o teste ergométrico
são sensíveis em definir o diagnóstico quando o quadro clínico
não é típico;
- O tratamento dos fatores de risco como tabagismo, diabetes e
dislipidemias é essencial para a prevenção da instabilização da
progressão da lesão aterosclerótica;
- A aspirina e o beta-bloqueador são essenciais na prevenção de
síndrome coronariana aguda nos portadores de angina estável.
Os bloqueadores de canais de cálcio e os nitratos melhoram os
sintomas isquêmicos da angina, mas não alteram a ocorrência
de instabilizações agudas.

64
CAPÍTULO

8
Síndromes miocárdicas isquêmicas instáveis

José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado

1. Introdução Instável (AI) ou o Infarto Agudo do Miocárdio Sem Supra-


desnivelamento do Segmento ST (IAMSSSST). A diferença
O reconhecimento precoce e o tratamento correto das crucial entre estes últimos é que a AI ocorre sem determi-
Síndromes Coronarianas Agudas (SCA) determinam grande nar lesão muscular miocárdica (morte celular). Vale lembrar
impacto na sua evolução. A sequência de fenômenos pato- que, ao mesmo tempo em que os mecanismos de trombose
lógicos associados nas várias formas de apresentação dessa são ativados pela instabilização da placa aterosclerótica, há
síndrome é semelhante: obstrução arterial transitória ou ativação dos mecanismos de fibrinólise locais. A resultante
permanente de uma artéria coronária, determinando alte- do equilíbrio entre essas forças determina a progressão, a
rações no músculo cardíaco que variam de isquemia, lesão estabilização ou a regressão da obstrução coronariana.
miocárdica até necrose do músculo. O espectro de apresen- A isquemia que resulta da obstrução coronária pode pro-
tação clínica, seguindo a intensidade da lesão miocárdica vocar diferentes graus de lesão tecidual, dependendo da por-
em ordem crescente, varia da Angina Instável (AI), Infarto ção da artéria acometida (obstruções mais proximais tendem
Agudo do Miocárdio Sem Supradesnivelamento do Seg- a provocar maior lesão), do tamanho e do calibre da artéria,
mento ST (IAMSSSST) e Infarto Agudo do Miocárdio Com da duração da obstrução (pode haver lise espontânea ou te-
Supradesnivelamento do Segmento ST (IAMCSSST). rapêutica do trombo) e da presença de circulação colateral. A
essa variação na intensidade e duração da isquemia miocár-
2. Angina instável/IAM sem supradesni- dica, está associada maior ou menor mortalidade.
velamento do segmento ST
A - Introdução
A expressão clínica da instabilização de uma placa ate-
rosclerótica coronária é a síndrome coronariana aguda.
A placa pode sofrer rotura, fissura ou ter o seu endotélio
desnudado. Tais eventos costumam ser mais frequentes em
placas jovens, com grande quantidade de lípides (sais de
colesterol e células espumosas) e menor quantidade de co-
lágeno, fibroblastos e cálcio. Após a instabilização da placa,
principal mecanismo de descompensação da SCA, forma-se
sobre ela o trombo, a partir da agregação plaquetária. Esse
trombo pode ocluir de forma parcial ou completa a luz do
vaso, o que limita a oferta de oxigênio para o tecido miocár-
dico e, dessa maneira, determina a síndrome clínica.
Quando a obstrução é completa, a forma de apresenta- Figura 1 - Artéria coronária com obstrução estável de 70% da luz
ção clínica é o IAMCSSST; quando parcial, ocorre a Angina do vaso por placa de ateroma

65
CARD I OLOG I A

Os sinais, sintomas e desfecho da evolução clínica do pa- outros exames, como teste de esforço ou cintilografia mio-
ciente dependem de vários fatores, como: cárdica, para definir, com maior segurança, a existência ou
- Extensão de músculo cardíaco perfundido pela artéria não do 1º evento isquêmico. Mesmo que a pesquisa seja
obstruída; negativa, esse paciente deve ser seguido ambulatorialmen-
- Gravidade e duração da isquemia miocárdica; te. Caso a pesquisa seja positiva em alguns dos exames, o
- Instabilidade elétrica do miocárdio isquêmico; indivíduo deve ser internado e deve aguardar o resultado
- Grau e duração da obstrução da artéria coronária; de todos os exames para ser classificado em AI (enzimas
seriadas normais) ou IAMSSSST.
- Presença ou ausência de circulação colateral. A dor de origem isquêmica miocárdica pode ter locali-
zação variada, porém segue um padrão clínico sugestivo do
B - Avaliação inicial quadro, conforme mostra a Figura 2.
A queixa que os pacientes geralmente trazem ao pron-
to-socorro é dor torácica. Nesse grupo, encontram-se des-
de pacientes cuja origem da dor não é cardíaca até aqueles
que estão em choque cardiogênico por infarto do miocárdio
com poucas horas de evolução (Tabela 1). Assim, é neces-
sária abordagem sistematizada dos pacientes com risco de
evento coronariano agudo. Diante dessa queixa de dor to-
rácica, há 3 possibilidades diagnósticas que são definidas a
partir de 3 características básicas:
Dor retroesternal/desencadeada pelo esforço/alivia
com repouso ou nitrato.
1 - Dor torácica de etiologia não cardíaca: possui apenas
1 ou nenhuma das características citadas.
2 - Dor torácica de possível origem cardíaca: possui 2
das características citadas.
3 - Dor torácica de origem cardíaca definida: possui as 3
características citadas. Figura 2 - Localização clínica da dor torácica de origem isquêmica
O paciente com dor torácica de possível origem cardíaca
deve ser observado no pronto-socorro e avaliado seriada- A seguir, um algoritmo das possibilidades diagnósticas
mente, por algumas horas, com ECG/enzimas cardíacas e da dor torácica.

Figura 3 - Diferenciais diagnósticos na síndrome de dor torácica aguda

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SÍNDROMES MIOCÁRDICAS ISQUÊMICAS INSTÁVEIS

Tabela 1 - Doenças cardíacas e não cardíacas que se manifestam Média


com dor torácica
- >70 anos;
Diagnóstico diferencial de síndrome isquêmica aguda
- Doença vascular não cardíaca;
- Úlcera péptica;
- Ondas Q patológicas;
- Espasmo esofágico;
- Alterações fixas no ECG (segmento ST ou onda T);
- Costocondrite;
- Enzimas normais;
- Embolia pulmonar;
- Sexo masculino.

CARDIOLOGIA
- Dissecção de aorta;
Baixa
- Pericardite;
- Dor reproduzida à compressão;
- Herpes-zóster;
- Onda T retificada;
- Colecistite.
- ECG normal;
A característica da dor torácica é o dado com maior va- - Enzimas normais.
lor preditivo da SCA, embora até 33% dos pacientes não
apresentem dor torácica típica, em especial diabéticos, As alterações eletrocardiográficas na AI e IAMSSSST
mulheres, idosos e pacientes psiquiátricos. A seguir, são podem variar da normalidade até a presença de isquemia
descritas características típicas da dor associada à isquemia miocárdica instalada. No entanto, algumas patologias po-
miocárdica (Tabela 2). dem simular essas alterações, determinando erro diagnós-
tico, como pericardite, aneurisma do ventrículo esquerdo,
Tabela 2 - Características da dor precordial de origem isquêmica repolarização precoce, bloqueio do ramo esquerdo prévio,
- Dor em aperto, precordial ou retroesternal, com irradiação síndrome de Wolff-Parkinson-White e pancreatite.
para a mandíbula ou o membro superior esquerdo; A seguir, estão representados o complexo QRS normal,
- Dor acompanhada de sudorese, palpitações e vômitos; o supradesnivelamento do segmento ST e o infradesnivela-
- Dor desencadeada por esforço físico ou emoção; mento do segmento (Figura 4A, B e C).
- Duração prolongada (superior a 20 minutos no IAM);
- Alívio com repouso ou nitrato.

Em algumas situações, a dor pode apresentar-se como


epigástrica, associada ou não à eructação e sintomas gástri-
cos, e é clinicamente interpretada como dispepsia quando,
na verdade, trata-se de quadro coronariano.
Deve-se considerar que a manifestação clínica de doen-
ça aterosclerótica prévia por acidentes vasculares cerebrais
ou doença arterial periférica aumenta a chance de evento
coronariano. Após caracterização da dor, exame físico e
análise do ECG, é possível classificar a condição de proba-
bilidade clínica de SCA conforme características descritas a
seguir (Tabela 3).
Tabela 3 - Probabilidade de síndrome coronariana aguda após
avaliação clínica e ECG
Alta Figura 4 - (A) Complexo QRS normal e seus intervalos; (B) supra-
- História de ICO; desnivelamento do ST e (C) infradesnivelamento do ST
- Dor torácica ou MSE semelhante à crise prévia; Nos casos em que é definido o diagnóstico de IAMSSSST
- Hipotensão; ou IAMCSSST, a conduta terapêutica está bem estabelecida.
- Congestão pulmonar; No entanto, em casos duvidosos, são necessários exames
- Insuficiência mitral; subsidiários que evidenciem a existência de isquemia mio-
- Alteração de ST transitória (≥0,05mV); cárdica, pois há o risco de perda do diagnóstico, expondo o
- Elevação de enzimas troponina / CK-MB; paciente ao risco de evolução para evento isquêmico grave.
- Dispneia. A partir da história clínica, do exame físico e dos da-
dos do ECG e dos exames laboratoriais, é possível definir
Média
a probabilidade clínica de o evento de dor torácica estar
- Dor/pressão torácica ou MSE;
relacionado a uma SCA (Tabela 4). Nos casos de baixa pro-
- DM; babilidade de SCA (ECG normal, quadro clínico atípico, sem

67
CARD I OLOG I A

alteração enzimática), é possível avaliar o paciente de for- Tabela 4 - Classificação de risco da angina instável
ma segura, conforme o algoritmo a seguir (Figura 5). Quan- Alta
to aos pacientes que não podem caminhar ou possuem - Angina em “crescendo” nas últimas 48 horas;
alteração eletrocardiográfica que não permita adequada - Dor em repouso (>20min);
avaliação do traçado, há a opção de avaliação por meio de - Edema pulmonar ou congestão/galope com B3 /hipotensão/
ecocardiograma com estresse farmacológico (dobutamina sopro mitral novo ou piora/bradicardia ou taquicardia;
ou dipiridamol) ou cintilografia miocárdica. - Idade >75 anos;
- Alteração de ST transitórias (≥0,05mV);
- TV sustentada;
- Elevação enzimática (troponina I/T ou CK-MB).
Média
- IAM prévio/insuficiência vascular periférica ou cerebrovascu-
lar;
- Revascularização prévia;
- Uso de AAS;
- Dor em repouso (>20 minutos) sem dor no momento;
- Dor em repouso (<20 minutos) que melhora com nitrato;
- Idade >70 anos;
- Ondas Q patológicas;
- Inversão de T >0,2mV;
- Enzimas normais ou pouco elevadas.
Baixa
- Dor com ECG normal/sem alteração;
- Enzimas normais.

A seguir, outra importante classificação da AI, analisan-


do a mortalidade associada (Tabela 5).

Tabela 5 - Classificação clínica da angina (Braunwald)


Morte/
Figura 5 - Avaliação de isquemia miocárdica para possível angina Classificação de Braunwald para angina estável infarto em
de baixo risco 1 ano
Classe I: angina de esforço de início
recente ou acelerada; sem angina ao 7,3%
C - Classificação da angina instável/IAMSSSST repouso;
Intensi-
Pacientes que procuram atendimento médico por dor Classe II: angina de repouso no último
dade 10,3%
precordial podem apresentar diferentes graus de instabili- mês, mas não nas últimas 48 horas;
zação de uma placa aterosclerótica em diferentes porções Classe III: angina de repouso nas últimas
10,8%
das artérias coronárias. Além disso, pode haver lesões 48 horas.
coronárias únicas ou múltiplas. Essas variáveis conferem A: desencadeada por condições extra-
14%
maior ou menor risco na evolução do paciente com SCA, cardíacas (secundárias);
o que vai determinar a intensidade do tratamento a ser Circuns- B: ocorre na ausência de condições
8,5%
instituído. tâncias extracardíacas;
A AI pode ser classificada como de baixo, moderado ou C: até 2 semanas após infarto do mio-
18,5%
cárdio.
alto risco de evolução para IAMCSSST, choque cardiogênico,
morte súbita e revascularização de emergência, conforme Segundo tal classificação, são considerados pacientes
descrito na Tabela a seguir. Há diversos marcadores clínicos de risco para eventos graves (morte e infarto) aqueles com
de gravidade da AI e, quando presentes, tais achados re- angina de repouso nas últimas 48 horas, principalmente em
fletem doença mais grave (lesões mais intensas, frequente- se tratando de angina pós-infarto.
mente envolvendo porções proximais da artéria coronária Outra forma de estratificação de risco, o TIMI Risk, foi
esquerda, com outras lesões concomitantes e, muitas ve- desenvolvida por análise multivariada de um grande núme-
zes, com disfunção ventricular). ro de casos compilados em estudos multicêntricos, tendo

68
SÍNDROMES MIOCÁRDICAS ISQUÊMICAS INSTÁVEIS

sido identificados os seguintes fatores de risco independen- - Eletrocardiograma com:


tes (a presença de zero, 1 ou 2 destes classifica o paciente • Elevação de ST >0,5mm;
em baixo risco, 3 ou 4 em moderado e 5 ou mais destes
• Infradesnivelamento de ST >0,3mm;
identificam os pacientes de alto risco em AI/IAMSSSST):
- Idade superior a 65 anos; • BRE;
- Mais que 3 fatores de risco para doença coronária (dia- • Marcadores cardíacos positivos (aumento de tropo-
betes, HAS, dislipidemia, tabagismo e história familiar); nina T ou I);
- Doença aterosclerótica coronária prévia; • Presença de trombo coronariano na angiografia co-

CARDIOLOGIA
ronária.
- Uso de aspirina nos últimos 7 dias;
- Alteração de segmento ST (elevação transitória ou de- Seguem Tabelas com as características dos subtipos de
pressão persistente); risco da angina, associadas ao seu tratamento adequado.
- Marcadores de isquemia miocárdica positivos;
- Mais que 2 episódios de angina nas últimas 24 horas. Tabela 6 - Caracterização da angina instável de baixo risco e tra-
tamento
- Dor: dor torácica não anginosa ou de possível origem cardíaca;
- Duração: <20min;
- ECG: normal ou inalterado durante dor;
- Marcadores: normais (troponina I e CKMB);
- Condutas:
Tratamento na unidade de emergência;
ECGs seriados, sendo o 1º realizado até 10 minutos após a ad-
missão e repetido pelo menos 1 vez nas primeiras 6 horas;
Colher CKMB-troponina na admissão e pelo menos mais 1 vez
entre 6 e 9 horas da admissão – preferencialmente entre 9 e
12 horas do início dos sintomas;
Investigação inicial com teste não invasivo – TE.

Tabela 7 - Caracterização da angina de médio risco e tratamento


- História: de 70 a 75 anos, IAM prévio, RM prévia, em uso de
AAS;
- Dor: duração >20min; alívio espontâneo ou com nitrato;
- ECG: inversão de onda T >2mm/ondas Q patológicas;
- Marcadores: normais ou discretamente elevados, porém sem
curva típica de infarto;
- Conduta:
· Antiplaquetário oral (AAS + clopidogrel);
Figura 6 - Artéria coronária com obstrução parcial por fratura e
· Heparinização plena com HBPM ou HNF;
formação de trombo sobre placa instável
· Nitrato, se dor persistir;
Há ainda outros marcadores, não necessariamente in- · Beta-bloqueador via oral nas primeiras 24 horas;
cluídos nestas escalas, que também indicam maior gravida- · Antagonista de canal de cálcio, se houver contraindicação ao
de da doença: beta-bloqueador;
· Investigação não invasiva com exames de imagem (cintilogra-
- História: fia miocárdica ou ecoestresse). Considerar exame invasivo ba-
• Idade >65 anos; seado no tipo da dor e nos fatores de risco do paciente.
• Diabetes mellitus;
• Angina pós-infarto; Tabela 8 - Caracterização da angina de alto risco e tratamento
• Angiografia prévia positiva para doença arterial co- - História: >75 anos ou diabetes;
ronariana; - Dor: duração >20min em repouso; sintomas nas últimas 48 ho-
• Uso de AAS; ras: angina progressiva, congestão, B3, sopro mitral e alteração
• Presença de doença vascular periférica. da FC;
- Apresentação clínica: - ECG: infradesnivelamento do segmento ST >0,5mm/altera-
ção dinâmica de ST/bloqueio de ramo novo ou supostamente
• Insuficiência cardíaca;
• Hipotensão. novo/TVS;

69
CARD I OLOG I A

- Marcadores: positivos com curva típica de isquemia miocárdica como miocardite, choque, cateterismo cardíaco, ope-
secundária a IAM; ração cardíaca e trauma;
- Conduta: - Mioglobina: é uma proteína do grupo heme, que se
· AAS + clopidogrel – inibidor de glicoproteína IIb/IIIa: eleva mais precocemente (de 1 a 4 horas) do que a
* Tirofibana se tratamento clínico, e abciximabe se planejado CKMB. É muito pouco específica, porém extremamen-
angioplastia.
te sensível, sendo improvável a SCA quando seu resul-
· Heparina – heparinização plena com HBPM ou HNF;
· Avaliação invasiva com estudo hemodinâmico preferencial- tado é negativo após 4 horas do início da dor;
mente nas primeiras 48 horas. - Troponinas: são as mais específicas para o coração;
· Estudo hemodinâmico imediato – indicações: apesar de existirem no tecido muscular, são codifica-
* Emergência (até 6 horas): se isquemia persistente ou insta- das por diferentes genes, tendo, portanto, diferentes
bilidade hemodinâmica ou elétrica;
* Urgência (até 24 horas): isquemia recorrente ou extensa
sequências de aminoácidos. Não são detectadas no
área em risco. sangue em circunstâncias normais. As troponinas ele-
TVS = Taquicardia Ventricular Sustentada. vam-se no sangue dentro de 6 a 8 horas após o infarto,
têm o pico com 24 horas e podem persistir elevadas
O IAMSSSST, quando comparado à AI, já define condição por 10 a 14 dias; não são úteis, portanto, para o diag-
de maior risco, não possuindo subtipos de classificação. nóstico de reinfarto. Podem estar elevadas em insufi-
ciência cardíaca descompensada, embolia pulmonar e
D - Diagnóstico choque séptico.
O diagnóstico da SCA é obtido com base nos dados de
Na vigência de resultados normais dos marcadores car-
história, exames laboratoriais e análise do eletrocardiogra-
díacos, os pacientes com risco intermediário ou baixo po-
ma. A presença de 2 desses 3 critérios define a síndrome.
dem ser submetidos a exames não invasivos para refinar
A dor torácica típica ocorre em região precordial, com ca-
a estratificação de risco. São exames úteis, em unidade de
racterística de aperto ou compressão, irradiando-se para
dor torácica, o teste ergométrico (para pacientes de risco
membro superior esquerdo, dorso ou mandíbula. Pode ser
clínico baixo ou intermediário com enzimas normais), a cin-
acompanhada de sudorese fria, náuseas e vômitos e ter iní-
tilografia miocárdica com esforço e o ecocardiograma com
cio ao repouso, com duração, em geral, >20 e <40min. Pode
estresse farmacológico ou físico.
haver modificações eletrocardiográficas com mudanças do
Para a caracterização do IAMSSSST, são necessários os
segmento ST e da onda T, e dos marcadores cardíacos.
seguintes critérios: quadro clínico sugestivo com dor torá-
As enzimas cardíacas utilizadas para definição de lesão
cica sustentada por mais de 20 minutos, ECG sem supra-
muscular miocárdica são:
desnivelamento do ST persistente e elevação de enzimas
- CPK: sua elevação ocorre de 4 a 8 horas após o infarto
cardíacas (troponina e/ou CKMB com valores 2 vezes acima
e se normaliza em 2 a 3 dias, com pico ao redor de 24
horas após o início do quadro. É sensível, mas muito do seu valor normal). A AI, geralmente, apresenta quadro
pouco específica, podendo estar elevada em pacientes clínico sugestivo com dor torácica sustentada por menos de
portadores de lesões musculares, intoxicação pelo ál- 20 minutos, ECG sem supradesnivelamento do ST e dosa-
cool, diabetes mellitus, síndrome do desfiladeiro torá- gem de enzimas cardíacas normais.
cico e embolia pulmonar;
E - Tratamento
- CKMB: uma das isoenzimas da CPK (além da CKBB e
da CKMM). A CKMB é a isoenzima predominante no Na sala de emergência, o paciente com dor torácica
coração, enquanto a BB está presente no cérebro e nos deve ser avaliado visando à rápida identificação da SCA. De-
rins, e a MM nos músculos. Pequenas quantidades de finida a presença de AI/IAMSSSST, ele deve ser mantido em
CKMB podem ser encontradas no intestino delgado, repouso e com monitorização cardíaca, recebendo oxigê-
na língua, no útero e na próstata. Há 2 isoformas da nio, AAS, nitrato e morfina para o controle da dor (MONA).
CKMB: CKMB-1 e CKMB-2, esta última liberada mais Beta-bloqueador deve ser adicionado via oral nas primeiras
rapidamente no sangue após o infarto. Aproveitando- 24 horas, além de clopidogrel, para maior bloqueio da agre-
-se disso, autores têm proposto a dosagem de CKMB-2 gação plaquetária. Com o objetivo de estabilizar o trombo
(ou a relação entre CKMB-2/CKMB-1 no sangue) como que se desenvolveu sobre a placa aterosclerótica coronaria-
maneira de tornar mais sensível o exame. A CKMB co- na, todos os pacientes com AI ou IAMSSSST devem receber
meça a elevar-se de 4 a 8 horas após o infarto, tem o anticoagulação plena com HNF ou HBPM, devendo-se dar
pico com 24 horas e retorna aos níveis normais em 72 preferência à heparina de baixo peso molecular (enoxapari-
horas. Vale lembrar que outras formas de injúria mio- na), pois houve maior redução do risco de morte, infarto e
cárdica, que não a isquemia, podem elevar à CKMB, necessidade de revascularização de emergência.

70
SÍNDROMES MIOCÁRDICAS ISQUÊMICAS INSTÁVEIS

Antes da administração de tais medicações, deve-se es- - Morfina: promove melhora da congestão e da dor e
tar atento à presença de eventuais contraindicações: reação é indicada quando esta persiste mesmo após nitrato.
alérgica a salicilatos (usar clopidogrel), infarto do ventrículo Não usar em caso de PA sistólica abaixo de 90mmHg.
direito (pode ocorrer hipotensão com nitrato) e, para o uso Pode determinar liberação histaminérgica, causando
de beta-bloqueadores, descartar bloqueios atrioventricula- náuseas, vômitos e prurido;
res, broncoespasmo, hipotensão, insuficiência cardíaca des- - Inibidores de glicoproteínas IIb/IIIa: fazem parte des-
compensada ou bradicardia. sa classe o abciximabe, o eptifibatida e o tirofibana.

CARDIOLOGIA
Quanto aos pacientes considerados de alto risco, po- Um deles deve ser utilizado conjuntamente com AAS,
dem ser associados os inibidores de glicoproteína IIb/IIIa clopidogrel e heparina para todos os pacientes com AI
(tirofibana, abciximabe) como complemento à terapia an- de alto risco ou IAMSSSST, associado à abordagem pre-
tiagregante. Preferencialmente, esses pacientes devem ser coce com angioplastia (classe I). Quando a abordagem
encaminhados para cateterismo cardíaco dentro de 48 a precoce com angioplastia não é possível, o tirofibana e
72 horas e mantidos com o inibidor de glicoproteína até 12 o eptifibatida são as drogas de escolha. O abciximabe
horas após o procedimento. O clopidogrel é contraindicado só poderá ser oferecido se a abordagem precoce com
em associação à aspirina para pacientes a serem submeti- angioplastia for efetivamente realizada. O uso dessas
dos a tratamento cirúrgico. drogas no IAMCSSST é controverso, sem evidência de
benefício até o momento;
F - Tratamento específico da angina instável ou IAM - Beta-bloqueador: uso inicial com metoprolol; indica-
sem supradesnivelamento do segmento ST do na angina de moderado e alto risco e na vigência
de dor precordial isquêmica. É contraindicado aos pa-
- Oxigênio: para todos os pacientes com congestão
cientes com história de broncoespasmo, hipotensão,
pulmonar ou saturação arterial de O2 abaixo de 90%
disfunção moderada a severa do ventrículo esquerdo,
(classe I). Para todas as outras formas de SCA, deve ser
intervalo PR maior do que 0,24ms ou BAV de 2º ou 3º
mantido por 6 horas do início do quadro (classe IIa);
graus e bradicardia abaixo de 60bpm. O beta-bloque-
- AAS: uso obrigatório na dose de 160 até 325mg, pois ador intravenosos deve ser prescrito apenas para o
reduz a mortalidade e apresenta efeito rápido antia- tratamento de situações específicas que não o IAM/
gregante por bloqueio quase total da síntese de anti- angina instável. Deve ser prescrito via oral nas primei-
tromboxane A2. Quando o paciente refere alergia ao ras 24 horas da internação;
AAS, iniciar a antiagregação apenas com clopidogrel; - Heparina: preferencialmente, a de baixo peso molecu-
- Clopidogrel: dose de ataque de 300mg (4 comprimi- lar (enoxaparina), pois dispensa controle laboratorial e
dos) a todos os pacientes com AI ou IAMSSSST, em que determina menor incidência de plaquetopenia. Dose
o tratamento clínico ou a abordagem precoce da lesão de 2mg/kg/dia por pelo menos 48 horas. Pode-se utili-
coronariana com angioplastia é planejada (classe I). zar a heparina não fracionada por via intravenosa con-
Caso haja a possibilidade de intervenção cirúrgica pre- tínua, principalmente quando a abordagem cirúrgica
coce de revascularização miocárdica, o seu uso deve precoce é possível. No entanto, a heparina fracionada
ser adiado até a conclusão de indicação cirúrgica. Atua é superior na proteção de reinfarto e angina pós-IAM.
por bloqueio irreversível do receptor plaquetário de Após a angioplastia, não há mais indicação de manter
ADP, via diferente do AAS (bloqueio da ciclo-oxigena- heparinização plena;
se). Sua associação a AAS não aumentou significativa- - Estatinas: é terapia adjuvante; recomendada se LDL
mente o risco de sangramentos e reduziu o risco de acima de 100mg/dL em qualquer quadro de SCA com-
reinfarto e angina pós-infarto. Seu uso deve ser sus- provada (AI, IAMSSSST ou IAMCSSST);
penso de 5 a 7 dias antes da abordagem cirúrgica para - IECA: não deve ser utilizado tão precocemente quanto
revascularização do miocárdio pelo risco elevado de o AAS, mas também tem impacto na sobrevida dos do-
sangramento grave no pós-operatório; entes com risco de evolução para dilatação ventricular.
- Nitratos: proporcionam alívio da dor e melhora da Quanto aos pacientes com IAMCSSST e HAS, DM, ma-
congestão e da hipertensão. Não administrar a droga nutenção da hipertensão e sinais ou sintomas de dis-
antes do ECG, pois o IAM do ventrículo direito é pre- função do ventrículo esquerdo, o uso de IECA tem indi-
sente em 30% dos casos de IAM de parede inferior. cação formal. Pode ser iniciado em doses baixas, com
Não promovem redução da mortalidade e devem ser 6 a 24 horas do evento, com rápida progressão da dose
evitados na hipotensão (PA sistólica <90mmHg), bradi- terapêutica de acordo com a tolerância do paciente;
cardia abaixo de 60bpm ou em casos de uso de inibido- - Cateterismo: trata-se de um procedimento seguro
res de fosfodiesterase para disfunção erétil há menos (mortalidade de 0,1% e morbidade de 5%), indicado
de 24 horas; a pacientes candidatos à revascularização por falha de

71
CARD I OLOG I A

controle clínico, pacientes já revascularizados, recidiva de sintomas instáveis ou pacientes com valvopatia que serão
submetidos à correção cirúrgica. Na SCA, o exame deve ser feito quando a dosagem de troponina é positiva, quando
ocorrem alterações dinâmicas de ST, na ICC, presença de B3, EAP (Edema Agudo de Pulmão), novo sopro ou piora de
insuficiência mitral, instabilidade hemodinâmica, revascularização prévia, angioplastia há menos de 6 meses, TV sus-
tentada, dor recorrente, FE abaixo de 40%, teste de isquemia miocárdica positivo ou sobreviventes de parada cardíaca
súbita. Caso contrário, pode ser realizado mais tardiamente, como parte da estratificação/tratamento da doença co-
ronária;
- Controle glicêmico: na SCA, é aconselhável nas primeiras 48 horas do início do quadro, porém não há, ainda, uma dire-
triz específica sobre esse tema. Serve a orientação geral de evitar/tratar hiperglicemias acima de 180mg/dL.

Figura 7 - Tratamento de dor torácica sugestiva de isquemia

72
SÍNDROMES MIOCÁRDICAS ISQUÊMICAS INSTÁVEIS

3. IAM com supradesnivelamento do seg-


mento ST

A - Introdução
Quando a ruptura da placa aterosclerótica da coronária
determina a formação de trombo que a obstrui na sua má-

CARDIOLOGIA
xima intensidade por tempo suficiente, ocorre o IAM com
elevação do segmento ST (IAMCSSST). A história é seme-
lhante à da angina instável, exceto pela duração da dor, que
é mais prolongada (>20 a 30min). O diagnóstico é alcançado
por meio de história, exame físico e ECG, preenchendo os
seguintes critérios: elevação e queda gradual da troponina,
elevação e queda rápida da CKMB, sintomas isquêmicos,
aparecimento de ondas Q no ECG, elevação de ST ≥1mV em
2 derivações contíguas ao ECG ou intervenção em coronária
com angioplastia que evolua com tais características.
As alterações eletrocardiográficas evolutivas do IAM
com supradesnivelamento estão descritas na Figura 8.

Figura 9 - Checklist para avaliação do risco de trombólise

A localização da parede isquêmica pode ser feita por


meio da análise do ECG e permite estimar a artéria coroná-
ria acometida, conforme indica a Tabela 9.
Tabela 9 - Caracterização do IAMCSSST e a relação parede/coro-
nária acometida
Figura 8 - Padrão evolutivo do supradesnivelamento do segmento Localização da parede acometida no IAMCSSST
com elevação ≥1mm em 2 derivações contíguas
ST no infarto do miocárdio no ECG
D1, AVL, V3-6/artéria coronária descendente an-
Anterior
Definida a condição clínica, o paciente deve ser levado terior.
até a sala de emergência e receber oxigenoterapia, AAS, D2, D3, AVF/artéria coronária circunflexa ou di-
Inferolateral
clopidogrel, nitrato e morfina (classe I). Após a estabilização reita.
do doente, este deve ser avaliado quanto a sua elegibilida- Lateral D1, AVL/artéria coronária circunflexa.
de para terapia trombolítica ou abertura mecânica da arté- Direito AVR; V1 e V2, V3R e V4R/artéria coronária direita.
ria por angioplastia. A seguir, algoritmo para avaliação de Posteroinfe-
AVF, V5 e V6 em espelho/artéria coronária direita.
rior
contraindicação de trombólise (Figura 9).

73
CARD I OLOG I A

tratamento de 1ª linha: oxigênio, AAS, nitroglicerina, beta-


-bloqueador e trombólise. Outras drogas são utilizadas em
situações especiais, conforme mostram as Tabelas a seguir.
O nível de recomendação da atitude terapêutica também
está relacionado (Tabela 12).

Tabela 12 - Níveis de recomendação para medidas terapêuticas


Classe I Nível de benefício comprovado por estudos clínicos.
Nível de benefício provável demonstrado em estu-
Classe IIa
dos clínicos.
Nível de benefício possível demonstrado por estu-
Classe IIb
dos clínicos.
Classe III Malefício comprovado com uso da medida clínica.

Tabela 13 - Drogas indicadas em situações especiais


Oxigênio
Classe I - Congestão pulmonar/saturação arterial de O2 <90%.
Figura 10 - Artéria coronária com obstrução completa da sua luz
- Todos os doentes com IAM não complicado (2 a 3
por fratura e formação de trombo sobre a placa Classe IIa
primeiras horas).
Com a avaliação clínica inicial, é possível estratificar os - Todos os doentes com IAM não complicado (3 a 6
Classe IIb
pacientes quanto à repercussão hemodinâmica do IAM e seu primeiras horas).
prognóstico, utilizando-se a classificação clínica de Killip-Kim- AAS (redução de mortalidade – 23%; quando associado a es-
ball (Tabela 10). Outra forma de estratificação é a avaliação treptoquinase, redução de 43% na mortalidade)
hemodinâmica invasiva, através do cateter de Swan-Ganz, - AAS, de 160 a 325mg VO, no momento do diagnós-
utilizando-se a classificação de Forrester (Tabela 10). Classe I
tico; mantida indefinidamente.
Tabela 10 - Classificação clínica (Killip-Kimball) do IAMCSSST - Na alergia verdadeira ao AAS, substituir por clopido-
Classe IIb
grel, ticlopidina ou dipiridamol.
Classe Clínica
Nitroglicerina
I Sem B3 ou crepitações pulmonares.
- IAM e ICC, IAM anterior extenso, isquemia ou hiper-
Estertores até 50% dos campos pulmonares, com ou
II Classe I tensão persistente por 24 a 48 horas;
sem B3.
- Congestão/isquemia persistente/recorrente >48h.
III Estertores >50% dos campos pulmonares (EAP).
- IAM sem hipotensão, bradicardia ou taquicardia >24
IV Choque cardiogênico.
Classe IIb a 48h;
Tabela 11 - Classificação hemodinâmica (Forrester) do IAMCSSST - IAM complicado ou anterior extenso por >48h.
por meio de Swan-Ganz Classe III - Hipotensão (PASIST <90mmHg) bradicardia (<50bpm).
Classe Perfil hemodinâmico Beta-bloqueador
Normal - Iniciar via oral nas primeiras 24 horas para pacientes
I
PAOP <18mmHg IC >2,2L/min/m2 sem sinais de insuficiência cardíaca, baixo débito, ris-
Congestão pulmonar co aumentado para choque cardiogênico ou outras
II
PAOP >18mmHg IC >2,2L/min/m2 Classe I contraindicações para beta-bloqueadores. Pacientes
Má perfusão tecidual com contraindicação ao uso precoce do BB devem
III
PAOP <18mmHg IC <2,2L/min/m2 ser reavaliados quanto à indicação para prevenção
Má perfusão tecidual e congestão secundária após estabilização.
IV
PAOP >18mmHg IC <2,2L/min/m2 - Pacientes hipertensos sem sinais de insuficiência
PAOP = pressão de oclusão de artéria pulmonar. cardíaca, baixo débito, risco aumentado para choque
Classe IIa
IC = Índice Cardíaco (débito cardíaco dividido pela superfície cor- cardiogênico ou outras contraindicações para beta-
pórea). -bloqueadores.
- Beta-bloqueador intravenoso para pacientes com
B - Tratamento insuficiência cardíaca, baixo débito, risco aumenta-
Classe III
O tratamento do IAM deve ser iniciado, de preferência, do para choque cardiogênico ou outras contraindi-
já no transporte do paciente ao hospital. Fazem parte do cações para beta-bloqueadores.

74
SÍNDROMES MIOCÁRDICAS ISQUÊMICAS INSTÁVEIS

Trombólise (redução de mortalidade de 18%) relação ao uso de trombolíticos. No entanto, a maior crítica
Maior benefício: t <3h, IAM anterior, DM, PASIST <100mmHg a tal procedimento são as dificuldades para obtê-lo e a ne-
Menor benefício: IAM inferior (exceto com IAM do ventrículo cessidade de operadores experientes.
direito) O tempo porta-balão não deve exceder 90 minutos, e o
- Supra ST >0,1mV em 2 derivações contíguas, há tempo porta-agulha, para aqueles que serão submetidos à
Classe I <12h e idade <75 anos; fibrinólise, deve ser de 30 minutos.
- BRE e história compatível com IAM. A cirurgia cardíaca na fase aguda é reservada para si-
tuações como complicações na angioplastia, complicações

CARDIOLOGIA
- Supra ST >0,1mV em 2 derivações contíguas, há
Classe IIa mecânicas, dor persistente e/ou pacientes instáveis hemo-
<12h e idade >75 anos.
- Supra ST >0,1mV em 2 derivações contíguas, há dinamicamente e com coronárias suscetíveis de sofrerem
>12h e <24h; revascularização.
Classe IIb
- PASIST >180mmHg e/ou diastólica >110mmHg com
Tabela 14 - Angioplastia primária
IAM de alto risco após controle pressórico.
- Alternativa à trombólise, em centros capacitados,
- Supra ST há >24h, sem dor do tipo isquêmica;
Classe III com capacidade cirúrgica e pessoal treinado, IAM
- Infra ST, apenas. Classe I em evolução até 36 horas, que desenvolve choque
cardiogênico, idade <75anos; realizada até 18 horas
Independentemente do trombolítico utilizado, seu em- após início do choque.
prego é fundamental para a melhora da sobrevida do pa-
- Candidatos à reperfusão com contraindicação à
ciente, assim como prevenção da disfunção ventricular em Classe IIa
trombólise.
longo prazo. O tempo hábil de trombólise é de até 12 horas,
- IAM sem supra com TIMI <2 (critério angiográfico de
com maior benefício quando realizada no início desse perí- Classe IIb
baixo fluxo) há <12h do início do IAM.
odo. A droga mais utilizada é a estreptoquinase, na dose de
1.500.000U em 30 minutos. A existência de qualquer con- - Angioplastia de artéria não relacionada ao infarto;
traindicação absoluta para trombólise exclui essa terapia - Início de sintomas >12h e ausência de sintomas;
para o paciente. Classe III - Após trombólise sem evidências de isquemia;
Caso existam contraindicações relativas para o uso do - Baixa capacidade do hospital em realizar o proce-
trombolítico, a decisão de aplicar a droga deve ser definida dimento.
caso a caso.
Os efeitos colaterais mais frequentes são hipotensão ar- Tabela 15 - Revascularização miocárdica de urgência/emergência
terial, reação alérgica cutânea e choque anafilático. A hipo-
- Angioplastia sem sucesso com dor ou instabilidade
tensão é tratada com diminuição do volume e da velocidade hemodinâmica e anatomia favorável;
de infusão da droga. As outras complicações determinam a
- IAM + isquemia refratária/persistente em não can-
suspensão da droga e o tratamento angiográfico de resgate, Classe I didatos à manipulação angiográfica com anatomia
se disponível. A heparinização posterior não é necessária favorável;
após o uso da estreptoquinase. Apesar de estudos demons-
- Cirurgia concomitante para correção de defeito sep-
trarem benefício no seu uso associado à trombólise, ainda tal/insuficiência mitral pós-IAM.
não é um consenso.
Classe IIa - Choque cardiogênico com anatomia favorável.
Outro trombolítico utilizado é o rTPA, cujo efeito trom-
bolítico permanece por 2 a 3 horas, sendo necessária a Classe IIb - Angioplastia sem sucesso em área pequena de infarto.
heparinização por 24 horas. Na vigência de complicações - Taxa de mortalidade cirúrgica ≥mortalidade do tra-
Classe III
hemorrágicas após a trombólise, a estabilização do sangra- tamento clínico.
mento pode ser obtida com o uso de plasma fresco e crio-
precipitado. Tabela 16 - Inibidor de Enzima de Conversão da Angiotensina
Podem ser observados alguns sinais indiretos de reper- (IECA) em <24h do IAM
fusão coronária: arritmias de reperfusão (ritmo idioventri- IAM anterior ou ICC com PASIST >100mmHg e sem con-
Classe I
cular e extrassístoles ventriculares), melhora da dor, redu- traindicação conhecida.
ção do supra em mais de 50% da sua intensidade após 90 Todos os outros IAMs sem hipotensão ou outra con-
minutos do início da trombólise e pico precoce de enzimas Classe IIa
traindicação conhecida.
cardíacas. O critério mais importante e que deve ser consi- Pós-IAM com ventrículo esquerdo normal ou disfun-
derado para indicação de angioplastia de resgate é a redu- Classe IIb
ção leve.
ção do supradesnível do segmento ST.
A angioplastia primária é potencialmente superior à te-
C - IAM do ventrículo direito
rapia trombolítica na restauração da patência miocárdica.
Os pacientes apresentam menor isquemia recorrente e me- No IAM de parede inferior, deve-se dar atenção ao infar-
nores taxas de reintervenção e reinternação hospitalar em to do ventrículo direito que ocorre em até 30% dos infartos

75
CARD I OLOG I A

inferiores. Tal entidade clínica pode ser reconhecida ao ECG Critérios de reperfusão da trombólise
nas derivações direitas (V3R e V4R) até cerca de 3 horas do - Alívio dos sintomas (melhora da dor);
início do infarto. Após esse período, o supradesnível de ST
- Equilíbrio hemodinâmico e elétrico (ausência de arritmias);
comumente desaparece, e IAM do ventrículo direito é co-
mumente identificado quando o paciente desenvolve cho- - Diminuição de 50% do supra de ST (cerca de 60 a 90 minutos
após o início da trombólise).
que até 12 horas do início do infarto inferior, sem congestão
pulmonar. O tratamento dessa hipotensão é a reposição vo- Trombólise não eficaz
lêmica agressiva. Uma falha comum quando tal IAM não é - Persistência de sintomas de isquemia;
reconhecido é a administração de venodilatadores (nitrogli- - Instabilidade hemodinâmica ou elétrica;
cerina, morfina), determinando choque intenso por perda - Não houve redução do supra de ST;
da pré-carga do ventrículo direito. O ecocardiograma pode - Conduta: angioplastia de resgate.
identificar a discinesia ou acinesia do ventrículo direito, au-
xiliando no diagnóstico tardio.

Figura 11 - IAM do ventrículo direito com supradesnivelamento em


V4R e V5R

4. Resumo
Quadro-resumo
Medidas iniciais
- Mastigar 300mg de AAS (de 160 a 325mg);
- Monitorização cardíaca e oximetria, acesso venoso e oxigenote-
rapia (indispensável se SatO2 <90%);
- Obter ECG de 12 derivações com menos de 10 minutos da che-
gada;
- Radiografia de tórax;
- Clopidogrel, 300mg, dose de ataque (atenção à possibilidade
de procedimento cirúrgico de urgência);
- Glicemia capilar e exames (eletrólitos, hemograma e enzimas
cardíacas de base – CK e CKMB);
- Enzimas cardíacas a cada 6h (CK, CKMB e troponinas).
Tratamento
- Anticoagulação para casos de angina instável/IAM com suprar-
reperfusão coronariana para casos de IAM com supra:
Angioplastia primária (se disponível, em até 90 minutos);
Trombólise: estreptoquinase, rTPA ou TNK em até 30 minutos;
Beta-bloqueador: se não há contraindicação (PAS <90mmHg,
BAV de 2º ou 3º grau ou história de broncoespasmo, DPOC);
Nitrato: controle da dor e da hipertensão;
Morfina: controle da dor.

76
CAPÍTULO

9
Parada cardiorrespiratória

José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado

1. Introdução socorristas, treinados ou não, devem fornecer as com-


pressões torácicas às vítimas de parada cardíaca;
Nenhuma situação clínica supera a prioridade de aten- - A ênfase no fornecimento de compressões torácicas de
dimento da parada cardiorrespiratória (PCR). A rapidez e alta qualidade continua a ser essencial: os socorristas
a eficácia das intervenções adotadas são cruciais para o devem comprimir o tórax sobre superfície rígida de-
bom resultado do atendimento. Dados obtidos pelo DATA- terminando uma depressão de 5cm no esterno, a uma
SUS apontam que 35% das mortes no Brasil são de causas frequência mínima de 100 compressões por minuto,
cardiovasculares, que perfazem 300.000 casos anuais. Nos permitindo o retorno do tórax à posição de repouso;
Estados Unidos, estima-se que 250.000 mortes súbitas por - Os resgatistas treinados devem fornecer ventilação as-
ano ocorram por causa coronariana. A PCR é desencade- sistida na relação de 2 ventilações intercaladas com 30
ada, na sua grande maioria, por ocorrência de fibrilação compressões torácicas;
ventricular associada a evento isquêmico miocárdico ou a - Para os socorristas leigos, o serviço de emergência
distúrbio elétrico primário. deve fornecer apenas instruções de compressões torá-
O sucesso na ressuscitação cardiopulmonar depende da cicas quando o auxílio é telefônico.
rapidez com que se ativa a nova cadeia de sobrevida (Figura
1), que consiste em acesso rápido ao sistema de emergên-
cia, ressuscitação cardiopulmonar, desfibrilação precoce, 2. Manobras de suporte básico de vida
suporte avançado de vida eficaz e cuidados pós-PCR. O suporte básico de vida visa ao reconhecimento e ao
atendimento de situações de emergência, como obstrução
aguda de via aérea, infarto agudo do miocárdio, acidente
vascular cerebral e PCR. A abordagem inicial através dessas
manobras visa instituir as condições mínimas necessárias
para manutenção ou recuperação da oxigenação e perfusão
cerebral, já que é a viabilidade neurológica que define, em
Figura 1 - Cadeia da sobrevida grande parte, o prognóstico da vítima de PCR. Disso depen-
Em 2010, foi publicado o novo consenso da American de o respeito às prioridades da abordagem inicial: ABC (Air
Heart Association, que determinou algumas mudanças sig- way/Breathing/Cardiovascular).
nificativas, descritas a seguir: A seguir, enumeram-se e discutem-se os passos que
- A RCP deve ser iniciada imediatamente se a vítima não constituem o suporte básico de vida.
responde e não respira. A avaliação do pulso não é
mais recomendada; a RCP deve ser iniciada imediata-
A - Avaliar o nível de consciência (responsividade)
mente com as compressões torácicas em vez de abrir A vítima de um evento agudo precisa ser abordada ra-
as vias aéreas e iniciar a respiração artificial; todos os pidamente. A checagem do nível de consciência fornece,

77
CARD I OLOG I A

em pouco tempo, informações valiosas. Se o paciente res-


ponde ao chamado, mesmo que a resposta seja incompre-
ensível, isso demonstra que há fluxo sanguíneo cerebral
suficiente para manter alguma atividade do sistema ner-
voso central, ou seja, a situação se afasta da condição de
PCR (Figura 2).
A checagem do nível de consciência deve ser feita por
meio do chamado verbal e do contato físico com a vítima.
Se não há resposta, assume-se que a função do SNC está
prejudicada, por exemplo, por hipóxia (como na parada
respiratória) ou baixo fluxo sanguíneo cerebral (como no
choque hipovolêmico). A ausência de resposta da vítima
demonstra maior probabilidade de condição crítica como
a PCR.
Figura 3 - Chamado de emergência e pedido de desfribilador

O DEA é um aparelho eletrônico portátil que desenca-


deia um choque elétrico com corrente contínua sobre o
tórax da vítima, organizando o ritmo elétrico do coração,
quando necessário. Tal aparelho deve estar facilmente dis-
ponível nos ambientes de alto risco de evento cardiovascu-
lar, como áreas hospitalares, aeroportos ou áreas de grande
aglomeração de pessoas, pois o tempo de chegada do desfi-
brilador até o paciente determina a sua sobrevida.
A necessidade do chamado precoce de ajuda e do des-
fibrilador justifica-se pelo fato de que cerca de 80% dos
eventos de PCR extra-hospitalares são desencadeados por
2 formas de arritmias letais: a Fibrilação Ventricular (FV) e a
Taquicardia Ventricular (TV). Tais ritmos estão presentes no
início da maioria dos casos de PCR e apresentam bom índi-
Figura 2 - Checagem do nível de consciência da vítima ce de resposta à desfibrilação quando tratados em tempo
hábil. No entanto, evoluem rapidamente para assistolia ou
Em quaisquer das 2 condições (consciente ou incons- tornam-se progressivamente refratários ao choque se tra-
ciente), o passo seguinte deve ser o desencadeamento do tados tardiamente.
sistema de emergência, chamando por ajuda e pelo Desfi-
brilador Externo Automático (DEA). Essa orientação não é C - Posicionar a vítima para o resgate
válida para atendimento de afogados e vítimas de obstru- A posição correta da vítima durante o atendimento é o
ção testemunhada da via aérea, em que o resgatista deve decúbito dorsal horizontal sobre superfície rígida, em virtu-
aplicar 2 minutos de RCP antes de acionar o serviço de de da possibilidade de massagem cardíaca. Durante o po-
emergência (recomendação IIB). sicionamento da vítima, deve-se lembrar a necessidade de
manter sua coluna cervical sempre alinhada com o restante
B - Chamar por ajuda, pedindo o desfibrilador do tronco durante a mobilização. A suspeita da lesão cervi-
automático cal deve ser sempre lembrada quando a perda de consciên-
cia da vítima não foi presenciada ou quando a vítima sofreu
O chamado de emergência constitui passo crucial no trauma de crânio ou cervical durante a queda.
atendimento, pois não se pode definir de imediato o que
aconteceu com a vítima. O evento pode ter sido desenca- D - Posicionar-se em relação à vítima
deado por uma simples hipoglicemia até uma situação de O posicionamento correto do resgatista em relação à
extrema gravidade, como a PCR. Nessa situação, o suporte vítima é colocar-se à linha dos ombros do paciente, não
básico de vida é fundamental para manter as condições mí- importando o lado (direito ou esquerdo). Essa posição per-
nimas de perfusão e oxigenação tecidual cerebrais e mio- mite acesso rápido ao seguimento cefálico (via aérea) e ao
cárdicas da vítima. No entanto, a medida principal que per- tronco do indivíduo (massagem cardíaca). Em caso de 2 so-
mite a reversão da PCR é o acesso rápido ao desfibrilador corristas, ambos devem posicionar-se um de cada lado da
elétrico (Figura 3). vítima, à linha dos ombros.

78
PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA

E - Abrir vias aéreas e avaliar se o paciente respira aplicação da abertura da via aérea ou da ventilação assisti-
da não é possível, devem-se aplicar apenas as compressões
Na avaliação da respiração recomendada anterior- torácicas.
mente, era dedicado um tempo muito longo ao processo A localização correta do ponto de compressão toráci-
de abertura das vias aéreas e da avaliação da presença de ca é muito importante para a boa eficiência da massagem
ventilação espontânea (ver, ouvir, sentir), o que retardava cardíaca. O ponto de compressão torácica localiza-se na
o início da RCP. A recomendação atual orienta que, após metade inferior do esterno (o centro do tórax) (Figura 5).
a abertura das vias aéreas, deve ser realizada uma avalia- Nesse ponto, coloca-se a região hipotenar da mão do braço

CARDIOLOGIA
ção rápida e objetiva, através apenas de observação direta mais forte, que servirá de base para a compressão cardíaca.
do paciente, para definir a ausência de movimentos respi- A outra mão deve ser colocada paralelamente sobre a 1ª,
ratórios (Figura 4). A presença de gasping não caracteriza mantendo os cotovelos estendidos. A compressão deve ser
ventilação espontânea e deve ser interpretada como ritmo aplicada de forma rápida e forte, causando uma depressão
respiratório indicativo de PCR. de 5cm no tórax, formando um ângulo de 90° com o plano
horizontal (Figura 6).
A frequência de compressões torácicas deve manter o
alvo de, ao menos, 100 compressões ou mais por minuto.

Figura 4 - Avaliação das vias aéreas

A avaliação do pulso não é mais recomendada para lei-


gos, bastando a definição de perda de consciência e ausên-
cia de respiração para definir a situação de PCR no ambien-
te extra-hospitalar. Para profissionais de saúde, a pesquisa Figura 5 - Localização do ponto de compressão torácica
de pulso ainda é mandatória por até 10 segundos. Definida
a ausência de pulso, deve-se iniciar a RCP imediatamente.

F - Iniciar a reanimação cardiopulmonar (C-A-B)


Nas novas recomendações, indica-se que a massagem
cardíaca seja iniciada antes das ventilações, após o reco-
nhecimento da PCR (C-A-B, ao invés de A-B-C, como era
orientado).
Definida a PCR (paciente apneico e inconsciente), são
iniciadas imediatamente as manobras de RCP, através das
compressões torácicas alternadas com as ventilações as-
sistidas: aplica-se a sequência de 30 compressões toráci-
cas para 2 ventilações assistidas, iniciando-se com as com-
pressões. Após a compressão, deve-se permitir o retorno
do tórax à posição normal. As compressões só devem ser
interrompidas na chegada do DEA, da equipe de suporte
avançado, ou quando são detectados movimentos espon-
tâneos da vítima. Para o leigo, orienta-se aplicar apenas
as compressões torácicas, não sendo necessárias as ven-
tilações assistidas; quando habilitado, o leigo pode aplicar
ventilações assistidas. Para os profissionais da saúde, a apli- Figura 6 - Posicionamento correto e lado da vitima para início das
cação da ventilação assistida ainda é necessária. Quando a compressões cardíacas

79
CARD I OLOG I A

G - Realizar a desfibrilação elétrica, se indicada o choque, quando se deve checar o pulso. Em caso de pulso
presente, houve reversão da PCR, e deve-se manter suporte
Sabe-se que o ritmo mais frequente presente nos pri-
ventilatório até a chegada do sistema de emergência, che-
meiros minutos da PCR extra-hospitalar é a FV. Quanto mais
cando o pulso a cada 2 minutos; se ausente, as manobras
precoce a desfibrilação, melhores os resultados na sobrevi-
de RCP devem ser mantidas por mais 2 minutos até uma
da. Estudos demonstram que a desfibrilação precoce, quan-
nova checagem de ritmo pelo desfibrilador.
do empregada nos 3 a 4 primeiros minutos da PCR, deter-
A PCR pode ser descrita em 3 fases distintas:
mina a reversão do evento em até 75% dos casos. Portanto,
1 - Fase elétrica: é o início da PCR, quando a reversão da
a colocação das pás do desfibrilador sobre a vítima deve ser
desorganização elétrica determina o retorno da circulação
realizada assim que o aparelho está disponível, interrom-
espontânea e não houve, ainda, grande comprometimento
pendo as manobras de RCP para identificar o ritmo elétrico
metabólico miocárdico e sistêmico. Tal fase se estende até
da PCR.
o 4º ou 5º minuto da PCR. A desfibrilação nessa fase é o
O desfibrilador automático/semiautomático (Figura 7)
tratamento prioritário.
possui um programa que lhe permite identificar e reconhe-
2 - Fase hemodinâmica: já ocorre comprometimento
cer os ritmos de FV e TV, indicando, então, o choque. Se o
ritmo presente não for uma TV ou FV, o aparelho não indi- metabólico intenso do miocárdio, que se apresenta debi-
cará o choque, cabendo ao resgatista manter a massagem litado em manter a atividade elétrica inicial da PCR (FV ou
cardíaca e as ventilações até a chegada do suporte avan- TV). Quando a desfibrilação é feita nessa fase sem a aplica-
çado, mantendo ciclos de 2 ventilações e 30 compressões ção prévia de RCP para reperfusão miocárdica, há maior in-
torácicas, até que o DEA indique a necessidade de checar cidência de reversão do ritmo inicial para ritmo elétrico não
pulso. associado a pulso central (atividade elétrica sem pulso ou
assistolia). Para aumentar a chance de sucesso do choque
nessa fase, recomenda-se a aplicação de RCP por 2 minutos
antes da desfibrilação nas vítimas que não receberam RCP
até o 5º minuto da PCR. É uma tentativa de melhorar a res-
posta do miocárdio não perfundido ao choque (recomenda-
ção IIB). Nas vítimas que receberam RCP antes do 5º minuto
da PCR, a desfibrilação imediata é indicada assim que a FV/
TV sem pulso é identificada.
3 - Fase metabólica: é a fase de evolução final do sofri-
mento celular, em que a viabilidade miocárdica é terminal.
Predomina a acidose metabólica láctica.
Com a aplicação do suporte básico de vida, pode-se re-
tardar o tempo de instalação e evolução dessas fases.

Figura 7 - Desfibrilador externo automático

Quando indicado, o choque inicial é de 360J (monofási-


co) ou de 150 a 200J (na energia equivalente nos aparelhos
bifásicos). O choque bifásico é preferível em relação ao mo-
nofásico para a reversão da PCR em FV. No momento do
choque, o socorrista deve certificar-se de que ninguém está
em contato com a vítima.
Em vítimas atendidas após 4 a 5 minutos do evento e
que não receberam suporte básico de vida e apresentam FV
ou TV SM pulso, é aceitável a aplicação de 2 minutos de RCP
antes da aplicação da desfibrilação.
Imediatamente, após o choque, retoma-se a RCP por 2
minutos, quando o aparelho novamente reavalia a neces-
sidade de novo choque. Se indicado, é aplicado na mes-
ma energia empregada anteriormente, seguido de mais 2
minutos de RCP e assim por diante, até que o sistema de
emergência se encarregue do atendimento ou ocorra mu-
dança do ritmo. Quando esta ocorre, o aparelho não indica Figura 8 - Suporte básico de vida para adultos

80
PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA

3. Manobras de suporte avançado de vida QRS alargados (≥0,12ms), idênticos entre si, com frequência
elevada e sem ondas P identificáveis ao traçado. Tal ritmo
Deve-se esclarecer que, por mais avançados que sejam pode ou não gerar contração miocárdica efetiva (pulso). Na
os recursos disponíveis para o atendimento da PCR, o su- ausência de pulso, a TV deve ser tratada como FV.
porte básico de vida é fundamental à manutenção da per- Identificada a FV/TV sem pulso, o tratamento inicial de-
fusão e oxigenação cerebral e coronariana. pende do tempo decorrido do início do evento até a iden-
O suporte avançado de vida implica a presença de pro- tificação desse ritmo. Quando o paciente é atendido rapi-
fissional habilitado para a realização de procedimentos de damente e a FV/TV sem pulso é identificada até o 4º ou 5º

CARDIOLOGIA
risco, como a abordagem invasiva de via aérea, a aplicação minuto da PCR, a medida imediata é a desfibrilação elétri-
de desfibrilação e o uso de medicações. Em nosso meio, tais ca com choque único de 360J monofásicos ou em energia
procedimentos só podem ser realizados por médico habili- equivalente de choque bifásico (geralmente, entre 150 e
tado. 200J, recomendando-se energia máxima do equipamento).
No suporte avançado, a identificação do ritmo cardía- Quando o mesmo ritmo é identificado após o 5º minuto de
co é feita por pás do monitor cardíaco, com o objetivo de PCR, 2 minutos de RCP podem ser aplicados inicialmente
poupar tempo durante o atendimento, permitindo a rápida para, posteriormente, aplicar a desfibrilação. Isso se deve
desfibrilação, caso seja indicada. Por meio da identificação ao fato de a chance de evolução da FV/TV sem pulso para
do ritmo cardíaco pelas pás, pode-se dividir a PCR em 2 assistolia ou atividade elétrica sem pulso ser grande, e ao
modalidades: ritmo de FV/TV sem pulso (ritmo que merece fato de esse risco ser significativamente reduzido quando se
choque imediato) ou em ritmo de assistolia/atividade elé- aplica um período de RCP prévio ao choque, aumentando
trica sem pulso (ritmo que não merece ser chocado). a chance de reversão da FV/TV sem pulso para ritmo or-
ganizado com pulso. Imediatamente, após o choque mais
A - PCR em FV/TV sem pulso 2 minutos de RCP devem ser aplicados. Após tal período,
As formas mais frequentes de atividades elétricas ini- avalia-se novamente o ritmo, aplicando-se o choque se ne-
ciais na PCR extra-hospitalar são a FV (Figura 9) e a TV sem cessário e assim por diante.
pulso (Figura 10), encontradas em cerca de 80% dos casos. A segurança durante a desfibrilação é de responsabilida-
São as formas de melhor prognóstico para reversão, desde de de quem manipula o aparelho. Durante a administração
que tratadas adequadamente e em tempo hábil. dos choques, alguns cuidados devem ser adotados, como o
correto posicionamento das pás, a aplicação de força sobre
elas e a utilização de gel condutor. Tais medidas contribuem
para maior taxa de sucesso na desfibrilação (Figura 11).

Figura 9 - Fibrilação ventricular

Figura 11 - Posicionamento correto das pás mostrado na imagem


à direita (corrente percorre maior massa de miocárdio possível) e
posição errada à esquerda: corte transversal

No suporte avançado de vida da FV/TV sem pulso, a che-


cagem do pulso central deve ser feita apenas quando há
mudança do ritmo visando reduzir ao máximo as interrup-
ções da RCP.
Caso ainda persista a FV/TV sem pulso após o 1º cho-
que, são necessárias medidas de suporte avançado, como
drogas que melhorem a condição hemodinâmica da PCR e
Figura 10 - Taquicardia ventricular sem pulso medidas de auxílio no tratamento da PCR. Neste momento,
são necessárias a instalação de um acesso venoso periférico
A FV caracteriza-se por uma atividade elétrica caótica (IV) ou intraósseo (IO), a colocação de via aérea definitiva
e desorganizada do coração, com ritmo incapaz de gerar para melhor oxigenação (O2) e a monitorização cardíaca
contração cardíaca eficiente. Daí a ausência de pulso cen- através de eletrodos. Ou seja, após o 1º choque, mantida
tral nesse ritmo elétrico. A TV difere da FV por tratar-se a PCR, deve-se proceder à aplicação de Monitor, Oxigênio e
de ritmo elétrico organizado, caracterizado por complexos acesso Venoso (MOV) (Figura 12).

81
CARD I OLOG I A

ministradas inicialmente em qualquer modalidade de PCR


são a epinefrina (1mg, a cada 3 a 5 minutos IV, ou na dose
equivalente através da cânula endotraqueal – recomenda-
ção indeterminada) ou vasopressina em uma única dose de
40U. A vasopressina pode ser utilizada em substituição à 1ª
ou à 2ª dose da adrenalina ou como droga inicial.
A droga seguinte a ser utilizada é a amiodarona, na dose
de 300mg IV em bolus, podendo ser repetida mais 1 dose
de 150mg. A manutenção após retorno de ritmo com pulso
é de 1mg/min por 6h e 0,5mg/min por mais 18h. Em um
estudo recente, essa droga se mostrou superior à lidoca-
ína na FV/TV refratária, em atendimento extra-hospitalar,
quanto à sobrevida na admissão hospitalar. No entanto, a
mortalidade intra-hospitalar não foi diferente nos 2 grupos.
A lidocaína é aceita como antiarrítmico na dose de 1 a
1,5mg/kg de peso do paciente, na dose máxima de 3mg/kg.
Pode-se usar o sulfato de magnésio para a reversão da
arritmia quando hipomagnesemia for documentada ou na
torsades de pointes; sua dose é de 1 a 2g IV em bolus. A
procainamida não é mais utilizada na PCR para reversão de
FV/TV sem pulso.
Quando ocorre a reversão da arritmia, em qualquer mo-
mento durante a PCR, uma dose de manutenção do último
Figura 12 - Aplicação do MOV na vítima
antiarrítmico utilizado pode ser administrada por 12 a 24
Após a intubação, procede-se à checagem primária da horas para evitar a recidiva da arritmia. Caso não tenha sido
via aérea por meio da ausculta epigástrica e pulmonar (ba- administrado nenhum antiarrítmico, pode ser aplicada uma
ses e ápices); a checagem secundária deve ser realizada dose de ataque de lidocaína (1 a 1,5mg/kg), seguida da in-
através de equipamentos de confirmação (detector de CO2, fusão da dose de manutenção (Tabela 1).
capnógrafo ou pêra esofágica), com preferência ao capnó- Tabela 1 - Antiarrítmicos usados na FV/TV sem pulso
grafo. Caso o acesso venoso não esteja disponível, deve-se
Droga Dose de ataque Dose de manutenção
administrar a droga desejada por meio da via IO ou da cânu-
300mg; 2ª dose de 1mg/min/6h e 0,5mg/
la traqueal sem demora. Recentemente, essa via foi padro- Amiodarona
150mg min por mais 18h
nizada para uso na PCR em adultos, podendo ser utilizada
1 a 1,5mg/kg; dose
para infusão das drogas. Na impossibilidade absoluta de Lidocaína 2 a 4mg/min
máxima de 3mg/kg
estabelecer um acesso venoso periférico ou da via IO para
administração das drogas, é aceitável colocar um cateter Sulfato de
1 a 2g 1 a 2g/h
magnésio*
em posição central. Enquanto qualquer outro acesso para a
aplicação de drogas não está disponível, deve ser utilizada a * Em caso de hipomagnesemia.
cânula traqueal para a administração das drogas.
Algumas drogas podem ser utilizadas via cânula traque- B - PCR em Atividade Elétrica Sem Pulso (AESP)
al: vasopressina, atropina, naloxona (antagonista opioide), ou assistolia
epinefrina e lidocaína (Vanel). Para que tais drogas admi- Após a colocação das pás do desfibrilador no tórax da
nistradas através da cânula tenham o mesmo efeito da dro- vítima, a identificação de qualquer atividade elétrica dife-
ga IV, é necessário administrar de 2 a 2,5 vezes a dose IV rente das atividades de FV/TV sem pulso caracteriza uma
(com exceção da vasopressina, aplicada na mesma dose). PCR em ritmo não passível de choque (AESP ou assistolia).
Para melhorar a absorção da droga, a dose via cânula deve A AESP caracteriza-se por um ritmo elétrico que, usual-
ser seguida de um bolus de 10mL de soro fisiológico 0,9%. mente, deveria estar associado a pulso central. São várias
No entanto, com a possibilidade do uso da via IO para infu- as atividades elétricas englobadas nessa definição (disso-
são de drogas, a prioridade na intubação foi reduzida, não ciação eletromecânica, pseudodissociação eletromecânica,
sendo incorreto retardá-la no início da PCR para priorizar ritmo idioventricular e outros), mas o tratamento é o mes-
outras medidas terapêuticas, como a desfibrilação e a apli- mo para tais ritmos. Na verdade, o que ocorre é que existe
cação das drogas. um fator impedindo o acoplamento entre a atividade elétri-
O uso de um vasopressor durante o atendimento da ca organizada do miocárdio e a contração muscular efetiva
parada é necessário, pois determina melhora do retorno que deveria resultar dessa atividade elétrica. Há várias cau-
venoso e da perfusão coronariana. As drogas a serem ad- sas de AESP, discutidas a seguir.

82
PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA

eletrodos (artefatos podem simular assistolia), aumentar o


ganho do monitor cardíaco (a FV fina pode ser interpretada
como assistolia num baixo ganho sobre o sinal do monitor)
e, finalmente, checar o ritmo em 2 derivações.
Figura 13 - Ritmo sinusal bradicárdico progredindo para ritmo jun- Todo cuidado na identificação desse ritmo é pouco,
cional, quando não associado a pulso central palpável, caracteriza
pois, em até 10% dos identificados como assistolia, através
a AESP
das pás, o ritmo de base verdadeiro é a FV. Isso pode acon-

CARDIOLOGIA
O tratamento da AESP nunca deve ser realizado por tecer em virtude de o eixo elétrico resultante da FV poder
meio do choque, pois já existe uma atividade elétrica ven- ser, naquele momento, perpendicular à derivação da mo-
tricular organizada potencialmente capaz de gerar pulso nitorização através das pás, gerando um ritmo isoelétrico
central. O choque poderia desorganizá-la, gerando mais um no monitor (assistolia), bem como por cabos ou eletrodos
problema durante o atendimento. Como as pás do desfibri- desconexos.
lador não são mais utilizadas após a identificação do ritmo, As causas de assistolia são as mesmas da AESP, devendo-
deve-se aplicar o suporte avançado de vida ao doente (RCP, -se iniciar infusão de volume e procurar tratamento adequa-
monitor, intubação e acesso venoso). do com base nas causas possíveis. O uso do marca-passo
Uma atitude clínica importante em relação à AESP é a transcutâneo na assistolia não é mais indicado. A 1ª droga
determinação da sua causa e a aplicação do tratamento es- a ser administrada na AESP e na assistolia também é um
pecífico. São 11 as causas reversíveis, e pode-se denominá- vasopressor. Pode ser a epinefrina (1mg/dose, a cada 3 a 5
-las de forma simples para memorização, como 6Hs e 5Ts. minutos) ou a vasopressina (40U, dose única); esta pode ser
O tratamento das causas da AESP é o fator determinan- aplicada como 1ª droga ou em substituição à 1ª ou à 2ª dose
te da reversão do quadro. Caso não se encontre uma des- da epinefrina. A atropina não é mais recomendada no trata-
sas causas durante o atendimento, as chances de reversão mento da AESP/assistolia por não ter benefício comprovado.
da PCR se tornam muito reduzidas. A principal e mais fre-
quente causa de AESP é a hipovolemia, que deve ser trata-
da pela administração de volume IV; o tratamento de cada
uma das causas é descrito a seguir (Tabela 2). Vale lembrar
que a trombólise do infarto agudo do miocárdio e do trom-
boembolismo pulmonar durante a PCR é um procedimento
de benefício duvidoso. No IAM, a angiografia pós-PCR está
relacionada a um melhor prognóstico.
Tabela 2 - Causas de AESP: 6Hs e 5Ts
Causa Tratamento
Hipovolemia Volume
Hipóxia Oxigênio (intubação endotraqueal)
Hipocalemia Administração de KCl
Hipercalemia Bicarbonato de sódio 1mEq/kg
H (acidose metabólica)
+
Bicarbonato de sódio 1mEq/kg
Hipoglicemia Glicose hipertônica
Hipotermia Reaquecimento
Tamponamento cardíaco Punção pericárdica (Marfan)
Tromboembolismo pulmonar Volume + reversão da PCR*
Trombose de coronária Volume + reversão da PCR* Figura 14 - Suporte avançado de vida em adultos
Pneumotórax hipertensivo Punção torácica de alívio
Tóxicos Antagonista específico
Tabela 3 - Atendimento inicial ao paciente com parada cardiorres-
* Trombólise a critério clínico. piratória
Qualidade da RCP
Na PCR, a assistolia é a forma de pior prognóstico e con-
- Comprimir com força >2pol (5cm) e rapidez (≥100/min) e
siste na ausência de atividade elétrica no coração, porém
aguardar o retorno total do tórax;
algumas situações determinam o erro diagnóstico. Para o
- Minimizar interrupções nas compressões;
diagnóstico correto de assistolia, deve-se proceder ao pro-
tocolo da linha reta que consiste em checar a conexão dos - Evitar ventilação excessiva;

83
CARD I OLOG I A

Qualidade da RCP 4. Cuidados após a reanimação


- Alternar a pessoa que aplica as compressões a cada 2 minutos;
Após a reversão da PCR, alguns cuidados são necessá-
- Se saem via aérea avançada, relação compressão-ventilação de rios para possibilitar a melhor condição para a sua recupe-
30:2; ração.
- Capnografia quantitativa com forma de onda: A reabordagem do ABC deve ser realizada periodica-
· Se PETCO2 <10mmHg, tentar melhorar a qualidade da RCP. mente, principalmente ao menor sinal de deterioração
- Pressão intra-arterial: clínica do doente. A checagem do correto posicionamento
· Se pressão na fase de relaxamento (diastólica) <250mmHg, da cânula e da adequação das ventilações assegura a sua
tentar melhorar a qualidade da RCP. boa oxigenação. Após a reversão da PCR, o indivíduo pode
Retorno da Circulação Espontânea (RCE) ser colocado em ventilação mecânica, e a colocação de um
- Pulso e pressão arterial; oxímetro de pulso permite avaliar a adequação da sua oxi-
- Aumento abrupto prolongado PETCO2 (normalmente, ≥40mmHg); genação.
- Variabilidade espontânea na pressão arterial com monitoriza- A verificação do correto funcionamento do acesso ve-
ção intra-arterial. noso disponível e a checagem dos dados vitais através de
um monitor de PA não invasiva, da monitorização da FC e
Energia de choque
do ritmo de base permitem avaliar e manipular a condição
Recomendação do fabricante (120 a 200J); se
hemodinâmica do paciente por meio da infusão de volu-
desconhecida, usar máximo disponível. A 2ª
me, drogas vasoativas e antiarrítmicas quando necessários.
Bifásica carga e as subsequentes devem ser equiva-
Após a estabilização, pode-se providenciar o transporte
lentes, podendo ser equivalentes e conside-
para recursos mais adequados (UTI, sala de hemodinâmica
radas cargas mais altas.
etc.).
Monofásica 360J.
Outra medida terapêutica recentemente aceita para
Terapia medicamentosa aplicação clínica no período pós-PCR é a hipotermia indu-
Dose IV/IO de zida (temperatura central 32 a 34°C) por 12 a 24 horas de
1mg a cada 3 a 5 minutos.
epinefrina duração nos casos de encefalopatia anóxica grave. Quando
Dose IV/IO de 40 unidades podem substituir a 1ª ou a 2ª iniciada até 6 horas após a reversão, a hipotermia determi-
vasopressina dose de epinefrina. na melhor prognóstico neurológico, bem como de mortali-
Dose IV/IO de dade. Por outro lado, a hipertermia deve ser evitada a todo
1ª dose: bolus de 300mg; 2ª dose: 150mg.
amiodarona custo, assim como a hiperventilação.
Via aérea avançada Embora não haja estudo específico com pacientes no
- Via aérea avançada supraglótica ou intubação endotraqueal; período pós-ressuscitação, a recomendação de controle
- Captografia com forma de onda para confirmar e monitorar o glicêmico a eles parece razoável, pois são grandes as evi-
posicionamento do tubo ET; dências do seu benefício entre indivíduos em estado crí-
- 8 a 10 ventilações por minuto, com compressões torácicas con- tico. Falta, ainda, definir os melhores valores de controle
tínuas. glicêmico.
Causas reversíveis
- Hipovolemia; 5. Fatores prognósticos
- Hipóxia; Não existe exame laboratorial ou diagnóstico que per-
- Hidrogênio (acidose); mita uma predição adequada da evolução do paciente após
- Hipo/hipercalemia; reversão da PCR, principalmente nos pacientes submetidos
- Hipotermia; à hipotermia. No entanto, a presença de alguns sinais após
24 a 72 horas depois do evento está correlacionada a um
- Tensão do tórax por pneumotórax;
pior prognóstico neurológico:
- Tamponamento cardíaco;
- Toxinas; - Ausência de reflexo pupilar em 24 horas;
- Trombose pulmonar; - Ausência de reflexo corneano em 24 horas;
- Trombose coronária.
- Ausência de reflexo de retirada do estímulo doloroso
O término dos esforços deve ser considerado por meio em 24 horas;
da análise de diversos fatores (tempo de PCR até o 1º aten-
dimento, prognóstico do paciente, idade da vítima, doença
- Sem resposta motora em 24 horas;
de base etc.). - Sem resposta motora em 72 horas.
84
PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA

Tabela 4 - Principais componentes de SBV para adultos, crianças e bebês


Recomendações
Componente Adultos Crianças Bebês*
Não responsivo (para todas as idades)
Sem respiração ou com
Reconhecimento respiração anormal (isto é, Sem respiração ou apenas com gasping
apenas com gasping)

CARDIOLOGIA
Sem pulso palpado em 10 segundos, para todas as idades (apenas para profissionais de saúde)
Sequência da RCP C-A-B
Frequência de compreensão No mínimo, 100/min
No mínimo, 2 polegadas No máximo 1/3 diâmetro AP. No mínimo, 1/3 do diâmetro AP.
Profundidade da compreensão
(5cm) Cerca de 2 polegadas (5cm) Cerca de 1/1/4 polegada (4cm)
Permitir retorno total entre as compreensões. Profissionais de saúde, alternar as pessoas que
Retorno da parede torácica
aplicam as compressões a cada 2 minutos
Minimizar interrupções nas compreensões torácicas. Tentar limitar as interrupções a menos de
Interrupções nas compreensões
10 segundos
Inclinação da cabeça-elevação do queixo (profissionais de saúde que suspeitarem de trauma:
Vias aéreas
anteriorização da mandíbula)
Relação compreensão-ventilação (até
30:2. Um ou 2 socorristas 30:2. Um socorrista. 15:2. Dois socorristas profissionais de saúde
a colocação da via aérea avançada)
Ventilações: quando socorrista não
Apenas compreensões
treinado e não proficiente
Ventilações com via aérea avançada 1 ventilação a cada 6 a 8 segundos (8 a 10 ventilações/min). Assíncronas com compreensões
(profissionais de saúde) torácicas. Cerca de 1 segundo por ventilação. Elevação visível do tórax
Colocar e usar o DEA/DAE assim que ele estiver disponível. Minimizar as interrupções nas compre-
Desfibrilação ensões torácicas antes e após o choque; reiniciar a RCP começando com compreensões imediata-
mente após cada choque
DEA/DAE: Desfibrilador Automático Externo; AP: anteroposterior; RCP: ressuscitação cardiopulmonar; PS: Profissional de Saúde.
* Excluindo-se recém-nascidos, cuja etiopatologia da PCR é, quase sempre, asfixia.
Fonte: Destaques das Diretrizes da American Heart Association 2010 para RCP e ACE.

6. Resumo
Quadro-resumo
- A RCP deve ser iniciada imediatamente se a vítima não responde e não respira. A avaliação do pulso não é mais recomendada;
- A RCP deve ser iniciada imediatamente com as compressões torácicas em vez de abrir as vias aéreas e iniciar a respiração artificial;
- Todos os socorristas, treinados ou não, devem fornecer as compressões torácicas às vítimas de parada cardíaca;
- A ênfase no fornecimento de compressões torácicas de alta qualidade continua a ser essencial, a uma frequência mínima de 100
compressões/min;
- Os resgatistas treinados devem fornecer ventilação assistida na relação de 2 ventilações intercaladas com 30 compressões torácicas;
- Para os socorristas leigos, a aplicação de ventilações assistidas é dispensável. O serviço de emergência deve fornecer apenas instruções
de compressões torácicas quando o auxílio for telefônico;
- FV/TV devem ser revertidas com desfibrilação imediata;
- A epinefrina ou a vasopressina são os vasopressores aplicados em todas as formas de PCR;
- O benefício da atropina na assistolia ou na AESP é questionável;
- A hipotermia terapêutica reduz a mortalidade nos sobreviventes de PCR.

85
CARD I OLOG I A

CAPÍTULO

10
Insuficiência cardíaca congestiva

José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado

1. Introdução avanços no tratamento de tais casos, não tem sido observa-


da melhora nas taxas de mortalidade no decorrer dos anos.
A Insuficiência Cardíaca (IC) é um grande problema de
saúde pública, particularmente nos países desenvolvidos e
2. Definições
em alguns países em desenvolvimento, como o Brasil, além
de uma das principais causas de internação e óbito em todo A IC é uma síndrome complexa, caracterizada pela inca-
o mundo. Nos últimos anos, tem havido um melhor enten- pacidade do coração de suprir as necessidades metabólicas
dimento de sua fisiopatologia, o que, associado à realização do organismo, e diferentes estruturas cardíacas podem es-
tar acometidas e determiná-la. É possível, ainda, que ocor-
de diversos estudos randomizados com grande número de
ra não por mau funcionamento cardíaco, mas por excessiva
indivíduos, permitiu o desenvolvimento de novas opções
demanda metabólica tecidual, como acontece na anemia,
terapêuticas. O termo ICC, referente à Insuficiência Cardía-
sepse, beribéri, doença de Paget e fístulas arteriovenosas,
ca Congestiva, está sendo abandonado, pois nem todos os situações em que a IC é dita de alto débito.
pacientes apresentam quadro de congestão. Por definição, para o estudo da IC, o grande marcador
Nos Estados Unidos, a IC acomete cerca de 5 milhões de é a presença de baixo débito cardíaco por disfunção mio-
pessoas, e, a cada ano, são diagnosticados 500.000 novos cárdica ventricular, já que essa é a forma mais frequente de
casos. É a causa principal de 12 a 15 milhões de consultas, apresentação. Suas principais manifestações são dispneia e
6,5 milhões de diárias hospitalares e 300.000 óbitos ao ano. fadiga, além de intolerância aos esforços, retenção de flui-
Acomete principalmente idosos, pois de 6 a 10% das pesso- dos com consequente congestão pulmonar e edema dos
as acima de 65 anos têm IC, e 80% dos hospitalizados por IC membros inferiores.
têm mais de 65 anos. A disfunção pode ser por predomínio de dificuldade
No Brasil, não existem estudos epidemiológicos, porém para relaxamento miocárdico (IC diastólica) ou predomínio
se estima que existam cerca de 6,4 milhões de portadores de déficit contrátil (IC sistólica). São exemplos de doenças
que causam IC diastólica isquêmica miocárdica, miocardio-
de IC. Em 2000, houve quase 400.000 internações e 26.000
patia hipertensiva, miocardiopatia hipertrófica e as doenças
óbitos por IC, sendo a principal causa de internação hospi-
infiltrativas do miocárdio (amiloidose, sarcoidose). A última
talar na população acima dos 60 anos, números superiores
Diretriz Brasileira de IC recomenda o uso dos termos IC com
ao das pneumonias domiciliares (DATASUS). Entre 2000 e Fração de Ejeção (FE) preservada e IC com FE reduzida para
2007, houve redução no número de internações por IC, com a caracterização dos referidos tipos de IC.
manutenção da porcentagem de morte creditada à IC du- Já a dilatação ventricular e a consequente disfunção sis-
rante a internação – em torno de 6%. tólica representam, em grande parte, a via final comum de
O prognóstico desses pacientes é reservado. Metade diferentes miocardiopatias, como a miocardiopatia isquê-
deles falece em 4 anos, e, em casos mais graves (classe fun- mica, hipertensiva (fase dilatada), chagásica e miocardiopa-
cional IV), metade falece no período de 1 ano. Apesar dos tia dilatada idiopática.

86
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA

O acometimento ventricular, muitas vezes, é heterogê- 3. Fisiopatologia


neo, havendo maior prejuízo de 1 dos ventrículos, o que
dá origem às denominações de IC direita ou esquerda. Na A partir de uma injúria ao coração, levando ao estado
maior parte dos casos, há acometimento misto diastólico e de baixo débito cardíaco, diversos mecanismos são ativa-
sistólico, direito e esquerdo. dos para compensarem a queda do débito cardíaco por
Por ser quadro sindrômico, o diagnóstico não pode ser aumento de inotropismo e cronotropismo, mantendo a
baseado em achado único de exame físico ou laboratorial. pressão arterial à custa de vasoconstrição arterial peri-

CARDIOLOGIA
Para o diagnóstico clínico, são necessários ao menos 2 si- férica e de retenção de sódio e água. Esses mecanismos
nais maiores ou 1 sinal maior associado a 2 menores, con- visam garantir as perfusões cerebral, cardíaca e renal. Os
forme os critérios de Framingham modificados (Tabela 1) e sistemas ativados foram desenvolvidos do ponto de vista
quando estes sintomas/sinais não podem ser atribuídos a filogenético para proteger o organismo de estados hipo-
outras causas. volêmicos agudos (desidratação e hemorragia) e repre-
sentam, no caso da disfunção ventricular, mecanismos
Tabela 1 - Critérios de Framingham modificados
desadaptativos, pois, quando mantidos em estimulação
Critérios maiores
prolongada (semanas/meses), levam ao remodelamento
- Dispneia paroxística noturna;
ventricular, perpetuando e colaborando para a piora pro-
- Ortopneia;
gressiva da IC.
- Elevação da pressão venosa jugular;
Mesmo procurando melhorar o débito cardíaco, esses
- Crepitações pulmonares;
mecanismos também podem ser deletérios. A persistên-
- 3ª bulha;
cia de um regime de pressão cronicamente elevado nas
- Cardiomegalia na radiografia de tórax;
câmaras cardíacas acaba causando hipertrofia e dilatação
- Edema pulmonar na radiografia de tórax; miocárdica, além de elevação das pressões nos átrios e na
- Perda ≥4,5kg em até 5 dias após início do tratamento para IC. circulação sistêmica e pulmonar. A taquicardia e o aumen-
Critérios menores to da contratilidade podem desencadear isquemia do mio-
- Edema de membros inferiores bilateral; cárdio, e o aumento da pré-carga agrava a congestão pul-
- Tosse noturna; monar. A vasoconstrição excessiva eleva demasiadamente
- Dispneia aos médios esforços; a pós-carga, dificultando o esvaziamento cardíaco, além
- Hepatomegalia; de prejudicar a perfusão dos demais órgãos. Há, também,
- Derrame pleural; elevação dos níveis de vasopressina, que é responsável
- FC >120bpm. pela absorção de água livre de sódio, podendo gerar hi-
ponatremia.
Várias são as alterações neuro-hormonais associadas à
fisiopatologia da IC. Algumas promovem vasoconstrição e
retenção de sódio e água, como a hiperatividade do sistema
nervoso simpático, a estimulação do sistema renina-angio-
tensina-aldosterona e a liberação de arginina-vasopressina.
Outros mecanismos compensatórios promovem vasodilata-
ção, natriurese e diurese por meio da ação de peptídios na-
triuréticos (BNP), algumas prostaglandinas e da bradicinina.
Embora interagindo continuamente, as ações vasoconstri-
toras e retentoras de sódio superam as ações vasodilatado-
ras e natriuréticas, resultando em aumento da resistência
vascular periférica e retenção de sódio e água.
Há tempos, é reconhecida a deficiência da vasodilatação
periférica que se manifesta ao exercício nos pacientes com
IC. Neles, foram demonstrados níveis de endotelina plas-
mática de 2 a 5 vezes mais elevados do que em pacientes
normais, com significado expressivo de mau prognóstico.
As endotelinas determinam ação vasoconstritora potente,
Figura 1 - Insuficiência cardíaca de alto débito por beribéri retenção de sódio e água, ativação simpática e do sistema

87
CARD I OLOG I A

renina-angiotensina-aldosterona, além de estímulo prolife- O edema pulmonar manifesta-se, inicialmente, por


rativo sobre os músculos lisos, miócitos cardíacos e fibro- meio de acúmulo de líquido no compartimento intersti-
blastos. Tal conjunto de alterações caracteriza a disfunção cial, progredindo para espaços alveolares e vias aéreas. O
endotelial da IC. paciente passa a apresentar ortopneia, que aparece mi-
Do ponto de vista macroscópico, o termo remodelação nutos após ele se deitar, tipicamente quando ainda está
ventricular refere-se às modificações da forma e do tama- acordado. Embora seja característico, tal sintoma é ines-
nho do coração, que passa a aumentar de volume e de pecífico.
massa, e a adquirir forma esférica. Do ponto de vista te- O paciente, em evolução, pode apresentar tosse em vir-
cidual, representa a morte de cardiomiócitos por necrose tude da congestão pulmonar, sendo seca e de predomínio
e apoptose, sendo substituídos por fibroblastos e tecido noturno. Posteriormente, há dispneia paroxística noturna,
colágeno. Os miócitos restantes sofrem hipertrofia excên- que surge horas após o paciente se deitar. Trata-se de um
trica. sintoma com boa especificidade para o diagnóstico.
As citocinas compõem um grupo heterogêneo de pro- A propedêutica pulmonar revela estertores crepitan-
teínas com pequeno peso molecular, que se caracterizam tes inspiratórios, e sibilos podem ocorrer por congestão
por exercer seus efeitos localmente por ação autócrina ou peribrônquica. Em quadros de edema pulmonar mais
parácrina. Duas classes de citocinas estão relacionadas na avançado, o edema alveolar atinge brônquios de grande
fisiopatologia da IC: citocinas vasoconstritoras e inotrópicas calibre, causando crepitações grosseiras inspiratórias e
positivas (endotelinas) e citocinas pró-inflamatórias vaso- expiratórias.
depressoras (TNF-alfa, IL-6 e IL-1b). O edema em membros inferiores é outra queixa co-
mum, ocorrendo, inicialmente, na região perimaleolar,
depois ascendendo pela região pré-tibial chegando à raiz
4. História natural
da coxa. Tal edema é, em geral, simétrico, depressível e
A IC é uma doença progressiva. O que perpetua o qua- mole, com predomínio à tarde e melhorando à noite. Isso
dro é a contínua ativação dos sistemas citados, portanto tal acontece pela redistribuição do fluxo sanguíneo durante o
progressão está diretamente relacionada à deterioração da sono em decúbito dorsal. Em pacientes acamados, o ede-
função e estrutura cardíacas, que pode acontecer sem uma ma acontece, principalmente, na região sacral. Eventual-
nova agressão ao coração. Com o tempo, os sintomas da mente, os pacientes podem apresentar ascite e derrame
doença e as suas consequências funcionais tornam-se pro- pleural.
gressivamente mais intensos, e os indivíduos podem mani- A fadiga é uma queixa frequente, mas não comple-
festar sintomas aos mínimos esforços e mesmo ao repouso. tamente explicável. A presença de galope com B3, ictus
São causas de descompensação da IC excesso de ingestão globoso e distensão venosa jugular aumenta a chance do
de líquidos e de sódio, interrupção do tratamento, embolia diagnóstico em, respectivamente, 24, 16,5 e 8,5 vezes. A
de pulmão, arritmias, isquemia coronária, infecções, trau- presença de quaisquer desses achados deixa a probabili-
ma (acidental ou cirúrgico), anemia, hipotireoidismo ou hi- dade do diagnóstico em 80%, e a presença dos 3 achados
pertireoidismo, entre outras causas. virtualmente define a IC.
A IC, nos seus casos mais graves, apresenta taxa de Palpitação, outra queixa comum, aparece, em espe-
mortalidade superior à maior parte das neoplasias malig- cial, aos esforços e pode refletir tanto o estado de hipe-
nas. A morte pode acontecer por progressão da disfunção ratividade simpática que busca melhorar o débito cardí-
ventricular ou por eventos súbitos (taquicardia ventricu- aco, como ser consequente de taquiarritmias ou bradiar-
lar, fibrilação ventricular). São também causas de morte, ritmias.
desses doentes, infecções, embolia pulmonar e bradiar- Alguns outros sintomas estão listados na Tabela 2. Pa-
ritmias. cientes com IC (tanto diastólica quanto sistólica) podem
apresentar sintomas de baixo débito (pele fria, pulsos finos,
tempo de enchimento capilar prolongado, rebaixamento do
5. Quadro clínico nível de consciência, dor abdominal, oligúria) e congestivos
O diagnóstico de IC é clínico e baseia-se em achados de (dispneia, ortopneia, edema de membros inferiores, hepa-
história e exame físico. Queixa de dispneia progressiva é re- tomegalia, ascite e aumento da pressão venosa central). A
latada com mais frequência por esses pacientes, em geral intensidade dos sintomas e alguns sinais (persistência de
notada, inicialmente, aos grandes esforços e progredindo estase jugular e presença de 3ª bulha) está associada a pior
para pequenos esforços ou mesmo ao repouso. prognóstico.

88
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA

CARDIOLOGIA
Figura 2 - Algoritmo sugerido para o diagnóstico

A última Diretriz Brasileira para o manejo de IC, publica- Tabela 3 - Classificação funcional da New York Heart Association
da em 2009, sugere algumas características clínicas para a (NYHA) para insuficiência cardíaca
diferenciação entre IC sistólica e diastólica. I Ausência de dispneia aos esforços habituais
II Dispneia aos esforços habituais
Tabela 2 - Características da insuficiência cardíaca de FE reduzida
III Dispneia aos pequenos esforços
em comparação à de FE normal
IV Dispneia ao repouso
Fração Fração
Características de ejeção de ejeção
normal reduzida Tabela 4 - Possíveis achados clínicos nos pacientes com insuficiência
cardíaca
Sexo feminino +++ +
Epidemiologia Geral
Idade >65 anos +++ +
- Emagrecimento;
Dispneia +++ +++
- Alteração da consciência;
Angina +++ +
- Dispneia;
Edema pulmonar
+++ + - Palidez;
agudo
3ª bulha - +++ - Cianose;
Sintomas - Icterícia (congestão hepática);
4ª bulha +++ -
Sinais de hipervo- - Sudorese.
+++ ++ Congestão sistêmica
lemia
Hipertensão arterial +++ + - Estase jugular;
Fibrilação atrial +++ ++ - Edema de parede;
Ecocardiograma FE <45 a 50% - +++ - Ascite;
>1.000pg/mL + +++ - Derrame pleural;
BNP
400 a 1.000pg/mL +++ + - Hepatomegalia dolorosa;

89
CARD I OLOG I A

Congestão sistêmica Do ponto de vista terapêutico, é de maior utilidade a


- Edema de membros inferiores. classificação que avalia o estágio evolutivo da doença e a
presença ou não de anormalidade estrutural do coração
Congestão pulmonar
(pericárdica, miocárdica sistólica ou diastólica, ou valvular),
- Estertoração pulmonar fina; pois o tratamento da IC varia de acordo com a sua evolução.
- Edema agudo.
Alterações cardíacas Tabela 6 - Classificação e tratamento por estágios da insuficiência
- Taquicardia; cardíaca

- Bradicardia; Alteração Sintomas


Classe Tratamento
estrutural de IC
- Arritmias;
Controlar/eliminar fatores de
- 3ª bulha; A Ausente Ausentes
risco; introduzir IECA
- 4ª bulha; B Presente Ausentes Todas de A + beta-bloqueador
- Sopro de insuficiência mitral; Todas de B + restrição de sal +
- Outros sopros cardíacos (valvopatias). C Presente Presentes diurético + digital se disfunção
sistólica
Uma classificação muito utilizada é a do Consenso Bra- D Presente Presentes Todas de C + medidas especiais
sileiro de IC e do Consenso Europeu, cujos estágios funcio-
nais apresentam boa correlação com a classificação clínica Na classe A, estão os pacientes com alto risco de de-
do NYHA. senvolverem IC (HAS, DM, ICo, alcoolismo, febre reumáti-
ca), mas sem alteração estrutural cardíaca ou sintomas de
Tabela 5 - Estágios da insuficiência cardíaca crônica do adulto IC. Na classe B, estão os pacientes com alteração estrutural
Estágios Fatores etiológicos cardíaca, mas sem sintomas de IC (hipertrofia ou dilatação
Descrição
da IC (exemplos) ventricular esquerda). Na classe C, estão os pacientes com
Pacientes com alto risco de alteração estrutural e sintomas prévios ou recorrentes de
desenvolverem IC pela pre-
Hipertensão sistêmica,
IC. E, na classe D, encontram-se os pacientes com alteração
sença de condições clínicas estrutural cardíaca severa e sintomas intensos, a despeito
coronariopatia, diabetes
associadas ao desenvolvi- da terapia clínica máxima.
A mellitus, histórico de car-
mento dessa enfermidade.
(pa- diotoxicidade, tratamen-
Tais pacientes não apresen-
ciente
tam nenhuma alteração
to por droga ou abuso de 6. Exames complementares
de alto álcool, histórico pessoal
funcional ou estrutural do
risco)
pericárdio, miocárdio ou de
de febre reumática, his- A - Exames gerais
tórico familiar de cardio-
valvas cardíacas e nunca Os exames subsidiários podem identificar fatores rela-
miopatia.
apresentaram sinais ou sin- cionados à IC ou à sua piora. Os exames iniciais na avaliação
tomas de IC.
incluem hemograma completo, eletrólitos (incluindo cálcio
B Pacientes que já desenvol- Hipertrofia ventricular e magnésio), perfil lipídico, função renal, glicemia, funções
(disfun- veram cardiopatia estrutu- esquerda ou fibrose, dila- hepática e tireoidiana. Sorologia para Chagas deve ser soli-
ção ven- ral sabidamente associada tação ventricular esquerda
citada quando há epidemiologia sugestiva. A radiografia de
tricular à IC, mas que nunca apre- ou hipocontratilidade, val-
assinto- sentaram sinais ou sinto- vulopatia ou infarto agudo tórax pode revelar aumento da área cardíaca e da trama
mática) mas de IC. do miocárdio. vascular pulmonar; na IC diastólica, a área cardíaca costuma
Dispneia ou fadiga por
ser normal. A presença de índice cardiotorácico maior do
C Pacientes com sintomas disfunção ventricular es- que 0,5 é sensível para o diagnóstico, mas, quando maior
(IC sin- prévios ou presentes de IC querda sistólica, pacien- que 0,6, a especificidade diagnóstica é maior. Deve ser rea-
tomáti- associados à cardiopatia es- tes assintomáticos sob lizado na avaliação inicial de todos os pacientes.
ca) trutural subjacente. tratamento para preven- O eletrocardiograma pode trazer pistas tanto da etiolo-
ção de IC. gia da IC (áreas de necrose e isquemia sugerem miocardio-
Pacientes hospitalizados patia isquêmica; presença de BRD associado a BDAS – blo-
por IC ou que não podem queio divisional anterossuperior – sugere doença de Cha-
Pacientes com cardiopatia
receber alta, pacientes gas) como da causa de descompensação (taquiarritmias,
estrutural e sintomas acen-
hospitalizados esperando bradiarritmias, isquemia). Assim como a radiografia de
D tuados de IC em repouso,
por transplante, pacientes
(IC re- apesar de terapia clínica tórax, faz parte da avaliação inicial de todos os pacientes.
em casa sob tratamento
fratária) máxima, e que requerem
de suporte IV ou sob circu-
intervenções especializa-
lação assistida, pacientes B - Ecocardiograma
das.
em unidade especial para Exame muito importante para a avaliação de pacientes
manejo da IC.
com IC, o ecocardiograma pode determinar se há ou não

90
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA

dilatação dos ventrículos, avaliar tanto a função sistólica - Avaliação não invasiva para viabilidade em pacientes
quanto a diastólica, medir a espessura ventricular e ofere- com IC com doença coronariana e candidatos a revas-
cer informações sobre o pericárdio e o funcionamento val- cularização;
var. Os achados ecocardiográficos não levam a diagnósticos - Classe IIb: angioTC de coronárias em pacientes com IC
de IC (o diagnóstico é clínico), mas oferecem informações sem angina, mas com fatores de risco para doença co-
valiosas para a caracterização da síndrome, definição etio- ronariana ou IAM prévio.
lógica, avaliação prognóstica e seguimento.
A principal medida da função do ventrículo esquerdo é a C - Medicina nuclear

CARDIOLOGIA
FE; quando esta está abaixo de 45 a 50%, há prejuízo da fun-
ção sistólica (alguns autores definem a disfunção quando A medicina nuclear fornece medida acurada da função
a FE é menor do que 55%). Entretanto, a interpretação da ventricular, principalmente do ventrículo esquerdo. Permi-
FE apresenta uma baixa reprodutibilidade entre diferentes te, também, a investigação de isquemia, que pode ser tanto
observadores, além de estar prejudicada após um episódio a causa como um fator de piora da contratilidade miocár-
de IAM ou na presença de insuficiência mitral. dica.
A ecocardiografia com estresse com uso da dobutamina
é útil na investigação de isquemia e na avaliação da viabili- D - Ressonância nuclear magnética
dade miocárdica. A detecção de um miocárdio hibernante A ressonância nuclear magnética permite uma medida
(músculo miocárdico viável, porém não funcionante, geral- mais acurada e reprodutível dos volumes cardíacos, da es-
mente por isquemia relativa da região) pode influenciar a pessura da parede e da função ventricular, além de detectar
terapia e tem implicações prognósticas. Há controvérsia na espessamento pericárdico e necrose miocárdica. A resso-
literatura quanto à necessidade da avaliação de isquemia nância com espectroscopia possibilita, inclusive, a medida
em todos os pacientes com IC. Na maioria dos casos, não se da reserva energética muscular.
recomenda avaliação sistemática da vitalidade miocárdica Está indicada aos pacientes com suspeita clínica de car-
em todos os pacientes com IC. Nos Estados Unidos, onde a diomiopatias específicas (restritivas, infiltrativas, de depósi-
porcentagem dos casos de IC secundária à miocardiopatia to, miocardite, displasia do ventrículo direito e hemocroma-
isquêmica é extremamente elevada, tal avaliação é reco- tose), e é útil na delimitação de áreas de infarto prévio com
mendada da seguinte forma: a técnica de realce tardio, além da possibilidade de avaliar a
- Pacientes com Doença Arterial Coronariana (DAC) presença de isquemia.
definida e angina: a quem a intervenção cirúrgica de-
monstra benefício de forma inequívoca, portanto se E - Teste ergométrico
recomenda a estratificação invasiva com cineangioco-
ronariografia; O teste ergométrico é pouco útil para o diagnóstico da
IC. No entanto, o resultado de exame normal, com carga
- Pacientes com DAC sem angina: que podem ter be-
máxima em indivíduo sem tratamento, torna improvável o
nefício com a revascularização, mas a literatura não
define a melhor estratégia de estratificação (cintilo- diagnóstico de IC. Sua principal indicação é a avaliação da
grafia/ecocardiograma com estresse ou cateterismo capacidade funcional do paciente, o que tem implicações
cardíaco); prognósticas. Um pico de VO2 <10mL/kg/min identifica in-
divíduos de alto risco para má evolução da IC, enquanto
- Pacientes com DAC jamais avaliada: caso apresentem valores superiores a 18mL/kg/min definem indivíduos com
dor torácica, mesmo atípica, a estratificação deve ser
baixo risco.
realizada com cineangiocoronariografia; quanto aos
pacientes sem dor torácica, é recomendada a cinean-
F - Marcadores hormonais
giocoronariografia a jovens para avaliar anormalidades
congênitas de coronárias; em outros grupos de pacien- Em relação aos pacientes com dispneia aguda no pron-
tes, a abordagem é duvidosa. to-socorro, o uso de marcadores hormonais tem demons-
trado utilidade para a avaliação da etiologia da dispneia. A
A Diretriz Brasileira de 2009 recomenda a seguinte abor- concentração de peptídio atrial natriurético e de peptídio
dagem: natriurético cerebral (BNP – Brain Natriuretic Peptide) au-
- Classe I: coronariografia no paciente com IC e angina menta em formas mais avançadas ou crônicas de IC, e o uso
típica; em particular do BNP foi estudado para diferenciar quadros
- Classe IIa: coronariografia no paciente com IC sem an- cardíacos de pulmonares em unidades de emergência.
gina, mas com fatores de risco para doença coronaria- Valores de BNP superiores a 100pg/mL apresentam sen-
na ou IAM prévio; sibilidade, especificidade e valor preditivo de, respectiva-
- Avaliação não invasiva para isquemia em pacientes mente, 90, 76 e 83% para a definição da IC descompensada
com IC sem angina típica, mas com fatores de risco como causa da dispneia. O BNP revelou-se a melhor variá-
para doença coronariana ou IAM prévio; vel isolada para o diagnóstico de IC em dados de história,

91
CARD I OLOG I A

exame físico e exames complementares. Quanto maiores são da cardiopatia ou para o agravamento dos sinto-
os valores de BNP, maior a probabilidade do diagnóstico fi- mas, deve ser identificada e tratada. Incluem-se, aqui,
nal de IC; quando maiores que 400pg/mL, têm grande valor hipertensão, diabetes e dislipidemias, todas as pato-
preditivo positivo e, se menores que 100pg/mL, valor predi- logias relacionadas ao desenvolvimento de ateroscle-
tivo negativo. Um estudo europeu demonstrou que valores rose e, portanto, geradoras potenciais de isquemia e
menores que 80pg/mL têm valor preditivo negativo de 98% necrose miocárdica. A HAS e o DM podem, ainda, cau-
para o diagnóstico de IC descompensada. sar perda de função renal, piorando os sintomas de IC;
Outros exames podem ser realizados para diagnóstico - Dieta: todo paciente cardiopata necessita de aconse-
de dispneia aguda, como marcadores de isquemia aguda lhamento dietético a fim de evitar tanto obesidade
(troponina e CK-MB) e outros. quanto caquexia. Nos casos de anorexia intensa, refei-
ções pequenas e frequentes podem ajudar a ingerir o
equivalente às suas necessidades calóricas, evitando a
desnutrição. Uma dieta laxante contribui para a pre-
venção de obstipação intestinal e do consequente es-
forço para evacuar;
- Ingestão de sal: uma dieta com 2 a 3g de sal é um obje-
tivo atingível, desde que não comprometa a ingesta hí-
drica e os pacientes não estejam hiponatrêmicos. Esse
nível de ingestão é facilmente atingido, evitando a adi-
ção de sal aos alimentos após o seu preparo e não uti-
lizando alimentos habitualmente salgados. A redução
estrita de sal (menos que 2g/dia) não é recomendada;
- Ingestão de líquidos: na maioria dos casos, a ingestão
de líquidos pode ser liberada de acordo com a vontade
Figura 3 - Insuficiência cardíaca chagásica
do paciente. Em pacientes sintomáticos com risco de
São considerados marcadores clínicos de mau prognós- hipervolemia, recomenda-se restrição hídrica de 1.000
tico na IC: hiponatremia (reflete hiperativação do sistema a 1.500mL/dia;
renina-angiotensina), hiperuricemia (reflete hiperativação - Ingestão de álcool: o álcool deprime a contratilidade
do estresse oxidativo), hipoalbuminemia, hipocolesterole- miocárdica e pode precipitar arritmias. Sua ingestão
mia e linfopenia (marcadores de desnutrição), anemia (ge- deve ser minimizada. Em pacientes com cardiomiopa-
ralmente, com perfil de doença crônica), elevação de cate- tia alcoólica, é necessária abstinência total;
colaminas e, mais recentemente, elevação do BNP. - Tabagismo: deve ser totalmente desestimulado. Os
adesivos de nicotina podem ser utilizados com segu-
G - Biópsia endomiocárdica rança, assim como a abordagem multidisciplinar para
Não existe recomendação de biópsia endomiocárdica a to- o abandono do cigarro;
dos os pacientes com diagnóstico de IC; deve ser considerada - Atividade física: diferentemente do que se acreditava
àqueles com doença de mais de 3 meses de evolução, dilata- no passado, um programa de exercícios planejado e
ção ventricular e arritmias ventriculares novas, BAV de 2º e 3º adaptado a cada caso é de grande ajuda no controle
graus, sem resposta ao tratamento usual. Também pode ser dos sintomas e na melhora psicológica do paciente
considerada àqueles com suspeita clínica de doenças infiltrati- com IC;
vas, alérgicas ou restritivas de causa desconhecida. - Atividade sexual: a manutenção da atividade sexual
contribui para aumentar a autoestima e a qualidade de
vida. Pacientes com classes funcionais III e IV devem
7. Tratamento evitar o uso de sildenafila por 24 horas após a utiliza-
No tratamento da IC, os níveis de relevância das atitudes ção de nitratos;
terapêuticas podem ser classificados de acordo com a qua- - Vacinação: nos pacientes com IC, recomenda-se a vaci-
lidade dos trabalhos científicos e a concordância clínica que nação contra gripe (anual) e pneumonia (a cada 5 anos
as sustentam. Assim, as atitudes terapêuticas se dividem de e a cada 3 anos em pacientes com IC avançada).
acordo com a classe evolutiva da doença e da relevância
clínica no seu uso. B - Tratamento farmacológico
A - Medidas não farmacológicas a) Inibidores da ECA
- Controle dos fatores de risco: toda patologia que pos- São inibidores específicos da Enzima Conversora da An-
sa contribuir, direta ou indiretamente, para a progres- giotensina 1 (ECA), responsável pela conversão da angio-

92
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA

tensina 1 em angiotensina 2. O mecanismo de ação ainda volvimento de língua, glote e laringe pode causar obstrução
não é completamente elucidado; seu efeito benéfico na de vias aéreas. Neutropenia e até agranulocitose são rela-
IC e HAS, aparentemente, resulta da supressão do sistema tadas com o uso do captopril, ocorrendo cerca de 3 meses
renina-angiotensina-aldosterona, embora não haja na lite- após o início de seu uso, contudo não parecem ser causadas
ratura uma correlação consistente entre níveis de renina e por outros IECAs. A piora da função renal é descrita na lite-
resposta à droga. A ECA é idêntica à bradicininase, assim os ratura, principalmente em pacientes suscetíveis (alteração
IECAs podem aumentar os níveis séricos de bradicininas e renal prévia e indivíduos hipovolêmicos), e reversível após
prostaglandina E2, que podem ter, também, papel no trata- a descontinuação da medicação. O uso dessa classe farma-

CARDIOLOGIA
mento da IC e HAS. O uso dos IECAs e seu nível de evidência cológica em pacientes com creatinina >3,5mg/dL deve ser
são indicados a todos os pacientes com disfunção sistólica realizado com extremo cuidado.
sintomática ou assintomática – classe I/NE:A. Cerca de 1% dos pacientes em estudos clínicos apresen-
Tais medicamentos determinam melhora clínica, aliviam ta hipercalemia (K+ acima de 5,7mg/dL), efeito observado
sintomas e reduzem a mortalidade e o número de hospita- em 3,8% dos pacientes com IC. No entanto, na maioria dos
lizações. Não há evidência clínica da superioridade de uma casos, não é necessária a interrupção da medicação.
droga do grupo dos IECAs sobre a outra. Devem ser pre- Tosse é descrita com a medicação em 2,2 a 10% dos ca-
feridos quando comparados a antagonistas de receptores sos, presumivelmente, atribuída à degradação das bradici-
de angiotensina e vasodilatadores de ação direta (hidralazi- ninas. Em geral, resolve-se com a descontinuação da medi-
na e nitratos). Pacientes com reações severas à droga (an- cação ou a troca do fármaco por outro da mesma classe. É
gioedema, IRA anúrica), PA sistólica menor que 80mmHg, o efeito colateral mais comum observado com o uso desta
estenose bilateral de artéria renal e hipercalemia (K acima classe de medicamentos.
de 5,5mEq/dL) não devem fazer uso. A introdução deve ser
feita em doses baixas, com aumento progressivo de acordo b) Diuréticos
com a tolerância do doente, e a dose-alvo deve ser deter- Os diuréticos são o único grupo de medicações que
minada pelos estudos clínicos em que ocorreu benefício controla, efetivamente, a retenção hídrica, determinando
terapêutico, como 150mg/dia para o captopril. Quando há a melhora sintomática mais precocemente que as outras
intolerância por parte do doente, a dose atingida deve ser drogas. Deve-se utilizar, de preferência, o diurético de alça
mantida, sem grande prejuízo da melhora em sobrevida e (furosemida), pois os tiazídicos têm ação diurética pouco
morbidade. Quando há tosse, podem ser substituídos por potente, principalmente em pacientes com clearance de
antagonistas de receptores de angiotensina. A opção para creatinina abaixo de 30mL/min. Não devem ser utilizados
pacientes que desenvolvem disfunção renal é a associação isoladamente para controle da IC; são associados ao uso
de hidralazina a nitrato. de IECA, beta-bloqueadores e digoxina. Os efeitos adversos
A dose inicial de captopril para IC, em pacientes com PA dos diuréticos incluem a perda de eletrólitos (magnésio e
arterial normal ou baixa (já em uso de doses apropriadas potássio), hipotensão e uremia.
de diuréticos), é de 6,25 a 12,5mg, 3x/dia. Nos outros pa- Estão indicados apenas aos pacientes sintomáticos com
cientes, o tratamento pode ser iniciado na dose de 25mg, sinais e sintomas de congestão. A introdução em pacientes
3x/dia. com disfunção ventricular, porém assintomáticos ou hipo-
A dose-alvo é de 150mg/dia, atingida em alguns dias volêmicos, está contraindicada (classe III).
com monitorização cuidadosa de pressão arterial, sintomas
e função renal. Eventualmente, alguns pacientes podem ne- Tabela 8 - Principais diuréticos usados no tratamento da insuficiên-
cessitar de doses maiores. cia cardíaca
A dose inicial de enalapril recomendada pela literatura é Droga Dose inicial Dose máxima
de 5mg/dia, e a dose-alvo, de 20 a 40mg/dia. Outros IECAs 20 a 40mg, Atingir peso seco (até
Furosemida
que podem ser usados para o tratamento da IC são o capto- 1 a 2x/dia 200mg/dia)
pril, ramipril, lisinopril e enalapril. Bumetanida (com- 0,5 a 1mg, Atingir peso seco (até
primidos de 1mg) 1 a 2x/dia 10mg/dia)
Tabela 7 - IECA e uso em insuficiência cardíaca

Droga Dose inicial Dose máxima c) Beta-bloqueadores


Captopril 6,25mg, 3x/dia 50mg, 3x/dia A ativação simpática e os níveis plasmáticos elevados de
Enalapril 2,5mg, 2x/dia 20mg, 2x/dia noradrenalina desempenham papel primordial na progres-
Lisinopril 2,5 a 5mg, 1x/dia 20 a 40mg, 1x/dia são da disfunção ventricular e no prognóstico da IC. Há 3
Ramipril 1,25 a 2,5mg, 1x/dia 10mg, 1x/dia beta-bloqueadores aprovados para o uso em IC: carvedilol,
succinato de metoprolol e bisoprolol, medicações que de-
Angioedema de face e ocasionalmente de glote são re- vem ser prescritas a pacientes com IC estável com disfunção
latados em qualquer tempo da terapêutica. Na maioria das sistólica. A internação motivada por descompensação da IC
vezes, o envolvimento é restrito a face e lábios, porém o en- não é o melhor momento para iniciar a prescrição dessa

93
CARD I OLOG I A

classe farmacológica. Entretanto, após a estabilização dos mas, em compensação, também houve aumento no núme-
pacientes, tais medicações podem ser iniciadas em enfer- ro de mortes por outras causas.
maria, de forma segura e de fácil monitorização. As indicações do uso de digital em IC são pacientes com
Ao iniciar essas medicações, podem ser necessários o disfunção sistólica sintomática, atenuando sintomas, me-
aumento da dose de diuréticos e o emprego de restrição hí- lhorando qualidade de vida e contribuindo para diminuir o
drica, pois os pacientes podem apresentar piora clínica. São número de internações (evidência nível II), e para controle
iniciadas em doses baixas, e, em ambiente ambulatorial, o de resposta ventricular em pacientes com fibrilação atrial,
aumento da dose é realizado a cada 2 semanas. Os efeitos sendo droga de 1ª escolha no subgrupo de pacientes com IC.
colaterais e as interações de tais medicações são semelhan- O uso parenteral deve ser limitado a situações em que é
tes às outras da classe. Essas medicações bloqueiam recep- necessária uma rápida digitalização para o controle clínico
tores beta-adrenérgicos, dependendo da droga utilizada. O do paciente, principalmente em arritmias supraventricula-
uso de beta-bloqueador reduz a mortalidade e o risco de res agudas.
internação em pacientes com IC classes II, III e IV, melho- A terapia para IC é iniciada na dose usual de 0,125 a
rando os sintomas, tanto de portadores como de não por- 0,250mg/dia; pacientes com mais de 70 anos ou alteração
tadores de IC. Devem ser utilizados em todos os indivíduos de função renal podem utilizar menores doses. Raramen-
com IC por falência ventricular esquerda, exceto naqueles te, são utilizadas doses maiores que 0,25mg/dia, e não há
com contraindicação ou intolerância à droga. Para o início necessidade de dose de ataque para o tratamento da IC.
do tratamento, o paciente não deve apresentar retenção Podem ser utilizados em associação a beta-bloqueadores e
hídrica importante nem ter recebido inotrópicos positivos IECA para maior alívio de sintomas ou controle de resposta
intravenosos recentemente. E pacientes com hiper-reativi- ventricular nos portadores de fibrilação atrial.
dade brônquica, bradicardia sintomática ou bloqueio atrio- A intoxicação digitálica pode manifestar-se com deso-
ventricular avançado não devem receber a droga. rientação, confusão mental, alterações visuais, diarreia,
náuseas, vômitos e arritmias cardíacas (ritmos ectópicos,
Quanto aos assintomáticos, há evidência de benefício
reentrada e bloqueio AV), e o seu risco é maior em algumas
apenas naqueles com disfunção ventricular pós-infarto.
situações clínicas (hipocalemia, hipomagnesemia e hipoti-
A dose inicial do tratamento deve ser baixa, com au-
reoidismo) e durante o uso de algumas medicações (quini-
mento progressivo, conforme o paciente tolera a me-
dina, verapamil, espironolactona e amiodarona).
dicação. Seu peso deve ser acompanhado, pois o beta-
Na sua presença, é importante descontinuar a medica-
-bloqueador determina retenção hídrica, que deve ser
ção, e a correção de hipomagnesemia e de hipocalemia é
tratada com diuréticos. A dose a ser atingida é a determi-
de extrema importância. O anticorpo antidigoxina é indica-
nada pelos estudos clínicos de cada droga, com demora na
do a pacientes com arritmias severas. Já outras medidas,
resposta terapêutica em cerca de 8 a 12 semanas. O uso como marca-passo temporário, são indicadas conforme
de beta-bloqueador pode determinar 4 tipos de complica- cada caso.
ções: retenção hídrica (geralmente assintomática), fadiga
(geralmente, melhora em 4 a 6 semanas), bradicardia/blo- e) Antagonistas da aldosterona
queio AV e hipotensão. Além da retenção de sódio e água e perda de potássio e
magnésio, a aldosterona estimula a produção de fibroblas-
Tabela 9 - Principais beta-bloqueadores em pacientes com insufi- tos e aumenta a fibrose miocárdica e perivascular, provo-
ciência cardíaca cando disfunção ventricular e diminuição da complacência
Medicação Dose inicial Dose máxima arterial. Portanto, seu bloqueio apresenta efeitos hemodi-
Carvedilol 3,125mg, 2x/dia 25mg, 2x/dia nâmicos favoráveis e interfere na progressão da lesão mio-
Succinato de cárdica. Estudos com espironolactona demonstraram que
6,25mg, 2x/dia 200mg, 1x/dia doses entre 12,5 e 50mg melhoram a sintomatologia e di-
Metoprolol
Bisoprolol 1,25mg, 1x/dia 10mg, 1x/dia minuem a taxa de mortalidade.
É indicada a pacientes com IC avançada (NYHA III e IV),
d) Digitálicos associada ao tratamento padrão com diurético, digital, IECA
e beta-bloqueador. Os níveis séricos de potássio e creatini-
A digoxina e a digitoxina, glicosídeos cardíacos com efei- na devem ser controlados antes do tratamento e durante,
to inotrópico positivo, inibem a Na-K-ATPase, determinando devendo-se reduzir a dose em 50%, caso os níveis de potás-
aumento de sódio e cálcio intracelular. A medicação reduz sio estejam entre 5 e 5,5mEq/L, e suspender a medicação,
a atividade simpática e estimula a ação vagal, diminuindo a se superarem 5,5mEq/L. Não há estudos que revelem sua
frequência cardíaca e retardando a condução do estímulo eficácia em pacientes assintomáticos. O uso da espironolac-
elétrico no nó atrioventricular. Em pacientes com falência tona é indicado para:
cardíaca leve a moderada, o uso da digoxina reduziu os sin- - Tratamento do hiperaldosteronismo primário: como
tomas e diminuiu a necessidade de hospitalização, sem, no tratamento em curto prazo para preparação cirúrgica
entanto, causar qualquer impacto na sobrevida. Houve uma ou tratamento em longo prazo nos pacientes com hi-
pequena diminuição no risco de morte por causa cardíaca, peraldosteronismo idiopático – nível de evidência II;

94
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA

- Estados edematosos associados à cirrose hepática – ní- de 50mg em 500mL de água destilada em frasco de vidro
vel de evidência II; ou SF 5% em frasco especial, o que fornece uma solução de
- Tratamento da hipertensão essencial em associações a 100μg/mL. Pode-se iniciar com 3 a 6mL/h dessa solução em
outras medicações – nível de evidência II; bomba de infusão. A meia-vida sérica da nitroglicerina é de,
- Tratamento da IC classe funcional 3 ou 4 ou com FE aproximadamente, 3 minutos.
abaixo de 35% – nível de evidência II. h) Antagonistas de cálcio
f) Antagonistas do receptor da angiotensina II Os antagonistas de cálcio não são recomendados ao

CARDIOLOGIA
tratamento da IC sistólica, especialmente o diltiazem e o
Os antagonistas da angiotensina II (ATII) apresentam-
verapamil, pois são depressores miocárdicos e aumentam
-se como alternativa ao uso de IECAs. Essas drogas realizam
a probabilidade de bloqueio cardíaco quando associados a
bloqueio do sistema renina-angiotensina-aldosterona, po-
beta-bloqueadores. Porém, alguns estudos demonstraram
rém, sem inibição das cininases, o que lhe confere menores
a segurança dos antagonistas de 3ª geração, como amlodi-
efeitos adversos. Quando comparados aos IECAs, os anta-
pina e felodipino (nos pacientes), e podem ser considerados
gonistas da ATII são inferiores em relação aos benefícios
no tratamento de hipertensão e de angina associadas à IC.
no manuseio da IC. No entanto, podem ser utilizados como
opção terapêutica na intolerância aos IECAs. i) Antiarrítmicos
As 2 drogas desse grupo estudadas para o tratamen- Em geral, os antiarrítmicos não são recomendados ao
to da IC são o valsartana e losartana. O 1º, que apresenta tratamento da IC, e o uso crônico de sua maioria foi asso-
melhores resultados, é iniciado na dose de 40mg, 2x/dia, e ciado a aumento da mortalidade. Uma exceção é a amio-
deve-se dar a maior dose possível tolerada, até a dose de darona, que demonstrou um perfil de segurança adequado
320mg/dia. Já a dose-alvo do losartana é de 50mg, 2x/dia. entre os portadores de IC. A dose de manutenção desse an-
Não há benefícios adicionais ao acrescentar rotineira- tiarrítmico varia entre 100 e 200mg/dia.
mente os inibidores da ATII a doses adequadas de IECA, A monitorização eletrocardiográfica contínua revela que
sendo deletéria tal associação. E, apesar de os antagonistas 90% dos pacientes apresentam algum tipo de arritmia, sen-
Z da ATII não provocarem tosse, como os IECAs, a incidência do frequentes a extrassistolia ventricular multifocal e mes-
de hipotensão, o prejuízo na função renal e a hipercalemia mo a taquicardia ventricular não sustentada. Contudo, os
são semelhantes aos induzidos por esses últimos inibidores. mecanismos predisponentes incluem a própria disfunção
Tal associação é aceitável apenas entre os pacientes que ventricular, a isquemia miocárdica, a hiperatividade simpá-
permanecem sintomáticos mesmo com terapia otimizada tica e os níveis elevados de catecolaminas, estando a me-
(classe IIa). lhora da arritmia condicionada ao controle da IC.
Indica-se o uso de antiarrítmicos para a prevenção de
Tabela 10 - Principais inibidores da ATII na insuficiência cardíaca choques recorrentes em pacientes portadores de CDI, aos
Medicamento Dose diária (mg) pacientes com taquicardia supraventricular ou ventricular
Losartana 50 a 100 sustentada sintomática, e a medicação de escolha é a amio-
Valsartana 80 a 320 darona. Quando associada aos beta-bloqueadores no ma-
Candesartana 8 a 32
nuseio da IC, seu benefício parece ser reduzido.
Verapamil, quinidina, propafenona e sotalol estão con-
g) Nitratos e hidralazina traindicados a pacientes com disfunção sistólica.
O estudo V-HeFT demonstrou que a combinação de ni- j) Antitrombóticos
tratos e hidralazina diminui a mortalidade, embora não di-
Pacientes com IC têm risco aumentado de eventos
minua o número de hospitalizações.
tromboembólicos devido à estase venosa, dilatação cardía-
Tal combinação é indicada aos pacientes com contrain-
ca e, provavelmente, aumento da atividade pró-coagulante.
dicações ao IECA e inibidores da ATII (classe I), e aos pacien-
Os poucos estudos existentes não mostraram que o uso de
tes em CF III-IV em uso de terapia já otimizada (classe IIa),
agentes antitrombóticos no tratamento crônico da IC dimi-
principalmente afrodescendentes (classe I). A dose-alvo de nuiu a incidência de complicações. Já nos pacientes aguda-
hidralazina é de 200 a 300mg/dia, em doses divididas em 3 mente descompensados, com necessidade de internação
a 4 doses ao longo do dia, e monocordil, 40mg, 4x/dia. e restrição ao leito, estudos randomizados e controlados
Para os pacientes com descompensação aguda de IC, indicam que o uso de heparina reduz o risco de tromboem-
os nitratos parenterais são drogas sintomáticas importan- bolismo venoso.
tes. Essas medicações diminuem a congestão pulmonar e
melhoram a perfusão coronariana, sendo seu mecanismo k) Tratamento cirúrgico
principal a diminuição da pré-carga pelo seu efeito venodi- A cirurgia de troca valvar mitral pode ser considerada
latador. A nitroglicerina intravenosa é iniciada na dose de aos pacientes com insuficiência mitral grave secundária e
5μg/min e pode ser titulada a cada 3 a 5 minutos até a res- refratária ao tratamento clínico otimizado. Outros procedi-
posta desejada. Pode-se diluir um frasco de nitroglicerina mentos a considerar são a reconstrução do ventrículo es-

95
CARD I OLOG I A

querdo na presença de grande área fibrótica durante cirur- Tabela 11 - Tratamento farmacológico da insuficiência cardíaca
gia de revascularização miocárdica. diastólica
A aneurismectomia do ventrículo esquerdo também Medicamento Ação
está indicada aos pacientes sintomáticos com terapia otimi- Diminui a FC e aumenta o tempo de di-
zada, arritmia ventricular refratária ou tromboembolismo. Beta-bloqueador
ástole.
Melhora o relaxamento e diminui hiper-
IECA
8. Insuficiência cardíaca diastólica tensão e hipertrofia ventricular.
Idem ao beta-bloqueador; possível melho-
Poucos assuntos na medicina são tão controversos
Verapamil ra funcional em pacientes com hipertrofia
como a IC diastólica. Muitos pacientes com IC sem altera- miocárdica.
ção de FE ao ecocardiograma são rotulados como portado-
Podem ser necessários em caso de reten-
res de IC diastólica. No entanto, é frequente, ao longo da
Diuréticos ção de fluidos, mas devem ser utilizados
investigação clínica, encontrar outros diagnósticos que jus- com cuidado.
tifiquem a dispneia. Cerca de 20 a 40% dos pacientes com
IC têm função ventricular preservada, sendo sua sintoma-
tologia secundária ao comprometimento da função de re- 9. Insuficiência cardíaca descompensada
laxamento ventricular. Várias condições estão associadas à A avaliação do paciente que chega ao departamento de
disfunção diastólica, incluindo as miocardiopatias restritiva, emergências com dispneia e suspeita de IC deve passar por
hipertrófica e infiltrativa. Entretanto, a maioria desses pa- história clínica e exame físico detalhados, além de alguns
cientes não apresenta uma doença miocárdica identificável. exames laboratoriais.
A IC associada à função sistólica preservada é uma doen- A história clínica deve incluir: duração dos sintomas,
ça mais frequente em mulheres idosas, a maioria delas com tipo de dispneia, grau de limitação funcional, presença de
hipertensão arterial. O envelhecimento é associado à perda ortopneia e dispneia paroxística noturna, sintomas associa-
das propriedades elásticas do coração e dos grandes vasos, dos (febre, tosse, expectoração, dor torácica pleurítica ou
o que causa aumento da pressão sistólica e da rigidez mio- precordial, hemoptise, dor abdominal, sintomas urinários
cárdica. Além disso, os idosos apresentam, habitualmente, etc.), número de internações prévias, tempo de duração
doenças que podem comprometer a função diastólica de da doença, se já existe diagnóstico prévio de IC, comorbi-
forma adicional, como coronariopatia, diabetes, estenose dades (DPOC, asma, HAS, câncer, doença cerebrovascular,
aórtica e FA.
insuficiência renal, cirrose, insuficiência coronariana, outras
doenças cardíacas etc.), medicações em uso, medidas não
A - Diagnóstico
farmacológicas, grau de adesão ao tratamento, tabagismo,
O ecocardiograma com Doppler é o método mais utili- etilismo, uso de drogas e fatores de risco para tromboem-
zado na avaliação do relaxamento ventricular. Todavia, di- bolismo pulmonar.
versas condições podem torná-la imprecisa, entre elas a O exame físico deve avaliar o grau de dispneia, ciano-
volemia, a frequência cardíaca e a presença de regurgita- se, palidez, perfusão periférica, PA e FC, presença de estase
ção mitral. A avaliação da função diastólica ecocardiográ- jugular, avaliação de estridor laríngeo, ausculta pulmonar
fica requer um exame bem mais detalhado que o habitual. cuidadosa (crepitações difusas ou localizadas, sibilos, ron-
Na prática, o diagnóstico de IC diastólica é obtido quando cos, derrame pleural, pneumotórax etc.), avaliação de ictus
o paciente apresenta sintomas e sinais típicos de IC e FE e frêmitos, ausculta cardíaca (sopros, atritos, abafamento
normal. O padrão-ouro para o diagnóstico seria por meio de bulhas, B3 e B4 etc.), avaliação de congestão hepática,
de estudo hemodinâmico, o qual não é possível realizar ro- edema de membros inferiores ou sacral no caso de pacien-
tineiramente. tes acamados e sinais de TVP.
Na maioria dos casos, o diagnóstico de IC no serviço de
B - Tratamento emergência pode ser realizado apenas com história e exa-
Há muito pouca evidência sobre como tratar a disfunção me físico. No entanto, alguns exames complementares são
diastólica, pois os pacientes foram excluídos de quase todos importantes tanto para o diagnóstico como para a avaliação
os grandes estudos de IC. Estudos anteriores sugeriam os da gravidade e do prognóstico.
beta-bloqueadores e os bloqueadores dos canais de cálcio A radiografia de tórax pode mostrar área cardíaca au-
como as drogas de escolha, mas a metodologia falha de tais mentada, sinais de congestão pulmonar, derrame pleural,
estudos não permite conclusões. De modo geral, o tratamen- pneumotórax, condensações pulmonares localizadas e hi-
to baseia-se no controle da pressão arterial, da frequência perinsuflação pulmonar. O ECG pode mostrar sinais de is-
cardíaca e da isquemia miocárdica. Um estudo recente su- quemia miocárdica, sobrecargas ventriculares, arritmias e
gere que o valsartana, um antagonista de ATII, apresenta sinais de pericardite. A oximetria de pulso e a gasometria
benefício adicional nos pacientes. A Tabela 11 apresenta os arterial também são úteis. A avaliação da função renal, ele-
fármacos mais utilizados nesta condição clínica. trólitos e hemograma podem identificar fontes de descom-

96
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA

pensação, como insuficiência renal, distúrbios hidroeletro- ano, e os preditores foram idade, pressão arterial sistólica,
líticos, anemia e infecção. Marcadores de lesão miocárdica frequência respiratória, sódio sérico, hemoglobina (apenas
podem ser úteis se utilizados de acordo com a clínica. O para mortalidade em 1 ano), nitrogênio ureico, doença ce-
D-dímero também pode ser utilizado para descartar TEP rebrovascular associada, demência, DPOC, cirrose e câncer.
como causa de descompensação, apesar de poder apre- O escore de risco desenvolvido a partir do estudo está des-
sentar resultado falso positivo nas classes avançadas de crito na Tabela 12.
IC. Estase jugular e B3, embora tenham alta especificidade
Tabela 12 - Escore de risco (mortalidade) para insuficiência car-
para identificar altas pressões de enchimento ventricular,

CARDIOLOGIA
díaca
apresentam sensibilidades de, respectivamente, apenas 30
Número de pontos
e 24%, para o diagnóstico de IC no serviço de emergência.
A combinação de crepitações pulmonares, edema de mem- Mortalidade em Mortalidade em
Variáveis
bros inferiores e estase jugular apresentou 100% de espe- 30 dias 1 ano
cificidade, mas somente 58% de sensibilidade para diag- + Idade (nº de + Idade (nº de
Idade (anos)
nosticar real congestão pulmonar identificada pela pressão anos) anos)
encunhada de artéria pulmonar ≥22mmHg em 43 pacientes FR (mínimo de 20,
+ Frequência (irpm) + Frequência (irpm)
avaliados. máximo de 45irpm)*
Nos últimos anos, foi avaliado o papel dos peptídios na- Pressão sistólica (em
mmHg) - -
triuréticos no diagnóstico de IC. Alguns estudos mostraram
a acurácia diagnóstica de tais peptídios em pacientes que ≥180 - 60 - 50
chegam ao pronto-socorro com queixa de dispneia. Foram 160 a 179 - 55 - 45
identificados 4 tipos desses peptídios: 140 a 159 - 50 - 40
1 - Peptídio natriurético atrial (ANP). 120 a 139 - 45 - 35
2 - Peptídio natriurético cerebral (ou tipo B – BNP).
100 a 119 - 40 - 30
3 - Peptídio natriurético tipo C (CNP).
90 a 99 - 35 - 25
4 - Peptídio natriurético tipo D.
<90 - 30 - 20
Todos são secretados em resposta a estresse hemodinâ- Ureia (máx. 60mg/
mico, particularmente ao aumento da pressão intracardíaca + Valor (mg/dL) + Valor (mg/dL)
dL)*
e estiramento das fibras miocárdicas. O mais estudado e, Sódio <136mEq/L + 10 + 10
provavelmente, mais útil no diagnóstico de IC é o BNP. Sua Doença cerebrovas-
acurácia diagnóstica no principal estudo que o avaliou (va- + 10 + 10
cular
lor de corte = 100pg/mL) foi de 81,2%, com sensibilidade Demência +2 + 15
de 90%, especificidade de 73%, valor preditivo positivo de
DPOC + 10 + 10
75% e valor preditivo negativo de 90%. A acurácia de uma
abordagem diagnóstica incluindo a avaliação clínica ou BNP Cirrose + 25 + 35
acima de 100pg/mL ou ambos foi de 81,5%. Dessa forma, a Câncer + 15 + 15
adição de um BNP positivo (maior que 100pg/mL) aumenta Hemoglobina <10g/
Não se aplica + 10
a acurácia diagnóstica de IC no pronto-socorro pelo julga- dL
mento clínico de 74 para 81,5%. * Deve-se considerar o limite superior ou inferior indicados, caso
O BNP aumenta tanto na IC por disfunção sistólica como o valor obtido esteja acima ou abaixo desse limite.
na IC por disfunção diastólica, todavia não há como dife-
renciar esses 2 tipos com base no valor do BNP. O uso deste O escore de risco para mortalidade em 30 dias é calcu-
como diagnóstico já foi incorporado pelo Consenso Euro- lado somando todos os fatores (exceto hemoglobina, que
peu de IC, contudo ainda não existe um consenso quanto ao só é adicionada para a avaliação do risco em 1 ano) e sub-
seu uso para diagnóstico e prognóstico e como medida da traindo os pontos atribuídos ao valor da PA sistólica (valo-
resposta terapêutica. Além disso, sua disponibilidade ainda res elevados são protetores). As categorias de risco foram
é restrita a poucos centros brasileiros. divididas de acordo com aumentos de 30 pontos no escore,
correspondendo a aumentos unitários no desvio-padrão,
A - Classificação de risco conforme ilustra a Tabela 13.
O prognóstico dos pacientes com IC descompensada Tabela 13 - Mortalidade de acordo com o escore de risco
pode ser avaliado por meio de alguns parâmetros. Recen-
Categorias Mortalidade em Mortalidade em 1
temente, foi desenvolvido um modelo de predição clínica Escore
de risco 30 dias* ano*
para pacientes com IC descompensada, o qual é de fácil uso
Muito baixo ≤60 0,64% (0,4) 2,7% (7,8)
e pode ser aplicado no pronto-socorro pelo médico-assis-
Baixo 61 a 90 4,2% (3,4) 14,4% (12,9)
tente. O escore de risco prediz mortalidade em 30 dias e 1

97
CARD I OLOG I A

Categorias Mortalidade em Mortalidade em 1 O 1º passo no manejo desses pacientes é determinar o


Escore motivo da descompensação.
de risco 30 dias* ano*
Intermedi-
91 a 120 13,7% (12,2) 30,2% (32,5) Tabela 15 - Possíveis fatores para a descompensação
ário
Fatores cardiovasculares
121 a
Alto 26,0% (32,7) 55,5% (59,3) - Isquemia ou infarto;
150
Muito alto >150 50% (59) 74,7% (78,8) - Hipertensão não controlada;

* Os valores iniciais representam a mortalidade da coorte de va- - Doença valvar primária não suspeitada;
lidação, e os valores entre parênteses representam a mortalida- - Piora da insuficiência mitral secundária;
de obtida da coorte de derivação. - Fibrilação atrial aguda ou não controlada;
- Arritmias (taquiarritmias ou bradiarritmias);
Tal escore pode ser útil na decisão quanto à internação
- TEP.
hospitalar em enfermaria ou UTI, observação no pronto-
-socorro, encaminhamento ambulatorial e alta do pronto- Fatores sistêmicos
-socorro. Entretanto, por tratar-se de estudo recente, ain- - Medicações impróprias;
da não há dados sobre sua utilização para esse fim. Outro - Infecções;
estudo demonstrou que variáveis com PA <110x70mmHg e - Anemia;
creatinina maior que 2mg/dL foram preditoras de evolução - Diabetes descompensado;
desfavorável. A Tabela 14 mostra algumas indicações de in- - Disfunção tireoidiana;
ternação hospitalar sugeridas por Stevenson e Braunwald. - Distúrbios hidroeletrolíticos;
- Gravidez.
Tabela 14 - Indicações sugeridas para internação de pacientes com
insuficiência cardíaca descompensada Fatores relacionados ao paciente
- Arritmias assintomáticas; - Não adesão ao tratamento farmacológico;
- Múltiplas descargas de desfibrilador implantável; - Não adesão à dieta e a líquidos;
- Síncope; - Consumo de álcool;
- Parada cardíaca; - Abuso de drogas;
- Insuficiência coronariana aguda; - Tabagismo.
- Rápida instalação de novos sintomas de IC; Fatores relacionados ao sistema de saúde
- Descompensação de IC crônica; - Falta de acesso à atenção primária;
- Necessidade de internação imediata: - Falta de acesso às medicações efetivas para ICC;
· Edema pulmonar e desconforto respiratório na posição sentada; - Tratamento farmacológico inadequado (subdoses ou negligên-
· Saturação arterial <90% na ausência de hipoxemia conhecida; cia em prescrever intervenções terapêuticas eficazes).
· FC >120bpm (exceto se em fibrilação atrial crônica);
· Pressão arterial sistólica <75mmHg; A abordagem inicial depende do grau e do tipo de des-
· Alterações de consciência atribuíveis à hipoperfusão. compensação da IC. De forma geral, podem-se classificar os
- Necessidade de internação urgente: pacientes que chegam ao pronto-socorro em 4 subgrupos dis-
· Evidência de congestão e hipoperfusão simultâneas; tintos, de acordo com o grau de congestão e o de perfusão te-
· Desenvolvimento de distensão hepática, ascite tensa ou anasarca; cidual. A Tabela 16 especifica esses grupos e sugere a conduta.
· Descompensação na presença de piora aguda de condições
não cardíacas, como DPOC; Tabela 16 - Proposta terapêutica de acordo com apresentação
· Insuficiência renal. Perfil de paciente Terapêutica proposta
- Considerar hospitalização: Ajuste de medicações via oral
· Queda rápida no sódio sérico para <130mEq/L; Sem congestão e boa
Gru- para objetivos de redução de
perfusão periférica –
· Aumento de creatinina, pelo menos, 2 vezes o basal ou >2,5mg/dL; po 1 mortalidade e manutenção de
“seco e quente”
· Sintomas persistentes de congestão em repouso, a despeito estado volêmico estável.
de repetidas visitas ambulatoriais. Há necessidade de introdução ou
aumento das doses de diuréticos,
A internação de pacientes com IC é necessária, muitas assumindo que já estejam usan-
do IECA. Em casos mais comple-
vezes, durante os episódios de descompensação desta. De Congestão, mas boa xos, associação de vasodilatado-
Gru-
modo geral, a IC descompensada pode apresentar-se de 3 po 2
perfusão periférica – res parenterais (nitroglicerina) e/
formas: “úmido e quente” ou nesiritida. Inotrópicos não são
geralmente necessários e podem
1 - IC aguda. ser deletérios. Observação curta
2 - IC crônica agudizada. no pronto-socorro ou internação
em casos mais graves.
3 - IC refratária.

98
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA

Perfil de paciente Terapêutica proposta cio nas células e aumentando o acoplamento actina-mio-
sina. Agem via ativação de receptores beta-adrenérgicos
Geralmente, é necessária a sus-
pensão de IECAs e beta-bloque- (dopamina e dobutamina) ou via inibição da fosfodiestera-
adores, particularmente naque- se cardíaco-específica tipo III (milrinona e anrinona) e são
les com hipotensão sintomática. administrados parenteralmente.
Muitas vezes, vasodilatadores O uso de inibidores da fosfodiesterase em pacientes
parenterais são suficientes, de-
Congestão e alteração vido à elevada resistência vas-
sem hipotensão e hipoperfusão tecidual foi associado ao
Gru- aumento de complicações e à tendência a aumento de mor-

CARDIOLOGIA
da perfusão periférica cular periférica presente em tais
po 3
– “úmido e frio” pacientes. Inotrópicos parente- talidade. Mesmo a dobutamina está associada ao aumento
rais podem ser necessários por da frequência cardíaca e de arritmias.
curto período para estabilização, Deve-se ressaltar, no entanto, que, embora os benefí-
embora se associem a taquiar-
ritmias, hipotensão, isquemia, cios limitados das infusões de inotrópicos não justifiquem
até aumento da mortalidade em os riscos na maioria dos pacientes com IC descompensada,
longo prazo. os inotrópicos podem salvar vidas de pessoas com choque
Este pequeno subgrupo de pa- cardiogênico, estando indicados àqueles com hipoperfusão
cientes pode apresentar-se com periférica e adequado volume intravascular. A dobutamina
Alteração da perfusão poucos sintomas, e é possível o é um agonista beta-seletivo e o agente de escolha para pa-
Gru-
periférica sem conges- uso isolado de vasodilatadores
po 4
ou a associação a inotrópicos
cientes com PAS acima de 80mmHg, podendo, entretanto,
tão – “seco e frio”
parenterais. Reposição volêmica exacerbar a hipotensão e provocar taquiarritmias. A ta-
pode ser necessária. quicardia e o aumento da resistência vascular periférica,
ocasionados pela dopamina, podem aumentar a isquemia
A grande maioria dos pacientes que chegam ao pronto- miocárdica. Em algumas situações, a associação das 2 dro-
-socorro por descompensação da IC o faz por falta de ade- gas pode ser benéfica. Em casos de hipotensão refratária,
são ao tratamento farmacológico ou às medidas dietéticas. a norepinefrina pode ser necessária para manter a pressão
Essas pessoas se apresentam, na maioria das vezes, com de perfusão tecidual.
piora da congestão, mas mantendo uma boa PA e perfusão, A Tabela 17 cita as drogas mais usadas na IC descom-
e nem sempre apresentam dispneia em repouso. Geralmen- pensada.
te, já apresentam o diagnóstico de IC e recebem algum tipo
de tratamento ambulatorial. Nesses casos, muitas vezes um Tabela 17 - Doses das drogas mais usadas na insuficiência cardíaca
diurético de alça intravenoso associado a captopril via oral descompensada
é medida suficiente para diminuir a congestão e melhorar Droga Dose
a sintomatologia.
- Bolus: 20 a 80mg (máximo 600mg/dia);
Após período de observação e avaliação de outras cau- Furosemida
- Infusão contínua: ataque de 0,1.
sas potenciais de descompensação, devem receber orien-
tações não farmacológicas adequadas, aumento da dose Nitroglicerina - Inicial: 5 a 10μg/min.
de diuréticos, reavaliação da prescrição com introdução ou - Inicial: 0,3 a 0,5μg/kg/min;
Nitroprussiato
ajuste de outras drogas (IECA, digoxina, bloqueadores da - Usual: 3 a 5 μg/kg/min.
angiotensina, espironolactona, nitratos) e consulta ambu- - Ataque: 2μg/kg;
latorial precoce para acompanhamento. Entretanto, alguns Nesiritida
- Manutenção: 0,01μg/kg/min.
pacientes se apresentam muito congestos, dispneicos em
Dopamina - 1 a 20μg/kg/min.
repouso e não respondem satisfatoriamente às medidas ini-
Dobutamina - 1 a 20μg/kg/min.
ciais. Necessitam de internação em enfermaria e, algumas
vezes, unidade de terapia intensiva. Neste caso, é indicado - Ataque: 50μg/kg/min;
Milrinona
o uso de diuréticos parenterais e vasodilatadores, de prefe- - Manutenção: 0,375 a 0,750μg/kg/min.
rência, de forma parenteral. Já os inotrópicos parenterais - 1 a 30μg/min (recomendado pelo ACLS, mas
Noradrenalina
também podem ser úteis, levando à melhora sintomática, se podem usar doses mais altas).
apesar de o uso prolongado de tais medicações se associar Levosimen- - Ataque: 24μg/kg em 10 minutos;
ao aumento de mortalidade em longo prazo. dana - Manutenção.
Os pacientes que chegam com edema agudo de pulmão
necessitam de diuréticos, nitratos, morfina e, eventualmen- O levosimendana, uma medicação relativamente recen-
te, drogas vasoativas. te no manejo da IC aguda, apresenta vantagens em relação
às outras drogas inotrópicas por permitir melhora do rela-
B - Drogas inotrópicas parenterais xamento diastólico, ao contrário dos inotrópicos, que agem
Os inotrópicos tradicionais atuam através do aumento por via adrenérgica, comprometendo o relaxamento dias-
do AMPc intramiocárdico, permitindo maior entrada de cál- tólico. Causa, também, vasodilatação através da abertura

99
CARD I OLOG I A

de canais de potássio. Por essas ações inotrópicas e vaso- • Transplante cardíaco: é a única abordagem cirúr-
dilatadoras, a medicação aumenta o débito cardíaco sem gica efetiva no tratamento da IC refratária, embora
aumentar o consumo miocárdico de oxigênio. beneficie poucas pessoas a cada ano. As indicações
Outro mecanismo associado a essa droga é o melhor atuais de transplante baseiam-se na identificação
aproveitamento no sarcômero do cálcio disponível para de pacientes com grave prejuízo funcional, como
a contração miocárdica. O levosimendana mostrou-se su- indicado por um VO2 inferior a 10mL/kg (menos de
perior à dobutamina em pacientes com IC grave descom- 50% do esperado) ou pela dependência contínua de
pensada e, ao contrário da dobutamina, principalmente, e inotrópicos. Outras indicações menos comuns são
do nesiritida em 2º lugar, parece não ter uma associação angina e arritmias ventriculares graves, refratárias a
importante a aumento de mortalidade em médio e longo outras opções terapêuticas.
prazos. A dose de ataque recomendada é de 12 a 24mcg/
kg infundidos em 10 minutos, seguida por dose de manu-
tenção de 0,1 a 0,2mcg/kg/min por 24 horas. Essa dose é
10. Conclusões
titulada conforme resposta clínica e tolerabilidade. - A Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC) é uma sín-
drome complexa, caracterizada pela incapacidade do
C - Outras medidas para insuficiência cardíaca coração de suprir as necessidades metabólicas do or-
descompensada ganismo;
- Balão intra-aórtico: modo de suporte circulatório mais - As principais manifestações são dispneia e fadiga, além
amplamente utilizado e pode aumentar o débito cardí- da intolerância aos esforços, retenção de fluidos com
aco em até 30%. É indicado no choque cardiogênico e consequente congestão pulmonar e edema de mem-
no edema pulmonar que não respondem ao tratamen- bros inferiores;
to-padrão. Na IC associada à isquemia miocárdica, o - O ECG é quase invariavelmente alterado nos pacientes
balão atua como ponte até a realização de coronario- com IC; caso seja normal, devem ser considerados ou-
grafia diagnóstica e/ou terapêutica; tros diagnósticos;
- Bomba de fluxo contínuo: dispositivo de bombeamen- - A principal medida da função do ventrículo esquerdo
to sanguíneo que trabalha em paralelo ao ventrículo. É é a FE, considerando haver prejuízo da função sistólica
capaz de gerar, por um princípio centrífugo, débito inde- quando a FE é inferior a 55%;
pendente do apresentado pelo paciente. Pode ser utiliza- - Os IECAs são indicados para tratamento da IC em qual-
do de forma isolada ou associada ao balão intra-aórtico; quer estágio funcional;
- Ventrículo artificial: utilizado, principalmente, como pon- - Os diuréticos, único grupo de medicações que con-
te para transplante, na síndrome pós-cardiotomia e, oca- trola efetivamente a retenção hídrica, determinam a
sionalmente, como alternativa ao transplante cardíaco; melhora sintomática mais precocemente que as outras
- Coração artificial: dispositivo implantável que tem drogas;
sido utilizado como ponte para transplante. Observa- - O uso de beta-bloqueador reduz a mortalidade e o
-se melhora importante da função ventricular após pe- risco de internação em pacientes com IC classes II, III
ríodo prolongado de circulação assistida, que permite, e IV, melhorando os sintomas, tanto de portadores
eventualmente, a remoção do sistema. como de não portadores de ICC. Devem ser utilizados
- Tratamento cirúrgico: em todos os pacientes com IC por falência ventricular
• Revascularização miocárdica: a revascularização do esquerda, exceto naqueles com contraindicação ou in-
paciente com IC crônica pode ser útil no controle tolerância à droga;
dos sintomas, desde que a disfunção do ventrícu- - As indicações do uso de digital em IC são tratamento
lo esquerdo não seja irreversível. A identificação sintomático da IC, atenuando sintomas, melhorando
de miocárdio viável pode ser feita com cintilografia qualidade de vida e contribuindo para diminuir o núme-
com tálio ou ecocardiografia de estresse, mas é ne- ro de internações, além de controle de resposta ventri-
cessário critério na escolha do paciente potencial, cular em pacientes com fibrilação atrial, sendo droga de
pois a mortalidade cirúrgica é alta, e não existem 1ª escolha nesse subgrupo de pacientes com IC;
estudos mostrando que a cirurgia é melhor que o - Os antagonistas da aldosterona são indicados a pa-
tratamento clínico otimizado; cientes com IC avançada (NYHA III e IV), associada ao
• Cirurgia para insuficiência mitral: a regurgitação tratamento-padrão com diurético, digital, IECA e beta-
mitral de grau variável no ventrículo dilatado pode -bloqueador;
ocorrer na IC. A plastia da valva mitral tem sido re- - O uso das medicações inotrópicas parenterais deve ser
alizada com baixa mortalidade e potencial de me- limitado a IC grave, principalmente em caso de choque
lhorar sintomas, assim como as variáveis de função cardiogênico, pois elas se associam a aumento de mor-
ventricular; talidade em médio e longo prazos.

100
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA

11. Resumo
Quadro-resumo
- A IC é uma síndrome caracterizada pela incapacidade do cora-
ção de suprir as necessidades metabólicas dos tecidos;
- A IC pode ocorrer por déficit contrátil (IC sistólica) ou por déficit
de relaxamento ventricular (IC diastólica);
- A partir de uma injúria (hipertensão, infarto do miocárdio etc.),

CARDIOLOGIA
uma série de mecanismos fisiopatológicos neuro-humorais é
ativada, como na ativação do eixo renina-angiotensina-aldos-
terona; esses mecanismos determinam a progressão da disfun-
ção ventricular;
- O diagnóstico da IC é clínico e baseia-se na história e nos acha-
dos do exame físico;
- O ecocardiograma não define o diagnóstico de IC, mas fornece
informações significativas sobre a função ventricular e as pos-
síveis causas da IC;
- O tratamento depende da classe funcional do paciente; o con-
trole ou eliminação dos fatores de risco são essenciais para evi-
tar a progressão da IC;
- O tratamento farmacológico utiliza IECA, beta-bloqueador, diu-
réticos, restrição de sódio e digital.

101
C ARDI O LOG I A

CAPÍTULO

11
Edema agudo pulmonar

José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado

1. Introdução pulmonar, como na insuficiência cardíaca descompensada e


na insuficiência mitral aguda no infarto do miocárdio.
A - Etiologia
O Edema Agudo Pulmonar (EAP) é uma síndrome clínica
que pode resultar de diferentes condições:
- Distúrbios hemodinâmicos: insuficiência ventricular
esquerda, obstrução em nível da valva mitral, arritmias
cardíacas e hipervolemia;
- Aumento da permeabilidade da membrana alveolo-
capilar: sepse, infecção pulmonar, afogamento, aspi-
ração pulmonar, anafilaxia e síndrome do desconforto
respiratório agudo;
- Elevação da pressão negativa intrapleural (obstrução
de via aérea);
- Outras (após traumatismo cranioencefálico, exposição
a grandes altitudes e embolia pulmonar).

B - Fisiopatologia
Na gênese do edema pulmonar, é importante conside- Figura 1 - Diferenças na fisiopatologia do edema pulmonar cardio-
rar a fisiopatologia presente, dependendo se de origem car- gênico e não cardiogênico
diogênica ou não cardiogênica.
O edema pulmonar não cardiogênico é associado ao au-
mento da água intersticial pulmonar por alteração da perme-
abilidade do capilar pulmonar; são exemplos desta condição
o edema pulmonar na síndrome do desconforto respiratório
agudo e o edema pulmonar das grandes altitudes. Nestas
condições, a pressão hidrostática do capilar pulmonar en-
contra-se normal (abaixo de 18mmHg). No edema pulmonar
não cardiogênico, a pressão capilar pulmonar é normal. Não
há hipertensão pulmonar. No edema pulmonar cardiogênico,
o mecanismo principal fisiopatológico é a ação da pressão hi-
drostática capilar elevada (hipertensão pulmonar acima de Figura 2 - Edema “em asa de borboleta”, típico de edema agudo
18mmHg), que determina o aumento do edema intersticial pulmonar

102
EDEMA AGUDO PULMONAR

A causa mais comum de Edema Agudo de Pulmão (EAP) Alteração da permeabilidade alveolocapilar
de origem cardiogênica é a disfunção diastólica do ventrícu- (síndrome da angústia respiratória aguda)
lo esquerdo associada à etiologia isquêmica. Pode ocorrer - Pneumonia;
por diferentes condições hemodinâmicas, como crise hiper- - Inalação de substâncias tóxicas;
tensiva, isquemia miocárdica ou miocardiopatias hipertrófi-
- Toxinas circulantes (bacterianas, venosos etc.);
cas. A disfunção diastólica representa a redução da capaci-
- Aspiração do conteúdo gástrico;
dade ventricular esquerda de receber o volume de sangue
que chega pelo átrio esquerdo e veias pulmonares (redução - Pneumonite aguda por radiação;

CARDIOLOGIA
da complacência ventricular), o que provoca a elevação da - Coagulação intravascular disseminada;
pressão de enchimento do ventrículo esquerdo (pressão - Imunológico (reações de hipersensibilidade);
diastólica final), que se transmite para o átrio esquerdo, - Trauma não torácico;
veias pulmonares e capilares pulmonares. - Pancreatite hemorrágica aguda.
O aumento da pressão hidrostática capilar pulmonar Insuficiência linfática
determina o extravasamento de líquido para o interstí- - Após transplante pulmonar;
cio pulmonar e, quando excedida a capacidade de dre-
- Carcinomatose linfangítica;
nagem do sistema linfático dos pulmões, também para
- Linfangite fibrosante (exemplo: silicose pulmonar).
os alvéolos.
Como outras causas do EAP de origem cardiogênica, Etiologia desconhecida
têm-se a obstrução ao fluxo pela valva mitral (estenose - Edema pulmonar das grandes altitudes;
valvar, mixoma e trombo), insuficiência mitral aguda (dis- - Edema pulmonar neurogênico;
função de músculo papilar ou ruptura de cordoalha no in- - Embolia pulmonar;
farto agudo do miocárdio e no prolapso, endocardite), in- - Pós-anestesia e pós-cardioversão.
suficiência aórtica aguda (endocardite, dissecção de aorta,
disfunção de prótese), arritmias cardíacas e hipervolemia;
estas 2 últimas costumam ser causa de EAP em portadores
2. Quadro clínico
de algum grau de disfunção cardíaca sistólica (miocardiopa- O principal sintoma é intensa falta de ar (dispneia), ge-
tias dilatadas) ou diastólica. A seguir, estão listadas algumas ralmente súbita. Podendo haver ortopneia, taquipneia, tos-
causas de EAP. se com expectoração rósea e dor torácica, mesmo na au-
sência de isquemia. O exame clínico, além dos sintomas já
Tabela 1 - Causas de EAP citados, revela sinais proeminentes de ativação simpática:
- Isquemia miocárdica; taquicardia, palidez, sudorese fria, agitação psicomotora e
- Insuficiência aórtica aguda; ansiedade.
- Insuficiência mitral aguda; No exame pulmonar, há crepitações inspiratórias e ex-
- Estenose mitral; piratórias em todo o tórax; podendo ocorrer sibilos, o que
- Hipertensão arterial sistêmica; sugere edema da parede brônquica. Tal condição pode ser
- Hipertensão renovascular; confundida com quadro de reatividade brônquica exacerba-
da, pois pode, muitas vezes, apresentar-se com quadro de
- Fibrilação atrial/taquiarritmias;
sibilância semelhante ao broncoespasmo, por isso o nome
- Anemia;
de asma cardíaca.
- Febre; Podem estar presentes as tiragens intercostal e infra-
- Doença tireoidiana; clavicular. O exame cardiovascular pode sugerir a etiologia
- Neurogênico. quando, por exemplo, há presença de hipertensão arte-
rial, presença de 4ª bulha (disfunção diastólica), presen-
Tabela 2 - Classificação do EAP segundo sua fisiopatologia ça de 3ª bulha (disfunção sistólica), sopros cardíacos ou
Desbalanço das forças de Starling arritmia.
- Aumento da pressão capilar pulmonar:
· Aumento da pressão venosa pulmonar, sem falência do VE
(estenose mitral);
3. Diagnóstico
· Aumento da pressão venosa pulmonar, com falência do VE. O diagnóstico deve ser obtido com base em dados da
- Redução da pressão oncótica plasmática: hipoalbuminemia, história e exame físico. O diagnóstico diferencial entre ede-
por exemplo; ma pulmonar cardiogênico e não cardiogênico é muitas ve-
- Aumento da negatividade da pressão intersticial: zes difícil e a radiografia de tórax é o exame complementar
· Rápida correção de pneumotórax; que pode ajudar a diferenciar estas 2 condições, conforme
· Obstrução respiratória aguda (asma).
Tabela 3.

103
C ARDI O LOG I A

Tabela 3 - Diagnóstico diferencial entre edema pulmonar cardiogê- ticas reduzem a necessidade de intubação, que fica reserva-
nico e não cardiogênico da aos pacientes com fadiga muscular respiratória, acidose
Sinal Cardiogênico Não cardiogênico respiratória e hipoxemia refratária.
Normal ou aumen-
Área cardíaca Normal B - Vasodilatadores
tada
Distribuição vas- Balanceada ou inver- Promovem melhora clínica por redução da pré e da pós-
cular pulmonar no tida – cefalização de Balanceada -carga. Inicialmente, pode ser usado nitrato sublingual 5mg,
raio x de tórax trama vascular
repetido a cada 5 a 10 minutos (máximo de 15mg, dividido
Edema Central Periférico em 3 doses), seguido ou não por nitratos parenterais. Há pre-
Derrame pleural Presente Geralmente ausente ferência pelas drogas parenterais tituláveis, de meia-vida cur-
Linhas septais Presente Geralmente ausente ta e pico rápido de ação. Em casos de isquemia miocárdica, a
Broncograma melhor opção é a nitroglicerina, na dose de 5 a 200mcg/min,
Geralmente ausente Geralmente presente
aéreo já que o nitroprussiato pode promover roubo de fluxo. No
entanto, a nitroglicerina é menos eficaz que o nitroprussiato
O eletrocardiograma, comumente, mostra taquicardia na redução dos níveis de PA e apresenta início de ação em 2
sinusal e pode contribuir para a definição da etiologia: pre- a 5 minutos e meia-vida de 5 a 10 minutos. Caso contrário,
sença de arritmias, sinais de isquemia ou sobrecarga ventri- opta-se pelo nitroprussiato de sódio (que também pode ser
cular. O ecocardiograma, se possível, deve ser realizado na usado nos casos de falha com a nitroglicerina, insuficiência
sala de emergência, quando a causa do EAP não é rapida- mitral ou aórtica severa e hipertensão arterial sistêmica), na
mente identificada. dose inicial de 0,3 a 0,5, que tem início de ação imediata e
Quando necessária, a monitorização invasiva com ca- meia-vida de 1 a 2 minutos. Os efeitos colaterais mais co-
teter de artéria pulmonar revela elevação da pressão de muns dessa droga são náuseas, vômitos e cefaleia; o mais
oclusão de artéria pulmonar, auxiliando na diferenciação grave é a intoxicação por cianeto e tiocianato com altas doses
entre edema pulmonar cardiogênico (pressão do capilar ou infusões prolongadas de nitroprussiato, principalmente
pulmonar elevada) e não cardiogênico (pressão de capilar em pacientes com insuficiência renal.
pulmonar normal).
As enzimas cardíacas (CKMB e troponina) devem ser so- C - Diuréticos de alça (furosemida, 40 a 80mg IV)
licitadas já na sala de emergência e seriadas ao longo da
evolução do paciente. A gasometria arterial pode eviden- Promovem vasodilatação venosa, reduzindo a pré-carga
ciar hipoxemia severa. Também devem ser avaliados Na+, (venodilatação em 5 minutos), antes de determinar diure-
K+, ureia e creatinina. se, que ocorre cerca de 20 a 30 minutos após a dose ini-
Pode ser feita, ainda, a dosagem do peptídio natriuréti- cial. Uma 2ª dose de até 160mg pode ser usada, caso não
co cerebral, em inglês BNP, um hormônio fisiologicamente haja melhora após 20 minutos da 1ª. Deve-se salientar que,
produzido pelo coração que, quando em situações de so- frequentemente, pacientes com EAP apresentam volemia
brecarga, eleva-se no sangue e, portanto, auxilia a diferen- total normal quando procuram serviço médico, e a con-
ciar causas cardiogênicas de pulmonares em pacientes com gestão pulmonar se deve, predominantemente, a distúr-
insuficiência respiratória. Valores >500pg/mL sugerem a bios hemodinâmicos. Em tais pacientes, o uso excessivo de
insuficiência cardíaca como etiologia do edema agudo de diuréticos pode levar à hipovolemia, que, após a resolução
pulmão, enquanto valores menores que 100 tornam impro- do quadro agudo, pode manifestar-se como hipotensão ou
vável o diagnóstico. piora de função renal.

D - Morfina
4. Tratamento
Deve ser administrada na dose de 1 a 3mg a cada 5 mi-
O paciente deve permanecer sentado durante o trata- nutos, com o objetivo de reduzir a ansiedade determinada
mento (redução da pré-carga, melhora da relação ventila- pelo aumento do esforço respiratório, a pré-carga por va-
ção/perfusão e redução do esforço respiratório) e com os sodilatação (em até 40%) e os reflexos pulmonares respon-
membros inferiores pendentes. Como tratamentos farma- sáveis pela dispneia; deve ser usada com cautela e em am-
cológicos, têm-se: biente com condições para intubação traqueal, pois pode
determinar a exacerbação do broncoespasmo pela libera-
A - Oxigênio ção da histamina ou narcose por diminuição do estímulo
Deve ser administrado por máscara facial com fluxo de 5 respiratório (o antídoto específico é o naloxona, que pode
a 10L/min a todos os pacientes para correção da hipoxemia; ser administrado na dose de 0,4mg a cada 3 minutos). Náu-
quando o método não é eficaz, pode-se associar ao uso de seas e hipotensão podem ocorrer.
pressão positiva (CPAP de 5 a 10cmH2O ou BIPAP – pressão A morfina, a furosemida e o nitrato são as drogas de 1ª
positiva em 2 níveis em via aérea). Essas 2 opções terapêu- escolha no tratamento do EAP. Essas medidas conseguem

104
EDEMA AGUDO PULMONAR

tratar a maioria dos quadros da síndrome e, caso não haja 5. Resumo


sinais de baixo débito ou arritmias fatais que necessitem de
cardioversão elétrica, a intubação orotraqueal para ventila- Quadro-resumo
ção mecânica invasiva deve ser adiada. Máscaras de CPAP - O aumento da pressão hidrostática no território capilar pulmo-
diminuem a necessidade de ventilação invasiva e podem nar determina o extravasamento de líquido para o interstício
pulmonar e para o alvéolo, resultando em hipóxia;
ser utilizadas precocemente, sem prejuízo ao paciente, pro-
- A perda aguda da função ventricular, o aumento da pós-carga
movendo tendência de redução da mortalidade.
e o aumento da pré-carga são as causas mais comuns de EAP;

CARDIOLOGIA
Em pacientes com EAP e sinais de redução do débito
- O tratamento passa por vasodilatadores arteriolares e venosos,
cardíaco (hipoperfusão periférica, hipotensão, rebaixamen- diuréticos e inotrópicos;
to do nível de consciência), são indicados inotrópicos posi-
- O emprego do CPAP está associado à redução do número de
tivos como a dobutamina, além de monitorização hemodi- intubações e do tempo de internação hospitalar, além de de-
nâmica. terminar redução da mortalidade.

E - Outras terapêuticas
- Nesiritida (BNP humano recombinante): ainda em
estudo, sua infusão resulta em natriurese, diminuição
das pressões de enchimento cardíaco e aumento do
índice cardíaco. Porém, ainda não há dados confiáveis
sobre a alteração de função renal e a mortalidade nos
pacientes. O uso em classes funcionais avançadas de
IC foi associado a uma melhora da sintomatologia do
quadro, porém, a mortalidade aumentou.

A seguir, um algoritmo para o tratamento do EAP.

Figura 3 - Tratamento do EAP

105
CARD I OLOG I A

CAPÍTULO
Hipertensão pulmonar

12 José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado

1. Introdução Hipertensão pulmonar arterial


- Drogas e toxinas;
A Hipertensão Pulmonar (HP) é um estado patológico
- Doença veno-oclusiva pulmonar;
em que a pressão sistólica pulmonar é elevada ao repouso
(PAPm >25mmHg) ou ao exercício (PAPm >30mmHg). A ele- - Outras.
vação desses valores frequentemente é acompanhada do HP associada à doença ventricular esquerda
aumento da resistência vascular e da diminuição do débito HP associada a doença pulmonar e/ou hipoxemia
cardíaco. Na essência, a HP é um resultado da redução do - DPOC;
calibre dos vasos pulmonares e/ou do aumento do fluxo - Doença intersticial pulmonar;
sanguíneo pulmonar. Os valores normais da pressão sistóli- - Hipoventilação pulmonar;
ca pulmonar são de 20 a 30mmHg, com pressões diastólicas - Exposição crônica a altas altitudes.
de 12 a 16mmHg. A resistência vascular pulmonar reflete HP associada à doença pulmonar trombótica e/ou embólica
a área do diâmetro dos vasos pulmonares e da superfície - Tromboembolismo pulmonar de artérias proximais e/ou distais;
pulmonar total. Vários processos de doença podem alterar - Embolia pulmonar não trombótica (tumor, parasitas, corpo es-
o diâmetro dos vasos e determinar a HP. tranho).
Miscelânea
2. Etiologia e fisiopatologia - Sarcoidose, linfangiomatose pulmonar, compressão ganglionar
dos vasos pulmonares, tumores, mediastinite fibrosante etc.
As etiologias específicas de HP estão descritas na Tabela
1, de acordo com a causa de base que as determina. Do- De forma simplificada, 3 mecanismos contribuem para
enças intrínsecas pulmonares, como vasculites, constituem o surgimento da HP:
uma porção importante das causas de HP. Também nessa - Vasoconstrição hipóxica;
categoria, está a HP primária, que acomete o dobro de mu- - Diminuição da área da superfície do leito vascular pul-
lheres em relação aos homens, não tem causa definida e monar;
pode representar a via final comum de várias doenças. - Sobrecarga de pressão/volume no ventrículo direito.
Tabela 1 - Classificação No entanto, em muitos pacientes, há mecanismos so-
Hipertensão pulmonar arterial brepostos. Um aspecto importante é a busca por causas
- Idiopática; tratáveis de HP, e vale lembrar que o diagnóstico de HP pri-
- Familiar; mária é sempre de exclusão.
- Associada à colagenose; O grupo mais comum de patologias que determinam
a HP é o que afeta, diretamente, o parênquima pulmonar,
- Hipertensão portal;
como a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) e as
- Infecção por HIV; fibroses. Geralmente, os sintomas associados a tais doen-

106
HIPERTENSÃO PULMONAR

ças são precoces e aparecem antes de HP grave, levando 4. Quadro clínico


ao diagnóstico também precoce. A hipóxia e a hipercapnia
decorrentes da alteração da relação ventilação/perfusão
causadas por obstrução e perda dos elementos vasculares A - Sinais e sintomas
pulmonares são as principais consequências da HP e sus- Um dos maiores problemas da HP, a demora no diag-
tentam a piora progressiva desta. A hipoxemia determina nóstico precoce, ocorre porque os sintomas podem ser
vasoconstrição e menor resposta aos vasodilatadores en- inespecíficos e variam de indivíduo para indivíduo. Em
dógenos. Mudanças crônicas na arquitetura tecidual, assim geral, os sintomas só aparecem quando os valores pres-

CARDIOLOGIA
como a hiperviscosidade associada à poliglobulia, também sóricos pulmonares estão 3 a 4 vezes maiores que o nor-
contribuem para a HP. A DPOC é a causa mais importante de mal. Os sintomas mais comuns são dispneia aos esforços,
HP não reversível. síncope e dores torácicas inespecíficas (musculoesquelé-
As patologias do átrio esquerdo e do território venoso ticas, pleuríticas ou anginosas). Muitas vezes, a piora dos
pulmonar, comumente, também resultam em HP. Lesões sintomas clínicos é atribuída à progressão da doença de
das válvulas aórtica ou mitral, cardiomiopatias e insuficiên- base, como a DPOC, e não à progressão da HP, permitindo
cia coronariana podem determinar elevação das pressões a progressão desta por meses ou anos. Sintomas mais tar-
em câmaras esquerdas. A hipertensão atrial esquerda é dios aparecem na falência ventricular direita com edema
transmitida aos vasos pulmonares e às câmaras direitas, periférico, ascite e fadiga.
pois a pressão de artéria pulmonar deve elevar-se para
permitir o fluxo sanguíneo anterógrado por meio da árvore B - Exame físico
vascular pulmonar. Doenças da caixa torácica, como cifoes-
Os achados de exame físico podem ser agudos ou in-
coliose, doenças neuromusculares, apneia do sono e fibro-
dicar a causa da HP. Um aumento da intensidade do com-
se pleural representam uma pequena porção das causas de
ponente pulmonar da 2ª bulha não está sempre presente.
HP. A hipóxia crônica dessas condições clínicas associadas à
Um estalido de abertura pode ser ouvido como consequên-
hipoventilação determina a HP.
cia da interrupção da abertura da válvula pulmonar. Pode
Tromboembolismo pulmonar e anemia falciforme re-
ocorrer, com frequência, um sopro mesossistólico pulmo-
sultam, em último caso, em obstrução mecânica da luz dos
nar. Em situações extremas, pode-se palpar o batimento
vasos pulmonares, mas não em anormalidades intrínsecas
do ventrículo direito na borda esternal esquerda. Outros
per se.
achados, como insuficiência tricúspide e pulmonar, pres-
De forma genérica, as diferentes categorias determinam
são venosa jugular elevada, ascite, refluxo hepatojugular,
lesão vascular endotelial. Uma vez iniciadas, as alterações
hepatomegalia, fígado pulsátil e edema periférico, são va-
endoteliais geram reatividade vascular diminuída, ativação
riáveis, e a severidade deles se correlaciona com a gravi-
trombótica e proliferação de células musculares lisas, fibro-
dade da HP.
blastos e perpetuação da inflamação. Ao longo do tempo,
tais alterações se perpetuam, aumentando a pressão da ar- Nem sempre é fácil ouvir o sopro da insuficiência tri-
téria pulmonar por diminuição da vasodilatação regional e cúspide, mesmo em pacientes com insuficiência moderada
formação de trombos. ou severa. Além disso, com o aumento da pressão do átrio
direito, a variação respiratória do sopro da insuficiência tri-
cúspide pode estar ausente, falseando o diagnóstico de in-
3. Diagnóstico suficiência mitral. Diferentemente do sopro da insuficiência
Na história clínica, alguns dados auxiliam na elucidação mitral, o sopro da insuficiência tricúspide não é audível na
etiológica. O uso de drogas anorexígenas, intravenosas, axila.
crack ou cocaína pode apontar a causa. A história de trom- Achados do parênquima pulmonar ou de sopros dias-
bose venosa profunda ou história familiar de trombofilias tólicos de estenose mitral facilitam a pesquisa etiológica
aumenta o grau de suspeita para causa tromboembólica. por indicarem a provável causa da HP. Cianose e baquetea-
O acometimento paralelo do fígado, pele ou articulações mento digital geralmente indicam cardiopatias congênitas,
aponta para uma causa associada ao colágeno. na ausência de patologia pulmonar. Um sopro sistólico ou
São critérios essenciais para o diagnóstico: contínuo nos campos pulmonares indica HP tromboembó-
- Sobrecarga ventricular direita; lica ou estenose congênita de artéria pulmonar. A artrite,
- Aumento da intensidade do componente pulmonar da rash cutâneo ou outras alterações de pele podem indicar
2ª bulha cardíaca; doenças reumatológicas de base.
- Onda A jugular elevada; Rigorosamente, o mecanismo do hipocratismo digital
- Evidência eletrocardiográfica de hipertrofia ventricular (baqueteamento) permanece desconhecido, porém, diver-
direita; sas teorias foram propostas para explicar sua patogenia. A
- Pressões de artéria pulmonar elevadas ao ecocardio- presença de shunts intra ou extrapulmonares permitiria a
grama ou à cateterização cardíaca. liberação para a periferia de substâncias vasodilatadoras. A

107
CARD I OLOG I A

hipóxia tissular poderia explicar o hipocratismo digital em 5. Exames diagnósticos


pacientes com doenças cardíacas cianóticas, porém, mui-
tas doenças pulmonares cursam com acentuada hipoxemia,
A - Eletrocardiografia
sem baqueteamento digital e, inversamente, este pode es-
tar presente com PaO2 arterial preservada. Ações neurogê- A eletrocardiografia (ECG) frequentemente aponta
nicas poderiam contribuir, sendo o melhor exemplo o alívio anormalidades que sugerem hipertrofia ventricular direita,
imediato do baqueteamento após vagotomia, em porta- como o aumento das forças elétricas nas derivações precor-
dores de carcinoma brônquico, mesmo sem ressecção da diais e inversão de onda T no precórdio. Os achados mais
lesão primária. Hipocratismo hereditário não é raro, o que sugestivos de sobrecarga direita crônica são desvio do eixo
para direita e relação R/S >1 em V1, bloqueio de ramo direi-
levou à postulação de que fatores genéticos poderiam atuar
to completo ou incompleto e onda P pulmonale. Os achados
em casos de aparecimento mais tardio. A teoria atualmen-
do ECG têm alta especificidade, porém, baixa sensibilidade,
te mais aceita para a patogenia do hipocratismo digital en- ainda menor em pacientes com hipertrofia biventricular.
volve a liberação de fatores de crescimento vascular, o que Não é incomum a interpretação errônea de isquemia ante-
resulta em neoformação de capilares nas extremidades. A rior aguda. Geralmente, essas alterações ocorrem em casos
presença de hipoxemia e a estase de plaquetas potenciali- avançados de HP, podendo ser o ECG normal em casos ini-
zam sua liberação, bem como o aumento da perfusão peri- ciais ou moderados, assim como a radiografia de tórax.
férica, o que poderia explicar a associação com diversos dos As alterações ao ECG podem ser revertidas quando há
fatores descritos. melhora da HP.

Figura 1 - ECG demonstrando desvio do eixo elétrico para a direita, ondas P apiculadas, ondas R dominantes em V1, S profundas em V6 e
inversão de onda T em DII, DIII, aVf, V1 a 3, demonstrando sinais de sobrecarga ventricular direita em mulher portadora de estenose mitral
por febre reumática

B - Radiografia de tórax
A radiografia de tórax pode auxiliar na suspeita diagnóstica de HP. Infelizmente, as alterações sugestivas da doença ocor-
rem tardiamente em seu curso. Isso é válido para sinais como a proeminência de vasos pulmonares proximais, assim como
o preenchimento do espaço retroesternal pelo ventrículo direito na projeção lateral. Congestão venosa e aumento do átrio
esquerdo e da área cardíaca dirigem a pesquisa etiológica para causas de câmaras esquerdas. Hiperinsuflação sugere DPOC,
enquanto cifose ou escoliose podem indicar causas restritivas para HP. Vale lembrar que a radiografia normal não afasta a
possibilidade de HP, mesmo em estágios avançados da doença.

108
HIPERTENSÃO PULMONAR

sente somente nesta última, a causa pode ser sobrecarga


volêmica sem HP. A HP pura do ventrículo direito resulta em
concavidade do septo interventricular direcionada ao ven-
trículo esquerdo. Este, em geral, é pequeno e com função
sistólica preservada. Tais alterações são reversíveis com a
melhora da HP, assim como a dilatação ventricular direita.
O exame também é essencial para evidenciar ou excluir

CARDIOLOGIA
causas de câmaras esquerdas, como estenose mitral, insu-
ficiência ventricular esquerda e causas congênitas. A análi-
se do Doppler pode sugerir refluxo tricúspide importante,
mesmo na ausência de sopro audível.

F - Arteriografia pulmonar e cateterismo cardíaco


A cateterização das câmaras cardíacas direitas é o exame
padrão-ouro para estabelecer o diagnóstico, quantificar e
caracterizar a HP. É indicada quando o ecocardiograma não
oferece informações significativas. A angiografia pulmonar
confirma HP primária e diagnostica causa tromboembólica
de grandes vasos pulmonares. As alterações podem eviden-
ciar dilatação da árvore pulmonar e paradas abruptas do
Figura 2 - Raio x evidenciando aumento do tronco da artéria pul-
enchimento vascular por contraste. Outra utilidade do cate-
monar em paciente com HP e cardiomegalia associada
terismo é a avaliação da resposta vascular ao uso de vaso-
C - Testes de função pulmonar dilatadores, como nitroprussiato de sódio, prostaciclina ou
óxido nítrico. Quedas maiores de 20% do valor inicial da HP
Os testes de função pulmonar podem ser totalmente
sugerem boa resposta clínica.
normais entre pacientes com doenças intrínsecas dos vasos
pulmonares ou apresentar padrões característicos de do- G - Tomografia computadorizada e ressonância
enças obstrutivas ou restritivas. O exame é necessário nas
nuclear magnética
suspeitas de doença pulmonar parenquimatosa, obstrução
de via aérea ou doença neuromuscular. A doença pulmonar A Tomografia Computadorizada (TC) e a Ressonância
intersticial severa causa HP, que pode gerar um distúrbio Nuclear Magnética (RNM) do tórax podem fornecer infor-
restritivo leve, confundindo o diagnóstico. mações úteis quanto a doenças do parênquima e de mui-
tas outras condições que causam HP. A TC de mediastino
D - Cintilografia pulmonar indica alterações características na mediastinite fibrosante
O exame de ventilação/perfusão pode não apontar a por histoplasmose, em que linfonodos calcificados podem
causa de base. A fase de perfusão é diagnóstica no trombo- comprimir veias e artérias pulmonares. Similarmente, a
embolismo pulmonar. Na HP primária, a cintilografia é nor- RNM pode evidenciar tumores de mediastino, alterações
mal ou mostra pequenas falhas de captação subsegmentar. de fluxo sanguíneo e tumores intra-arteriais pulmonares.
Como o tratamento cirúrgico pode ser curativo nas causas Pode, também, evidenciar o êmbolo na árvore pulmonar
tromboembólicas, a cintilografia deve fazer parte da pes- com precisão próxima à da angiografia.
quisa etiológica em todos os pacientes com HP de origem
indefinida. H - Biópsia pulmonar
E - Ecocardiograma A biópsia pulmonar não é frequentemente necessária
para confirmar a causa da HP. No entanto, em algumas si-
O exame bidimensional com Doppler, extremamente
tuações de etiologia obscura, pode evidenciar partículas
útil não só para o diagnóstico, mas também para o segui-
mento da HP, avalia a pressão da artéria pulmonar valendo- impactadas de material pulverizado na árvore arterial pul-
-se da insuficiência tricúspide por meio da equação de Ber- monar por uso de drogas intravenosas ou de outras doen-
noulli. O valor da HP tem importância prognóstica, pois seu ças vasculares pulmonares. Quando há apenas hipertrofia
aumento se associa ao aumento da mortalidade. da túnica muscular média dos vasos pulmonares, a HP é
Pode demonstrar o achatamento do septo ventricular reversível; quando ocorrem arterite e áreas de necrose, é,
na sístole e na diástole (septo em forma de D); quando pre- usualmente, irreversível.

109
CARD I OLOG I A

6. Tratamento da hipertensão pulmonar


secundária
A HP cuja causa é identificada é mais bem tratada com o con-
trole da doença subjacente. Em casos como a estenose mitral, a
valvoplastia por balão ou o tratamento cirúrgico podem re-
verter completamente a doença. Em outras situações, seus
efeitos crônicos podem ser irreversíveis, já que, mesmo
após a correção da causa de base, pode haver HP residu-
al. Em causas de cardiopatia congênita, o transplante duplo
(coração-pulmão) pode tratar totalmente a HP.
Aparentemente, a maior parte dos agentes utilizados
para vasodilatação da artéria pulmonar na HP primária não
tem surtido efeito satisfatório, provavelmente por falta de
reatividade vascular, em especial quando a hipóxia é trata-
Figura 3 - Biópsia pulmonar mostrando arteríola com material em- da com oxigênio. Tal medida parece ser a mais eficaz em
bolizado no seu interior, em recanalização reduzir a HP nesses casos. E, nas formas secundárias, tais
medicações podem surtir efeito.
Nas causas de origem torácica ou neuromuscular, a HP
I - Outros testes diagnósticos pode ser controlada completamente com administração de
oxigênio a pressão positiva (CPAP ou BiPAP), assim como
Como a etiologia da HP é variável, outros exames, como na apneia do sono (perda de peso tem efeito similar neste
marcadores reumatológicos ou eletroforese de hemoglobi- último). A correção cirúrgica de obstrução da via aérea tam-
na, podem ser necessários. Segue um algoritmo para inves- bém reverte a HP.
tigação diagnóstica e etiológica da HP. A revascularização miocárdica e a correção valvar determi-
nam reversão da HP por disfunção ventricular miocárdica ou
valvar, assim como a pericardiectomia para a pericardite cons-
tritiva e a ressecção tumoral para os tumores intracardíacos. A
mediastinite fibrosante, quase sempre associada à histoplas-
mose, normalmente é refratária a qualquer tratamento.
A situação clínica em que o tratamento é bem definido é
na doença tromboembólica. A tromboendarterectomia, para
pacientes selecionados, reverte quase totalmente a HP, ape-
sar de associada à alta mortalidade no pós-operatório.
A reversão da HP é acompanhada da reversão do tama-
nho e da função ventricular ao ecocardiograma. Após 1 mês
da cirurgia, há melhora da função ventricular esquerda e
quase normalização das câmaras direitas. A normalização
da HP acontece dentro de 1 ano.

7. Tratamento da hipertensão pulmonar


primária

A - Glicosídeos cardíacos
O valor da digoxina na recuperação da função ventricu-
lar direita não é comprovado, embora a droga seja bastante
utilizada. O risco de intoxicação sobrepõe-se ao seu benefí-
cio, principalmente em se tratando de pacientes hipoxêmi-
cos e daqueles em uso de diuréticos, nos quais hipocalemia
é frequente.

B - Oxigênio
Entre os pacientes hipoxêmicos com HP primária ou se-
Figura 4 - Investigação de hipertensão pulmonar cundária, a oxigenoterapia é mandatória, e, quanto àqueles

110
HIPERTENSÃO PULMONAR

de etiologia indefinida, o benefício não é estabelecido. Po- venosa (PGI2 – epoprostenol), administrada durante a mo-
rém, muitas vezes, durante o exercício, os pacientes apre- nitorização com o cateter de Swan-Ganz. Esse agente é útil
sentam hipoxemia, sendo necessária, de qualquer forma, devido à sua meia-vida curta (de 3 a 5 minutos), e sua infu-
a suplementação. E pessoas com insuficiência ventricular são contínua tem tido resultados satisfatórios em pacientes
direita e hipóxia devem receber suplementação contínua. com HP primária, como melhora na sobrevida e na classe
funcional. Além disso, pode ser aplicada por via central em
C - Diuréticos infusão contínua. A apresentação farmacológica para uso
inalatório (iloprosta) ou subcutâneo já está disponível. Até

CARDIOLOGIA
O edema periférico e a congestão hepática podem
o momento, compreende o tratamento mais efetivo na HP
acompanhar a HP e apresentam melhora com o uso de diu-
de origem vascular intrínseca.
réticos, correndo o risco de redução intensa da pré-carga
ventricular e disfunção cardíaca aguda; daí o uso criterio-
G - Transplante
so dessa medicação. O controle bioquímico dos pacientes
deve ser rigoroso pelo risco de potencialização de eventos Apesar de a experiência com transplante estar aumen-
fatais como a hipóxia. tando, algumas causas, como a HP associada a tromboem-
bolismo, apresentam melhora após o tratamento cirúrgico
D - Anticoagulação da artéria pulmonar. Os resultados com transplante pulmo-
nar também têm demonstrado benefício, com sobrevida de
A anticoagulação por período prolongado é indicada aos
95% dos casos em 1 ano e de 50% em 5 anos, e só se apli-
pacientes com causa tromboembólica da HP e destinada
cam aos casos em que a causa secundária de HP não incida
aos demais casos quando o seu emprego se associa à redu-
sobre o novo órgão transplantado.
ção de mortalidade. A HP primária predispõe a trombose
in situ na árvore pulmonar, e os pacientes com HP severa,
H - Outras formas de tratamento
geralmente, são sedentários ou restritos ao leito, o que au-
menta o risco de fenômenos trombóticos. Em pacientes com forame oval patente, a sobrevida na
vigência de HP parece ser maior devido ao shunt direito-es-
E - Vasodilatadores querdo. Assim, a septostomia atrial por cateter ou cirúrgica
pode ser aplicada em alguns casos de alguns pacientes que
Os vasodilatadores mais efetivos são os bloqueadores
aguardam transplante.
de canais de cálcio. Nenhuma droga disponível tem ação
seletiva na árvore pulmonar, e os efeitos sistêmicos podem
I - Antagonistas do receptor de endotelina
levar à hipotensão severa. O objetivo do tratamento é re-
duzir a pós-carga ventricular direita e a HP, melhorando o Melhoram a tolerância ao exercício, o débito cardíaco e
débito cardíaco. Cerca de 25% dos pacientes têm resposta diminuem a Pressão Arterial Pulmonar (PAP) por bloquea-
com nifedipina (de 30 a 240mg/dia) ou diltiazem (de 120 a rem a ação vasoconstritora desta substância. São exemplos
900mg/dia). Em alguns casos, a hipertrofia ventricular direi- o bosentana e o sitaxentana.
ta diminui; em outros, há melhora do débito cardíaco sem
redução da HP. A classe funcional desses pacientes melho- J - Inibidores de fosfodiesterase
ra, porém, é incerto o efeito na sobrevida. O mais conhecido é o sildenafila, na dose de 20mg, de
Testes com prostaciclinas intravenosas têm sido eficazes 8/8 horas. Melhora a oxigenação arterial, a capacidade ao
em identificar os pacientes que respondem ao tratamento exercício e diminui a resistência vascular pulmonar e a PAP.
oral com bloqueadores de canais de cálcio. Outros agentes,
como acetilcolina, óxido nítrico inalatório e adenosina são
agentes úteis de curta duração para determinar a reatividade 8. Prognóstico
vascular durante o cateterismo de câmaras direitas. Quan- A causa de base da HP é o principal determinante da
do é definida a resposta do paciente a vasodilatadores que evolução da doença. Quando o tratamento da causa é
podem ser titulados, troca-se por agentes de mesma classe possível e efetivo, a HP apresenta melhora sensível na so-
de longa duração. Devem ser introduzidos gradativamente e brevida. O prognóstico varia de indivíduo para indivíduo,
mantidos na dose máxima tolerada. Independente da droga dependendo do tempo de diagnóstico e da intensidade da
utilizada, o uso deve ser feito de forma monitorizada, pois os doença. O grau de reatividade vascular presente também
efeitos colaterais do tratamento, como a hipotensão, podem determina o prognóstico.
ser fatais. Com frequência, a monitorização com cateter de A sobrevida entre pacientes com HP primária depende
Swan-Ganz é utilizada para ajuste fino das drogas. de vários fatores e é de difícil previsão. A causa mais fre-
quente de morte é a insuficiência ventricular direita em 2/3
F - Prostaciclina dos casos, seguida de morte súbita e pneumonia, e a sobre-
Pacientes com HP podem ser mais bem tratados com vida média é de 10 anos. Pacientes com pressão de artéria
medicações de curta duração, como a prostaciclina intra- pulmonar média acima de 85mmHg têm sobrevida de 1 ano

111
CARD I OLOG I A

contra 4 anos entre pacientes com pressão de 50mmHg. Ín-


dice cardíaco e pressão de átrio direito também são pre-
ditores de mortalidade. As classes funcionais de ICC I e II
têm sobrevida de 5 anos, enquanto classes funcionais III e
IV apresentam sobrevida entre 6 e 30 meses.

9. Resumo
Quadro-resumo
- A elevação da pressão da artéria pulmonar determina a sobre-
carga ventricular direita, geralmente por redução do calibre
das arteríolas pulmonares e/ou aumento do fluxo sanguíneo
pulmonar;
- A HP é via final comum de várias patologias pulmonares primá-
rias, assim como de doenças sistêmicas;
- O quadro clínico não é específico, o que dificulta o diagnóstico
no seu início; dor torácica, dispneia aos esforços e síncope. Nas
fases mais tardias, ocorre IC direita;
- O tratamento baseia-se em oxigenoterapia, diuréticos e vasodi-
latadores pulmonares como bloqueadores de canais de cálcio.
Alternativas terapêuticas recentes são o sildenafila e o bosen-
tana.

112
CAPÍTULO
Valvulopatias

13 José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado

1. Estenose aórtica - Sopro sistólico de ejeção com irradiação para as caró-


tidas;
As características principais da Estenose Aórtica (EA)
são: - Pico de pulso carotídeo tardio e de amplitude reduzida;
- Angina; - Ecocardiograma com folhetos aórticos espessados e
- Dispneia; imóveis, gradiente transvalvar aumentado e área val-
- Síncope de esforço; var diminuída.

Figura 1 - Fonocardiograma da estenose aórtica

A - Introdução

A EA decorre do estreitamento no orifício valvar causado pela falência dos folhetos valvares de se abrirem normalmente
(Figura 2). A redução do orifício valvar produz uma perda de energia na impulsão do volume sistólico, e ocorre fluxo tur-
bulento que determina aumento do trabalho cardíaco e da pós-carga ventricular. Como consequência, surge a hipertrofia
ventricular esquerda, o principal mecanismo compensatório da estenose. O diagnóstico é confirmado por meio de história
clínica e exame físico, de ecocardiograma e cateterismo cardíaco. As causas principais de EA são válvula bicúspide congênita,
EA congênita, degeneração valvar com calcificação dos folhetos sem fusão das comissuras e febre reumática. Essas últimas
2 causas são responsáveis por cerca de 70% dos casos.

113
CARD I OLOG I A

Figura 2 - Representação de válvula normal e com estenose aórtica

B - Quadro clínico pertrofia concêntrica e pela isquemia miocárdica que


acompanham o quadro.
a) Sinais e sintomas
b) Exame físico
Os sinais e os sintomas clássicos da EA são angina, sín-
cope de esforço e insuficiência cardíaca congestiva; sendo - Sopro sistólico de ejeção: o sopro clássico da EA é um
esta última, a forma mais frequente de apresentação clíni- sopro sistólico rude de ejeção, mais bem percebido no
ca. O início desses sintomas é considerado um marco no foco aórtico e com irradiação para as carótidas. Cons-
seguimento do paciente, sendo a média de sobrevida pós- titui um sinal específico, porém pouco sensível para a
-início dos sintomas de 2 a 3 anos com alto risco de morte determinação da gravidade da lesão. No começo da
súbita. A morte súbita entre pacientes com EA assintomáti- doença, o sopro acontece no início da sístole, tornan-
ca é rara, menos que 1% dos pacientes. do-se mais tardio com a evolução. Frêmito pode ser
- Angina: acontece em resposta à isquemia miocárdica que palpado na área aórtica. Em fases tardias da doença, o
se desenvolve pelo aumento do consumo de oxigênio sopro perde força, com tendência a ocorrer no fim da
pelo miocárdio. Em geral, a angina associada à EA ocorre sístole, e o frêmito pode desaparecer. Pode ocorrer o
sem haver doença coronariana. A hipertrofia ventricular fenômeno de Gallavardin, que é a irradiação do sopro
concêntrica que acontece como resposta compensatória para a área mitral, por vezes sendo este o sopro predo-
ao aumento da pós-carga determina elevação da tensão minante do paciente, simulando insuficiência mitral.
transmural do miocárdio. Isso causa um aumento do Há ainda diminuição do sopro com a manobra de Val-
consumo de oxigênio, nem sempre acompanhado do au- salva e aumento com o agachamento;
mento da oferta, determinando a angina; - Pulso carotídeo: na EA, o pulso carotídeo é tipicamen-
- Síncope de esforço: durante o exercício físico, a resis- te baixo e tem volume tardio quando atinge o pico de
tência vascular sistêmica diminui. Pela existência da amplitude (pulso parvus et tardus). Seu achado tem
estenose, o débito cardíaco não consegue compensar relação com a gravidade da doença;
a diminuição da resistência para manter a pressão ar- - Segunda bulha cardíaca: o tempo de ejeção prolon-
terial média constante, causando hipofluxo cerebral e gado necessário para a progressão do volume sistólico
síncope; através da válvula estenosada leva à ocorrência de 2ª
- Insuficiência cardíaca congestiva: a falência ventricu- bulha única. A presença de desdobramento fisiológico
lar sistólica e diastólica esquerda acontece na EA con- de B2 praticamente exclui a possibilidade de EA grave;
comitantemente, determinando sintomas de dispneia - Batimento apical: na EA, o ventrículo esquerdo hiper-
aos esforços, assim como ortopneia e dispneia paro- trofiado concentricamente mantém o batimento de
xística noturna. Em alguns doentes, podem ocorrer ápice cardíaco no mesmo local, porém com intensida-
hipertensão pulmonar e insuficiência cardíaca direita. de aumentada;
A insuficiência ventricular esquerda decorre da perda - Outros achados: a 3ª bulha pode ser encontrada em
progressiva dos elementos contráteis causada pela hi- casos avançados de insuficiência cardíaca.

114
VALVULOPATIAS

C - Exames diagnósticos
- Eletrocardiograma: com a hipertrofia ventricular concêntrica, ocorrem aumento da voltagem do QRS, sobrecarga atrial
esquerda e alterações da onda T e do segmento ST. No entanto, nenhum achado é sensível ou específico no diagnóstico
da EA;

CARDIOLOGIA
Figura 3 - Bloqueio de ramo esquerdo em paciente com queixa de síncopes aos esforços e episódios de dor precordial; identificada esteno-
se aórtica grave em exames subsidiários

- Radiografia de tórax: geralmente, a área cardíaca é a) Tratamento farmacológico


normal ao exame. Pode haver abaulamento da borda Nos pacientes com EA reumática, a profilaxia para novos
cardíaca esquerda e dilatação pós-estenótica da aorta. surtos de febre reumática é obrigatória. Diuréticos e/ou di-
Ocasionalmente, é possível ser visualizada calcificação gitálicos podem controlar parcialmente os sintomas conges-
da válvula aórtica na incidência lateral; tivos, porém a troca valvar continua necessária. Os IECA são
- Ecocardiograma: normalmente, confirma o diagnóstico, contraindicados na EA severa por determinarem hipotensão
além de quantificar a severidade. Achados de espessa- algumas vezes severa e fatal, por não haver compensação
mento valvar, redução da mobilidade dos folhetos e hi- pelo débito cardíaco aumentado quando ocorre a redução
pertrofia ventricular concêntrica fecham o diagnóstico. da resistência vascular sistêmica. Em casos leves e modera-
A determinação do gradiente transvalvar e da área val- dos, seu uso é bem tolerado para o controle dos sintomas da
var permitem graduar melhor a severidade da doença; insuficiência cardíaca e hipertensão. Nitratos podem ser utili-
- Cateterismo cardíaco: necessário para identificar a zados com cuidado na vigência de angina, até ser realizada a
presença de doença coronariana associada à EA, está cirurgia. Beta-bloqueadores devem ser evitados, pois podem
indicado aos pacientes que serão submetidos à troca desencadear o agravamento da insuficiência ventricular. A
valvar e com fatores de risco para doença coronariana, profilaxia para endocardite é mandatória, independente da
e àqueles sintomáticos em que os exames não invasi- gravidade da lesão. Alguns estudos mostraram um benefício
vos são inconclusivos ou quando o resultado deles é na prevenção de piora da lesão aórtica com uso de estatinas,
conflitante com a clínica do paciente; constitui, então, porém esses resultados não conseguiram ser reproduzidos
o método de escolha para determinação da real gravi- em estudos subsequentes. Atualmente, não se indica esta-
dade da lesão. Está contraindicado a pacientes assin- tina exclusivamente para o tratamento da EA, mas para os
tomáticos e/ou que não serão submetidos a procedi- pacientes com dislipidemia associada a essa valvulopatia.
mento cirúrgico. b) Valvuloplastia aórtica por balão
Nos casos de estenose congênita, os resultados dos
D - Tratamento
procedimentos são animadores. Todavia, nas situações em
O único tratamento efetivo para EA severa é o alívio me- que a válvula está calcificada, os resultados são ruins. Seis
cânico da obstrução valvar. A sobrevida é excelente quando meses após o procedimento, 50% dos pacientes perdem
o tratamento é aplicado antes do surgimento dos sintomas qualquer benefício alcançado (reestenose e piora clínica),
clássicos. Após o surgimento dos sintomas clássicos, a mor- sendo reservado, então, a casos em que a troca cirúrgica
talidade se eleva acentuadamente. O tratamento pode ser da válvula é contraindicada pelo risco cirúrgico. Em até 20%
realizado por meio de troca valvar por prótese, valvuloto- dos casos, há complicações como AVC, insuficiência aórtica
mia cirúrgica ou balão. e IAM. A valvuloplastia por balão é considerada classe IIb

115
CARD I OLOG I A

como ponte até a troca definitiva em pacientes hemodina- é uma das poucas condições da cirurgia cardíaca em que o
micamente instáveis, que são de alto risco cirúrgico. procedimento cirúrgico iguala a mortalidade dos pacientes
c) Troca valvar por angioaortografia à da população em geral. Deve-se lembrar que não é a idade
um fator que influencia os desfechos, mas a sintomatologia.
Já existe disponível a técnica de troca valvar por via en-
dovascular. Este procedimento é mais indicado para os pa-
F - Prognóstico
cientes com EA grave e alto risco da troca valvar cirúrgica.
A história natural da EA é bem conhecida. Quando os
E - Tratamento cirúrgico sintomas surgem, a doença passa a ser fatal, com morta-
a) Troca de válvula aórtica lidade de 75% em 3 anos. A sobrevida após o tratamento
cirúrgico em 10 anos é de 75%, com maior benefício para os
A troca de válvula aórtica é indicada quando, na EA gra-
pacientes mais idosos.
ve associada, há sintomas clássicos da doença, pois 50% dos
pacientes morrem em 5 anos se não tratados com cirurgia.
Quanto aos pacientes assintomáticos, a única indicação é 2. Insuficiência aórtica
para aqueles com estenose grave e disfunção ventricular
As principais características da Insuficiência Aórtica
(FE <50%). A nova válvula pode ser biológica ou mecânica.
(IA) são:
Os fatores mais relacionados a piores taxas de sobrevivên-
cia são ICC CF III e IV (NYHA) e FA no pré-operatório. - Após longo período sem sintomas, apresentação com
insuficiência cardíaca ou angina;
b) Troca de válvula aórtica em doença avançada - Pressões sistólica elevada e diastólica reduzida, mani-
Geralmente, há recuperação marcante da fração de eje- festando-se pelo aumento da pressão de pulso (PASIST
ção após a cirurgia. Ocorre, progressivamente, melhora da – PADIAST);
hipertrofia, da função contrátil e da fração de ejeção.
- Dilatação ventricular esquerda e hipertrofia com fun-
c) Efeitos da idade ção preservada;
Mesmo os pacientes mais idosos podem beneficiar-se - Diagnóstico e severidade avaliados por ecocardiogra-
da cirurgia. A troca valvar em pacientes acima de 65 anos ma ou angiografia.

Figura 4 - Fonocardiograma da insuficiência aórtica

A - Etiologia Alterações da aorta


- Sífilis, síndrome de Marfan;
A IA pode ser causada por uma variedade de alterações
- Espondilite anquilosante;
que afetam as cúspides ou a via de saída aórtica (Tabela 1).
A febre reumática continua a ser a principal causa da - Dissecção aórtica, trauma.
doença. Doenças que acometem a via de saída também são Pós-carga aumentada
causas comuns de IA, como síndrome de Marfan, necrose - Hipertensão sistêmica;
cística da túnica média, dissecção de aorta e doenças in-
- EA supravalvar.
flamatórias. Mesmo na ausência de outra doença clínica, a
Hipertensão Arterial Sistêmica grave (HAS) pode causar IA.
Tabela 1 - Alterações que afetam a aorta ou a pós-carga B - Fisiopatologia
Alterações da válvula aórtica
A apresentação clínica e os achados ao exame físico
- Endocardite, febre reumática;
dos pacientes com IA dependem da severidade e da rapi-
- Lúpus, artrite reumatoide;
dez de instalação da lesão. Os efeitos hemodinâmicos do
- Válvula mixedematosa, calcificação;
quadro agudo são completamente diferentes da apresen-
- Trauma.
tação crônica.

116
VALVULOPATIAS

a) Insuficiência aórtica crônica D - Exames diagnósticos


Pela sobrecarga volêmica, acontece a dilatação ventri- - Eletrocardiograma: nenhum achado é específico; si-
cular esquerda progressiva, determinando hipertrofia que, nais de aumento do átrio esquerdo, hipertrofia ventri-
temporariamente, mantém o débito cardíaco adequado. cular esquerda e correntes de lesão (inversão da onda
Com a lenta e progressiva piora da função diastólica e con- T e depressão do segmento ST) são encontrados nos
trátil do ventrículo, há queda progressiva do débito cardía- quadros crônicos avançados. Arritmias, incluindo a
co com o surgimento de insuficiência cardíaca. taquicardia ventricular e extrassístoles ventriculares,

CARDIOLOGIA
b) Insuficiência aórtica aguda podem ocorrer. Na apresentação aguda, taquicardia
sinusal pode ser a única alteração. Nos casos de endo-
Quando ocorre insuficiência valvar aguda, não há tem-
cardite bacteriana, a inflamação ou a formação de abs-
po para adaptação ventricular, determinando aumento da cesso pode acometer o nó atrioventricular, resultando
pressão hidrostática nas câmaras esquerdas, resultando em em bloqueio progressivo atrioventricular;
edema agudo de pulmão. A taquicardia e a vasoconstrição
periférica reflexas determinam piora da IA.
- Radiografia de tórax: os achados não são específicos
e refletem o aumento da área cardíaca e da vasculari-
zação pulmonar. No quadro agudo, é frequente a con-
C - Quadro clínico gestão pulmonar, e pode haver alargamento da aorta
ascendente na vigência de dissecção;
a) IA crônica
- Ecocardiograma: é o método de escolha na avaliação
Por um período prolongado, os portadores de IA crô- da IA. Além de avaliar a gravidade, a técnica transeso-
nica são assintomáticos. Palpitações são frequentes, e an- fágica pode identificar a etiologia. Ao Doppler, o fluxo
gina pode ocorrer por associação de doença coronariana. anormal diastólico originado na válvula aórtica atribui
Quando acontece a insuficiência ventricular esquerda, alta sensibilidade e especificidade ao exame, mesmo
surgem os sintomas de dispneia aos esforços e fadiga; nas na ausência de sopro audível. É de grande utilidade nos
fases mais avançadas, ortopneia e dispneia paroxística no- quadros agudos, em que a detecção clínica do sopro
turna. Ao exame físico, batimentos cardíacos visíveis são não é frequente. Alterações estruturais da válvula aór-
comuns, e o pulso apical está aumentado e desviado para tica podem ser identificadas ao exame, como espessa-
baixo e para a esquerda. B4 pode ocorrer pela hipertro- mento da válvula, calcificações, alterações congênitas,
fia ventricular, e B3 pode ser identificada na insuficiência vegetações ou prolapso da válvula. Todas essas altera-
cardíaca. O sopro característico é leve, diastólico, decres- ções podem ser vistas no exame transtorácico, porém
cente, mais bem ouvido no 3º espaço intercostal ao longo a via transesofágica aumenta ainda mais a sensibilida-
da borda esternal esquerda, ao fim da expiração. Na pre- de do exame em situações de difícil diagnóstico, como
sença de doença da via de saída da aorta, o sopro pode na endocardite ou na dissecção de aorta;
ser mais bem avaliado na borda direita esternal. Um sopro - Cateterismo cardíaco: antes do ecocardiograma, era o
de ejeção pode estar presente na área aórtica, devido ao exame de eleição para a avaliação da IA. Hoje, fica em
estado hiperdinâmico. Ocasionalmente, um sopro diastó- plano secundário, principalmente para os casos com
lico pode ser ouvido no ápice cardíaco, também chamado possibilidade de insuficiência coronariana associada.
sopro de Austin-Flint. A pressão arterial sistólica está au- Também é útil no planejamento cirúrgico para corre-
mentada, em virtude do alto volume sistólico, e a diastó- ção de dissecção aórtica;
lica, diminuída em razão do retorno de parte do volume - Ressonância magnética: está indicada para avaliação
sistólico injetado na aorta de volta para o ventrículo. Com do refluxo e dos diâmetros cavitários nos casos em que
a evolução da insuficiência cardíaca, estreitam-se as dife- o ecocardiograma é ineficiente;
renças pressóricas. - Outros achados laboratoriais: podem auxiliar no diag-
b) IA aguda nóstico da causa da IA. Leucocitose e VHS elevado su-
gerem causas inflamatórias, como endocardite ou aor-
A maior parte dos doentes é sintomática, e a apresen-
tite. Fator reumatoide positivo e anticorpos antinúcleo
tação clínica depende da causa de base da insuficiência. As
positivos sugerem doença reumatológica. A sorologia
causas mais frequentes são dissecção aórtica, endocardite
para sífilis também pode ser útil.
infecciosa e trauma. Fraqueza, dispneia e ortopneia são
comuns. O início dos sintomas é súbito, e o choque surge
quando a IA não é tratada. Como não há tempo para adap-
E - Tratamento
tação do ventrículo esquerdo, os sinais periféricos de IA são O tratamento depende da causa de base, da função car-
ausentes. Estertores bilaterais são frequentes no exame díaca e da presença ou não de sintomas. IA leve ou mo-
pulmonar, e o pulso apical não está desviado. B3 pode estar derada geralmente não demanda tratamento específico,
presente, e o sopro diastólico típico é curto na duração e de enquanto a IA aguda por dissecção da aorta é uma emer-
difícil identificação, sendo habitual a não detecção. gência médica.

117
CARD I OLOG I A

a) Insuficiência aórtica aguda As indicações para troca valvar na IA são:


Quando não tratada, apresenta alta mortalidade. Geral- - IA severa associada a quaisquer das situações a seguir:
mente, necessita de medidas agressivas de suporte, rápida • Sintomas;
abordagem da causa e aplicação de tratamento definitivo.
• Disfunção ventricular (FE <50%);
Como o óbito por falência ventricular esquerda e choque é
frequente entre esses pacientes, a despeito do tratamento • Dilatação ventricular importante;
intensivo, é indicada intervenção cirúrgica imediata. O nitro- • Paciente submetido a revascularização miocárdica
prussiato é a droga de escolha para determinar diminuição cirúrgica/cirurgia de aorta/troca de outras valvas.
da pré-carga e da pós-carga. Agentes inotrópicos positivos,
como a dobutamina, podem ser utilizados na vigência de - IA moderada só deverá ser submetida a tratamento
baixo débito cardíaco e hipotensão. Quando há instabilida- cirúrgico se o paciente já tiver indicação de outra cirur-
de hemodinâmica, o único tratamento definitivo é a cirur- gia cardíaca ou de aorta proximal.
gia. O momento da cirurgia depende da causa e do grau de
repercussão hemodinâmica. Na endocardite infecciosa com F - Prognóstico
IA grave, prefere-se o uso por 7 a 10 dias de antibióticos
previamente à troca valvar, quando a condição clínica do Pacientes assintomáticos com IA crônica têm evolução
paciente permitir a espera. As indicações para a cirurgia de estável ao longo dos anos. Já os sintomáticos apresentam
urgência, neste cenário, são insuficiência cardíaca classes mortalidade acima de 10% ao ano. A taxa média de pro-
III-IV, embolização sistêmica, bacteremia persistente, endo- gressão para a cirurgia é de 4% ao ano, e o surgimento
cardite por fungos ou formação de abscesso perivalvar. de sintomas é a maior indicação para o procedimento. A
mortalidade associada a sintomas de dispneia aos esforços
b) Insuficiência aórtica crônica
(classes II a IV de ICC) é de 20% ao ano. Quando ocorre a
Nos quadros leves a moderados de IA em pacientes as- troca valvar, há redução da mortalidade com sobrevida em
sintomáticos, o tratamento não é necessário. O seguimento 5 anos de 85%.
clínico deve ser feito anualmente com o ecocardiograma. A
profilaxia com antibióticos para endocardite deve ser apli-
cada a pacientes com anormalidades estruturais da válvula. 3. Estenose Mitral (EM)
Quando a febre reumática está associada, indica-se a
profilaxia secundária. Qualquer evidência de hipertensão
arterial deve ser prontamente tratada para não agravar o
A - Características
grau de insuficiência. Exercícios isométricos, esportes com- - Dispneia de esforço, dispneia paroxística noturna, or-
petitivos e esforço físico exacerbado devem ser evitados. Os topneia e cansaço em fase mais tardia;
quadros de IA moderada a severa sintomática com função
ventricular normal devem ter a válvula substituída. - Estalido de abertura, B1 hiperfonética, sopro diastólico
Vasodilatadores, diuréticos e nitratos atenuam os sinto- ruflante;
mas enquanto se aguarda a cirurgia. É indicado o tratamen- - ECG com aumento do átrio esquerdo ou FA; hipertrofia
to medicamentoso a pacientes assintomáticos para toda IA ventricular direita em estágios mais tardios;
severa com dilatação de VE sem disfunção sistólica e IA de
qualquer grau com hipertensão. Na IA sintomática modera-
- Radiografia de tórax com sinais de aumento do átrio
esquerdo e ventrículo esquerdo normal;
da a severa com função ventricular diminuída, indica-se o
tratamento cirúrgico, porém o risco cirúrgico é maior. Quan- - Ecocardiograma com válvulas com restrição de mobili-
to aos casos para os quais a cirurgia é contraindicada por dade, área orificial valvar reduzida demonstrada pelo
falta de condições clínicas, o tratamento medicamentoso ecocardiograma e gradiente transmitral elevado de-
deve ser mais agressivo. monstrado pelo Doppler.

Figura 5 - Fonocardiograma da insuficiência mitral (SMD – sopro mesodiastólico)

118
VALVULOPATIAS

B - Introdução truturais que predispõem à ocorrência de fibrilação atrial e,


portanto, maior risco de eventos embólicos. Nos pacientes
A válvula mitral permite a passagem de grande quan- em ritmo sinusal, a idade, a presença de trombo atrial, a
tidade de sangue do átrio esquerdo para o ventrículo es- área valvar mitral e a presença de significativa IA são fatores
querdo. A área seccional da válvula é de 4 a 6cm2. Surge que predizem maiores riscos de evento embólico.
o gradiente de pressão transvalvar assim que a área valvar Os pacientes ainda têm risco aumentado para desen-
cai para menos de 2,5cm2, quando, então, a pressão atrial volver endocardite infecciosa. Rouquidão, apesar de rara,
esquerda começa a elevar-se, determinando congestão pul- pode ocorrer (sinal de Ortner) por compressão do nervo la-

CARDIOLOGIA
monar. ríngeo recorrente pelo átrio esquerdo aumentado ou pela
A principal causa de EM é o acometimento da válvula artéria pulmonar dilatada. Hemoptise pode acontecer por
por Febre Reumática (FR), com predomínio em mulheres hipertensão venosa pulmonar, podendo surgir de forma sú-
(65% dos casos), apesar de 50% dos pacientes não apresen- bita, e é possível que dor torácica decorra da hipertensão
tarem história prévia da doença. Outras causas são extre- pulmonar e da hipertrofia do ventrículo direito.
mamente raras.
b) Exame físico
Tabela 2 - Diagnósticos diferenciais de estenose mitral O estado geral dos pacientes é frequentemente inalte-
- Mixoma atrial; rado, no entanto, a insuficiência ventricular direita pode
- Disfunção de prótese valvar; determinar pulso jugular elevado com ondas A e V proemi-
- Trombo; nentes. O pulso apical é, em geral, normal ou diminuído por
- Neoplasia; função ventricular esquerda preservada e baixa pressão de
enchimento. Em decúbito lateral esquerdo, um murmúrio
- Grande vegetação bacteriana ou fúngica.
diastólico pode ser notado e exacerbado por expiração pro-
A FR pode produzir, na fase aguda, uma pancardite. Cor- funda, e sua intensidade tem relação com o gradiente trans-
pos de Aschoff no pericárdio são muito específicos da FR. O valvar. A 1ª bulha é hiperfonética, com estalido de abertura
acometimento da válvula mitral é a regra, podendo ocorrer, e sopro diastólico perto do ápice cardíaco.
também, o espessamento das comissuras, cúspides e da No início da doença, apenas uma B1 hiperfonética pode
cordoalha. ser percebida. Com a evolução da doença, a hiperfonese
A fibrose e a calcificação dos folhetos podem estender- desaparece.
-se até o anel valvar. Com a progressão da estenose, surge
o gradiente transvalvar através da válvula estenosada asso- D - Exames diagnósticos
ciada à contração atrial. - Eletrocardiograma: na fase precoce da doença, tem
pouca utilidade por ser usualmente normal. Na pro-
C - Quadro clínico gressão da doença, surge o aumento da onda P (onda
P larga e geralmente com entalhe no ápice – forma de
a) Sinais e sintomas M), e vários pacientes evoluem para FA. Com a piora
No início, os pacientes são, em geral, assintomáticos. É da HP, ocorrem o desvio do eixo para a direita e onda R
estimado que o prognóstico piore muito quando os sinto- maior do que S em V1;
mas se iniciam, pois a progressão de sintomas
leves até a disfunção severa, em média, aconte-
ce apenas 7 a 9 anos depois.
Em condições que aumentam o débito car-
díaco, há aumento do gradiente transvalvar,
com elevação da pressão do átrio esquerdo. A
congestão pulmonar subsequente, desencade-
ada por exercício, hipertireoidismo, gravidez,
fibrilação atrial e febre, determina a dispneia.
Em virtude do aumento do retorno venoso na
posição supina, podem ocorrer a pacientes com
doença moderada: ortopneia e dispneia paro-
xística noturna.
Com a progressão da doença, a pressão da
artéria pulmonar aumenta, elevando, propor- Figura 6 - ECG demonstrando onda P ampla e achatada (sugerindo hipertrofia atrial
cionalmente, a pressão capilar pulmonar. esquerda) e extrassístoles ventriculares isoladas em mulher de 40 anos, com queixa
A inflamação reumática valvar pode também de palpitações e dispneia aos esforços; a ausência de sinais de sobrecarga ventricu-
estender-se aos átrios, causando alterações es- lar esquerda reduz a chance de IC sistólica, reforçando a possibilidade de EM

119
CARD I OLOG I A

- Radiografia de tórax: o exame da silhueta cardíaca


permite identificar o aumento do átrio esquerdo (Fi-
gura 7) por meio do sinal do duplo contorno na borda
cardíaca esquerda associada à elevação do brônquio
principal esquerdo e à compressão esofágica na in-
cidência posterior. O aumento do ventrículo direito
pode ocupar o espaço retroesternal.

Figura 8 - (A) Aumento do átrio esquerdo evidenciado por contras-


te e (B) calcificação da válvula mitral

- Ecocardiografia: é o principal exame na avaliação da


EM, por demonstrar alteração da movimentação dos
folhetos valvares, alteração das comissuras valvares,
avaliação da área valvar e avaliação da repercussão
hemodinâmica. É utilizado para determinar o escore
de Wilkins-Block que ajudará na decisão terapêutica
entre valvoplastia por balão ou necessidade de cirur-
gia aberta;
Figura 7 - Anatomia do coração com válvula mitral anormal, mos- - Cateterização cardíaca: a avaliação indireta das pres-
trando aumento de átrio esquerdo sões das câmaras esquerdas através do cateter de
Swan-Ganz permite melhor julgamento da repercus-
A avaliação da árvore pulmonar pode evidenciar hiper- são da EM. Está indicada apenas aos casos em que os
tensão pulmonar com proeminência das artérias pulmona- exames não invasivos são inconclusivos ou quando há
res e cefalização do fluxo pulmonar. Linhas A e B de Kerley discrepância entre o resultado dos exames e a clínica
podem acontecer por transudação. apresentada pelo paciente.

E - Tratamento
a) Tratamento clínico

A profilaxia primária envolve o tratamento adequado


das infecções por estreptococo do grupo A. O tratamento
iniciado dentro de 7 a 9 dias após o evento infeccioso
pode prevenir a FR. A profilaxia secundária de novas cri-
ses impede a progressão da EM e deve ser realizada, com
penicilina G benzatina de 21/21 dias, de acordo com a
Tabela 3:

Tabela 3 - Recomendações para o tempo de prevenção secundária


a FR segundo diretriz para manejo de FR da Sociedade Brasileira de
Cardiologia de 2009
Nível de
Categoria Duração
evidência
Até 21 anos ou 5 anos após
FR sem cardite prévia o último surto, valendo o I-C
que cobrir maior período

120
VALVULOPATIAS

Nível de área valvar <1,5cm2. Também se recomenda intervenção a


Categoria Duração assintomáticos com EM severa (área valvar <1,5cm2) com
evidência
FR com cardite pré- PAPs >50mmHg em repouso ou >60mmHg ao exercício.
Até 25 anos ou 10 anos após
via; IM leve residual
o último surto, valendo o I-C F - Prognóstico
ou resolução da le-
que cobrir maior período
são valvar
A história natural da EM mudou em virtude das opções
Lesão valvar residual Até os 40 anos ou por toda terapêuticas utilizadas. A FR ainda é motivo de preocupa-
I-C
moderada a severa a vida

CARDIOLOGIA
ção, e os pacientes se tornam sintomáticos após 16 anos
Após cirurgia valvar Por toda a vida I-C do início da doença. Entre eles, 84% morreram por causa
cardíaca ocasionada por insuficiência ventricular direita,
Pacientes com EM têm risco aumentado para endocar-
edema pulmonar refratário, fenômenos tromboembólicos,
dite bacteriana, sendo indicada profilaxia para certos pro-
endocardite, infarto do miocárdio e morte súbita. Com a
cedimentos, como extração dentária.
progressão dos sintomas moderados para severos, o prog-
O manuseio clínico da EM entre os pacientes em ritmo
nóstico piora rapidamente. Com o tratamento clínico angio-
sinusal é limitado. O uso de diuréticos e restrição sódica é
gráfico e cirúrgico, é possível a melhor evolução da doença.
indicado aos casos de congestão pulmonar. Digitálicos em
pacientes com ritmo sinusal não agregam benefício, exceto
na presença de disfunção ventricular. Beta-bloqueadores 4. Insuficiência mitral
podem, significativamente, diminuir o débito cardíaco e a As principais características da Insuficiência Mitral (IM)
frequência, determinando queda do gradiente transvalvar. são:
Apesar de lógica, a terapia com tal grupo de drogas aponta - Dispneia ou ortopneia;
resultados conflitantes, ficando reservados para pacientes
sintomáticos aos esforços. Anticoagulação é benéfica a ca-
- Sopro sistólico apical;
sos com ritmo sinusal e evento embólico prévio ou portado-
- Refluxo valvar mitral do ventrículo para o átrio ao eco-
cardiograma.
res de átrios maiores que 55mm ao ecocardiograma (classe
IIb).
Quando há a associação de EM e FA, o tratamento
oferece maiores benefícios por controlar o risco de even-
tos embólicos. A FA é mal tolerada nesses doentes por
haver a perda do enchimento ventricular esquerdo com a
sístole atrial e o aumento da frequência cardíaca. O con-
trole da frequência pode ser atingido com o uso de beta-
-bloqueadores, digital ou bloqueadores de canais de cálcio.
A cardioversão elétrica ou química deve ser aplicada com
anticoagulação adequada. O uso de antiarrítmicos, como a Figura 9 - Fonocardiograma da insuficiência mitral (SPS – sopro
amiodarona, após a reversão a ritmo sinusal, previne novo protossistólico)
evento de FA em aproximadamente 70% dos pacientes por
ano de reversão da arritmia. Aos pacientes que não man-
têm ritmo sinusal, é indicada a anticoagulação. A - Introdução
b) Valvulotomia mitral com balão Qualquer alteração que cause dilatação ventricular es-
Permite a separação e a fratura dos pontos de calcifica- querda pode determinar o desalinhamento dos músculos
ção na válvula. Além disso, é recomendada aos pacientes papilares, prejudicando a sua função e dilatando o anel
sintomáticos ou assintomáticos com hipertensão pulmonar, valvar, causando a IM. O infarto miocárdico envolvendo
estenose moderada a severa (área valvar <1,5cm2), anato- o músculo papilar ou a parede ventricular que o suporta
mia adequada determinada pelo ecocardiograma (escore pode determinar insuficiência pelo mesmo mecanismo. A
de Wilkins-Block ≤8), sem trombo atrial ou refluxo mitral ruptura da cordoalha valvar pode ocorrer, em especial, em
moderado a importante (minoria dos pacientes). Antes de pacientes com hipertensão ou prolapso valvar mitral.
realizar a valvotomia por balão, deve-se assegurar que não As doenças mais comuns que determinam a IM são a
exista trombo no átrio esquerdo, que é uma contraindica- doença reumática cardíaca e a degeneração mixedemato-
ção ao procedimento pelo risco de embolização sistêmica. sa do prolapso valvar. A endocardite pode destruir os fo-
lhetos valvares, e a calcificação do anel valvar, prejudicar a
c) Tratamento cirúrgico contração sistólica do anel, causando IM. A dilatação atrial
Há 3 opções cirúrgicas terapêuticas para EM: comissu- esquerda de qualquer causa também pode determinar a IM
rotomia fechada, aberta e troca por prótese valvar. A subs- (Figura 10). Alguns casos apresentam vários desses fatores
tituição valvar é indicada a pacientes muito sintomáticos e concomitantemente.

121
CARD I OLOG I A

A IM pode ser dividida em causas orgânicas ou funcionais, como mostra a Tabela 4. As causas orgânicas usualmente
acometem a válvula diretamente, enquanto as causas funcionais têm origem atrial e deixam a válvula intacta.

Figura 10 - Representação da insuficiência mitral

Tabela 4 - Causas orgânicas e funcionais de IM não se adapta ao regime de pré-carga elevada, entrando
Causas orgânicas de IM em falência. A descompensação aguda de IM crônica tam-
- Degeneração mixedematosa (Prolapso Mitral – PM); bém é possível.
- Febre reumática;
- Endocardite infecciosa;
B - Quadro clínico
- Ruptura espontânea de corda tendínea;
a) Sintomas e sinais
- Trauma cardíaco.
Na IM crônica, a história em geral sugere a causa, fre-
Causas funcionais de IM quentemente FR, insuficiência coronariana ou miocardio-
- Insuficiência coronariana; patia. O sintoma mais comum da IM crônica é a dispneia
- Cardiomiopatia hipertrófica ou dilatada; progressiva, inicialmente aos esforços, progredindo para
- Dilatação atrial esquerda. dispneia paroxística noturna e ortopneia. Também pode
ocorrer edema periférico, assim como fibrilação atrial, ge-
Na IM crônica, a forma mais comum de apresentação, rando queixa de palpitação ou outros distúrbios de ritmo.
a IM piora progressivamente de acordo com a evolução da Pode haver, ainda, dor torácica atípica e até crises de pâni-
doença de base. Nessa situação, o miocárdio é apto a adap- co. A IM aguda geralmente é acompanhada de congestão
tar-se ao refluxo valvar, sendo que o aumento da pressão pulmonar exacerbada e súbita, com dispneia acentuada.
atrial esquerda determina dilatação atrial, acompanhada
de hipertensão pulmonar subsequente. Como o volume de b) Exame físico
refluxo atrial retorna para o ventrículo na diástole conjunta- - IM crônica: nessa situação, a frequência cardíaca pode
mente com o volume sistólico normal atrial, há sobrecarga estar aumentada por FA ou insuficiência cardíaca. O
ventricular esquerda que evolui com miocardiopatia ventri- pulso carotídeo, em geral, é curto e de baixa amplitu-
cular dilatada hipertrófica excêntrica. Inicialmente, não há de. A avaliação da pressão arterial mostra a PA pinça-
impacto clínico, pois o ventrículo é capaz de compensar a da. Sinais de insuficiência cardíaca podem estar pre-
sobrecarga. Com a progressão da IM, a dilatação ventricular sentes (edema periférico, ritmo de galope, congestão
sofre desadaptação, e a insuficiência cardíaca se manifesta. pulmonar), e o aumento do ventrículo esquerdo pode
A apresentação clínica da IM aguda é diferente, pois não gerar intensificação do pulso apical. A 1ª e a 2ª bulhas
há tempo para a adaptação ventricular, geralmente ocor- são normais na vigência de hipertensão pulmonar, e
rendo congestão pulmonar aguda por aumento das pres- a 3ª bulha pode ser comumente observada devido à
sões atriais e pulmonares. O ventrículo esquerdo também sobrecarga volêmica, mas não necessariamente ca-

122
VALVULOPATIAS

racteriza insuficiência cardíaca. Já a 4ª bulha é rara. dado muito importante de estudos recentes mostra que
O sopro característico é holossistólico e mais bem ob- mesmo pacientes assintomáticos sem tratamento devem
servado no ápice cardíaco com irradiação para a axila. realizar ecocardiograma. Nesses casos, um orifício valvar
No PM, o sopro pode ser “em crescendo” e tardio na >40mm2 associa-se a maior mortalidade.
sístole, acompanhado de estalido mesossistólico de - Medicina nuclear: a avaliação por cintilografia mostra
abertura; a estimativa da fração de ejeção que reflui para o átrio
- IM aguda: os achados de exame físico são mais varia- esquerdo, permitindo avaliar o quanto do volume sis-
dos. Com o aumento agudo da pressão do átrio es- tólico efetivo é atribuído ao volume que reflui para o

CARDIOLOGIA
querdo, há equalização das pressões entre as câmaras, átrio. Tal fração do volume sistólico está relacionada
determinando queda do gradiente de pressão trans- com o prognóstico. A avaliação de isquemia miocárdi-
valvar. Surge, então, um sopro sistólico precoce e não ca por cintilografia também auxilia no manuseio da IM.
mais holossistólico, característico da disfunção crônica No entanto, o exame angiográfico para a confirmação
da IM. A congestão pulmonar, invariavelmente, acom- do diagnóstico de insuficiência coronariana é o indica-
panha o quadro, podendo haver sinais de insuficiência do, também, para a definição desse diagnóstico;
cardíaca direita;
- Cateterismo cardíaco: raramente necessário, é mais
- Doença valvar mista: pacientes com IM de etiologia utilizado para investigação de insuficiência coronaria-
reumática habitualmente podem apresentar um com- na e avaliação do risco cirúrgico envolvido na correção
ponente de insuficiência e estenose mitral (dupla le- da IM. Também permite a avaliação das pressões do
são valvar) ou vir acompanhada de outra lesão valvar,
sistema, identificando hipertensão pulmonar.
como a IA. O curso clínico da dupla lesão valvar é se-
melhante ao curso da IM, e o tratamento é semelhan-
te. A IA pode ocorrer tanto por dilatação ventricular
C - Diagnóstico diferencial
como por acometimento direto da doença de base so- Como a manifestação clínica da IM é comum a outras
bre a válvula. Nessa situação, há piora da sobrecarga patologias, o exame físico passa a ser de grande importân-
ventricular, e a evolução para insuficiência cardíaca se cia para o diagnóstico diferencial. O sopro da Insuficiência
acelera. Tricúspide (IT), por exemplo, pode ser percebido no ápice
cardíaco, em especial se há aumento do ventrículo direito.
c) Exames diagnósticos
O diagnóstico diferencial inclui o achado de aumento do so-
- Eletrocardiograma: a IM crônica pode vir acompanha- pro com a inspiração, ondas V amplas no pulso jugular, des-
da de sinais de sobrecarga ventricular esquerda, au-
vio de ventrículo direito e fígado pulsátil. Ambos os sopros,
mento do átrio esquerdo e, mais raramente, de sobre-
da IT e da IM, podem coexistir se há hipertensão pulmonar
carga ventricular direita. Pacientes com insuficiência
associada à IM. Nesse caso, o sopro da IT é mais bem per-
coronariana podem apresentar isquemia miocárdica.
cebido nos bordos esternais direito e esquerdo, e o sopro
O teste de esforço pode ser utilizado para definir a
mitral, da IM, no ápice cardíaco.
classe funcional do paciente, perdendo sensibilidade
O sopro da EA é frequentemente confundido com a IM,
para diagnóstico de doença coronariana em virtude da
sobrecarga ventricular já existente; especialmente quando o sopro desta é atípico e se irradia
para a região aórtica. O sopro da EA, em geral, irradia-se
- Radiografia de tórax: em casos de IM crônica, há o para a região cervical e é comumente acompanhado de B4,
aumento do ventrículo e do átrio esquerdos. Nos qua-
e não há mudança dinâmica do sopro com a inspiração. Ou-
dros severos, podem-se identificar o aumento do ven-
trículo direito e hipertensão pulmonar. Além disso, po- tra forma de diferenciar os 2 sopros é a inalação de almitri-
dem ocorrer sinais de congestão pulmonar e derrame na, potente vasodilatador, que potencializa o sopro aórtico
pleural. Já na IM aguda, há poucos sinais de sobrecarga e suaviza o sopro mitral.
ventricular; Um defeito no septo ventricular pode simular o sopro
- Ecocardiograma: o Doppler permite a identificação do da IM. O paciente com esse defeito tem aumento do ven-
refluxo sistólico pela válvula mitral para o átrio esquer- trículo direito, e frêmito pode ser palpado na caixa toráci-
do, confirmando o diagnóstico, além de poder graduar ca. O sopro da Cardiomiopatia Hipertrófica (CH) pode ser
a severidade da lesão. Permite, também, a avaliação confundido com o da IM, e o maior achado que diferen-
anatômica da válvula para definir onde ocorre o defei- cia tais sopros são a piora do sopro da CH na manobra de
to que possibilita o refluxo. Valsalva e a diminuição do sopro da IM com essa mesma
manobra.
A avaliação do tamanho do átrio e do ventrículo esquer- O sopro do PM pode ser de difícil diferenciação do so-
dos também possibilita estimar a gravidade da lesão. Curio- pro da CH, pois ambos se comportam da mesma forma
samente, a IM de intensidade leve ao ecocardiograma não nas manobras propedêuticas de diferenciação. No PM, em
está relacionada ao achado de sopro ao exame físico. Um geral há estalido mesossistólico, enquanto é perceptível

123
CARD I OLOG I A

a hipertrofia ventricular esquerda na palpação do tórax e Eventualmente, os pacientes com IM aguda ou crôni-
B4, na CH. ca moderadamente severa necessitam de cirurgia. O mo-
O grande diagnóstico diferencial da IM aguda é o Defei- mento certo para indicação cirúrgica é fundamental, pois
to de Septo Ventricular (DSV) porque a maioria acontece os pacientes que desenvolvem sintomatologia intensa, di-
na vigência do infarto do miocárdio. O frêmito palpável e o latação ventricular, disfunção ventricular (FE menor que
aumento do ventrículo direito são mais comuns. Outro sinal 30%) e hipertensão pulmonar não apresentam grande me-
importante é que a dispneia no DSV é menor do que na IM. lhora após a cirurgia. Por outro lado, caso sejam operados
mais cedo, é bem provável a recuperação para um quadro
D - Tratamento assintomático.

a) Tratamento farmacológico As indicações para troca de valva mitral são, em resumo:


Os vasodilatadores são úteis na IM aguda (de prefe- - IM severa sintomática associada a um dos seguintes
rência, os parenterais) para diminuir a pressão de aorta e fatores:
a impedância, favorecendo o esvaziamento ventricular e
• IM aguda;
reduzindo o volume de refluxo para o átrio. A diminuição
do tamanho das câmaras dilatadas também favorece a me- • IM crônica sem disfunção ventricular (FE >30%) ou
lhora do débito cardíaco. Podem ser utilizados a hidralazina dilatação ventricular;
e o nitroprussiato de sódio. Quanto à IM crônica, o uso de • Se FE <30%, considerar se o mecanismo da insufici-
medicações tem impacto duvidoso (a pós-carga não está ência é realmente valvar e não secundário a cardio-
aumentada nessas situações, e não há a necessidade de re- patia de base.
duzi-la), e o grupo que parece ter benefício é o de pacientes
com IM secundária à disfunção do ventrículo esquerdo. Em - IM severa assintomática associada a um dos seguin-
todo caso, terapia vasodilatadora está indicada a todo pa- tes fatores:
ciente sintomático ainda não candidato à cirurgia. Pacientes
• FE entre 30 e 60%;
com disfunção valvar leve ou moderada não se beneficiam
dessas medicações em termos de mortalidade, e, nos qua- • Função ventricular preservada e FA recente;
dros graves, é melhor o tratamento cirúrgico. • Hipertensão pulmonar.
b) Digoxina
A cirurgia para correção isolada de refluxos leves a mo-
É útil na FA para controle da frequência cardíaca, já o derados não deve ser indicada (classe III).
benefício dos pacientes com IM e ritmo sinusal é incerto.
O início de sintomas de insuficiência cardíaca também
c) Anticoagulação oral deve ser considerado na decisão do tratamento cirúrgico.
É indicada a pacientes com FA e EM concomitante. Alguns pacientes ficam sintomáticos antes de desenvolve-
Quanto aos indivíduos com disfunção valvar moderada a rem alterações hemodinâmicas da IM.
severa, aumento do ventrículo e átrio esquerdos e que es- Outros fatores devem ser considerados na decisão
tejam em ritmo sinusal com função ventricular normal, o do momento e do tipo da cirurgia (reparo da válvula ou
benefício da anticoagulação é incerto. substituição por material biológico ou metálico). Pacien-
tes com ruptura da cordoalha, PM ou ruptura de músculo
d) Profilaxia com antibióticos
papilar podem ter a válvula corrigida, enquanto indivídu-
Todos os pacientes com IM necessitam de profilaxia os com fusão da cordoalha, deformidades valvares acen-
para prevenir a endocardite bacteriana. A profilaxia secun- tuadas e endocardite infecciosa em geral necessitam de
dária a pacientes com FR também está indicada. substituição da válvula. O reparo valvar é preferível por
e) Tratamento cirúrgico não necessitar de anticoagulação perene após a cirurgia,
Pessoas com disfunção aguda, severa ou descompensa- além de estar associado a melhor recuperação da função
ção da IM crônica severa necessitam de tratamento cirúr- ventricular.
gico, caso as condições clínicas o permitam. Tais pacientes Quando é necessária a troca da válvula, a função ven-
podem ser estabilizados com vasodilatadores e diuréticos. tricular pode ser preservada, deixando intacto o sistema de
Na falha terapêutica das medicações, é indicado o balão cordoalhas. A escolha do material da válvula também in-
intra-aórtico, pois determina redução da pressão sistólica fluencia o tempo de cirurgia. As válvulas metálicas apresen-
do ventrículo esquerdo e reduz a pressão diastólica da aor- tam maior durabilidade, porém necessitam de anticoagula-
ta, melhorando a contratilidade ventricular. A maioria dos ção perene. Já as biológicas podem ser utilizadas quando a
doentes torna-se estável com tais medidas, permitindo o longevidade da prótese não é uma preocupação (duração
tratamento cirúrgico. de cerca de 10 a 15 anos) ou quando tem de ser evitada a
anticoagulação.

124
VALVULOPATIAS

E - Prognóstico
A IM crônica tem evolução semelhante à IA e EM crô-
nicas. A causa da IM influencia, também, o prognóstico;
pacientes com causa isquêmica associada têm prognóstico
pior, e a degeneração valvar mixedematosa tem o melhor
prognóstico. Já o da lesão associada à FR tem posição inter-
mediária. A ocorrência de endocardite muda o prognóstico,

CARDIOLOGIA
assim como a descompensação aguda de uma IM crônica.
E é pior o prognóstico na IM aguda com edema pulmonar e
sintomas severos.

F - Prolapso de válvula mitral


O PM é a valvulopatia mais frequente e ocorre entre 10
e 15% da população e é patologia associada a complicações Figura 11 - Alterações em válvula tricúspide
como endocardite, fenômenos embólicos, IC e necessida-
de de reparo cirúrgico. Também é causa de IM. É definido
como a projeção de 1 ou mais folhetos da válvula em direção
B - Etiologia e fisiopatologia
ao átrio esquerdo durante a sístole. Manifesta-se por um click A válvula tricúspide é composta por 3 folhetos de tama-
mesossistólico seguido de sopro sistólico tardio, melhor nho desigual (anterior >septal >posterior), e os músculos
percebido em ápice cardíaco de abertura. O diagnóstico papilares não são tão bem definidos quanto os das câmaras
definitivo é controverso, já que não há consenso sobre os esquerdas. A alteração de qualquer um dos componentes
critérios ecocardiográficos no método bidimensional. O tra- valvares pode determinar disfunção.
tamento do paciente assintomático é o seguimento. Naque-
les com fenômenos cardioembólicos, a anticoagulação deve C - Insuficiência tricúspide
ser considerada, assim como a profilaxia da febre reumática A IT, em geral, ocorre por dilatação do anel valvar ou
nos portadores de PM. disfunção da musculatura papilar, sendo comumente uma
insuficiência funcional. Na maioria das vezes, é causada por
5. Estenose tricúspide e insuficiência tri- doença ventricular esquerda (doença mitral), porém altera-
ções da vasculatura pulmonar ou do ventrículo direito po-
cúspide dem determinar a disfunção.
- São características da Estenose Tricúspide (ET): Quando a causa é reumática, quase sempre ocorre o
acometimento valvar mitral associado, e a disfunção tri-
• Onda A proeminente e onda Y reduzida no pulso
cúspide é leve. A endocardite da válvula em geral acontece
venoso jugular;
entre usuários de drogas intravenosas, e o Staphylococcus
• Sopro diastólico na borda esternal esquerda que au-
aureus é o agente mais comum, seguido de subtipos de
menta com a inspiração;
Pseudomonas e Candida sp.
• Achados característicos ao ecocardiograma. É importante lembrar-se de etiologia fúngica quando a
vegetação é grande, podendo causar obstrução do anel val-
- São características da Insuficiência Tricúspide (IT): var. A perfuração ou a ruptura da cordoalha podem deter-
• Onda V proeminente no pulso venoso jugular; minar insuficiência valvar. Tumores carcinoides são causas
• Sopro sistólico na borda esternal esquerda que au- das raras doenças valvares pulmonares e/ou tricúspides. O
menta com a inspiração; prolapso de válvula tricúspide é visto, quase exclusivamen-
• Achados característicos ao ecocardiograma. te, em pacientes com PM, além de ser um componente fre-
quente da anomalia de Ebstein.
A - Introdução A IT de intensidade moderada pode complicar-se em até
25% dos casos de lúpus eritematoso sistêmico por hiper-
A frequência do acometimento valvar tricúspide (Figura tensão pulmonar. A endocardite de Libman-Sacks envolven-
11) tem aumentado ao longo do tempo por haver associa- do a válvula tricúspide é muito menos comum. A síndrome
ção direta ao uso intravenoso de drogas, de cateteres de antifosfolípide pode cursar com acometimento da válvula.
longa permanência, dispositivos cardíacos implantáveis e Também pode surgir a IT como complicação tardia da troca
pacientes imunossuprimidos. de válvula mitral.

125
CARD I OLOG I A

D - Estenose tricúspide
A ET é uma lesão incomum e usualmente acompanha a
estenose mitral, tendo como principal causa a reumática. O
acometimento isolado da válvula é raro. Pode ter etiologia
congênita e surgir após tratamento com metisergida.

E - Achados clínicos
Figura 12 - Registro da onda pressórica do pulso venoso jugular e
a) Sinais e sintomas suas relações com o complexo QRS e o fonocardiograma
O reconhecimento clínico da doença é difícil e, em
geral, obscurecido pela doença associada. Os achados - Ausculta cardíaca da IT: quando o ventrículo direito é
mais frequentes são sintomas não considerados de ori- muito dilatado, a localização do sopro pode ser deslo-
cada para a esquerda, sugerindo IM. O aumento inspi-
gem cardíaca: dor abdominal, icterícia, perda de peso e
ratório do sopro holossistólico em foco tricúspide é a
inanição. As queixas cardiológicas, usualmente, estão as-
marca dessa disfunção valvar. Quando a insuficiência
sociadas a outras disfunções valvares. Já a história, nor-
ventricular direita é marcante, pode não ocorrer au-
malmente, é pobre, e o exame físico fornece mais dados
mento do sopro com a inspiração. Geralmente, não se
para o diagnóstico. palpa o frêmito cardíaco;
b) Exame físico - Ausculta cardíaca da ET: um estalido de abertura da
- Pulso venoso jugular: a pressão atrial direita pode válvula tricúspide é de difícil diferenciação com rela-
ser estimada por meio do pulso venoso jugular. Há ção ao estalido de abertura da válvula mitral. O sopro
da ET aumenta com a inspiração, pode ser mais bem
3 ondas (A, C, V) ascendentes e 2 (X e Y) descenden-
avaliado na borda esternal esquerda e, geralmente, é
tes. A onda A e a 1ª descendente (X) são produzidas,
rude. Ambas as disfunções valvares podem determinar
respectivamente, por contração e relaxamento atrial.
disfunção hepática pelo aumento da pressão venosa
A onda X é interrompida pela onda C, que é causada no território da cava inferior.
pela contração isovolumétrica do ventrículo direito
com projeção em direção ao átrio, devido ao fecha- F - Exames diagnósticos
mento da valva tricúspide (alguns autores acreditam
que a onda C se relaciona à transmissão de pressão a) Eletrocardiograma
do pulso carotídeo na sístole ventricular). A onda V Ondas P características de aumento atrial direito sem
representa o enchimento atrial passivo, estando a evidência de sobrecarga ventricular direita sugerem ET, e a
valva tricúspide fechada; o cume dessa onda corres- FA é frequente.
ponde à abertura da valva tricúspide, que acontece
b) Radiografia de tórax
no momento do fechamento da valva pulmonar (2ª
A cardiomegalia ocorre na ET com uma borda cardía-
bulha). A doença valvar tricúspide é, tipicamente,
ca direita proeminente em virtude do aumento do átrio
associada ao aumento da pressão venosa central,
direito e dilatação das veias cava superior e ázigo. Na IT,
que pode ser identificado através da análise do pul-
podem ocorrer derrame pleural e elevação do diafragma
so jugular. Na IT, ocorrem uma onda mesossistólica por ascite.
S e uma onda Y proeminente (passagem rápida de
todo sangue proveniente do retorno venoso somado c) Ecocardiograma
ao sangue que refluiu do ventrículo direito na sístole Exame de escolha permite definir se existe associação
devido à incompetência da valva tricúspide, levando entre outra doença, como o mixoma atrial, e a patologia pri-
a queda rápida da pressão atrial). Na ET, a onda A mária da válvula. Na IT, o exame evidencia sobrecarga ven-
torna-se muito proeminente, e a Y muito discreta (o tricular direita e movimentação paradoxal do septo, permi-
sangue encontra dificuldade de passar do átrio para tindo estimar o gradiente transvalvar. A válvula encontra-se
espessada e com mobilidade diminuída na ET.
o ventrículo direito).
d) Cateterismo cardíaco
A seguir, a Figura 12 demonstra as ondas do pulso veno-
Na IT e na ET, é possível identificar ondas características
so jugular normais e sua relação com o complexo QRS e o que compõem o pulso venoso jugular.
fonocardiograma.

126
VALVULOPATIAS

G - Tratamento repercussão clínica da IP é mínima, raramente necessitan-


do de troca valvar. O acometimento reumático da válvula
A IT é bem tolerada na ausência de hipertensão pulmo- é raro.
nar; quando esta ocorre, surge a insuficiência ventricular A EP é de origem congênita em 95% dos casos, e a for-
direita. A restrição de sódio e o uso de diuréticos de alça ma adquirida da doença tem a doença cardíaca carcinoide
diminuem a pressão do átrio direito. O tratamento da do- como causa mais comum.
ença associada também é importante. A ET sintomática é
tratada cirurgicamente com reparo ou troca da válvula por B - Sinais e sintomas

CARDIOLOGIA
prótese biológica ou metálica. Já a correção cirúrgica da IT é
de indicação mais difícil. Comumente, é indicada interven- Como na doença tricúspide, os sintomas da doença pul-
ção quando a valva mitral tem indicação de abordagem ou monar podem ser súbitos e associados à doença de base.
quando o paciente apresenta sintomas. Pacientes com IP são frequentemente assintomáticos, ex-
ceto quando surge a HP, e indivíduos com EP também não
apresentam sintomas; nestes casos, ocorrem dispneia, dor
6. Insuficiência pulmonar e estenose pul-
torácica e fadiga quando se eleva o gradiente transvalvar.
monar Exame físico:
- São características da Insuficiência Pulmonar (IP): - Pulso venoso jugular: onda venosa jugular – a presen-
• Sopro diastólico na borda superior esquerda ester- ça de estenose pulmonar é sugerida por uma onda A
nal que aumenta com a inspiração; proeminente na vigência de uma pressão venosa cen-
• Desdobramento de 2ª bulha, hiperfonética no foco tral normal;
pulmonar; - Ausculta cardíaca: na IP, o componente pulmonar de
• Achados ecocardiográficos característicos. B2 é usualmente hipofonético porque a maior parte
dos doentes tem HP. Ritmo de galope e B3 podem
- São características da Estenose Pulmonar (EP) (Figura 13): ser encontrados na região paraesternal esquerda. Na
• Sopro sistólico no 2º espaço intercostal esquerdo ausência de HP, o sopro é de baixa frequência, dias-
precedido de click sistólico; tólico, com padrão crescente-decrescente, mais bem
• Desdobramento de 2ª bulha, hipofonética em foco avaliado no 3º ou no 4º espaço intercostal esquerdo. O
pulmonar; sopro de Graham-Steel ocorre na região paraesternal
• Achados ecocardiográficos característicos. esquerda entre o 2º e o 3º espaço intercostal, decres-
cente, indicando hipertensão pulmonar intensa. Na EP,
a B2 se desdobra proporcionalmente ao grau de este-
nose. O sopro pode estar associado ao frêmito, e o pul-
so do ventrículo direito pode ser palpado.

C - Exames diagnósticos
- Eletrocardiograma: tanto a EP quanto a IP podem de-
monstrar o aumento das câmaras cardíacas direitas.
O bloqueio de ramo direito, o desvio do eixo para a
direita e a hipertrofia ventricular direita são achados
típicos. EP leve ou moderada habitualmente apresenta
exame normal;
- Radiografia de tórax: aumento não específico do ven-
trículo direito e das artérias pulmonares pode ser ob-
Figura 13 - Representação de válvula pulmonar estenosada servado na EP;
- Ecocardiograma: determina a natureza, o local e a se-
veridade da estenose e da insuficiência. Além disso,
A - Introdução identifica sinais de HP;
A IP é frequente na vigência de hipertensão pulmonar, - Cateterismo cardíaco: desnecessário.
acontece por dilatação do anel valvar pulmonar e pode ser
precipitada por qualquer causa de HP. Também são causas D - Tratamento
a dilatação idiopática do tronco pulmonar e a síndrome de
Marfan. A endocardite bacteriana pode determinar IP por É raro que a IP necessite de tratamento específico; é
obstrução direta do anel valvar pela vegetação. Em geral, a melhorada com o tratamento de condições predisponen-

127
CARD I OLOG I A

tes, como a HP e a endocardite. A EP tem sido resolvida,


com grande sucesso, por meio da valvoplastia por balão. O
tratamento baseia-se na severidade da doença, e os pacien-
tes com doença moderada e severa sintomática podem ser
tratados por essa modalidade terapêutica.

E - Prognóstico
Geralmente, é muito bom. Quanto a pacientes com IP,
pode ser influenciado por fatores como a HP.

7. Resumo
Quadro-resumo
Estenose aórtica
- Sintomas de angina, dispneia aos esforços, síncope de esforço,
sopro sistólico ejetivo com irradiação para carótidas, pulso par-
vus e tardus;
- Tratamento com diuréticos, digitálicos, e vasodilatadores, exceto
IECA para EA grave e troca valvar ou valvoplastia por cateterismo.
Insuficiência aórtica
- Assintomático até palpitações e angina; evolução para IC com
dispneia e ortopneia; PA diastólica mais baixa;
- Sopro diastólico leve, decrescente no 3º EI; quando percebido no
ápice cardíaco, é chamado sopro de Austin-Flint;
- Segmento nos quadros leves e moderados; vasodilatadores, diu-
réticos e nitratos para controle dos sintomas, enquanto se aguar-
da a cirurgia para os casos mais sintomáticos.
Estenose mitral
- Dispneia ao esforço, ortopneia e dispneia paroxística noturna;
- Estalido de abertura, B1 hiperfonética e sopro diastólico ruflante;
- FA é frequente;
- Diuréticos e restrição de sal na congestão; valvulotomia mitral
com balão ou troca valvar.
Insuficiência mitral
- Dispneia progressiva, ortopneia, edema periférico;
- Sopro sistólico apical;
- Vasodilatadores, tratamento cirúrgico para descompensações de
repetição.

128
CAPÍTULO

14
Miocardites

José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado

1. Critérios diagnósticos - Dano direto de miócitos pelo agente infeccioso;


- Insuficiência cardíaca congestiva nova com história de - Dano de miócito causado por uma toxina como a da
difteria pelo Corynebacterium;
síndrome virótica antecedente;
- Marcadores cardíacos alterados; - Dano de miócito como resultado de reação imune in-
duzida pela infecção.
- ECG com taquicardia sinusal, alterações não específi-
cas de ST, arritmias atriais ou ventriculares ou altera- A hipótese de autoimunidade é a teoria mais ampla-
ções de condução;
mente aceita. Parece que a infecção viral determina uma
- Ecocardiograma com aumento de câmaras, discinesias resposta autoimune. São predispostos pacientes imuno-
de paredes ventriculares, deficiência sistólica ou dias-
comprometidos, como mulheres grávidas e pacientes com
tólica ou trombo mural;
AIDS. A suscetibilidade para miocardite virótica também
- Biópsia de endomiocárdio com infiltrado inflamatório tem relação com idade mais avançada e história familiar.
associado a dano de miócitos.
Tabela 1 - Causas de miocardites
A - Definição Causas infecciosas
A miocardite é definida como um processo inflamatório - Virais;
com necrose que envolve o miocárdio. Sua marca histológi- - Coxsackie vírus B;
ca é um infiltrado inflamatório localizado ou generalizado, - CMV;
com dano ao miócito adjacente. A inflamação pode não ser - Epstein-Barr;
restrita ao miocárdio, mas pode envolver endocárdio adja-
- Adenovírus;
cente, pericárdio e estruturas valvulares.
- HIV;
B - Etiologia - Hepatite C;
- Rubéola;
Em geral, tem início com infecção viral (Tabela 1). Po-
rém, o começo do processo patológico pode ser resultado - Dengue;
de uma variedade de insultos, como drogas, toxinas, rea- - Febre amarela;
ções de hipersensibilidade, doenças vasculares do colágeno - Sarampo;
e reações autoimunes. O agente mais comum, associado - Varicela;
à miocardite em indivíduos imunocompetentes, é o vírus - Bacterianas;
coxsackie humano B. Outros vírus, bactérias, rickéttsias, es- - Sífilis;
piroquetas, fungos, protozoários ou metazoários também
- Tuberculose;
podem levar a miocardite, todavia de forma rara. Foram
propostos vários mecanismos de dano miocárdico: - Cocos Gram positivos;

129
C ARD I OLOG I A

Causas infecciosas mal-estar, fadiga, artralgias, mialgias e erupção cutânea


- Hemófilo; de pele. Desconforto torácico é um sintoma comum (35%
dos casos) e tipicamente pericárdico em natureza; também
- Clamídia;
pode haver dor isquêmica ou dor atípica.
- Micoplasma;
Ocasionalmente, os pacientes apresentam quadro com-
- Leptospirose; patível com infarto do miocárdio por dor torácica aguda,
- Meningococo; eletrocardiograma com alterações e isoenzimas cardíacas
- Micoses sistêmicas; elevadas ou evidência de anormalidades de movimentos de
- Protozoários; paredes ventriculares esquerdas. Foram implicados arteri-
- Helmintíases; te coronária virótica e vasoespasmo como as causas dessa
síndrome; as artérias coronárias epicárdicas são, em geral,
- Rickéttsias.
extensamente patentes.
Causas não infecciosas O início abrupto de sintomas de ICC em paciente jovem
- Cardiotoxinas; ou em paciente sem doença de artéria coronária conhe-
- Catecolaminas; cida frequentemente sugere o diagnóstico de miocardite.
- Cocaína; Podem estar presentes sintomas clássicos de IC, inclusive
- Metais pesados; dispneia, cansaço e diminuição da tolerância ao exercício e
- Álcool; palpitações. Tal constelação de sinais e sintomas pode ser
indistinguível da miocardiopatia dilatada. Podem ocorrer
- Arsênico;
morte súbita por arritmias ventriculares malignas ou blo-
- Monóxido de carbono; queio AV total e tromboembolismo pulmonar.
- Antraciclinas;
- Reações de hipersensibilidade;
3. Exame físico
- Antibióticos;
Os resultados no exame físico variam bastante. As ou-
- Diuréticos;
tras manifestações de uma doença viral dominam o quadro
- Lítio;
clínico, e o envolvimento miocárdico pode se tornar mais
- Toxoide tetânico; evidente no curso da doença. Doença cardíaca preexistente
- Clozapina; pode obscurecer os resultados de miocardite em exames.
- Picada de insetos e cobras; E taquicardia, hipotensão e febre são associadas à miocar-
- Doenças sistêmicas; dite.
- Colagenoses; A taquicardia pode ser desproporcional ao grau de fe-
bre. Raramente, é vista bradicardia, e uma pressão de pulso
- Sarcoidose;
pinçada é encontrada ocasionalmente. Sopros de insufici-
- Doença celíaca;
ência mitral ou tricúspide são comuns, mas sopros diastóli-
- Doença de Kawasaki; cos são raros; podem ser encontradas B3 e galopes de B4.
- Hipereosinofilia; Colapso circulatório e choque podem acontecer, mas rara-
- Granulomatose de Wegener; mente.
- Tireotoxicose.
4. Exames diagnósticos
2. Sintomas e sinais
A miocardite, em geral, é assintomática, sem evidência A - Eletrocardiograma
de deficiência orgânica ventricular esquerda. O envolvi- As mudanças são, com frequência, inespecíficas e apa-
mento miocárdico pode ser obscurecido ou completamen- recem, normalmente, nas primeiras 2 semanas da doença.
te mascarado pelos sintomas constitucionais da doença ou A anormalidade mais comum é a taquicardia sinusal. Blo-
outra deficiência orgânica. Quando surgem os sintomas queios de condução AV são possíveis, porém reversíveis,
cardíacos, geralmente resultam da deficiência ventricular necessitando de marca-passo temporário. Extrassistolia
esquerda sistólica ou diastólica ou de taquiarritmias ou bra- ventricular pode ser o único sinal sugestivo.
diarritmias. Dias ou semanas após uma doença febril agu-
da, particularmente uma síndrome influenza-like, surgem B - Radiografia de tórax
os sintomas de miocardite. A radiografia de tórax pode ser normal ou apresentar
No momento do diagnóstico, 60% dos pacientes com cardiomegalia moderada com acometimento uni ou bica-
miocardite ativa descreveram uma síndrome virótica pré- meral. A silhueta cardíaca também pode ser “em moringa”
via. Sintomas constitucionais comuns incluíram febre, na presença do derrame pericárdico.

130
MIOCARDITES

H - Outros testes
A elevação do VHS está presente em por volta de 60%
dos pacientes com miocardite ativa. Se elevado, o VHS pode
ser útil monitorizando o curso da doença e a efetividade de
terapia. A precisão desse teste pode ser afetada por conges-
tão hepática coexistente ou hepatite; tais condições dimi-
nuem a síntese de fibrinogênio e reduzem o valor do VHS.

CARDIOLOGIA
Leucocitose moderada ocorre em, aproximadamente,
25% dos pacientes, juntamente com neutrofilia ou linfocito-
se e, ocasionalmente, eosinofilia, em especial em doenças
parasitárias. A porcentagem de eosinófilos também pode
aumentar na fase de recuperação de miocardite.
A fração CPK-MB é elevada em quase 6% dos pacientes,
nos quais o grau de elevação é proporcional aos danos dos
Figura 1 - Derrame pericárdico na miocardite miócitos. A troponina cardíaca é um marcador sensível e
específico para dano de miócito na miocardite. A medida
C - Ecocardiografia dos títulos de anticorpos de soro para vários vírus cardio-
trópicos é útil para estabelecer exposição a tais agentes.
A deficiência sistólica ventricular geralmente é vista em
Além disso, a recuperação viral só é normalmente possível
pacientes com IC. Anormalidades de movimento de pare-
durante a fase aguda da doença, quando está acontecendo
des regionais que imitam um infarto miocárdico são surpre-
a replicação ativa. Como essa fase não se associa ao dano
endentemente comuns, porém a hipocinesia global tam-
virótico, é mínimo o rendimento diagnóstico de culturas
bém pode acontecer. A cavidade ventricular esquerda pode
de amostras miocárdicas obtido por biópsia de endomio-
ser normal em tamanho ou minimamente aumentada, mas
cárdio. Sorologias para CMV, vírus Epstein-Barr e hepatite
pode estar notadamente aumentada na doença fulminan-
podem ajudar no diagnóstico. A técnica de PCR aplicada no
te. Ecocardiografia também é útil em demonstrar anormali-
material da biópsia pode ajudar a identificar um subgrupo
dades de enchimento diastólico. São obtidos ecocardiogra-
de pacientes com miocardite linfocítica ativa que podem
mas geralmente seriados para avaliar o curso da doença.
beneficiar-se do uso de imunossupressão com prednisona
A insuficiência mitral ou tricúspide pode estar presente, e
e azatioprina. A análise imuno-histoquímica na biópsia tam-
trombos murais acontecem em cerca de 15% dos casos.
bém pode fornecer tal informação, desde que se identifique
um aumento na expressão do antígeno HLA.
D - Ventriculografia com radioisótopos
Esta técnica oferece estimativas precisas de volumes de I - Ressonância nuclear magnética
câmara, além de frações de ejeção esquerda e direita.
Realizada com gadolínio, pode detectar edema no mio-
cárdio e dano aos miócitos.
E - Imagem com gálio-67
Este é um método altamente sensível por identificar in- 5. Tratamento
flamação ativa do miocárdio e pericárdio. Infelizmente, sua
utilidade técnica se encontra limitada, devido à sua falta de Os pacientes com miocardite aguda suspeita devem ser
especificidade. hospitalizados e monitorizados de perto para evidência de
piora da IC, arritmias, distúrbios de condução ou êmbolos.
F - Cateterização cardíaca Repouso no leito é essencial, e devem ser interrompidas
atividades que aumentam carga de trabalho cardíaco.
Não é executada habitualmente em todos os casos de
Não há benefício comprovado de terapia antiviral nos
miocardite, todavia pode auxiliar no diagnóstico diferencial
casos específicos. Antipiréticos devem ser dados a pacien-
quando a apresentação clínica sugere a síndrome corona-
tes febris, e analgésicos são úteis no controle da dor toráci-
riana aguda.
ca e pleuropericárdica. O consumo de cigarros e álcool deve
ser interrompido. Indivíduos com IC devem ser tratados
G - Biópsia endomiocárdica com restrição de sódio e fluidos e administração de diuréti-
Padrão-ouro para o diagnóstico de miocardite, é um cos, inibidores de conversão da angiotensina, beta-bloque-
procedimento invasivo, embora envolva apenas morbidez adores e espironolactona.
mínima e desconforto. São obtidos de 4 a 6 fragmentos de Pessoas com doença fulminante que se manifesta como
tecido do lado direito do septo interventricular. Devido ao choque cardiogênico necessitam de vasodilatadores intra-
caráter focal e migratório das lesões, o exame apresenta venosos e agentes inotrópicos, como dobutamina ou milri-
sensibilidade de apenas 60%. Sua especificidade é de 80%. nona. Ocasionalmente, alguns casos podem ser refratários

131
C ARD I OLOG I A

a medidas conservadoras e requerer balão intra-aórtico ou


dispositivo de assistência ventricular esquerda. Como últi-
mo recurso, o transplante cardíaco pode ser considerado a
pacientes com miocardite aguda se todas as outras medidas
falham e a sua condição piora rapidamente.
Terapia de anticoagulação é indicada àqueles com êm-
bolos sistêmicos ou pulmonares ou trombos murais desco-
bertos por ecocardiografia ou ventriculografia. Pacientes
com miocardite ativa e até mesmo insuficiência ventricu-
lar esquerda moderada devem receber anticoagulação
em virtude do aumento de eventos embólicos. Globulina
hiperimune intravenosa foi sugerida como útil em alguns
relatos, e a imunossupressão tem resultados desanimado-
res. O prognóstico da miocardite de células gigantes é mui-
to ruim, e o imunossupressor pode ser útil. Outra situação
para a qual a terapia imunossupressora pode ser indicada
é a miocardite associada a doenças imunes subjacentes,
como lúpus. Nas formas crônicas, bem como na miocardite
por células gigantes idiopática, o tratamento definitivo é o
transplante.

6. Prognóstico
A maioria dos pacientes com miocardite tem doença
autolimitada, assintomática e sem deficiência orgânica car-
díaca residual. Pacientes sintomáticos têm um prognóstico
ruim e podem recuperar-se espontaneamente a qualquer
momento durante a doença, e o grau de disfunção ventricu-
lar pode estabilizar-se ou progredir para cardiomiopatia di-
latada. Infelizmente, uma porcentagem significativa de tais
indivíduos tem morte súbita. O prognóstico global é pobre,
e a taxa de mortalidade cumulativa calculada em 5 anos, de
cerca de 55%.

7. Resumo
Quadro-resumo
- IC de início recente associado a quadro viral prévio;
- Marcadores de lesão miocárdica alterados;
- ECG com alterações da condução AV, repolarização ventricu-
lar e arritmias atriais ou ventriculares;
- Ecocardiograma com aumento de câmaras cardíacas e disfun-
ção sistólica ou diastólica;
- A lesão direta do miócito e a reação imunológica cruzada são
explicações fisiopatológicas da miocardite;
- A biópsia do miocárdio é o exame padrão-ouro para o diag-
nóstico;
- Não há tratamento específico efetivo para a miocardite, fican-
do o tratamento da IC a estratégia mais adequada, enquanto
se aguarda a resolução da miocardite.

132
CAPÍTULO

15
Doenças do pericárdio

José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado

1. Pericardites infecciosas rapidamente com instabilidade hemodinâmica, podendo


ainda determinar retardo diagnóstico por sobreposição do
choque séptico. Devido a alta mortalidade (de 65 a 77%),
A - Viral a pericardite bacteriana deve ser vista como emergência
Provavelmente, a maior parte das pericardites idiopá- médica.
ticas tem como causa uma infecção viral não identificada.
A possibilidade de etiologia viral é sugerida quando a pe- C - Pericardite por tuberculose
ricardite acontece na ausência de outros fatores. Um qua- Nos pacientes imunossuprimidos, a tuberculose conti-
dro respiratório viral geralmente precede a pericardite, e nua a ser uma causa de derrame pericárdico, principalmen-
os agentes virais mais comuns associados a ela incluem os te quando há associação a infecção pelo HIV. Geralmente,
vírus coxsackie B (o mais comum), coxsackie A e HIV. Apesar ocorre sem quadro pulmonar evidente associado.
de vários vírus terem sido envolvidos na gênese da patolo- Os sintomas podem ser não específicos ou insidiosos.
gia, nenhum tratamento antiviral é recomendado. Os achados são predominantemente sistêmicos, e o atrito
pericárdico só é encontrado na minoria dos casos. Com fre-
B - Bacteriana quência, ocorre o tamponamento, e há grande quantidade
A pericardite bacteriana pode ocorrer após uma cirurgia de líquido pericárdico. A restrição diastólica é complicação
torácica ou como infecção por continuidade de focos me- tardia por pericardite constritiva.
diastinais, pleurais, pulmonares, endocardite bacteriana ou A pesquisa direta do bacilo é positiva em apenas 1/3 dos
bacteremia sistêmica. A extensão direta de uma pneumonia casos, cujo diagnóstico acaba sendo firmado com base em
ou empiema por bactérias como Staphylococcus sp, pneu- reações cutâneas (PPD) e na história de exposição do por-
mococo e Streptococcus é responsável pela maioria dos tador ao bacilo. Níveis elevados de adenosina deaminase
casos. A existência prévia de derrame pericárdico e de es- (ADA) no líquido pericárdico têm alta sensibilidade e espe-
tados de imunossupressão são fatores predisponentes im- cificidade diagnóstica. A cultura do líquido pericárdico e a
portantes. As manifestações clínicas mais comuns incluem identificação de granuloma em biópsia também confirmam
febre, calafrios, suores noturnos, dispneia, dor pleurítica e o diagnóstico. Sem tratamento, a mortalidade ultrapassa
atrito pericárdico. 80% dos casos. O tratamento consiste no uso do esquema
O desvio à esquerda no hemograma e o aumento da tríplice por, ao menos, 9 meses, associado a corticoides
área cardíaca são achados frequentes. O eletrocardiogra- para diminuir a chance de pericardite constritiva. Um terço
ma, embora seja frequentemente normal, pode evidenciar dos doentes necessita de pericardiectomia.
alterações típicas da pericardite.
Para o tratamento, é necessária drenagem pericárdica,
D - Síndrome da imunodeficiência adquirida
apesar da concentração intrapericárdica de antibióticos ser A alteração pericárdica mais comum no portador do HIV
efetiva. O tamponamento cardíaco pode ocorrer e evoluir é o derrame asséptico, que se resolve espontaneamente

133
CARD I O LOG I A

na maioria das vezes. O derrame pericárdico sintomático é B - Doenças do tecido conectivo


comumente causado por uma variedade de agentes infec-
ciosos oportunistas e neoplasias. Os mais comuns desses a) Artrite Reumatoide (AR)
agentes são o Mycobacterium tuberculosis e o Mycobac- A pericardite tem sido encontrada em 50% das necróp-
terium avium intracellulare. Linfomas e sarcoma de Kaposi sias de pacientes com AR. A manifestação clínica é bem
são neoplasias associadas. mais rara, e pode haver o tamponamento em alguns casos,
principalmente entre os pacientes com a forma nodular da
2. Síndromes relacionadas a cirurgias doença. Em geral, a pericardite acompanha a pleurite e a
artrite.
A - Tamponamento cardíaco b) Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES)
O tamponamento cardíaco é possível durante a recupe- A pericardite é a complicação cardíaca mais comum no
ração pós-operatória, principalmente nas primeiras 24 ho- LES, geralmente na doença em atividade. Os achados clíni-
ras. A parada súbita da drenagem deve chamar a atenção cos e eletrocardiográficos são típicos do quadro de pericar-
do cirurgião para a formação de coágulos. Na dúvida, o eco- dite. Embora o tamponamento ocorra, a pericardite cons-
cardiograma é capaz de mensurar e avaliar a repercussão tritiva é rara.
hemodinâmica do tamponamento. c) Esclerodermia
O derrame pericárdico assintomático é encontrado em
B - Síndrome pós-pericardiotomia 40% dos pacientes. O prognóstico da pericardite é reserva-
A síndrome pós-pericardiotomia ocorre em 30 a 40% do, pois há pouca sintomatologia clínica até que o tampo-
dos pacientes, usualmente, durante as primeiras semanas namento cardíaco ocorra subitamente.
de pós-operatório, cursando com febre, pleurite e pericar-
dite. O diagnóstico é de exclusão, e o tratamento consis- C - Infarto do miocárdio
te na administração de Anti-Inflamatórios Não Hormonais Evidências clínicas de pericardite podem ser encontra-
(AINH). das em 7 a 20% dos pacientes na 1ª semana após o infarto,
principalmente nos infartos transmurais. A anticoagulação
C - Pericardite constritiva no tratamento do infarto pode aumentar a chance de peri-
A pericardite constritiva ocorre raramente como uma cardite hemorrágica e tamponamento, enquanto a trombó-
complicação de cirurgia cardíaca, com incidência abaixo lise diminui o risco da pericardite. No entanto, quando esta
de 0,3%, podendo ser entre 3 semanas e 21 anos após a é identificada, contraindica-se a trombólise.
cirurgia. Pode ser abordada com corticoides e anti-inflama- A síndrome de Dressler acontece após a 1ª e até a 6ª
tórios, porém o tratamento definitivo é a pericardiectomia. semana do IAM. O paciente pode apresentar febre, dor
pleuropericárdica, fraqueza e evidência de derrame peri-
- Pericardite actínica cárdico. A síndrome contraindica a anticoagulação, pelo ris-
A intensidade da lesão é relacionada à dose, ao tempo co aumentado de pericardite hemorrágica, aumentando a
de exposição e à intensidade de radiação aplicada. A lesão chance de tamponamento.
pode surgir ao longo da terapia ou um pouco mais tardia- Parece haver sensibilização imune para as células mio-
mente. O início dos sintomas pode ser tardio (até 1 ano após cárdicas durante a fase aguda do infarto, pois o anticorpo
a exposição à radiação). A manifestação clínica varia desde antimúsculo cardíaco já foi isolado na síndrome de Dressler.
o derrame pericárdico assintomático até o tamponamento
cardíaco. Hoje, a radioterapia é uma causa importante de D - Neoplasias
pericardite constritiva. Vários tumores malignos sólidos e hematológicos po-
dem cursar com metástases pericárdicas. Geralmente, o
3. Outras causas de síndromes pericárdicas diagnóstico oncológico já existe quando o paciente apre-
senta o quadro de derrame pericárdico maligno.
Quando não há o diagnóstico etiológico do derrame, a
A - Trauma
apresentação com tamponamento, a ausência de resposta
O derrame pericárdico hemorrágico traumático pode a AINH e o quadro clínico incessante ou recorrente aumen-
resultar de lesões penetrantes torácicas ou de uma varie- tam a probabilidade de doença neoplásica. Raramente o
dade de ações iatrogênicas, como cateterização cardíaca, tamponamento é a 1ª manifestação da neoplasia.
implantação de marca-passo e massagem cardíaca externa. O diagnóstico é definido pelo ecocardiograma e pelo
A rapidez com que o líquido se acumula pode levar rapida- exame citológico, que é positivo para células neoplásicas
mente à instabilidade hemodinâmica e determinar a morte em 80% dos casos. A sobrevida dos pacientes depende do
do paciente. estadiamento da neoplasia associada, e o derrame pericár-

134
DOENÇAS DO PERICÁRDIO

dico não tem muita influência sobre ela. O tratamento alivia viral ou idiopática. Em alguns centros, a porcentagem de
a sintomatologia e previne a reincidência. A pericardiocen- pacientes em que não se consegue definir uma etiologia
tese promove alívio imediato dos sintomas. O tratamento específica pode chegar a 30 a 50%.
com quimioterapia e radiação para tumores de mama, lin- Uma série de casos utilizando todo arsenal diagnóstico
fomas e leucemias pode ser usado para o controle do derra- disponível para a definição etiológica da pericardite teve as
me. O uso de quimioterápicos intrapericárdicos também é seguintes etiologias como mais comuns: neoplásica (35%),
efetivo, mas pode desencadear dor e febre. Por vezes, ainda autoimune (23%), viral (21%), bacteriana (6%), urêmica
é necessário tratamento cirúrgico com pericardiectomia. (6%), tuberculosa (4%) e idiopática (6%). No entanto, é im-

CARDIOLOGIA
portante ressaltar que esse é um estudo isolado conduzido
E - Uremia em um país com perfil distinto do Brasil, o que influencia
Pacientes com insuficiência renal apresentam com fre- enormemente a prevalência das etiologias da pericardite.
quência alterações pericárdicas, porém a incidência de pe-
ricardite urêmica tem diminuído com o passar do tempo. A C - Sintomas e sinais
pericardite urêmica ocorre dependendo do nível de crea- O sintoma primário da pericardite aguda é a dor torácica
tinina e uremia e responde bem ao tratamento com diáli- cuja localização, duração e intensidade são variáveis. A dor
se. O quadro clínico é bastante variável, e o paciente pode pode ser descrita como aguda ou difusa, localizada no pre-
estar assintomático, apesar do grande volume do derrame. córdio ou na região do trapézio (sinal quase patognomônico
O atrito pericárdico também pode estar associar-se a essa da doença).
condição. Há aumento da dor com tosse, inspiração ou decúbito e
alívio com a posição ortostática e com a projeção do tórax
F - Pericardite associada a drogas para frente (em “prece maometana”). Embora geralmente
Várias medicações têm sido associadas à pericardite. aconteça em 1 a 2 horas, a dor pode ser súbita. Sintomas
Drogas que induzem à síndrome lúpus-like, como procaina- virais prodrômicos são frequentes.
mida, hidralazina, difenil-hidantoína, reserpina, metildopa É necessário separar os pacientes de alto risco, que pre-
e isoniazida podem cursar com pericardite. A antraciclina cisam de internação imediata (eventualmente, em UTI), da-
pode determinar essa inflamação, e a metisergida, peri- queles que podem ser acompanhados em ambulatório. São
cardite constritiva. Já o minoxidil se associa a pericardite e características de pacientes com alto risco de má evolução:
tamponamento. - Início subagudo;
- Febre e leucocitose;
G - Hipotireoidismo - Evidência de tamponamento;
O derrame pericárdico, presente em cerca de 30% dos - Derrame pericárdico >2cm que não diminui após trata-
pacientes com mixedema, está relacionado à intensidade e mento com AINH;
à duração do hipotireoidismo, assim como ao aumento da - Imunodeprimidos;
pressão hidrostática e à diminuição da drenagem linfática. - Uso de anticoagulantes orais;
O acúmulo, geralmente, é lento, e o tamponamento, raro. O - Trauma agudo;
líquido pericárdico usualmente é amarelado e contém gran- - Falência de resposta após 7 dias de AINH.
de quantidade de colesterol.
D - Exame físico
4. Pericardite aguda Febre e taquicardia são comuns, assim como o atrito
pericárdico (presente em até 85% dos casos na ausência de
A - Critérios diagnósticos derrame). Como a posição pode alterar o atrito, o paciente
deve ser examinado em várias posições.
- Dor torácica central agravada por tosse, decúbito ou
inspiração;
E - Exames diagnósticos
- Atrito pericárdico;
- Alterações sugestivas ao ECG; - Eletrocardiograma: podem ser identificados 4 estágios
- Derrame pericárdico; de alterações ao ECG (Tabela 1). No estágio I, as mu-
danças acompanham a dor torácica, e ocorre elevação
- São necessários, pelo menos, 2 desses achados para o difusa do segmento ST que se apresenta com concavi-
diagnóstico.
dade para cima (diferentemente da isquemia miocár-
dica). A elevação é presente em todos os segmentos,
B - Etiologia exceto em aVR e V1, em que a depressão do ST está
Com a estratégia diagnóstica padronizada, 80 a 90% das presente. As ondas T ficam apiculadas onde há ele-
pericardites agudas têm como diagnóstico final etiologia vação do ST. Nesta fase, é difícil a diferenciação entre

135
CARD I O LOG I A

pericardite e repolarização precoce. No estágio II que F - Tratamento


se segue normalmente após alguns dias, há normali-
zação do segmento ST e achatamento das ondas T. No O tratamento está associado à causa de base. Nos casos
estágio III, as ondas T se invertem, e o segmento ST de pericardite idiopática, o tratamento com AINH normal-
se normaliza, alterações que podem ser perenes. No mente elimina os sintomas em 24 horas, constituindo a dro-
estágio IV, após semanas ou meses, as ondas T se nor- ga de escolha. São recomendados os regimes com aspirina
malizam. Em cerca de 50% dos pacientes, é possível a ou ibuprofeno por 3 a 4 semanas, com os quais os pacientes
identificação de todos os estágios; apresentam bom resultado em 87% dos casos.
O uso associado de colchicina por até 3 meses aponta
Tabela 1 - Alterações do ECG na pericardite aguda benefício ao reduzir, significativamente, a chance de recor-
Estágio Alteração Duração rência do quadro e deve ser associado ao tratamento de
- Elevação de ST (concavidade para
pacientes com recidiva.
cima); Quando há falha terapêutica ou doença autoimune
I Horas/dias identificada, corticoides podem ser iniciados em altas doses
- Ondas T apiculadas;
(prednisona, 60mg/dia) por 1 ou 2 semanas, e a dose deve
- Infradesnível de PR.
ser diminuída quando há redução dos sintomas. Quando
- Normalização do ST; utilizado como 1ª droga, está associado a maior risco de
II Dias
- Achatamento de T. recorrência.
III - Inversão de T. Semanas Na maioria dos casos, o tratamento com AINH resolve o
IV - Normalização de T. Meses quadro sem sequelas; na minoria, a recorrência é possível
dentro de semanas ou meses após o 1º episódio. As recidi-
vas podem ser tratadas com novo curso de AINH, e, nos ca-
sos refratários, é útil a terapia imunossupressora. Em casos
raros de refratariedade sustentada, a pericardiectomia tem
sido indicada, embora seja habitualmente ineficaz.

5. Derrame pericárdico

A - Critérios diagnósticos
Evidência de Derrame Pericárdico (DP) ao ecocardiograma.
Esse tipo de derrame pode desenvolver-se como resul-
tado de pericardite ou de qualquer agressão ao pericárdio
parietal. Além disso, pode ser encontrado na ausência de
pericardite em muitas situações clínicas, como uremia,
trauma cardíaco ou ruptura de câmara, malignidade, AIDS
e hipotireoidismo.
Figura 1 - Alterações eletrocardiográficas na pericardite
B - Achados clínicos
- Outros testes: nos quadros virais ou idiopáticos, sinais
indiretos de inflamação como VHS elevado e hemo- a) Sintomas e sinais
grama alterado são comuns. Embora a radiografia de As manifestações clínicas de DP são relacionadas dire-
tórax não revele frequentemente nenhuma anormali- tamente ao volume absoluto do derrame e à velocidade do
dade em pericardite não complicada, pode revelar a seu acúmulo. Derrames pequenos raramente causam sin-
evidência de derrame pericárdico. tomas ou complicações. Quando o DP se desenvolve lenta-
mente, mesmo grandes volumes de líquido (1 a 2L) não cau-
Apesar de a ecocardiografia poder revelar um derrame sam manifestações clínicas. Eventualmente, esses grandes
pericárdico, sua ausência não exclui o diagnóstico. A cin- derrames se manifestam com compressão de estruturas ad-
tilografia com gálio pode ser positiva. Ocorrem pequenas jacentes, determinando tosse, dispneia, soluço, rouquidão,
elevações de CKMB e troponina; esta última pode apare- náusea ou sensação de plenitude gástrica. O acúmulo rápi-
cer positiva na ausência de elevação da CKMB. A elevação do, mesmo de pequenos volumes, pode determinar grande
da troponina relaciona-se à extensão de acometimento do repercussão hemodinâmica.
miocárdio (miopericardite) e ao surgimento de alterações
do segmento ST. Em geral, esses pacientes são jovens, do b) Exame físico
sexo masculino, com história recente de infecção e apresen- Não há sinais e sintomas clínicos perceptíveis para DP
tam derrame pericárdico. de pequeno volume sem pressão pericárdica elevada. Aba-

136
DOENÇAS DO PERICÁRDIO

famento das bulhas e som maciço à percussão torácica po- to das câmaras cardíacas, determinando queda do débito
dem ser observados (líquido entre o pulmão e a caixa torá- cardíaco.
cica – sinal de Ewart). Pequenos volumes, como no trauma, podem determi-
nar o TC pela rápida elevação da pressão intrapericárdica,
C - Estudos diagnósticos assim como grandes volumes podem acumular-se no pe-
ricárdio com pressões normais, como no mixedema. O TC
a) Eletrocardiograma pode ser dividido em agudo (decorrente de trauma, rotura
O ECG pode ser completamente normal, e o DP de gran- cardíaca ou de aorta ou complicação de intervenção tera-

CARDIOLOGIA
de volume, determinar voltagem reduzida e alternância pêutica ou diagnóstica), subagudo (neoplásico, urêmico ou
elétrica (voltagem de QRS alternante como resultado de pericardite idiopática), regional (em geral, hematoma pós-
um movimento oscilante do coração em relação ao plano -pericardiotomia ou IAM) e variante de baixa pressão (habi-
frontal do ECG). tualmente, ocorre em pacientes hipovolêmicos) (Figura 2).
b) Radiografia de tórax
A radiografia de tórax pode demonstrar aumento na
silhueta cardíaca combinada com áreas de oligoemia dos
campos pulmonares. Acúmulos rapidamente progressivos
podem determinar pequenas alterações ao exame. No acú-
mulo lento, ocorre a dilatação pericárdica definindo a ima-
gem característica de “moringa” ao coração. O diagnóstico
diferencial entre DP e aumento de área cardíaca pode não
ser possível somente por meio do raio x.
c) Ecocardiograma
O ecocardiograma é o exame mais sensível e preciso
no diagnóstico de DP. A efusão aparece como um espaço
eco-livre entre o epicárdio em movimento e o pericárdio
estacionário. A ecocardiografia pode identificar coleções
tão pequenas quanto 20mL e demonstrar a distribuição ho-
mogênea ou loculada do DP. A quantificação do volume do
derrame através de ecocardiografia não é totalmente pre-
cisa. DP de pequeno volume tende a ser visível apenas em
regiões posteriores.

D - Tratamento
O manejo do DP é determinado por seu tamanho, pela
presença ou ausência de pressão intrapericárdica elevada e
sua repercussão hemodinâmica e pela natureza da doença
de base. Na maioria dos casos, o DP pequeno ou incidental
não demanda nenhuma intervenção específica.

6. Tamponamento cardíaco
Figura 2 - Anatomia cardíaca normal e após tamponamento car-
A - Critérios diagnósticos díaco

- Pressão venosa jugular aumentada com onda Y dimi- B - Quadro clínico


nuída;
- Pulso paradoxal; a) Sintomas e sinais
- Ecocardiograma mostrando colabamento atrial e ven- Pacientes com TC podem queixar-se de dispneia e des-
tricular; conforto torácico. Em casos mais severos, pode haver re-
- Pressões diastólicas iguais em todas as 4 câmaras car- baixamento da consciência e sinais de débito cardíaco re-
díacas. duzido; o choque também pode estar presente. A pressão
arterial sistêmica é tipicamente baixa, embora possa estar
O Tamponamento Cardíaco (TC) acontece quando o surpreendentemente normal. A pressão de pulso normal-
aumento da pressão intrapericárdica impede o enchimen- mente é diminuída. O paciente com TC é tipicamente taqui-

137
CARD I O LOG I A

cárdico e taquipneico, embora a bradicardia seja possível b) Radiografia de tórax


em fases terminais de colapso hemodinâmico. Nenhum sinal específico é identificado, e a área cardíaca
b) Pulso paradoxal pode ser normal. Os campos pulmonares com frequência
apresentam oligoemia. Ocasionalmente, a imagem pode
O termo representa certo exagero porque o pulso para-
oferecer pistas de condições coexistentes importantes,
doxal compreende um excesso do declínio normal da pres-
como dissecção aórtica ou neoplasia.
são arterial sistólica que acontece durante a inspiração. Pre-
sente na maioria dos casos, é detectado pela avaliação cui- c) Ecocardiograma
dadosa dos sons de Korotkoff, através da liberação lenta da Trata-se do exame de eleição a todo paciente com sus-
pressão no manguito do aparelho de pressão. É, também, peita de doença pericárdica. Confirma a presença de fluido
definido como diferença de pressão entre os batimentos pericárdico e pode evidenciar a presença de pressão intra-
sistólicos ouvidos ao longo do ciclo respiratório do paciente pericárdica elevada. O sinal mais útil é o colapso diastóli-
(maior do que 10mmHg). co do átrio e do ventrículo direito. Qualquer colapso das
O extremo da manifestação do pulso paradoxal é a au- câmaras apresenta sensibilidade de 90% e especificidade
sência de pulso arterial palpável durante a inspiração do de 65%. O exame é extremamente útil como guia na pe-
paciente. O pulso paradoxal não é essencial para o diagnós- ricardiocentese. Quanto aos pacientes sem sinais de tam-
tico do TC. Além disso, pode estar presente em situações de ponamento no 1º exame, é recomendado um novo exame,
aumento de pressão intratorácica, como em DPOC. Nos pa- conforme a evolução clínica.
cientes em ventilação mecânica com pressão positiva, pode
ser observado o pulso paradoxal invertido.
c) Pressão venosa central
A Pressão Venosa Central (PVC), ou pressão venosa ju-
gular, é notadamente elevada, e o exame da onda de pulso
venoso jugular revela amortecimento da queda da onda Y
normal. Em pacientes com tamponamento de baixa pres-
são, a pressão venosa pode ser, na verdade, normal, ou
apenas ligeiramente elevada.

C - Exames diagnósticos
a) Eletrocardiograma
Ocorrem as anormalidades de ECG descritas para TC e
Figura 4 - Derrame pericárdico determinando colapso parcial de
DP. O desenvolvimento de alternância do eixo elétrico qua-
átrio direito
se sempre indica um DP com repercussão hemodinâmica.

d) Cateterização cardíaca
No paciente com TC, a cateterização cardíaca revela um
débito cardíaco reduzido e pressões de enchimento das câ-
maras cardíacas com valores de PVC, POAP e PAPd equali-
zados. O exame da forma de onda de pressão atrial revela a
perda da descida da onda Y normal. A apresentação inicial
hemodinâmica do tamponamento pode ser alterada por
um estado concomitante de depleção de volume intravas-
cular, situação chamada de TC de baixa pressão. Geralmen-
te, a reposição volêmica determina o padrão hemodinâmi-
co compatível com TC.

D - Tratamento
A drenagem do líquido pericárdico é a principal terapia,
e o esvaziamento de pequenas quantidades (100 a 200mL)
determina grande melhora clínica. A drenagem, em geral,
é realizada por meio de pericardiocentese percutânea ou
subxifoidiana. Esse procedimento é considerado de exce-
Figura 3 - Alternância de eixo elétrico ao ECG em paciente com lência quando guiado por ecocardiograma por ser barato,
derrame pericárdico volumoso indicar o melhor local para esvaziamento e permitir a ava-

138
DOENÇAS DO PERICÁRDIO

liação das características do líquido pericárdico. Embora é o espessamento fibrótico com calcificação do pericárdio,
seja efetivo e seguro, pode haver complicações. A mais gra- criando um envelope inelástico que impede o enchimento
ve e comum é a perfuração cardíaca, tipicamente do ventrí- diastólico do pericárdio, sendo causa de insuficiência cardí-
culo direito, em que o ecocardiograma pode diminuir esse aca com função sistólica preservada.
risco. A presença de, pelo menos, 1cm de espaço eco-livre
na região anterior ao coração foi recomendada como uma B - Achados clínicos
diretriz para o volume mínimo de fluido que deveria estar
presente antes de realizar a pericardiocentese percutânea. a) Sintomas e sinais

CARDIOLOGIA
A elevação do tronco do paciente também diminui o risco Muitos sintomas de PC são inespecíficos e estão relacio-
de acidente. Podem ser administrados fluidos intravenosos nados à elevação das pressões de enchimento ventricular,
e vasopressores como medida transitória até que o proce- determinando congestão venosa, manifestada por insufici-
dimento possa ser executado. ência cardíaca direita. Sintomas de insuficiência ventricular
Em alguns casos, uma só pericardiocentese alivia o DP esquerda são muito menos frequentes.
completamente, mas, na maioria, deve-se considerar a
ideia de deixar um cateter pericárdico. A repetição do DP b) Exame físico
pode requerer remoção cirúrgica do pericárdio ou a criação O paciente pode ter uma distribuição corporal anormal,
de uma abertura entre o pericárdio e pleura de esquerda com aumento marcante do volume abdominal, ascite, hepa-
(janela pericárdica ou pericardiostomia). tomegalia com pulsações hepáticas proeminentes, e outros
sinais de insuficiência hepática são comuns. Pacientes com
PC podem apresentar a ausência do sinal de Kussmaul (di-
minuição da pressão venosa jugular durante a inspiração).
A pressão de pulso arterial pode ser diminuída ou nor-
mal, e o pulso paradoxal, presente em 1/3 dos casos. E a
avaliação cardíaca pode revelar um som diastólico preco-
ce (batimento pericárdico) que acontece ligeiramente mais
cedo na diástole que a B3.

C - Exames diagnósticos
a) Eletrocardiograma
As alterações frequentes são baixa voltagem, inversão
da onda T e onda P mitral. Pode ocorrer fibrilação atrial.
b) Radiografia de tórax
A área cardíaca pode ser pequena, normal ou aumenta-
Figura 5 - Pericardiocentese da. A presença de calcificação pericárdica é útil, confirman-
do o diagnóstico e sugerindo a tuberculose como causa.
7. Pericardite constritiva
A - Critérios diagnósticos
- Pressão venosa jugular com onda X acentuada e depres-
são de Y notadamente elevadas e sinal de Kussmaul;
- Batimento pericárdico;
- Espessamento pericárdico em exame de imagem.
A Pericardite Constritiva (PC) pode desenvolver-se como
o resultado de qualquer dano ou inflamação pericárdica.
Entre as principais causas, as idiopáticas ou virais respon-
dem por 42 a 49% dos casos, o pós-operatório de cirurgia
cardíaca, por 11 a 37%, e a radioterapia, por 9 a 31%. A
constrição tuberculosa é causa rara na maioria dos casos no
mundo industrializado, mas permanece significativa em pa-
íses subdesenvolvidos. Pode haver um período muito longo
entre a agressão pericárdica e o surgimento da constrição
com repercussão clínica. A base histopatológica da doença Figura 6 - Raio x de pericardite constritiva

139
CARD I O LOG I A

a distinção entre tais causas. A cardiomiopatia restritiva é


uma condição em geral causada por doenças que infiltram
o miocárdio, como amiloidose, sarcoidose e hemocroma-
tose. Ambas as situações clínicas se associam a enchimen-
to diastólico diminuído, porém a fase diastólica alterada é
diferente nas 2 condições. Ao contrário da PC, em que o
enchimento diastólico é abruptamente interrompido de
forma precoce na diástole, a miocardiopatia restritiva de-
termina alteração do enchimento durante toda a diástole.
O diagnóstico diferencial é de grande importância, pois a PC
é tratável. Na persistência de dúvida diagnóstica, é necessá-
ria a toracoscopia para avaliação do pericárdio.

E - Tratamento
Embora o tratamento clínico possa controlar os sintomas,
o controle é temporário, pois a doença progride na maioria
Figura 7 - Tomografia de pericardite constritiva
dos casos. Pericardiectomia é o tratamento definitivo para a
PC. Na maioria dos casos, o procedimento é possível, e a taxa
c) Ecocardiograma de mortalidade cirúrgica em recentes séries, de até 10%.
O ecocardiograma pode demonstrar espessamento pe- Porém, ocasionalmente, a fibrose é muito densa, e a
ricárdico, porém não descarta o diagnóstico quando não calcificação pode estender-se ao epicárdio, tornando im-
ocorre o achado. Pode ser útil elevando a suspeita de PC possível a ressecção. O miocárdio pode sofrer atrofia como
em paciente com insuficiência cardíaca esquerda com fun- resultado da compressão existente há muito tempo, e um
ção sistólica ventricular preservada e tamanhos de câmaras estado de baixo débito pode persistir depois de pericardiec-
cardíacas normais. tomia. A maioria dos casos apresenta melhora dramática
d) Cateterização cardíaca e contínua, embora a recuperação seja possível somente
após vários meses.
A cateterização cardíaca pode ajudar a estabelecer o
diagnóstico correto e confirmar a pressão diastólica elevada
e igual em ambos os ventrículos. 8. Resumo
e) Biópsia endomiocárdica Quadro-resumo
A biópsia endomiocárdica é útil no diagnóstico diferen- Pericardites
cial, porém deve ser realizada apenas em casos seleciona- - Causa viral (mais frequente), bacteriana, inflamatória ou traumá-
dos de dúvida em que há disfunção diastólica do tipo restri- tica (cirurgia);
tiva e o diagnóstico de PC permanece incerto. Pode revelar - Dor torácica que piora com tosse, inspiração ou decúbito e me-
doença infiltrativa endomiocárdica. O achado de amiloido- lhora com ortostase e “posição maometana”;
se, sarcoidose ou hemocromatose impede a necessidade - Atrito pericárdico, derrame e alterações da repolarização difusas
de investigação adicional, porém o achado de miocardite e redução de amplitude do QRS;
demanda maior investigação. - Ecocardiograma pode evidenciar o derrame pleural, mas não ex-
f) Ventriculografia com radioisótopos clui o diagnóstico;
Curvas de tempo-atividade podem demonstrar o enchi- - Tratamento com anti-inflamatórios (AAS/Ibuprofeno) por 3 a 4
mento normal na diástole em PC precocemente. A Tomo- semanas. Nas causas autoimunes, é indicado corticoide.
grafia Computadorizada (TC) e a imagem de Ressonância Derrame pericárdico
Nuclear Magnética (RNM) são mais precisas que a ecocar- - Depende da velocidade de instalação; tosse, dispneia, soluço,
diografia para imagem direta do pericárdio, pois permitem náuseas; abafamento de bulhas; ECG com redução da amplitude
medidas precisas do pericárdio com diferenciação de mio- dos complexos QRS;
cardiopatias restritivas. - Raio x com aumento de área cardíaca e oligoemia pulmonar;
diagnóstico pelo ecocardiograma.
D - Diagnóstico diferencial
Tamponamento cardíaco
O principal ponto do diagnóstico diferencial é distinguir - PVC elevada, pulso paradoxal e ecocardiograma com colapso
PC de miocardiopatia restritiva. Com o uso combinado de atrial e/ou ventricular;
ecocardiografia, RNM ou TC para imagem do pericárdio, - Dispneia e desconforto torácico; pode haver choque;
estudo hemodinâmico cuidadoso e biópsia de endomio-
- A pericardiocentese é o tratamento de eleição.
cárdio, deveria ser possível, na grande maioria dos casos,

140
CAPÍTULO

16
Avaliação e abordagem perioperatória

José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado

1. Introdução Tabela 1 - Risco cirúrgico conforme o procedimento


% de
A avaliação pré-operatória engloba vários fatores, Risco eventos
Tipo de cirurgia
como risco de sangramento, desenvolvimento de trombo- cirúrgico cardiovas-
se e complicações metabólicas. Contudo, provavelmente culares
o principal tópico envolve a avaliação do risco de eventos - Cirurgia de emergência, principalmente
cardiovasculares. Existem várias classificações de risco pré- em paciente idoso;
-operatório cardiovascular, desde a classificação simplifica- - Cirurgias arteriais de aorta e ramos;
Alto >5%
da adotada pela Associação Americana de Anestesiologia - Cirurgia de revascularização periférica;
(ASA), tradicionalmente usada no passado e ainda cobrada - Cirurgias com grande potencial de per-
em provas de Residência, até os algoritmos atuais, como o da de sangue.
da American Heart Association (AHA) e os utilizados pelo - Endarterectomia de carótidas;
American College of Physicians (ACP). - Cirurgias: de cabeça e pescoço, otor-
O risco cirúrgico depende de fatores inerentes à própria rinolaringológicas, ortopédicas e uro-
Interme- lógicas;
cirurgia, à idade e às comorbidades apresentadas pelo pa- <5%
diário
- Cirurgia neurológica;
ciente. Deve-se salientar que todo procedimento cirúrgico
implica certo risco, sendo necessário pesá-lo em relação ao - Cirurgia intraperitoneal e cirurgia intra-
torácica.
benefício com o procedimento cirúrgico.
- Procedimentos endoscópicos;
Baixo <1%
- Procedimentos superficiais.
2. Risco cardiovascular inerente ao pro-
cedimento 3. Risco cardiovascular inerente ao pa-
O risco cirúrgico inerente ao procedimento depende ciente
do porte da cirurgia e de ela ser ou não realizada em situ-
O algoritmo da AHA leva muito em conta o estado fun-
ação de emergência. Provavelmente, a principal variável
cional do paciente, pois ele apresenta associação a even-
é a cirurgia realizada em situação de emergência, em que tos cardiovasculares no pós-operatório. Embora a maioria
tanto os trabalhos de Goldman como o de Detski encon- dos estudos utilize testes com ergometria ou ergoespiro-
traram associação importante a aumento de eventos car- métricos, a AHA usa a unidade de equivalente metabólico,
diovasculares, com risco equivalente, por exemplo, a um descrita como a quantidade de oxigênio consumida por
IAM relativamente recente. A Tabela 1 sumariza o risco um homem de 40 anos, 70 kg e em repouso, cujo valor é
cirúrgico em relação ao procedimento a que o paciente é de 3,5mL/kg. A esta unidade de medida dá-se o nome de
submetido. 1 equivalente metabólico (1MET). Em relação ao seu equi-

141
CARD I OLOG I A

valente metabólico, os pacientes podem ser classificados A realização de testes não invasivos para doença coro-
quanto a capacidade de realizar atividades com diferentes nariana é recomendada aos pacientes de alto risco, mas
intensidades e consequentes consumos de oxigênio como: duvidosa quanto aos de risco intermediário e não indicada
- Excelente: maior do que 10METs (nível de atividade de aos de baixo risco.
atletas);
- Bom: 7 a 10METs; indivíduo pratica atividade física, C - Índice de Detski
como natação;
- Moderado: 4 a 7METs; indivíduo tolera atividades como O índice de Detski (Tabela 3), bastante semelhante ao
caminhadas curtas com até 6,4km/h; de Goldman, é utilizado pelo ACP desde 1986 e foi adotado
- Pobre: menor que 4METs; indivíduo tolera caminhadas pelas Diretrizes Brasileiras de Avaliação Pré-Operatória.
curtas com menos de 2 quarteirões. Tabela 3 - Índice de Detski
Apresentadas essas variáveis, podem-se considerar os 1 - Avalia-se o risco cardiovascular segundo as seguintes variáveis:
diversos algoritmos de avaliação do risco cardiovascular. - IAM <6 meses (10 pontos);
- IAM >6 meses (5 pontos);
A - Classificação da ASA - Angina classe III (10 pontos);
- Angina classe IV (20 pontos);
A seguir, a classificação da ASA (American Society of - EAP na última semana (10 pontos);
Anesthesiology), embora sua importância hoje seja mais - EAP alguma vez na vida (5 pontos);
histórica: - Suspeita de estenose aórtica crítica (20 pontos);
- I: indivíduo saudável, <70 anos; - Ritmo não sinusal ou RS c/ ESSV ou >5 ESV no ECG (5 pontos);
- II: doença sistêmica leve, sem limitação funcional ou - PO2 <60mmHg, PCO2 >50mmHg, K+ <3mEq/L, ureia >50mg/dL,
>70 anos; creatinina >3mg/dL ou restrição ao leito (5 pontos);
- III: doença sistêmica grave, com limitação funcional de- - Idade >70 anos (5 pontos);
finida; - Cirurgia de emergência (10 pontos).
- IV: doença sistêmica incapacitante, que constitui amea- 2 - Somam-se os pontos. Os pacientes são classificados em:
ça à sobrevivência; - Classe I: 0 a 15 pontos;
- Classe II: 20 a 30 pontos;
- V: paciente gravíssimo – sem expectativa de sobreviver - Classe III: >30 pontos.
por mais de 24h com ou sem a cirurgia.
Essa classificação, não utilizada atualmente para avalia-
ção pré-operatória, não é citada nas Diretrizes Brasileiras de D - Riscos complementares de Eagle e Vanzeto
Avaliação Pré-Operatória. Em se tratando dos pacientes da classe I de Detski que
serão submetidos à cirurgia vascular, devem-se considerar
B - Índice de risco cardíaco de Goldman as variáveis de risco complementares de Eagle e Vanzeto:
O índice de risco cardíaco de Goldman (Tabela 2) foi o 1º - Idade >70 anos;
modelo validado na literatura para predizer complicações
cardíacas. Devido à sua simplicidade, alguns ainda conside- - História de angina;
ram o melhor índice de avaliação pré-operatória, mas ele - Diabetes;
parece falhar ao avaliar pacientes de risco intermediário.
Além disso, a classificação não considera pacientes com an-
- História de IAM;
gina. - História de ICC;
Tabela 2 - Índice de risco cardíaco de Goldman - Ectopia ventricular;
Variáveis: - Ondas Q no ECG;
1 - Cirurgia de alto risco.
2 - História de doença coronariana.
- Anormalidades isquêmicas do segmento ST no ECG de
3 - História de insuficiência cardíaca. repouso;
4 - História de doença cerebrovascular. - HAS com hipertrofia ventricular grave.
5 - DM que requeira tratamento com insulina.
6 - Creatinina sérica no pré-operatório >2mg/dL.
E - Avaliação do ACP
Considerando o número de variáveis encontradas, pode-se clas-
sificar o risco cardiovascular do paciente em: O algoritmo de avaliação do ACP (Figura 1), recomenda-
- Baixo risco (0,4 a 0,5%): nenhuma variável; do pelas Diretrizes Brasileiras de Avaliação Pré-Operatória,
- Risco intermediário: 1 ou 2 variáveis; usa a classificação de Detski e as variáveis de risco de Eagle
- Alto risco (9 a 11%): 3 ou mais variáveis.
e Vanzeto.

142
AVALIAÇÃO E ABORDAGEM PERIOPERATÓRIA

Tabela 4 - Preditores
Maiores
- ICC descompensada;
- Arritmias significativas;
- Doença valvar grave.
Intermediários
- Angina estável;

CARDIOLOGIA
- IAM prévio;
- ICC compensada;
- DM;
- IR crônica.
Menores
- Idade avançada;
- ECG anormal ou ritmo não sinusal;
- Capacidade funcional reduzida;
Figura 1 - Avaliação do ACP - História de AVC;
- HAS não controlada.
A AHA, por sua vez, não usa índices de risco cardíaco
específicos, mas preditores de risco para definir o risco ci- Considerando tais preditores, o algoritmo da Figura 2 é
rúrgico quanto a complicações cardiovasculares. utilizado para a avaliação dos pacientes.

Figura 2 - Avaliação ACC (American College of Cardiology)/AHA para pacientes submetidos a cirurgia não cardíaca

143
CARD I OLOG I A

Figura 3 - Avaliação do ACC/AHA

Os pacientes em ambos os grupos em que existe indi- - Grau de recomendação IIb:


cação de teste não invasivo para avaliação de isquemia po- • Pacientes sem avaliação funcional nos últimos 2 anos
dem fazê-lo por meio de cintilografia miocárdica ou ecocar- e sabidamente coronariopatas ou com, no mínimo, 2
diograma de estresse com dobutamina. Não é necessário fatores de risco para doença arterial coronariana (HAS,
teste não invasivo em pacientes já submetidos a esse teste tabagismo, dislipidemia, DM, história familiar positiva).
em menos de 2 anos, desde que os fatores de risco para
doença cardiovascular estejam controlados, e o paciente,
- Grau de recomendação III:
assintomático. O teste também não é necessário em revas- • Pacientes não candidatos a revascularização mio-
cularizados há menos de 5 anos ou assintomáticos e com cárdica, sem possibilidade de modificação do plano
cirúrgico não cardíaco de acordo com o resultado da
cateterismo negativo e fatores de risco controlados.
prova funcional.
As diretrizes brasileiras consideram as seguintes indica-
ções para a realização de exames não invasivos para avalia-
ção pré-operatória: 4. Uso de drogas para diminuição do ris-
- Grau de recomendação I: co cardiovascular
• Pacientes com preditores clínicos intermediários de A - Beta-bloqueadores
risco e que serão submetidos a intervenções vascu-
lares. Uma medida potencial para a diminuição do risco car-
- Grau de recomendação IIa: diovascular é o uso dos beta-bloqueadores. Estudos tanto
com atenolol quanto com bisoprolol apontaram diminuição
• Na presença de 2 dos 3 fatores a seguir:
de eventos cardiovasculares, e essas medicações são indi-
* Presença de angina classe funcional I ou II, história cadas a pacientes com risco alto ou intermediário, sempre
prévia de infarto do miocárdio ou onda Q patoló- que é indicado o procedimento cirúrgico. Recomenda-se a
gica, insuficiência cardíaca prévia ou compensada, droga, pelo menos, 1 semana antes do procedimento (os
diabetes mellitus ou insuficiência renal; estudos que mostraram maior benefício utilizaram a me-
* Baixa capacidade funcional: menos de 4METs; dicação de 1 a 4 semanas antes da cirurgia), mas se pode
* Procedimento cirúrgico de alto risco: cirurgias introduzi-la a qualquer momento. Procura-se manter a FC
vasculares periféricas ou de aorta, procedimentos em torno de 60bpm. Nos usuários desta droga que irão se
cirúrgicos prolongados com grandes perdas san- submeter à cirurgia, a manutenção durante todo o período
guíneas ou de shifts de fluidos. perioperatório é recomendada.

144
AVALIAÇÃO E ABORDAGEM PERIOPERATÓRIA

B - Estatinas - Grau de recomendação IIA:


Há estudos promissores com uso de estatinas, as quais • Assintomáticos obesos.
devem ser consideradas em todos os pacientes com doença - Grau de recomendação III:
arterial coronariana submetidos a procedimentos cirúrgicos. • Rotina em indivíduos assintomáticos que serão sub-
metidos a procedimentos cirúrgicos de baixo risco.
C - Angiografia da coronária
Há grande discussão sobre quando realizar angiografia B - Radiografia de tórax

CARDIOLOGIA
da coronária antes de procedimentos cirúrgicos não cardí-
acos, pois esse teste é invasivo e tem taxas de morbidade
- Grau de recomendação I: pacientes com anormali-
dades, relacionadas ao tórax, na história e no exame
e mortalidade que variam, respectivamente, entre 0,01 e
físico.
0,5% e 0,03 e 0,25%. A AHA sugere que o exame seja reali-
zado nas seguintes situações:
- Pacientes de alto risco em testes não invasivos; C - Hemograma completo
- Angina não responsiva ao tratamento; - Grau de recomendação I:
- Pacientes com angina instável;
• Idosos (>65 anos);
- Testes não invasivos inconclusivos para isquemia, em
pacientes de alto risco e que serão submetidos à cirur- • Suspeita clínica de anemia ao exame físico ou pre-
gia também de alto risco. sença de doenças crônicas associadas à anemia;
• Intervenções de médio e grande porte, com previ-
são de necessidade de transfusão.
5. Exames laboratoriais no pré-operatório
A solicitação de exames complementares na avaliação D - Hemostasia e testes da coagulação
pré-operatória objetiva reduzir a morbidade e a mortalida-
de perioperatórias. Ainda continuam a ser de maior impor- - Grau de recomendação I:
tância a anamnese e o exame físico. Exames laboratoriais
• Pacientes anticoagulados;
devem ser solicitados quando podem apresentar benefício,
demonstrando riscos e realizando diagnósticos que possam • Pacientes com insuficiência hepática;
fazer diferença no manejo dos pacientes. • Portadores de distúrbios de coagulação;
Pessoas com menos de 40 anos, assintomáticas e sem • Intervenções de médio e grande porte.
fatores de risco para doenças não apresentam indicação de
exames adicionais, exceto quando apresentam indicações E - Dosagem da creatinina sérica
específicas com base na cirurgia a que serão submetidas.
Em cirurgias neurológicas, por exemplo, a realização de - Grau de recomendação I:
coagulograma é necessária, independente da idade do pa- • Pacientes com idade superior a 40 anos;
ciente.
• Portadores de nefropatia, diabetes mellitus, hiper-
Para pacientes entre 40 e 60 anos sem outros fatores
tensão arterial sistêmica, insuficiência hepática, in-
de risco, o ACP indica exames de creatinina, glicemia e ele-
suficiência cardíaca (se não tiver um resultado des-
trocardiograma; em indivíduos acima de 60 anos, acrescen-
se exame nos últimos 12 meses);
tam-se hemograma e radiografia de tórax.
A seguir, estão apresentadas as indicações de exames la- • Intervenções de médio e grande porte.
boratoriais conforme as indicações das Diretrizes Brasileiras
de Avaliação Perioperatória. 6. Avaliação do risco de sangramento
A - ECG A história de sangramento é o melhor preditor de san-
gramento no intraoperatório. Na grande maioria dos proce-
- Grau de recomendação I: dimentos cirúrgicos, não são necessários exames para ava-
• Todos os pacientes com idade superior a 40 anos, liação da hemostasia, desde que o paciente não apresen-
ou, independente da idade, pacientes com história te história de sangramentos prévios nem fatores de risco
e/ou anormalidades ao exame físico sugestivas de associados a aumento da possibilidade de sangramentos.
doença cardiovascular; Presença de achados, como petéquias, equimose, icterícia,
• Pacientes com episódio recente de dor torácica is- entre outros, sugere a possibilidade de sangramento em
quêmica, ou considerados de alto risco no algorit- pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos. De acor-
mo ou pelo médico assistente; do com o procedimento cirúrgico, devem ser solicitados ou-
• Pacientes com diabetes mellitus. tros exames, especificados na Tabela 5.

145
CARD I OLOG I A

Tabela 5 - Avaliação do risco de sangramento de acordo com o elevação da pressão no ato da intubação; quanto aos
procedimento cirúrgico pacientes em que o bloqueador está contraindicado, a
Gran- clonidina por via oral pode ser usada;
Métodos e Cirur- Cirurgia prostá- História
exames para gia
des
cirur-
tica, cardíaca ou clínica + para - A hipocalemia, se presente, deve ser corrigida antes
avaliação geral
gias
neurológica sangramento da cirurgia;
História + + + + - Reiniciar os anti-hipertensivos no pós-operatório, de
preferência com os mesmos medicamentos que o pa-
Exame físico + + + +
ciente utilizava antes da cirurgia;
Número de
plaquetas
+ + + - A otimização da volemia deve ser realizada durante
TTPA + + +
todo o perioperatório.

TP + +
TT + +
8. Controle glicêmico no perioperatório
TS + + O diabetes está associado a complicações micro e ma-
Nível de crovasculares. Alguns estudos atestaram que também há
+ + associação a maior risco de eventos cardiovasculares. O
fibrinogênio
Fator XIII + controle estrito de glicemia foi associado à diminuição de
eventos adversos em pacientes com infarto agudo do mio-
Outros fato-
res de coagu- + cárdio e em pacientes com choque séptico.
lação O controle glicêmico durante cirurgias eletivas é impor-
Teste de tante, e glicemia maior que 250mg/dL não contraindica
agregação + procedimento eletivo. Se os valores de glicemia são maio-
plaquetária res que 250mg/dL e o paciente é submetido a procedimen-
TTPA: Tempo de Tromboplastina Parcialmente Ativada; TP: to de urgência, este pode ser realizado com controle glicê-
Tempo de Protrombina; TT: Tempo de Trombina e TS: Tempo de mico durante a cirurgia. Quanto a pacientes submetidos a
Sangramento. cirurgias eletivas, deve-se considerar um período de com-
pensação do diabetes antes da cirurgia. O Consenso Brasi-
7. Hipertensão arterial sistêmica no pré- leiro de Avaliação Perioperatória sugere que valores acima
-operatório de 220mg/dL indicam que se considere o adiamento de ci-
rurgia eletiva. A literatura sugere as seguintes medidas para
A hipertensão arterial sistêmica apresenta aumento do controle glicêmico durante perioperatório:
risco cardiovascular cronicamente, mas não é um dos gran-
des fatores associados a eventos agudos no perioperatório. A - Cirurgia de curta duração (pela manhã cedo)
Pacientes com hipertensão estadios I e II não precisam de
ajuste de pressão arterial antes de procedimento eletivo. Não administrar hipoglicemiante ou insulina no dia da
Intervenções nesses indivíduos, a menos de 2 semanas cirurgia. Logo após a operação, pode-se reintroduzir a dieta
para cirurgia eletiva, podem aumentar o risco de insufici- e retomar o esquema habitual do paciente.
ência renal e de outras complicações no pós-operatório. Os
pacientes com hipertensão estadio III, por sua vez, devem B - Cirurgia de curta duração (ao final da manhã)
ter a PA controlada, em níveis menores que 170mmHg de - Pacientes que usam hipoglicemiantes orais: não ad-
pressão arterial sistólica e 110mmHg de pressão diastólica. ministrar no dia da cirurgia;
São recomendações das Diretrizes Brasileiras de Avaliação
Perioperatória (grau de recomendação I):
- Pacientes que usam dose única de insulina de dura-
ção intermediária: administrar 2/3 da dose total diária
- Se a pressão arterial não está controlada e há tempo
no dia da cirurgia;
hábil para o controle (cirurgia eletiva a realizar em pe-
ríodo maior que 2 semanas), deve-se otimizar a tera- - Pacientes que usam 2 a 3 doses de insulina de dura-
pêutica para reduzir os níveis de pressão; ção intermediária: administrar 1/2 da dose total na
- As medicações anti-hipertensivas (incluindo IECA) de- manhã da cirurgia;
vem ser mantidas no pré-operatório, inclusive no dia - Pacientes que usam múltiplas doses de insulina de
da operação; duração curta: administrar 1/3 da dose total diária no
- Se o paciente está com a pressão elevada e não exis- dia da cirurgia;
te tempo para controlá-la, deve-se utilizar bloquea- - Pacientes que usam bomba de insulina: manter a taxa
dor adrenérgico de curta ação (esmolol) para evitar a de infusão basal no dia da cirurgia.

146
AVALIAÇÃO E ABORDAGEM PERIOPERATÓRIA

C - Cirurgia de curta duração (à tarde) dade próxima a 50%. Nenhuma medida pré-operatória de-
monstrou benefício nesses pacientes.
- Pacientes que usam hipoglicemiantes orais: não ad- Cirurgias cardíacas ou que envolvem a aorta apresen-
ministrar no dia da cirurgia; tam maior risco de desenvolver insuficiência renal. Outras
- Pacientes que usam dose única de insulina de dura- condições que aumentam esse risco são presença de icterí-
ção intermediária: administrar 1/2 da dose total diária cia, diabetes e idade avançada.
no dia da cirurgia; São considerações importantes em se tratando desses
- Pacientes que usam 2 a 3 doses de insulina de dura- pacientes:

CARDIOLOGIA
ção intermediária: administrar 1/3 da dose total na - Manter o volume plasmático adequado, evitando hi-
manhã da cirurgia; povolemia;
- Pacientes que usam múltiplas doses de insulina de - Evitar agentes nefrotóxicos e corrigir doses de antibió-
duração curta: administrar 1/3 da dose pela manhã e ticos e outros medicamentos adequadamente, confor-
antes do almoço; me a função renal;
- Pacientes que usam bomba de insulina: manter a taxa - Evitar hipotensão e diminuição do débito cardíaco;
de infusão basal no dia da cirurgia. - Em procedimentos endovasculares ou radiointerven-
ção, hidratação e n-acetilcisteína devem ser realizadas
D - Procedimento de grande duração e comple- apropriadamente (pacientes com diabetes ou insufici-
xidade ência renal crônica).
- Pacientes que usam hipoglicemiantes orais: não ad- Recomenda-se solução salina a 0,45% (100mL/h, 12h
ministrar no dia da cirurgia;
antes e 12h depois do procedimento), associada a n-ace-
- Pacientes que usam insulina de duração intermediária: tilcisteína (600mg, de 12/12h), 24h antes e depois do pro-
• Manter insulina no intraoperatório e no pós-opera- cedimento.
tório, conforme a glicemia capilar. Por meio de in- Um estudo recente demonstrou que o emprego de solu-
sulina intravenosa, manter a glicemia entre 150 e ção de hidratação 154mEq/L de bicarbonato de sódio diluí-
200mg/dL para proteger contra hipoglicemia. Em do em solução de dextrose a 5%, em total de 1L de solução,
caso de paciente em uso de bomba de insulina, infundida a 3mL/kg em 1h antes do procedimento e 1mL/kg
pode-se tentar controle mais estrito, com glicemia durante o procedimento e 6h depois, apresenta resultados
entre 100 e 150mg/dL; superiores à infusão convencional de solução salina. Trata-
• Monitorizar glicemia capilar no início da cirurgia e a -se, portanto, de uma opção válida para prevenção da IRA
cada hora ou a cada 2h; pelo contraste.
• Pode ser necessária a infusão de 5 a 10g de glicose/h Pacientes com insuficiência renal dialítica devem rea-
para evitar hipoglicemia e cetose. lizar diálise de 12 a 24h antes da cirurgia para minimizar
as complicações. Medidas apropriadas para hipercalemia,
- Pacientes submetidos a procedimentos complexos, acidose e outras complicações da insuficiência renal crônica
cirurgias de emergência, diabetes tipo 1 descompen- devem ser realizadas conforme a necessidade dos pacien-
sado e gestantes diabéticas tipo I: tes e as recomendações da literatura para outras situações
• Em caso de valores glicêmicos acima de 200mg/dL, que não cirurgias.
utilizar insulina regular IV conforme glicemia capilar,
ou insulina IV contínua na taxa de infusão de 0,5 a
5U/h, para manter a glicemia menor que 200mg/dL;
10. Complicações cirúrgicas no paciente
• Realizar controle glicêmico a cada hora. hepatopata
O paciente hepatopata apresenta grande número de al-
9. Cuidados perioperatórios no paciente terações que implicam maior risco de complicações cirúrgi-
cas. A doença hepática leva a alterações na síntese proteica
nefropata e no metabolismo de drogas e nutrientes, além de alterar
Os pacientes com insuficiência renal apresentam maior a excreção e a eliminação de toxinas. O paciente com he-
chance de apresentar complicações no perioperatório. O patopatia leve, como o apresentando cirrose com Child A,
principal fator para elas é o nível de creatinina que, quando não apresenta risco cirúrgico muito diferente de outros in-
maior que 1,5mg/dL, e, principalmente, se maior que 2mg/ divíduos. Entretanto, paciente com disfunção importante,
dL, implica risco maior de eventos cardiovasculares e de como o que apresenta Child C, apresenta risco aumentado
piora da função renal durante a cirurgia. A Insuficiência Re- de complicações perioperatórias.
nal Aguda (IRA) ocorre em 5% das admissões hospitalares e Hepatites agudas, virais ou alcoólicas, são contraindica-
em 1 a 30% dos pacientes submetidos aos procedimentos ções absolutas para procedimentos eletivos, com taxas de
cirúrgicos, dependendo das séries estudadas, com mortali- mortalidade variando de 10 a até 50%. Pacientes com hepa-

147
CARD I OLOG I A

topatia crônica e cirrose com Child C, em geral, apresentam e anestesia geral também são associados a uma taxa maior
contraindicação a procedimentos eletivos. Pacientes com de complicações pulmonares.
Child A normalmente não apresentam contraindicação a A prova de função pulmonar pode ajudar no manejo de
procedimentos cirúrgicos. Maiores considerações devem pacientes em relação às complicações pulmonares. São in-
ser feitas quanto a pacientes com Child B, em que o be- dicações para tal:
nefício do procedimento deve ser contrabalançado com o - Pacientes submetidos a cirurgia torácica e abdominal
maior risco de cirurgias. alta, com sintomas de tosse ou dispneia ou que apre-
A presença de coagulopatia deve ser corrigida antes do sentem intolerância ao exercício de causa incerta;
procedimento. Distúrbios hidroeletrolíticos também devem - Pacientes com DPOC;
ser corrigidos. É importante a reposição de vitamina K. A - Pacientes que serão submetidos a cirurgia de ressec-
presença de ascite aumenta a incidência de deiscência de ção pulmonar;
ferida cirúrgica. Contudo, seu manejo com diuréticos e pa-
racenteses deve ser cauteloso, pois pode ocasionar insufi-
- Pré-operatório de pacientes com dispneia de causa in-
certa;
ciência renal aguda e encefalopatia hepática. A reposição
de albumina, juntamente com paracentese em pacientes
- Pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do
miocárdio.
com ascite, parece ser a medida mais apropriada para evi-
tar complicações. A avaliação de risco pulmonar pode ser orientada pela
escala de Torrington-Henderson, que classifica os pacientes
11. Paciente com pneumopatia em baixo, moderado e alto risco de complicações pulmo-
As complicações pulmonares cirúrgicas implicam au- nares, utilizando vários fatores independentes de compli-
mento de morbidade, mas com aumento de mortalidade cações pulmonares. A classificação, apesar de importante,
muito menor que as complicações cardíacas. A incidência não deve ser usada para contra indicar procedimentos ci-
estimada de complicações pulmonares varia de 17 a 25% rúrgicos, mas para indicar a necessidade de medidas pre-
nas diferentes séries de casos. O risco de tais complicações ventivas para as complicações. A Tabela 6 sumariza a classi-
é, em particular, maior em pacientes com obesidade; apre- ficação de Torrington.
sentam risco de apresentar hipoxemia. Tabela 6 - Classificação de Torrington
O tabagismo é associado ao risco de aparecimento de
Variáveis Pontuação
complicações pulmonares aumentado em cerca de 4 vezes,
mas a sua cessação aumenta secreções pulmonares nas pri- 1 - Espirometria
meiras semanas, aumentando o risco de complicações. Tal a) CVF <50% do previsto 1
risco desaparece após 8 semanas de abstinência. b) VEF1/CVF - 65 a 75% 1
A asma é um fator de risco independente para complica-
c) VEF1/CVF - 50 a 64% 2
ções pulmonares, mas, não é particularmente aumentado
naqueles fora de exacerbação e compensados clinicamen- d) VEF1/CVF - <50% 3
te. Já pacientes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica 2 - Idade >65 anos 1
(DPOC) apresentam risco até 4,7 vezes maior de desenvol- 3 - Peso acima de 150% do ideal 1
ver essas complicações. Assim, é absolutamente necessário
compensá-los antes de procedimentos cirúrgicos. 4 - Cirurgia abdominal alta ou torácica 2
Indivíduos com redução da Capacidade Vital Forçada 5 - Outras cirurgias 1
(CVF) e Volume Expiratório Forçado em 1º segundo (VEF1) 6 - Tabagismo 1
menor do que 70% apresentam maior taxa de complicações
7 - Sintomas pulmonares (tosse, dispneia, catarro) 1
pulmonares associadas à cirurgia. Tais complicações estão
aumentadas em pacientes com índice de Tiffeneau (VEF1/ 8 - História de doença pulmonar 1
CVF) menor do que 65%. Classificação Taxa de % de
Pontos
O risco de complicações pulmonares é, particularmen- de risco complicações mortalidade
te, maior em pacientes com alterações gasométricas, sendo Baixo 0a3 6% 2%
que PaO2 <50mmHg e PaCO2 >50mmHg se associam a even-
Moderado 4a6 23% 6%
tos cardíacos no perioperatório. Um estudo demonstrou
que níveis de PaCO2 >45mmHg estavam associados a uma Alto >7 35% 12%
maior taxa de complicações pulmonares em submetidos a
cirurgias cardíacas, o que é compreensível, visto que esses Algumas medidas podem auxiliar a diminuir o risco ci-
níveis indicam pacientes com comprometimento ventilató- rúrgico, como cessação do tabagismo, pelo menos, 8 sema-
rio importante e apresentam correlação com hipoxemia e nas antes do procedimento. A compensação de doenças
outros fatores que aumentam morbidades perioperatórias. pulmonares, como asma e DPOC, também é importante.
Cirurgias com duração maior que 3h, uso de pancurônio Pacientes com infecções respiratórias precisam ser adequa-

148
AVALIAÇÃO E ABORDAGEM PERIOPERATÓRIA

damente tratados, e educação e manobras de expansão - Pacientes de alto risco para tromboembolismo (grau
pulmonar podem auxiliar, em particular, pacientes obesos. de recomendação IIA):
Quando possível, deve-se limitar a duração de procedimen- • Interromper a varfarina 4 dias antes da operação,
tos cirúrgicos, evitar o uso de bloqueadores neuromuscula- aguardar INR normalizar;
res, entre outras medidas.
• Iniciar HNF ou HBPM dose plena quando INR <2;
Exercícios com estímulo de respiração profunda, fisio-
• Suspender HNF intravenosa 5h antes do procedi-
terapia, uso de CPAP ou outras formas de pressão positiva
mento e HBPM ou HNF SC de 12 a 24h antes;
e controle rigoroso da dor podem ajudar, enquanto a cor-

CARDIOLOGIA
ticoterapia em pacientes com asma e DPOC pode ser im- • No pós-operatório, reiniciar HNF ou HBPM em dose
portante. plena e varfarina simultaneamente, até o INR estar
dentro da faixa terapêutica.

12. Pacientes em uso de anticoagulantes - Pacientes com risco intermediário de tromboembo-


lismo (grau de recomendação IIA):
Pacientes em uso de anticoagulantes podem estar an-
ticoagulados por diferentes razões, o que aumenta o risco • Depende da avaliação individual de cada paciente;
de sangramento, enquanto a interrupção da anticoagulação podem ser seguidas as orientações tanto para o
pode aumentar o risco de trombose. alto como para o baixo risco, a critério do médico
Alguns procedimentos não se associam a aumento do assistente.
risco de sangramento, mesmo em submetidos a anticoagu- - Procedimentos de baixo risco de sangramento (grau
lação, como cirurgias de catarata, vitreorretinal, procedi-
de recomendação I):
mentos protéticos e dentários.
As Diretrizes Brasileiras de Avaliação Perioperatória divi- • Realizar o procedimento com INR ao redor de 2;
dem os pacientes de acordo com o risco de ocorrer eventos não é necessária suspensão do anticoagulante;
tromboembólicos: • Se INR >3, descontinuar o anticoagulante por 1 a 2 dias
antes da cirurgia e reiniciar na noite após a cirurgia.
- Pacientes de alto risco: tromboembolismo venoso há
menos de 3 meses; próteses valvares mecânicas; fibri- - Procedimentos de urgência:
lação atrial com Acidente Vascular Cerebral (AVC) pré- • Vitamina K e plasma fresco podem ser usados para
vio ou com múltiplos fatores de risco para AVC ou as- reversão da anticoagulação, evitando altas doses
sociada a valvopatias; estados de hipercoagulabilidade de vitamina K, que podem dificultar anticoagulação
(fator V de Leiden, deficiências de proteína C e S) com posterior.
trombose recorrente ou recente;
- Pacientes de risco intermediário: fibrilação atrial sem Quanto a pacientes em uso de heparina não fraciona-
AVC prévio e com apenas 1 fator de risco para AVC da venosa, esta deve ser descontinuada 2 horas antes da
(idade >65 anos, diabetes mellitus, HAS, ICC); cirurgia. E heparina não fracionada SC ou HBPM devem ser
descontinuadas 12h antes da cirurgia.
- Pacientes de baixo risco: tromboembolismo venoso
há mais de 3 meses, fibrilação atrial sem fatores de
risco para AVC, estados de hipercoagulabilidade sem 13. Abordagem para diminuir o risco de
complicação trombótica recente, história de trombose trombose venosa profunda
recorrente.
Procedimentos cirúrgicos são importantes fatores de
As recomendações das diretrizes brasileiras em relação risco para o desenvolvimento de eventos tromboembóli-
à anticoagulação são: cos. Outros fatores incluem trombofilias, fraturas de fêmur,
entre outras condições.
- Pacientes de baixo risco para tromboembolismo (grau As Diretrizes Brasileiras de Avaliação Perioperatória re-
de recomendação IIA): comendam:
• Interromper varfarina 4 dias antes da operação, - Risco baixo (grau de recomendação I):
aguardar INR retornar a valores quase normais
• Mobilização precoce.
(<1,5);
- Risco moderado (grau de recomendação I):
• No pré-operatório, se indicado, pode ser usada he- • Heparina: 5.000UI SC, a cada 12h, iniciando 1 a 2h
parina profilática não fracionada (HNF) ou de baixo antes da operação;
peso (HBPM); • Enoxaparina: 20mg SC, 1 a 2h antes da cirurgia e
• No pós-operatório, usar HNF ou HBPM profilática 1x/dia no pós-operatório;
(se indicado pelo tipo de procedimento) e reiniciar • Meia elástica: início imediatamente antes da cirur-
a varfarina simultaneamente. gia, até o acompanhamento ambulatorial;

149
CARD I OLOG I A

• Compressão Pneumática Intermitente (CPI): início • Varfarina: com ajuste da dose para manter o INR
imediatamente antes da cirurgia até a alta hospitalar. entre 2 e 3 no pré-operatório ou imediatamente
após a cirurgia;
- Risco alto (grau de recomendação I): • Heparina: 5.000U SC, a cada 8h, 1 a 2h antes (grau
• Heparina: 5.000UI SC, a cada 8h, iniciando 1 a 2h de recomendação IIA).
antes da cirurgia;
• Enoxaparina: 40mg SC, 1 a 2h antes da cirurgia e - Neurocirurgia (grau de recomendação I):
1x/dia no pós-operatório; • CPI: com ou sem meia elástica;
• CPI: início imediatamente antes da cirurgia até a • Heparina: 5.000U SC, a cada 8h, 1 a 2h antes (grau
alta hospitalar. de recomendação IIA);
• Enoxaparina: 40mg SC/dia no pós-operatório (grau
- Risco muito alto (grau de recomendação I): de recomendação IIA);
• Enoxaparina: 40mg SC, 1 a 2h antes da cirurgia e • Associação de meia elástica/CPI e enoxaparina/he-
1x/dia no pós-operatório combinado com CPI/meia parina profilática.
elástica;
• Heparina: 5.000U UI SC, a cada 8h, iniciando 1 a 2h - Trauma (grau de recomendação I):
antes de cirurgia combinado com CPI/meia elástica; • Enoxaparina: 30mg SC, a cada 12h, iniciando 12 a
• Varfarina em pacientes selecionados: início com 5mg/ 36h após o trauma ser hemodinamicamente estável;
dia ou no dia após a cirurgia, ajustando a dose para • CPI/meia elástica: em caso de contraindicação ao
manter um INR de 2 a 3 (grau de recomendação IIA). uso de enoxaparina pelo risco de sangramento;
• Filtro de veia cava inferior: em caso de TVP demons-
- Artroplastia de quadril eletiva (grau de recomen- trada e contraindicação ao uso de anticoagulantes.
dação I):
• Enoxaparina: 40mg SC, 12h antes ou 12 a 24h de- - Lesão aguda da medula espinhal (grau de recomen-
pois da cirurgia, ou 20mg SC 4 a 6h depois da cirur- dação I):
gia mantendo 40mg/dia nos dias subsequentes; • Enoxaparina: 30mg SC, a cada 12h;
• Varfarina: com ajuste da dose para manter o INR • CPI e meia elástica: em associação a enoxaparina
entre 2 e 3 iniciando no pré-operatório ou imedia- ou heparina profilática, ou se anticoagulantes são
tamente após a cirurgia; contraindicados logo após a lesão (grau de reco-
• Heparina: SC, a cada 8h, dose inicial de 3.500U ajus- mendação IIA);
tando 500U por dose para manter TTPA nos níveis • Na fase de reabilitação, continuar terapia com
superiores da normalidade (grau de recomendação enoxaparina ou passar para anticoagulação plena
IIA); com varfarina (INR entre 2 e 3).
• Associação das medidas de profilaxia com CPI ou - Cirurgias ginecológicas (grau de recomendação I):
meia elástica (grau de recomendação IIa);
• Pequenas em doenças benignas:
• Duração da profilaxia por, pelo menos, 7 dias.
* Mobilização precoce.
- Artroplastia de joelho eletiva (grau de recomen- • De grande porte em doença benigna sem fatores
dação I): de risco:
• Enoxaparina: 40mg SC, 12h antes ou 12 a 24h de- * Heparina: 5.000U SC, a cada 12h;
pois da cirurgia, ou 20mg SC, 4 a 6h depois da ci- * Enoxaparina: 40mg SC, a cada 24h, ou CPI antes da
rurgia mantendo 40mg/dia nos dias subsequentes; cirurgia e, no mínimo, vários dias do pós-operatório.
• Varfarina: com ajuste da dose para manter o INR • Extensas por câncer:
entre 2 e 3 iniciando no pré-operatório ou imedia- * Heparina: 5.000U SC, a cada 8h;
tamente após a cirurgia; * Heparina: 5.000U SC, a cada 8h, associada a CPI
• CPI: início imediatamente antes da cirurgia até a ou meia elástica na tentativa de promover uma
alta hospitalar; proteção adicional.
• Duração da profilaxia por, pelo menos, 7 a 10 dias.
- Cirurgias urológicas (grau de recomendação I):
- Cirurgia de fratura de quadril (grau de recomen- • Baixo risco ou transuretrais: mobilização precoce.
dação I): • Grande porte ou com abertura de cavidade:
• Enoxaparina: 40mg SC 12h, antes ou 12 a 24h de- * Heparina: 5.000U SC, a cada 8h, 1 a 2h antes;
pois da cirurgia, ou 20mg SC, 4 a 6h depois da ci- * Enoxaparina: 40mg SC, 1 a 2h antes e 1x/dia no
rurgia mantendo 40mg/dia nos dias subsequentes; pós-operatório;

150
AVALIAÇÃO E ABORDAGEM PERIOPERATÓRIA

* CPI: imediatamente antes e até a alta hospitalar; cortisona, 100mg, a cada 8h em 24h, pela chance de
* Meia elástica: início imediatamente antes da ci- insuficiência adrenal.
rurgia até o acompanhamento ambulatorial.
• Pacientes de alto risco: Os pacientes com hipertireoidismo apresentam risco
Associação de CPI/meia elástica com enoxaparina/ de crise tireotóxica em procedimentos cirúrgicos e devem
heparina profilática. ser submetidos a procedimentos cirúrgicos eletivos só em
caso de eutireoidismo. Tempestade tireoidiana já foi uma
complicação relatada com relativa frequência entre pes-
A Tabela 7 sumariza as recomendações das diretrizes

CARDIOLOGIA
soas com hipertireoidismo submetidas a cirurgia. Por isso,
brasileiras.
devem ser pontuados alguns princípios do manejo delas:
Tabela 7 - Recomendação para manejo da anticoagulação pré e - Doses de PTU, 200 a 250mcg, 4/4h, e de tapazol,
pós-operatória para pacientes em uso de anticoagulação oral por 20mcg, 4/4h são apropriadas a esses pacientes;
história de TEV prévio - PTU é a 1ª escolha pela ação na inibição da conversão
Indicação Antes da cirurgia Após a cirurgia periférica de T4 em T3;
Heparina IV (reiniciar - Ácido iopanoico é o agente iodado de escolha (Telepa-
12h após operações de que) - 1g, de 8/8h no 1º dia e após, 500mg, de 12/12h;
TEV agudo - Heparina IV (sus-
grande porte ou mais na falta deste, usar iodeto de potássio, 4 a 8 gotas, de
mês 1 pender 6h antes)
tarde, caso haja risco de
6/6 ou 8/8h;
sangramento)
Heparina IV (até atingir
- Tionamidas devem ser oferecidas antes do iodo (2 a
TEV - meses 2 e 3 Sem alteração INR de 2 com uso de 3h);
varfarina) - A dose de lítio é de 300mg 6/6h; usada quando não
TEV - após 3 se podem utilizar tionamidas (há poucos estudos com
Sem alteração HBPM SC seu uso);
meses
TEV recorrente Sem alteração HBPM SC - Hemodiálise e hemoperfusão não devem ser usadas
como terapia de 1ª linha;
14. Pacientes com tireoidopatia - Os beta-bloqueadores são importantes para inibir efei-
tos periféricos dos hormônios tireoidianos; a dose de
Os pacientes com doença de tireoide apresentam risco propranolol é de 60 a 120mg, de 6/6h;
aumentado de eventos mórbidos e mortalidade no periope- - A reposição de corticosteroides é indicada, pois são
ratório. O hipotireoidismo, por exemplo, é extremamente pacientes de risco para insuficiência adrenal; a dose
prevalente entre as mulheres, as quais podem apresentar de hidrocortisona recomendada é de 100mg, de 8/8h.
complicações. As recomendações das Diretrizes Brasileiras
de Avaliação Perioperatória são (grau de recomendação I,
nível de evidência D): 15. Reposição de corticosteroides em ci-
- Não valorizar hipotireoidismo subclínico em caso de rurgias
valor de TSH <10mU/dL;
A insuficiência adrenal pode ser precipitada por proce-
- O procedimento eletivo só deve ser realizado quando dimentos cirúrgicos em virtude do estresse causado pelo
o paciente estiver eutireóideo;
dano tecidual. Na vigência do bloqueio do eixo adrenal pelo
- Pacientes com idade <45 anos devem receber a dose uso crônico de corticosteroides, existe o risco de falência
plena, que costuma ser de 1,6 a 2,2mcg/kg de L-tiro- adrenal no perioperatório. O aumento dos níveis de cortisol
xina ou 100 a 200mcg ao dia. Os níveis de TSH só se sérico é uma importante resposta ao estresse cirúrgico e
normalizam após 4 a 6 semanas do início da dose ade- representa resposta protetora do organismo, necessária no
quada; processo adaptativo.
- Pacientes com mais de 45 anos devem iniciar com 25 Cirurgias, portanto, representam estresse fisiológico
a 50mcg/dia, e a dose é aumentada a cada 2 semanas; e resultam em ativação do eixo hipotalâmico-hipofisário-
- Pacientes coronarianos devem receber 15mcg/dia, e a -adrenal, provocando aumento do ACTH e da secreção de
dose deve ser aumentada a cada semana, até que se cortisol. Pacientes em uso de glicocorticoide exógeno po-
chegue a TSH normal; dem não produzir ACTH e cortisol suficiente para situações
- Não adiar procedimento em pacientes com quadro de de estresse, como cirurgias, e podem evoluir para insufici-
hipotireoidismo leve, porém iniciar reposição hormo- ência adrenal com hipotensão e choque, embora a evidên-
nal oral; cia de que isso ocorra seja anedótica.
- Em procedimentos cirúrgicos na vigência de hipoti- Doses menores que 5mg de prednisona, únicas pela ma-
reoidismo, devem-se realizar profilaxia de hipotermia nhã, não parecem causar qualquer espécie de supressão no
e monitorização cardiovascular e administrar hidro- eixo. O mesmo acontece com corticoide de curta duração

151
CARD I OLOG I A

em dias alternados, ou qualquer dose de corticoide usada


por menos de 3 semanas. Porém, provavelmente, apresen-
tam essa supressão pacientes que usaram dose de 20mg ou
mais de prednisona por período de tempo superior a 3 se-
manas, que pareçam clinicamente cushingoides ou em uso
de dose de 7,5mg ou mais por período de 1 mês ou mais.
A duração da supressão do eixo é discutível, mas pode ser
de até 1 ano após a interrupção do uso de glicocorticoides.
Tais pacientes podem ter o eixo testado previamente à
cirurgia, com teste da cortisona de baixa dose. Não é feito
o teste convencional, pois representa dose suprafisiológica.
Caso não seja prático testar o eixo desses indivíduos, deve-
-se introduzir regime de suplementação de glicocorticoides
previamente à cirurgia.
Caso o procedimento a que o paciente será submetido
seja simples ou com anestesia local, pode-se usar apenas
dose usual de reposição de glicocorticoide, como 5mg de
prednisona ou 20 a 25mg de acetato de cortisona.
Em procedimentos de estresse cirúrgico moderado,
recomenda-se dose suplementar de 50mg IV de hidrocor-
tisona antes da cirurgia e 25mg, a cada 8h, por 24 a 48h,
podendo retornar a dose suplementar de glicocorticoide ou
descontinuá-lo.
Em estresses cirúrgicos considerados maiores, a litera-
tura recomenda repor hidrocortisona em dose de 100mg
antes da indução anestésica, mantendo 50mg IV, a cada 8h,
por 48 a 72h, antes de descontinuar ou retornar ao esque-
ma de reposição usual.

16. Resumo
Quadro-resumo
- O risco cirúrgico depende dos riscos da própria cirurgia, da
idade do paciente e das suas comorbidades;
- As cirurgias de emergência/urgência apresentam maior risco;
- O risco cardiovascular nas cirurgias eletivas pode ser avaliado
por teste de esforço;
- A classificação ASA é pouco sensível em classificar adequada-
mente o risco perioperatório;
- A avaliação de Goldman e Detski são mais sensíveis na avalia-
ção do risco cardiovascular;
- A utilização de beta-bloqueadores no perioperatório para pa-
cientes de risco cardiovascular está associada à redução de
eventos no perioperatório;
- A avaliação laboratorial pré-operatória deve ser individualiza-
da, de acordo com as morbidades de cada paciente.

152
CAPÍTULO

17
Diagnóstico diferencial da dor torácica

Rodrigo Antônio Brandão Neto / José Paulo Ladeira

1. Introdução Causa Prevalência


Gastrintestinal 19%
A dor torácica, principalmente no contexto de pacientes
na sala de emergência, pode ser de diagnóstico problemáti- Causas cardíacas 16%
co, pois, embora na maioria dos casos apresente etiologias Angina estável 10,5%
benignas, pode estar associada a patologias graves poten- Angina instável ou IAM 1,5%
cialmente fatais e de rápida evolução. Outras causas cardíacas 3,8%
O diagnóstico diferencial das patologias, que podem Causas psiquiátricas 8%
evoluir com dor torácica, é vasto, e torna-se quase impos- Causas pulmonares 5%
sível realizar a investigação complementar a todas essas
Outras causas 16%
possibilidades. Assim, a avaliação inicial a partir da histó-
ria e do exame físico é importante para a triagem dos pa- A dor por causa musculoesquelética é o principal moti-
cientes potencialmente graves. De forma mais específica, vo de procura por dor torácica em serviços de emergência,
também é importante descartar as síndromes coronaria- representando 36% das causas, em que a osteocondrite é
nas agudas, o tromboembolismo pulmonar e a dissecção responsável por 13% dos casos. Cerca de 60% dos casos de
da aorta. dor torácica não têm doença pulmonar, cardíaca ou mesmo
As síndromes coronarianas representam cerca de 20% gastrintestinal como causa básica. Considerando as causas
dos pacientes com dor torácica que procuram os serviços gastrintestinais de dor torácica, menos de 20% dos pacien-
de emergência. Embora a minoria se apresente na forma de tes com dor torácica apresentam uma causa que pode ter
síndromes instáveis, esses indivíduos são os que apresen- evolução potencialmente desfavorável. A prevalência de
tam a maior dificuldade na diferenciação de outras causas doença cardíaca é relativa à idade; em pacientes com me-
benignas. nos de 35 anos, apenas 7% têm causas cardíacas como mo-
tivo da dor. Porém, em pacientes com mais de 40 anos e
2. Epidemiologia em especial aqueles acima de 50 anos, as causas cardíacas
podem ter prevalência de até 50%. A Tabela 2 descreve as
Um estudo relativamente recente, com cerca de 400 pa-
principais causas de dor torácica.
cientes, descreveu as causas de dor torácica em diferentes
serviços de emergência. Os resultados estão especificados Tabela 2 - Causas de dor torácica
na Tabela 1. Dor óssea e neuromuscular
Tabela 1 - Resultados do estudo que descreve as causas de dor - Lesões costais (fraturas/trauma/neurites);
torácica em diferentes serviços de emergência - Osteocondrite (síndrome de Tietze);
Causa Prevalência - Neurite intercostal (herpes-zóster);
Dor osteomuscular 36% - Outras causas de dor osteomuscular.

153
C ARDI O LOG I A

Doenças gastroesofágicas A dor torácica pode ser classificada em 3 subtipos:


- Refluxo gastroesofágico; 1 - Angina típica: dor característica, provocada por es-
forço, aliviada com nitrato ou repouso.
- Espasmo esofágico;
2 - Angina atípica: 2 das características citadas na angi-
- Úlcera péptica e dispepsia;
na típica.
- Ruptura de esôfago. 3 - Dor torácica não cardíaca: 1 ou nenhuma das carac-
Transtornos psiquiátricos terísticas citadas.
- Transtorno do pânico e outros distúrbios de ansiedade;
Outros fatores que sugerem a possibilidade do diagnós-
- Transtornos somatoformes;
tico são a idade e a presença de fatores de risco para doen-
- Quadros depressivos.
ça coronariana, como diabetes, tabagismo, dislipidemia e
Causas cardiovasculares hipertensão arterial. As Tabelas 3 e 4 descrevem a possibi-
- Síndromes coronarianas; lidade, em porcentagem, do diagnóstico de angina estável
- Pericardite; em pacientes com e sem fatores de alto risco de doença
- Dissecção de aorta. cardiovascular.
Causas pulmonares Tabela 3 - Pacientes sem fatores de alto risco
- Pneumotórax; Dor não anginosa Angina atípica Angina típica
- Tromboembolismo pulmonar; Idade Ho- Ho- Ho-
Mulher Mulher Mulher
- Pneumonia e outras causas de pleurite. mem mem mem
Outras causas 30 a 39 4 2 34 12 76 26
- Pancreatite; 40 a 49 13 3 51 22 87 55
- Cólica biliar;
50 a 59 20 7 65 31 93 73
- Abscesso subfrênico.
60 a 69 27 14 72 51 94 86

3. Quadro clínico Tabela 4 - Pacientes com fatores de alto risco


Pacientes que se apresentam no serviço de emergência Dor não anginosa Angina atípica Angina típica
com quadro de dor torácica, que potencialmente podem Idade Ho- Ho- Ho-
Mulher Mulher Mulher
representar causa fatal, devem ser levados imediatamente mem mem mem
para a sala de emergência, com o desfibrilador à disposição 35 3 a 35 1 a 19 8 a 59 2 a 39 30 a 88 10 a 78
para uso eventual. As medidas iniciais para a estabilização
45 9 a 47 2 a 22 21 a 70 5 a 43 51 a 92 20 a 79
incluem monitorização cardíaca, obtenção de acesso veno-
so e oxigênio suplementar. Durante o exame físico e a toma- 55 23 a 59 4 a 25 45 a 79 10 a 47 80 a 95 38 a 82
da da história, deve ser realizado um eletrocardiograma de 65 49 a 69 9 a 29 71 a 86 20 a 51 93 a 97 56 a 84
12 derivações com resultado em no máximo de 10 minutos
da entrada no PS. A dor anginosa pode ser reproduzida também pela es-
tenose aórtica, que apresenta a tríade de síncope, angina e
A - Dor torácica cardíaca por isquemia dispneia ou sintomas de insuficiência cardíaca. Os pacientes
podem apresentar, nas 2 situações, sopro sistólico no foco
A história e o exame físico são bons recursos para o diag-
aórtico e sobrecarga ventricular esquerda. O diagnóstico é
nóstico das síndromes coronarianas. As características da dor
confirmado por ecocardiograma.
anginosa são dor em pressão, aperto, constritiva ou em peso,
com duração usual de alguns minutos, e a localização é usual-
mente retroesternal, podendo ocorrer, ainda, em ombro, epi-
B - Pericardite
gástrio, região cervical e dorso. A dor pode irradiar-se eventu- Os pacientes apresentam-se com dor de característica
almente para membros superiores (direito, esquerdo ou am- pleurítica no hemitórax esquerdo, com piora durante a res-
bos), ombro, mandíbula, pescoço, dorso ou região epigástrica. piração, ao deitar ou deglutir. Há melhora quando o pacien-
Os fatores desencadeantes mais frequentes são o esforço físico te se senta ou se inclina para frente. A apresentação típica
e o estresse emocional. É aliviada, caracteristicamente, com o engloba dor torácica respiratório-dependente, alterações
repouso ou uso de nitratos. Vale salientar que cerca de 1/3 dos ao ECG como supradesnivelamento do segmento ST ou in-
pacientes com síndrome coronariana aguda não apresenta dor fradesnivelamento de PR em várias derivações e presença
anginosa típica, particularmente em idosos ou diabéticos. Em de derrame pericárdico.
algumas situações, podem acontecer os chamados sintomas Os pacientes podem, ainda, apresentar febre, e o qua-
equivalentes de isquemia, como desconforto torácico, disp- dro frequentemente é precedido por um quadro gripal. A
neia, broncoespasmo e diaforese. dor é, em geral, mais aguda que a da angina e tem caráter

154
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DA DOR TORÁCICA

contínuo. Indivíduos com miocardite podem apresentar, ao cica localizada no dorso ou ombros e é acompanhada de
ECG, aumento da duração do intervalo QRS e sintomas de dispneia. Pode ter evolução para pneumotórax hipertensi-
insuficiência cardíaca. vo, em que os pacientes apresentam insuficiência respirató-
ria e colapso cardiovascular. A percussão torácica se encon-
C - Dissecção aguda de aorta tra timpânica, o murmúrio vesicular está abolido do lado do
A dissecção aguda de aorta é relativamente rara, em- pneumotórax, a traqueia pode estar desviada, e ainda há a
bora apresente alto potencial de letalidade. A dissecção da hipótese de estase jugular.
A pneumonia e outras doenças parenquimatosas, prin-

CARDIOLOGIA
aorta sempre deve ser considerada possibilidade em pa-
cientes com dor torácica no serviço de emergência. Surge cipalmente as que se apresentam com envolvimento pleu-
como dor torácica abrupta e de forte intensidade em 73% ral, cursam com dor que geralmente tem piora ventilatória.
dos casos, com característica principalmente de pontadas O diagnóstico diferencial principal, nesses casos, passa pe-
agudas. Pode ser acompanhada por insuficiência cardíaca, las dores osteomusculares e neurites intercostais, que tam-
principalmente secundária à insuficiência aórtica aguda ou bém apresentam tais características.
por sangramento para o saco pericárdico com tampona-
mento e choque. Dependendo da extensão da dissecção, E - Dor esofágica e dispepsia
pode ocorrer oclusão arterial aguda de membros ou renal
Pacientes com refluxo gastroesofágico podem apresen-
e mesentérica.
tar desconforto torácico, comumente em queimação, algu-
Os pacientes costumam estar agitados, e é descrita a mi-
mas vezes como uma sensação opressiva, retroesternal ou
gração da dor seguindo o trajeto da aorta. Podem apresen-
subesternal, podendo irradiar-se para pescoço, braços, dor-
tar assimetria de pulsos e hipertensão arterial significativa,
so. Frequentemente, associa-se à regurgitação alimentar.
valorizando-se diferenças acima de 15mmHg entre cada
membro. Cerca de 90% dos pacientes apresentam histórico O espasmo esofágico pode apresentar melhora com
de hipertensão arterial, doenças do tecido conectivo, como o uso de nitratos, causando dificuldade na diferenciação
a síndrome de Marfan e Ehler-Danlos ou sífilis. Sintomas au- com síndromes coronarianas. Pacientes com úlcera pépti-
tonômicos, como diaforese e palidez cutânea, também são ca apresentam dor localizada em região epigástrica ou no
comuns. A confirmação do diagnóstico deve ser realizada andar superior do abdome, mas, algumas vezes, pode ser
com tomografia de tórax, e, na sala de emergência, pode referida na região subesternal ou retroesternal. Habitual-
ser utilizado o ecocardiograma transesofágico. mente, ocorre após uma refeição, melhorando com o uso
de antiácidos.
D - Tromboembolismo pulmonar A ruptura de esôfago acontece após trauma local ou
vômitos intensos, principalmente após ingestão alcoólica
Os pacientes apresentam-se tipicamente (2/3 dos ca-
aguda. A dor é intensa, retroesternal ou no andar superior
sos) com dor, que pode ser pleurítica e costuma ser súbi-
do abdome, geralmente acompanhada de um componente
ta. Dispneia e taquicardia são sintomas comuns e podem
pleurítico à esquerda. O diagnóstico pode ser sugerido pela
acompanhar o quadro. O uso de escores clínicos como o
de Wells e Geneva ajuda na definição de risco de doença presença de pneumomediastino, e em torno de 1/3 dos pa-
tromboembólica e facilita a investigação desses pacientes. cientes apresenta enfisema subcutâneo.
Os critérios de Wells estão citados na Tabela 5:
F - Dor osteomuscular e psicogênica
Tabela 5 - Probabilidade de TEP (critérios de Wells)
Conforme já discutido, a dor osteomuscular, em geral,
Achado clínico Pontos apresenta características pleuríticas por serem desencade-
Sintomas clínicos de doença tromboembólica 3 adas ou exacerbadas pelos movimentos dos músculos e/ou
Outro diagnóstico menos provável que TEP 3 articulações que participam da respiração. A palpação cui-
FC >100bpm 1,5 dadosa das articulações ou dos músculos envolvidos quase
Imobilização ou cirurgia nas últimas 4 semanas 1,5 sempre reproduz ou desencadeia a dor referida. Geralmen-
TEP ou TVP prévios 1,5 te, a dor é contínua e com duração de horas a semanas.
Hemoptise 1,5 Frequentemente, tem uma localização em área específica,
o que facilita a diferenciação com outros quadros.
Malignidade 1,5
As dores por causas psicogênicas são comuns nos ser-
- Alta probabilidade: escore >6; viços de emergência e podem apresentar qualquer padrão,
- Moderada probabilidade: escore de 2 a 6; mas costumam ser difusas, de localização imprecisa, po-
- Baixa probabilidade: escore <2. dendo estar associadas a utilização abusiva de analgésicos
sem melhora sintomática e representam cerca de 30% dos
Outras causas de dor torácica pulmonares incluem o casos de dor torácica em serviços de emergência, portanto,
pneumotórax espontâneo, que se apresenta com dor torá- significativamente mais frequentes que as causas cardíacas.

155
C ARDI O LOG I A

4. Exames complementares - O uso de nitrato sublingual e a observação da resposta


da dor a esta manobra não são suficientes para confir-
Dependem da hipótese diagnóstica do paciente. Em ge- mar nem excluir a hipótese de doença coronariana. Ainda
ral, a abordagem visa excluir doença coronariana, sendo ab- assim, alguns autores valorizam o seu uso, pois a respos-
solutamente fundamental a realização de eletrocardiogra-
ta da dor torácica ao uso do nitrato sublingual aumen-
ma no máximo em até 10 minutos, contados da chegada do
ta a chance de doença coronariana, mas não apresenta
paciente. O ECG será normal na maioria dos pacientes com
acurácia suficiente para confirmar nem para descartar o
dor torácica. Ainda assim, cerca de 5% dos pacientes com
diagnóstico, o que torna opcional esta manobra.
eletrocardiograma normal apresentam síndrome coronaria-
na aguda. Por isso, outros dados de história são necessários Em pacientes com suspeita diagnóstica de doença co-
para a exclusão precisa deste diagnóstico. ronariana, os marcadores laboratoriais são importantes; os
A sensibilidade do ECG para o diagnóstico de IAM é de marcadores mais sensíveis e específicos são as troponinas
pouco mais de 50%. Assim, a necessidade de exames se- (incluindo troponina T e I) que apresentam sensibilida-
riados e de observação com monitoração é imperiosa em
de acima de 95% e especificidade em torno de 94% para
pacientes com essa suspeita. Recomenda-se realizar um 2º
o diagnóstico de IAM. Outra vantagem desse exame é que
ECG com intervalo de, no máximo, 3 horas após o 1º ou a
alguns estudos demonstraram correlação prognóstica entre
qualquer momento, em caso de recorrência da dor torácica
sua elevação e mortalidade por IAM. Sua coleta deve ser re-
ou de surgimento de instabilidade clínica.
alizada já na admissão e após 6 e 12 horas do início da dor. A
Os pacientes com dor torácica suspeita de doença cardí-
troponina começa a elevar-se em 4 horas, com pico em 12 a
aca podem ser subdivididos nos seguintes grupos:
48 horas e permanece aumentada por 10 a 14 dias. Portan-
a) Infarto agudo do miocárdio.
to, tal marcador perde sensibilidade para o diagnóstico de
b) Provável isquemia aguda.
c) Possível isquemia aguda. reinfarto, mas permite a identificação de infarto ocorrido
d) Provavelmente não isquêmica. anteriormente dentro do prazo descrito (7 a 10 dias). Deve-
e) Definitivamente não isquêmica. -se ressaltar que a especificidade das troponinas diminui
em pacientes com insuficiência renal, miocardite e trombo-
a) Infarto agudo do miocárdio: pacientes em que o ECG embolismo pulmonar.
demonstra supradesnivelamento de ST ou aparecimento de A mioglobina, por sua vez, é o marcador mais precoce
bloqueio de ramo esquerdo novo. disponível: altera-se em 2 a 3 horas após o infarto, com pico
b) Isquemia aguda provável: pacientes com alta proba- entre 6 e 12 horas e normalização em 24 horas. Sua maior
bilidade de apresentar eventos adversos; devem apresentar utilidade é descartar precocemente necrose miocárdica,
pelo menos 1 dos critérios a seguir: com valor preditivo negativo, em 4 horas após o início da
- Instabilidade clínica: definida pela presença de hipo- dor, de quase 100%. Entretanto, o exame é inespecífico e
tensão, arritmia ou edema pulmonar; necessita de confirmação com dosagem de troponinas e/
- Dor torácica anginosa típica ocorrendo em repouso e ou CK-MB.
com alterações isquêmicas no ECG; A CK-MB é sensível para o diagnóstico de IAM e deve
- Enzimas cardíacas elevadas. ser utilizada para a definição de infarto quando a troponi-
na não está disponível. Além disso, auxilia o diagnóstico de
c) Isquemia aguda possível: pacientes com probabilida- reinfarto, pois a troponina permanece elevada por longos
de média de apresentar eventos adversos e dor anginosa períodos.
típica com pelo menos 1 das seguintes características: Os exames de imagem, como radiografia e tomogra-
- Dor que se iniciou em repouso, mas sem dor no mo- fia de tórax, são úteis para o diagnóstico de pneumonia,
mento;
pneumotórax, entre outras condições cardiopulmonares. A
- Dor em esforço de início recente; tomografia de tórax apresenta boa sensibilidade para do-
- Dor torácica com esforço “em crescendo”. enças pleurais, do parênquima e da vasculatura pulmonar.
Apresenta grande utilidade para o diagnóstico de embolia
d) Dor provavelmente não isquêmica: paciente com
pulmonar, com estudos recentes com sensibilidade próxima
dor sem características de isquemia coronariana; tanto a
a 95% e para dissecção de aorta.
história clínica como o ECG e os marcadores cardíacos não
Em alguns pacientes, em quem a suspeita de doença co-
sugerem doença coronariana.
ronariana ainda persiste, pode-se lançar mão de testes não
e) Dor definitivamente não isquêmica: invasivos, como o teste de esforço, ecocardiograma com es-
- Paciente com forte evidência de outra etiologia para tresse farmacológico ou cintilografia miocárdica. O teste de
a dor; esforço apresenta sensibilidade de 68% para o diagnóstico,

156
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DA DOR TORÁCICA

com especificidade de 77%. É, usualmente, considerado po- - Quanto ao local


sitivo quando ocorre depressão do segmento ST maior que • Dissecção proximal: caso acometa a aorta ascen-
1mm 60 a 80ms após o final do QRS (ponto J). Todavia, não dente (tipos I e II de DeBakey e tipo A de Stanford).
é útil quando o ECG de repouso apresenta alterações que Cerca de 65% dos doentes têm dissecção da aorta
dificultem a sua interpretação, como bloqueios de ramo e ascendente;
sobrecarga ventricular esquerda severa. • Dissecção distal: não acomete a aorta ascendente
Os exames de cintilografia miocárdica apresentam sen- (tipo III de DeBakey e tipo B de Stanford). A dissecção

CARDIOLOGIA
sibilidade e especificidade maiores que o teste de esforço, da aorta descendente ocorre em 20% dos doentes.
sendo indicados, principalmente, a situações que dificultem
a interpretação do teste de esforço, como valvulopatia aór-
- Quanto à evolução
tica ou bloqueio de ramo esquerdo. • Aguda: menos de 2 semanas do início dos sintomas
O ecocardiograma de estresse físico ou com dobuta- (2/3 dos doentes);
mina ou dipiridamol também é útil para o diagnóstico de • Crônica: mais de 2 semanas do início dos sintomas
pacientes com suspeita de doença coronariana, com de- (1/3 dos doentes).
sempenho diagnóstico semelhante ao dos exames de cin- Tabela 6 - Métodos complementares para o diagnóstico da dissecção
tilografia miocárdica. Ainda permite o diagnóstico de peri- aguda de aorta
cardite, tromboembolismo pulmonar e dissecção de aorta Ecocardiograma transtorácico
principalmente na sala de emergência. Sensibilidade de 63 a 96% e especificidade de 59 a 85%. Melhor
A tomografia computadorizada de coronárias avalia a acurácia para as dissecções proximais.
carga de placas de ateroma, que é representada pela cal- Ecocardiograma transesofágico
cificação coronariana e também pode avaliar as obstruções Sensibilidade de 98 a 99%; apresenta baixa especificidade, mas é
coronarianas por meio da angiografia não invasiva. Uma o método de eleição em pacientes graves na sala de emergência.
meta-análise publicada recentemente mostrou o papel in- Tomografia helicoidal
dependente dos escores de cálcio coronariano na predição Sensibilidade de 83 a 100% e especificidade de 87 a 100%. Iden-
de eventos clínicos. O exame apresenta sensibilidade alta tifica a laceração intimal e complicações como derrame pleural e
para o diagnóstico de doença coronariana próxima de 95%, pericárdico, entre outras.
mas sua especificidade é relativamente baixa – corresponde Ressonância magnética
a apenas 66%. Não é útil para pacientes já com diagnóstico Acurácia diagnóstica de quase 100%, mas de pouca disponibili-
de doença coronariana. Recentemente, o uso de tomogra- dade no Brasil.
fia com multidetectores, que pode, com menor quantidade Essa classificação da dissecção de aorta é importante
de contraste, avaliar a vascularização pulmonar, coronária em relação ao tratamento dos pacientes, pois a dissecção
e aórtica, tem sido advogado em serviços de emergência, proximal necessita de intervenção cirúrgica imediata, en-
mas ainda é discutível. quanto indivíduos com dissecção de aorta abdominal são
Os pacientes com dissecção de aorta representam um manejados clinicamente, exceto nas seguintes condições:
desafio diagnóstico importante. A radiografia pode mostrar - Dor recorrente ou persistente, apesar do tratamento;
aumento do mediastino, sinal do cálcio (separação da calci- - Expansão precoce;
ficação da íntima de mais de 1cm da borda do arco aórtico) - Complicações isquêmicas periféricas;
e derrame pleural (em geral, à esquerda), mas, em cerca - Ruptura.
de 15% dos pacientes, não há qualquer alteração radiográ-
fica. O ECG também apenas apresenta sinais inespecíficos Todos os pacientes devem ter pressão arterial contro-
com hipertrofia do ventrículo esquerdo. O diagnóstico deve lada com beta-bloqueador e vasodilatador, de preferência
ser confirmado em pacientes graves e que não possam ser nitroprussiato.
Pacientes com dor torácica potencialmente associada a
removidos da sala de emergência com ecocardiograma
doença grave devem ser tratados com prioridade nos ser-
transesofágico. Nos casos em que podem ser removidos, o
viços de emergência. A instituição de unidades específicas
exame de escolha é a tomografia helicoidal ou a ressonân-
nos serviços de emergência para o manejo tem demonstra-
cia magnética. Em alguns raros casos, pode ser necessária do melhora da sobrevida, pois essas unidades permitem es-
a realização de aortografia, principalmente quando existem tabelecer protocolos para o manejo e acionar rapidamente
vísceras mal-perfundidas ou a necessidade de intervenção intervenções necessárias, como trombólise e angioplastia
percutânea. para pacientes com supradesnivelamento do segmento ST
A dissecção de aorta pode ser classificada em relação ao e exames subsidiários de emergência para pacientes com
local e ao tempo de evolução: dissecção de aorta, entre outras medidas.

157
C ARDI O LOG I A

Figura 1 - Atendimento do doente com dor torácica, sugerido pelo


American College of Emergency Physicians

5. Resumo
Quadro-resumo
- Dor torácica na sala de emergência é uma entidade clínica que
exige cuidado no seu manejo, pois existem causas potencial-
mente fatais que podem ser confundidas com outras de evo-
lução benigna;
- A dissecção de aorta, o tromboembolismo pulmonar e a síndro-
me coronariana aguda são as patologias que cursam com dor
torácica e maior risco de mortalidade;
- A causa mais frequente é a dor musculoesquelética;
- Idealmente, os pacientes com causa de dor torácica aguda de
origem não definida devem ser avaliados em unidades de dor
torácica para esclarecimento efetivo da causa, conforme pro-
tocolos institucionais.

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