Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Medcel Cardiologia PDF
Medcel Cardiologia PDF
1
CARD I OLOG I A
c) Faces do coração
d) Margens do coração
2
ANATOMIA CARDÍACA BÁSICA
b) Ventrículo direito mitral. Seu interior possui uma parte maior com paredes lisas e
É responsável pelo bombeamento do sangue na circu- uma aurícula muscular menor, contendo músculos pectíneos.
lação pulmonar. Ele recebe o sangue venoso do AD, que Sua parede é também um pouco mais espessa que a do AD.
repassa ao ventrículo através da valva tricúspide. Deságua d) Ventrículo esquerdo
no tronco da artéria pulmonar através da valva pulmonar.
É responsável pelo bombeamento do sangue ao corpo.
Possui em seu interior elevações musculares chamadas tra-
béculas cárneas. Os chamados músculos papilares come- Recebe o sangue arterial do AE, que passa ao VE através da
çam a contrair antes da contração ventricular, tensionando valva mitral. Deságua na aorta através da valva aórtica. O
CARDIOLOGIA
estruturas chamadas cordas tendíneas. Esse mecanismo é o VE forma o ápice do coração, suas paredes são até 3 vezes
responsável pela abertura e fechamento das válvulas. mais espessas que a do VD, as trabéculas cárneas são mais
finas e numerosas e os músculos papilares são maiores que
c) Átrio esquerdo do VD. Vale lembrar que a pressão arterial é muito maior
Recebe o sangue arterial, proveniente das veias pulmona- na circulação sistêmica do que na circulação pulmonar, por
res direitas e esquerdas. Deságua no VE, separado pela valva isso o VE trabalha mais do que o VD.
3
CARD I OLOG I A
4
ANATOMIA CARDÍACA BÁSICA
CARDIOLOGIA
ventrículos.
a) Artéria Coronária Direita (ACD) A frequência de geração e a velocidade de condução são
Origina-se do seio direito da aorta, seguindo no sulco aumentadas pelo sistema simpático e inibidas pelo sistema
coronário. Próximo de sua origem, emite o ramo do nó si- parassimpático. Isso acontece para atender as demandas
noatrial (supre o nó SA), e depois emite o ramo do nó atrio- ou conservar energia.
ventricular (supre o nó AV). Passando para parte posterior, Os nós SA e AV são supridos pelos ramos nodais da
dá origem ao grande ramo interventricular posterior, que, ACD, o que justifica a maior incidência de bloqueios da
por sua vez, envia os chamados ramos interventriculares condução AV nas síndromes coronarianas agudas de CD;
septais. já os feixes são supridos pelos ramos septais da ACE, o que
justifica a presença frequente de bloqueios de ramos agu-
b) Artéria Coronária Esquerda (ACE) dos nas síndromes coronarianas agudas desta artéria. A
Origina-se do seio esquerdo da aorta, seguindo no sulco oclusão de qualquer artéria, com consequente infarto do
coronário. Na extremidade superior do sulco IV anterior, a tecido nodal, pode exigir a inserção de um marca-passo
ACE divide-se em 2 ramos, o ramo anterior e o ramo cir- cardíaco artificial.
cunflexo. O ramo IV anterior segue até o ápice do coração.
Em muitas pessoas o ramo IV anterior dá origem ao ramo
diagonal. A artéria circunflexa origina a artéria marginal es-
querda.
5. Grandes vasos
Figura 7 - Artérias coronárias Como grandes vasos, apresentados na Figura 9, pode-
mos citar:
4. Sistema elétrico - Aorta;
O sistema de condução do coração é constituído basi- - Tronco braquiocefálico;
camente de fibras musculares especializadas para a trans- - Artéria carótida comum esquerda;
missão de impulsos elétricos. É representado pelo nó sino-
atrial, feixes de condução atrial, nó atrioventricular, feixe
- Artéria subclávia esquerda;
atrioventricular com seus ramos e fibras de Purkinje (Figura - Porção distal do tronco pulmonar;
8). Os estímulos são gerados ritmicamente, resultando na - Veias braquiocefálica direita;
contração coordenada dos átrios e ventrículos.
O nó sinoatrial localiza-se na parte superior do AD, no
- Veias braquiocefálica esquerda;
contorno anterolateral de junção da VCS. Os estímulos ge- - Parte da VCS.
5
CARD I OLOG I A
6
CAPÍTULO Dislipidemia e fatores de risco
2
para doença cardiovascular
José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
7
CARD I OLOG I A
síndrome nefrótica, a equação é imprecisa. Nestes casos, o - Hipertrigliceridemia com HDL baixo.
valor do LDL-C pode ser obtido por dosagem direta.
Devido ao diabetes mellitus e à síndrome metabólica, A classificação de Fredrickson, apesar de ser menos uti-
doenças muito frequentes na população e que causam lizada atualmente, é importante para entender os padrões
dislipidemia secundária, os tipos mais comuns de dislipi- das dislipidemias familiares (Tabela 1). Também é importan-
demias são: te saber que a avaliação semiológica pode sugerir o diag-
- Hipercolesterolemia isolada ou em associação a hiper- nóstico em algumas dislipidemias em que é característica a
trigliceridemia; aparência do plasma.
Uma discussão mais aprofundada das características das diferentes síndromes monogênicas que causam dislipidemia
não é o objetivo deste capítulo, mas a Tabela 2 apresenta as principais causas genéticas dessa alteração.
8
DISLIPIDEMIA E FATORES DE RISCO PARA DOENÇA CARDIOVASCULAR
CARDIOLOGIA
os quilomícrons. Ao saírem das células intestinais, estes formados por 60% de TG e 20% de ésteres de C. A transfe-
adquirem apoliproteínas (componentes proteicos dos qui- rência proteica microssomal de TG é essencial para o trans-
lomícrons que funcionam como cofatores para enzimas e porte do conjunto de TG para o retículo endoplasmático,
ligandinas para receptores) como a B-48, CII e E. A apo onde ocorrerão a montagem do VLDL e a secreção de apo
B-48 permite a ligação entre os lípides e os quilomícrons, B-100 no fígado. O núcleo de TG do VLDL é hidrolisado pela
mas não se liga ao receptor LDL, prevenindo o clearance
lípase lipoproteica. Durante a lipólise, o núcleo do VLDL é
precoce de quilomícrons da circulação (Figura 1).
reduzido, gerando o VLDL remanescente. Os componentes
A apo-CII é um cofator para liproteínas que geram quilo-
mícrons progressivamente menores por hidrolisar o núcleo de superfície do VLDL remanescente como FL, C não esteri-
de TG liberando os AG. Quando liberados, os 3 AG são uti- ficado e apoproteínas são transferidos para o HDL. Os VLDL
lizados como fonte de energia, convertidos novamente em remanescentes podem ser eliminados da circulação ou re-
TG ou estocados no tecido adiposo. O produto final dos qui- modelados para formar as partículas de LDL.
4. Características e causas das dislipidemias xantomas tendinosos; já os xantomas eruptivos são mais
comuns nas grandes hipertrigliceridemias, enquanto a li-
Algumas características dependem do tipo de dislipi- pemia retiniana é mais frequente em pacientes com hiper-
demia que o paciente apresenta. Pacientes com aumen- quilomicronemia. A Tabela 3 sumariza as principais causas
to de LDL-colesterol podem apresentar xantelasma e de dislipidemia.
9
CARD I OLOG I A
Elevação de C
liar; - Hipotireoidismo;
- Defeito familiar apo-B100; - Síndrome nefró-
- Lúpus eritematoso sistêmico: hipertrigliceridemia. An-
- Hipercolesterolemia poli- tica. ticorpos diminuem a atividade da lipase lipoproteica;
gênica. - Gamopatia monoclonal: hipercolesterolemia ou hi-
- Hipotireoidismo; pertrigliceridemia. Anticorpos ligam lipoproteínas e
- Hiperlipidemia familiar
Elevação de C - Síndrome nefró- interferem no catabolismo;
combinada;
e TG tica;
- Disbetalipoproteinemia.
- Diabetes mellitus.
- Outras causas secundárias: incluem porfiria, hepatite
e diversos medicamentos (diuréticos, beta-bloqueado-
- Hipertrigliceridemia fami-
liar; res, corticosteroides, ciclosporina, entre outros).
- Diabetes mellitus;
- Deficiência de LPL;
Elevação de TG - Hiperlipidemia al-
- Deficiência de Apo-CII;
- Hipertrigliceridemia espo-
coólica. 5. Rastreamento para dislipidemia
rádica. Não há evidências diretas demonstrando que a dosa-
gem rotineira de lípides consiga diminuir eventos cardiovas-
As causas de dislipidemia secundária são frequente-
culares, mas evidências indiretas sugerem que esses even-
mente encontradas na população e podem ser divididas em
tos podem diminuir com rastreamento em homens a partir
endócrinas e não endócrinas.
dos 35 anos e mulheres a partir dos 45 anos.
A - Endócrinas O objetivo primário no manejo dos pacientes com dislipi-
demia é o controle do LDL-colesterol. Após atingi-lo, a meta
- Diabetes mellitus: hipertrigliceridemia ou hiperlipide- é, idealmente, um HDL-colesterol maior que 40mg/dL para
mia mista. Há aumento da produção de VLDL e redu-
os homens e 50mg/dL para as mulheres e para pacientes dia-
ção do catabolismo de VLDL;
béticos. Os TG são o 3º objetivo, porém, em pacientes com
- Hipotireoidismo: hipercolesterolemia. Há diminuição
da depuração do LDL. As anormalidades no C costu- valores de TG acima de 500mg/dL, torna-se prioritário o seu
mam reverter após a correção do hipotireoidismo; controle pelo risco de pancreatite secundária à hipertrigli-
- Terapia com estrogênio: hipertrigliceridemia. Há au- ceridemia. Não é possível calcular os níveis de partículas de
mento da produção de VLDL; as mulheres pós-meno- C com a fórmula de Friedewald quando os níveis de TG são
pausa podem reduzir o LDL em 20 a 25%. No entanto, maiores que 400mg/dL. Nesses pacientes, pode-se utilizar o
não devem ser utilizados exclusivamente com essa C não HDL como indicador e meta terapêutica.
indicação devido ao discreto aumento do risco cardio- A hepatopatia colestática crônica, o diabetes e a síndro-
vascular com o uso prolongado; me nefrótica também podem tornar a fórmula imprecisa. A
- Terapia com glicocorticoide: hipercolesterolemia e/ IV Diretriz Brasileira sobre Dislipidemia publicada em 2007
ou hipertrigliceridemia. Há aumento da produção de recomenda a dosagem direta de LDL-C nesta população.
VLDL e conversão a LDL; O NCEP (National Cholesterol Education Program) re-
- Hipopituitarismo: hipercolesterolemia e hipertriglice- comenda a dosagem de C, HDL, LDL e TG a pacientes com
ridemia. Há aumento da produção de VLDL e conver- menos de 20 anos, repetindo dosagem a cada 5 anos, em
são a LDL; caso de presença de valores normais. Tal recomendação se
- Acromegalia: hipertrigliceridemia. Há aumento da justifica para o rastreamento das causas monogênicas de
produção de VLDL; dislipidemia, que podem causar eventos adversos em pa-
- Anorexia nervosa: hipercolesterolemia. Há diminuição cientes com menos de 20 anos. O ACP (American College
da excreção biliar de C e ácidos biliares; of Physicians) considera raridade esses casos, com conduta
- Lipodistrofia: hipertrigliceridemia. Há aumento da mais conservadora, e recomenda o rastreamento a partir
produção de VLDL. de 35 anos.
B - Não endócrinas
6. Risco cardiovascular e alvos do trata-
- Álcool: hipertrigliceridemia. Há aumento da produção
de VLDL; mento
- Uremia: hipertrigliceridemia. Há diminuição da depu- Para determinar os níveis lipídicos desejados, devem-se
ração de VLDL; seguir estes passos:
10
DISLIPIDEMIA E FATORES DE RISCO PARA DOENÇA CARDIOVASCULAR
- 1º passo: • HAS;
Avaliar presença de doença aterosclerótica significativa • Baixo HDL-c (<40);
ou seus equivalentes: • História familiar de DCV em homem <55 anos ou em
• Doença arterial coronariana conhecida manifesta; mulher <65 anos;
• Doença arterial cerebrovascular; • Idade (homem ≥45 anos, mulher ≥55 anos).
• Doença aneurismática ou estenótica da aorta abdo- Deve-se acrescentar, também, que quando o HDL-c é
minal ou de seus ramos; maior que 60mg/dL, recomenda-se retirar um dos fatores
CARDIOLOGIA
• Doença arterial periférica; de risco. Dessa forma, o risco individual de eventos cardio-
• Doença arterial carotídea; vasculares em 10 anos pode ser dividido em:
• Diabetes mellitus tipo 1 ou 2. - Baixo risco (<10%): no máximo, 1 fator de risco;
- Risco moderado (de 10 a 20%): 2 ou mais fatores de
Pacientes com uma das características anteriores já de- risco;
vem ser classificados como de alto risco para apresentar - Alto risco (>20%): diabetes mellitus, DCV prévia ou
novo evento cardiovascular em 10 anos. Se o paciente se equivalente de risco cardiovascular.
enquadra nesse perfil, deve-se ir direto ao 4º passo.
Equivalentes de risco cardiovascular incluem manifesta-
- 2º passo: ções de formas não coronarianas de doença aterosclerótica
Avaliar o risco cardiovascular. Entre os indivíduos não (doença arterial periférica, aneurisma de aorta abdominal e
classificados como de alto risco no passo nº 1, deve-se esti- doença arterial carotídea).
mar o risco cardiovascular individual por meio dos fatores de A IV Diretriz Brasileira sobre Dislipidemia recomenda o
risco para doença cardiovascular. Assim, são considerados: uso do escore de Framingham para esta estratificação (Ta-
• Tabagismo; bela 4).
11
CARD I OLOG I A
12
DISLIPIDEMIA E FATORES DE RISCO PARA DOENÇA CARDIOVASCULAR
Os TG são considerados fatores de risco independentes tais, como óleo de oliva ou canola. Dentre os carboidratos,
para doença coronariana, e a classificação quanto a seus ní- deve-se preferir pelos alimentos integrais e pelas formas
veis é apresentada na Tabela 6. com menor índice glicêmico.
Tabela 6 - Classificação dos níveis de triglicérides
Classificação Nível
B - Álcool
Normal <150mg/dL Ingestão de álcool e mortalidade por DCV estão relacio-
Limítrofe 150 a 199mg/dL nadas, e o consumo excessivo determina aumento do risco
CARDIOLOGIA
Alto 200 a 499mg/dL de DCV, enquanto o consumo moderado (1 dose/dia para
Muito alto >500mg/dL mulheres e 2 para homens) está associado a redução do
risco cardiovascular. Consumos maiores aumentam o risco,
Outros fatores de risco menores e que não são usados
principalmente, de acidente vascular cerebral.
para tomada de decisão são:
- Obesidade;
- Sedentarismo; C - Perda de peso
- Dieta aterogênica; Além de melhorar o perfil lipídico, a perda de peso
- Lipoproteína A; tem grande influência nos demais fatores de risco car-
- Homocisteína;
- Fatores pró-inflamatórios e pró-trombóticos; diovascular envolvidos com o excesso de peso, como HAS
- Glicemia de jejum alterada; e DM. Uma redução no peso de 5 a 10% reduz o C total
- Evidência de doença aterosclerótica subclínica. em até 18%, TG em até 44%, LDL-C em até 22%, e au-
menta os níveis de HDL-C em até 27%. Hoje, é uma das
7. Tratamento não medicamentoso = mu- mais importantes medidas preventivas quanto ao risco
dança no estilo de vida cardiovascular.
13
CARD I OLOG I A
14
DISLIPIDEMIA E FATORES DE RISCO PARA DOENÇA CARDIOVASCULAR
- Colestipol: de 5 a 30g/dia, 30 minutos antes das re- dução dos níveis de triglicerídeos em 35 a 50% e podem elevar
feições; os níveis de HDL-c em 15 a 25%. Agem por meio da ativação do
- Colesevelam: 3,75g/dia, às refeições. fator de transcrição nuclear PPAR-alfa, levando a:
- Diminuição da síntese da apo-CIII;
A Tabela 10 sumariza as apresentações comerciais des- - Aumento da atividade da lipase lipoproteica;
sas medicações. - Aumento da transcrição da apo-AI (e consequente-
Tabela 10 - Apresentação comercial das resinas mente aumento do HDL-c) e da apo-AII;
- Aumento da remoção hepática de LDL.
CARDIOLOGIA
Resina Apresentação comercial
Colestiramina Questran pó – misturar com água. Como via final dessas alterações, ocorrem aumento do
Colestid – tablete de 1g, pacote com grânulos HDL-c e diminuição da trigliceridemia, do LDL-C e da coles-
Colestipol
de 5g. terolemia.
Colesevelam Welchol – tablete de 625mg. As principais indicações para a terapia com fibratos são
níveis de TG acima de 500mg/dL associados a medidas não
O efeito adverso mais comum é a alteração da função farmacológicas (recomendação classe I, nível de evidência
intestinal (plenitude abdominal, flatulência e constipação), A), disbetalipoproteinemia familiar e pacientes com baixos
que ocorre em 30% dos casos, sendo contraindicadas a pa- níveis de HDL-c. Dentre as medicações disponíveis, citam-se
cientes com obstrução biliar completa e obstrução intesti- genfibrozila, bezafibrato, fenofibrato, etofibrato, ciprofibra-
nal. Tais medicações podem levar ao aumento de enzimas to e clofibrato. Este último foi proscrito devido à associação
hepáticas e de fosfatase alcalina, de forma que se devem encontrada com colangiocarcinoma e outros cânceres gas-
monitorizar esses indivíduos. trintestinais.
O genfibrozila tem efeito modesto em diminuir LDL-c
C - Inibidores da absorção de colesterol (ezetimiba) em pacientes com hipercolesterolemia e pequeno efeito
O ezetimiba interfere na absorção intestinal do C, dimi- no LDL-c dos pacientes com hiperlipidemia mista. Além
nuindo o seu aporte ao fígado e levando a uma diminuição do disso, determina aumento do LDL-c em pacientes com
depósito hepático de C. Ocorre aumento do clearance sérico hipertrigliceridemia pura. Sua principal característica
de C por aumento do seu catabolismo endógeno. Quando usa- é a capacidade em aumentar HDL-c em pacientes com
do como monoterapia, reduz os níveis de LDL-c em 15 a 20%. altos níveis de TG, porém com pequenos aumentos em
Pode ser usado em associação a estatinas, levando a um acrés- pacientes com níveis normais de TG e baixos de HDL-c.
cimo de diminuição de LDL-c de até 14%. Tal associação tam- O fenofibrato apresenta efeito um pouco melhor na re-
bém mostrou um decréscimo dos níveis de proteína C reativa. dução de LDL-c em relação ao genfibrozila. A posologia e
A grande indicação são casos em que os níveis de redu- as apresentações dessas medicações estão descritas nas
ção do LDL-c estão subótimos, principalmente quando se Tabelas 11 e 12.
desejam evitar doses altas de estatinas, ou quando a dose Recomenda-se evitar a associação do genfibrozila a es-
máxima já foi atingida, sem que os níveis de LDL-c estejam tatinas pelo aumento do risco de rabdomiólise.
satisfatórios. A dose utilizada é de 10mg, e deve ser tomada
1 vez ao dia, com ou sem a refeição. Tabela 11 - Posologia dos fibratos
Apesar de ser um coadjuvante importante para atingir Fibrato Dose
Melhor momento de
as metas propostas, ainda não existem estudos clínicos con- administração
sistentes que demonstrem a redução de eventos cardiovas- Genfibrozila
- 600mg, (2 vezes - 30 minutos antes das
culares com o seu uso. ao dia)*. refeições.
Efeitos adversos clinicamente significativos são inco- - 200mg, (3 vezes - Durante ou após as
muns, ocorrendo entre 1 e 10%. Pode haver diarreia, dor Bezafibrato ao dia)**; refeições;
- 400mg. - À noite.
abdominal, artralgia, lombalgia, fadiga, tosse e sinusite. O
uso em associação a estatinas pode levar a um aumento - 250mg, dose
Fenofibrato - À noite.
única.
das transaminases um pouco maior que o uso isolado de
Fenofibrato mi- - 200mg, dose
estatinas. No 1º caso, devem-se realizar provas de função - À noite.
cronizado única.
hepática antes e depois da introdução da droga.
- À noite;
Ciprofibrato - 100mg, dose única.
- Longe da refeição.
D - Fibratos
Etofibrato - 500mg, dose única. - À noite, ao jantar.
Os fibratos são as drogas de maior eficácia a pacientes com * A dose pode ser diminuída para 900mg antes do jantar, caso os
hipertrigliceridemia e baixos níveis de HDL-c. A eficácia da sua níveis de TG desejados sejam atingidos.
ação está relacionada com a magnitude dos níveis de TG. No ** Em caso de sensibilidade gástrica, iniciar com um comprimido
entanto, quanto maior o nível, menor a probabilidade de nor- e aumentar, gradativamente, para 3. Caso os níveis ideais de TG
sejam atingidos, pode-se diminuir para 2 vezes ao dia.
malização com o tratamento por fibratos. São associados à re-
15
CARD I OLOG I A
Tabela 12 - Apresentações comerciais dos fibratos um complexo insolúvel com os ácidos biliares (mecanismo
Fibrato Apresentação de ação semelhante aos sequestradores de ácidos biliares).
Genfibrozila - Lopid – comprimido, 600 e 900mg. b) Probucol
- Cedur – comprimido, 200mg;
Bezafibrato Esta droga diminui a síntese hepática e a secreção de
- Cedur Retard – comprimido, 400mg.
- Lipanon Retard – comprimido, 250mg;
VLDL, além de diminuir a captação de LDL por via inde-
Fenofibrato pendente do receptor. Estimula a atividade da proteína de
- Lipidil – cápsula, 200mg.
- Lipless – comprimido, 100mg; transferência do C (CETP), o que leva à redução do HDL. In
Ciprofibrato vitro, demonstra grande capacidade em aumentar a resis-
- Oroxadin – comprimido, 100mg.
Etofibrato - Tricerol – comprimido. tência do LDL à oxidação, diminuindo a sua modificação em
formas mais aterogênicas. A administração é via oral, e a
Os fibratos são medicações geralmente bem toleradas. eliminação é biliar. A dose diária é de 1g, dividida no almoço
Os efeitos adversos mais relatados são distúrbios gastrin- e no jantar. Deposita-se no tecido adiposo, sendo sua libe-
testinais. Dor, fraqueza muscular, diminuição da libido, ração muito lenta. Atualmente, é pouco usada como mono-
erupção cutânea e distúrbios do sono são outros efeitos re- terapia, mais utilizada como antioxidante.
latados. Além desses, os fibratos parecem estar envolvidos c) Ácidos graxos ômega-3 (óleos de peixe)
no aumento de cálculos biliares.
Agem pela inibição da síntese de VLDL e de apolipopro-
E - Ácido nicotínico teína B, podendo reduzir os níveis de TG em até 50% e ele-
var discretamente os níveis HDL-c. São indicados aos casos
O ácido nicotínico age por meio da inibição hepática da de hipertrigliceridemia refratária e encontrados em cápsu-
produção de VLDL, levando à diminuição do LDL-c. Diminui las de 500 e 1.000mg, com teor de ômega-3 de 30 a 50%.
a transformação de HDL-c em VLDL, aumentando, assim, os
níveis de HDL. Também está associado à diminuição dos ní- d) Terapia de reposição hormonal (estrogênica)
veis séricos de plasminogênio. A medicação obtém diminui- A Terapia de Reposição Hormonal (TRH) em mulheres
ção de 5 a 25% nos níveis de LDL-c, de 20 a 50% nos níveis pós-menopausadas proporciona efeito benéfico no perfil
de TG e aumento de 15 a 35% nos níveis de HDL-c. lipídico, com redução de 15% no LDL-C, 20% na Lp(a), 24%
Deve ser iniciado com 100mg, 2 vezes ao dia, aumentan- nos TG e aumento de 10 a 15% no HDL-C. Apesar do te-
do-se gradualmente até a dose-alvo tolerada (dose máxima órico benefício cardiovascular, isso não foi confirmado no
de 1,5 a 2g, divididos em 3 vezes ao dia). É administrado estudo Women’s Health Initiative, nem no estudo HERS. A
durante a refeição, para diminuir os efeitos colaterais de TRH pode até ser prejudicial, não sendo recomendada para
flushing (rubor e prurido cutâneo) e náuseas. A administra- prevenção primária ou secundária.
ção prévia de aspirina também diminui a ocorrência de tais e) Aspirina
efeitos. As apresentações comerciais incluem:
O estudo HOT sugeriu que há benefício potencial com o
- Olbetam: cápsula – 250mg; uso de aspirina para prevenir eventos cardiovasculares. Seu
- Niaspan: cápsula – 500mg, 750mg, 1000mg; uso é recomendado pela US Task Force quando o risco de
- Slo-Niacin: cápsula – 250mg, 500mg, 750mg; evento cardiovascular é maior que 6% em 10 anos. Já a AHA
- Ácido nicotínico: comprimido – 50mg, 100mg, 250mg, (American Heart Association) recomenda o uso se o risco
500mg. de evento cardiovascular é maior que 10%. Apesar disso,
Os efeitos adversos são frequentes, e a droga não é apenas 14% das pessoas com 1 ou mais fatores de risco car-
tolerada em até 10% dos pacientes. Os mais comuns são diovasculares estão em uso de AAS.
relacionados à mediação por prostaglandinas, como rash f) Antioxidantes
cutâneo, desconforto gastrintestinal e mialgia. Pode levar Não há evidências de que suplementos de vitaminas
à piora do controle glicêmico, bem como ao aumento de antioxidantes (vitamina E, C ou beta-caroteno) previnam
homocisteína e de ácido úrico. É contraindicado na presen- manifestações clínicas da aterosclerose, portanto não são
ça de doença hepática, úlcera péptica ativa, hipotensão se- recomendados.
vera e hemorragia arterial. E deve ser evitado em etilistas,
pacientes com insuficiência coronariana, DM, doença renal,
gota e história pregressa de doença hepática. 9. Situações especiais
F - Outras drogas A - Pacientes com HDL baixo
O HDL-c baixo está associado a doença aterosclerótica.
a) Neomicina O estudo VA-HIT demonstrou benefício com uso de fibrato
Na dose de 2g/dia, a neomicina reduz os níveis de LDL- para aumentar o HDL-c em pacientes com LDL-c não au-
-c e de Lp(a) em cerca de 25%. Age através da formação de mentado. Nesses casos, o uso dos fibratos é considerado de
16
DISLIPIDEMIA E FATORES DE RISCO PARA DOENÇA CARDIOVASCULAR
escolha, e a niacina é 2ª opção naqueles sem diabetes ou a competição com o plasminogênio pelos receptores espe-
intolerância à glicose. cíficos, com diminuição da ativação e geração do plasmino-
gênio na superfície do trombo. Além disso, tal lipoproteína
B - Pacientes com hipertrigliceridemia se liga aos macrófagos através de receptores de alta afinida-
Recomenda-se tratar a hipertrigliceridemia quando em de, facilitando o depósito de C nas placas ateroscleróticas.
níveis acima de 150mg/dL, procurando enfatizar as medi-
das gerais de dieta e atividade física quando os níveis estão B - Doença renal crônica
CARDIOLOGIA
entre 150 e 199mg/dL. Quando ultrapassam 200mg/dL, o É recomendado na literatura que a doença renal crôni-
tratamento da hipertrigliceridemia passa a ser objetivo se- ca seja considerada equivalente de risco coronariano, pois
cundário no tratamento, enfatizando a importância de tratar, uma análise mostrou chance de eventos próxima a 20% em
primariamente, o LDL-c elevado e, posteriormente, o HDL-c 2,8 anos.
baixo. Contudo, nesses pacientes, considera-se introduzir in-
tervenção medicamentosa adjuvante às medidas gerais. C - Microalbuminúria
Quando os níveis ultrapassam 500mg/dL, os TG passam
a ser objetivo primordial do tratamento, com combinação Vários estudos demonstraram aumento de risco car-
de terapia medicamentosa (ácido nicotínico ou fibratos) diovascular nos pacientes com microalbuminúria positiva.
com medidas gerais. Acredita-se que isso reflita dano vascular, sendo marcador
Níveis de TG acima de 1.000mg/dL podem causar pan- precoce de lesão endotelial.
creatite aguda, e a hipertrigliceridemia é responsável por
cerca de 1,3 a 3,8% desses casos. A maioria de tais pacien- D - Hiper-homocisteinemia
tes tem TG em níveis superiores a 4.000mg/dL. Os indivídu- É associada a aumento de risco cardiovascular tanto em
os com hipertrigliceridemia importante e sintomas sugesti- estudos de caso-controle quanto em estudos prospectivos.
vos de pancreatite devem permanecer em repouso até que Contudo, pacientes que receberam terapia dirigida com áci-
os níveis de TG fiquem abaixo de 1.000mg/dL. do fólico e vitaminas B6 e B12 não apresentaram benefício.
C - Pacientes HIV positivo E - Terapia antioxidante
A dislipidemia relacionada à infecção pelo HIV apresen- Sabe-se que o LDL oxidado está associado a aumento do
ta característica altamente aterogênica apresentando HDL risco de desenvolver aterosclerose. Apesar dos benefícios
baixo, LDL e TG altos. teóricos da terapia antioxidante, vários estudos realizados
Um recente estudo demonstrou a presença de hiperco-
com uso de vitamina E, vitamina C ou beta-caroteno não
lesterolemia em 27% dos indivíduos em terapia antirretroviral
demonstraram benefício com a intervenção.
com IP, em 23% dos pacientes que recebiam somente inibi-
dores da transcriptase reversa não análogos de nucleosídeos
F - Fatores de coagulação
(NNRTI) e 10% no grupo tratado apenas com NRTI, quando
comparado com 8% nos indivíduos sem terapia antirretroviral. Níveis de fibrinogênio são importantes preditores do ris-
A correspondência desses dados para hipertrigliceridemia foi co cardiovascular, mas ainda não foi determinado se esse é
de 40, 32 e 23%, respectivamente, quando em comparação um fator independente de risco cardiovascular. Dados pre-
com os 15% dos indivíduos que não recebiam tratamento. liminares, como D-dímero, parecem também ser associa-
As estatinas como a sinvastatina, lovastatina e atorvasta- dos a aumento de eventos, assim como fator de von Wille-
tina são metabolizadas pelo citocromo P-450 isoforma 3A4, o brand, aumento da trombomodulina e diminuição do fator
qual é inibido pelos IPs, entretanto a pravastatina e o ezetimi- ativador do plasminogênio.
ba podem ser boas alternativas pelo metabolismo alternativo.
Nos casos de associação entre drogas antirretrovirais e antili- G - Proteína C reativa
pemiantes (fibratos e/ou estatinas), é fundamental uma rigo-
A PCR e outros marcadores inflamatórios associam-se
rosa monitorização da função renal, das enzimas hepáticas e
a aumento de risco de doença cardiovascular. Um estudo
da creatinofosfoquinase (CPK) pela potencialização dos efeitos
nefrotóxicos, hepatotóxicos e miotóxicos dessas medicações. publicado na Circulation em 2001 demonstrou que as es-
tatinas diminuem em 20% os níveis de PCR. Um 2º estudo,
publicado no New England Journal Of Medicine, demons-
10. Outros fatores de risco para ateroscle- trou que as estatinas reduzem a mortalidade no subgrupo
rose e DCV de pacientes com PCR elevado e LDL normal.
17
CARD I OLOG I A
I - Hiperuricemia
Está associada a aumento de risco cardiovascular, mas
não se sabe se tem relação causal com aterosclerose ou se
é apenas um marcador de atividade do processo.
K - Outros fatores
Vários outros fatores se associam a aumento de risco
cardiovascular, como:
- Hipertrofia de ventrículo esquerdo;
- Taquicardia ao repouso;
- Espessamento de artérias e relação íntima/média;
- Doenças do colágeno;
- Alterações retinianas;
- Peptídio natriurético cerebral;
- Acúmulo de ferro.
11. Resumo
Quadro-resumo
- Dislipidemia é importante fator de risco para doença cardiovas-
cular;
- Em pacientes com dislipidemia, deve-se avaliar a possibilidade
de dislipidemia secundária;
- A decisão de iniciar estatinas depende da estimativa de risco de
cada paciente e dos fatores de risco que esse paciente apresenta;
- O HDL-c aumentado implica diminuição do risco de eventos car-
diovasculares;
- O LDL-c é o principal alvo no tratamento da dislipidemia;
- Em pacientes com níveis de TG maiores que 500mg/dL, essa pas-
sa a ser a prioridade do tratamento;
- Pacientes com hipertrigliceridemia podem beneficiar-se do uso
de fibratos;
- Aspirina está indicada a pacientes com risco aumentado de even-
tos cardiovasculares;
- O tratamento medicamentoso depende do perfil da dislipidemia;
- Há outros fatores de risco cardiovascular, como microalbuminú-
ria, PCR e hiper-homocisteinemia, contudo ainda restam dúvidas
se a intervenção modifica o risco.
18
CAPÍTULO
3
Hipertensão arterial sistêmica
José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
19
CARD I O LOG I A
4. Diagnóstico
A medida da PA deve ser feita em toda consulta médi-
ca, porém isso nem sempre é feito corretamente. Deve ser
aferida com manguito apropriado para a circunferência do
braço (o cuff insuflável deve recobrir, pelo menos, 80% da
circunferência do braço), com repouso de, no mínimo, 5 a
10 minutos e abstinência de nicotina, álcool e cafeína de
ao menos 30 minutos. Devem ser realizadas medidas nos
2 braços, considerando a medida de maior valor para re-
ferência e certificando-se de que o indivíduo não está de
bexiga cheia, pernas cruzadas e nem praticou exercícios nos
últimos 90 minutos. Todos esses fatores podem influenciar
a medida da PA.
Para indivíduos com idade superior a 18 anos, o diag-
nóstico de HAS é feito sempre que se obtêm 2 ou mais
Figura 1 - Regulação da pressão arterial: sistema renina-angioten- medidas de pressão diastólica, em 2 visitas subsequentes,
sina-aldosterona iguais ou acima de 90mmHg ou pressão sistólica maior ou
igual a 140mmHg. Como pode haver grande labilidade da
pressão arterial, as medidas devem ser feitas em diferen-
3. Fatores de risco tes ocasiões ao longo de semanas ou meses, a menos que
Existem vários fatores de risco para desenvolvimento ocorram sintomas.
da HAS e a maioria pode ser eliminada apenas com hábitos Há situações em que a medida de PA pode estar fal-
saudáveis e cuidados com a saúde. samente elevada, decorrente de estresse ou outros fato-
- Idade: existe relação direta entre idade e desenvolvi- res, principalmente de aspecto psicológico. Nesses casos,
mento de HAS; acima de 65 anos, a prevalência é de pode-se lançar mão de 2 artifícios diagnósticos: a Medida
60%; Residencial da Pressão Arterial (MRPA) ou a Medida Am-
bulatorial de Pressão Arterial (MAPA). O objetivo desses
- Gênero e etnia: até os 50 anos, a prevalência é maior artifícios é minimizar ao máximo o estresse da visita ao mé-
em homens, invertendo-se esta tendência após esta
dico, o desconforto do exame e da medida da PA e permitir
idade. Também é mais prevalente nas raças não bran-
maior número de medidas, oferecendo ideia mais precisa
cas. No Brasil, mulheres negras têm o dobro da inci-
da variação da PA durante o dia. O aumento transitório da
dência de HAS do que mulheres brancas;
PA associado a estresse ou ansiedade não constitui doença
- Sobrepeso e obesidade: mesmo em jovens, a obesi- hipertensiva, mas pode indicar propensão para HAS no fu-
dade aumenta o risco de HAS; o aumento de 2,4kg/m2 turo. As principais indicações de MAPA são:
acima do IMC adequado já eleva o risco de HAS; - Suspeita de hipertensão do consultório ou do avental
- Ingesta de sal: a ingesta excessiva de sal está associa- branco;
da a HAS; já foram identificadas populações indígenas - Suspeita de episódios de hipotensão arterial sintomá-
onde o sal não faz parte da dieta e não foram encon- tica.
trados casos de HAS; Avaliação da eficácia da terapêutica:
- Álcool: o consumo excessivo de álcool determina ele- - Quando a PA casual permanecer elevada, apesar da
vação da PA e aumento da mortalidade cardiovascular otimização do tratamento anti-hipertensivo para diag-
em geral; nóstico de hipertensão arterial resistente ou efeito do
- Sedentarismo: a atividade física protege o indivíduo avental branco;
de desenvolver HAS, mesmo em pré-hipertensos; - Quando a PA casual estiver controlada e houver in-
dícios da persistência ou da progressão de lesão de
- Fatores socioeconômicos: no Brasil, a HAS é mais pre- órgãos-alvo.
valente em pessoas com baixa escolaridade;
- História familiar: a contribuição de fatores genéticos A seguir, observe o fluxograma para diagnóstico de HAS
no desenvolvimento da HAS é bem estabelecida, mas no segmento ambulatorial.
20
HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA
CARDIOLOGIA
Figura 2 - Avaliação de normotensos com lesão de órgãos-alvo
8 - Posicionar o braço na altura do coração (nível do ponto médio 8 - Proceder à deflação lentamente (velocidade de 2 a 4mmHg/s).
do esterno ou 4ª espaço intercostal), apoiado, com a palma 9 - Determinar a pressão sistólica na ausculta do 1º som (fase I de Ko-
da mão voltada para cima e o cotovelo ligeiramente fletido. rotkoff), que é um som fraco seguido de batidas regulares, e, pos-
9 - Solicitar para que não fale durante a medida. teriormente, aumentar ligeiramente a velocidade de deflação.
21
CARD I O LOG I A
A partir dos valores encontrados, deve-se orientar o Tabela 4 - Avaliação laboratorial do paciente com HAS
paciente para nova aferição e avaliação clínica, conforme Avaliação inicial de rotina para hipertenso
a Tabela 2. - Análise de urina;
- Potássio plasmático;
Tabela 2 - Recomendações para reavaliação da PA
- Creatinina plasmática*;
Pressão arterial inicial (mmHg) - Glicemia de jejum;
Seguimento
Sistólica Diastólica - Colesterol total, HDL e triglicérides plasmáticos**;
Reavaliar em 1 ano. Estimular - Ácido úrico plasmático;
<130 <85
mudanças no estilo de vida.
- Eletrocardiograma convencional;
Reavaliar em 6 meses. Insistir
130 a 139 85 a 89 - Pacientes hipertensos diabéticos, hipertensos com síndrome
em mudanças no estilo de vida.
metabólica e hipertensos com 3 ou mais fatores de risco: re-
Confirmar em 2 meses. Consi- comenda-se pesquisa de microalbuminúria – índice albumina/
140 a 159 90 a 99
derar MAPA/MRPA. creatinina em amostra isolada de urina (mg de albumina/g de
Confirmar em 1 mês. Conside- creatinina ou mg de albumina/mmol de creatinina);
160 a 179 100 a 109
rar MAPA/MRPA.
- Normal <30mg/g ou <2,5mg/mmol;
Realizar intervenção medica- - Microalbuminúria: de 30 a 300mg/g ou de 2,5 a 25mg/mmol;
≥180 ≥110 mentosa imediata ou reavaliar
em 1 semana. - Pacientes com glicemia de jejum entre 100 e 125mg/dL: reco-
menda-se determinar a glicemia 2 horas após sobrecarga oral
De acordo com o valor pressórico encontrado, o pacien- de glicose (75g);
te é classificado por estágios da HAS, conforme a Tabela 3. - Em hipertensos estágios 1 e 2 sem hipertrofia ventricular es-
querda ao ECG, mas com 3 ou mais fatores de risco, considerar
Tabela 3 - Classificação da PA, de acordo com a medida casual em o ecocardiograma para a detecção de hipertrofia ventricular
consultório (>18 anos) esquerda;
Pressão sistólica Pressão diastólica - Para hipertensos com suspeita clínica de insuficiência cardíaca,
Classificação
(mmHg) (mmHg) considerar o ecocardiograma para a avaliação das funções sistólica
Ótima <120 <80 e diastólica.
Normal <130 <85 * Calcular a Taxa de Filtração Glomerular Estimada (TFGE) pela
fórmula de Cockroft-Gault 57: TFGE (mL/min) = (140 - idade) x
Limítrofe 130 a 139 85 a 89
peso (kg) / creatinina plasmática (mg/dL) x 72 para homens;
Estágio 1 140 a 159 90 a 99 para mulheres, multiplicar o resultado por 0,85. Interpretação:
Hiper- Estágio 2 160 a 179 100 a 109 função renal normal: >90mL/min; disfunção renal leve: 60 a
tensão Estágio 3 ≥180 ≥110 90mL/min; disfunção renal moderada: 30 a 60mL/min e disfun-
ção renal grave: <30mL/min.
Estágio 4 ≥140 <90
** O LDL-c é calculado pela fórmula: LDL-c = colesterol total - HDL-
-c – triglicérides/5 (quando a dosagem de triglicérides for abaixo
5. Classificação de 400mg/dL).
- Essencial: não tem causa identificada; corresponde à Estabelecido o diagnóstico de HAS, a avaliação do pa-
grande maioria dos casos; ciente deve ser focada em 3 aspectos:
- Secundária: representa de 5 a 10% dos casos, em que
uma causa secundária é associada à gênese da hiper- 1 - Estratificação de risco de doença cardiovascular: a
tensão. Muitas vezes, essas causas são curáveis, resol- estratificação de risco de pacientes com HAS é feita con-
vendo a HAS; siderando os níveis pressóricos, a presença de fatores de
22
HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA
risco para doença cardiovascular e a lesão de órgãos-alvo 3 - Determinação da probabilidade de causa secundá-
(Figura 3), conforme a Tabela 5. A partir da estratificação, ria: deve-se suspeitar de hipertensão de causa secundária
estabelece-se a abordagem terapêutica. nos casos de início precoce (antes dos 30 anos), tardio (após
os 50 anos), ausência de história familiar, descontrole ines-
perado da PA e hipertensão refratária. Outros sinais podem
estar presentes e estão listados na Tabela 6.
Tabela 6 - Indícios de HAS secundária
CARDIOLOGIA
- Início da hipertensão antes dos 30 anos ou após os 50 anos;
- Hipertensão arterial grave (estágio 3) e/ou resistente à terapia;
- Tríade do feocromocitoma: palpitações, sudorese e cefaleia em crises;
- Uso de medicamentos e drogas que possam elevar a pressão arterial;
- Fácies ou biótipo de doença que cursa com hipertensão: doen-
ça renal, hipertireoidismo, acromegalia e síndrome de Cushing;
- Presença de massas ou de sopros abdominais;
- Assimetria de pulsos femorais;
- Aumento da creatinina sérica ou taxa de filtração glomerular
estimada diminuída;
- Hipopotassemia espontânea;
- Exame de urina anormal (proteinúria ou hematúria);
- Sintomas de apneia durante o sono.
23
CARD I O LOG I A
suficiência arterial periférica e piora de função renal com Tabela 8 - Identificação de fatores de risco associados a lesões em
inibidores da enzima de conversão. órgãos-alvo
O exame de eleição para o diagnóstico é a arteriografia; - Hipertrofia do ventrículo esquerdo;
testes não invasivos, como a ultrassonografia com Doppler - Angina do peito ou infarto agudo do miocárdio prévio;
de artérias renais, cintilografia renal com DTPA (com ou sem
- Revascularização miocárdica prévia;
teste do captopril) e a angiorressonância também podem
ser utilizados. - Insuficiência cardíaca;
Para a doença fibromuscular, o tratamento de escolha é - Acidente vascular cerebral;
a angioplastia com stent. Na doença aterosclerótica, grande - Isquemia cerebral transitória;
parte dos indivíduos permanece hipertensa, mesmo após - Alterações cognitivas ou demência vascular;
restauração do fluxo renal; a angioplastia é indicada apenas
- Nefropatia;
quando há hipertensão refratária ou perda de função renal.
- Feocromocitoma: caracteristicamente, apresenta-se - Doença vascular arterial de extremidades;
de forma episódica e se acompanha de intensos sinais - Retinopatia hipertensiva.
de ativação adrenérgica; - A pacientes com 3 ou mais fatores de risco cardiovascular, con-
- Hiperaldosteronismo primário: geralmente, por ade- siderar marcadores mais precoces da lesão de órgãos-alvo,
noma de suprarrenal ou hiperplasia; deve-se suspeitar como:
na presença de hipocalemia e baixo nível de renina · Microalbuminúria (índice albumina/creatinina em amostra
plasmática. Antes considerado causa rara de hiperten- isolada de urina);
são, alguns acreditam ser a principal causa de hiper- · Parâmetros ecocardiográficos: remodelação ventricular, fun-
tensão secundária atualmente. ção sistólica e diastólica;
· Espessura do complexo íntimo-média da carótida (ultrassom
Outros distúrbios endócrinos, como a síndrome de
vascular);
Cushing, a acromegalia, o hipertireoidismo e o hipotireoi-
· Rigidez arterial;
dismo também podem iniciar sua apresentação com HAS.
· Função endotelial.
A coarctação da aorta é uma situação rara em adultos. E
a HAS associada a gestação também caracteriza uma forma
Após a classificação do risco de evento cardiovascular
secundária de hipertensão.
do hipertenso, é necessário determinar metas pressóricas a
serem atingidas com o tratamento da HAS.
7. Tratamento
A decisão terapêutica considera, além de valores pressóri- Tabela 9 - Metas terapêuticas do paciente hipertenso
cos, outros fatores, como a presença de lesão em órgãos-alvo Metas de valores da pressão a serem obtidas com o tratamento
e fatores de risco maiores associados a doenças cardiovascu- Meta
lares. A estratégia terapêutica, assim como as metas pressó- Categorias
(no mínimo)
ricas a serem atingidas, é determinada pela estratificação de
Hipertensos estágios 1 e 2 com risco cardio-
risco cardiovascular do paciente, como descrito na Tabela 7. <140x90mmHg
vascular baixo e médio
Tabela 7 - Estratificação de risco individual do paciente hipertenso Hipertensos e limítrofes com risco cardiovas-
Risco cardiovascular adicional de acordo com os níveis da cular alto
pressão arterial e a presença de fatores de risco, Hipertensos e limítrofes com risco cardiovas-
lesões de órgãos-alvo e doença cardiovascular cular muito alto, ou com 3 ou mais fatores
Fatores de risco Pressão arterial de risco 130x80mmHg
Hiperten- Hiperten- Hiperten-
Nor- Limítro- Diabetes mellitus
são são são
mal fe Síndrome metabólica ou lesão de órgão-alvo
estágio 1 estágio 2 estágio 3
Sem fator Sem risco adi- Risco Risco Hipertensos nefropatas com proteinúria >1g/L
Risco alto
de risco cional baixo médio
1 a 2 fato- Risco Risco Risco Risco
Risco Após a classificação do risco cardiovascular e da defini-
muito ção de metas terapêuticas do paciente hipertenso, é neces-
res de risco baixo baixo médio médio
alto
sária a indicação da estratégia terapêutica (Tabela 10).
3 ou mais
fatores de
Risco Risco Tabela 10 - Estratégia terapêutica para o paciente hipertenso, a
risco ou Risco
mé- Risco alto Risco alto muito partir do seu risco cardiovascular
lesão de alto
dio alto
órgãos-alvo Decisão terapêutica da hipertensão arterial segundo o risco
ou DM cardiovascular
Doença Risco Risco Risco
Risco Risco mui- Categoria de risco Estratégia
cardiovas- muito muito muito
alto to alto Sem risco adicional Tratamento não medicamentoso isolado
cular alto alto alto
24
HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA
Categoria de risco Estratégia Tabela 12 - Mudanças nos hábitos de vida e seus impactos nos
valores da PA
Tratamento não medicamentoso isolado
Risco baixo por até 6 meses. Se não atingir a meta, Redução apro-
Modificação Recomendação
associar tratamento medicamentoso. ximada na PAS
Risco médio, alto ou Tratamento não medicamentoso + medi- Manter o peso do corpo 5 a 20mmHg
muito alto camentoso. na faixa normal (índice de para cada 10kg
Controle de peso
massa corporal entre 18,5 de peso redu-
Inicia-se sempre o tratamento com medidas não far- e 24,9kg/m2). zido
CARDIOLOGIA
macológicas como orientação dietética (Dieta DASH – Diet Consumir dieta rica em
Approach to Stop Hypertension) e estímulo à atividade fí- frutas e vegetais e ali-
sica. Essas modificações nos hábitos de vida são mais efi- mentos com baixa densi-
Padrão alimentar 8 a 14mmHg
cientes em se tratando de casos leves e moderados. dade calórica e baixo teor
de gorduras saturadas e
Tabela 11 - Dieta DASH totais.
- Escolher alimentos que possuam pouca gordura saturada, co- Reduzir a ingestão de
lesterol e gordura total. Por exemplo, carne magra, aves e pei- sódio para não mais de
xes, utilizando-os em pequena quantidade; 100mmol/dia = 2,4g de
Redução de con-
sódio (6g de sal/dia = 4 2 a 8mmHg
- Comer muitas frutas e hortaliças, aproximadamente de 8 a 10 sumo de sal
colheres de café rasas de
porções/dia (1 porção = 1 concha média);
sal = 4g + 2g de sal próprio
- Incluir 2 ou 3 porções de laticínios desnatados ou semidesna- dos alimentos).
tados por dia;
Limitar o consumo a 30g/
- Preferir os alimentos integrais, como pão, cereais e massas in- Moderação no
dia de etanol para os
tegrais ou de trigo integral; consumo de ál- 2 a 4mmHg
homens e 15g/dia para
cool
- Comer oleaginosas (castanhas), sementes e grãos, de 4 a 5 por- mulheres.
ções/semana (1 porção = 1/3 de xícara ou 40g de castanhas, 2 Habituar-se à prática
colheres de sopa ou 14g de sementes, ou 1/2 xícara de feijões regular de atividade física
ou ervilhas cozidas e secas; aeróbica, como cami-
Exercício físico 4 a 9mmHg
- Reduzir a adição de gorduras. Utilizar margarina light e óleos nhadas por pelo menos
vegetais insaturados (como, azeite, soja, milho, canola); 30 minutos por dia, 3 a 5
vezes/semana.
- Evitar a adição de sal aos alimentos. Evitar, também, molhos e
caldos prontos, além de produtos industrializados;
- Diminuir ou evitar o consumo de doces e bebidas com açúcar.
8. Tratamento farmacológico
O objetivo do tratamento de HAS é, prioritariamente,
As principais medidas são restrição de sal, controle do reduzir a morbidade e a mortalidade por doenças cardio-
peso, restrição de álcool, restrição ao tabagismo, suplemen- vasculares. O anti-hipertensivo ideal deve apresentar ca-
tação de Ca, K, Mg e prescrição de atividade física. Após tais racterísticas como tratamento em dose única, baixo custo
orientações, há a prescrição de medicação, lembrando que e poucos efeitos colaterais. Infelizmente, não há, até agora,
o controle dos níveis pressóricos deve ser mais rigoroso nos droga para monoterapia com todas as características do
medicamento ideal. Algumas classes específicas de drogas
diabéticos, coronariopatas e pacientes com hipertrofia ven-
têm indicação preferencial em determinados pacientes por
tricular esquerda, pois estes têm maior risco de progressão
adicionarem benefícios ao controle e à evolução de outras
para lesão de órgãos-alvo. doenças associadas.
Hipertensos com excesso de peso devem ser incluídos
Tabela 13 - Forte indicação para escolha terapêutica da HAS
em programas de emagrecimento com restrição da inges-
Situação clínica Medicamento
tão calórica e aumento de atividade física. A meta é alcan-
çar índice de massa corporal inferior a 25kg/m2 e circun- DM tipo 1 com protei-
IECA
núria
ferência da cintura inferior a 102cm para homens e 88cm
DM tipo 2 IECA – inibidor AT2
para mulheres, embora a diminuição de 5 a 10% do peso
corporal inicial já seja suficiente para reduzir a pressão ar- ICC IECA, beta-bloqueador e diuréticos
terial sistólica em hipertensos leves. A seguir, as medidas de Pós-IAM Beta-bloqueador e IECA
mudança do estilo de vida e seu impacto sobre os valores HAS sistólica isolada Diuréticos e bloqueadores de canais
(idosos) de cálcio
pressóricos (Tabela 12).
25
CARD I O LOG I A
Tabela 14 - Escolha terapêutica preferencial em situações especiais eventos mórbidos. Drogas de escolha na IC e na disfunção
Negros Diuréticos / bloqueadores de canais de cálcio ventricular assintomática, não alteram a glicemia e o perfil
Diurético + betabloqueador, bloqueadores de canais lipídico, sendo bem tolerados durante o uso. Podem de-
Idosos
de cálcio, IECA e BRA sencadear tosse seca, angioedema, elevação transitória da
Alfa-metildopa, bloqueio de canais de cálcio, beta- ureia e da creatinina (em especial na presença de estenose
Gestantes
bloqueadores bilateral das artérias renais). Drogas como captopril, enala-
pril, lisinopril e ramipril têm essa ação.
As classes disponíveis para tratamento são:
E - Inibidores de receptor de angiotensina II
A - Diuréticos
Há evidências de que possam reduzir risco cardiovas-
São drogas seguras, de baixo custo, amplamente utili-
cular em indivíduos hipertensos, diabéticos e com insufi-
zadas e aparentam melhor efeito em negros e idosos. São
ciência cardíaca. Seu custo mais elevado e efeito protetor
recomendadas como 1ª escolha para monoterapia ou asso-
semelhante limitam seu uso a pacientes que desenvolvem
ciação a outra categoria de drogas e podem ter benefício
tosse com IECA. No entanto, parece haver menor incidência
adicional em ICC e IRC. Os efeitos colaterais mais comuns
de efeitos colaterais. Drogas como losartana, candesartana
são hiperuricemia, hiperglicemia, aumento de LDL, rash
e irbesartana pertencem a este grupo.
cutâneo, hipocalemia e impotência. Drogas que pertencem
a tal grupo são a furosemida, a hidroclorotiazida e a clorta-
F - Agentes de ação simpatolítica central
lidona.
Metildopa e clonidina têm seu uso reduzido para a hi-
B - Beta-bloqueadores pertensão severa, não controlada com as outras categorias
de drogas. Agem estimulando os adrenorreceptores cen-
Mais utilizados em jovens, trazem benefício adicional
trais, diminuindo o fluxo simpático e gerando vasodilatação
a pacientes com angina estável, infarto agudo prévio, ma-
e redução da frequência cardíaca. Há baixa adesão de tra-
nifestações somáticas de ansiedade, enxaqueca e IC (ape-
tamento devido aos efeitos colaterais (impotência sexual,
nas para carvedilol, bisoprolol e metoprolol). Associados a
vasodilatadores, evitam a taquicardia reflexa. Devem ser depressão, anemia hemolítica e teste de Coombs positivo)
usados com cautela em casos de diabetes, dislipidemias, e ao risco de hipertensão rebote quando o uso é interrom-
bloqueios atrioventriculares e doença pulmonar obstrutiva. pido abruptamente.
Seus efeitos colaterais mais comuns são fadiga, indisposi-
ção, depressão, broncoespasmo, bradiarritmias, insônia,
G - Vasodilatadores arteriolares diretos
impotência sexual, hipertrigliceridemia, hiperglicemia, des- Seus principais representantes são a hidralazina e o
compensação de IC e de insuficiência arterial periférica. minoxidil. Podem causar taquicardia reflexa e, quando
Também bloqueiam a resposta fisiológica à hipoglicemia suspensos, produzir hipertensão rebote. São utilizados na
e retardam a neoglicogênese, podendo mascarar os sinais hipertensão de difícil controle, principalmente quando em
clínicos da hipoglicemia. São drogas deste grupo o propra- associação à alteração renal.
nolol, o atenolol, o carvedilol e o metoprolol. A seguir, são listados efeitos benéficos do uso de deter-
minadas classes de medicações no controle de outras doen-
C - Bloqueadores de canal de cálcio ças associadas (Tabela 15), assim como efeitos indesejáveis
Têm boa indicação para coronariopatas, com efeito me- em algumas associações (Tabela 16).
lhor em negros e idosos, principalmente para controle da Tabela 15 - Possível efeito benéfico adjacente para nortear escolha
hipertensão leve e moderada. Nifedipina, amlodipina, vera- terapêutica
pamil e diltiazem pertencem a tal grupo. Situação clínica Medicamento
Angina Beta-bloqueador e bloqueador de cálcio
D - Inibidores da Enzima Conversora de Angio-
tensina (IECA) Doença ateroscle-
IECA
rótica
São pouco eficazes em negros, mas têm sua eficácia Fibrilação atrial Beta-bloqueador
melhorada quando associada ao diurético. São os agentes Tremor essencial Beta-bloqueador
de escolha em pacientes com DM tipo 1 com microalbumi- Enxaqueca Beta-bloqueador e bloqueador de cálcio
núria ou proteinúria, assim como disfunção renal. Há indi-
Osteoporose Tiazídicos
cação, também, para pacientes com DM tipo 2 e alteração
Prostatismo Bloqueador alfa (prazosina)
renal. Em pacientes com alto risco de eventos cardiovascu-
lares, são capazes de reduzir a mortalidade e o número de IRC IECA – inibidor AT2
26
HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA
CARDIOLOGIA
Alfa-bloqueador, bloqueador de canal Lacidipino 2 8 1
ICC
de cálcio e beta-bloqueador Diidropiri- Lercarnidipino 10 30 1
Doença vascular pe- dinas Manidipino 10 20 1
Beta-bloqueador
riférica Nifedipino Oros 30 60 1
Gravidez IECA e inibidor AT2 Nifedipino Retard 20 60 2a3
IRC Agentes poupadores de K Nisoldipino 5 40 1a2
Doença renovascular Nitrendipino 10 40 2a3
IECA e inibidor AT2
bilateral
Benazepril 5 20 1
Captopril 25 150 2a3
Cilazapril 2,5 5 1
Delapril 15 30 1a2
Enalapril 5 40 1a2
Inibidores
Fosinopril 10 20 1
da ECA
Lisinopril 5 20 1
Perindopril 4 8 1
Quinapril 10 20 1
Ramipril 2,5 10 1
Trandolapril 2 4 1
Candesartana 8 32 1
Bloquea- Irbesartana 150 300 1
dores de Losartana 25 100 1
receptor Olmesartana 20 40 1
AT1 Telmisartana 40 160 1
Figura 5 - Algoritmo geral: tratamento da hipertensão Valsartana 80 320 1
Inibidor
Tabela 17 - Drogas para HAS e suas doses terapêuticas direto da Alisquireno 150 300 1
renina
Posologia Número
Alfametildopa 500 1.500 2a3
de to-
Medicamentos Clonidina 0,2 0,6 2a3
Mínima Máxima madas/ Inibidores
dia adrenérgi- Guanabenzo 4 12 2a3
cos (ação Moxonidina 0,2 0,6 1
Clortalidona 12,5 25 1 central)
Tiazídicos Rilmenidina 1 2 1
Hidroclorotiazida 12,5 25 1
(diuréti- Reserpina 12,5 25 1a2
Indapamida 2,5 5 1
cos) Atenolol 25 100 1a2
Indapamida SR 1,5 5 1
Bisoprolol 2,5 10 1a2
Bumetanida 0,5 - 1a2
Carvedilol 12,5 50 1a2
Alça Furosemida 20 - 1a2 Inibidores Metoprolol e meto-
Piretanida 6 12 1 adrenérgi- 50 200 1a2
prolol (ZOK)
Amilorida 2,5 10 1 cos (beta-
Poupa- Nadolol 40 120 1
-bloquea-
dores de Espironolactona 25 100 1a2 dores) Nebivolol 5 10 1
potássio Triantereno 50 100 1 Propranolol/propra- 2 a 3/1
40/80 240/160
Benzotia- Diltiazem AP, SR ou nolol (LA) a2
180 480 1a2
zepinas CD Pindolol 10 40 1a2
27
CARD I O LOG I A
Posologia
Número Cardiovasculares
de to- - Edema agudo de pulmão;
Medicamentos
Mínima Máxima madas/ - Síndromes coronarianas agudas.
dia Crises adrenérgicas graves
Inibidores Doxazosina 1 16 1 - Crise de feocromocitoma;
adrenérgi- Prazosina 1 20 2a3 - Ingestão de cocaína e catecolaminérgicos.
cos (alfa-
Prazosina XL 4 8 1 Associadas à gestação
-bloquea-
dores) Terazosina 1 20 1a2 - Eclâmpsia;
Vasodila- Hidralazina 50 150 2a3 - Hipertensão maligna e acelerada (considerar emergência).
tadores Urgências hipertensivas
diretos Minoxidil 2,5 80 2a3
Hipertensão associada a
Bloque-
- Insuficiência coronariana crônica;
adores
dos canais - Insuficiência cardíaca;
Verapamil Retard 120 480 1a2
de cálcio - Aneurisma de aorta;
(fenilalqui- - AVCI (prévio);
laminas)
- Glomerulonefrites agudas;
- Pré-eclâmpsia.
9. Hipertensão arterial resistente
As urgências hipertensivas caracterizam-se por níveis
Quando o paciente aderente ao tratamento não res-
pressóricos elevados, geralmente com níveis de PA sistólica
ponde à terapia combinada de 3 classes diferentes (obri-
>200mmHg e/ou PA diastólica >120mmHg, sem sinais evi-
gatoriamente uma delas é um diurético) fica caracterizada
dentes de lesão de órgãos-alvo ou piora de lesão prévia. As
a hipertensão resistente. Nesta condição, devem-se buscar drogas podem ser administradas via oral, e utilizam-se ben-
causas que determinem este comportamento como obesi- zodiazepínicos para ansiedade e analgésicos para dor. Caso
dade, consumo excessivo de álcool, apneia do sono e cau- não haja controle da PA com essas medidas, podem-se uti-
sas secundárias de hipertensão. Na ausência destes fatores lizar bloqueadores de canais de cálcio, beta-bloqueadores,
de refratariedade, a associação de espironolactona e sim- diuréticos de alça e inibidores da ECA.
patolíticos centrais e beta-bloqueadores é recomendada. A seguir, um breve relato a respeito de algumas pato-
logias.
10. Emergência hipertensiva
A - Dissecção aguda de aorta
As emergências caracterizam-se pela presença de sofri-
mento tecidual de órgãos-alvo, com iminente risco de vida A dissecção de aorta é classificada em tipo A, se envolve
ao paciente, em geral, mas não necessariamente associa- a aorta ascendente, e tipo B, se não a envolve. Em geral,
do a altos níveis pressóricos. É o caso da encefalopatia hi- as dissecções proximais (tipo A) acontecem em indivíduos
com anormalidades do colágeno (por exemplo, síndrome
pertensiva, da cardiopatia isquêmica, do edema agudo de
de Marfan), e as dissecções distais (tipo B) em indivíduos
pulmão, da dissecção de aorta e do AVC. São situações de
com HAS de longa data. As dissecções tipo A respondem
gravidade clínica acentuada, e o tratamento deve acontecer
melhor ao tratamento cirúrgico, enquanto as do tipo B ao
no ambiente da sala de emergência ou da terapia intensiva
tratamento clínico, embora ambas devam ser estabilizadas
com infusão de drogas intravenosas, como o nitroprussiato
com tratamento clínico emergencial.
de sódio.
Tabela 18 - Principais causas de emergências e urgências hiper-
tensivas
Emergências hipertensivas
Neurológicas
- Encefalopatia hipertensiva;
- Hemorragia intraparenquimatosa;
- Hemorragia subaracnóidea.
Cardiovasculares
- Dissecção aguda de aorta;
- Infarto agudo do miocárdio; Figura 6 - Dissecções de aorta; (A) ascendente e (B) descendente
28
HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA
O quadro clínico manifesta-se por dor torácica severa, na dose de 0,15mg/kg, iniciando-se com 1 a 2mg IV em 5
de início agudo, quase sempre anterior (retroesternal), ir- minutos, e repetindo-se a dose conforme necessário. Pode-
radiando-se frequentemente para o dorso (interescapular, -se utilizar o metoprolol (Seloken®), iniciando-se com 5mg
inicialmente) e algumas vezes para o abdome, acompanha- a cada 3 a 5 minutos para atingir a FC necessária (em geral,
da de sintomas adrenérgicos. Essa apresentação ocorre em 15mg). É importante lembrar o alívio da dor, que pode ser
90% dos casos e se deve à dissecção propriamente dita. alcançado com morfina, em doses de 3 a 6mg IV, até atingir
Complicações da dissecção podem produzir outros sinto- analgesia adequada.
CARDIOLOGIA
mas, como síncope, sintomas neurológicos focais, sinais de
isquemia em outros órgãos, insuficiência cardíaca, tampo- B - Encefalopatia hipertensiva
namento cardíaco e paraplegia. O fluxo sanguíneo cerebral é autorregulado dentro de
Ao exame físico, o paciente parece estar em choque, limites específicos. Em indivíduos normotensos, o fluxo
mas a PA quase sempre está elevada. Os pulsos podem sanguíneo cerebral permanece constante entre PA média
apresentar-se assimétricos, e a PA medida em ambos os (PAm) de 60mmHg a 120mmHg. Quando a PAm ultrapas-
braços pode apresentar diferença significativa. É possível sa o limite superior da capacidade de autorregulação do
ouvir sopro de regurgitação aórtica, podendo-se encontrar fluxo sanguíneo, há a hiperperfusão cerebral, levando a
sinais de tamponamento cardíaco e derrame pleural. uma disfunção endotelial, quebra da barreira hematoen-
O ECG pode mostrar sinais de hipertrofia ventricular cefálica com aumento da permeabilidade, edema cerebral
esquerda decorrente da HAS crônica, ser normal ou, even- e micro-hemorragias. Em indivíduos normotensos, sinais
tualmente, mostrar isquemia miocárdica aguda, predomi- de encefalopatia podem ocorrer com PA tão baixa quanto
nantemente nas derivações inferiores, quando a dissecção 160x100mmHg, enquanto indivíduos com HAS de longa
envolve o óstio coronariano direito. Já a radiografia de tórax data, por terem sua curva de autorregulação desviada para
pode mostrar um alargamento de mediastino e um contor- a direita, podem não apresentar sinais e sintomas de ence-
no aórtico anormal; é possível encontrar, ainda, sinais de falopatia com PAs = 220x110mmHg ou maiores.
derrame pericárdico e pleural. O exame normal não afasta A encefalopatia hipertensiva pode ser definida como
o diagnóstico. uma síndrome cerebral orgânica aguda que resulta da falên-
O diagnóstico final pode ser obtido com a angiotomo- cia do limite superior da autorregulação vascular cerebral.
grafia de tórax ou o ecocardiograma transesofágico (sen- Clinicamente, caracteriza-se por início agudo ou subagudo
sibilidade de 98%), eventualmente, com ressonância ou de letargia, confusão, cefaleia, distúrbios visuais (incluindo
angiografia. O ecocardiograma transtorácico também pode amaurose) e convulsões (podem ser focais, generalizadas
ser usado, porém apresenta uma sensibilidade menor (75% ou focais com generalização). Em geral, a encefalopatia está
para dissecções do tipo A e apenas 40% para dissecções do associada à HAS não tratada ou subtratada. Uma série de
tipo B). Para pacientes instáveis, deve-se utilizar o ecocar- outras circunstâncias pode estar associada à hipertensão
diograma transtorácico e, se não diagnosticada a dissecção, arterial, como doença renal, terapia imunossupressora, uso
o transesofágico. de eritropoetina e Púrpura Trombocitopênica Trombótica
O principal fator que determina o risco de dissecção, a (PTT) ou eclâmpsia.
progressão da dissecção e suas complicações, além da pres- O fundo de olho é obrigatório, devendo-se procurar
são arterial, é o ritmo de aumento da onda de pulso aórtico por papiledema, hemorragias e exsudatos. Deve-se reali-
(dP/dT – variações da pressão em relação ao tempo), que zar TC de crânio para diagnóstico diferencial com AVC. Em
tem, como principais determinantes, a amplitude da pres- geral, a encefalopatia hipertensiva não produz sintomas
são de pulso e a Frequência Cardíaca (FC). neurológicos focais, ao contrário dos AVCs isquêmicos e
Assim, o tratamento clínico deve incluir, simultanea- hemorrágicos.
mente, a redução da PA sistólica (para próximo de 100 a O tratamento pode ser realizado com nitroprussiato de
110mmHg) e a do fluxo aórtico pulsátil (dP/dT), o que pode sódio e anticonvulsivantes (fenitoína ou benzodiazepínicos),
ser obtido com um anti-hipertensivo de ação rápida, como em caso de convulsões. Na 1ª hora de tratamento, o obje-
o nitroprussiato de sódio, e de um beta-bloqueador paren- tivo é reduzir de cerca de 20% a PAm ou uma PA diastólica
teral, como o propranolol ou o metoprolol, para atingir uma de 100mmHg (atingindo o valor mais alto dessas 2 opções).
FC = 60bpm. É importante lembrar que o beta-bloqueador Deve-se ter muito cuidado com hipertensos de longa data e
associado a vasodilatador é imprescindível, uma vez que o idosos, em quem uma redução abrupta da PA pode causar
uso de um vasodilatador isoladamente pode levar a uma ta- isquemia cerebral por redução significativa do fluxo sanguí-
quicardia reflexa aumentando a dP/dT e produzindo resul- neo cerebral. Em caso de piora do estado neurológico, de-
tados deletérios ao paciente. O propranolol pode ser usado ve-se suspender ou reduzir a infusão do anti-hipertensivo.
29
CARD I O LOG I A
C - Hipertensão maligna
A hipertensão maligna caracteriza-se por necrose fibrinoide das arteríolas e proliferação miointimal das pequenas artérias,
manifestadas por neurorretinopatia e doença renal. É uma doença incomum nos dias de hoje, ocorrendo em, aproximadamen-
te, 1% dos hipertensos. Sua mortalidade, se não tratada adequadamente, chega a 90% em 1 ano. Clinicamente, caracteriza-se
por hipertensão e alterações de fundo de olho (retinopatia graus III e IV de Keith-Wagener), especialmente o papiledema (grau
IV). Além disso, pode haver:
- Sintomas gerais: astenia, mal-estar, fadiga e perda de peso são muito frequentes;
- Sintomas cardiovasculares: ICC (apresentação inicial em 11% dos pacientes) e doença coronariana;
- Sintomas neurológicos: cefaleia, tontura, encefalopatia hipertensiva e AVCs.
O envolvimento renal é comum, varia em gravidade e pode variar de proteinúria não nefrótica a franca perda de
função renal. Há creatinina acima de 2,3mg/dL em 31% dos pacientes na apresentação. O tratamento da hipertensão
maligna deve ser realizado prontamente, entretanto pode variar na dependência da forma de apresentação. Assim,
em pacientes com hipertensão maligna não complicada (sintomas gerais, como papiledema, mas sem grande perda de
função renal ou sintomas cardiovasculares ou neurológicos importantes), pode-se considerá-la uma urgência hiperten-
siva, e a redução da PA é possível mais lentamente ao longo de 24 a 48h, com anti-hipertensivos via oral. Contudo, se
a hipertensão maligna é complicada por outras emergências como insuficiência coronariana aguda, edema agudo de
pulmão ou encefalopatia hipertensiva, deve-se considerá-la uma verdadeira emergência hipertensiva e devem-se usar
medicações parenterais, como o nitroprussiato de sódio, com o cuidado de não reduzir excessiva e abruptamente a PA.
Deve-se estar atento, ainda, ao balanço hidroeletrolítico e à função renal, pois a depleção volêmica é muito comum entre
esses pacientes.
30
HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA
CARDIOLOGIA
Figura 7 - Condições clínicas na hipertensão e papiledema
31
CARD I O LOG I A
11. Resumo
Quadro-resumo
- A forma de aferição da PA deve ser corretamente aplicada, pois os critérios diagnósticos da HAS são dependentes da forma de aferição;
- Os critérios para definição de HAS são baseados na aferição pressórica em 2 consultas consecutivas;
- A partir dos valores da PA, fatores de risco associados e existência de lesão em órgãos-alvo, as metas dos valores pressóricos a serem
atingidos são diferentes;
- A existência de fatores de risco, história ou alterações laboratoriais sugestivas de causa secundária da HA demandam investigação;
- O reforço na adesão às medidas de mudanças dos hábitos de vida e o uso adequado das medicações devem ser sempre estimulados
no paciente hipertenso.
32
CAPÍTULO
Síncope
4 Rodrigo Antônio Brandão Neto / José Paulo Ladeira / Fabrício Nogueira Furtado
33
CARD I OLOG I A
34
SÍNCOPE
CARDIOLOGIA
- ECG: baixa sensibilidade, sendo exame diagnóstico em recorrência em 2 anos é pequena segundo a maioria dos
5% dos casos e sugestivo em outros 5%. Ainda assim, estudos, mas em pacientes com mais de 1 episódio em
é considerado obrigatório em todos os pacientes com tempo recente, predomina a necessidade de investigação.
síncope. Alterações sugestivas de isquemia e altera- Em pacientes jovens e com provável síncope neurocardio-
ções do ritmo e da condição cardíaca como as já des- gênica, o teste de escolha para avaliação é o tilt-table-test.
critas sugerem causas cardíacas. O teste também pode ser útil em pacientes idosos, com
síncope inexplicada. O tilt-test, também chamado de tes-
Na maioria dos doentes com ECG normal e sem doença te da inclinação, é um exame desenvolvido para identificar
cardíaca, a síncope neuralmente mediada é a principal hi- a síncope neurogênica que acomete pacientes de todas as
pótese diagnóstica. idades, mas principalmente adultos jovens e adolescentes.
Um 1º episódio de síncope sem achados sugestivos de Para realizar o exame, o paciente é colocado sobre uma
etiologia cardíaca ou neurológica não necessita de outros
mesa basculante especial que permite avaliá-lo em diversas
testes além do ECG. Por outro lado, testes diagnósticos são
inclinações (0, 80 e -30°). Simultaneamente, o paciente é
recomendados em casos recorrentes, episódios graves (que
monitorado eletrocardiograficamente e através da medida
envolvem lesões ou acidentes) e doentes com ocupações
não invasiva da pressão arterial a cada 2 minutos. Na Tabela
de alto risco (ex.: pilotos de avião).
6, descrevem-se as indicações para o teste, sugeridas pela
A Tabela 4 sugere alterações de exame físico e história
que podem sugerir a causa da síncope. European Society of Cardiology.
Tabela 4 - Achados do exame físico que podem sugerir a causa da Tabela 6 - Principais indicações do tilt-test
síncope Classe I
Achados Possibilidades 1 - Episódio sincopal único em doentes em situações de alto ris-
Desidratação, uso de medica- co – ocorrência ou risco de lesão física ou ocupacional.
Hipotensão ortostática ções de risco e outras causas de 2 - Episódios recorrentes em pacientes:
disfunção autonômica a) Sem evidência de doença estrutural cardiovascular.
Ictus desviado, sopro de regur- b) Doença cardiovascular presente, mas outras causas de sín-
Baixo débito cardíaco ou taqui-
gitação mitral e B3, sugerindo cope foram excluídas com testes diagnósticos.
cardias ventriculares
disfunção ventricular
3 - Situações em que seja importante demonstrar síncope neu-
Hipotensão e/ou assistolia romediada.
Síndrome (hipersensibilidade)
ventricular durante massagem
do seio carotídeo Classe II
do seio carotídeo
1 - Quando verificar o comportamento hemodinâmico na sínco-
Sopros de ejeção (estenose
Obstrução ao fluxo de saída do pe, alteração de manejo.
aórtica e cardiomiopatia hiper-
ventrículo esquerdo 2 - Diferenciação entre síncope e crises convulsivas.
trófica obstrutiva)
3 - Avaliação de doentes (principalmente idosos) com “quedas”
Tabela 5 - Achados do ECG que podem sugerir a causa da síncope recorrentes inexplicáveis – investigar tonturas recorrentes ou
Achados Possibilidades pré-síncope.
Taquicardia ventricular tipo tor- 4 - Avaliação de síncope inexplicada em situações como neuro-
Intervalo QT longo patias periféricas ou disautonomias.
sades de pointes
Infarto do miocárdio prévio Taquicardia ventricular Classe III
1 - Avaliação do tratamento.
Atraso de condução e bloqueio
Bradicardia
de ramo ou de fascículo
Em pacientes sem doença cardíaca, um resultado positi-
Bloqueio do ramo direito com vo do teste (hipotensão ou bradicardia desencadeadas pelo
elevação do segmento ST e in- teste) é considerado diagnóstico, mas, em pacientes com
Síndrome de Brugada
versão de onda T em derivações doença cardíaca estrutural, devem ser excluídas complica-
precordiais (V1 - V3) ções dessas doenças.
35
CARD I OLOG I A
O ecocardiograma também pode ser utilizado para a nalmente, ser difícil, mas, em episódios convulsivos, a recu-
avaliação do paciente com síncope. As recomendações da peração da consciência tende a levar mais tempo. Quando
European Society of Cardiology sugerem realizar o exame ocorre atividade motora rítmica (clônica ou mioclônica),
sempre que há suspeita de causa cardíaca, mas apenas es- o diagnóstico mais provável é de crise convulsiva, porém
tenose aórtica severa, dissecção aórtica, tumores cardíacos a síncope pode ser acompanhada de rápidos movimentos
obstrutivos, tamponamento pericárdico e anomalias con- similares. Eventualmente, observação em laboratórios es-
gênitas das artérias coronárias podem ser diagnosticados pecializados e eletroencefalograma serão necessários para
como causa de síncope com certeza por meio desse exame. a correta diferenciação das 2 patologias.
Estudos eletrofisiológicos podem ser realizados em pa- Transtornos psiquiátricos podem levar a episódios de
cientes selecionados, principalmente se apresentarem do- síncope de repetição. Os principais diagnósticos psiquiátri-
ença cardíaca estrutural. A European Society of Cardiology cos, nesse caso, são transtorno da ansiedade generalizada
considera avaliar os pacientes em que arritmia é sugerida e depressão maior.
pela avaliação inicial, ou que apresentem doença cardíaca
estrutural associada à história de palpitações ou anteceden- A - Hipotensão ortostática
te familiar de morte súbita. Condições que possivelmente A hipotensão ortostática representa a incapacidade do
se beneficiam desses estudos são sugeridas na Tabela 7. sistema nervoso autônomo de manter pressão arterial ade-
O desenvolvimento da técnica e a disseminação do es- quada quando em posição ortostática. Caracteriza-se por
tudo eletrofisiológico tornaram esse exame cada vez mais redução da Pressão Arterial Sistólica (PAS) ≥20mmHg ou da
presente no dia a dia. No entanto, as indicações formais Pressão Arterial Diastólica (PAD) ≥10mmHg após 3 minutos
para o seu uso no manejo da síncope são bem claras, como em pé (após repouso de 5 minutos em posição supina).
discriminado a seguir. Quando ocorrem diminuições pressóricas menores
associadas a quadro de sintomas semelhantes, também
Tabela 7 - Indicações para avaliação do eletrofisiologista (ESC é provável o diagnóstico. A doença pode ser causada por
2009 guidelines for the diagnosis and management of syncope)
hipovolemia, uso de medicações como diuréticos, neuropa-
- Arritmia sugerida pela avaliação inicial e pacientes com história tias autonômicas primárias ou secundárias (diabetes, ure-
de cardiopatia isquêmica; mia, amiloidose etc.) e endocrinopatias como insuficiência
- Pacientes com bloqueio de ramo e falha dos testes não invasi- adrenal e feocromocitoma (hipertensão associada a episó-
vos no diagnóstico; dios de hipotensão postural). A maioria dos casos relaciona-
- Pacientes com palpitação precedendo a síncope e falha dos -se ao uso de medicações, e os pacientes, na maioria das
exames não invasivos no diagnóstico; vezes, têm idade superior a 60 anos.
- Pacientes com síndrome de Brugada, cardiomiopatia hipertró- O tratamento inclui evitar situações de vasodilatação
fica, displasia arritmogênica do ventrículo direito – podem ser periférica ou que dificultam o retorno venoso, como ba-
feitos em casos selecionados;
nhos quentes, exercício isométrico, grandes refeições e
- Pacientes com altos riscos ocupacionais, pelos quais se devem permanecer em pé por grandes períodos. Assim, pequenas
realizar todos os esforços para excluir causa cardiovascular
refeições com alta quantidade de carboidratos podem ser
para a síncope;
benéficas a esses doentes que recebem agentes pressóricos
- Não recomendados a pacientes com ECG normal, ausência de
durante o dia. Uma opção seria cafeína durante a refeição,
doença estrutural e sem palpitações.
pois tem ação pressórica e bloqueia o receptor de adeno-
O peptídio natriurético cerebral foi avaliado em um es- sina. A elevação da cabeceira (decúbito) de 5 a 20° ativa
tudo demonstrando capacidade para ajudar na diferencia- o sistema renina-angiotensina-aldosterona e pode ser útil.
ção de síncopes cardiogênicas de não cardiogênicas, com Meias compressivas também são recomendadas, e pode
sensibilidade e especificidade de 82 e 92%, respectivamen- haver uma eventual necessidade de expansão volêmica.
te, mas ainda não faz parte do manejo habitual desses pa- Em pacientes com sintomas recorrentes, pode ser preciso
cientes. Testes de esforço e de Holter também apontaram instituir dieta rica em sal, e fluoridrocortisona em doses de
0,1 a 1mg ao dia, pois aliviam os sintomas. Outras opções
benefícios em alguns estudos e podem ser feitos em pa-
farmacológicas incluem anti-inflamatórios não esteroidais e
cientes selecionados.
agonistas alfa-1-adrenérgicos como a midodrina. Há relatos
do uso da fluoxetina para essa situação.
6. Diagnóstico diferencial
Devem-se diferenciar episódios sincopais de tonturas, B - Hipersensibilidade e Síndrome do Seio Caro-
de vertigens ou de pré-síncope, os quais não cursam com
tídeo (SSC)
perda do nível de consciência ou do tônus postural. A dife- Considerada uma variante da síncope vasovagal. Em al-
renciação entre síncope e crises convulsivas pode, ocasio- guns pacientes, a massagem do seio carotídeo leva a grande
36
SÍNCOPE
queda da FC, que pode ou não ser associada a um declínio - Inibidores da recaptação da serotonina, como a fluo-
da pressão arterial. Essa reação é descrita como hipersensi- xetina.
bilidade do seio carotídeo, e tal resposta exacerbada pode
decorrer de 2 fatores, isoladamente ou em conjunto: No entanto, nenhuma dessas medicações se mostrou
a) Cardioinibitória: predomínio na queda da FC. superior em relação ao placebo nos estudos de seguimento
b) Vasodepressora: declínio da pressão arterial na au- em longo prazo. As únicas indicadas pela European Society
sência de significativa bradicardia. of Cardiology são a etilefrina e a midodrina, 2 alfa-agonistas
que parecem reduzir os eventos de síncope, sendo que esta
CARDIOLOGIA
Os critérios para o seu diagnóstico são:
- Assistolia ventricular ≥3s (devido à parada sinusal e ao última recebeu, no último guideline dessa sociedade, um
bloqueio atrioventricular); grau de recomendação IIb para pacientes refratários às me-
- Diminuição da PAS de 50mmHg ou mais; didas não farmacológicas.
Quanto a pacientes com resposta predominantemente
- Reprodução dos sintomas associado ao declínio de 30
cardioinibitória, deve-se considerar a possibilidade de im-
a 40% na FC, assistolia maior que 2 segundos e/ou di-
plante de marca-passo, principalmente naqueles com mais
minuição de 30mmHg na PA.
de 40 anos e episódios sincopais frequentes.
O manejo dos pacientes consiste, principalmente, em
evitar a compressão da região cervical por gravatas, colares D - Síncope cardíaca
ou outros. O tratamento envolve as mesmas táticas utili- As síncopes de causa cardíaca são ocasionadas princi-
zadas para hipotensão ortostática ou síncope vasovagal, palmente por arritmias e doenças cardíacas estruturais.
evitando medicações que podem causar bradicardia e hi- Ambas podem cursar com redução do débito cardíaco. Em-
potensão, bem como vasoconstritores como a midodrina bora bradiarritmias e taquiarritmias possam levar à sínco-
ou inibidores da recaptação da serotonina, em pacientes pe, não há um valor fixo abaixo ou acima do qual ela possa
com a forma vasodepressora. Aqueles com a forma cardio- ocorrer. Os sintomas dependem da capacidade de compen-
inibitória, caso apresentem episódios recorrentes, podem sação do sistema nervoso autônomo e do grau de doença
beneficiar-se com o uso de marca-passo. aterosclerótica dos vasos do SNC.
A maioria dos doentes com síncope cardíaca por arrit-
C - Síncope vasovagal mia não tem sintomas prodrômicos, e o quadro é súbito, o
Em todas as estatísticas, a síncope vasovagal é a causa que pode ajudar a diferenciá-la da síncope vasovagal. Por
mais frequente de síncope. Apresenta curso em geral be- outro lado, em doenças cardíacas estruturais, a síncope cos-
nigno, mas pode estar associada a injúrias devido às que- tuma ser desencadeada por esforço físico ou vasodilatação
das. Caracteristicamente, os episódios ocorrem em posição arterial (calor ou medicação).
ortostática, raramente com o paciente deitado, sentado ou A estenose aórtica é muito mais frequente em idosos, e
em atividade física. os pacientes podem apresentar a tríade de dispneia aos es-
Os pacientes habitualmente apresentam um pródromo forços, dor torácica anginosa e síncope aos esforços. Todas
de mal-estar abdominal. Os episódios são em geral desen- implicam pior prognóstico, e pacientes com dispneia aos
cadeados por situações de estresse emocional, a perda de esforços têm mortalidade de 50% em 2 anos, caso não seja
consciência é de curta duração, e os pacientes apresentam realizada nenhuma intervenção. Pacientes com síncope iso-
uma fase de recuperação, que pode ser associada a náuseas lada apresentam prognóstico melhor.
e fadiga. A cardiomiopatia hipertrófica é mais comum em jovens,
O tratamento geralmente é realizado por especialistas. embora também seja possível em indivíduos com mais de
Diversas medicações foram utilizadas na tentativa de dimi- 60 anos. Estes pacientes apresentam alto risco de morte
nuir os episódios de síncope: súbita, com algumas séries demonstrando mortalidade de
- Pacientes com formas cardioinibitórias pareciam ter 40% em 1 ano após um episódio sincopal.
benefício com o uso de beta-bloqueadores, pois estes Os pacientes com embolia pulmonar também podem,
diminuem a pressão intracavitária cardíaca, de forma a eventualmente, apresentar síncope. Em algumas séries, até
suprimir o reflexo vasovagal; 135 desses doentes apresentam tal complicação. Normal-
- Também foi descrito o uso da escopolamina que, mente, ocorre em indivíduos com grandes êmbolos.
provavelmente, tem ação central, com inibição das O tratamento depende da causa da síncope, mas aque-
eferências vagais, parecendo eficaz nas síncopes com les com síncope de causa cardíaca apresentam pior prog-
componente cardioinibidor importante. A fluoridro- nóstico, sendo esse o principal fator envolvido em eventos
cortisona seria particularmente eficaz a pacientes com adversos, com possibilidade de IAM ou AVC e morte de 2 a
crises vasodepressoras; 3 vezes maior em tais grupos.
37
CARD I OLOG I A
7. Avaliação
8. Resumo
Quadro-resumo
- Síncope é evento clínico comum; demanda maior atenção nos pacientes com insuficiência cardíaca, maiores de 45 anos, portadores de
arritmia e ECG alterado;
- As causas são multifatoriais, tendo maior relevância os eventos de causa neurocardiogênica;
- A anamnese e o exame físico são importantes na identificação do mecanismo da síncope;
- O diagnóstico diferencial envolve as crises convulsivas e causas psiquiátricas.
38
CAPÍTULO
5
Eletrofisiologia
José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
1. Atividade elétrica cardíaca entram no intracelular por meio de canais iônicos da mem-
brana, tornando seu interior positivo eletricamente. Exis-
A atividade elétrica cardíaca é uma propriedade intrín- tem 2 tipos de canais por onde passam os íons através das
seca às células miocárdicas, que são divididas em 2 tipos: membranas:
1 - Células de trabalho: responsáveis pela contratilidade 1 - Canal rápido: é ativado quando os potenciais da
cardíaca. membrana estão menores do que -60mV, permitindo a
2 - Células do sistema elétrico: responsáveis pela gera- entrada rápida de Na. Esse é o canal normal para as célu-
ção e pela condução do estímulo elétrico cardíaco. las miocárdicas sem propriedade cronotrópica, ou seja, de
As células de trabalho possuem a característica de con- marca-passo.
tratilidade, podendo encurtar seu tamanho e voltar ao ta- 2 - Canal lento: funciona com potenciais de membrana
manho original. Para ocorrer a contração, é necessária uma maiores do que -50mV e determina o influxo de cálcio. A
despolarização da membrana celular do miócito, através do
despolarização dos canais lentos e o fluxo de potássio são
aumento da permeabilidade da membrana ao sódio e ao
os responsáveis pela atividade de marca-passo do nó sinu-
cálcio. Este último determina a ligação entre actina e miosi-
sal e do nó AV. Tais canais lentos também estão envolvidos
na no sarcômero, gerando a contração celular.
na ativação de despolarizações anormais nas regiões pe-
As células elétricas transmitem o impulso elétrico até as
riféricas em áreas isquêmicas miocárdicas, podendo gerar
células de trabalho, permitindo que estas desempenhem
focos ectópicos por extravasamento de potássio das células
sua função. Certas células do sistema elétrico têm a carac-
lesadas regionais com redução do potencial de repouso da
terística de gerar um estímulo elétrico (automaticidade) e
membrana celular (por exemplo, de -90 para -40mV).
são encontradas no Nó Sinusal (NS), nas fibras do sistema
Na membrana celular de um miócito típico (célula de
de condução atrial, no nó atrioventricular (nó AV), no feixe
de Hiss e seus ramos e no sistema ventricular de Purkinje. trabalho), o potencial de repouso (potencial transmembra-
na antes da despolarização) é de, aproximadamente, -90mV.
O interior celular é eletricamente negativo em relação ao
2. Eletrofisiologia extracelular. O Na é encontrado em altas concentrações no
Para ocorrer a função celular de contração ou condução extracelular e em baixas no intracelular, determinando uma
do estímulo elétrico, é necessário que a célula esteja polari- tendência de entrada do elemento. Para manter o gradien-
zada eletricamente. Há diferentes concentrações de K, Na e te transmembrana, é necessário o transporte ativo de Na
Ca no intracelular e no extracelular. Essa diferença de con- do intracelular para o extracelular, apesar de a membrana
centrações iônicas gera um gradiente elétrico de -80 a -90mV ser pouco permeável à substância na fase de repouso.
através da membrana. Quando a célula é estimulada, o gra- O K encontra-se em grandes concentrações no intracelu-
diente se inverte até +35mV, determinando condução ou lar e em baixas no extracelular, sendo a membrana perme-
contração, dependendo da função da célula analisada. ável a pequenas quantidades de K na fase de repouso (fase
O processo de despolarização determina uma mudança 4). Assim, o potencial de repouso depende, basicamente,
transitória das propriedades físicas da membrana. Cátions do gradiente de K através da membrana celular.
39
CARD I OLOG I A
A seguir, as fases dos potenciais de membrana das célu- O nível de potencial de repouso da membrana celular
las miocárdicas durante um ciclo completo de despolariza- (fase 4) no início da despolarização é um determinante da
ção e repolarização. condutividade (capacidade de despolarizar a célula vizi-
- Fase 0: é a fase em que se inicia a despolarização. Nes- nha com rapidez) do impulso elétrico para outras células.
se período, o canal rápido de Na é ativado, permitindo Quanto menos negativo for esse potencial na fase 0, menor
influxo rápido de Na para o intracelular. Com isso, há será a velocidade de subida dessa fase, o que representa
diminuição do gradiente elétrico transmembrana até diminuição da condutividade. O gradiente de K na fase 4
valores positivos ao redor de +20mV, enquanto o ex- também determina a condutividade. Quanto menor tal
tracelular permanece negativo; é nessa fase que sur- gradiente, menor a condução. Isso explica a lentificação da
gem a onda P e o complexo QRS no eletrocardiograma condução elétrica na hipercalemia.
(ECG), representando a despolarização da massa atrial O potencial de ação das células do sistema condutor
e ventricular, respectivamente; difere, significativamente, das células de trabalho, pois as
- Fase 1: é a fase em que diminui a entrada de Na na células de condução têm a capacidade de se despolariza-
célula cardíaca, determinando menor positividade in- rem sozinhas (automaticidade). Isso ocorre porque, na fase
tracelular. É o início da fase de repolarização; 4, o potencial de ação não permanece constante durante
- Fase 2: é a fase em que o potencial de ação transmem- todo o tempo, devido à perda progressiva do potencial de
brana é praticamente isoelétrico; a célula permanece repouso por entrada de pequenas quantidades de Ca e Na,
despolarizada, e não há mais influxo de Na para o inte- o que torna o potencial de repouso na membrana menos
rior da célula. Os canais rápidos de Na estão fechados, negativo (despolarização diastólica espontânea). Quando
enquanto há entrada de Ca para o intracelular pelos o potencial de repouso da membrana alcança certa volta-
canais lentos. Nessa fase, ocorre o segmento ST no gem crítica (limiar), tem início a fase 0. Como o potencial
ECG; é menos negativo, a velocidade de ascensão da fase zero é
menor. As velocidades de ascensão lenta nas células do nó
- Fase 3: é a fase em que ocorre a repolarização rápida, sinusal e do nó AV dependem da entrada rápida de Ca.
ou seja, o intracelular volta a ficar negativo, devido à
saída de K do intracelular para o extracelular, com ten-
dência de a membrana voltar ao potencial de repouso,
o que acontece no final da fase 3. Surge a onda T no
ECG;
- Fase 4: a célula está com um potencial de membrana
igual ao imediatamente anterior à despolarização, po-
rém a composição iônica transmembrana é bastante Figura 2 - Potencial de ação da célula de trabalho do miocárdio
diferente daquele momento. Há uma alta concentra- ventricular
ção de Na e uma baixa concentração de K no intrace-
lular. Nessa fase, é ativada a bomba de sódio-potássio A inclinação da fase 4 nas células de condução é impor-
dependente de ATP, que proporciona gasto energético tante para determinar a velocidade de formação do impul-
significativo para restabelecer a concentração iônica so. Quanto mais íngreme a curva, maior a velocidade de
fisiológica. Caso ocorram nessa fase repetidas despo- formação de impulsos e vice-versa. A ativação simpática
larizações, sem tempo para que as células retomem a do sistema nervoso autônomo torna essa curva mais íngre-
concentração iônica fisiológica, poderá haver disfun- me, enquanto o sistema nervoso parassimpático determina
ção celular importante. efeito oposto.
Segundo a classificação de Vaughan Williams, distin-
guem-se 4 classes de antiarrítmicos:
- Classe I: fármacos que bloqueiam os canais de sódio
(Na+); fazem parte deste grupo a flecainida, a propafe-
nona, a quinidina, a lidocaína e a procainamida;
- Classe II: antagonistas beta-adrenérgicos, como o pro-
pranolol, o pindolol, carvedilol e metoprolol;
- Classe III: bloqueiam os canais de potássio (K+), pro-
longando o potencial de ação, como a amiodarona e
o sotalol;
- Classe IV: bloqueiam os canais de cálcio, como o vera-
pamil e o diltiazem.
Figura 1 - Potencial de ação da célula do sistema cardíaco de con-
dução elétrica: observar a comparação com o traçado eletrocar- A frequência de disparo das células do sistema de con-
diográfico dução é diferente entre vários locais. No NS, é de 60 a
40
ELETROFISIOLOGIA
100bpm, no nó AV, é de 40 a 60bpm, e no ventrículo (fibras circuito seja longo o suficiente para o período refratário da
de Purkinje), menor do que 40bpm. Assim, os marca-passos célula de Purkinje mais próxima ao local de bloqueio não
inferiores (nó AV e região juncional) não conseguem atingir ser mais absoluto (e sim relativo). Geralmente, tais altera-
o limiar antes de serem despolarizados pelo NS na fase 4. O ções de padrão na condução são determinadas por isque-
marca-passo “superior” subordina os inferiores em termos mias ou miocardiopatias.
de frequência de despolarização. Portanto, o nó AV e a re-
gião juncional somente geram estímulos elétricos quando 4. Condução do impulso cardíaco
há falha do marca-passo atrial.
CARDIOLOGIA
Há um momento no ciclo cardíaco em que o ventrículo O impulso cardíaco normal origina-se no NS, que está
se encontra refratário à condução de um novo estímulo elé- situado no átrio direito, em sua junção com a veia cava
trico. Esse período tem início na fase zero, acaba na fase 3 e superior. A condução do NS até o nó AV se dá por 3 vias
pode ser dividido em absoluto e relativo. internodais (anterior, posterior e mediana). A velocidade
- Período refratário absoluto: a célula é incapaz de con- de condução por essas fibras é de 1.000mm/s. O nó AV lo-
duzir um novo potencial de ação; esse período se inicia caliza-se inferiormente ao átrio direito e abaixo da válvula
no QRS e se estende até o pico da onda T; tricúspide. Caudalmente, tais fibras formam o feixe de Hiss,
- Período refratário relativo: um estímulo intenso pode que originará os ramos ventriculares, sendo a velocidade
determinar a condução de um potencial de ação, po- de condução nesse ponto de 200mm/s. Os ramos direito e
rém de forma não normal. Estende-se pelo restante da esquerdo distribuem o estímulo elétrico pela rede de fibras
onda T. de Purkinje intraventricular, em cada um dos ventrículos, a
uma velocidade de condução de 4.000mm/s.
A - Automaticidade
Fisiologicamente, o estímulo pode ser gerado de forma
espontânea. Podem ocorrer outras formas patológicas de
automatismo:
- Pós-potencial: diminuição transitória do potencial de
repouso que pode atingir o limiar, determinando des-
polarização;
- Múltiplos pós-potenciais: também chamados de osci-
lações;
- Diferenças no potencial entre células vizinhas: no in-
farto, as células periféricas da região isquêmica podem
apresentar repolarização incompleta, enquanto ocorre
Figura 3 - Sistema cardíaco de condução elétrica
a repolarização normal nas demais células. A corrente
elétrica anômala pode fluir através desses grupos de
células, causando despolarização das células normais;
- Automaticidade em gatilho: indução de foco automá- 5. Resumo
tico, dependente de batimento prematuro inicial que, Quadro-resumo
por repolarização anormal, determina uma 2ª despo- - As células cardíacas de trabalho apresentam características de
larização ou uma série de despolarizações. potencial elétrico diferentes das células do sistema de condu-
ção elétrica;
B - Reentrada - O principal determinante do potencial elétrico de repouso
transmembrana é o potássio;
Este fenômeno pode acontecer no NS, no átrio, no nó
AV ou no sistema de condução ventricular. Pode determinar - As arritmias cardíacas são geradas por mecanismos de automa-
batimentos isolados (extrassístoles) ou ritmos anormais (ta- tismo ectópico ou mecanismo de reentrada.
quicardias). Os componentes do mecanismo de reentrada
incluem 2 vias de condução: uma com bloqueio unidirecio-
nal (ou período refratário mais longo) e outra com condu-
ção muito lenta, que faz que o tempo de passagem pelo
41
CARD I OLOG I A
CAPÍTULO
6
Arritmias cardíacas
José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
42
ARRITMIAS CARDÍACAS
CARDIOLOGIA
C - Complexo QRS
O complexo QRS representa a despolarização elétri-
ca dos ventrículos e tem a duração fisiológica máxima de
0,12ms. A despolarização ventricular normal acontece por Figura 2 - Traçado eletrocardiográfico normal
progressão do estímulo elétrico através da região juncional,
ramos direito e esquerdo e fibras de Purkinje, até chegar
ao músculo cardíaco. Quando o QRS apresenta duração
<0,12ms, é chamado de QRS estreito; quando ≥0,12ms, é
chamado de QRS largo.
A importância de definir o QRS como largo ou estreito
está no fato de que, quando o estímulo de despolarização
ventricular progride pelos ramos direito e esquerdo, a velo-
cidade com que a onda elétrica determina a despolarização
dos 2 ventrículos é elevada, determinando o QRS de menor
duração. Quando, por algum motivo (alteração metabólica,
isquemia, degeneração etc.), o estímulo elétrico progride
apenas por 1 dos ramos ventriculares, o ventrículo oposto é
despolarizado pela propagação da onda elétrica através do
músculo cardíaco do ventrículo já despolarizado até chegar Figura 3 - Papel milimetrado para traçado eletrocardiográfico
ao outro ventrículo. Essa condução intramuscular ocorre de
forma mais lenta do que aquela no sistema de condução
através dos ramos, determinando o QRS largo. Assim, de
forma genérica, QRS largo indica o bloqueio de 1 dos ramos
do sistema de condução. A exceção acontece quando há um
foco elétrico ectópico ventricular, pois o estímulo elétrico
nasce em um dos ventrículos propagando-se para o outro
através da musculatura cardíaca, mesmo com a integridade
do sistema de condução.
D - Onda T
A onda T representa a repolarização elétrica ventricular. Figura 4 - Eletrocardiograma normal
Vários fatores podem influenciar esse período, como distúr-
bios metabólicos e isquemia. 2. Arritmias
A chave para a interpretação das arritmias é a análise
E - Onda U da forma e das inter-relações da onda P, do intervalo PR e
do complexo QRS. A avaliação do traçado envolve a análise
O significado da onda U ainda é incerto e, possivelmen-
da frequência, ritmo, origem mais constante do estímulo
te, representa a repolarização mais tardia das fibras de His- (marca-passo predominante) e configuração da onda P e do
-Purkinje. Também se associa a situações de hipocalemia. QRS (estreito ou largo).
Nas Figuras seguintes, estão descritas as ondas do traça- As arritmias cardíacas acontecem, de forma simplifica-
do eletrocardiográfico normal. da, por 3 mecanismos possíveis.
43
CARD I OLOG I A
A - Alteração do automatismo cardíaco artefato técnico, confirmação da correta colocação dos ele-
trodos assim como a ligação dos cabos e confirmação da
Pode ocorrer por aceleração ou desaceleração das es- assistolia em 2 derivações). O tratamento passa pelo uso de
truturas automáticas do coração, como o nó sinusal (taqui- adrenalina, atropina, entre outras medidas.
cardia ou bradicardia sinusal), nó AV ou do próprio mio- - Critérios de diagnóstico ao ECG:
cárdio. Batimentos (ou despolarizações ectópicas) podem
• Ausência completa de atividade elétrica ventricular;
surgir por distúrbios elétricos atriais, da junção AV ou dos
é possível a ocorrência de ondas P ou de batimentos
ventrículos. É possível que também ocorram ritmos anor-
de escape ventricular agônicos.
mais, como taquicardia atrial ou ventricular.
No entanto, quando se identifica o QRS, é necessária a
B - Distúrbios de condução atrioventricular análise mais detalhada de sua duração, primeiramente pela
A condução pode ser acelerada, como na síndrome de caracterização desta em estreito ou largo. O QRS estreito
Wolff-Parkinson-White, ou lenta, como no bloqueio AV. (<0,12ms) demonstra o funcionamento correto do sistema
de condução intraventricular, e o QRS alargado pode indicar
C - Combinações de distúrbios de automatismo ou não o funcionamento de 1 dos ramos do sistema de con-
e de condução dução ou um complexo QRS determinado por batimento
ectópico de origem ventricular.
Extrassístole atrial com bloqueio AV ou taquicardia atrial
com bloqueio AV 3:1 são exemplos destas combinações. c) Taquicardia Ventricular (TV)
É definida como 3 ou mais batimentos sucessivos de
3. Identificando arritmias origem ventricular com frequência >120bpm, sendo que o
QRS tem duração >0,12ms. Apesar de ter a mesma origem
Serão interpretadas as arritmias pela análise de um tra-
que a TV, o ritmo idioventricular acelerado difere desta por
çado eletrocardiográfico (ECG) em derivação única.
sua frequência menor (FC entre 100 e 120bpm). Na TV, o
Há vários métodos de identificação das arritmias, porém
ritmo é regular, porém pode apresentar alguns períodos de
o mais sistematizado se baseia na análise das respostas a
irregularidade. A apresentação clínica é variável, podendo
estas 4 perguntas.
ser bem tolerada, assim como determinar instabilidade he-
modinâmica e, até mesmo, parada cardiorrespiratória.
A - 1ª pergunta: o QRS tem aparência e tamanho
Tal variação na apresentação clínica depende muito da
normais?
presença ou não de disfunção miocárdica e da frequência
Quando não é possível a identificação de um complexo cardíaca associada. Quando a morfologia do QRS é cons-
QRS no traçado eletrocardiográfico, restam apenas 2 diag- tante, trata-se de TV monomórfica; quando ocorrem várias
nósticos: fibrilação ventricular ou assistolia, sendo condi- morfologias do QRS, há a TV polimórfica. Pode haver a pre-
ções que demandam intervenções imediatas. sença de ondas P relacionadas à despolarização sinusal, as
a) Fibrilação ventricular quais são bloqueadas pela despolarização do nó AV deter-
minada pela TV. Também pode ocorrer condução retrógra-
Ritmo de origem ventricular, desorganizado, represen- da, gerando a onda P retrógrada após o QRS. Tal condição é
tando a despolarização caótica dos ventrículos. Essa forma de difícil diferenciação da taquicardia supraventricular com
de despolarização não gera contração ventricular coorde- condução retrógrada.
nada e efetiva, determinando parada cardíaca. O tratamen- O tratamento da TV depende da condição clínica do pa-
to imediato é a desfibrilação cardíaca. ciente. Nos pacientes com estabilidade hemodinâmica, há
- Critérios de diagnóstico ao ECG: tempo para aplicação de antiarrítmicos, como amiodarona
• Não se identifica QRS; e lidocaína. Pacientes com QTc prévio normal devem rece-
• Frequência: muito elevada e caótica; ber amiodarona, enquanto aqueles com aumento do QTc
• Ritmo: desorganizado, não se identificando ondas P, devem receber lidocaína. Nas TVs com repercussão hemo-
complexo QRS, segmento ST ou onda T. dinâmica (hipotensão, alteração de consciência, dor pre-
cordial e congestão pulmonar importante), a cardioversão
elétrica imediata é o tratamento de escolha.
A TV também é considerada sustentada quando a sua
duração é >30 segundos ou, independentemente do seu
Figura 5 - Fibrilação ventricular
tempo de duração, determinar sintomas clínicos; e é cha-
mada de não sustentada quando a duração é <30 segundos.
b) Assistolia Uma característica que auxilia na localização do foco ectó-
Representa a ausência completa de atividade elétrica pico ventricular é a avaliação da morfologia dos complexos
cardíaca, quando confirmada por meio da checagem do QRS nas derivações precordiais. Quando a TV apresenta
protocolo da linha plana (aumento do ganho, exclusão de morfologia de bloqueio de ramo direito (rsR’ em V1), o foco
44
ARRITMIAS CARDÍACAS
CARDIOLOGIA
frequência, mas podem estar presentes e dissocia-
das do QRS; d) Torsades de pointes (torção da ponta)
• QRS, segmento ST e onda T: morfologia do QRS ser- É uma forma de TV em que os complexos QRS aparen-
rilhada e bizarra, com duração >0,12ms; segmento tam estar, constantemente, mudando de eixo após cada 5
ST e onda T geralmente opostos em polaridade com a 20 batimentos, lembrando uma forma de atividade elétri-
o QRS; ca de forma helicoidal torcida no seu eixo espacial (daí seu
• Quando a TV é polimórfica, o intervalo e a morfolo- nome). Geralmente, é desencadeada por distúrbios meta-
gia do QRS variam. bólicos (hipomagnesemia ou hipocalemia), alargamento do
intervalo QT (bradicardias) e efeito pró-arrítmico de certas
Um desafio clínico associado a essa arritmia é a diferen- drogas, como procainamida, quinidina e disopiramida, que
ciação com a taquicardia supraventricular (TSV) associada a podem alargar o intervalo QT que, quando normal (medido
bloqueio de ramo, pois nessa condição o QRS também será do início do QRS até o final da onda T), é entre 390 e 450ms
alargado. Tal diferenciação tem impacto sobre qual trata- nos homens e 460ms nas mulheres. Quando este está alar-
mento será corretamente empregado. Os critérios de Bruga- gado, deve-se considerar a possibilidade de indução dessa
da podem ser utilizados na tentativa de diferenciar uma TV
arritmia com o uso dos antiarrítmicos citados. O tratamento
de uma TSV. Quando não são encontrados esses critérios, a
da arritmia envolve o uso de sulfato de magnésio, procaina-
arritmia é, provavelmente, de origem supraventricular.
mida (quando a droga não foi indutora da arritmia) e marca-
1º passo: -passo em alta frequência.
Ausência de complexos RS nas derivações precordiais?
- Sim: TV;
- Não: ir para passo 2.
2º passo:
O intervalo entre o início do R e o nadir do S é maior que
100ms (2,5mm)? Figura 6 - Taquicardia ventricular
- Sim: TV;
- Não: ir para passo 3.
3º passo:
Há dissociação AV?
- Sim: taquicardia ventricular;
- Não: ir para os critérios morfológicos (passo 4). Figura 7 - Torsades de pointes
4º passo:
É sugerida a etiologia ventricular de taquicardia asso- e) Extrassístole ventricular (ESV)
ciada a bloqueio do ramo direito (QRS predominantemente Alguns complexos QRS de aspecto anormal (QRS
positivo em V1) quando: >0,12ms) podem ocorrer intercalados com complexos
- QRS >0,14ms; QRS normais em alguns pacientes. Denominados de ex-
- Desvio de eixo; trassístoles ventriculares, surgem a partir de qualquer
- Onda QS predominante em V6; um dos ventrículos antes do próximo batimento sinusal,
- QRS concordantes (positivos ou negativos) nas deriva- de forma prematura, podendo ser geradas por reentrada
ções precordiais; ou a partir de um foco automático ventricular. O interva-
- Onda R simples ou bifásica em V1. lo entre o batimento normal prévio e a ESV, chamado de
intervalo de conexão, é constante quando o mecanismo
É sugerida a etiologia ventricular de taquicardia associa- é de reentrada do mesmo foco (ESV uniformes). Quan-
da a bloqueio do ramo esquerdo (QRS predominantemente do o intervalo de conexão e a morfologia dos complexos
negativo em V1) quando: QRS variam, geralmente as extrassístoles são originadas
45
CARD I OLOG I A
Figura 8 - Prevalência de FA
Esta arritmia pode resultar de múltiplas áreas de reen- As ondas fibrilatórias têm frequência variável, e a pas-
tradas dentro dos átrios ou de múltiplos focos ectópicos. É sagem delas pelo nó AV ocorre de forma aleatória, deter-
frequentemente desencadeada por síndrome do nó sinu- minando o ritmo ventricular irregular. Nem todos os estí-
sal, hipóxia, pressão atrial aumentada, pericardites e outras mulos que chegam ao nó AV passam para o ventrículo, po-
condições menos frequentes, como a ingestão de álcool. dendo ser bloqueados no próprio nó. É o que determina a
Quando há doença isquêmica miocárdica, a causa mais co- resposta da frequência ventricular menor do que o núme-
mum é o aumento da pressão atrial esquerda decorrente ro de estímulos iniciados no átrio. A FA, geralmente, é se-
da falência miocárdica. Usualmente, a atividade elétrica cundária a alguma doença subjacente cardíaca, podendo
atrial é muito elevada (de 400 a 700 despolarizações por ocorrer de forma crônica ou em paroxismos, sem outras
minuto) determinada pela despolarização de vários peque- evidências de doença cardíaca. O tratamento inicial envol-
nos seguimentos atriais e não de todo o átrio. Isso gera con- ve o controle da frequência cardíaca por meio de drogas
tração atrial desordenada e estase sanguínea, favorecendo que retardam a condução dentro do nó AV, determinando
a formação dos trombos atriais. redução da resposta ventricular, como diltiazem, verapa-
46
ARRITMIAS CARDÍACAS
mil, beta-bloqueadores ou digoxina. A reversão da FA fica - FA crônica: é definida quando se documenta a recor-
condicionada ao tempo de existência da arritmia, pois a rência de FA após um episódio de FA inicial e pode ser
perda da contração mecânica efetiva dos átrios permite a classificada em paroxística, persistente e permanente;
formação de trombos intra-atriais pela estase sanguínea
subsequente. Quando há o retorno ao ritmo sinusal e a
- FA paroxística: resolução espontânea da arritmia com
contração mecânica atrial é restabelecida, podem ocorrer duração geralmente <7 dias e frequentemente <24
fenômenos tromboembólicos agudos, principalmente ar- horas; geralmente, não necessita de tratamento de
teriais. manutenção, exceto anticoagulação conforme comor-
CARDIOLOGIA
- Critérios ao ECG: bidades associadas;
• Frequência atrial: normalmente, não pode ser con- - FA persistente: demanda tratamento específico para
tada, enquanto a frequência ventricular pode che- a reversão ao ritmo sinusal, durando geralmente mais
gar de 160 a 180bpm; de 7 dias. É chamada de longa duração quando perma-
• Ritmo: o ritmo ventricular é irregular, devido à pre- nece por mais de 1 ano;
sença de bloqueio atrioventricular (BAV) fisiológico
que protege os ventrículos da imensa quantidade
- FA permanente: aquela em que houve falha nas ten-
tativas de cardioversão química ou elétrica ou aquela
de impulsos atriais. Na fibrilação atrial, o BAV é
em que se optou por não tentar a reversão da arritmia;
sempre inconstante;
• Ondas P: substituição das ondas P por outras de- - FA recorrente: história de 2 ou mais episódios de FA;
nominadas de ondas F (fibrilação). Estas se apre- se não houver sintomas incapacitantes, apenas a an-
sentam muito diferentes umas das outras, na am- ticoagulação e o controle da FC serão necessários.
plitude, na duração ou no formato, sem qualquer Caso os sintomas sejam significativos, é necessária
semelhança entre elas. Ocorre substituição da linha droga antiarrítmica para prevenção de recorrência ou
de base isoelétrica por ondulações ou serrilhado ablação.
polimórfico;
• Intervalo QRS: a condução ventricular é normal, ex- A FA também pode ser classificada como primária ou se-
ceto se há condução aberrante intraventricular. cundária. A FA primária não está associada a outras causas
(como IAM, IC, pericardite e TEP), pois, nesses contextos,
a FA tende a resolver-se quando há controle da causa de
base. A FA secundária é tida como entidade diferente da
primária, pois a recorrência/persistência não é esperada. A
FA isolada é encontrada em indivíduos abaixo dos 60 anos,
sem sinais clínicos ou ecocardiográficos de doença cardio-
pulmonar associada. No entanto, a maioria dos casos de FA
associa-se a patologias cardiopulmonares.
O manuseio da FA tem 2 objetivos principais: controles
de sintomas e prevenção de eventos cardioembólicos. A
terapêutica baseada nestes 2 princípios determina redu-
ção da mortalidade quando comparada a nenhum trata-
mento. Para isto, o tratamento da FA passa por 2 focos
principais: reversão da arritmia e controle da resposta
ventricular. A reversão do ritmo de FA para ritmo sinusal
visa evitar eventos tromboembólicos e sintomatologia no
paciente, além de impedir o remodelamento ventricular
e a progressão para Insuficiência Cardíaca (IC) determi-
nados pela arritmia. No entanto, os efeitos colaterais das
Figura 9 - Fibrilação atrial drogas utilizadas para reversão do ritmo são maiores que
A sintomatologia da FA é muito variada e pode ocorrer os das drogas utilizadas para controle da frequência cardí-
de forma assintomática, embora a maioria dos pacientes aca em longo prazo, assim a melhor estratégia terapêutica
refira palpitação, tontura, dor torácica, fadiga, síncope e pe- na FA ainda não é definida: será a reversão da arritmia
ríodos de escurecimento visual. melhor do que a estratégia de controle da frequência car-
Em relação à apresentação, a FA pode ser classificada díaca? Um estudo recente mostrou a melhor tolerância ao
como: exercício nos pacientes mantidos em ritmo sinusal. Porém,
- FA inicial ou aguda: 1º episódio documentado com du- a estratégia de controle da resposta ventricular na FA crô-
ração >30s; nica associada à anticoagulação mostra os mesmos bene-
47
CARD I OLOG I A
48
ARRITMIAS CARDÍACAS
atrial promove a despolarização atrial coordenada. Outra Categoria de risco Terapia recomendada
possibilidade é a ablação de FA através de cateter ou a co- Qualquer fator de
locação de marca-passo AV associado à ablação do nó AV risco elevado ou + de
Varfarina (RNI 2 a 3)
nos pacientes refratários aos tratamentos farmacológicos. 1 fator de risco mo-
De forma resumida, podemos destacar as seguintes re- derado
comendações para manuseio da FA, segundo o Consenso Fator de risco Fator de risco
Fator de risco fraco
moderado elevado
Europeu de FA:
- A estratégia de controle da frequência é preferida em Sexo feminino Idade >75 anos AVEI/AIT
CARDIOLOGIA
pacientes mais idosos e pouco sintomáticos, em virtu- Hipertensão ar-
Idade: 65 a 74 anos Embolia prévia
de dos efeitos pró-arrítmicos das drogas para reversão terial
do ritmo e da prevalência elevada de FA permanente Doença coronariana IC Estenose mitral
nesta faixa etária; Tireotoxicose
FE <35%
Prótese valvar
- A estratégia de controle de ritmo é preferida em pa- Diabetes mellitus
cientes sintomáticos, a despeito da terapêutica de con- A anticoagulação aplicada à reversão do ritmo de FA
trole da frequência, mesmo naqueles pacientes com para sinusal deve ser cercada de alguns cuidados. Após a
insuficiência cardíaca sintomática; reversão para ritmo sinusal, o átrio permanece sem função
- A estratégia de controle de ritmo é sugerida para pa- contrátil por um período de até semanas, favorecendo a
cientes jovens sintomáticos; formação de trombos atriais. Quando ocorre a recuperação
- A estratégia de controle de ritmo é sugerida para pa- mecânica atrial, há o risco de o trombo formado ser ejetado
cientes com FA secundária determinada por causa já e acontecer o fenômeno embólico. Quanto maior o período
corrigida. em FA, maior o tempo para a recuperação mecânica ocor-
rer. Isso explica porque a maioria dos eventos embólicos
Outro ponto importante da estratégia terapêutica da FA acontece até o 10º dia após a reversão da FA para ritmo
é a terapia anticoagulante, cujo objetivo principal é reduzir sinusal. O INR alvo na anticoagulação da FA é de 2 a 3.
a possibilidade de evento tromboembólico no manuseio da Estima-se que a FA de início recente (<48 horas) apre-
FA. Proteger o doente de eventos cardioembólicos deve ser senta pouco risco para a formação do trombo atrial, não
considerado diante dos riscos de complicações hemorrági- necessitando de anticoagulação nos pacientes sem car-
cas do tratamento. Por isso, a indicação terapêutica varia de diopatia associada ou outros fatores de risco para evento
acordo com o grau de risco do evento. A antiagregação pla- tromboembólico. Para os pacientes com tempo de FA acima
quetária com aspirina e a anticoagulação oral são eficazes de 48 horas ou por tempo indeterminado, é recomendada a
em reduzir o número de eventos cardioembólicos (redução anticoagulação por 3 semanas previamente à reversão para
de 22 e 64%, respectivamente). o ritmo sinusal. Quando o ecocardiograma transesofágico
Nos pacientes com valvulopatia e FA associada, a antico- está disponível, é possível identificar os pacientes que te-
agulação é fortemente recomendada. nham trombos atriais (sensibilidade acima de 90%). Quan-
Na população não valvulopata, a indicação de antiagrega- do há trombo, é adequada a anticoagulação prévia por 3 a
ção/anticoagulação é discutida a seguir, assim como as orien- 4 semanas anteriormente à cardioversão, mantendo a anti-
tações para antiagregação/anticoagulação dos pacientes coagulação por mais 4 semanas após a conversão para rit-
que terão a FA revertida para ritmo sinusal (Tabela 1) e para mo sinusal. Quanto aos pacientes que não tenham trombos
aqueles com recorrência/persistência da arritmia (Figura 12). ao ecocardiograma, deve-se iniciar heparinização plena, e
De forma geral, todo indivíduo com FA persistente deve ter pode-se proceder à cardioversão e manter a anticoagulação
proteção contra evento cardioembólico, cuja estratégia é de- por mais 4 semanas. Portanto, o ecocardiograma apenas
finida a partir dos fatores de risco associados (CHADS – Con- permite reduzir o tempo de anticoagulação.
gestive Heart failure/Hypertension/Age >75 anos/Diabetes/
Secundary prevention). A reavaliação contínua desses fatores Tabela 2 - Anticoagulação e tempo de duração da FA
ao longo da evolução do paciente com FA pode determinar - FA aguda (<48h): não anticoagular, proceder ao controle/re-
mudança da estratégia protetora. A decisão de permanecer versão da FA;
o paciente anticoagulado ou apenas antiagregado deve ba- - FA crônica ou de duração indeterminada: proceder à anticoa-
sear-se em alguns fatores. A Diretriz Brasileira de FA indica a gulação e ao controle da FC; após 3 a 4 semanas com RNI entre
seguinte classificação de risco a ser seguida. 2 a 3, proceder à cardioversão e manter a anticoagulação por
mais 3 a 4 semanas. Na vigência de ecocardiograma transeso-
Tabela 1 - Classificação de risco indicada pela Diretriz Brasileira de FA fágico negativo para trombo atrial, proceder à cardioversão e
Categoria de risco Terapia recomendada manter a anticoagulação por 3 a 4 semanas.
Sem fatores de risco Aspirina 81 a 325mg Nos pacientes com FA permanente, persistente ou pa-
1 fator de risco mo- Aspirina 81 a 325mg ou varfarina roxística, é necessária a proteção prolongada para eventos
derado (RNI 2 a 3) cardioembólicos. A intensidade dessa proteção é determi-
49
CARD I OLOG I A
nada pela presença de fatores de risco que potencializam o blema. Há, ainda, a substituição das ondas P por ou-
risco do evento, que pode ser baixo, moderado ou alto, de- tras denominadas de ondas F (Flutter), de aspecto
terminando o uso de AAS ou varfarina, conforme a Tabela 2. pontiagudo, largas, interligadas umas às outras e
Nos pacientes com valvulopatia e FA associada, a antico- apresentam aspecto semelhante;
agulação é fortemente recomendada. • Intervalo PR: geralmente, regular, mas pode variar;
Recentemente, um estudo demonstrou que o dabiga- • Intervalo QRS: geralmente, normal.
trana, um inibidor da trombina, pode ser utilizado na FA
como terapêutica isolada de anticoagulação, com menor
risco de sangramento, quando comparado com a varfarina.
Nos pacientes com contraindicação formal ao uso de an-
ticoagulantes, a associação de AAS e clopidogrel pode ser
utilizada, apesar do efeito protetor para eventos embólicos
desta associação ser menor do que aquele determinado
pela warfarina.
b) Flutter atrial
Trata-se de uma arritmia desencadeada por um circuito
de reentrada intra-atrial. A despolarização atrial acontece
de baixo para cima e é mais bem observada nas derivações Figura 12 - Flutter atrial
inferiores (DII, DIII e aVF). O registro de ondas “em dente de
serra” da atividade atrial caracteriza o flutter atrial. Em ge-
ral, a frequência dessa atividade varia de 220 a 350 despola-
C - 3ª pergunta: existe relação entre a onda “P”
rizações por minuto. No entanto, tais estímulos sofrem um e o QRS?
bloqueio fisiológico no nó AV, caracterizando os ritmos de Ao ECG normal, todo complexo QRS é precedido de uma
batimento atrial em relação ao ventricular 2:1, 3:1 e assim onda P, e o intervalo PR normal é de, no máximo, 0,20ms.
por diante. Algumas drogas, como beta-bloqueador, digital Os bloqueios cardíacos são ritmos causados pela condu-
e verapamil podem determinar aumento do grau de blo- ção alterada através do nó AV. À medida que a velocidade
queio e, até mesmo, torná-lo variável. de condução pelo nó AV diminui, o intervalo PR aumenta.
É uma arritmia que raramente acontece na ausência de Quando o bloqueio é intenso, algumas ondas P não passam
patologia cardíaca e, em geral, associa-se à doença valvar para o ventrículo, e, na pior situação, nenhuma onda P che-
mitral ou tricúspide, cor pulmonale crônico e agudo ou do- ga ao ventrículo. Há 3 graus possíveis de BAV:
ença coronária. Também é raro ocorrer por intoxicação di-
a) BAV de 1º grau
gitálica. O tratamento preferencial para o paciente instável
é a cardioversão elétrica, iniciada em 50J. O indivíduo que Traduz, simplesmente, o retardo na passagem do impul-
tolera razoavelmente a arritmia pode ter sua frequência so do átrio para os ventrículos, geralmente no nó AV, mas
controlada com diltiazem, digital, verapamil ou beta-blo- pode ser também infranodal. O intervalo é maior do que
queadores. A reversão da arritmia pode ser atingida com 0,20ms, e toda onda P determina um QRS. O tratamento,
o uso de quinidina, procainamida ou amiodarona, apesar geralmente, é desnecessário quando não há sintomas.
de o sucesso na estratégia farmacológica não ser frequente. - Critérios ao ECG:
Após a falha terapêutica farmacológica, deve-se cardiover- • QRS normal;
ter eletricamente o doente. • Ritmo regular;
Embora haja poucos dados a respeito, aconselha-se o • Onda P: onda normal, seguida de QRS;
seguimento das mesmas orientações de anticoagulação de- • Intervalo PR: maior do que 0,20ms; geralmente,
finidos para a FA no manuseio do flutter, apesar de a apre- permanece constante.
sentação crônica de tal patologia ser incomum.
- Critérios ao ECG:
• Frequência atrial: geralmente, em torno de 300bpm;
• Ritmo: é regular, mas pode ser irregular em caso de
bloqueio AV variável;
• Onda P: as ondas atriais lembram os dentes de uma Figura 13 - BAV de 1º grau
serra e são mais bem identificadas nas derivações
inferiores; em graus de bloqueio 1:1 ou 2:1, pode b) BAV de 2º grau
ser difícil identificar as ondas do flutter, mas o uso Alguns estímulos são bloqueados e outros conduzidos.
de manobra vagal ou de adenosina resolve tal pro- Esse tipo de bloqueio é subdividido em:
50
ARRITMIAS CARDÍACAS
CARDIOLOGIA
tamento específico raramente é necessário, a menos queio intermitente da onda P determina resposta
que estejam presentes sinais e sintomas graves. ventricular irregular;
• Critérios ao ECG: * Ondas P: morfologia normal. Intervalos P-P cons-
* QRS: normal; tantes, nos ciclos de base;
* Frequência: a atrial não é afetada, mas a ventricu- * Intervalo da pausa elétrica: o dobro do intervalo
lar se altera devido às ondas P bloqueadas. O in- diastólico do ciclo sinusal;
tervalo da pausa elétrica é menor que o dobro do * Intervalo PR: pode ser normal ou alargado, porém é
intervalo diastólico do ciclo sinusal precedente; constante nas ondas P que são conduzidas; pode ha-
* Ritmo: o ritmo atrial é regular, ao contrário do ver diminuição do PR após uma onda P bloqueada.
ventricular;
* Onda P: aspecto normal, sucedida por QRS, exce-
to aquela bloqueada. Intervalos P-P progressiva-
mente mais curtos, até a ocorrência da pausa.
c) BAV de 3º grau
Figura 14 - BAV de 2º grau Mobitz I
Representa uma desconexão total entre átrios e ventrí-
- BAV de 2º grau Mobitz II: é mais comum no feixe de His culos, podendo ocorrer no nível do nó AV, feixe de His ou
e em seus ramos. Geralmente, associa-se à lesão orgâni- nos seus ramos. No 1º caso, o ritmo que mantém a frequên-
ca do sistema de condução, sendo raramente derivado cia ventricular é, geralmente, originado na região do nó jun-
do aumento do tônus parassimpático ou da ação de dro- cional (ritmo de escape juncional), com frequência estável
gas. Tem maior probabilidade de evoluir para bloqueio de 40 a 60bpm e QRS estreito. É associado a IAM inferior,
AV total. A característica do BAV de 2º grau é de não efeito de drogas (beta-bloqueador) ou dano ao nó AV, sen-
haver alargamento do intervalo PR antes da onda P, e do de bom prognóstico. Quando o BAV acontece em região
pode haver mais de 1 batimento não conduzido no mo- infranodal, em geral é de 2 ramos, e é indicativo de lesão
mento do bloqueio. O tratamento depende da condição extensa do sistema de condução intracardíaca. O ritmo de
clínica do paciente. Quando há repercussão hemodinâ- escape desse bloqueio é em geralmente ventricular, com 30
mica da bradicardia, o tratamento imediato consiste em a 40bpm, e o QRS, por ser originado no próprio ventrículo,
marca-passo transcutâneo; na ausência do dispositivo é alargado, não sendo um marca-passo confiável, podendo
ou na falha da sua captura, podem-se utilizar drogas evoluir para assistolia.
adrenérgicas, como a dopamina ou a adrenalina em in- - Critérios ao ECG:
fusão contínua, para melhora da frequência. O paciente • QRS: geralmente normal, pode ser alargado, depen-
assintomático deve receber marca-passo transcutâneo dendo da origem do ritmo de escape;
para teste de captura elétrica que deve ser mantido
• Ondas P: normais;
desligado (ligado novamente caso o paciente se torne
instável). Tal medida é necessária em virtude do risco de • Frequência: a atrial é normal, e a ventricular é me-
o indivíduo piorar o ritmo da bradicardia e tornar-se sin- nor que a atrial;
tomático. Tanto no paciente instável quanto no estável, • Ritmo: o ritmo atrial é regular, mas pode ser irregu-
é aceitável atropina para melhora da frequência cardía- lar; o ritmo ventricular é sempre regular;
ca; essa medida é mais efetiva nos graus mais elevados • Intervalo PR: é variável pela independência atrial e
de bloqueio AV. ventricular.
51
CARD I OLOG I A
52
ARRITMIAS CARDÍACAS
CARDIOLOGIA
• Ondas P: pode haver a onda P retrógrada;
Trata-se de impulso elétrico com origem na junção AV e
• Intervalo PR: geralmente variável, porém menor do
que acontece antes do próximo impulso sinusal fisiológico,
que o PR da onda sinusal;
determinando uma despolarização atrial retrógrada, com
onda P negativa nas derivações inferiores. Essa onda pode • Intervalo QRS: normal.
coincidir com o complexo QRS, precedê-lo ou segui-lo por
haver dependência do tempo de condução relativo entre o
local de origem na junção e os átrios e ventrículos; quando
o impulso é gerado em uma porção mais alta da junção AV,
a onda P retrógrada geralmente antecede ou coincide com
o QRS; porções mais baixas da junção podem determinar
a onda P retrógrada após o QRS. Raramente, é necessário
tratamento.
- Critérios ao ECG:
• QRS: normal; pode ocorrer QRS alargado, indicando Figura 19 - Extrassístole juncional
bloqueio de ramo;
• Ritmo: irregular;
• Ondas P: geralmente negativas nas derivações in- D - 4ª pergunta: qual a frequência cardíaca?
feriores (aVF, DII e DIII), determinadas pelas despo- Um grupo final de ritmos deve ser identificado com base
larizações retrógradas; pode coincidir com o QRS, na análise da frequência: a bradicardia e a taquicardia sinu-
precedê-lo ou vir depois dele; sal e a taquicardia supraventricular.
• Intervalo PR: geralmente menor do que 0,12ms. A frequência cardíaca do traçado eletrocardiográfico
Pode ocorrer em BAV total. pode ser avaliada por várias formas. Uma mais trabalhosa
é dividir o número 1.500 pelo número de quadrinhos exis-
- Escape juncional tentes entre 2 ondas R de 2 complexos QRS consecutivos
A junção AV pode funcionar como marca-passo cardía- (passam pela fita do traçado 1.500 quadrinhos em 1 minu-
co, gerando uma frequência de 40 a 60bpm. Em situações to); o resultado é a frequência cardíaca do traçado. Uma
normais, o marca-passo sinusal predomina sobre a junção forma mais simples de determinar a frequência cardíaca é
AV em virtude da frequência mais alta de despolarizações. lembrar a regra numérica descrita na Figura 20. Ao avaliar o
Quando não há tal predomínio, ou seja, quando não há o traçado, encontra-se uma onda R do QRS que incide sobre o
estímulo do nó AV pela ordem sinusal em 1 a 1,5 segun- início do intervalo de 200ms (5 quadrados menores). A par-
do, o nó AV despolariza-se de forma autônoma, gerando o tir desse ponto, contam-se quantos intervalos de 5 quadri-
chamado complexo de escape juncional. Quando há uma nhos existem, aproximadamente, até a próxima onda R do
série repetida de tais estímulos, estamos diante do ritmo de QRS. Tal regra pré-calcula o número prévio de quadrinhos
escape juncional. Trata-se de uma situação frequentemente entre as ondas R de 2 QRS consecutivos, determinando a
associada à intoxicação digitálica. FC. Frequências >100bpm são consideradas taquicárdicas,
e <60bpm, bradicárdicas.
Figura 18 - (A) Ondas P retrógradas antes do QRS e (B) após o QRS Figura 20 - Forma rápida para cálculo da frequência cardíaca
53
CARD I OLOG I A
a) Taquicardia sinusal cuidado com pacientes com QRS alargado, pois pode
Definida pelo aumento da frequência de despolariza- tratar-se de taquicardia ventricular;
ções atriais, compreende uma resposta fisiológica à neces- - Flutter e fibrilação atrial: já discutidos;
sidade de aumento do débito cardíaco. Pode ser determi- - Taquicardia atrial não paroxística: normalmente, é se-
nada por febre, exercício, ansiedade, hipovolemia e dor, de- cundária a outros eventos, mais comumente à intoxi-
vendo ser tratada a causa que a determinou e não a própria cação digitálica. Seu mecanismo envolve o surgimento
taquicardia. de um foco atrial ectópico com automatismo aumen-
- Critérios ao ECG: tado. É comum associar-se ao bloqueio AV variável.
• QRS: normal; • Critérios ao ECG:
• Frequência: acima de 100bpm; * Frequência: a atrial, em geral, oscila entre 140 e
• Ritmo: regular; 220bpm;
• Ondas P: positivas em DII, DIII e aVF. * Ritmo: o ritmo atrial é normalmente regular; pode
haver bloqueio AV o que determinará frequência
b) Bradicardia sinusal ventricular menor;
Determinada pela lentidão do nó sinusal em despolari- * Ondas P: de difícil identificação, geralmente com
zar-se, podendo acontecer devido ao efeito de determina- morfologia diferente da onda P sinusal;
das drogas (beta-bloqueador, digital e verapamil), doença * Intervalo PR: normal ou prolongado;
do nó sinusal ou aumento do tônus parassimpático. * Intervalo QRS: normal ou alargado.
- Critérios ao ECG:
• QRS: normal; 4. Abordagem das taquiarritmias
• Frequência: abaixo de 60bpm;
As taquiarritmias caracterizam-se por uma frequência
• Ritmo: regular;
cardíaca >100bpm e podem ser classificadas em instáveis
• Ondas P: positivas em DII, DIII e aVF. (apresentam os mesmos critérios de instabilidade das bra-
dicardias citados) ou estáveis:
a) Taquicardias com QRS estreito (todas de origem su-
praventricular)
Taquicardia sinusal, fibrilação atrial, flutter atrial, taqui-
cardia atrial, taquicardia por reentrada nodal, taquicardia
juncional e taquicardia AV (ortodrômica – envolvendo uma
via acessória). Ainda podem ser diferenciadas entre as ta-
quicardias com intervalo QRS irregular ou regular.
c) Taquicardias supraventriculares
As taquicardias supraventriculares podem ser multifo-
cais ou uniformes e englobam as seguintes arritmias:
- Taquicardia paroxística supraventricular (TPSV): ocor-
re em episódios paroxísticos de taquicardia com início
abrupto e duração breve (segundos) ou prolongada (ho-
ras) e pode ser abortada por manobras vagais. O me-
canismo mais comumente associado é a reentrada, em
geral envolvendo somente o nó AV ou este juntamen-
te com uma via anômala acessória. Os complexos QRS
são estreitos, porém podem ocorrer de forma alargada Figura 22 - Taquicardias com QRS estreito
quando há bloqueio de ramo frequência-dependente,
bloqueios preexistentes ou por condução anterógrada
aos ventrículos por via anômala extranodal, como na b) Taquicardias com QRS largo (na maioria das vezes,
SWPW (feixe de Kent). A despolarização atrial é retró- de origem ventricular)
grada (onda P negativa). Tal arritmia é bem tolerada em Taquicardia ventricular, fibrilação ventricular e TSV com
jovens, e o tratamento envolve o uso de manobra vagal, aberrância de condução intraventricular (com bloqueio de
adenosina, verapamil ou beta- bloqueador. Deve-se ter ramo antigo ou funcional).
54
ARRITMIAS CARDÍACAS
CARDIOLOGIA
Figura 23 - Taquicardias com QRS largo
55
CARD I OLO G I A
5. Resumo
Quadro-resumo
- A correta identificação do ritmo cardíaco é essencial na conduta terapêutica das arritmias;
- As FV/TV sempre devem ser tratadas imediatamente com desfibrilação elétrica (choque não sincronizado);
- A TV, TSV e a FA instáveis devem ser tratadas com cardioversão elétrica imediata;
- A FA estável pode ter seu tratamento de 2 formas: controle do ritmo (reversão para sinusal) ou controle da FC (resposta ventricular);
- Nas bradicardias sintomáticas, a aplicação do marca-passo transcutâneo está indicada; o uso de atropina pode ser empregado;
- Na falha da atropina ou do marca-passo, epinefrina ou dopamina podem ser utilizadas para tratar a bradicardia sintomática.
56
CAPÍTULO
7
Angina estável
Rodrigo Antônio Brandão Neto / José Paulo Ladeira / Fabrício Nogueira Furtado
57
CARD I OLOG I A
ção e necrose. As placas fibrolipídicas podem ser divididas - Dor torácica não cardíaca: 1 ou nenhuma das caracte-
em estáveis e instáveis. Quando ocorrem fissuras e roturas, rísticas anteriores.
pode haver instabilidade da placa, de forma que o pacien-
Apesar de diferentes classificações terem sido criadas,
te evolui com síndrome coronariana instável. Por sua vez,
esta é a que provavelmente melhor auxilia na realização do
quando o indivíduo apresenta calcificação, com obstrução
diagnóstico de doença coronariana.
fixa ao fluxo coronariano, há evolução para angina estável.
Tabela 1 - Classificação da dor torácica segundo as características
4. Manifestações clínicas clínicas
- Angina típica;
58
ANGINA ESTÁVEL
A anemia é uma situação em que se reduz a capacidade A angina estável apresenta uma classificação clínica, da
de transporte de oxigênio do sangue, podendo cursar com Sociedade Canadense de Cardiologia, adotada tanto pelo
sintomas anginosos. O débito cardíaco aumenta com níveis consenso da American Heart Association quanto pelas Dire-
de hemoglobina inferiores a 9g/dL, e alterações do segmen- trizes Brasileiras de Angina Instável (Tabela 4).
to ST podem ocorrer quando o nível cai abaixo de 7g/dL.
Situações em que a viscosidade sanguínea está aumentada, Tabela 4 - Classificação clínica da angina estável
como policitemia, leucemia e trombocitose, entre outras si- I Angina com esforço físico extremo.
tuações, também podem levar à dor anginosa. Angina com atividades do cotidiano, como andar mais que
CARDIOLOGIA
II
O espasmo esofagiano pode reproduzir dor em região 2 quarteirões.
retroesternal em aperto, com duração de minutos e alívio III Angina com importante restrição na atividade física.
com nitratos, de forma que pode ser um fator de confusão. Inabilidade de realizar qualquer atividade física sem dor ou
IV
A dor torácica pode, ainda, associar-se a afecções pul- dor mesmo ao repouso.
monares como pleurite (mas, nesse caso, a dor costuma ter
caráter ventilatório-dependente), tromboembolismo pul- B - Exames complementares
monar, pneumotórax e outras condições que cursam com
Em pacientes com suspeita diagnóstica de angina está-
hipoxemia.
vel, são necessários exames mínimos, segundo as recomen-
Por fim, na avaliação do quadro de dor anginosa, também
devem ser lembrados, como diagnósticos diferenciais, qua- dações da American Heart Association, os quais incluem he-
dros de distúrbios ansiosos, depressivos e somatoformes. moglobina, glicemia de jejum, perfil lipídico, raio x de tórax
e ECG de repouso.
59
CARD I OLOG I A
d) Teste ergométrico O teste pode ser usado, ainda, para avaliar o prognósti-
O teste de esforço ou ergométrico é utilizado tanto para co dos pacientes.
diagnóstico como para estratificação do risco de pacientes Tabela 6 - Recomendações das diretrizes brasileiras sobre angina
com doença coronariana, sendo o método não invasivo estável para o uso do TE na definição prognóstica do paciente
mais comumente empregado, tornando-se a abordagem Todos os pacientes com probabilidade intermedi-
mais custo-eficaz nessa população. Apresenta sensibilida- Classe I ária ou alta de DAC, após uma avaliação inicial ou
de de 68% para o diagnóstico, com especificidade de 77%, que apresentem modificações dos sintomas.
além de ser considerado seguro, com complicações impor- Pacientes revascularizados com sintomas sugerindo
tantes como IAM e morte ocorrendo em menos de 1 a cada Classe IIa
isquemia.
2.500 procedimentos. Pacientes portadores de pré-excitação, depressão
O teste é, usualmente, considerado positivo quando do segmento ST >1mm no ECG de repouso, ritmo
Classe IIb
ocorre depressão horizontal ou descendente do segmento de marca-passo, bloqueio completo do ramo es-
ST maior que 1mm, 60 a 80ms após o final do QRS (ponto J). querdo (interpretação dificultada do teste).
Tabela 5 - Indicações do teste de esforço para o diagnóstico da Os resultados do teste de esforço apresentam impli-
condição, segundo a American Heart Association e as Diretrizes cação prognóstica e são considerados dados de alto risco
Brasileiras de Angina Estável para eventos cardiovasculares: baixa capacidade funcional
- Pacientes com probabilidade intermediária (≤4mets) e depressão ou elevação do segmento ST em car-
Classe I
de doença arterial coronariana. gas baixas. Uma forma mais objetiva de avaliar a capaci-
- Angina vasoespástica (indicação não discu- dade funcional é calculando o escore de Duke, obtido por
Classe IIa
tida nas diretrizes brasileiras). meio da seguinte fórmula:
- Pacientes com probabilidade baixa ou alta
Tempo de exercício (em minutos) - desvio máximo segmento
de doença arterial coronariana ou hiper-
ST (em mm) máximo - 4x angina de esforço (0 se sem, 1 se não
trofia do ventrículo esquerdo com depres-
Classe IIb limitante e 2 se limitante)
são de ST <1mm ou bloqueio completo do
ramo esquerdo;
- Paciente com infarto prévio. Tabela 7 - Interpretação dos resultados
60
ANGINA ESTÁVEL
O ecocardiograma pode, ainda, avaliar a contratilidade radioisótopos leva em conta vantagens e desvantagens es-
segmentar. Nessa análise, o ventrículo esquerdo é dividido pecíficas; assim, o tálio é um isótopo mais validado pela li-
ecocardiograficamente em 16 segmentos, aos quais serão teratura, enquanto o sestamibi (derivado do tecnécio) tem
atribuídos valores de 1 a 4 (1 representa a normalidade indicação especialmente em pacientes obesos.
da contratilidade, e déficits contráteis são gradativamente
representados de 2 a 4); posteriormente, é possível fazer Tabela 8 - Indicações para realização de cintilografia segundo a
um escore de motilidade somando os valores segmentares American Heart Association
e dividindo-os por 16. Valores entre 1 e 1,6 são conside- Classe I
CARDIOLOGIA
rados normais; entre 1,6 e 2, representam déficit discreto; - Pacientes com probabilidade intermediária de doença corona-
e maiores que 2 representam comprometimento significa- riana com síndrome de pré-excitação ou depressão do ST ao
tivo da contratilidade miocárdica. É importante ressaltar repouso maior que 1mm;
que a alteração segmentar isoladamente não é sensível o - Pacientes com história de procedimento de revascularização
suficiente para definir que a etiologia da cardiopatia seja miocárdica prévia;
isquêmica. No entanto, a sua presença sugere o diagnóstico - Cintilografia com radionucleotídeos em pacientes com marca-
de insuficiência coronariana, assim deve-se seguir a inves- -passo e bloqueio de ramo esquerdo.
tigação de acordo com o risco e a probabilidade clínica de Classe IIb
cada paciente. - Mesmas condições anteriores, mas em paciente com baixa ou
A ecocardiografia de estresse tem grande utilidade. alta probabilidade de doença coronariana.
Em regiões supridas por uma artéria com grau significativo
de estenose, o estresse cardiovascular acarreta isquemia Deve-se preferir a cintilografia miocárdica com radionu-
miocárdica, e esse fenômeno se manifesta por alteração cleotídeos, e o ecocardiograma com estresse farmacológico
transitória da contração segmentar. Os métodos disponí- ao teste de esforço no manejo de pacientes com angina es-
veis para a indução do estresse são esforço físico (esteira tável nas seguintes situações:
ou bicicleta ergométrica), estimulação atrial transesofágica, - BRE completo;
uso de drogas vasodilatadoras (dipiridamol e adenosina) ou - Ritmo ventricular com marca-passo;
de estimulantes adrenérgicos (dobutamina). A indução de
isquemia miocárdica por esforço físico, dobutamina e mar-
- Depressão maior que 1mm no ECG em repouso;
ca-passo transesofágico baseiam-se no aumento do duplo
- Inabilidade de realizar esforço físico;
produto cardíaco e, consequentemente, do consumo mio- - Angina e história de revascularização.
cárdico de oxigênio.
A realização de exames para estratificação prognóstica
Por outro lado, os agentes vasodilatadores aumentam
o fluxo sanguíneo coronariano e podem levar a uma per- dos pacientes com angina estável permite classificar tais in-
fusão miocárdica heterogênea devido ao roubo de fluxo divíduos em grupos de risco (Tabela 9).
que, em alguns pacientes, é suficiente para causar isque-
Tabela 9 - Estratificação prognóstica em grupos de risco nos pa-
mia miocárdica. O ecocardiograma de estresse com dobu-
cientes com angina estável
tamina é considerado anormal quando se verificam anor-
malidades de mobilidade de parede ventricular. A sensi- Alto risco (mortalidade >3% ao ano)
bilidade do exame é de 76%, com especificidade de 88%, - Disfunção VE <35%;
sendo a 1ª maior em pacientes com doença coronariana - Escore de Duke no teste de esforço ≤-11;
triarterial (superior a 90%).
- Defeitos de perfusão importantes ou múltiplos defeitos na cin-
f) Medicina nuclear tilografia;
Os métodos de medicina nuclear permitem avaliar o co- - Alterações de motilidade com ECO com dobutamina em peque-
ração com enfoque nos aspectos de perfusão miocárdica, nas doses ou com FC <120bpm em mais de 2 segmentos.
integridade celular, metabolismo e contratilidade miocárdi- Risco intermediário (mortalidade entre 1 a 35 ao ano)
cos, além da função ventricular global ou segmentar. Com
- Disfunção VE: de 35 a 49%;
a incorporação à cardiologia nuclear de equipamentos de
última geração (detectores digitais duplos), novos radiofár- - Risco intermediário no escore de Duke: de -11 a +5; defeitos
macos e programas de computador mais sofisticados, tais moderados em exame de imagem;
avaliações poderão ser obtidas com um único exame. - Alterações de motilidade em ECO com dobutamina em doses
Os estudos de cintilografia de perfusão miocárdica com maiores em menos de 2 segmentos.
radioisótopos (são utilizados, principalmente, o tálio e o Baixo risco (mortalidade menor que 1% ao ano)
tecnécio), com estresse farmacológico (com dipiridamol - Escore de Duke <5;
ou adenosina, por exemplo) ou de esforço, apresentam
excelentes resultados (sensibilidade e especificidade de - Exame de cintilografia ou ecocardiograma normais ou com pe-
quenas alterações.
90 e 80%, respectivamente). A escolha entre os diferentes
61
CARD I OLOG I A
62
ANGINA ESTÁVEL
rios e diminui em 32% a recorrência destes. Em pacientes tiazem, são eficazes em aliviar os sintomas e não aumentam
com contraindicação ao uso de aspirina, deve-se considerar a ocorrência de eventos cardíacos. As doses recomendadas
o uso de ticlopidina ou clopidogrel. A ação antiagregante do diltiazem são de 30 a 90mg, de 8/8 horas (VO), e do vera-
da aspirina reduz a probabilidade de, na vigência de insta- pamil de 40 a 120mg, de 8/8 horas (VO). Seu principal efeito
bilização de uma placa aterosclerótica, ocorrer progressão é de vasodilatação coronariana e controle de FC.
significativa do trombo, levando à oclusão coronária.
d) Nitratos
b) Beta-bloqueadores Os nitratos não estão associados à diminuição de mor-
CARDIOLOGIA
Os beta-bloqueadores são as drogas de 1ª linha na te- talidade, mas podem ser associados a outras medicações
rapia antianginosa, em especial nos pacientes com angina no controle dos sintomas. Determinam vasodilatação co-
após infarto. Quanto à angina estável, não há evidências ronariana. As 2 formas principais de apresentação dessas
concretas na literatura da diferença entre o uso de beta- substâncias são:
-bloqueadores e de bloqueadores dos canais de cálcio. Es- - Dinitrato de isossorbida em dose de 10 a 40mg (VO),
tudos comparando as 2 medicações, além de não mostra- de 8/8 horas, ou 5mg (sublingual) a cada 5 a 10 minu-
rem diferença na mortalidade em longo prazo, demonstram tos até a dose máxima de 15mg ou alívio da dor;
resultados similares quanto a desfechos (como tempo, após
- Mononitrato de isossorbida em dose 10mg (VO) de
iniciar atividade física até manifestar dor e número de me-
12/12 horas, até 40mg VO, de 8/8 horas.
tros percorridos sem dor). Contudo, considerando o maior
benefício com os beta-bloqueadores em pacientes com an- Alguns pacientes apresentam dor associada a vasoes-
gina instável, essa classe se torna a 1ª linha para terapia pasmo, sem obstrução fixa, denominada angina de Prinz-
antianginosa. A dose dos beta-bloqueadores deve ser ajus- metal. Nesses casos, os beta-bloqueadores, além de inefica-
tada para manter FC em torno de 60bpm. A Tabela 11 cita a zes, podem piorar o vasoespasmo. Os nitratos, entretanto,
posologia e a apresentação dos principais beta-bloqueado- podem ser benéficos devido à dilatação dos vasos epicárdi-
res. O efeito protetor do betabloqueador está associado à cos, com ou sem aterosclerose. Contudo, os bloqueadores
limitação da elevação da frequência cardíaca. dos canais de cálcio são as drogas de escolha no manejo em
longo prazo dessa condição. Uma das principais questões
Tabela 11 - Posologia e apresentação dos beta-bloqueadores
no manejo dos pacientes com angina de Prinzmetal é veri-
Nome co- ficar a indicação de intervenção com angioplastia e revas-
Droga Apresentação Posologia**
mercial ® cularização do miocárdio. Pacientes com angina limitante
Pro- podem beneficiar-se de angioplastia com stent, e aqueles
20 a 320mg (2 a
pra- Inderal 10, 40 e 80mg com lesões triarteriais ou biarteriais e envolvimento da ar-
3x/dia)
nolol
téria descendente anterior, ou com disfunção ventricular
Ate- 25 a 200mg (1 a esquerda, são candidatos à cirurgia de revascularização
Atenol 25, 50 e 100mg
nolol 2x/dia)
miocárdica. Em geral, as recomendações para intervenção
Seloken, são semelhantes às das síndromes coronarianas agudas,
Meto- 100mg (25, 50 e 50 a 200mg (1 a
Lopressor e
prolol 100mg) 2x/dia) mas há pouca evidência de superioridade dessas terapias
Selozok*
em relação ao tratamento clínico em pacientes com angina
Biso- 2,5 a 10mg (1x/
Concor 1,25/2,5/5/10mg estável.
prolol dia)
Nas Diretrizes Brasileiras de Angina Estável, sugere-se
Coreg, Dive-
Carve- 12,5 a 100mg que os pacientes de alto risco cardiovascular e com miocár-
lol, Carvedilol 3,125/6,25/12,5/25mg
dilol (2x/dia) dio viável (verificado em exame de medicina nuclear) po-
e Dilatrend
deriam beneficiar-se de procedimentos de revascularização
Pin- 5 a 60mg (2x/
dolol
Visken 5 e 10mg
dia)
miocárdica, seja a angioplastia, seja a cirurgia.
* Seloken® e Lopressor® – tartarato de metoprolol (comprimidos e) Trimetazidina
de 100mg); Seloken Duriles® – comprimidos de 200mg; Selozok® A trimetazidina faz parte de um grupo de agentes com
– succinato de metoprolol (comprimidos de 25, 50 e 100mg).
ação no metabolismo, que também apresentam a capacida-
** Dose diária (número de tomadas diárias).
de de aumentar a tolerância ao exercício em pacientes com
angina. É a 1ª de uma nova classe de agentes conhecidos
c) Antagonistas dos canais de cálcio como 3-KAT inibidores, que ajudam a otimizar a energia do
Os antagonistas dos canais de cálcio diidropiridínicos de metabolismo cardíaco e, secundariamente, inibem a oxi-
curta ação devem ser evitados, uma vez que aumentam a dação beta dos ácidos graxos. A ação metabólica da trime-
ocorrência de eventos cardíacos em portadores de doença tazidina não interfere no fluxo coronariano e não modifica
isquêmica do miocárdio. Em compensação, os de longa du- parâmetros hemodinâmicos. Acredita-se que exista um po-
ração e os não diidropiridínicos, como o verapamil e o dil- tencial de benefício, particularmente nos idosos.
63
CARD I OLOG I A
f) Vacinação
Vacinação anual para influenza deve ser recomendada a
pacientes com doença cardiovascular (classe I).
9. Resumo
Quadro-resumo
- A angina estável é decorrente do desbalanço entre a oferta e
o consumo de oxigênio ao miocárdio, associada a uma lesão
aterosclerótica estável da coronária;
- A anamnese e o exame físico têm boa sensibilidade em identi-
ficar o quadro;
- As provas e provocação de estresse metabólico miocárdico
como o ecocardiograma com estresse ou o teste ergométrico
são sensíveis em definir o diagnóstico quando o quadro clínico
não é típico;
- O tratamento dos fatores de risco como tabagismo, diabetes e
dislipidemias é essencial para a prevenção da instabilização da
progressão da lesão aterosclerótica;
- A aspirina e o beta-bloqueador são essenciais na prevenção de
síndrome coronariana aguda nos portadores de angina estável.
Os bloqueadores de canais de cálcio e os nitratos melhoram os
sintomas isquêmicos da angina, mas não alteram a ocorrência
de instabilizações agudas.
64
CAPÍTULO
8
Síndromes miocárdicas isquêmicas instáveis
José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
65
CARD I OLOG I A
Os sinais, sintomas e desfecho da evolução clínica do pa- outros exames, como teste de esforço ou cintilografia mio-
ciente dependem de vários fatores, como: cárdica, para definir, com maior segurança, a existência ou
- Extensão de músculo cardíaco perfundido pela artéria não do 1º evento isquêmico. Mesmo que a pesquisa seja
obstruída; negativa, esse paciente deve ser seguido ambulatorialmen-
- Gravidade e duração da isquemia miocárdica; te. Caso a pesquisa seja positiva em alguns dos exames, o
- Instabilidade elétrica do miocárdio isquêmico; indivíduo deve ser internado e deve aguardar o resultado
- Grau e duração da obstrução da artéria coronária; de todos os exames para ser classificado em AI (enzimas
seriadas normais) ou IAMSSSST.
- Presença ou ausência de circulação colateral. A dor de origem isquêmica miocárdica pode ter locali-
zação variada, porém segue um padrão clínico sugestivo do
B - Avaliação inicial quadro, conforme mostra a Figura 2.
A queixa que os pacientes geralmente trazem ao pron-
to-socorro é dor torácica. Nesse grupo, encontram-se des-
de pacientes cuja origem da dor não é cardíaca até aqueles
que estão em choque cardiogênico por infarto do miocárdio
com poucas horas de evolução (Tabela 1). Assim, é neces-
sária abordagem sistematizada dos pacientes com risco de
evento coronariano agudo. Diante dessa queixa de dor to-
rácica, há 3 possibilidades diagnósticas que são definidas a
partir de 3 características básicas:
Dor retroesternal/desencadeada pelo esforço/alivia
com repouso ou nitrato.
1 - Dor torácica de etiologia não cardíaca: possui apenas
1 ou nenhuma das características citadas.
2 - Dor torácica de possível origem cardíaca: possui 2
das características citadas.
3 - Dor torácica de origem cardíaca definida: possui as 3
características citadas. Figura 2 - Localização clínica da dor torácica de origem isquêmica
O paciente com dor torácica de possível origem cardíaca
deve ser observado no pronto-socorro e avaliado seriada- A seguir, um algoritmo das possibilidades diagnósticas
mente, por algumas horas, com ECG/enzimas cardíacas e da dor torácica.
66
SÍNDROMES MIOCÁRDICAS ISQUÊMICAS INSTÁVEIS
CARDIOLOGIA
- Dissecção de aorta;
Baixa
- Pericardite;
- Dor reproduzida à compressão;
- Herpes-zóster;
- Onda T retificada;
- Colecistite.
- ECG normal;
A característica da dor torácica é o dado com maior va- - Enzimas normais.
lor preditivo da SCA, embora até 33% dos pacientes não
apresentem dor torácica típica, em especial diabéticos, As alterações eletrocardiográficas na AI e IAMSSSST
mulheres, idosos e pacientes psiquiátricos. A seguir, são podem variar da normalidade até a presença de isquemia
descritas características típicas da dor associada à isquemia miocárdica instalada. No entanto, algumas patologias po-
miocárdica (Tabela 2). dem simular essas alterações, determinando erro diagnós-
tico, como pericardite, aneurisma do ventrículo esquerdo,
Tabela 2 - Características da dor precordial de origem isquêmica repolarização precoce, bloqueio do ramo esquerdo prévio,
- Dor em aperto, precordial ou retroesternal, com irradiação síndrome de Wolff-Parkinson-White e pancreatite.
para a mandíbula ou o membro superior esquerdo; A seguir, estão representados o complexo QRS normal,
- Dor acompanhada de sudorese, palpitações e vômitos; o supradesnivelamento do segmento ST e o infradesnivela-
- Dor desencadeada por esforço físico ou emoção; mento do segmento (Figura 4A, B e C).
- Duração prolongada (superior a 20 minutos no IAM);
- Alívio com repouso ou nitrato.
67
CARD I OLOG I A
alteração enzimática), é possível avaliar o paciente de for- Tabela 4 - Classificação de risco da angina instável
ma segura, conforme o algoritmo a seguir (Figura 5). Quan- Alta
to aos pacientes que não podem caminhar ou possuem - Angina em “crescendo” nas últimas 48 horas;
alteração eletrocardiográfica que não permita adequada - Dor em repouso (>20min);
avaliação do traçado, há a opção de avaliação por meio de - Edema pulmonar ou congestão/galope com B3 /hipotensão/
ecocardiograma com estresse farmacológico (dobutamina sopro mitral novo ou piora/bradicardia ou taquicardia;
ou dipiridamol) ou cintilografia miocárdica. - Idade >75 anos;
- Alteração de ST transitórias (≥0,05mV);
- TV sustentada;
- Elevação enzimática (troponina I/T ou CK-MB).
Média
- IAM prévio/insuficiência vascular periférica ou cerebrovascu-
lar;
- Revascularização prévia;
- Uso de AAS;
- Dor em repouso (>20 minutos) sem dor no momento;
- Dor em repouso (<20 minutos) que melhora com nitrato;
- Idade >70 anos;
- Ondas Q patológicas;
- Inversão de T >0,2mV;
- Enzimas normais ou pouco elevadas.
Baixa
- Dor com ECG normal/sem alteração;
- Enzimas normais.
68
SÍNDROMES MIOCÁRDICAS ISQUÊMICAS INSTÁVEIS
CARDIOLOGIA
ronária.
- Uso de aspirina nos últimos 7 dias;
- Alteração de segmento ST (elevação transitória ou de- Seguem Tabelas com as características dos subtipos de
pressão persistente); risco da angina, associadas ao seu tratamento adequado.
- Marcadores de isquemia miocárdica positivos;
- Mais que 2 episódios de angina nas últimas 24 horas. Tabela 6 - Caracterização da angina instável de baixo risco e tra-
tamento
- Dor: dor torácica não anginosa ou de possível origem cardíaca;
- Duração: <20min;
- ECG: normal ou inalterado durante dor;
- Marcadores: normais (troponina I e CKMB);
- Condutas:
Tratamento na unidade de emergência;
ECGs seriados, sendo o 1º realizado até 10 minutos após a ad-
missão e repetido pelo menos 1 vez nas primeiras 6 horas;
Colher CKMB-troponina na admissão e pelo menos mais 1 vez
entre 6 e 9 horas da admissão – preferencialmente entre 9 e
12 horas do início dos sintomas;
Investigação inicial com teste não invasivo – TE.
69
CARD I OLOG I A
- Marcadores: positivos com curva típica de isquemia miocárdica como miocardite, choque, cateterismo cardíaco, ope-
secundária a IAM; ração cardíaca e trauma;
- Conduta: - Mioglobina: é uma proteína do grupo heme, que se
· AAS + clopidogrel – inibidor de glicoproteína IIb/IIIa: eleva mais precocemente (de 1 a 4 horas) do que a
* Tirofibana se tratamento clínico, e abciximabe se planejado CKMB. É muito pouco específica, porém extremamen-
angioplastia.
te sensível, sendo improvável a SCA quando seu resul-
· Heparina – heparinização plena com HBPM ou HNF;
· Avaliação invasiva com estudo hemodinâmico preferencial- tado é negativo após 4 horas do início da dor;
mente nas primeiras 48 horas. - Troponinas: são as mais específicas para o coração;
· Estudo hemodinâmico imediato – indicações: apesar de existirem no tecido muscular, são codifica-
* Emergência (até 6 horas): se isquemia persistente ou insta- das por diferentes genes, tendo, portanto, diferentes
bilidade hemodinâmica ou elétrica;
* Urgência (até 24 horas): isquemia recorrente ou extensa
sequências de aminoácidos. Não são detectadas no
área em risco. sangue em circunstâncias normais. As troponinas ele-
TVS = Taquicardia Ventricular Sustentada. vam-se no sangue dentro de 6 a 8 horas após o infarto,
têm o pico com 24 horas e podem persistir elevadas
O IAMSSSST, quando comparado à AI, já define condição por 10 a 14 dias; não são úteis, portanto, para o diag-
de maior risco, não possuindo subtipos de classificação. nóstico de reinfarto. Podem estar elevadas em insufi-
ciência cardíaca descompensada, embolia pulmonar e
D - Diagnóstico choque séptico.
O diagnóstico da SCA é obtido com base nos dados de
Na vigência de resultados normais dos marcadores car-
história, exames laboratoriais e análise do eletrocardiogra-
díacos, os pacientes com risco intermediário ou baixo po-
ma. A presença de 2 desses 3 critérios define a síndrome.
dem ser submetidos a exames não invasivos para refinar
A dor torácica típica ocorre em região precordial, com ca-
a estratificação de risco. São exames úteis, em unidade de
racterística de aperto ou compressão, irradiando-se para
dor torácica, o teste ergométrico (para pacientes de risco
membro superior esquerdo, dorso ou mandíbula. Pode ser
clínico baixo ou intermediário com enzimas normais), a cin-
acompanhada de sudorese fria, náuseas e vômitos e ter iní-
tilografia miocárdica com esforço e o ecocardiograma com
cio ao repouso, com duração, em geral, >20 e <40min. Pode
estresse farmacológico ou físico.
haver modificações eletrocardiográficas com mudanças do
Para a caracterização do IAMSSSST, são necessários os
segmento ST e da onda T, e dos marcadores cardíacos.
seguintes critérios: quadro clínico sugestivo com dor torá-
As enzimas cardíacas utilizadas para definição de lesão
cica sustentada por mais de 20 minutos, ECG sem supra-
muscular miocárdica são:
desnivelamento do ST persistente e elevação de enzimas
- CPK: sua elevação ocorre de 4 a 8 horas após o infarto
cardíacas (troponina e/ou CKMB com valores 2 vezes acima
e se normaliza em 2 a 3 dias, com pico ao redor de 24
horas após o início do quadro. É sensível, mas muito do seu valor normal). A AI, geralmente, apresenta quadro
pouco específica, podendo estar elevada em pacientes clínico sugestivo com dor torácica sustentada por menos de
portadores de lesões musculares, intoxicação pelo ál- 20 minutos, ECG sem supradesnivelamento do ST e dosa-
cool, diabetes mellitus, síndrome do desfiladeiro torá- gem de enzimas cardíacas normais.
cico e embolia pulmonar;
E - Tratamento
- CKMB: uma das isoenzimas da CPK (além da CKBB e
da CKMM). A CKMB é a isoenzima predominante no Na sala de emergência, o paciente com dor torácica
coração, enquanto a BB está presente no cérebro e nos deve ser avaliado visando à rápida identificação da SCA. De-
rins, e a MM nos músculos. Pequenas quantidades de finida a presença de AI/IAMSSSST, ele deve ser mantido em
CKMB podem ser encontradas no intestino delgado, repouso e com monitorização cardíaca, recebendo oxigê-
na língua, no útero e na próstata. Há 2 isoformas da nio, AAS, nitrato e morfina para o controle da dor (MONA).
CKMB: CKMB-1 e CKMB-2, esta última liberada mais Beta-bloqueador deve ser adicionado via oral nas primeiras
rapidamente no sangue após o infarto. Aproveitando- 24 horas, além de clopidogrel, para maior bloqueio da agre-
-se disso, autores têm proposto a dosagem de CKMB-2 gação plaquetária. Com o objetivo de estabilizar o trombo
(ou a relação entre CKMB-2/CKMB-1 no sangue) como que se desenvolveu sobre a placa aterosclerótica coronaria-
maneira de tornar mais sensível o exame. A CKMB co- na, todos os pacientes com AI ou IAMSSSST devem receber
meça a elevar-se de 4 a 8 horas após o infarto, tem o anticoagulação plena com HNF ou HBPM, devendo-se dar
pico com 24 horas e retorna aos níveis normais em 72 preferência à heparina de baixo peso molecular (enoxapari-
horas. Vale lembrar que outras formas de injúria mio- na), pois houve maior redução do risco de morte, infarto e
cárdica, que não a isquemia, podem elevar à CKMB, necessidade de revascularização de emergência.
70
SÍNDROMES MIOCÁRDICAS ISQUÊMICAS INSTÁVEIS
Antes da administração de tais medicações, deve-se es- - Morfina: promove melhora da congestão e da dor e
tar atento à presença de eventuais contraindicações: reação é indicada quando esta persiste mesmo após nitrato.
alérgica a salicilatos (usar clopidogrel), infarto do ventrículo Não usar em caso de PA sistólica abaixo de 90mmHg.
direito (pode ocorrer hipotensão com nitrato) e, para o uso Pode determinar liberação histaminérgica, causando
de beta-bloqueadores, descartar bloqueios atrioventricula- náuseas, vômitos e prurido;
res, broncoespasmo, hipotensão, insuficiência cardíaca des- - Inibidores de glicoproteínas IIb/IIIa: fazem parte des-
compensada ou bradicardia. sa classe o abciximabe, o eptifibatida e o tirofibana.
CARDIOLOGIA
Quanto aos pacientes considerados de alto risco, po- Um deles deve ser utilizado conjuntamente com AAS,
dem ser associados os inibidores de glicoproteína IIb/IIIa clopidogrel e heparina para todos os pacientes com AI
(tirofibana, abciximabe) como complemento à terapia an- de alto risco ou IAMSSSST, associado à abordagem pre-
tiagregante. Preferencialmente, esses pacientes devem ser coce com angioplastia (classe I). Quando a abordagem
encaminhados para cateterismo cardíaco dentro de 48 a precoce com angioplastia não é possível, o tirofibana e
72 horas e mantidos com o inibidor de glicoproteína até 12 o eptifibatida são as drogas de escolha. O abciximabe
horas após o procedimento. O clopidogrel é contraindicado só poderá ser oferecido se a abordagem precoce com
em associação à aspirina para pacientes a serem submeti- angioplastia for efetivamente realizada. O uso dessas
dos a tratamento cirúrgico. drogas no IAMCSSST é controverso, sem evidência de
benefício até o momento;
F - Tratamento específico da angina instável ou IAM - Beta-bloqueador: uso inicial com metoprolol; indica-
sem supradesnivelamento do segmento ST do na angina de moderado e alto risco e na vigência
de dor precordial isquêmica. É contraindicado aos pa-
- Oxigênio: para todos os pacientes com congestão
cientes com história de broncoespasmo, hipotensão,
pulmonar ou saturação arterial de O2 abaixo de 90%
disfunção moderada a severa do ventrículo esquerdo,
(classe I). Para todas as outras formas de SCA, deve ser
intervalo PR maior do que 0,24ms ou BAV de 2º ou 3º
mantido por 6 horas do início do quadro (classe IIa);
graus e bradicardia abaixo de 60bpm. O beta-bloque-
- AAS: uso obrigatório na dose de 160 até 325mg, pois ador intravenosos deve ser prescrito apenas para o
reduz a mortalidade e apresenta efeito rápido antia- tratamento de situações específicas que não o IAM/
gregante por bloqueio quase total da síntese de anti- angina instável. Deve ser prescrito via oral nas primei-
tromboxane A2. Quando o paciente refere alergia ao ras 24 horas da internação;
AAS, iniciar a antiagregação apenas com clopidogrel; - Heparina: preferencialmente, a de baixo peso molecu-
- Clopidogrel: dose de ataque de 300mg (4 comprimi- lar (enoxaparina), pois dispensa controle laboratorial e
dos) a todos os pacientes com AI ou IAMSSSST, em que determina menor incidência de plaquetopenia. Dose
o tratamento clínico ou a abordagem precoce da lesão de 2mg/kg/dia por pelo menos 48 horas. Pode-se utili-
coronariana com angioplastia é planejada (classe I). zar a heparina não fracionada por via intravenosa con-
Caso haja a possibilidade de intervenção cirúrgica pre- tínua, principalmente quando a abordagem cirúrgica
coce de revascularização miocárdica, o seu uso deve precoce é possível. No entanto, a heparina fracionada
ser adiado até a conclusão de indicação cirúrgica. Atua é superior na proteção de reinfarto e angina pós-IAM.
por bloqueio irreversível do receptor plaquetário de Após a angioplastia, não há mais indicação de manter
ADP, via diferente do AAS (bloqueio da ciclo-oxigena- heparinização plena;
se). Sua associação a AAS não aumentou significativa- - Estatinas: é terapia adjuvante; recomendada se LDL
mente o risco de sangramentos e reduziu o risco de acima de 100mg/dL em qualquer quadro de SCA com-
reinfarto e angina pós-infarto. Seu uso deve ser sus- provada (AI, IAMSSSST ou IAMCSSST);
penso de 5 a 7 dias antes da abordagem cirúrgica para - IECA: não deve ser utilizado tão precocemente quanto
revascularização do miocárdio pelo risco elevado de o AAS, mas também tem impacto na sobrevida dos do-
sangramento grave no pós-operatório; entes com risco de evolução para dilatação ventricular.
- Nitratos: proporcionam alívio da dor e melhora da Quanto aos pacientes com IAMCSSST e HAS, DM, ma-
congestão e da hipertensão. Não administrar a droga nutenção da hipertensão e sinais ou sintomas de dis-
antes do ECG, pois o IAM do ventrículo direito é pre- função do ventrículo esquerdo, o uso de IECA tem indi-
sente em 30% dos casos de IAM de parede inferior. cação formal. Pode ser iniciado em doses baixas, com
Não promovem redução da mortalidade e devem ser 6 a 24 horas do evento, com rápida progressão da dose
evitados na hipotensão (PA sistólica <90mmHg), bradi- terapêutica de acordo com a tolerância do paciente;
cardia abaixo de 60bpm ou em casos de uso de inibido- - Cateterismo: trata-se de um procedimento seguro
res de fosfodiesterase para disfunção erétil há menos (mortalidade de 0,1% e morbidade de 5%), indicado
de 24 horas; a pacientes candidatos à revascularização por falha de
71
CARD I OLOG I A
controle clínico, pacientes já revascularizados, recidiva de sintomas instáveis ou pacientes com valvopatia que serão
submetidos à correção cirúrgica. Na SCA, o exame deve ser feito quando a dosagem de troponina é positiva, quando
ocorrem alterações dinâmicas de ST, na ICC, presença de B3, EAP (Edema Agudo de Pulmão), novo sopro ou piora de
insuficiência mitral, instabilidade hemodinâmica, revascularização prévia, angioplastia há menos de 6 meses, TV sus-
tentada, dor recorrente, FE abaixo de 40%, teste de isquemia miocárdica positivo ou sobreviventes de parada cardíaca
súbita. Caso contrário, pode ser realizado mais tardiamente, como parte da estratificação/tratamento da doença co-
ronária;
- Controle glicêmico: na SCA, é aconselhável nas primeiras 48 horas do início do quadro, porém não há, ainda, uma dire-
triz específica sobre esse tema. Serve a orientação geral de evitar/tratar hiperglicemias acima de 180mg/dL.
72
SÍNDROMES MIOCÁRDICAS ISQUÊMICAS INSTÁVEIS
A - Introdução
Quando a ruptura da placa aterosclerótica da coronária
determina a formação de trombo que a obstrui na sua má-
CARDIOLOGIA
xima intensidade por tempo suficiente, ocorre o IAM com
elevação do segmento ST (IAMCSSST). A história é seme-
lhante à da angina instável, exceto pela duração da dor, que
é mais prolongada (>20 a 30min). O diagnóstico é alcançado
por meio de história, exame físico e ECG, preenchendo os
seguintes critérios: elevação e queda gradual da troponina,
elevação e queda rápida da CKMB, sintomas isquêmicos,
aparecimento de ondas Q no ECG, elevação de ST ≥1mV em
2 derivações contíguas ao ECG ou intervenção em coronária
com angioplastia que evolua com tais características.
As alterações eletrocardiográficas evolutivas do IAM
com supradesnivelamento estão descritas na Figura 8.
73
CARD I OLOG I A
74
SÍNDROMES MIOCÁRDICAS ISQUÊMICAS INSTÁVEIS
Trombólise (redução de mortalidade de 18%) relação ao uso de trombolíticos. No entanto, a maior crítica
Maior benefício: t <3h, IAM anterior, DM, PASIST <100mmHg a tal procedimento são as dificuldades para obtê-lo e a ne-
Menor benefício: IAM inferior (exceto com IAM do ventrículo cessidade de operadores experientes.
direito) O tempo porta-balão não deve exceder 90 minutos, e o
- Supra ST >0,1mV em 2 derivações contíguas, há tempo porta-agulha, para aqueles que serão submetidos à
Classe I <12h e idade <75 anos; fibrinólise, deve ser de 30 minutos.
- BRE e história compatível com IAM. A cirurgia cardíaca na fase aguda é reservada para si-
tuações como complicações na angioplastia, complicações
CARDIOLOGIA
- Supra ST >0,1mV em 2 derivações contíguas, há
Classe IIa mecânicas, dor persistente e/ou pacientes instáveis hemo-
<12h e idade >75 anos.
- Supra ST >0,1mV em 2 derivações contíguas, há dinamicamente e com coronárias suscetíveis de sofrerem
>12h e <24h; revascularização.
Classe IIb
- PASIST >180mmHg e/ou diastólica >110mmHg com
Tabela 14 - Angioplastia primária
IAM de alto risco após controle pressórico.
- Alternativa à trombólise, em centros capacitados,
- Supra ST há >24h, sem dor do tipo isquêmica;
Classe III com capacidade cirúrgica e pessoal treinado, IAM
- Infra ST, apenas. Classe I em evolução até 36 horas, que desenvolve choque
cardiogênico, idade <75anos; realizada até 18 horas
Independentemente do trombolítico utilizado, seu em- após início do choque.
prego é fundamental para a melhora da sobrevida do pa-
- Candidatos à reperfusão com contraindicação à
ciente, assim como prevenção da disfunção ventricular em Classe IIa
trombólise.
longo prazo. O tempo hábil de trombólise é de até 12 horas,
- IAM sem supra com TIMI <2 (critério angiográfico de
com maior benefício quando realizada no início desse perí- Classe IIb
baixo fluxo) há <12h do início do IAM.
odo. A droga mais utilizada é a estreptoquinase, na dose de
1.500.000U em 30 minutos. A existência de qualquer con- - Angioplastia de artéria não relacionada ao infarto;
traindicação absoluta para trombólise exclui essa terapia - Início de sintomas >12h e ausência de sintomas;
para o paciente. Classe III - Após trombólise sem evidências de isquemia;
Caso existam contraindicações relativas para o uso do - Baixa capacidade do hospital em realizar o proce-
trombolítico, a decisão de aplicar a droga deve ser definida dimento.
caso a caso.
Os efeitos colaterais mais frequentes são hipotensão ar- Tabela 15 - Revascularização miocárdica de urgência/emergência
terial, reação alérgica cutânea e choque anafilático. A hipo-
- Angioplastia sem sucesso com dor ou instabilidade
tensão é tratada com diminuição do volume e da velocidade hemodinâmica e anatomia favorável;
de infusão da droga. As outras complicações determinam a
- IAM + isquemia refratária/persistente em não can-
suspensão da droga e o tratamento angiográfico de resgate, Classe I didatos à manipulação angiográfica com anatomia
se disponível. A heparinização posterior não é necessária favorável;
após o uso da estreptoquinase. Apesar de estudos demons-
- Cirurgia concomitante para correção de defeito sep-
trarem benefício no seu uso associado à trombólise, ainda tal/insuficiência mitral pós-IAM.
não é um consenso.
Classe IIa - Choque cardiogênico com anatomia favorável.
Outro trombolítico utilizado é o rTPA, cujo efeito trom-
bolítico permanece por 2 a 3 horas, sendo necessária a Classe IIb - Angioplastia sem sucesso em área pequena de infarto.
heparinização por 24 horas. Na vigência de complicações - Taxa de mortalidade cirúrgica ≥mortalidade do tra-
Classe III
hemorrágicas após a trombólise, a estabilização do sangra- tamento clínico.
mento pode ser obtida com o uso de plasma fresco e crio-
precipitado. Tabela 16 - Inibidor de Enzima de Conversão da Angiotensina
Podem ser observados alguns sinais indiretos de reper- (IECA) em <24h do IAM
fusão coronária: arritmias de reperfusão (ritmo idioventri- IAM anterior ou ICC com PASIST >100mmHg e sem con-
Classe I
cular e extrassístoles ventriculares), melhora da dor, redu- traindicação conhecida.
ção do supra em mais de 50% da sua intensidade após 90 Todos os outros IAMs sem hipotensão ou outra con-
minutos do início da trombólise e pico precoce de enzimas Classe IIa
traindicação conhecida.
cardíacas. O critério mais importante e que deve ser consi- Pós-IAM com ventrículo esquerdo normal ou disfun-
derado para indicação de angioplastia de resgate é a redu- Classe IIb
ção leve.
ção do supradesnível do segmento ST.
A angioplastia primária é potencialmente superior à te-
C - IAM do ventrículo direito
rapia trombolítica na restauração da patência miocárdica.
Os pacientes apresentam menor isquemia recorrente e me- No IAM de parede inferior, deve-se dar atenção ao infar-
nores taxas de reintervenção e reinternação hospitalar em to do ventrículo direito que ocorre em até 30% dos infartos
75
CARD I OLOG I A
inferiores. Tal entidade clínica pode ser reconhecida ao ECG Critérios de reperfusão da trombólise
nas derivações direitas (V3R e V4R) até cerca de 3 horas do - Alívio dos sintomas (melhora da dor);
início do infarto. Após esse período, o supradesnível de ST
- Equilíbrio hemodinâmico e elétrico (ausência de arritmias);
comumente desaparece, e IAM do ventrículo direito é co-
mumente identificado quando o paciente desenvolve cho- - Diminuição de 50% do supra de ST (cerca de 60 a 90 minutos
após o início da trombólise).
que até 12 horas do início do infarto inferior, sem congestão
pulmonar. O tratamento dessa hipotensão é a reposição vo- Trombólise não eficaz
lêmica agressiva. Uma falha comum quando tal IAM não é - Persistência de sintomas de isquemia;
reconhecido é a administração de venodilatadores (nitrogli- - Instabilidade hemodinâmica ou elétrica;
cerina, morfina), determinando choque intenso por perda - Não houve redução do supra de ST;
da pré-carga do ventrículo direito. O ecocardiograma pode - Conduta: angioplastia de resgate.
identificar a discinesia ou acinesia do ventrículo direito, au-
xiliando no diagnóstico tardio.
4. Resumo
Quadro-resumo
Medidas iniciais
- Mastigar 300mg de AAS (de 160 a 325mg);
- Monitorização cardíaca e oximetria, acesso venoso e oxigenote-
rapia (indispensável se SatO2 <90%);
- Obter ECG de 12 derivações com menos de 10 minutos da che-
gada;
- Radiografia de tórax;
- Clopidogrel, 300mg, dose de ataque (atenção à possibilidade
de procedimento cirúrgico de urgência);
- Glicemia capilar e exames (eletrólitos, hemograma e enzimas
cardíacas de base – CK e CKMB);
- Enzimas cardíacas a cada 6h (CK, CKMB e troponinas).
Tratamento
- Anticoagulação para casos de angina instável/IAM com suprar-
reperfusão coronariana para casos de IAM com supra:
Angioplastia primária (se disponível, em até 90 minutos);
Trombólise: estreptoquinase, rTPA ou TNK em até 30 minutos;
Beta-bloqueador: se não há contraindicação (PAS <90mmHg,
BAV de 2º ou 3º grau ou história de broncoespasmo, DPOC);
Nitrato: controle da dor e da hipertensão;
Morfina: controle da dor.
76
CAPÍTULO
9
Parada cardiorrespiratória
José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
77
CARD I OLOG I A
78
PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA
E - Abrir vias aéreas e avaliar se o paciente respira aplicação da abertura da via aérea ou da ventilação assisti-
da não é possível, devem-se aplicar apenas as compressões
Na avaliação da respiração recomendada anterior- torácicas.
mente, era dedicado um tempo muito longo ao processo A localização correta do ponto de compressão toráci-
de abertura das vias aéreas e da avaliação da presença de ca é muito importante para a boa eficiência da massagem
ventilação espontânea (ver, ouvir, sentir), o que retardava cardíaca. O ponto de compressão torácica localiza-se na
o início da RCP. A recomendação atual orienta que, após metade inferior do esterno (o centro do tórax) (Figura 5).
a abertura das vias aéreas, deve ser realizada uma avalia- Nesse ponto, coloca-se a região hipotenar da mão do braço
CARDIOLOGIA
ção rápida e objetiva, através apenas de observação direta mais forte, que servirá de base para a compressão cardíaca.
do paciente, para definir a ausência de movimentos respi- A outra mão deve ser colocada paralelamente sobre a 1ª,
ratórios (Figura 4). A presença de gasping não caracteriza mantendo os cotovelos estendidos. A compressão deve ser
ventilação espontânea e deve ser interpretada como ritmo aplicada de forma rápida e forte, causando uma depressão
respiratório indicativo de PCR. de 5cm no tórax, formando um ângulo de 90° com o plano
horizontal (Figura 6).
A frequência de compressões torácicas deve manter o
alvo de, ao menos, 100 compressões ou mais por minuto.
79
CARD I OLOG I A
G - Realizar a desfibrilação elétrica, se indicada o choque, quando se deve checar o pulso. Em caso de pulso
presente, houve reversão da PCR, e deve-se manter suporte
Sabe-se que o ritmo mais frequente presente nos pri-
ventilatório até a chegada do sistema de emergência, che-
meiros minutos da PCR extra-hospitalar é a FV. Quanto mais
cando o pulso a cada 2 minutos; se ausente, as manobras
precoce a desfibrilação, melhores os resultados na sobrevi-
de RCP devem ser mantidas por mais 2 minutos até uma
da. Estudos demonstram que a desfibrilação precoce, quan-
nova checagem de ritmo pelo desfibrilador.
do empregada nos 3 a 4 primeiros minutos da PCR, deter-
A PCR pode ser descrita em 3 fases distintas:
mina a reversão do evento em até 75% dos casos. Portanto,
1 - Fase elétrica: é o início da PCR, quando a reversão da
a colocação das pás do desfibrilador sobre a vítima deve ser
desorganização elétrica determina o retorno da circulação
realizada assim que o aparelho está disponível, interrom-
espontânea e não houve, ainda, grande comprometimento
pendo as manobras de RCP para identificar o ritmo elétrico
metabólico miocárdico e sistêmico. Tal fase se estende até
da PCR.
o 4º ou 5º minuto da PCR. A desfibrilação nessa fase é o
O desfibrilador automático/semiautomático (Figura 7)
tratamento prioritário.
possui um programa que lhe permite identificar e reconhe-
2 - Fase hemodinâmica: já ocorre comprometimento
cer os ritmos de FV e TV, indicando, então, o choque. Se o
ritmo presente não for uma TV ou FV, o aparelho não indi- metabólico intenso do miocárdio, que se apresenta debi-
cará o choque, cabendo ao resgatista manter a massagem litado em manter a atividade elétrica inicial da PCR (FV ou
cardíaca e as ventilações até a chegada do suporte avan- TV). Quando a desfibrilação é feita nessa fase sem a aplica-
çado, mantendo ciclos de 2 ventilações e 30 compressões ção prévia de RCP para reperfusão miocárdica, há maior in-
torácicas, até que o DEA indique a necessidade de checar cidência de reversão do ritmo inicial para ritmo elétrico não
pulso. associado a pulso central (atividade elétrica sem pulso ou
assistolia). Para aumentar a chance de sucesso do choque
nessa fase, recomenda-se a aplicação de RCP por 2 minutos
antes da desfibrilação nas vítimas que não receberam RCP
até o 5º minuto da PCR. É uma tentativa de melhorar a res-
posta do miocárdio não perfundido ao choque (recomenda-
ção IIB). Nas vítimas que receberam RCP antes do 5º minuto
da PCR, a desfibrilação imediata é indicada assim que a FV/
TV sem pulso é identificada.
3 - Fase metabólica: é a fase de evolução final do sofri-
mento celular, em que a viabilidade miocárdica é terminal.
Predomina a acidose metabólica láctica.
Com a aplicação do suporte básico de vida, pode-se re-
tardar o tempo de instalação e evolução dessas fases.
80
PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA
3. Manobras de suporte avançado de vida QRS alargados (≥0,12ms), idênticos entre si, com frequência
elevada e sem ondas P identificáveis ao traçado. Tal ritmo
Deve-se esclarecer que, por mais avançados que sejam pode ou não gerar contração miocárdica efetiva (pulso). Na
os recursos disponíveis para o atendimento da PCR, o su- ausência de pulso, a TV deve ser tratada como FV.
porte básico de vida é fundamental à manutenção da per- Identificada a FV/TV sem pulso, o tratamento inicial de-
fusão e oxigenação cerebral e coronariana. pende do tempo decorrido do início do evento até a iden-
O suporte avançado de vida implica a presença de pro- tificação desse ritmo. Quando o paciente é atendido rapi-
fissional habilitado para a realização de procedimentos de damente e a FV/TV sem pulso é identificada até o 4º ou 5º
CARDIOLOGIA
risco, como a abordagem invasiva de via aérea, a aplicação minuto da PCR, a medida imediata é a desfibrilação elétri-
de desfibrilação e o uso de medicações. Em nosso meio, tais ca com choque único de 360J monofásicos ou em energia
procedimentos só podem ser realizados por médico habili- equivalente de choque bifásico (geralmente, entre 150 e
tado. 200J, recomendando-se energia máxima do equipamento).
No suporte avançado, a identificação do ritmo cardía- Quando o mesmo ritmo é identificado após o 5º minuto de
co é feita por pás do monitor cardíaco, com o objetivo de PCR, 2 minutos de RCP podem ser aplicados inicialmente
poupar tempo durante o atendimento, permitindo a rápida para, posteriormente, aplicar a desfibrilação. Isso se deve
desfibrilação, caso seja indicada. Por meio da identificação ao fato de a chance de evolução da FV/TV sem pulso para
do ritmo cardíaco pelas pás, pode-se dividir a PCR em 2 assistolia ou atividade elétrica sem pulso ser grande, e ao
modalidades: ritmo de FV/TV sem pulso (ritmo que merece fato de esse risco ser significativamente reduzido quando se
choque imediato) ou em ritmo de assistolia/atividade elé- aplica um período de RCP prévio ao choque, aumentando
trica sem pulso (ritmo que não merece ser chocado). a chance de reversão da FV/TV sem pulso para ritmo or-
ganizado com pulso. Imediatamente, após o choque mais
A - PCR em FV/TV sem pulso 2 minutos de RCP devem ser aplicados. Após tal período,
As formas mais frequentes de atividades elétricas ini- avalia-se novamente o ritmo, aplicando-se o choque se ne-
ciais na PCR extra-hospitalar são a FV (Figura 9) e a TV sem cessário e assim por diante.
pulso (Figura 10), encontradas em cerca de 80% dos casos. A segurança durante a desfibrilação é de responsabilida-
São as formas de melhor prognóstico para reversão, desde de de quem manipula o aparelho. Durante a administração
que tratadas adequadamente e em tempo hábil. dos choques, alguns cuidados devem ser adotados, como o
correto posicionamento das pás, a aplicação de força sobre
elas e a utilização de gel condutor. Tais medidas contribuem
para maior taxa de sucesso na desfibrilação (Figura 11).
81
CARD I OLOG I A
82
PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA
CARDIOLOGIA
O tratamento da AESP nunca deve ser realizado por tecer em virtude de o eixo elétrico resultante da FV poder
meio do choque, pois já existe uma atividade elétrica ven- ser, naquele momento, perpendicular à derivação da mo-
tricular organizada potencialmente capaz de gerar pulso nitorização através das pás, gerando um ritmo isoelétrico
central. O choque poderia desorganizá-la, gerando mais um no monitor (assistolia), bem como por cabos ou eletrodos
problema durante o atendimento. Como as pás do desfibri- desconexos.
lador não são mais utilizadas após a identificação do ritmo, As causas de assistolia são as mesmas da AESP, devendo-
deve-se aplicar o suporte avançado de vida ao doente (RCP, -se iniciar infusão de volume e procurar tratamento adequa-
monitor, intubação e acesso venoso). do com base nas causas possíveis. O uso do marca-passo
Uma atitude clínica importante em relação à AESP é a transcutâneo na assistolia não é mais indicado. A 1ª droga
determinação da sua causa e a aplicação do tratamento es- a ser administrada na AESP e na assistolia também é um
pecífico. São 11 as causas reversíveis, e pode-se denominá- vasopressor. Pode ser a epinefrina (1mg/dose, a cada 3 a 5
-las de forma simples para memorização, como 6Hs e 5Ts. minutos) ou a vasopressina (40U, dose única); esta pode ser
O tratamento das causas da AESP é o fator determinan- aplicada como 1ª droga ou em substituição à 1ª ou à 2ª dose
te da reversão do quadro. Caso não se encontre uma des- da epinefrina. A atropina não é mais recomendada no trata-
sas causas durante o atendimento, as chances de reversão mento da AESP/assistolia por não ter benefício comprovado.
da PCR se tornam muito reduzidas. A principal e mais fre-
quente causa de AESP é a hipovolemia, que deve ser trata-
da pela administração de volume IV; o tratamento de cada
uma das causas é descrito a seguir (Tabela 2). Vale lembrar
que a trombólise do infarto agudo do miocárdio e do trom-
boembolismo pulmonar durante a PCR é um procedimento
de benefício duvidoso. No IAM, a angiografia pós-PCR está
relacionada a um melhor prognóstico.
Tabela 2 - Causas de AESP: 6Hs e 5Ts
Causa Tratamento
Hipovolemia Volume
Hipóxia Oxigênio (intubação endotraqueal)
Hipocalemia Administração de KCl
Hipercalemia Bicarbonato de sódio 1mEq/kg
H (acidose metabólica)
+
Bicarbonato de sódio 1mEq/kg
Hipoglicemia Glicose hipertônica
Hipotermia Reaquecimento
Tamponamento cardíaco Punção pericárdica (Marfan)
Tromboembolismo pulmonar Volume + reversão da PCR*
Trombose de coronária Volume + reversão da PCR* Figura 14 - Suporte avançado de vida em adultos
Pneumotórax hipertensivo Punção torácica de alívio
Tóxicos Antagonista específico
Tabela 3 - Atendimento inicial ao paciente com parada cardiorres-
* Trombólise a critério clínico. piratória
Qualidade da RCP
Na PCR, a assistolia é a forma de pior prognóstico e con-
- Comprimir com força >2pol (5cm) e rapidez (≥100/min) e
siste na ausência de atividade elétrica no coração, porém
aguardar o retorno total do tórax;
algumas situações determinam o erro diagnóstico. Para o
- Minimizar interrupções nas compressões;
diagnóstico correto de assistolia, deve-se proceder ao pro-
tocolo da linha reta que consiste em checar a conexão dos - Evitar ventilação excessiva;
83
CARD I OLOG I A
CARDIOLOGIA
Sem pulso palpado em 10 segundos, para todas as idades (apenas para profissionais de saúde)
Sequência da RCP C-A-B
Frequência de compreensão No mínimo, 100/min
No mínimo, 2 polegadas No máximo 1/3 diâmetro AP. No mínimo, 1/3 do diâmetro AP.
Profundidade da compreensão
(5cm) Cerca de 2 polegadas (5cm) Cerca de 1/1/4 polegada (4cm)
Permitir retorno total entre as compreensões. Profissionais de saúde, alternar as pessoas que
Retorno da parede torácica
aplicam as compressões a cada 2 minutos
Minimizar interrupções nas compreensões torácicas. Tentar limitar as interrupções a menos de
Interrupções nas compreensões
10 segundos
Inclinação da cabeça-elevação do queixo (profissionais de saúde que suspeitarem de trauma:
Vias aéreas
anteriorização da mandíbula)
Relação compreensão-ventilação (até
30:2. Um ou 2 socorristas 30:2. Um socorrista. 15:2. Dois socorristas profissionais de saúde
a colocação da via aérea avançada)
Ventilações: quando socorrista não
Apenas compreensões
treinado e não proficiente
Ventilações com via aérea avançada 1 ventilação a cada 6 a 8 segundos (8 a 10 ventilações/min). Assíncronas com compreensões
(profissionais de saúde) torácicas. Cerca de 1 segundo por ventilação. Elevação visível do tórax
Colocar e usar o DEA/DAE assim que ele estiver disponível. Minimizar as interrupções nas compre-
Desfibrilação ensões torácicas antes e após o choque; reiniciar a RCP começando com compreensões imediata-
mente após cada choque
DEA/DAE: Desfibrilador Automático Externo; AP: anteroposterior; RCP: ressuscitação cardiopulmonar; PS: Profissional de Saúde.
* Excluindo-se recém-nascidos, cuja etiopatologia da PCR é, quase sempre, asfixia.
Fonte: Destaques das Diretrizes da American Heart Association 2010 para RCP e ACE.
6. Resumo
Quadro-resumo
- A RCP deve ser iniciada imediatamente se a vítima não responde e não respira. A avaliação do pulso não é mais recomendada;
- A RCP deve ser iniciada imediatamente com as compressões torácicas em vez de abrir as vias aéreas e iniciar a respiração artificial;
- Todos os socorristas, treinados ou não, devem fornecer as compressões torácicas às vítimas de parada cardíaca;
- A ênfase no fornecimento de compressões torácicas de alta qualidade continua a ser essencial, a uma frequência mínima de 100
compressões/min;
- Os resgatistas treinados devem fornecer ventilação assistida na relação de 2 ventilações intercaladas com 30 compressões torácicas;
- Para os socorristas leigos, a aplicação de ventilações assistidas é dispensável. O serviço de emergência deve fornecer apenas instruções
de compressões torácicas quando o auxílio for telefônico;
- FV/TV devem ser revertidas com desfibrilação imediata;
- A epinefrina ou a vasopressina são os vasopressores aplicados em todas as formas de PCR;
- O benefício da atropina na assistolia ou na AESP é questionável;
- A hipotermia terapêutica reduz a mortalidade nos sobreviventes de PCR.
85
CARD I OLOG I A
CAPÍTULO
10
Insuficiência cardíaca congestiva
José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
86
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA
CARDIOLOGIA
Para o diagnóstico clínico, são necessários ao menos 2 si- férica e de retenção de sódio e água. Esses mecanismos
nais maiores ou 1 sinal maior associado a 2 menores, con- visam garantir as perfusões cerebral, cardíaca e renal. Os
forme os critérios de Framingham modificados (Tabela 1) e sistemas ativados foram desenvolvidos do ponto de vista
quando estes sintomas/sinais não podem ser atribuídos a filogenético para proteger o organismo de estados hipo-
outras causas. volêmicos agudos (desidratação e hemorragia) e repre-
sentam, no caso da disfunção ventricular, mecanismos
Tabela 1 - Critérios de Framingham modificados
desadaptativos, pois, quando mantidos em estimulação
Critérios maiores
prolongada (semanas/meses), levam ao remodelamento
- Dispneia paroxística noturna;
ventricular, perpetuando e colaborando para a piora pro-
- Ortopneia;
gressiva da IC.
- Elevação da pressão venosa jugular;
Mesmo procurando melhorar o débito cardíaco, esses
- Crepitações pulmonares;
mecanismos também podem ser deletérios. A persistên-
- 3ª bulha;
cia de um regime de pressão cronicamente elevado nas
- Cardiomegalia na radiografia de tórax;
câmaras cardíacas acaba causando hipertrofia e dilatação
- Edema pulmonar na radiografia de tórax; miocárdica, além de elevação das pressões nos átrios e na
- Perda ≥4,5kg em até 5 dias após início do tratamento para IC. circulação sistêmica e pulmonar. A taquicardia e o aumen-
Critérios menores to da contratilidade podem desencadear isquemia do mio-
- Edema de membros inferiores bilateral; cárdio, e o aumento da pré-carga agrava a congestão pul-
- Tosse noturna; monar. A vasoconstrição excessiva eleva demasiadamente
- Dispneia aos médios esforços; a pós-carga, dificultando o esvaziamento cardíaco, além
- Hepatomegalia; de prejudicar a perfusão dos demais órgãos. Há, também,
- Derrame pleural; elevação dos níveis de vasopressina, que é responsável
- FC >120bpm. pela absorção de água livre de sódio, podendo gerar hi-
ponatremia.
Várias são as alterações neuro-hormonais associadas à
fisiopatologia da IC. Algumas promovem vasoconstrição e
retenção de sódio e água, como a hiperatividade do sistema
nervoso simpático, a estimulação do sistema renina-angio-
tensina-aldosterona e a liberação de arginina-vasopressina.
Outros mecanismos compensatórios promovem vasodilata-
ção, natriurese e diurese por meio da ação de peptídios na-
triuréticos (BNP), algumas prostaglandinas e da bradicinina.
Embora interagindo continuamente, as ações vasoconstri-
toras e retentoras de sódio superam as ações vasodilatado-
ras e natriuréticas, resultando em aumento da resistência
vascular periférica e retenção de sódio e água.
Há tempos, é reconhecida a deficiência da vasodilatação
periférica que se manifesta ao exercício nos pacientes com
IC. Neles, foram demonstrados níveis de endotelina plas-
mática de 2 a 5 vezes mais elevados do que em pacientes
normais, com significado expressivo de mau prognóstico.
As endotelinas determinam ação vasoconstritora potente,
Figura 1 - Insuficiência cardíaca de alto débito por beribéri retenção de sódio e água, ativação simpática e do sistema
87
CARD I OLOG I A
88
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA
CARDIOLOGIA
Figura 2 - Algoritmo sugerido para o diagnóstico
A última Diretriz Brasileira para o manejo de IC, publica- Tabela 3 - Classificação funcional da New York Heart Association
da em 2009, sugere algumas características clínicas para a (NYHA) para insuficiência cardíaca
diferenciação entre IC sistólica e diastólica. I Ausência de dispneia aos esforços habituais
II Dispneia aos esforços habituais
Tabela 2 - Características da insuficiência cardíaca de FE reduzida
III Dispneia aos pequenos esforços
em comparação à de FE normal
IV Dispneia ao repouso
Fração Fração
Características de ejeção de ejeção
normal reduzida Tabela 4 - Possíveis achados clínicos nos pacientes com insuficiência
cardíaca
Sexo feminino +++ +
Epidemiologia Geral
Idade >65 anos +++ +
- Emagrecimento;
Dispneia +++ +++
- Alteração da consciência;
Angina +++ +
- Dispneia;
Edema pulmonar
+++ + - Palidez;
agudo
3ª bulha - +++ - Cianose;
Sintomas - Icterícia (congestão hepática);
4ª bulha +++ -
Sinais de hipervo- - Sudorese.
+++ ++ Congestão sistêmica
lemia
Hipertensão arterial +++ + - Estase jugular;
Fibrilação atrial +++ ++ - Edema de parede;
Ecocardiograma FE <45 a 50% - +++ - Ascite;
>1.000pg/mL + +++ - Derrame pleural;
BNP
400 a 1.000pg/mL +++ + - Hepatomegalia dolorosa;
89
CARD I OLOG I A
90
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA
dilatação dos ventrículos, avaliar tanto a função sistólica - Avaliação não invasiva para viabilidade em pacientes
quanto a diastólica, medir a espessura ventricular e ofere- com IC com doença coronariana e candidatos a revas-
cer informações sobre o pericárdio e o funcionamento val- cularização;
var. Os achados ecocardiográficos não levam a diagnósticos - Classe IIb: angioTC de coronárias em pacientes com IC
de IC (o diagnóstico é clínico), mas oferecem informações sem angina, mas com fatores de risco para doença co-
valiosas para a caracterização da síndrome, definição etio- ronariana ou IAM prévio.
lógica, avaliação prognóstica e seguimento.
A principal medida da função do ventrículo esquerdo é a C - Medicina nuclear
CARDIOLOGIA
FE; quando esta está abaixo de 45 a 50%, há prejuízo da fun-
ção sistólica (alguns autores definem a disfunção quando A medicina nuclear fornece medida acurada da função
a FE é menor do que 55%). Entretanto, a interpretação da ventricular, principalmente do ventrículo esquerdo. Permi-
FE apresenta uma baixa reprodutibilidade entre diferentes te, também, a investigação de isquemia, que pode ser tanto
observadores, além de estar prejudicada após um episódio a causa como um fator de piora da contratilidade miocár-
de IAM ou na presença de insuficiência mitral. dica.
A ecocardiografia com estresse com uso da dobutamina
é útil na investigação de isquemia e na avaliação da viabili- D - Ressonância nuclear magnética
dade miocárdica. A detecção de um miocárdio hibernante A ressonância nuclear magnética permite uma medida
(músculo miocárdico viável, porém não funcionante, geral- mais acurada e reprodutível dos volumes cardíacos, da es-
mente por isquemia relativa da região) pode influenciar a pessura da parede e da função ventricular, além de detectar
terapia e tem implicações prognósticas. Há controvérsia na espessamento pericárdico e necrose miocárdica. A resso-
literatura quanto à necessidade da avaliação de isquemia nância com espectroscopia possibilita, inclusive, a medida
em todos os pacientes com IC. Na maioria dos casos, não se da reserva energética muscular.
recomenda avaliação sistemática da vitalidade miocárdica Está indicada aos pacientes com suspeita clínica de car-
em todos os pacientes com IC. Nos Estados Unidos, onde a diomiopatias específicas (restritivas, infiltrativas, de depósi-
porcentagem dos casos de IC secundária à miocardiopatia to, miocardite, displasia do ventrículo direito e hemocroma-
isquêmica é extremamente elevada, tal avaliação é reco- tose), e é útil na delimitação de áreas de infarto prévio com
mendada da seguinte forma: a técnica de realce tardio, além da possibilidade de avaliar a
- Pacientes com Doença Arterial Coronariana (DAC) presença de isquemia.
definida e angina: a quem a intervenção cirúrgica de-
monstra benefício de forma inequívoca, portanto se E - Teste ergométrico
recomenda a estratificação invasiva com cineangioco-
ronariografia; O teste ergométrico é pouco útil para o diagnóstico da
IC. No entanto, o resultado de exame normal, com carga
- Pacientes com DAC sem angina: que podem ter be-
máxima em indivíduo sem tratamento, torna improvável o
nefício com a revascularização, mas a literatura não
define a melhor estratégia de estratificação (cintilo- diagnóstico de IC. Sua principal indicação é a avaliação da
grafia/ecocardiograma com estresse ou cateterismo capacidade funcional do paciente, o que tem implicações
cardíaco); prognósticas. Um pico de VO2 <10mL/kg/min identifica in-
divíduos de alto risco para má evolução da IC, enquanto
- Pacientes com DAC jamais avaliada: caso apresentem valores superiores a 18mL/kg/min definem indivíduos com
dor torácica, mesmo atípica, a estratificação deve ser
baixo risco.
realizada com cineangiocoronariografia; quanto aos
pacientes sem dor torácica, é recomendada a cinean-
F - Marcadores hormonais
giocoronariografia a jovens para avaliar anormalidades
congênitas de coronárias; em outros grupos de pacien- Em relação aos pacientes com dispneia aguda no pron-
tes, a abordagem é duvidosa. to-socorro, o uso de marcadores hormonais tem demons-
trado utilidade para a avaliação da etiologia da dispneia. A
A Diretriz Brasileira de 2009 recomenda a seguinte abor- concentração de peptídio atrial natriurético e de peptídio
dagem: natriurético cerebral (BNP – Brain Natriuretic Peptide) au-
- Classe I: coronariografia no paciente com IC e angina menta em formas mais avançadas ou crônicas de IC, e o uso
típica; em particular do BNP foi estudado para diferenciar quadros
- Classe IIa: coronariografia no paciente com IC sem an- cardíacos de pulmonares em unidades de emergência.
gina, mas com fatores de risco para doença coronaria- Valores de BNP superiores a 100pg/mL apresentam sen-
na ou IAM prévio; sibilidade, especificidade e valor preditivo de, respectiva-
- Avaliação não invasiva para isquemia em pacientes mente, 90, 76 e 83% para a definição da IC descompensada
com IC sem angina típica, mas com fatores de risco como causa da dispneia. O BNP revelou-se a melhor variá-
para doença coronariana ou IAM prévio; vel isolada para o diagnóstico de IC em dados de história,
91
CARD I OLOG I A
exame físico e exames complementares. Quanto maiores são da cardiopatia ou para o agravamento dos sinto-
os valores de BNP, maior a probabilidade do diagnóstico fi- mas, deve ser identificada e tratada. Incluem-se, aqui,
nal de IC; quando maiores que 400pg/mL, têm grande valor hipertensão, diabetes e dislipidemias, todas as pato-
preditivo positivo e, se menores que 100pg/mL, valor predi- logias relacionadas ao desenvolvimento de ateroscle-
tivo negativo. Um estudo europeu demonstrou que valores rose e, portanto, geradoras potenciais de isquemia e
menores que 80pg/mL têm valor preditivo negativo de 98% necrose miocárdica. A HAS e o DM podem, ainda, cau-
para o diagnóstico de IC descompensada. sar perda de função renal, piorando os sintomas de IC;
Outros exames podem ser realizados para diagnóstico - Dieta: todo paciente cardiopata necessita de aconse-
de dispneia aguda, como marcadores de isquemia aguda lhamento dietético a fim de evitar tanto obesidade
(troponina e CK-MB) e outros. quanto caquexia. Nos casos de anorexia intensa, refei-
ções pequenas e frequentes podem ajudar a ingerir o
equivalente às suas necessidades calóricas, evitando a
desnutrição. Uma dieta laxante contribui para a pre-
venção de obstipação intestinal e do consequente es-
forço para evacuar;
- Ingestão de sal: uma dieta com 2 a 3g de sal é um obje-
tivo atingível, desde que não comprometa a ingesta hí-
drica e os pacientes não estejam hiponatrêmicos. Esse
nível de ingestão é facilmente atingido, evitando a adi-
ção de sal aos alimentos após o seu preparo e não uti-
lizando alimentos habitualmente salgados. A redução
estrita de sal (menos que 2g/dia) não é recomendada;
- Ingestão de líquidos: na maioria dos casos, a ingestão
de líquidos pode ser liberada de acordo com a vontade
Figura 3 - Insuficiência cardíaca chagásica
do paciente. Em pacientes sintomáticos com risco de
São considerados marcadores clínicos de mau prognós- hipervolemia, recomenda-se restrição hídrica de 1.000
tico na IC: hiponatremia (reflete hiperativação do sistema a 1.500mL/dia;
renina-angiotensina), hiperuricemia (reflete hiperativação - Ingestão de álcool: o álcool deprime a contratilidade
do estresse oxidativo), hipoalbuminemia, hipocolesterole- miocárdica e pode precipitar arritmias. Sua ingestão
mia e linfopenia (marcadores de desnutrição), anemia (ge- deve ser minimizada. Em pacientes com cardiomiopa-
ralmente, com perfil de doença crônica), elevação de cate- tia alcoólica, é necessária abstinência total;
colaminas e, mais recentemente, elevação do BNP. - Tabagismo: deve ser totalmente desestimulado. Os
adesivos de nicotina podem ser utilizados com segu-
G - Biópsia endomiocárdica rança, assim como a abordagem multidisciplinar para
Não existe recomendação de biópsia endomiocárdica a to- o abandono do cigarro;
dos os pacientes com diagnóstico de IC; deve ser considerada - Atividade física: diferentemente do que se acreditava
àqueles com doença de mais de 3 meses de evolução, dilata- no passado, um programa de exercícios planejado e
ção ventricular e arritmias ventriculares novas, BAV de 2º e 3º adaptado a cada caso é de grande ajuda no controle
graus, sem resposta ao tratamento usual. Também pode ser dos sintomas e na melhora psicológica do paciente
considerada àqueles com suspeita clínica de doenças infiltrati- com IC;
vas, alérgicas ou restritivas de causa desconhecida. - Atividade sexual: a manutenção da atividade sexual
contribui para aumentar a autoestima e a qualidade de
vida. Pacientes com classes funcionais III e IV devem
7. Tratamento evitar o uso de sildenafila por 24 horas após a utiliza-
No tratamento da IC, os níveis de relevância das atitudes ção de nitratos;
terapêuticas podem ser classificados de acordo com a qua- - Vacinação: nos pacientes com IC, recomenda-se a vaci-
lidade dos trabalhos científicos e a concordância clínica que nação contra gripe (anual) e pneumonia (a cada 5 anos
as sustentam. Assim, as atitudes terapêuticas se dividem de e a cada 3 anos em pacientes com IC avançada).
acordo com a classe evolutiva da doença e da relevância
clínica no seu uso. B - Tratamento farmacológico
A - Medidas não farmacológicas a) Inibidores da ECA
- Controle dos fatores de risco: toda patologia que pos- São inibidores específicos da Enzima Conversora da An-
sa contribuir, direta ou indiretamente, para a progres- giotensina 1 (ECA), responsável pela conversão da angio-
92
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA
tensina 1 em angiotensina 2. O mecanismo de ação ainda volvimento de língua, glote e laringe pode causar obstrução
não é completamente elucidado; seu efeito benéfico na de vias aéreas. Neutropenia e até agranulocitose são rela-
IC e HAS, aparentemente, resulta da supressão do sistema tadas com o uso do captopril, ocorrendo cerca de 3 meses
renina-angiotensina-aldosterona, embora não haja na lite- após o início de seu uso, contudo não parecem ser causadas
ratura uma correlação consistente entre níveis de renina e por outros IECAs. A piora da função renal é descrita na lite-
resposta à droga. A ECA é idêntica à bradicininase, assim os ratura, principalmente em pacientes suscetíveis (alteração
IECAs podem aumentar os níveis séricos de bradicininas e renal prévia e indivíduos hipovolêmicos), e reversível após
prostaglandina E2, que podem ter, também, papel no trata- a descontinuação da medicação. O uso dessa classe farma-
CARDIOLOGIA
mento da IC e HAS. O uso dos IECAs e seu nível de evidência cológica em pacientes com creatinina >3,5mg/dL deve ser
são indicados a todos os pacientes com disfunção sistólica realizado com extremo cuidado.
sintomática ou assintomática – classe I/NE:A. Cerca de 1% dos pacientes em estudos clínicos apresen-
Tais medicamentos determinam melhora clínica, aliviam ta hipercalemia (K+ acima de 5,7mg/dL), efeito observado
sintomas e reduzem a mortalidade e o número de hospita- em 3,8% dos pacientes com IC. No entanto, na maioria dos
lizações. Não há evidência clínica da superioridade de uma casos, não é necessária a interrupção da medicação.
droga do grupo dos IECAs sobre a outra. Devem ser pre- Tosse é descrita com a medicação em 2,2 a 10% dos ca-
feridos quando comparados a antagonistas de receptores sos, presumivelmente, atribuída à degradação das bradici-
de angiotensina e vasodilatadores de ação direta (hidralazi- ninas. Em geral, resolve-se com a descontinuação da medi-
na e nitratos). Pacientes com reações severas à droga (an- cação ou a troca do fármaco por outro da mesma classe. É
gioedema, IRA anúrica), PA sistólica menor que 80mmHg, o efeito colateral mais comum observado com o uso desta
estenose bilateral de artéria renal e hipercalemia (K acima classe de medicamentos.
de 5,5mEq/dL) não devem fazer uso. A introdução deve ser
feita em doses baixas, com aumento progressivo de acordo b) Diuréticos
com a tolerância do doente, e a dose-alvo deve ser deter- Os diuréticos são o único grupo de medicações que
minada pelos estudos clínicos em que ocorreu benefício controla, efetivamente, a retenção hídrica, determinando
terapêutico, como 150mg/dia para o captopril. Quando há a melhora sintomática mais precocemente que as outras
intolerância por parte do doente, a dose atingida deve ser drogas. Deve-se utilizar, de preferência, o diurético de alça
mantida, sem grande prejuízo da melhora em sobrevida e (furosemida), pois os tiazídicos têm ação diurética pouco
morbidade. Quando há tosse, podem ser substituídos por potente, principalmente em pacientes com clearance de
antagonistas de receptores de angiotensina. A opção para creatinina abaixo de 30mL/min. Não devem ser utilizados
pacientes que desenvolvem disfunção renal é a associação isoladamente para controle da IC; são associados ao uso
de hidralazina a nitrato. de IECA, beta-bloqueadores e digoxina. Os efeitos adversos
A dose inicial de captopril para IC, em pacientes com PA dos diuréticos incluem a perda de eletrólitos (magnésio e
arterial normal ou baixa (já em uso de doses apropriadas potássio), hipotensão e uremia.
de diuréticos), é de 6,25 a 12,5mg, 3x/dia. Nos outros pa- Estão indicados apenas aos pacientes sintomáticos com
cientes, o tratamento pode ser iniciado na dose de 25mg, sinais e sintomas de congestão. A introdução em pacientes
3x/dia. com disfunção ventricular, porém assintomáticos ou hipo-
A dose-alvo é de 150mg/dia, atingida em alguns dias volêmicos, está contraindicada (classe III).
com monitorização cuidadosa de pressão arterial, sintomas
e função renal. Eventualmente, alguns pacientes podem ne- Tabela 8 - Principais diuréticos usados no tratamento da insuficiên-
cessitar de doses maiores. cia cardíaca
A dose inicial de enalapril recomendada pela literatura é Droga Dose inicial Dose máxima
de 5mg/dia, e a dose-alvo, de 20 a 40mg/dia. Outros IECAs 20 a 40mg, Atingir peso seco (até
Furosemida
que podem ser usados para o tratamento da IC são o capto- 1 a 2x/dia 200mg/dia)
pril, ramipril, lisinopril e enalapril. Bumetanida (com- 0,5 a 1mg, Atingir peso seco (até
primidos de 1mg) 1 a 2x/dia 10mg/dia)
Tabela 7 - IECA e uso em insuficiência cardíaca
93
CARD I OLOG I A
classe farmacológica. Entretanto, após a estabilização dos mas, em compensação, também houve aumento no núme-
pacientes, tais medicações podem ser iniciadas em enfer- ro de mortes por outras causas.
maria, de forma segura e de fácil monitorização. As indicações do uso de digital em IC são pacientes com
Ao iniciar essas medicações, podem ser necessários o disfunção sistólica sintomática, atenuando sintomas, me-
aumento da dose de diuréticos e o emprego de restrição hí- lhorando qualidade de vida e contribuindo para diminuir o
drica, pois os pacientes podem apresentar piora clínica. São número de internações (evidência nível II), e para controle
iniciadas em doses baixas, e, em ambiente ambulatorial, o de resposta ventricular em pacientes com fibrilação atrial,
aumento da dose é realizado a cada 2 semanas. Os efeitos sendo droga de 1ª escolha no subgrupo de pacientes com IC.
colaterais e as interações de tais medicações são semelhan- O uso parenteral deve ser limitado a situações em que é
tes às outras da classe. Essas medicações bloqueiam recep- necessária uma rápida digitalização para o controle clínico
tores beta-adrenérgicos, dependendo da droga utilizada. O do paciente, principalmente em arritmias supraventricula-
uso de beta-bloqueador reduz a mortalidade e o risco de res agudas.
internação em pacientes com IC classes II, III e IV, melho- A terapia para IC é iniciada na dose usual de 0,125 a
rando os sintomas, tanto de portadores como de não por- 0,250mg/dia; pacientes com mais de 70 anos ou alteração
tadores de IC. Devem ser utilizados em todos os indivíduos de função renal podem utilizar menores doses. Raramen-
com IC por falência ventricular esquerda, exceto naqueles te, são utilizadas doses maiores que 0,25mg/dia, e não há
com contraindicação ou intolerância à droga. Para o início necessidade de dose de ataque para o tratamento da IC.
do tratamento, o paciente não deve apresentar retenção Podem ser utilizados em associação a beta-bloqueadores e
hídrica importante nem ter recebido inotrópicos positivos IECA para maior alívio de sintomas ou controle de resposta
intravenosos recentemente. E pacientes com hiper-reativi- ventricular nos portadores de fibrilação atrial.
dade brônquica, bradicardia sintomática ou bloqueio atrio- A intoxicação digitálica pode manifestar-se com deso-
ventricular avançado não devem receber a droga. rientação, confusão mental, alterações visuais, diarreia,
náuseas, vômitos e arritmias cardíacas (ritmos ectópicos,
Quanto aos assintomáticos, há evidência de benefício
reentrada e bloqueio AV), e o seu risco é maior em algumas
apenas naqueles com disfunção ventricular pós-infarto.
situações clínicas (hipocalemia, hipomagnesemia e hipoti-
A dose inicial do tratamento deve ser baixa, com au-
reoidismo) e durante o uso de algumas medicações (quini-
mento progressivo, conforme o paciente tolera a me-
dina, verapamil, espironolactona e amiodarona).
dicação. Seu peso deve ser acompanhado, pois o beta-
Na sua presença, é importante descontinuar a medica-
-bloqueador determina retenção hídrica, que deve ser
ção, e a correção de hipomagnesemia e de hipocalemia é
tratada com diuréticos. A dose a ser atingida é a determi-
de extrema importância. O anticorpo antidigoxina é indica-
nada pelos estudos clínicos de cada droga, com demora na
do a pacientes com arritmias severas. Já outras medidas,
resposta terapêutica em cerca de 8 a 12 semanas. O uso como marca-passo temporário, são indicadas conforme
de beta-bloqueador pode determinar 4 tipos de complica- cada caso.
ções: retenção hídrica (geralmente assintomática), fadiga
(geralmente, melhora em 4 a 6 semanas), bradicardia/blo- e) Antagonistas da aldosterona
queio AV e hipotensão. Além da retenção de sódio e água e perda de potássio e
magnésio, a aldosterona estimula a produção de fibroblas-
Tabela 9 - Principais beta-bloqueadores em pacientes com insufi- tos e aumenta a fibrose miocárdica e perivascular, provo-
ciência cardíaca cando disfunção ventricular e diminuição da complacência
Medicação Dose inicial Dose máxima arterial. Portanto, seu bloqueio apresenta efeitos hemodi-
Carvedilol 3,125mg, 2x/dia 25mg, 2x/dia nâmicos favoráveis e interfere na progressão da lesão mio-
Succinato de cárdica. Estudos com espironolactona demonstraram que
6,25mg, 2x/dia 200mg, 1x/dia doses entre 12,5 e 50mg melhoram a sintomatologia e di-
Metoprolol
Bisoprolol 1,25mg, 1x/dia 10mg, 1x/dia minuem a taxa de mortalidade.
É indicada a pacientes com IC avançada (NYHA III e IV),
d) Digitálicos associada ao tratamento padrão com diurético, digital, IECA
e beta-bloqueador. Os níveis séricos de potássio e creatini-
A digoxina e a digitoxina, glicosídeos cardíacos com efei- na devem ser controlados antes do tratamento e durante,
to inotrópico positivo, inibem a Na-K-ATPase, determinando devendo-se reduzir a dose em 50%, caso os níveis de potás-
aumento de sódio e cálcio intracelular. A medicação reduz sio estejam entre 5 e 5,5mEq/L, e suspender a medicação,
a atividade simpática e estimula a ação vagal, diminuindo a se superarem 5,5mEq/L. Não há estudos que revelem sua
frequência cardíaca e retardando a condução do estímulo eficácia em pacientes assintomáticos. O uso da espironolac-
elétrico no nó atrioventricular. Em pacientes com falência tona é indicado para:
cardíaca leve a moderada, o uso da digoxina reduziu os sin- - Tratamento do hiperaldosteronismo primário: como
tomas e diminuiu a necessidade de hospitalização, sem, no tratamento em curto prazo para preparação cirúrgica
entanto, causar qualquer impacto na sobrevida. Houve uma ou tratamento em longo prazo nos pacientes com hi-
pequena diminuição no risco de morte por causa cardíaca, peraldosteronismo idiopático – nível de evidência II;
94
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA
- Estados edematosos associados à cirrose hepática – ní- de 50mg em 500mL de água destilada em frasco de vidro
vel de evidência II; ou SF 5% em frasco especial, o que fornece uma solução de
- Tratamento da hipertensão essencial em associações a 100μg/mL. Pode-se iniciar com 3 a 6mL/h dessa solução em
outras medicações – nível de evidência II; bomba de infusão. A meia-vida sérica da nitroglicerina é de,
- Tratamento da IC classe funcional 3 ou 4 ou com FE aproximadamente, 3 minutos.
abaixo de 35% – nível de evidência II. h) Antagonistas de cálcio
f) Antagonistas do receptor da angiotensina II Os antagonistas de cálcio não são recomendados ao
CARDIOLOGIA
tratamento da IC sistólica, especialmente o diltiazem e o
Os antagonistas da angiotensina II (ATII) apresentam-
verapamil, pois são depressores miocárdicos e aumentam
-se como alternativa ao uso de IECAs. Essas drogas realizam
a probabilidade de bloqueio cardíaco quando associados a
bloqueio do sistema renina-angiotensina-aldosterona, po-
beta-bloqueadores. Porém, alguns estudos demonstraram
rém, sem inibição das cininases, o que lhe confere menores
a segurança dos antagonistas de 3ª geração, como amlodi-
efeitos adversos. Quando comparados aos IECAs, os anta-
pina e felodipino (nos pacientes), e podem ser considerados
gonistas da ATII são inferiores em relação aos benefícios
no tratamento de hipertensão e de angina associadas à IC.
no manuseio da IC. No entanto, podem ser utilizados como
opção terapêutica na intolerância aos IECAs. i) Antiarrítmicos
As 2 drogas desse grupo estudadas para o tratamen- Em geral, os antiarrítmicos não são recomendados ao
to da IC são o valsartana e losartana. O 1º, que apresenta tratamento da IC, e o uso crônico de sua maioria foi asso-
melhores resultados, é iniciado na dose de 40mg, 2x/dia, e ciado a aumento da mortalidade. Uma exceção é a amio-
deve-se dar a maior dose possível tolerada, até a dose de darona, que demonstrou um perfil de segurança adequado
320mg/dia. Já a dose-alvo do losartana é de 50mg, 2x/dia. entre os portadores de IC. A dose de manutenção desse an-
Não há benefícios adicionais ao acrescentar rotineira- tiarrítmico varia entre 100 e 200mg/dia.
mente os inibidores da ATII a doses adequadas de IECA, A monitorização eletrocardiográfica contínua revela que
sendo deletéria tal associação. E, apesar de os antagonistas 90% dos pacientes apresentam algum tipo de arritmia, sen-
Z da ATII não provocarem tosse, como os IECAs, a incidência do frequentes a extrassistolia ventricular multifocal e mes-
de hipotensão, o prejuízo na função renal e a hipercalemia mo a taquicardia ventricular não sustentada. Contudo, os
são semelhantes aos induzidos por esses últimos inibidores. mecanismos predisponentes incluem a própria disfunção
Tal associação é aceitável apenas entre os pacientes que ventricular, a isquemia miocárdica, a hiperatividade simpá-
permanecem sintomáticos mesmo com terapia otimizada tica e os níveis elevados de catecolaminas, estando a me-
(classe IIa). lhora da arritmia condicionada ao controle da IC.
Indica-se o uso de antiarrítmicos para a prevenção de
Tabela 10 - Principais inibidores da ATII na insuficiência cardíaca choques recorrentes em pacientes portadores de CDI, aos
Medicamento Dose diária (mg) pacientes com taquicardia supraventricular ou ventricular
Losartana 50 a 100 sustentada sintomática, e a medicação de escolha é a amio-
Valsartana 80 a 320 darona. Quando associada aos beta-bloqueadores no ma-
Candesartana 8 a 32
nuseio da IC, seu benefício parece ser reduzido.
Verapamil, quinidina, propafenona e sotalol estão con-
g) Nitratos e hidralazina traindicados a pacientes com disfunção sistólica.
O estudo V-HeFT demonstrou que a combinação de ni- j) Antitrombóticos
tratos e hidralazina diminui a mortalidade, embora não di-
Pacientes com IC têm risco aumentado de eventos
minua o número de hospitalizações.
tromboembólicos devido à estase venosa, dilatação cardía-
Tal combinação é indicada aos pacientes com contrain-
ca e, provavelmente, aumento da atividade pró-coagulante.
dicações ao IECA e inibidores da ATII (classe I), e aos pacien-
Os poucos estudos existentes não mostraram que o uso de
tes em CF III-IV em uso de terapia já otimizada (classe IIa),
agentes antitrombóticos no tratamento crônico da IC dimi-
principalmente afrodescendentes (classe I). A dose-alvo de nuiu a incidência de complicações. Já nos pacientes aguda-
hidralazina é de 200 a 300mg/dia, em doses divididas em 3 mente descompensados, com necessidade de internação
a 4 doses ao longo do dia, e monocordil, 40mg, 4x/dia. e restrição ao leito, estudos randomizados e controlados
Para os pacientes com descompensação aguda de IC, indicam que o uso de heparina reduz o risco de tromboem-
os nitratos parenterais são drogas sintomáticas importan- bolismo venoso.
tes. Essas medicações diminuem a congestão pulmonar e
melhoram a perfusão coronariana, sendo seu mecanismo k) Tratamento cirúrgico
principal a diminuição da pré-carga pelo seu efeito venodi- A cirurgia de troca valvar mitral pode ser considerada
latador. A nitroglicerina intravenosa é iniciada na dose de aos pacientes com insuficiência mitral grave secundária e
5μg/min e pode ser titulada a cada 3 a 5 minutos até a res- refratária ao tratamento clínico otimizado. Outros procedi-
posta desejada. Pode-se diluir um frasco de nitroglicerina mentos a considerar são a reconstrução do ventrículo es-
95
CARD I OLOG I A
querdo na presença de grande área fibrótica durante cirur- Tabela 11 - Tratamento farmacológico da insuficiência cardíaca
gia de revascularização miocárdica. diastólica
A aneurismectomia do ventrículo esquerdo também Medicamento Ação
está indicada aos pacientes sintomáticos com terapia otimi- Diminui a FC e aumenta o tempo de di-
zada, arritmia ventricular refratária ou tromboembolismo. Beta-bloqueador
ástole.
Melhora o relaxamento e diminui hiper-
IECA
8. Insuficiência cardíaca diastólica tensão e hipertrofia ventricular.
Idem ao beta-bloqueador; possível melho-
Poucos assuntos na medicina são tão controversos
Verapamil ra funcional em pacientes com hipertrofia
como a IC diastólica. Muitos pacientes com IC sem altera- miocárdica.
ção de FE ao ecocardiograma são rotulados como portado-
Podem ser necessários em caso de reten-
res de IC diastólica. No entanto, é frequente, ao longo da
Diuréticos ção de fluidos, mas devem ser utilizados
investigação clínica, encontrar outros diagnósticos que jus- com cuidado.
tifiquem a dispneia. Cerca de 20 a 40% dos pacientes com
IC têm função ventricular preservada, sendo sua sintoma-
tologia secundária ao comprometimento da função de re- 9. Insuficiência cardíaca descompensada
laxamento ventricular. Várias condições estão associadas à A avaliação do paciente que chega ao departamento de
disfunção diastólica, incluindo as miocardiopatias restritiva, emergências com dispneia e suspeita de IC deve passar por
hipertrófica e infiltrativa. Entretanto, a maioria desses pa- história clínica e exame físico detalhados, além de alguns
cientes não apresenta uma doença miocárdica identificável. exames laboratoriais.
A IC associada à função sistólica preservada é uma doen- A história clínica deve incluir: duração dos sintomas,
ça mais frequente em mulheres idosas, a maioria delas com tipo de dispneia, grau de limitação funcional, presença de
hipertensão arterial. O envelhecimento é associado à perda ortopneia e dispneia paroxística noturna, sintomas associa-
das propriedades elásticas do coração e dos grandes vasos, dos (febre, tosse, expectoração, dor torácica pleurítica ou
o que causa aumento da pressão sistólica e da rigidez mio- precordial, hemoptise, dor abdominal, sintomas urinários
cárdica. Além disso, os idosos apresentam, habitualmente, etc.), número de internações prévias, tempo de duração
doenças que podem comprometer a função diastólica de da doença, se já existe diagnóstico prévio de IC, comorbi-
forma adicional, como coronariopatia, diabetes, estenose dades (DPOC, asma, HAS, câncer, doença cerebrovascular,
aórtica e FA.
insuficiência renal, cirrose, insuficiência coronariana, outras
doenças cardíacas etc.), medicações em uso, medidas não
A - Diagnóstico
farmacológicas, grau de adesão ao tratamento, tabagismo,
O ecocardiograma com Doppler é o método mais utili- etilismo, uso de drogas e fatores de risco para tromboem-
zado na avaliação do relaxamento ventricular. Todavia, di- bolismo pulmonar.
versas condições podem torná-la imprecisa, entre elas a O exame físico deve avaliar o grau de dispneia, ciano-
volemia, a frequência cardíaca e a presença de regurgita- se, palidez, perfusão periférica, PA e FC, presença de estase
ção mitral. A avaliação da função diastólica ecocardiográ- jugular, avaliação de estridor laríngeo, ausculta pulmonar
fica requer um exame bem mais detalhado que o habitual. cuidadosa (crepitações difusas ou localizadas, sibilos, ron-
Na prática, o diagnóstico de IC diastólica é obtido quando cos, derrame pleural, pneumotórax etc.), avaliação de ictus
o paciente apresenta sintomas e sinais típicos de IC e FE e frêmitos, ausculta cardíaca (sopros, atritos, abafamento
normal. O padrão-ouro para o diagnóstico seria por meio de bulhas, B3 e B4 etc.), avaliação de congestão hepática,
de estudo hemodinâmico, o qual não é possível realizar ro- edema de membros inferiores ou sacral no caso de pacien-
tineiramente. tes acamados e sinais de TVP.
Na maioria dos casos, o diagnóstico de IC no serviço de
B - Tratamento emergência pode ser realizado apenas com história e exa-
Há muito pouca evidência sobre como tratar a disfunção me físico. No entanto, alguns exames complementares são
diastólica, pois os pacientes foram excluídos de quase todos importantes tanto para o diagnóstico como para a avaliação
os grandes estudos de IC. Estudos anteriores sugeriam os da gravidade e do prognóstico.
beta-bloqueadores e os bloqueadores dos canais de cálcio A radiografia de tórax pode mostrar área cardíaca au-
como as drogas de escolha, mas a metodologia falha de tais mentada, sinais de congestão pulmonar, derrame pleural,
estudos não permite conclusões. De modo geral, o tratamen- pneumotórax, condensações pulmonares localizadas e hi-
to baseia-se no controle da pressão arterial, da frequência perinsuflação pulmonar. O ECG pode mostrar sinais de is-
cardíaca e da isquemia miocárdica. Um estudo recente su- quemia miocárdica, sobrecargas ventriculares, arritmias e
gere que o valsartana, um antagonista de ATII, apresenta sinais de pericardite. A oximetria de pulso e a gasometria
benefício adicional nos pacientes. A Tabela 11 apresenta os arterial também são úteis. A avaliação da função renal, ele-
fármacos mais utilizados nesta condição clínica. trólitos e hemograma podem identificar fontes de descom-
96
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA
pensação, como insuficiência renal, distúrbios hidroeletro- ano, e os preditores foram idade, pressão arterial sistólica,
líticos, anemia e infecção. Marcadores de lesão miocárdica frequência respiratória, sódio sérico, hemoglobina (apenas
podem ser úteis se utilizados de acordo com a clínica. O para mortalidade em 1 ano), nitrogênio ureico, doença ce-
D-dímero também pode ser utilizado para descartar TEP rebrovascular associada, demência, DPOC, cirrose e câncer.
como causa de descompensação, apesar de poder apre- O escore de risco desenvolvido a partir do estudo está des-
sentar resultado falso positivo nas classes avançadas de crito na Tabela 12.
IC. Estase jugular e B3, embora tenham alta especificidade
Tabela 12 - Escore de risco (mortalidade) para insuficiência car-
para identificar altas pressões de enchimento ventricular,
CARDIOLOGIA
díaca
apresentam sensibilidades de, respectivamente, apenas 30
Número de pontos
e 24%, para o diagnóstico de IC no serviço de emergência.
A combinação de crepitações pulmonares, edema de mem- Mortalidade em Mortalidade em
Variáveis
bros inferiores e estase jugular apresentou 100% de espe- 30 dias 1 ano
cificidade, mas somente 58% de sensibilidade para diag- + Idade (nº de + Idade (nº de
Idade (anos)
nosticar real congestão pulmonar identificada pela pressão anos) anos)
encunhada de artéria pulmonar ≥22mmHg em 43 pacientes FR (mínimo de 20,
+ Frequência (irpm) + Frequência (irpm)
avaliados. máximo de 45irpm)*
Nos últimos anos, foi avaliado o papel dos peptídios na- Pressão sistólica (em
mmHg) - -
triuréticos no diagnóstico de IC. Alguns estudos mostraram
a acurácia diagnóstica de tais peptídios em pacientes que ≥180 - 60 - 50
chegam ao pronto-socorro com queixa de dispneia. Foram 160 a 179 - 55 - 45
identificados 4 tipos desses peptídios: 140 a 159 - 50 - 40
1 - Peptídio natriurético atrial (ANP). 120 a 139 - 45 - 35
2 - Peptídio natriurético cerebral (ou tipo B – BNP).
100 a 119 - 40 - 30
3 - Peptídio natriurético tipo C (CNP).
90 a 99 - 35 - 25
4 - Peptídio natriurético tipo D.
<90 - 30 - 20
Todos são secretados em resposta a estresse hemodinâ- Ureia (máx. 60mg/
mico, particularmente ao aumento da pressão intracardíaca + Valor (mg/dL) + Valor (mg/dL)
dL)*
e estiramento das fibras miocárdicas. O mais estudado e, Sódio <136mEq/L + 10 + 10
provavelmente, mais útil no diagnóstico de IC é o BNP. Sua Doença cerebrovas-
acurácia diagnóstica no principal estudo que o avaliou (va- + 10 + 10
cular
lor de corte = 100pg/mL) foi de 81,2%, com sensibilidade Demência +2 + 15
de 90%, especificidade de 73%, valor preditivo positivo de
DPOC + 10 + 10
75% e valor preditivo negativo de 90%. A acurácia de uma
abordagem diagnóstica incluindo a avaliação clínica ou BNP Cirrose + 25 + 35
acima de 100pg/mL ou ambos foi de 81,5%. Dessa forma, a Câncer + 15 + 15
adição de um BNP positivo (maior que 100pg/mL) aumenta Hemoglobina <10g/
Não se aplica + 10
a acurácia diagnóstica de IC no pronto-socorro pelo julga- dL
mento clínico de 74 para 81,5%. * Deve-se considerar o limite superior ou inferior indicados, caso
O BNP aumenta tanto na IC por disfunção sistólica como o valor obtido esteja acima ou abaixo desse limite.
na IC por disfunção diastólica, todavia não há como dife-
renciar esses 2 tipos com base no valor do BNP. O uso deste O escore de risco para mortalidade em 30 dias é calcu-
como diagnóstico já foi incorporado pelo Consenso Euro- lado somando todos os fatores (exceto hemoglobina, que
peu de IC, contudo ainda não existe um consenso quanto ao só é adicionada para a avaliação do risco em 1 ano) e sub-
seu uso para diagnóstico e prognóstico e como medida da traindo os pontos atribuídos ao valor da PA sistólica (valo-
resposta terapêutica. Além disso, sua disponibilidade ainda res elevados são protetores). As categorias de risco foram
é restrita a poucos centros brasileiros. divididas de acordo com aumentos de 30 pontos no escore,
correspondendo a aumentos unitários no desvio-padrão,
A - Classificação de risco conforme ilustra a Tabela 13.
O prognóstico dos pacientes com IC descompensada Tabela 13 - Mortalidade de acordo com o escore de risco
pode ser avaliado por meio de alguns parâmetros. Recen-
Categorias Mortalidade em Mortalidade em 1
temente, foi desenvolvido um modelo de predição clínica Escore
de risco 30 dias* ano*
para pacientes com IC descompensada, o qual é de fácil uso
Muito baixo ≤60 0,64% (0,4) 2,7% (7,8)
e pode ser aplicado no pronto-socorro pelo médico-assis-
Baixo 61 a 90 4,2% (3,4) 14,4% (12,9)
tente. O escore de risco prediz mortalidade em 30 dias e 1
97
CARD I OLOG I A
* Os valores iniciais representam a mortalidade da coorte de va- - Doença valvar primária não suspeitada;
lidação, e os valores entre parênteses representam a mortalida- - Piora da insuficiência mitral secundária;
de obtida da coorte de derivação. - Fibrilação atrial aguda ou não controlada;
- Arritmias (taquiarritmias ou bradiarritmias);
Tal escore pode ser útil na decisão quanto à internação
- TEP.
hospitalar em enfermaria ou UTI, observação no pronto-
-socorro, encaminhamento ambulatorial e alta do pronto- Fatores sistêmicos
-socorro. Entretanto, por tratar-se de estudo recente, ain- - Medicações impróprias;
da não há dados sobre sua utilização para esse fim. Outro - Infecções;
estudo demonstrou que variáveis com PA <110x70mmHg e - Anemia;
creatinina maior que 2mg/dL foram preditoras de evolução - Diabetes descompensado;
desfavorável. A Tabela 14 mostra algumas indicações de in- - Disfunção tireoidiana;
ternação hospitalar sugeridas por Stevenson e Braunwald. - Distúrbios hidroeletrolíticos;
- Gravidez.
Tabela 14 - Indicações sugeridas para internação de pacientes com
insuficiência cardíaca descompensada Fatores relacionados ao paciente
- Arritmias assintomáticas; - Não adesão ao tratamento farmacológico;
- Múltiplas descargas de desfibrilador implantável; - Não adesão à dieta e a líquidos;
- Síncope; - Consumo de álcool;
- Parada cardíaca; - Abuso de drogas;
- Insuficiência coronariana aguda; - Tabagismo.
- Rápida instalação de novos sintomas de IC; Fatores relacionados ao sistema de saúde
- Descompensação de IC crônica; - Falta de acesso à atenção primária;
- Necessidade de internação imediata: - Falta de acesso às medicações efetivas para ICC;
· Edema pulmonar e desconforto respiratório na posição sentada; - Tratamento farmacológico inadequado (subdoses ou negligên-
· Saturação arterial <90% na ausência de hipoxemia conhecida; cia em prescrever intervenções terapêuticas eficazes).
· FC >120bpm (exceto se em fibrilação atrial crônica);
· Pressão arterial sistólica <75mmHg; A abordagem inicial depende do grau e do tipo de des-
· Alterações de consciência atribuíveis à hipoperfusão. compensação da IC. De forma geral, podem-se classificar os
- Necessidade de internação urgente: pacientes que chegam ao pronto-socorro em 4 subgrupos dis-
· Evidência de congestão e hipoperfusão simultâneas; tintos, de acordo com o grau de congestão e o de perfusão te-
· Desenvolvimento de distensão hepática, ascite tensa ou anasarca; cidual. A Tabela 16 especifica esses grupos e sugere a conduta.
· Descompensação na presença de piora aguda de condições
não cardíacas, como DPOC; Tabela 16 - Proposta terapêutica de acordo com apresentação
· Insuficiência renal. Perfil de paciente Terapêutica proposta
- Considerar hospitalização: Ajuste de medicações via oral
· Queda rápida no sódio sérico para <130mEq/L; Sem congestão e boa
Gru- para objetivos de redução de
perfusão periférica –
· Aumento de creatinina, pelo menos, 2 vezes o basal ou >2,5mg/dL; po 1 mortalidade e manutenção de
“seco e quente”
· Sintomas persistentes de congestão em repouso, a despeito estado volêmico estável.
de repetidas visitas ambulatoriais. Há necessidade de introdução ou
aumento das doses de diuréticos,
A internação de pacientes com IC é necessária, muitas assumindo que já estejam usan-
do IECA. Em casos mais comple-
vezes, durante os episódios de descompensação desta. De Congestão, mas boa xos, associação de vasodilatado-
Gru-
modo geral, a IC descompensada pode apresentar-se de 3 po 2
perfusão periférica – res parenterais (nitroglicerina) e/
formas: “úmido e quente” ou nesiritida. Inotrópicos não são
geralmente necessários e podem
1 - IC aguda. ser deletérios. Observação curta
2 - IC crônica agudizada. no pronto-socorro ou internação
em casos mais graves.
3 - IC refratária.
98
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA
Perfil de paciente Terapêutica proposta cio nas células e aumentando o acoplamento actina-mio-
sina. Agem via ativação de receptores beta-adrenérgicos
Geralmente, é necessária a sus-
pensão de IECAs e beta-bloque- (dopamina e dobutamina) ou via inibição da fosfodiestera-
adores, particularmente naque- se cardíaco-específica tipo III (milrinona e anrinona) e são
les com hipotensão sintomática. administrados parenteralmente.
Muitas vezes, vasodilatadores O uso de inibidores da fosfodiesterase em pacientes
parenterais são suficientes, de-
Congestão e alteração vido à elevada resistência vas-
sem hipotensão e hipoperfusão tecidual foi associado ao
Gru- aumento de complicações e à tendência a aumento de mor-
CARDIOLOGIA
da perfusão periférica cular periférica presente em tais
po 3
– “úmido e frio” pacientes. Inotrópicos parente- talidade. Mesmo a dobutamina está associada ao aumento
rais podem ser necessários por da frequência cardíaca e de arritmias.
curto período para estabilização, Deve-se ressaltar, no entanto, que, embora os benefí-
embora se associem a taquiar-
ritmias, hipotensão, isquemia, cios limitados das infusões de inotrópicos não justifiquem
até aumento da mortalidade em os riscos na maioria dos pacientes com IC descompensada,
longo prazo. os inotrópicos podem salvar vidas de pessoas com choque
Este pequeno subgrupo de pa- cardiogênico, estando indicados àqueles com hipoperfusão
cientes pode apresentar-se com periférica e adequado volume intravascular. A dobutamina
Alteração da perfusão poucos sintomas, e é possível o é um agonista beta-seletivo e o agente de escolha para pa-
Gru-
periférica sem conges- uso isolado de vasodilatadores
po 4
ou a associação a inotrópicos
cientes com PAS acima de 80mmHg, podendo, entretanto,
tão – “seco e frio”
parenterais. Reposição volêmica exacerbar a hipotensão e provocar taquiarritmias. A ta-
pode ser necessária. quicardia e o aumento da resistência vascular periférica,
ocasionados pela dopamina, podem aumentar a isquemia
A grande maioria dos pacientes que chegam ao pronto- miocárdica. Em algumas situações, a associação das 2 dro-
-socorro por descompensação da IC o faz por falta de ade- gas pode ser benéfica. Em casos de hipotensão refratária,
são ao tratamento farmacológico ou às medidas dietéticas. a norepinefrina pode ser necessária para manter a pressão
Essas pessoas se apresentam, na maioria das vezes, com de perfusão tecidual.
piora da congestão, mas mantendo uma boa PA e perfusão, A Tabela 17 cita as drogas mais usadas na IC descom-
e nem sempre apresentam dispneia em repouso. Geralmen- pensada.
te, já apresentam o diagnóstico de IC e recebem algum tipo
de tratamento ambulatorial. Nesses casos, muitas vezes um Tabela 17 - Doses das drogas mais usadas na insuficiência cardíaca
diurético de alça intravenoso associado a captopril via oral descompensada
é medida suficiente para diminuir a congestão e melhorar Droga Dose
a sintomatologia.
- Bolus: 20 a 80mg (máximo 600mg/dia);
Após período de observação e avaliação de outras cau- Furosemida
- Infusão contínua: ataque de 0,1.
sas potenciais de descompensação, devem receber orien-
tações não farmacológicas adequadas, aumento da dose Nitroglicerina - Inicial: 5 a 10μg/min.
de diuréticos, reavaliação da prescrição com introdução ou - Inicial: 0,3 a 0,5μg/kg/min;
Nitroprussiato
ajuste de outras drogas (IECA, digoxina, bloqueadores da - Usual: 3 a 5 μg/kg/min.
angiotensina, espironolactona, nitratos) e consulta ambu- - Ataque: 2μg/kg;
latorial precoce para acompanhamento. Entretanto, alguns Nesiritida
- Manutenção: 0,01μg/kg/min.
pacientes se apresentam muito congestos, dispneicos em
Dopamina - 1 a 20μg/kg/min.
repouso e não respondem satisfatoriamente às medidas ini-
Dobutamina - 1 a 20μg/kg/min.
ciais. Necessitam de internação em enfermaria e, algumas
vezes, unidade de terapia intensiva. Neste caso, é indicado - Ataque: 50μg/kg/min;
Milrinona
o uso de diuréticos parenterais e vasodilatadores, de prefe- - Manutenção: 0,375 a 0,750μg/kg/min.
rência, de forma parenteral. Já os inotrópicos parenterais - 1 a 30μg/min (recomendado pelo ACLS, mas
Noradrenalina
também podem ser úteis, levando à melhora sintomática, se podem usar doses mais altas).
apesar de o uso prolongado de tais medicações se associar Levosimen- - Ataque: 24μg/kg em 10 minutos;
ao aumento de mortalidade em longo prazo. dana - Manutenção.
Os pacientes que chegam com edema agudo de pulmão
necessitam de diuréticos, nitratos, morfina e, eventualmen- O levosimendana, uma medicação relativamente recen-
te, drogas vasoativas. te no manejo da IC aguda, apresenta vantagens em relação
às outras drogas inotrópicas por permitir melhora do rela-
B - Drogas inotrópicas parenterais xamento diastólico, ao contrário dos inotrópicos, que agem
Os inotrópicos tradicionais atuam através do aumento por via adrenérgica, comprometendo o relaxamento dias-
do AMPc intramiocárdico, permitindo maior entrada de cál- tólico. Causa, também, vasodilatação através da abertura
99
CARD I OLOG I A
de canais de potássio. Por essas ações inotrópicas e vaso- • Transplante cardíaco: é a única abordagem cirúr-
dilatadoras, a medicação aumenta o débito cardíaco sem gica efetiva no tratamento da IC refratária, embora
aumentar o consumo miocárdico de oxigênio. beneficie poucas pessoas a cada ano. As indicações
Outro mecanismo associado a essa droga é o melhor atuais de transplante baseiam-se na identificação
aproveitamento no sarcômero do cálcio disponível para de pacientes com grave prejuízo funcional, como
a contração miocárdica. O levosimendana mostrou-se su- indicado por um VO2 inferior a 10mL/kg (menos de
perior à dobutamina em pacientes com IC grave descom- 50% do esperado) ou pela dependência contínua de
pensada e, ao contrário da dobutamina, principalmente, e inotrópicos. Outras indicações menos comuns são
do nesiritida em 2º lugar, parece não ter uma associação angina e arritmias ventriculares graves, refratárias a
importante a aumento de mortalidade em médio e longo outras opções terapêuticas.
prazos. A dose de ataque recomendada é de 12 a 24mcg/
kg infundidos em 10 minutos, seguida por dose de manu-
tenção de 0,1 a 0,2mcg/kg/min por 24 horas. Essa dose é
10. Conclusões
titulada conforme resposta clínica e tolerabilidade. - A Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC) é uma sín-
drome complexa, caracterizada pela incapacidade do
C - Outras medidas para insuficiência cardíaca coração de suprir as necessidades metabólicas do or-
descompensada ganismo;
- Balão intra-aórtico: modo de suporte circulatório mais - As principais manifestações são dispneia e fadiga, além
amplamente utilizado e pode aumentar o débito cardí- da intolerância aos esforços, retenção de fluidos com
aco em até 30%. É indicado no choque cardiogênico e consequente congestão pulmonar e edema de mem-
no edema pulmonar que não respondem ao tratamen- bros inferiores;
to-padrão. Na IC associada à isquemia miocárdica, o - O ECG é quase invariavelmente alterado nos pacientes
balão atua como ponte até a realização de coronario- com IC; caso seja normal, devem ser considerados ou-
grafia diagnóstica e/ou terapêutica; tros diagnósticos;
- Bomba de fluxo contínuo: dispositivo de bombeamen- - A principal medida da função do ventrículo esquerdo
to sanguíneo que trabalha em paralelo ao ventrículo. É é a FE, considerando haver prejuízo da função sistólica
capaz de gerar, por um princípio centrífugo, débito inde- quando a FE é inferior a 55%;
pendente do apresentado pelo paciente. Pode ser utiliza- - Os IECAs são indicados para tratamento da IC em qual-
do de forma isolada ou associada ao balão intra-aórtico; quer estágio funcional;
- Ventrículo artificial: utilizado, principalmente, como pon- - Os diuréticos, único grupo de medicações que con-
te para transplante, na síndrome pós-cardiotomia e, oca- trola efetivamente a retenção hídrica, determinam a
sionalmente, como alternativa ao transplante cardíaco; melhora sintomática mais precocemente que as outras
- Coração artificial: dispositivo implantável que tem drogas;
sido utilizado como ponte para transplante. Observa- - O uso de beta-bloqueador reduz a mortalidade e o
-se melhora importante da função ventricular após pe- risco de internação em pacientes com IC classes II, III
ríodo prolongado de circulação assistida, que permite, e IV, melhorando os sintomas, tanto de portadores
eventualmente, a remoção do sistema. como de não portadores de ICC. Devem ser utilizados
- Tratamento cirúrgico: em todos os pacientes com IC por falência ventricular
• Revascularização miocárdica: a revascularização do esquerda, exceto naqueles com contraindicação ou in-
paciente com IC crônica pode ser útil no controle tolerância à droga;
dos sintomas, desde que a disfunção do ventrícu- - As indicações do uso de digital em IC são tratamento
lo esquerdo não seja irreversível. A identificação sintomático da IC, atenuando sintomas, melhorando
de miocárdio viável pode ser feita com cintilografia qualidade de vida e contribuindo para diminuir o núme-
com tálio ou ecocardiografia de estresse, mas é ne- ro de internações, além de controle de resposta ventri-
cessário critério na escolha do paciente potencial, cular em pacientes com fibrilação atrial, sendo droga de
pois a mortalidade cirúrgica é alta, e não existem 1ª escolha nesse subgrupo de pacientes com IC;
estudos mostrando que a cirurgia é melhor que o - Os antagonistas da aldosterona são indicados a pa-
tratamento clínico otimizado; cientes com IC avançada (NYHA III e IV), associada ao
• Cirurgia para insuficiência mitral: a regurgitação tratamento-padrão com diurético, digital, IECA e beta-
mitral de grau variável no ventrículo dilatado pode -bloqueador;
ocorrer na IC. A plastia da valva mitral tem sido re- - O uso das medicações inotrópicas parenterais deve ser
alizada com baixa mortalidade e potencial de me- limitado a IC grave, principalmente em caso de choque
lhorar sintomas, assim como as variáveis de função cardiogênico, pois elas se associam a aumento de mor-
ventricular; talidade em médio e longo prazos.
100
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA
11. Resumo
Quadro-resumo
- A IC é uma síndrome caracterizada pela incapacidade do cora-
ção de suprir as necessidades metabólicas dos tecidos;
- A IC pode ocorrer por déficit contrátil (IC sistólica) ou por déficit
de relaxamento ventricular (IC diastólica);
- A partir de uma injúria (hipertensão, infarto do miocárdio etc.),
CARDIOLOGIA
uma série de mecanismos fisiopatológicos neuro-humorais é
ativada, como na ativação do eixo renina-angiotensina-aldos-
terona; esses mecanismos determinam a progressão da disfun-
ção ventricular;
- O diagnóstico da IC é clínico e baseia-se na história e nos acha-
dos do exame físico;
- O ecocardiograma não define o diagnóstico de IC, mas fornece
informações significativas sobre a função ventricular e as pos-
síveis causas da IC;
- O tratamento depende da classe funcional do paciente; o con-
trole ou eliminação dos fatores de risco são essenciais para evi-
tar a progressão da IC;
- O tratamento farmacológico utiliza IECA, beta-bloqueador, diu-
réticos, restrição de sódio e digital.
101
C ARDI O LOG I A
CAPÍTULO
11
Edema agudo pulmonar
José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
B - Fisiopatologia
Na gênese do edema pulmonar, é importante conside- Figura 1 - Diferenças na fisiopatologia do edema pulmonar cardio-
rar a fisiopatologia presente, dependendo se de origem car- gênico e não cardiogênico
diogênica ou não cardiogênica.
O edema pulmonar não cardiogênico é associado ao au-
mento da água intersticial pulmonar por alteração da perme-
abilidade do capilar pulmonar; são exemplos desta condição
o edema pulmonar na síndrome do desconforto respiratório
agudo e o edema pulmonar das grandes altitudes. Nestas
condições, a pressão hidrostática do capilar pulmonar en-
contra-se normal (abaixo de 18mmHg). No edema pulmonar
não cardiogênico, a pressão capilar pulmonar é normal. Não
há hipertensão pulmonar. No edema pulmonar cardiogênico,
o mecanismo principal fisiopatológico é a ação da pressão hi-
drostática capilar elevada (hipertensão pulmonar acima de Figura 2 - Edema “em asa de borboleta”, típico de edema agudo
18mmHg), que determina o aumento do edema intersticial pulmonar
102
EDEMA AGUDO PULMONAR
A causa mais comum de Edema Agudo de Pulmão (EAP) Alteração da permeabilidade alveolocapilar
de origem cardiogênica é a disfunção diastólica do ventrícu- (síndrome da angústia respiratória aguda)
lo esquerdo associada à etiologia isquêmica. Pode ocorrer - Pneumonia;
por diferentes condições hemodinâmicas, como crise hiper- - Inalação de substâncias tóxicas;
tensiva, isquemia miocárdica ou miocardiopatias hipertrófi-
- Toxinas circulantes (bacterianas, venosos etc.);
cas. A disfunção diastólica representa a redução da capaci-
- Aspiração do conteúdo gástrico;
dade ventricular esquerda de receber o volume de sangue
que chega pelo átrio esquerdo e veias pulmonares (redução - Pneumonite aguda por radiação;
CARDIOLOGIA
da complacência ventricular), o que provoca a elevação da - Coagulação intravascular disseminada;
pressão de enchimento do ventrículo esquerdo (pressão - Imunológico (reações de hipersensibilidade);
diastólica final), que se transmite para o átrio esquerdo, - Trauma não torácico;
veias pulmonares e capilares pulmonares. - Pancreatite hemorrágica aguda.
O aumento da pressão hidrostática capilar pulmonar Insuficiência linfática
determina o extravasamento de líquido para o interstí- - Após transplante pulmonar;
cio pulmonar e, quando excedida a capacidade de dre-
- Carcinomatose linfangítica;
nagem do sistema linfático dos pulmões, também para
- Linfangite fibrosante (exemplo: silicose pulmonar).
os alvéolos.
Como outras causas do EAP de origem cardiogênica, Etiologia desconhecida
têm-se a obstrução ao fluxo pela valva mitral (estenose - Edema pulmonar das grandes altitudes;
valvar, mixoma e trombo), insuficiência mitral aguda (dis- - Edema pulmonar neurogênico;
função de músculo papilar ou ruptura de cordoalha no in- - Embolia pulmonar;
farto agudo do miocárdio e no prolapso, endocardite), in- - Pós-anestesia e pós-cardioversão.
suficiência aórtica aguda (endocardite, dissecção de aorta,
disfunção de prótese), arritmias cardíacas e hipervolemia;
estas 2 últimas costumam ser causa de EAP em portadores
2. Quadro clínico
de algum grau de disfunção cardíaca sistólica (miocardiopa- O principal sintoma é intensa falta de ar (dispneia), ge-
tias dilatadas) ou diastólica. A seguir, estão listadas algumas ralmente súbita. Podendo haver ortopneia, taquipneia, tos-
causas de EAP. se com expectoração rósea e dor torácica, mesmo na au-
sência de isquemia. O exame clínico, além dos sintomas já
Tabela 1 - Causas de EAP citados, revela sinais proeminentes de ativação simpática:
- Isquemia miocárdica; taquicardia, palidez, sudorese fria, agitação psicomotora e
- Insuficiência aórtica aguda; ansiedade.
- Insuficiência mitral aguda; No exame pulmonar, há crepitações inspiratórias e ex-
- Estenose mitral; piratórias em todo o tórax; podendo ocorrer sibilos, o que
- Hipertensão arterial sistêmica; sugere edema da parede brônquica. Tal condição pode ser
- Hipertensão renovascular; confundida com quadro de reatividade brônquica exacerba-
da, pois pode, muitas vezes, apresentar-se com quadro de
- Fibrilação atrial/taquiarritmias;
sibilância semelhante ao broncoespasmo, por isso o nome
- Anemia;
de asma cardíaca.
- Febre; Podem estar presentes as tiragens intercostal e infra-
- Doença tireoidiana; clavicular. O exame cardiovascular pode sugerir a etiologia
- Neurogênico. quando, por exemplo, há presença de hipertensão arte-
rial, presença de 4ª bulha (disfunção diastólica), presen-
Tabela 2 - Classificação do EAP segundo sua fisiopatologia ça de 3ª bulha (disfunção sistólica), sopros cardíacos ou
Desbalanço das forças de Starling arritmia.
- Aumento da pressão capilar pulmonar:
· Aumento da pressão venosa pulmonar, sem falência do VE
(estenose mitral);
3. Diagnóstico
· Aumento da pressão venosa pulmonar, com falência do VE. O diagnóstico deve ser obtido com base em dados da
- Redução da pressão oncótica plasmática: hipoalbuminemia, história e exame físico. O diagnóstico diferencial entre ede-
por exemplo; ma pulmonar cardiogênico e não cardiogênico é muitas ve-
- Aumento da negatividade da pressão intersticial: zes difícil e a radiografia de tórax é o exame complementar
· Rápida correção de pneumotórax; que pode ajudar a diferenciar estas 2 condições, conforme
· Obstrução respiratória aguda (asma).
Tabela 3.
103
C ARDI O LOG I A
Tabela 3 - Diagnóstico diferencial entre edema pulmonar cardiogê- ticas reduzem a necessidade de intubação, que fica reserva-
nico e não cardiogênico da aos pacientes com fadiga muscular respiratória, acidose
Sinal Cardiogênico Não cardiogênico respiratória e hipoxemia refratária.
Normal ou aumen-
Área cardíaca Normal B - Vasodilatadores
tada
Distribuição vas- Balanceada ou inver- Promovem melhora clínica por redução da pré e da pós-
cular pulmonar no tida – cefalização de Balanceada -carga. Inicialmente, pode ser usado nitrato sublingual 5mg,
raio x de tórax trama vascular
repetido a cada 5 a 10 minutos (máximo de 15mg, dividido
Edema Central Periférico em 3 doses), seguido ou não por nitratos parenterais. Há pre-
Derrame pleural Presente Geralmente ausente ferência pelas drogas parenterais tituláveis, de meia-vida cur-
Linhas septais Presente Geralmente ausente ta e pico rápido de ação. Em casos de isquemia miocárdica, a
Broncograma melhor opção é a nitroglicerina, na dose de 5 a 200mcg/min,
Geralmente ausente Geralmente presente
aéreo já que o nitroprussiato pode promover roubo de fluxo. No
entanto, a nitroglicerina é menos eficaz que o nitroprussiato
O eletrocardiograma, comumente, mostra taquicardia na redução dos níveis de PA e apresenta início de ação em 2
sinusal e pode contribuir para a definição da etiologia: pre- a 5 minutos e meia-vida de 5 a 10 minutos. Caso contrário,
sença de arritmias, sinais de isquemia ou sobrecarga ventri- opta-se pelo nitroprussiato de sódio (que também pode ser
cular. O ecocardiograma, se possível, deve ser realizado na usado nos casos de falha com a nitroglicerina, insuficiência
sala de emergência, quando a causa do EAP não é rapida- mitral ou aórtica severa e hipertensão arterial sistêmica), na
mente identificada. dose inicial de 0,3 a 0,5, que tem início de ação imediata e
Quando necessária, a monitorização invasiva com ca- meia-vida de 1 a 2 minutos. Os efeitos colaterais mais co-
teter de artéria pulmonar revela elevação da pressão de muns dessa droga são náuseas, vômitos e cefaleia; o mais
oclusão de artéria pulmonar, auxiliando na diferenciação grave é a intoxicação por cianeto e tiocianato com altas doses
entre edema pulmonar cardiogênico (pressão do capilar ou infusões prolongadas de nitroprussiato, principalmente
pulmonar elevada) e não cardiogênico (pressão de capilar em pacientes com insuficiência renal.
pulmonar normal).
As enzimas cardíacas (CKMB e troponina) devem ser so- C - Diuréticos de alça (furosemida, 40 a 80mg IV)
licitadas já na sala de emergência e seriadas ao longo da
evolução do paciente. A gasometria arterial pode eviden- Promovem vasodilatação venosa, reduzindo a pré-carga
ciar hipoxemia severa. Também devem ser avaliados Na+, (venodilatação em 5 minutos), antes de determinar diure-
K+, ureia e creatinina. se, que ocorre cerca de 20 a 30 minutos após a dose ini-
Pode ser feita, ainda, a dosagem do peptídio natriuréti- cial. Uma 2ª dose de até 160mg pode ser usada, caso não
co cerebral, em inglês BNP, um hormônio fisiologicamente haja melhora após 20 minutos da 1ª. Deve-se salientar que,
produzido pelo coração que, quando em situações de so- frequentemente, pacientes com EAP apresentam volemia
brecarga, eleva-se no sangue e, portanto, auxilia a diferen- total normal quando procuram serviço médico, e a con-
ciar causas cardiogênicas de pulmonares em pacientes com gestão pulmonar se deve, predominantemente, a distúr-
insuficiência respiratória. Valores >500pg/mL sugerem a bios hemodinâmicos. Em tais pacientes, o uso excessivo de
insuficiência cardíaca como etiologia do edema agudo de diuréticos pode levar à hipovolemia, que, após a resolução
pulmão, enquanto valores menores que 100 tornam impro- do quadro agudo, pode manifestar-se como hipotensão ou
vável o diagnóstico. piora de função renal.
D - Morfina
4. Tratamento
Deve ser administrada na dose de 1 a 3mg a cada 5 mi-
O paciente deve permanecer sentado durante o trata- nutos, com o objetivo de reduzir a ansiedade determinada
mento (redução da pré-carga, melhora da relação ventila- pelo aumento do esforço respiratório, a pré-carga por va-
ção/perfusão e redução do esforço respiratório) e com os sodilatação (em até 40%) e os reflexos pulmonares respon-
membros inferiores pendentes. Como tratamentos farma- sáveis pela dispneia; deve ser usada com cautela e em am-
cológicos, têm-se: biente com condições para intubação traqueal, pois pode
determinar a exacerbação do broncoespasmo pela libera-
A - Oxigênio ção da histamina ou narcose por diminuição do estímulo
Deve ser administrado por máscara facial com fluxo de 5 respiratório (o antídoto específico é o naloxona, que pode
a 10L/min a todos os pacientes para correção da hipoxemia; ser administrado na dose de 0,4mg a cada 3 minutos). Náu-
quando o método não é eficaz, pode-se associar ao uso de seas e hipotensão podem ocorrer.
pressão positiva (CPAP de 5 a 10cmH2O ou BIPAP – pressão A morfina, a furosemida e o nitrato são as drogas de 1ª
positiva em 2 níveis em via aérea). Essas 2 opções terapêu- escolha no tratamento do EAP. Essas medidas conseguem
104
EDEMA AGUDO PULMONAR
CARDIOLOGIA
Em pacientes com EAP e sinais de redução do débito
- O tratamento passa por vasodilatadores arteriolares e venosos,
cardíaco (hipoperfusão periférica, hipotensão, rebaixamen- diuréticos e inotrópicos;
to do nível de consciência), são indicados inotrópicos posi-
- O emprego do CPAP está associado à redução do número de
tivos como a dobutamina, além de monitorização hemodi- intubações e do tempo de internação hospitalar, além de de-
nâmica. terminar redução da mortalidade.
E - Outras terapêuticas
- Nesiritida (BNP humano recombinante): ainda em
estudo, sua infusão resulta em natriurese, diminuição
das pressões de enchimento cardíaco e aumento do
índice cardíaco. Porém, ainda não há dados confiáveis
sobre a alteração de função renal e a mortalidade nos
pacientes. O uso em classes funcionais avançadas de
IC foi associado a uma melhora da sintomatologia do
quadro, porém, a mortalidade aumentou.
105
CARD I OLOG I A
CAPÍTULO
Hipertensão pulmonar
12 José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
106
HIPERTENSÃO PULMONAR
CARDIOLOGIA
como a hiperviscosidade associada à poliglobulia, também sóricos pulmonares estão 3 a 4 vezes maiores que o nor-
contribuem para a HP. A DPOC é a causa mais importante de mal. Os sintomas mais comuns são dispneia aos esforços,
HP não reversível. síncope e dores torácicas inespecíficas (musculoesquelé-
As patologias do átrio esquerdo e do território venoso ticas, pleuríticas ou anginosas). Muitas vezes, a piora dos
pulmonar, comumente, também resultam em HP. Lesões sintomas clínicos é atribuída à progressão da doença de
das válvulas aórtica ou mitral, cardiomiopatias e insuficiên- base, como a DPOC, e não à progressão da HP, permitindo
cia coronariana podem determinar elevação das pressões a progressão desta por meses ou anos. Sintomas mais tar-
em câmaras esquerdas. A hipertensão atrial esquerda é dios aparecem na falência ventricular direita com edema
transmitida aos vasos pulmonares e às câmaras direitas, periférico, ascite e fadiga.
pois a pressão de artéria pulmonar deve elevar-se para
permitir o fluxo sanguíneo anterógrado por meio da árvore B - Exame físico
vascular pulmonar. Doenças da caixa torácica, como cifoes-
Os achados de exame físico podem ser agudos ou in-
coliose, doenças neuromusculares, apneia do sono e fibro-
dicar a causa da HP. Um aumento da intensidade do com-
se pleural representam uma pequena porção das causas de
ponente pulmonar da 2ª bulha não está sempre presente.
HP. A hipóxia crônica dessas condições clínicas associadas à
Um estalido de abertura pode ser ouvido como consequên-
hipoventilação determina a HP.
cia da interrupção da abertura da válvula pulmonar. Pode
Tromboembolismo pulmonar e anemia falciforme re-
ocorrer, com frequência, um sopro mesossistólico pulmo-
sultam, em último caso, em obstrução mecânica da luz dos
nar. Em situações extremas, pode-se palpar o batimento
vasos pulmonares, mas não em anormalidades intrínsecas
do ventrículo direito na borda esternal esquerda. Outros
per se.
achados, como insuficiência tricúspide e pulmonar, pres-
De forma genérica, as diferentes categorias determinam
são venosa jugular elevada, ascite, refluxo hepatojugular,
lesão vascular endotelial. Uma vez iniciadas, as alterações
hepatomegalia, fígado pulsátil e edema periférico, são va-
endoteliais geram reatividade vascular diminuída, ativação
riáveis, e a severidade deles se correlaciona com a gravi-
trombótica e proliferação de células musculares lisas, fibro-
dade da HP.
blastos e perpetuação da inflamação. Ao longo do tempo,
tais alterações se perpetuam, aumentando a pressão da ar- Nem sempre é fácil ouvir o sopro da insuficiência tri-
téria pulmonar por diminuição da vasodilatação regional e cúspide, mesmo em pacientes com insuficiência moderada
formação de trombos. ou severa. Além disso, com o aumento da pressão do átrio
direito, a variação respiratória do sopro da insuficiência tri-
cúspide pode estar ausente, falseando o diagnóstico de in-
3. Diagnóstico suficiência mitral. Diferentemente do sopro da insuficiência
Na história clínica, alguns dados auxiliam na elucidação mitral, o sopro da insuficiência tricúspide não é audível na
etiológica. O uso de drogas anorexígenas, intravenosas, axila.
crack ou cocaína pode apontar a causa. A história de trom- Achados do parênquima pulmonar ou de sopros dias-
bose venosa profunda ou história familiar de trombofilias tólicos de estenose mitral facilitam a pesquisa etiológica
aumenta o grau de suspeita para causa tromboembólica. por indicarem a provável causa da HP. Cianose e baquetea-
O acometimento paralelo do fígado, pele ou articulações mento digital geralmente indicam cardiopatias congênitas,
aponta para uma causa associada ao colágeno. na ausência de patologia pulmonar. Um sopro sistólico ou
São critérios essenciais para o diagnóstico: contínuo nos campos pulmonares indica HP tromboembó-
- Sobrecarga ventricular direita; lica ou estenose congênita de artéria pulmonar. A artrite,
- Aumento da intensidade do componente pulmonar da rash cutâneo ou outras alterações de pele podem indicar
2ª bulha cardíaca; doenças reumatológicas de base.
- Onda A jugular elevada; Rigorosamente, o mecanismo do hipocratismo digital
- Evidência eletrocardiográfica de hipertrofia ventricular (baqueteamento) permanece desconhecido, porém, diver-
direita; sas teorias foram propostas para explicar sua patogenia. A
- Pressões de artéria pulmonar elevadas ao ecocardio- presença de shunts intra ou extrapulmonares permitiria a
grama ou à cateterização cardíaca. liberação para a periferia de substâncias vasodilatadoras. A
107
CARD I OLOG I A
Figura 1 - ECG demonstrando desvio do eixo elétrico para a direita, ondas P apiculadas, ondas R dominantes em V1, S profundas em V6 e
inversão de onda T em DII, DIII, aVf, V1 a 3, demonstrando sinais de sobrecarga ventricular direita em mulher portadora de estenose mitral
por febre reumática
B - Radiografia de tórax
A radiografia de tórax pode auxiliar na suspeita diagnóstica de HP. Infelizmente, as alterações sugestivas da doença ocor-
rem tardiamente em seu curso. Isso é válido para sinais como a proeminência de vasos pulmonares proximais, assim como
o preenchimento do espaço retroesternal pelo ventrículo direito na projeção lateral. Congestão venosa e aumento do átrio
esquerdo e da área cardíaca dirigem a pesquisa etiológica para causas de câmaras esquerdas. Hiperinsuflação sugere DPOC,
enquanto cifose ou escoliose podem indicar causas restritivas para HP. Vale lembrar que a radiografia normal não afasta a
possibilidade de HP, mesmo em estágios avançados da doença.
108
HIPERTENSÃO PULMONAR
CARDIOLOGIA
causas de câmaras esquerdas, como estenose mitral, insu-
ficiência ventricular esquerda e causas congênitas. A análi-
se do Doppler pode sugerir refluxo tricúspide importante,
mesmo na ausência de sopro audível.
109
CARD I OLOG I A
A - Glicosídeos cardíacos
O valor da digoxina na recuperação da função ventricu-
lar direita não é comprovado, embora a droga seja bastante
utilizada. O risco de intoxicação sobrepõe-se ao seu benefí-
cio, principalmente em se tratando de pacientes hipoxêmi-
cos e daqueles em uso de diuréticos, nos quais hipocalemia
é frequente.
B - Oxigênio
Entre os pacientes hipoxêmicos com HP primária ou se-
Figura 4 - Investigação de hipertensão pulmonar cundária, a oxigenoterapia é mandatória, e, quanto àqueles
110
HIPERTENSÃO PULMONAR
de etiologia indefinida, o benefício não é estabelecido. Po- venosa (PGI2 – epoprostenol), administrada durante a mo-
rém, muitas vezes, durante o exercício, os pacientes apre- nitorização com o cateter de Swan-Ganz. Esse agente é útil
sentam hipoxemia, sendo necessária, de qualquer forma, devido à sua meia-vida curta (de 3 a 5 minutos), e sua infu-
a suplementação. E pessoas com insuficiência ventricular são contínua tem tido resultados satisfatórios em pacientes
direita e hipóxia devem receber suplementação contínua. com HP primária, como melhora na sobrevida e na classe
funcional. Além disso, pode ser aplicada por via central em
C - Diuréticos infusão contínua. A apresentação farmacológica para uso
inalatório (iloprosta) ou subcutâneo já está disponível. Até
CARDIOLOGIA
O edema periférico e a congestão hepática podem
o momento, compreende o tratamento mais efetivo na HP
acompanhar a HP e apresentam melhora com o uso de diu-
de origem vascular intrínseca.
réticos, correndo o risco de redução intensa da pré-carga
ventricular e disfunção cardíaca aguda; daí o uso criterio-
G - Transplante
so dessa medicação. O controle bioquímico dos pacientes
deve ser rigoroso pelo risco de potencialização de eventos Apesar de a experiência com transplante estar aumen-
fatais como a hipóxia. tando, algumas causas, como a HP associada a tromboem-
bolismo, apresentam melhora após o tratamento cirúrgico
D - Anticoagulação da artéria pulmonar. Os resultados com transplante pulmo-
nar também têm demonstrado benefício, com sobrevida de
A anticoagulação por período prolongado é indicada aos
95% dos casos em 1 ano e de 50% em 5 anos, e só se apli-
pacientes com causa tromboembólica da HP e destinada
cam aos casos em que a causa secundária de HP não incida
aos demais casos quando o seu emprego se associa à redu-
sobre o novo órgão transplantado.
ção de mortalidade. A HP primária predispõe a trombose
in situ na árvore pulmonar, e os pacientes com HP severa,
H - Outras formas de tratamento
geralmente, são sedentários ou restritos ao leito, o que au-
menta o risco de fenômenos trombóticos. Em pacientes com forame oval patente, a sobrevida na
vigência de HP parece ser maior devido ao shunt direito-es-
E - Vasodilatadores querdo. Assim, a septostomia atrial por cateter ou cirúrgica
pode ser aplicada em alguns casos de alguns pacientes que
Os vasodilatadores mais efetivos são os bloqueadores
aguardam transplante.
de canais de cálcio. Nenhuma droga disponível tem ação
seletiva na árvore pulmonar, e os efeitos sistêmicos podem
I - Antagonistas do receptor de endotelina
levar à hipotensão severa. O objetivo do tratamento é re-
duzir a pós-carga ventricular direita e a HP, melhorando o Melhoram a tolerância ao exercício, o débito cardíaco e
débito cardíaco. Cerca de 25% dos pacientes têm resposta diminuem a Pressão Arterial Pulmonar (PAP) por bloquea-
com nifedipina (de 30 a 240mg/dia) ou diltiazem (de 120 a rem a ação vasoconstritora desta substância. São exemplos
900mg/dia). Em alguns casos, a hipertrofia ventricular direi- o bosentana e o sitaxentana.
ta diminui; em outros, há melhora do débito cardíaco sem
redução da HP. A classe funcional desses pacientes melho- J - Inibidores de fosfodiesterase
ra, porém, é incerto o efeito na sobrevida. O mais conhecido é o sildenafila, na dose de 20mg, de
Testes com prostaciclinas intravenosas têm sido eficazes 8/8 horas. Melhora a oxigenação arterial, a capacidade ao
em identificar os pacientes que respondem ao tratamento exercício e diminui a resistência vascular pulmonar e a PAP.
oral com bloqueadores de canais de cálcio. Outros agentes,
como acetilcolina, óxido nítrico inalatório e adenosina são
agentes úteis de curta duração para determinar a reatividade 8. Prognóstico
vascular durante o cateterismo de câmaras direitas. Quan- A causa de base da HP é o principal determinante da
do é definida a resposta do paciente a vasodilatadores que evolução da doença. Quando o tratamento da causa é
podem ser titulados, troca-se por agentes de mesma classe possível e efetivo, a HP apresenta melhora sensível na so-
de longa duração. Devem ser introduzidos gradativamente e brevida. O prognóstico varia de indivíduo para indivíduo,
mantidos na dose máxima tolerada. Independente da droga dependendo do tempo de diagnóstico e da intensidade da
utilizada, o uso deve ser feito de forma monitorizada, pois os doença. O grau de reatividade vascular presente também
efeitos colaterais do tratamento, como a hipotensão, podem determina o prognóstico.
ser fatais. Com frequência, a monitorização com cateter de A sobrevida entre pacientes com HP primária depende
Swan-Ganz é utilizada para ajuste fino das drogas. de vários fatores e é de difícil previsão. A causa mais fre-
quente de morte é a insuficiência ventricular direita em 2/3
F - Prostaciclina dos casos, seguida de morte súbita e pneumonia, e a sobre-
Pacientes com HP podem ser mais bem tratados com vida média é de 10 anos. Pacientes com pressão de artéria
medicações de curta duração, como a prostaciclina intra- pulmonar média acima de 85mmHg têm sobrevida de 1 ano
111
CARD I OLOG I A
9. Resumo
Quadro-resumo
- A elevação da pressão da artéria pulmonar determina a sobre-
carga ventricular direita, geralmente por redução do calibre
das arteríolas pulmonares e/ou aumento do fluxo sanguíneo
pulmonar;
- A HP é via final comum de várias patologias pulmonares primá-
rias, assim como de doenças sistêmicas;
- O quadro clínico não é específico, o que dificulta o diagnóstico
no seu início; dor torácica, dispneia aos esforços e síncope. Nas
fases mais tardias, ocorre IC direita;
- O tratamento baseia-se em oxigenoterapia, diuréticos e vasodi-
latadores pulmonares como bloqueadores de canais de cálcio.
Alternativas terapêuticas recentes são o sildenafila e o bosen-
tana.
112
CAPÍTULO
Valvulopatias
13 José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
A - Introdução
A EA decorre do estreitamento no orifício valvar causado pela falência dos folhetos valvares de se abrirem normalmente
(Figura 2). A redução do orifício valvar produz uma perda de energia na impulsão do volume sistólico, e ocorre fluxo tur-
bulento que determina aumento do trabalho cardíaco e da pós-carga ventricular. Como consequência, surge a hipertrofia
ventricular esquerda, o principal mecanismo compensatório da estenose. O diagnóstico é confirmado por meio de história
clínica e exame físico, de ecocardiograma e cateterismo cardíaco. As causas principais de EA são válvula bicúspide congênita,
EA congênita, degeneração valvar com calcificação dos folhetos sem fusão das comissuras e febre reumática. Essas últimas
2 causas são responsáveis por cerca de 70% dos casos.
113
CARD I OLOG I A
114
VALVULOPATIAS
C - Exames diagnósticos
- Eletrocardiograma: com a hipertrofia ventricular concêntrica, ocorrem aumento da voltagem do QRS, sobrecarga atrial
esquerda e alterações da onda T e do segmento ST. No entanto, nenhum achado é sensível ou específico no diagnóstico
da EA;
CARDIOLOGIA
Figura 3 - Bloqueio de ramo esquerdo em paciente com queixa de síncopes aos esforços e episódios de dor precordial; identificada esteno-
se aórtica grave em exames subsidiários
115
CARD I OLOG I A
como ponte até a troca definitiva em pacientes hemodina- é uma das poucas condições da cirurgia cardíaca em que o
micamente instáveis, que são de alto risco cirúrgico. procedimento cirúrgico iguala a mortalidade dos pacientes
c) Troca valvar por angioaortografia à da população em geral. Deve-se lembrar que não é a idade
um fator que influencia os desfechos, mas a sintomatologia.
Já existe disponível a técnica de troca valvar por via en-
dovascular. Este procedimento é mais indicado para os pa-
F - Prognóstico
cientes com EA grave e alto risco da troca valvar cirúrgica.
A história natural da EA é bem conhecida. Quando os
E - Tratamento cirúrgico sintomas surgem, a doença passa a ser fatal, com morta-
a) Troca de válvula aórtica lidade de 75% em 3 anos. A sobrevida após o tratamento
cirúrgico em 10 anos é de 75%, com maior benefício para os
A troca de válvula aórtica é indicada quando, na EA gra-
pacientes mais idosos.
ve associada, há sintomas clássicos da doença, pois 50% dos
pacientes morrem em 5 anos se não tratados com cirurgia.
Quanto aos pacientes assintomáticos, a única indicação é 2. Insuficiência aórtica
para aqueles com estenose grave e disfunção ventricular
As principais características da Insuficiência Aórtica
(FE <50%). A nova válvula pode ser biológica ou mecânica.
(IA) são:
Os fatores mais relacionados a piores taxas de sobrevivên-
cia são ICC CF III e IV (NYHA) e FA no pré-operatório. - Após longo período sem sintomas, apresentação com
insuficiência cardíaca ou angina;
b) Troca de válvula aórtica em doença avançada - Pressões sistólica elevada e diastólica reduzida, mani-
Geralmente, há recuperação marcante da fração de eje- festando-se pelo aumento da pressão de pulso (PASIST
ção após a cirurgia. Ocorre, progressivamente, melhora da – PADIAST);
hipertrofia, da função contrátil e da fração de ejeção.
- Dilatação ventricular esquerda e hipertrofia com fun-
c) Efeitos da idade ção preservada;
Mesmo os pacientes mais idosos podem beneficiar-se - Diagnóstico e severidade avaliados por ecocardiogra-
da cirurgia. A troca valvar em pacientes acima de 65 anos ma ou angiografia.
116
VALVULOPATIAS
CARDIOLOGIA
b) Insuficiência aórtica aguda podem ocorrer. Na apresentação aguda, taquicardia
sinusal pode ser a única alteração. Nos casos de endo-
Quando ocorre insuficiência valvar aguda, não há tem-
cardite bacteriana, a inflamação ou a formação de abs-
po para adaptação ventricular, determinando aumento da cesso pode acometer o nó atrioventricular, resultando
pressão hidrostática nas câmaras esquerdas, resultando em em bloqueio progressivo atrioventricular;
edema agudo de pulmão. A taquicardia e a vasoconstrição
periférica reflexas determinam piora da IA.
- Radiografia de tórax: os achados não são específicos
e refletem o aumento da área cardíaca e da vasculari-
zação pulmonar. No quadro agudo, é frequente a con-
C - Quadro clínico gestão pulmonar, e pode haver alargamento da aorta
ascendente na vigência de dissecção;
a) IA crônica
- Ecocardiograma: é o método de escolha na avaliação
Por um período prolongado, os portadores de IA crô- da IA. Além de avaliar a gravidade, a técnica transeso-
nica são assintomáticos. Palpitações são frequentes, e an- fágica pode identificar a etiologia. Ao Doppler, o fluxo
gina pode ocorrer por associação de doença coronariana. anormal diastólico originado na válvula aórtica atribui
Quando acontece a insuficiência ventricular esquerda, alta sensibilidade e especificidade ao exame, mesmo
surgem os sintomas de dispneia aos esforços e fadiga; nas na ausência de sopro audível. É de grande utilidade nos
fases mais avançadas, ortopneia e dispneia paroxística no- quadros agudos, em que a detecção clínica do sopro
turna. Ao exame físico, batimentos cardíacos visíveis são não é frequente. Alterações estruturais da válvula aór-
comuns, e o pulso apical está aumentado e desviado para tica podem ser identificadas ao exame, como espessa-
baixo e para a esquerda. B4 pode ocorrer pela hipertro- mento da válvula, calcificações, alterações congênitas,
fia ventricular, e B3 pode ser identificada na insuficiência vegetações ou prolapso da válvula. Todas essas altera-
cardíaca. O sopro característico é leve, diastólico, decres- ções podem ser vistas no exame transtorácico, porém
cente, mais bem ouvido no 3º espaço intercostal ao longo a via transesofágica aumenta ainda mais a sensibilida-
da borda esternal esquerda, ao fim da expiração. Na pre- de do exame em situações de difícil diagnóstico, como
sença de doença da via de saída da aorta, o sopro pode na endocardite ou na dissecção de aorta;
ser mais bem avaliado na borda direita esternal. Um sopro - Cateterismo cardíaco: antes do ecocardiograma, era o
de ejeção pode estar presente na área aórtica, devido ao exame de eleição para a avaliação da IA. Hoje, fica em
estado hiperdinâmico. Ocasionalmente, um sopro diastó- plano secundário, principalmente para os casos com
lico pode ser ouvido no ápice cardíaco, também chamado possibilidade de insuficiência coronariana associada.
sopro de Austin-Flint. A pressão arterial sistólica está au- Também é útil no planejamento cirúrgico para corre-
mentada, em virtude do alto volume sistólico, e a diastó- ção de dissecção aórtica;
lica, diminuída em razão do retorno de parte do volume - Ressonância magnética: está indicada para avaliação
sistólico injetado na aorta de volta para o ventrículo. Com do refluxo e dos diâmetros cavitários nos casos em que
a evolução da insuficiência cardíaca, estreitam-se as dife- o ecocardiograma é ineficiente;
renças pressóricas. - Outros achados laboratoriais: podem auxiliar no diag-
b) IA aguda nóstico da causa da IA. Leucocitose e VHS elevado su-
gerem causas inflamatórias, como endocardite ou aor-
A maior parte dos doentes é sintomática, e a apresen-
tite. Fator reumatoide positivo e anticorpos antinúcleo
tação clínica depende da causa de base da insuficiência. As
positivos sugerem doença reumatológica. A sorologia
causas mais frequentes são dissecção aórtica, endocardite
para sífilis também pode ser útil.
infecciosa e trauma. Fraqueza, dispneia e ortopneia são
comuns. O início dos sintomas é súbito, e o choque surge
quando a IA não é tratada. Como não há tempo para adap-
E - Tratamento
tação do ventrículo esquerdo, os sinais periféricos de IA são O tratamento depende da causa de base, da função car-
ausentes. Estertores bilaterais são frequentes no exame díaca e da presença ou não de sintomas. IA leve ou mo-
pulmonar, e o pulso apical não está desviado. B3 pode estar derada geralmente não demanda tratamento específico,
presente, e o sopro diastólico típico é curto na duração e de enquanto a IA aguda por dissecção da aorta é uma emer-
difícil identificação, sendo habitual a não detecção. gência médica.
117
CARD I OLOG I A
118
VALVULOPATIAS
CARDIOLOGIA
monar. ríngeo recorrente pelo átrio esquerdo aumentado ou pela
A principal causa de EM é o acometimento da válvula artéria pulmonar dilatada. Hemoptise pode acontecer por
por Febre Reumática (FR), com predomínio em mulheres hipertensão venosa pulmonar, podendo surgir de forma sú-
(65% dos casos), apesar de 50% dos pacientes não apresen- bita, e é possível que dor torácica decorra da hipertensão
tarem história prévia da doença. Outras causas são extre- pulmonar e da hipertrofia do ventrículo direito.
mamente raras.
b) Exame físico
Tabela 2 - Diagnósticos diferenciais de estenose mitral O estado geral dos pacientes é frequentemente inalte-
- Mixoma atrial; rado, no entanto, a insuficiência ventricular direita pode
- Disfunção de prótese valvar; determinar pulso jugular elevado com ondas A e V proemi-
- Trombo; nentes. O pulso apical é, em geral, normal ou diminuído por
- Neoplasia; função ventricular esquerda preservada e baixa pressão de
enchimento. Em decúbito lateral esquerdo, um murmúrio
- Grande vegetação bacteriana ou fúngica.
diastólico pode ser notado e exacerbado por expiração pro-
A FR pode produzir, na fase aguda, uma pancardite. Cor- funda, e sua intensidade tem relação com o gradiente trans-
pos de Aschoff no pericárdio são muito específicos da FR. O valvar. A 1ª bulha é hiperfonética, com estalido de abertura
acometimento da válvula mitral é a regra, podendo ocorrer, e sopro diastólico perto do ápice cardíaco.
também, o espessamento das comissuras, cúspides e da No início da doença, apenas uma B1 hiperfonética pode
cordoalha. ser percebida. Com a evolução da doença, a hiperfonese
A fibrose e a calcificação dos folhetos podem estender- desaparece.
-se até o anel valvar. Com a progressão da estenose, surge
o gradiente transvalvar através da válvula estenosada asso- D - Exames diagnósticos
ciada à contração atrial. - Eletrocardiograma: na fase precoce da doença, tem
pouca utilidade por ser usualmente normal. Na pro-
C - Quadro clínico gressão da doença, surge o aumento da onda P (onda
P larga e geralmente com entalhe no ápice – forma de
a) Sinais e sintomas M), e vários pacientes evoluem para FA. Com a piora
No início, os pacientes são, em geral, assintomáticos. É da HP, ocorrem o desvio do eixo para a direita e onda R
estimado que o prognóstico piore muito quando os sinto- maior do que S em V1;
mas se iniciam, pois a progressão de sintomas
leves até a disfunção severa, em média, aconte-
ce apenas 7 a 9 anos depois.
Em condições que aumentam o débito car-
díaco, há aumento do gradiente transvalvar,
com elevação da pressão do átrio esquerdo. A
congestão pulmonar subsequente, desencade-
ada por exercício, hipertireoidismo, gravidez,
fibrilação atrial e febre, determina a dispneia.
Em virtude do aumento do retorno venoso na
posição supina, podem ocorrer a pacientes com
doença moderada: ortopneia e dispneia paro-
xística noturna.
Com a progressão da doença, a pressão da
artéria pulmonar aumenta, elevando, propor- Figura 6 - ECG demonstrando onda P ampla e achatada (sugerindo hipertrofia atrial
cionalmente, a pressão capilar pulmonar. esquerda) e extrassístoles ventriculares isoladas em mulher de 40 anos, com queixa
A inflamação reumática valvar pode também de palpitações e dispneia aos esforços; a ausência de sinais de sobrecarga ventricu-
estender-se aos átrios, causando alterações es- lar esquerda reduz a chance de IC sistólica, reforçando a possibilidade de EM
119
CARD I OLOG I A
E - Tratamento
a) Tratamento clínico
120
VALVULOPATIAS
CARDIOLOGIA
ção, e os pacientes se tornam sintomáticos após 16 anos
Após cirurgia valvar Por toda a vida I-C do início da doença. Entre eles, 84% morreram por causa
cardíaca ocasionada por insuficiência ventricular direita,
Pacientes com EM têm risco aumentado para endocar-
edema pulmonar refratário, fenômenos tromboembólicos,
dite bacteriana, sendo indicada profilaxia para certos pro-
endocardite, infarto do miocárdio e morte súbita. Com a
cedimentos, como extração dentária.
progressão dos sintomas moderados para severos, o prog-
O manuseio clínico da EM entre os pacientes em ritmo
nóstico piora rapidamente. Com o tratamento clínico angio-
sinusal é limitado. O uso de diuréticos e restrição sódica é
gráfico e cirúrgico, é possível a melhor evolução da doença.
indicado aos casos de congestão pulmonar. Digitálicos em
pacientes com ritmo sinusal não agregam benefício, exceto
na presença de disfunção ventricular. Beta-bloqueadores 4. Insuficiência mitral
podem, significativamente, diminuir o débito cardíaco e a As principais características da Insuficiência Mitral (IM)
frequência, determinando queda do gradiente transvalvar. são:
Apesar de lógica, a terapia com tal grupo de drogas aponta - Dispneia ou ortopneia;
resultados conflitantes, ficando reservados para pacientes
sintomáticos aos esforços. Anticoagulação é benéfica a ca-
- Sopro sistólico apical;
sos com ritmo sinusal e evento embólico prévio ou portado-
- Refluxo valvar mitral do ventrículo para o átrio ao eco-
cardiograma.
res de átrios maiores que 55mm ao ecocardiograma (classe
IIb).
Quando há a associação de EM e FA, o tratamento
oferece maiores benefícios por controlar o risco de even-
tos embólicos. A FA é mal tolerada nesses doentes por
haver a perda do enchimento ventricular esquerdo com a
sístole atrial e o aumento da frequência cardíaca. O con-
trole da frequência pode ser atingido com o uso de beta-
-bloqueadores, digital ou bloqueadores de canais de cálcio.
A cardioversão elétrica ou química deve ser aplicada com
anticoagulação adequada. O uso de antiarrítmicos, como a Figura 9 - Fonocardiograma da insuficiência mitral (SPS – sopro
amiodarona, após a reversão a ritmo sinusal, previne novo protossistólico)
evento de FA em aproximadamente 70% dos pacientes por
ano de reversão da arritmia. Aos pacientes que não man-
têm ritmo sinusal, é indicada a anticoagulação. A - Introdução
b) Valvulotomia mitral com balão Qualquer alteração que cause dilatação ventricular es-
Permite a separação e a fratura dos pontos de calcifica- querda pode determinar o desalinhamento dos músculos
ção na válvula. Além disso, é recomendada aos pacientes papilares, prejudicando a sua função e dilatando o anel
sintomáticos ou assintomáticos com hipertensão pulmonar, valvar, causando a IM. O infarto miocárdico envolvendo
estenose moderada a severa (área valvar <1,5cm2), anato- o músculo papilar ou a parede ventricular que o suporta
mia adequada determinada pelo ecocardiograma (escore pode determinar insuficiência pelo mesmo mecanismo. A
de Wilkins-Block ≤8), sem trombo atrial ou refluxo mitral ruptura da cordoalha valvar pode ocorrer, em especial, em
moderado a importante (minoria dos pacientes). Antes de pacientes com hipertensão ou prolapso valvar mitral.
realizar a valvotomia por balão, deve-se assegurar que não As doenças mais comuns que determinam a IM são a
exista trombo no átrio esquerdo, que é uma contraindica- doença reumática cardíaca e a degeneração mixedemato-
ção ao procedimento pelo risco de embolização sistêmica. sa do prolapso valvar. A endocardite pode destruir os fo-
lhetos valvares, e a calcificação do anel valvar, prejudicar a
c) Tratamento cirúrgico contração sistólica do anel, causando IM. A dilatação atrial
Há 3 opções cirúrgicas terapêuticas para EM: comissu- esquerda de qualquer causa também pode determinar a IM
rotomia fechada, aberta e troca por prótese valvar. A subs- (Figura 10). Alguns casos apresentam vários desses fatores
tituição valvar é indicada a pacientes muito sintomáticos e concomitantemente.
121
CARD I OLOG I A
A IM pode ser dividida em causas orgânicas ou funcionais, como mostra a Tabela 4. As causas orgânicas usualmente
acometem a válvula diretamente, enquanto as causas funcionais têm origem atrial e deixam a válvula intacta.
Tabela 4 - Causas orgânicas e funcionais de IM não se adapta ao regime de pré-carga elevada, entrando
Causas orgânicas de IM em falência. A descompensação aguda de IM crônica tam-
- Degeneração mixedematosa (Prolapso Mitral – PM); bém é possível.
- Febre reumática;
- Endocardite infecciosa;
B - Quadro clínico
- Ruptura espontânea de corda tendínea;
a) Sintomas e sinais
- Trauma cardíaco.
Na IM crônica, a história em geral sugere a causa, fre-
Causas funcionais de IM quentemente FR, insuficiência coronariana ou miocardio-
- Insuficiência coronariana; patia. O sintoma mais comum da IM crônica é a dispneia
- Cardiomiopatia hipertrófica ou dilatada; progressiva, inicialmente aos esforços, progredindo para
- Dilatação atrial esquerda. dispneia paroxística noturna e ortopneia. Também pode
ocorrer edema periférico, assim como fibrilação atrial, ge-
Na IM crônica, a forma mais comum de apresentação, rando queixa de palpitação ou outros distúrbios de ritmo.
a IM piora progressivamente de acordo com a evolução da Pode haver, ainda, dor torácica atípica e até crises de pâni-
doença de base. Nessa situação, o miocárdio é apto a adap- co. A IM aguda geralmente é acompanhada de congestão
tar-se ao refluxo valvar, sendo que o aumento da pressão pulmonar exacerbada e súbita, com dispneia acentuada.
atrial esquerda determina dilatação atrial, acompanhada
de hipertensão pulmonar subsequente. Como o volume de b) Exame físico
refluxo atrial retorna para o ventrículo na diástole conjunta- - IM crônica: nessa situação, a frequência cardíaca pode
mente com o volume sistólico normal atrial, há sobrecarga estar aumentada por FA ou insuficiência cardíaca. O
ventricular esquerda que evolui com miocardiopatia ventri- pulso carotídeo, em geral, é curto e de baixa amplitu-
cular dilatada hipertrófica excêntrica. Inicialmente, não há de. A avaliação da pressão arterial mostra a PA pinça-
impacto clínico, pois o ventrículo é capaz de compensar a da. Sinais de insuficiência cardíaca podem estar pre-
sobrecarga. Com a progressão da IM, a dilatação ventricular sentes (edema periférico, ritmo de galope, congestão
sofre desadaptação, e a insuficiência cardíaca se manifesta. pulmonar), e o aumento do ventrículo esquerdo pode
A apresentação clínica da IM aguda é diferente, pois não gerar intensificação do pulso apical. A 1ª e a 2ª bulhas
há tempo para a adaptação ventricular, geralmente ocor- são normais na vigência de hipertensão pulmonar, e
rendo congestão pulmonar aguda por aumento das pres- a 3ª bulha pode ser comumente observada devido à
sões atriais e pulmonares. O ventrículo esquerdo também sobrecarga volêmica, mas não necessariamente ca-
122
VALVULOPATIAS
racteriza insuficiência cardíaca. Já a 4ª bulha é rara. dado muito importante de estudos recentes mostra que
O sopro característico é holossistólico e mais bem ob- mesmo pacientes assintomáticos sem tratamento devem
servado no ápice cardíaco com irradiação para a axila. realizar ecocardiograma. Nesses casos, um orifício valvar
No PM, o sopro pode ser “em crescendo” e tardio na >40mm2 associa-se a maior mortalidade.
sístole, acompanhado de estalido mesossistólico de - Medicina nuclear: a avaliação por cintilografia mostra
abertura; a estimativa da fração de ejeção que reflui para o átrio
- IM aguda: os achados de exame físico são mais varia- esquerdo, permitindo avaliar o quanto do volume sis-
dos. Com o aumento agudo da pressão do átrio es- tólico efetivo é atribuído ao volume que reflui para o
CARDIOLOGIA
querdo, há equalização das pressões entre as câmaras, átrio. Tal fração do volume sistólico está relacionada
determinando queda do gradiente de pressão trans- com o prognóstico. A avaliação de isquemia miocárdi-
valvar. Surge, então, um sopro sistólico precoce e não ca por cintilografia também auxilia no manuseio da IM.
mais holossistólico, característico da disfunção crônica No entanto, o exame angiográfico para a confirmação
da IM. A congestão pulmonar, invariavelmente, acom- do diagnóstico de insuficiência coronariana é o indica-
panha o quadro, podendo haver sinais de insuficiência do, também, para a definição desse diagnóstico;
cardíaca direita;
- Cateterismo cardíaco: raramente necessário, é mais
- Doença valvar mista: pacientes com IM de etiologia utilizado para investigação de insuficiência coronaria-
reumática habitualmente podem apresentar um com- na e avaliação do risco cirúrgico envolvido na correção
ponente de insuficiência e estenose mitral (dupla le- da IM. Também permite a avaliação das pressões do
são valvar) ou vir acompanhada de outra lesão valvar,
sistema, identificando hipertensão pulmonar.
como a IA. O curso clínico da dupla lesão valvar é se-
melhante ao curso da IM, e o tratamento é semelhan-
te. A IA pode ocorrer tanto por dilatação ventricular
C - Diagnóstico diferencial
como por acometimento direto da doença de base so- Como a manifestação clínica da IM é comum a outras
bre a válvula. Nessa situação, há piora da sobrecarga patologias, o exame físico passa a ser de grande importân-
ventricular, e a evolução para insuficiência cardíaca se cia para o diagnóstico diferencial. O sopro da Insuficiência
acelera. Tricúspide (IT), por exemplo, pode ser percebido no ápice
cardíaco, em especial se há aumento do ventrículo direito.
c) Exames diagnósticos
O diagnóstico diferencial inclui o achado de aumento do so-
- Eletrocardiograma: a IM crônica pode vir acompanha- pro com a inspiração, ondas V amplas no pulso jugular, des-
da de sinais de sobrecarga ventricular esquerda, au-
vio de ventrículo direito e fígado pulsátil. Ambos os sopros,
mento do átrio esquerdo e, mais raramente, de sobre-
da IT e da IM, podem coexistir se há hipertensão pulmonar
carga ventricular direita. Pacientes com insuficiência
associada à IM. Nesse caso, o sopro da IT é mais bem per-
coronariana podem apresentar isquemia miocárdica.
cebido nos bordos esternais direito e esquerdo, e o sopro
O teste de esforço pode ser utilizado para definir a
mitral, da IM, no ápice cardíaco.
classe funcional do paciente, perdendo sensibilidade
O sopro da EA é frequentemente confundido com a IM,
para diagnóstico de doença coronariana em virtude da
sobrecarga ventricular já existente; especialmente quando o sopro desta é atípico e se irradia
para a região aórtica. O sopro da EA, em geral, irradia-se
- Radiografia de tórax: em casos de IM crônica, há o para a região cervical e é comumente acompanhado de B4,
aumento do ventrículo e do átrio esquerdos. Nos qua-
e não há mudança dinâmica do sopro com a inspiração. Ou-
dros severos, podem-se identificar o aumento do ven-
trículo direito e hipertensão pulmonar. Além disso, po- tra forma de diferenciar os 2 sopros é a inalação de almitri-
dem ocorrer sinais de congestão pulmonar e derrame na, potente vasodilatador, que potencializa o sopro aórtico
pleural. Já na IM aguda, há poucos sinais de sobrecarga e suaviza o sopro mitral.
ventricular; Um defeito no septo ventricular pode simular o sopro
- Ecocardiograma: o Doppler permite a identificação do da IM. O paciente com esse defeito tem aumento do ven-
refluxo sistólico pela válvula mitral para o átrio esquer- trículo direito, e frêmito pode ser palpado na caixa toráci-
do, confirmando o diagnóstico, além de poder graduar ca. O sopro da Cardiomiopatia Hipertrófica (CH) pode ser
a severidade da lesão. Permite, também, a avaliação confundido com o da IM, e o maior achado que diferen-
anatômica da válvula para definir onde ocorre o defei- cia tais sopros são a piora do sopro da CH na manobra de
to que possibilita o refluxo. Valsalva e a diminuição do sopro da IM com essa mesma
manobra.
A avaliação do tamanho do átrio e do ventrículo esquer- O sopro do PM pode ser de difícil diferenciação do so-
dos também possibilita estimar a gravidade da lesão. Curio- pro da CH, pois ambos se comportam da mesma forma
samente, a IM de intensidade leve ao ecocardiograma não nas manobras propedêuticas de diferenciação. No PM, em
está relacionada ao achado de sopro ao exame físico. Um geral há estalido mesossistólico, enquanto é perceptível
123
CARD I OLOG I A
a hipertrofia ventricular esquerda na palpação do tórax e Eventualmente, os pacientes com IM aguda ou crôni-
B4, na CH. ca moderadamente severa necessitam de cirurgia. O mo-
O grande diagnóstico diferencial da IM aguda é o Defei- mento certo para indicação cirúrgica é fundamental, pois
to de Septo Ventricular (DSV) porque a maioria acontece os pacientes que desenvolvem sintomatologia intensa, di-
na vigência do infarto do miocárdio. O frêmito palpável e o latação ventricular, disfunção ventricular (FE menor que
aumento do ventrículo direito são mais comuns. Outro sinal 30%) e hipertensão pulmonar não apresentam grande me-
importante é que a dispneia no DSV é menor do que na IM. lhora após a cirurgia. Por outro lado, caso sejam operados
mais cedo, é bem provável a recuperação para um quadro
D - Tratamento assintomático.
124
VALVULOPATIAS
E - Prognóstico
A IM crônica tem evolução semelhante à IA e EM crô-
nicas. A causa da IM influencia, também, o prognóstico;
pacientes com causa isquêmica associada têm prognóstico
pior, e a degeneração valvar mixedematosa tem o melhor
prognóstico. Já o da lesão associada à FR tem posição inter-
mediária. A ocorrência de endocardite muda o prognóstico,
CARDIOLOGIA
assim como a descompensação aguda de uma IM crônica.
E é pior o prognóstico na IM aguda com edema pulmonar e
sintomas severos.
125
CARD I OLOG I A
D - Estenose tricúspide
A ET é uma lesão incomum e usualmente acompanha a
estenose mitral, tendo como principal causa a reumática. O
acometimento isolado da válvula é raro. Pode ter etiologia
congênita e surgir após tratamento com metisergida.
E - Achados clínicos
Figura 12 - Registro da onda pressórica do pulso venoso jugular e
a) Sinais e sintomas suas relações com o complexo QRS e o fonocardiograma
O reconhecimento clínico da doença é difícil e, em
geral, obscurecido pela doença associada. Os achados - Ausculta cardíaca da IT: quando o ventrículo direito é
mais frequentes são sintomas não considerados de ori- muito dilatado, a localização do sopro pode ser deslo-
cada para a esquerda, sugerindo IM. O aumento inspi-
gem cardíaca: dor abdominal, icterícia, perda de peso e
ratório do sopro holossistólico em foco tricúspide é a
inanição. As queixas cardiológicas, usualmente, estão as-
marca dessa disfunção valvar. Quando a insuficiência
sociadas a outras disfunções valvares. Já a história, nor-
ventricular direita é marcante, pode não ocorrer au-
malmente, é pobre, e o exame físico fornece mais dados
mento do sopro com a inspiração. Geralmente, não se
para o diagnóstico. palpa o frêmito cardíaco;
b) Exame físico - Ausculta cardíaca da ET: um estalido de abertura da
- Pulso venoso jugular: a pressão atrial direita pode válvula tricúspide é de difícil diferenciação com rela-
ser estimada por meio do pulso venoso jugular. Há ção ao estalido de abertura da válvula mitral. O sopro
da ET aumenta com a inspiração, pode ser mais bem
3 ondas (A, C, V) ascendentes e 2 (X e Y) descenden-
avaliado na borda esternal esquerda e, geralmente, é
tes. A onda A e a 1ª descendente (X) são produzidas,
rude. Ambas as disfunções valvares podem determinar
respectivamente, por contração e relaxamento atrial.
disfunção hepática pelo aumento da pressão venosa
A onda X é interrompida pela onda C, que é causada no território da cava inferior.
pela contração isovolumétrica do ventrículo direito
com projeção em direção ao átrio, devido ao fecha- F - Exames diagnósticos
mento da valva tricúspide (alguns autores acreditam
que a onda C se relaciona à transmissão de pressão a) Eletrocardiograma
do pulso carotídeo na sístole ventricular). A onda V Ondas P características de aumento atrial direito sem
representa o enchimento atrial passivo, estando a evidência de sobrecarga ventricular direita sugerem ET, e a
valva tricúspide fechada; o cume dessa onda corres- FA é frequente.
ponde à abertura da valva tricúspide, que acontece
b) Radiografia de tórax
no momento do fechamento da valva pulmonar (2ª
A cardiomegalia ocorre na ET com uma borda cardía-
bulha). A doença valvar tricúspide é, tipicamente,
ca direita proeminente em virtude do aumento do átrio
associada ao aumento da pressão venosa central,
direito e dilatação das veias cava superior e ázigo. Na IT,
que pode ser identificado através da análise do pul-
podem ocorrer derrame pleural e elevação do diafragma
so jugular. Na IT, ocorrem uma onda mesossistólica por ascite.
S e uma onda Y proeminente (passagem rápida de
todo sangue proveniente do retorno venoso somado c) Ecocardiograma
ao sangue que refluiu do ventrículo direito na sístole Exame de escolha permite definir se existe associação
devido à incompetência da valva tricúspide, levando entre outra doença, como o mixoma atrial, e a patologia pri-
a queda rápida da pressão atrial). Na ET, a onda A mária da válvula. Na IT, o exame evidencia sobrecarga ven-
torna-se muito proeminente, e a Y muito discreta (o tricular direita e movimentação paradoxal do septo, permi-
sangue encontra dificuldade de passar do átrio para tindo estimar o gradiente transvalvar. A válvula encontra-se
espessada e com mobilidade diminuída na ET.
o ventrículo direito).
d) Cateterismo cardíaco
A seguir, a Figura 12 demonstra as ondas do pulso veno-
Na IT e na ET, é possível identificar ondas características
so jugular normais e sua relação com o complexo QRS e o que compõem o pulso venoso jugular.
fonocardiograma.
126
VALVULOPATIAS
CARDIOLOGIA
prótese biológica ou metálica. Já a correção cirúrgica da IT é
de indicação mais difícil. Comumente, é indicada interven- Como na doença tricúspide, os sintomas da doença pul-
ção quando a valva mitral tem indicação de abordagem ou monar podem ser súbitos e associados à doença de base.
quando o paciente apresenta sintomas. Pacientes com IP são frequentemente assintomáticos, ex-
ceto quando surge a HP, e indivíduos com EP também não
apresentam sintomas; nestes casos, ocorrem dispneia, dor
6. Insuficiência pulmonar e estenose pul-
torácica e fadiga quando se eleva o gradiente transvalvar.
monar Exame físico:
- São características da Insuficiência Pulmonar (IP): - Pulso venoso jugular: onda venosa jugular – a presen-
• Sopro diastólico na borda superior esquerda ester- ça de estenose pulmonar é sugerida por uma onda A
nal que aumenta com a inspiração; proeminente na vigência de uma pressão venosa cen-
• Desdobramento de 2ª bulha, hiperfonética no foco tral normal;
pulmonar; - Ausculta cardíaca: na IP, o componente pulmonar de
• Achados ecocardiográficos característicos. B2 é usualmente hipofonético porque a maior parte
dos doentes tem HP. Ritmo de galope e B3 podem
- São características da Estenose Pulmonar (EP) (Figura 13): ser encontrados na região paraesternal esquerda. Na
• Sopro sistólico no 2º espaço intercostal esquerdo ausência de HP, o sopro é de baixa frequência, dias-
precedido de click sistólico; tólico, com padrão crescente-decrescente, mais bem
• Desdobramento de 2ª bulha, hipofonética em foco avaliado no 3º ou no 4º espaço intercostal esquerdo. O
pulmonar; sopro de Graham-Steel ocorre na região paraesternal
• Achados ecocardiográficos característicos. esquerda entre o 2º e o 3º espaço intercostal, decres-
cente, indicando hipertensão pulmonar intensa. Na EP,
a B2 se desdobra proporcionalmente ao grau de este-
nose. O sopro pode estar associado ao frêmito, e o pul-
so do ventrículo direito pode ser palpado.
C - Exames diagnósticos
- Eletrocardiograma: tanto a EP quanto a IP podem de-
monstrar o aumento das câmaras cardíacas direitas.
O bloqueio de ramo direito, o desvio do eixo para a
direita e a hipertrofia ventricular direita são achados
típicos. EP leve ou moderada habitualmente apresenta
exame normal;
- Radiografia de tórax: aumento não específico do ven-
trículo direito e das artérias pulmonares pode ser ob-
Figura 13 - Representação de válvula pulmonar estenosada servado na EP;
- Ecocardiograma: determina a natureza, o local e a se-
veridade da estenose e da insuficiência. Além disso,
A - Introdução identifica sinais de HP;
A IP é frequente na vigência de hipertensão pulmonar, - Cateterismo cardíaco: desnecessário.
acontece por dilatação do anel valvar pulmonar e pode ser
precipitada por qualquer causa de HP. Também são causas D - Tratamento
a dilatação idiopática do tronco pulmonar e a síndrome de
Marfan. A endocardite bacteriana pode determinar IP por É raro que a IP necessite de tratamento específico; é
obstrução direta do anel valvar pela vegetação. Em geral, a melhorada com o tratamento de condições predisponen-
127
CARD I OLOG I A
E - Prognóstico
Geralmente, é muito bom. Quanto a pacientes com IP,
pode ser influenciado por fatores como a HP.
7. Resumo
Quadro-resumo
Estenose aórtica
- Sintomas de angina, dispneia aos esforços, síncope de esforço,
sopro sistólico ejetivo com irradiação para carótidas, pulso par-
vus e tardus;
- Tratamento com diuréticos, digitálicos, e vasodilatadores, exceto
IECA para EA grave e troca valvar ou valvoplastia por cateterismo.
Insuficiência aórtica
- Assintomático até palpitações e angina; evolução para IC com
dispneia e ortopneia; PA diastólica mais baixa;
- Sopro diastólico leve, decrescente no 3º EI; quando percebido no
ápice cardíaco, é chamado sopro de Austin-Flint;
- Segmento nos quadros leves e moderados; vasodilatadores, diu-
réticos e nitratos para controle dos sintomas, enquanto se aguar-
da a cirurgia para os casos mais sintomáticos.
Estenose mitral
- Dispneia ao esforço, ortopneia e dispneia paroxística noturna;
- Estalido de abertura, B1 hiperfonética e sopro diastólico ruflante;
- FA é frequente;
- Diuréticos e restrição de sal na congestão; valvulotomia mitral
com balão ou troca valvar.
Insuficiência mitral
- Dispneia progressiva, ortopneia, edema periférico;
- Sopro sistólico apical;
- Vasodilatadores, tratamento cirúrgico para descompensações de
repetição.
128
CAPÍTULO
14
Miocardites
José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
129
C ARD I OLOG I A
130
MIOCARDITES
H - Outros testes
A elevação do VHS está presente em por volta de 60%
dos pacientes com miocardite ativa. Se elevado, o VHS pode
ser útil monitorizando o curso da doença e a efetividade de
terapia. A precisão desse teste pode ser afetada por conges-
tão hepática coexistente ou hepatite; tais condições dimi-
nuem a síntese de fibrinogênio e reduzem o valor do VHS.
CARDIOLOGIA
Leucocitose moderada ocorre em, aproximadamente,
25% dos pacientes, juntamente com neutrofilia ou linfocito-
se e, ocasionalmente, eosinofilia, em especial em doenças
parasitárias. A porcentagem de eosinófilos também pode
aumentar na fase de recuperação de miocardite.
A fração CPK-MB é elevada em quase 6% dos pacientes,
nos quais o grau de elevação é proporcional aos danos dos
Figura 1 - Derrame pericárdico na miocardite miócitos. A troponina cardíaca é um marcador sensível e
específico para dano de miócito na miocardite. A medida
C - Ecocardiografia dos títulos de anticorpos de soro para vários vírus cardio-
trópicos é útil para estabelecer exposição a tais agentes.
A deficiência sistólica ventricular geralmente é vista em
Além disso, a recuperação viral só é normalmente possível
pacientes com IC. Anormalidades de movimento de pare-
durante a fase aguda da doença, quando está acontecendo
des regionais que imitam um infarto miocárdico são surpre-
a replicação ativa. Como essa fase não se associa ao dano
endentemente comuns, porém a hipocinesia global tam-
virótico, é mínimo o rendimento diagnóstico de culturas
bém pode acontecer. A cavidade ventricular esquerda pode
de amostras miocárdicas obtido por biópsia de endomio-
ser normal em tamanho ou minimamente aumentada, mas
cárdio. Sorologias para CMV, vírus Epstein-Barr e hepatite
pode estar notadamente aumentada na doença fulminan-
podem ajudar no diagnóstico. A técnica de PCR aplicada no
te. Ecocardiografia também é útil em demonstrar anormali-
material da biópsia pode ajudar a identificar um subgrupo
dades de enchimento diastólico. São obtidos ecocardiogra-
de pacientes com miocardite linfocítica ativa que podem
mas geralmente seriados para avaliar o curso da doença.
beneficiar-se do uso de imunossupressão com prednisona
A insuficiência mitral ou tricúspide pode estar presente, e
e azatioprina. A análise imuno-histoquímica na biópsia tam-
trombos murais acontecem em cerca de 15% dos casos.
bém pode fornecer tal informação, desde que se identifique
um aumento na expressão do antígeno HLA.
D - Ventriculografia com radioisótopos
Esta técnica oferece estimativas precisas de volumes de I - Ressonância nuclear magnética
câmara, além de frações de ejeção esquerda e direita.
Realizada com gadolínio, pode detectar edema no mio-
cárdio e dano aos miócitos.
E - Imagem com gálio-67
Este é um método altamente sensível por identificar in- 5. Tratamento
flamação ativa do miocárdio e pericárdio. Infelizmente, sua
utilidade técnica se encontra limitada, devido à sua falta de Os pacientes com miocardite aguda suspeita devem ser
especificidade. hospitalizados e monitorizados de perto para evidência de
piora da IC, arritmias, distúrbios de condução ou êmbolos.
F - Cateterização cardíaca Repouso no leito é essencial, e devem ser interrompidas
atividades que aumentam carga de trabalho cardíaco.
Não é executada habitualmente em todos os casos de
Não há benefício comprovado de terapia antiviral nos
miocardite, todavia pode auxiliar no diagnóstico diferencial
casos específicos. Antipiréticos devem ser dados a pacien-
quando a apresentação clínica sugere a síndrome corona-
tes febris, e analgésicos são úteis no controle da dor toráci-
riana aguda.
ca e pleuropericárdica. O consumo de cigarros e álcool deve
ser interrompido. Indivíduos com IC devem ser tratados
G - Biópsia endomiocárdica com restrição de sódio e fluidos e administração de diuréti-
Padrão-ouro para o diagnóstico de miocardite, é um cos, inibidores de conversão da angiotensina, beta-bloque-
procedimento invasivo, embora envolva apenas morbidez adores e espironolactona.
mínima e desconforto. São obtidos de 4 a 6 fragmentos de Pessoas com doença fulminante que se manifesta como
tecido do lado direito do septo interventricular. Devido ao choque cardiogênico necessitam de vasodilatadores intra-
caráter focal e migratório das lesões, o exame apresenta venosos e agentes inotrópicos, como dobutamina ou milri-
sensibilidade de apenas 60%. Sua especificidade é de 80%. nona. Ocasionalmente, alguns casos podem ser refratários
131
C ARD I OLOG I A
6. Prognóstico
A maioria dos pacientes com miocardite tem doença
autolimitada, assintomática e sem deficiência orgânica car-
díaca residual. Pacientes sintomáticos têm um prognóstico
ruim e podem recuperar-se espontaneamente a qualquer
momento durante a doença, e o grau de disfunção ventricu-
lar pode estabilizar-se ou progredir para cardiomiopatia di-
latada. Infelizmente, uma porcentagem significativa de tais
indivíduos tem morte súbita. O prognóstico global é pobre,
e a taxa de mortalidade cumulativa calculada em 5 anos, de
cerca de 55%.
7. Resumo
Quadro-resumo
- IC de início recente associado a quadro viral prévio;
- Marcadores de lesão miocárdica alterados;
- ECG com alterações da condução AV, repolarização ventricu-
lar e arritmias atriais ou ventriculares;
- Ecocardiograma com aumento de câmaras cardíacas e disfun-
ção sistólica ou diastólica;
- A lesão direta do miócito e a reação imunológica cruzada são
explicações fisiopatológicas da miocardite;
- A biópsia do miocárdio é o exame padrão-ouro para o diag-
nóstico;
- Não há tratamento específico efetivo para a miocardite, fican-
do o tratamento da IC a estratégia mais adequada, enquanto
se aguarda a resolução da miocardite.
132
CAPÍTULO
15
Doenças do pericárdio
José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
133
CARD I O LOG I A
134
DOENÇAS DO PERICÁRDIO
dico não tem muita influência sobre ela. O tratamento alivia viral ou idiopática. Em alguns centros, a porcentagem de
a sintomatologia e previne a reincidência. A pericardiocen- pacientes em que não se consegue definir uma etiologia
tese promove alívio imediato dos sintomas. O tratamento específica pode chegar a 30 a 50%.
com quimioterapia e radiação para tumores de mama, lin- Uma série de casos utilizando todo arsenal diagnóstico
fomas e leucemias pode ser usado para o controle do derra- disponível para a definição etiológica da pericardite teve as
me. O uso de quimioterápicos intrapericárdicos também é seguintes etiologias como mais comuns: neoplásica (35%),
efetivo, mas pode desencadear dor e febre. Por vezes, ainda autoimune (23%), viral (21%), bacteriana (6%), urêmica
é necessário tratamento cirúrgico com pericardiectomia. (6%), tuberculosa (4%) e idiopática (6%). No entanto, é im-
CARDIOLOGIA
portante ressaltar que esse é um estudo isolado conduzido
E - Uremia em um país com perfil distinto do Brasil, o que influencia
Pacientes com insuficiência renal apresentam com fre- enormemente a prevalência das etiologias da pericardite.
quência alterações pericárdicas, porém a incidência de pe-
ricardite urêmica tem diminuído com o passar do tempo. A C - Sintomas e sinais
pericardite urêmica ocorre dependendo do nível de crea- O sintoma primário da pericardite aguda é a dor torácica
tinina e uremia e responde bem ao tratamento com diáli- cuja localização, duração e intensidade são variáveis. A dor
se. O quadro clínico é bastante variável, e o paciente pode pode ser descrita como aguda ou difusa, localizada no pre-
estar assintomático, apesar do grande volume do derrame. córdio ou na região do trapézio (sinal quase patognomônico
O atrito pericárdico também pode estar associar-se a essa da doença).
condição. Há aumento da dor com tosse, inspiração ou decúbito e
alívio com a posição ortostática e com a projeção do tórax
F - Pericardite associada a drogas para frente (em “prece maometana”). Embora geralmente
Várias medicações têm sido associadas à pericardite. aconteça em 1 a 2 horas, a dor pode ser súbita. Sintomas
Drogas que induzem à síndrome lúpus-like, como procaina- virais prodrômicos são frequentes.
mida, hidralazina, difenil-hidantoína, reserpina, metildopa É necessário separar os pacientes de alto risco, que pre-
e isoniazida podem cursar com pericardite. A antraciclina cisam de internação imediata (eventualmente, em UTI), da-
pode determinar essa inflamação, e a metisergida, peri- queles que podem ser acompanhados em ambulatório. São
cardite constritiva. Já o minoxidil se associa a pericardite e características de pacientes com alto risco de má evolução:
tamponamento. - Início subagudo;
- Febre e leucocitose;
G - Hipotireoidismo - Evidência de tamponamento;
O derrame pericárdico, presente em cerca de 30% dos - Derrame pericárdico >2cm que não diminui após trata-
pacientes com mixedema, está relacionado à intensidade e mento com AINH;
à duração do hipotireoidismo, assim como ao aumento da - Imunodeprimidos;
pressão hidrostática e à diminuição da drenagem linfática. - Uso de anticoagulantes orais;
O acúmulo, geralmente, é lento, e o tamponamento, raro. O - Trauma agudo;
líquido pericárdico usualmente é amarelado e contém gran- - Falência de resposta após 7 dias de AINH.
de quantidade de colesterol.
D - Exame físico
4. Pericardite aguda Febre e taquicardia são comuns, assim como o atrito
pericárdico (presente em até 85% dos casos na ausência de
A - Critérios diagnósticos derrame). Como a posição pode alterar o atrito, o paciente
deve ser examinado em várias posições.
- Dor torácica central agravada por tosse, decúbito ou
inspiração;
E - Exames diagnósticos
- Atrito pericárdico;
- Alterações sugestivas ao ECG; - Eletrocardiograma: podem ser identificados 4 estágios
- Derrame pericárdico; de alterações ao ECG (Tabela 1). No estágio I, as mu-
danças acompanham a dor torácica, e ocorre elevação
- São necessários, pelo menos, 2 desses achados para o difusa do segmento ST que se apresenta com concavi-
diagnóstico.
dade para cima (diferentemente da isquemia miocár-
dica). A elevação é presente em todos os segmentos,
B - Etiologia exceto em aVR e V1, em que a depressão do ST está
Com a estratégia diagnóstica padronizada, 80 a 90% das presente. As ondas T ficam apiculadas onde há ele-
pericardites agudas têm como diagnóstico final etiologia vação do ST. Nesta fase, é difícil a diferenciação entre
135
CARD I O LOG I A
5. Derrame pericárdico
A - Critérios diagnósticos
Evidência de Derrame Pericárdico (DP) ao ecocardiograma.
Esse tipo de derrame pode desenvolver-se como resul-
tado de pericardite ou de qualquer agressão ao pericárdio
parietal. Além disso, pode ser encontrado na ausência de
pericardite em muitas situações clínicas, como uremia,
trauma cardíaco ou ruptura de câmara, malignidade, AIDS
e hipotireoidismo.
Figura 1 - Alterações eletrocardiográficas na pericardite
B - Achados clínicos
- Outros testes: nos quadros virais ou idiopáticos, sinais
indiretos de inflamação como VHS elevado e hemo- a) Sintomas e sinais
grama alterado são comuns. Embora a radiografia de As manifestações clínicas de DP são relacionadas dire-
tórax não revele frequentemente nenhuma anormali- tamente ao volume absoluto do derrame e à velocidade do
dade em pericardite não complicada, pode revelar a seu acúmulo. Derrames pequenos raramente causam sin-
evidência de derrame pericárdico. tomas ou complicações. Quando o DP se desenvolve lenta-
mente, mesmo grandes volumes de líquido (1 a 2L) não cau-
Apesar de a ecocardiografia poder revelar um derrame sam manifestações clínicas. Eventualmente, esses grandes
pericárdico, sua ausência não exclui o diagnóstico. A cin- derrames se manifestam com compressão de estruturas ad-
tilografia com gálio pode ser positiva. Ocorrem pequenas jacentes, determinando tosse, dispneia, soluço, rouquidão,
elevações de CKMB e troponina; esta última pode apare- náusea ou sensação de plenitude gástrica. O acúmulo rápi-
cer positiva na ausência de elevação da CKMB. A elevação do, mesmo de pequenos volumes, pode determinar grande
da troponina relaciona-se à extensão de acometimento do repercussão hemodinâmica.
miocárdio (miopericardite) e ao surgimento de alterações
do segmento ST. Em geral, esses pacientes são jovens, do b) Exame físico
sexo masculino, com história recente de infecção e apresen- Não há sinais e sintomas clínicos perceptíveis para DP
tam derrame pericárdico. de pequeno volume sem pressão pericárdica elevada. Aba-
136
DOENÇAS DO PERICÁRDIO
famento das bulhas e som maciço à percussão torácica po- to das câmaras cardíacas, determinando queda do débito
dem ser observados (líquido entre o pulmão e a caixa torá- cardíaco.
cica – sinal de Ewart). Pequenos volumes, como no trauma, podem determi-
nar o TC pela rápida elevação da pressão intrapericárdica,
C - Estudos diagnósticos assim como grandes volumes podem acumular-se no pe-
ricárdio com pressões normais, como no mixedema. O TC
a) Eletrocardiograma pode ser dividido em agudo (decorrente de trauma, rotura
O ECG pode ser completamente normal, e o DP de gran- cardíaca ou de aorta ou complicação de intervenção tera-
CARDIOLOGIA
de volume, determinar voltagem reduzida e alternância pêutica ou diagnóstica), subagudo (neoplásico, urêmico ou
elétrica (voltagem de QRS alternante como resultado de pericardite idiopática), regional (em geral, hematoma pós-
um movimento oscilante do coração em relação ao plano -pericardiotomia ou IAM) e variante de baixa pressão (habi-
frontal do ECG). tualmente, ocorre em pacientes hipovolêmicos) (Figura 2).
b) Radiografia de tórax
A radiografia de tórax pode demonstrar aumento na
silhueta cardíaca combinada com áreas de oligoemia dos
campos pulmonares. Acúmulos rapidamente progressivos
podem determinar pequenas alterações ao exame. No acú-
mulo lento, ocorre a dilatação pericárdica definindo a ima-
gem característica de “moringa” ao coração. O diagnóstico
diferencial entre DP e aumento de área cardíaca pode não
ser possível somente por meio do raio x.
c) Ecocardiograma
O ecocardiograma é o exame mais sensível e preciso
no diagnóstico de DP. A efusão aparece como um espaço
eco-livre entre o epicárdio em movimento e o pericárdio
estacionário. A ecocardiografia pode identificar coleções
tão pequenas quanto 20mL e demonstrar a distribuição ho-
mogênea ou loculada do DP. A quantificação do volume do
derrame através de ecocardiografia não é totalmente pre-
cisa. DP de pequeno volume tende a ser visível apenas em
regiões posteriores.
D - Tratamento
O manejo do DP é determinado por seu tamanho, pela
presença ou ausência de pressão intrapericárdica elevada e
sua repercussão hemodinâmica e pela natureza da doença
de base. Na maioria dos casos, o DP pequeno ou incidental
não demanda nenhuma intervenção específica.
6. Tamponamento cardíaco
Figura 2 - Anatomia cardíaca normal e após tamponamento car-
A - Critérios diagnósticos díaco
137
CARD I O LOG I A
C - Exames diagnósticos
a) Eletrocardiograma
Ocorrem as anormalidades de ECG descritas para TC e
Figura 4 - Derrame pericárdico determinando colapso parcial de
DP. O desenvolvimento de alternância do eixo elétrico qua-
átrio direito
se sempre indica um DP com repercussão hemodinâmica.
d) Cateterização cardíaca
No paciente com TC, a cateterização cardíaca revela um
débito cardíaco reduzido e pressões de enchimento das câ-
maras cardíacas com valores de PVC, POAP e PAPd equali-
zados. O exame da forma de onda de pressão atrial revela a
perda da descida da onda Y normal. A apresentação inicial
hemodinâmica do tamponamento pode ser alterada por
um estado concomitante de depleção de volume intravas-
cular, situação chamada de TC de baixa pressão. Geralmen-
te, a reposição volêmica determina o padrão hemodinâmi-
co compatível com TC.
D - Tratamento
A drenagem do líquido pericárdico é a principal terapia,
e o esvaziamento de pequenas quantidades (100 a 200mL)
determina grande melhora clínica. A drenagem, em geral,
é realizada por meio de pericardiocentese percutânea ou
subxifoidiana. Esse procedimento é considerado de exce-
Figura 3 - Alternância de eixo elétrico ao ECG em paciente com lência quando guiado por ecocardiograma por ser barato,
derrame pericárdico volumoso indicar o melhor local para esvaziamento e permitir a ava-
138
DOENÇAS DO PERICÁRDIO
liação das características do líquido pericárdico. Embora é o espessamento fibrótico com calcificação do pericárdio,
seja efetivo e seguro, pode haver complicações. A mais gra- criando um envelope inelástico que impede o enchimento
ve e comum é a perfuração cardíaca, tipicamente do ventrí- diastólico do pericárdio, sendo causa de insuficiência cardí-
culo direito, em que o ecocardiograma pode diminuir esse aca com função sistólica preservada.
risco. A presença de, pelo menos, 1cm de espaço eco-livre
na região anterior ao coração foi recomendada como uma B - Achados clínicos
diretriz para o volume mínimo de fluido que deveria estar
presente antes de realizar a pericardiocentese percutânea. a) Sintomas e sinais
CARDIOLOGIA
A elevação do tronco do paciente também diminui o risco Muitos sintomas de PC são inespecíficos e estão relacio-
de acidente. Podem ser administrados fluidos intravenosos nados à elevação das pressões de enchimento ventricular,
e vasopressores como medida transitória até que o proce- determinando congestão venosa, manifestada por insufici-
dimento possa ser executado. ência cardíaca direita. Sintomas de insuficiência ventricular
Em alguns casos, uma só pericardiocentese alivia o DP esquerda são muito menos frequentes.
completamente, mas, na maioria, deve-se considerar a
ideia de deixar um cateter pericárdico. A repetição do DP b) Exame físico
pode requerer remoção cirúrgica do pericárdio ou a criação O paciente pode ter uma distribuição corporal anormal,
de uma abertura entre o pericárdio e pleura de esquerda com aumento marcante do volume abdominal, ascite, hepa-
(janela pericárdica ou pericardiostomia). tomegalia com pulsações hepáticas proeminentes, e outros
sinais de insuficiência hepática são comuns. Pacientes com
PC podem apresentar a ausência do sinal de Kussmaul (di-
minuição da pressão venosa jugular durante a inspiração).
A pressão de pulso arterial pode ser diminuída ou nor-
mal, e o pulso paradoxal, presente em 1/3 dos casos. E a
avaliação cardíaca pode revelar um som diastólico preco-
ce (batimento pericárdico) que acontece ligeiramente mais
cedo na diástole que a B3.
C - Exames diagnósticos
a) Eletrocardiograma
As alterações frequentes são baixa voltagem, inversão
da onda T e onda P mitral. Pode ocorrer fibrilação atrial.
b) Radiografia de tórax
A área cardíaca pode ser pequena, normal ou aumenta-
Figura 5 - Pericardiocentese da. A presença de calcificação pericárdica é útil, confirman-
do o diagnóstico e sugerindo a tuberculose como causa.
7. Pericardite constritiva
A - Critérios diagnósticos
- Pressão venosa jugular com onda X acentuada e depres-
são de Y notadamente elevadas e sinal de Kussmaul;
- Batimento pericárdico;
- Espessamento pericárdico em exame de imagem.
A Pericardite Constritiva (PC) pode desenvolver-se como
o resultado de qualquer dano ou inflamação pericárdica.
Entre as principais causas, as idiopáticas ou virais respon-
dem por 42 a 49% dos casos, o pós-operatório de cirurgia
cardíaca, por 11 a 37%, e a radioterapia, por 9 a 31%. A
constrição tuberculosa é causa rara na maioria dos casos no
mundo industrializado, mas permanece significativa em pa-
íses subdesenvolvidos. Pode haver um período muito longo
entre a agressão pericárdica e o surgimento da constrição
com repercussão clínica. A base histopatológica da doença Figura 6 - Raio x de pericardite constritiva
139
CARD I O LOG I A
E - Tratamento
Embora o tratamento clínico possa controlar os sintomas,
o controle é temporário, pois a doença progride na maioria
Figura 7 - Tomografia de pericardite constritiva
dos casos. Pericardiectomia é o tratamento definitivo para a
PC. Na maioria dos casos, o procedimento é possível, e a taxa
c) Ecocardiograma de mortalidade cirúrgica em recentes séries, de até 10%.
O ecocardiograma pode demonstrar espessamento pe- Porém, ocasionalmente, a fibrose é muito densa, e a
ricárdico, porém não descarta o diagnóstico quando não calcificação pode estender-se ao epicárdio, tornando im-
ocorre o achado. Pode ser útil elevando a suspeita de PC possível a ressecção. O miocárdio pode sofrer atrofia como
em paciente com insuficiência cardíaca esquerda com fun- resultado da compressão existente há muito tempo, e um
ção sistólica ventricular preservada e tamanhos de câmaras estado de baixo débito pode persistir depois de pericardiec-
cardíacas normais. tomia. A maioria dos casos apresenta melhora dramática
d) Cateterização cardíaca e contínua, embora a recuperação seja possível somente
após vários meses.
A cateterização cardíaca pode ajudar a estabelecer o
diagnóstico correto e confirmar a pressão diastólica elevada
e igual em ambos os ventrículos. 8. Resumo
e) Biópsia endomiocárdica Quadro-resumo
A biópsia endomiocárdica é útil no diagnóstico diferen- Pericardites
cial, porém deve ser realizada apenas em casos seleciona- - Causa viral (mais frequente), bacteriana, inflamatória ou traumá-
dos de dúvida em que há disfunção diastólica do tipo restri- tica (cirurgia);
tiva e o diagnóstico de PC permanece incerto. Pode revelar - Dor torácica que piora com tosse, inspiração ou decúbito e me-
doença infiltrativa endomiocárdica. O achado de amiloido- lhora com ortostase e “posição maometana”;
se, sarcoidose ou hemocromatose impede a necessidade - Atrito pericárdico, derrame e alterações da repolarização difusas
de investigação adicional, porém o achado de miocardite e redução de amplitude do QRS;
demanda maior investigação. - Ecocardiograma pode evidenciar o derrame pleural, mas não ex-
f) Ventriculografia com radioisótopos clui o diagnóstico;
Curvas de tempo-atividade podem demonstrar o enchi- - Tratamento com anti-inflamatórios (AAS/Ibuprofeno) por 3 a 4
mento normal na diástole em PC precocemente. A Tomo- semanas. Nas causas autoimunes, é indicado corticoide.
grafia Computadorizada (TC) e a imagem de Ressonância Derrame pericárdico
Nuclear Magnética (RNM) são mais precisas que a ecocar- - Depende da velocidade de instalação; tosse, dispneia, soluço,
diografia para imagem direta do pericárdio, pois permitem náuseas; abafamento de bulhas; ECG com redução da amplitude
medidas precisas do pericárdio com diferenciação de mio- dos complexos QRS;
cardiopatias restritivas. - Raio x com aumento de área cardíaca e oligoemia pulmonar;
diagnóstico pelo ecocardiograma.
D - Diagnóstico diferencial
Tamponamento cardíaco
O principal ponto do diagnóstico diferencial é distinguir - PVC elevada, pulso paradoxal e ecocardiograma com colapso
PC de miocardiopatia restritiva. Com o uso combinado de atrial e/ou ventricular;
ecocardiografia, RNM ou TC para imagem do pericárdio, - Dispneia e desconforto torácico; pode haver choque;
estudo hemodinâmico cuidadoso e biópsia de endomio-
- A pericardiocentese é o tratamento de eleição.
cárdio, deveria ser possível, na grande maioria dos casos,
140
CAPÍTULO
16
Avaliação e abordagem perioperatória
José Paulo Ladeira / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Fabrício Nogueira Furtado
141
CARD I OLOG I A
valente metabólico, os pacientes podem ser classificados A realização de testes não invasivos para doença coro-
quanto a capacidade de realizar atividades com diferentes nariana é recomendada aos pacientes de alto risco, mas
intensidades e consequentes consumos de oxigênio como: duvidosa quanto aos de risco intermediário e não indicada
- Excelente: maior do que 10METs (nível de atividade de aos de baixo risco.
atletas);
- Bom: 7 a 10METs; indivíduo pratica atividade física, C - Índice de Detski
como natação;
- Moderado: 4 a 7METs; indivíduo tolera atividades como O índice de Detski (Tabela 3), bastante semelhante ao
caminhadas curtas com até 6,4km/h; de Goldman, é utilizado pelo ACP desde 1986 e foi adotado
- Pobre: menor que 4METs; indivíduo tolera caminhadas pelas Diretrizes Brasileiras de Avaliação Pré-Operatória.
curtas com menos de 2 quarteirões. Tabela 3 - Índice de Detski
Apresentadas essas variáveis, podem-se considerar os 1 - Avalia-se o risco cardiovascular segundo as seguintes variáveis:
diversos algoritmos de avaliação do risco cardiovascular. - IAM <6 meses (10 pontos);
- IAM >6 meses (5 pontos);
A - Classificação da ASA - Angina classe III (10 pontos);
- Angina classe IV (20 pontos);
A seguir, a classificação da ASA (American Society of - EAP na última semana (10 pontos);
Anesthesiology), embora sua importância hoje seja mais - EAP alguma vez na vida (5 pontos);
histórica: - Suspeita de estenose aórtica crítica (20 pontos);
- I: indivíduo saudável, <70 anos; - Ritmo não sinusal ou RS c/ ESSV ou >5 ESV no ECG (5 pontos);
- II: doença sistêmica leve, sem limitação funcional ou - PO2 <60mmHg, PCO2 >50mmHg, K+ <3mEq/L, ureia >50mg/dL,
>70 anos; creatinina >3mg/dL ou restrição ao leito (5 pontos);
- III: doença sistêmica grave, com limitação funcional de- - Idade >70 anos (5 pontos);
finida; - Cirurgia de emergência (10 pontos).
- IV: doença sistêmica incapacitante, que constitui amea- 2 - Somam-se os pontos. Os pacientes são classificados em:
ça à sobrevivência; - Classe I: 0 a 15 pontos;
- Classe II: 20 a 30 pontos;
- V: paciente gravíssimo – sem expectativa de sobreviver - Classe III: >30 pontos.
por mais de 24h com ou sem a cirurgia.
Essa classificação, não utilizada atualmente para avalia-
ção pré-operatória, não é citada nas Diretrizes Brasileiras de D - Riscos complementares de Eagle e Vanzeto
Avaliação Pré-Operatória. Em se tratando dos pacientes da classe I de Detski que
serão submetidos à cirurgia vascular, devem-se considerar
B - Índice de risco cardíaco de Goldman as variáveis de risco complementares de Eagle e Vanzeto:
O índice de risco cardíaco de Goldman (Tabela 2) foi o 1º - Idade >70 anos;
modelo validado na literatura para predizer complicações
cardíacas. Devido à sua simplicidade, alguns ainda conside- - História de angina;
ram o melhor índice de avaliação pré-operatória, mas ele - Diabetes;
parece falhar ao avaliar pacientes de risco intermediário.
Além disso, a classificação não considera pacientes com an-
- História de IAM;
gina. - História de ICC;
Tabela 2 - Índice de risco cardíaco de Goldman - Ectopia ventricular;
Variáveis: - Ondas Q no ECG;
1 - Cirurgia de alto risco.
2 - História de doença coronariana.
- Anormalidades isquêmicas do segmento ST no ECG de
3 - História de insuficiência cardíaca. repouso;
4 - História de doença cerebrovascular. - HAS com hipertrofia ventricular grave.
5 - DM que requeira tratamento com insulina.
6 - Creatinina sérica no pré-operatório >2mg/dL.
E - Avaliação do ACP
Considerando o número de variáveis encontradas, pode-se clas-
sificar o risco cardiovascular do paciente em: O algoritmo de avaliação do ACP (Figura 1), recomenda-
- Baixo risco (0,4 a 0,5%): nenhuma variável; do pelas Diretrizes Brasileiras de Avaliação Pré-Operatória,
- Risco intermediário: 1 ou 2 variáveis; usa a classificação de Detski e as variáveis de risco de Eagle
- Alto risco (9 a 11%): 3 ou mais variáveis.
e Vanzeto.
142
AVALIAÇÃO E ABORDAGEM PERIOPERATÓRIA
Tabela 4 - Preditores
Maiores
- ICC descompensada;
- Arritmias significativas;
- Doença valvar grave.
Intermediários
- Angina estável;
CARDIOLOGIA
- IAM prévio;
- ICC compensada;
- DM;
- IR crônica.
Menores
- Idade avançada;
- ECG anormal ou ritmo não sinusal;
- Capacidade funcional reduzida;
Figura 1 - Avaliação do ACP - História de AVC;
- HAS não controlada.
A AHA, por sua vez, não usa índices de risco cardíaco
específicos, mas preditores de risco para definir o risco ci- Considerando tais preditores, o algoritmo da Figura 2 é
rúrgico quanto a complicações cardiovasculares. utilizado para a avaliação dos pacientes.
Figura 2 - Avaliação ACC (American College of Cardiology)/AHA para pacientes submetidos a cirurgia não cardíaca
143
CARD I OLOG I A
144
AVALIAÇÃO E ABORDAGEM PERIOPERATÓRIA
CARDIOLOGIA
da coronária antes de procedimentos cirúrgicos não cardí-
acos, pois esse teste é invasivo e tem taxas de morbidade
- Grau de recomendação I: pacientes com anormali-
dades, relacionadas ao tórax, na história e no exame
e mortalidade que variam, respectivamente, entre 0,01 e
físico.
0,5% e 0,03 e 0,25%. A AHA sugere que o exame seja reali-
zado nas seguintes situações:
- Pacientes de alto risco em testes não invasivos; C - Hemograma completo
- Angina não responsiva ao tratamento; - Grau de recomendação I:
- Pacientes com angina instável;
• Idosos (>65 anos);
- Testes não invasivos inconclusivos para isquemia, em
pacientes de alto risco e que serão submetidos à cirur- • Suspeita clínica de anemia ao exame físico ou pre-
gia também de alto risco. sença de doenças crônicas associadas à anemia;
• Intervenções de médio e grande porte, com previ-
são de necessidade de transfusão.
5. Exames laboratoriais no pré-operatório
A solicitação de exames complementares na avaliação D - Hemostasia e testes da coagulação
pré-operatória objetiva reduzir a morbidade e a mortalida-
de perioperatórias. Ainda continuam a ser de maior impor- - Grau de recomendação I:
tância a anamnese e o exame físico. Exames laboratoriais
• Pacientes anticoagulados;
devem ser solicitados quando podem apresentar benefício,
demonstrando riscos e realizando diagnósticos que possam • Pacientes com insuficiência hepática;
fazer diferença no manejo dos pacientes. • Portadores de distúrbios de coagulação;
Pessoas com menos de 40 anos, assintomáticas e sem • Intervenções de médio e grande porte.
fatores de risco para doenças não apresentam indicação de
exames adicionais, exceto quando apresentam indicações E - Dosagem da creatinina sérica
específicas com base na cirurgia a que serão submetidas.
Em cirurgias neurológicas, por exemplo, a realização de - Grau de recomendação I:
coagulograma é necessária, independente da idade do pa- • Pacientes com idade superior a 40 anos;
ciente.
• Portadores de nefropatia, diabetes mellitus, hiper-
Para pacientes entre 40 e 60 anos sem outros fatores
tensão arterial sistêmica, insuficiência hepática, in-
de risco, o ACP indica exames de creatinina, glicemia e ele-
suficiência cardíaca (se não tiver um resultado des-
trocardiograma; em indivíduos acima de 60 anos, acrescen-
se exame nos últimos 12 meses);
tam-se hemograma e radiografia de tórax.
A seguir, estão apresentadas as indicações de exames la- • Intervenções de médio e grande porte.
boratoriais conforme as indicações das Diretrizes Brasileiras
de Avaliação Perioperatória. 6. Avaliação do risco de sangramento
A - ECG A história de sangramento é o melhor preditor de san-
gramento no intraoperatório. Na grande maioria dos proce-
- Grau de recomendação I: dimentos cirúrgicos, não são necessários exames para ava-
• Todos os pacientes com idade superior a 40 anos, liação da hemostasia, desde que o paciente não apresen-
ou, independente da idade, pacientes com história te história de sangramentos prévios nem fatores de risco
e/ou anormalidades ao exame físico sugestivas de associados a aumento da possibilidade de sangramentos.
doença cardiovascular; Presença de achados, como petéquias, equimose, icterícia,
• Pacientes com episódio recente de dor torácica is- entre outros, sugere a possibilidade de sangramento em
quêmica, ou considerados de alto risco no algorit- pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos. De acor-
mo ou pelo médico assistente; do com o procedimento cirúrgico, devem ser solicitados ou-
• Pacientes com diabetes mellitus. tros exames, especificados na Tabela 5.
145
CARD I OLOG I A
Tabela 5 - Avaliação do risco de sangramento de acordo com o elevação da pressão no ato da intubação; quanto aos
procedimento cirúrgico pacientes em que o bloqueador está contraindicado, a
Gran- clonidina por via oral pode ser usada;
Métodos e Cirur- Cirurgia prostá- História
exames para gia
des
cirur-
tica, cardíaca ou clínica + para - A hipocalemia, se presente, deve ser corrigida antes
avaliação geral
gias
neurológica sangramento da cirurgia;
História + + + + - Reiniciar os anti-hipertensivos no pós-operatório, de
preferência com os mesmos medicamentos que o pa-
Exame físico + + + +
ciente utilizava antes da cirurgia;
Número de
plaquetas
+ + + - A otimização da volemia deve ser realizada durante
TTPA + + +
todo o perioperatório.
TP + +
TT + +
8. Controle glicêmico no perioperatório
TS + + O diabetes está associado a complicações micro e ma-
Nível de crovasculares. Alguns estudos atestaram que também há
+ + associação a maior risco de eventos cardiovasculares. O
fibrinogênio
Fator XIII + controle estrito de glicemia foi associado à diminuição de
eventos adversos em pacientes com infarto agudo do mio-
Outros fato-
res de coagu- + cárdio e em pacientes com choque séptico.
lação O controle glicêmico durante cirurgias eletivas é impor-
Teste de tante, e glicemia maior que 250mg/dL não contraindica
agregação + procedimento eletivo. Se os valores de glicemia são maio-
plaquetária res que 250mg/dL e o paciente é submetido a procedimen-
TTPA: Tempo de Tromboplastina Parcialmente Ativada; TP: to de urgência, este pode ser realizado com controle glicê-
Tempo de Protrombina; TT: Tempo de Trombina e TS: Tempo de mico durante a cirurgia. Quanto a pacientes submetidos a
Sangramento. cirurgias eletivas, deve-se considerar um período de com-
pensação do diabetes antes da cirurgia. O Consenso Brasi-
7. Hipertensão arterial sistêmica no pré- leiro de Avaliação Perioperatória sugere que valores acima
-operatório de 220mg/dL indicam que se considere o adiamento de ci-
rurgia eletiva. A literatura sugere as seguintes medidas para
A hipertensão arterial sistêmica apresenta aumento do controle glicêmico durante perioperatório:
risco cardiovascular cronicamente, mas não é um dos gran-
des fatores associados a eventos agudos no perioperatório. A - Cirurgia de curta duração (pela manhã cedo)
Pacientes com hipertensão estadios I e II não precisam de
ajuste de pressão arterial antes de procedimento eletivo. Não administrar hipoglicemiante ou insulina no dia da
Intervenções nesses indivíduos, a menos de 2 semanas cirurgia. Logo após a operação, pode-se reintroduzir a dieta
para cirurgia eletiva, podem aumentar o risco de insufici- e retomar o esquema habitual do paciente.
ência renal e de outras complicações no pós-operatório. Os
pacientes com hipertensão estadio III, por sua vez, devem B - Cirurgia de curta duração (ao final da manhã)
ter a PA controlada, em níveis menores que 170mmHg de - Pacientes que usam hipoglicemiantes orais: não ad-
pressão arterial sistólica e 110mmHg de pressão diastólica. ministrar no dia da cirurgia;
São recomendações das Diretrizes Brasileiras de Avaliação
Perioperatória (grau de recomendação I):
- Pacientes que usam dose única de insulina de dura-
ção intermediária: administrar 2/3 da dose total diária
- Se a pressão arterial não está controlada e há tempo
no dia da cirurgia;
hábil para o controle (cirurgia eletiva a realizar em pe-
ríodo maior que 2 semanas), deve-se otimizar a tera- - Pacientes que usam 2 a 3 doses de insulina de dura-
pêutica para reduzir os níveis de pressão; ção intermediária: administrar 1/2 da dose total na
- As medicações anti-hipertensivas (incluindo IECA) de- manhã da cirurgia;
vem ser mantidas no pré-operatório, inclusive no dia - Pacientes que usam múltiplas doses de insulina de
da operação; duração curta: administrar 1/3 da dose total diária no
- Se o paciente está com a pressão elevada e não exis- dia da cirurgia;
te tempo para controlá-la, deve-se utilizar bloquea- - Pacientes que usam bomba de insulina: manter a taxa
dor adrenérgico de curta ação (esmolol) para evitar a de infusão basal no dia da cirurgia.
146
AVALIAÇÃO E ABORDAGEM PERIOPERATÓRIA
C - Cirurgia de curta duração (à tarde) dade próxima a 50%. Nenhuma medida pré-operatória de-
monstrou benefício nesses pacientes.
- Pacientes que usam hipoglicemiantes orais: não ad- Cirurgias cardíacas ou que envolvem a aorta apresen-
ministrar no dia da cirurgia; tam maior risco de desenvolver insuficiência renal. Outras
- Pacientes que usam dose única de insulina de dura- condições que aumentam esse risco são presença de icterí-
ção intermediária: administrar 1/2 da dose total diária cia, diabetes e idade avançada.
no dia da cirurgia; São considerações importantes em se tratando desses
- Pacientes que usam 2 a 3 doses de insulina de dura- pacientes:
CARDIOLOGIA
ção intermediária: administrar 1/3 da dose total na - Manter o volume plasmático adequado, evitando hi-
manhã da cirurgia; povolemia;
- Pacientes que usam múltiplas doses de insulina de - Evitar agentes nefrotóxicos e corrigir doses de antibió-
duração curta: administrar 1/3 da dose pela manhã e ticos e outros medicamentos adequadamente, confor-
antes do almoço; me a função renal;
- Pacientes que usam bomba de insulina: manter a taxa - Evitar hipotensão e diminuição do débito cardíaco;
de infusão basal no dia da cirurgia. - Em procedimentos endovasculares ou radiointerven-
ção, hidratação e n-acetilcisteína devem ser realizadas
D - Procedimento de grande duração e comple- apropriadamente (pacientes com diabetes ou insufici-
xidade ência renal crônica).
- Pacientes que usam hipoglicemiantes orais: não ad- Recomenda-se solução salina a 0,45% (100mL/h, 12h
ministrar no dia da cirurgia;
antes e 12h depois do procedimento), associada a n-ace-
- Pacientes que usam insulina de duração intermediária: tilcisteína (600mg, de 12/12h), 24h antes e depois do pro-
• Manter insulina no intraoperatório e no pós-opera- cedimento.
tório, conforme a glicemia capilar. Por meio de in- Um estudo recente demonstrou que o emprego de solu-
sulina intravenosa, manter a glicemia entre 150 e ção de hidratação 154mEq/L de bicarbonato de sódio diluí-
200mg/dL para proteger contra hipoglicemia. Em do em solução de dextrose a 5%, em total de 1L de solução,
caso de paciente em uso de bomba de insulina, infundida a 3mL/kg em 1h antes do procedimento e 1mL/kg
pode-se tentar controle mais estrito, com glicemia durante o procedimento e 6h depois, apresenta resultados
entre 100 e 150mg/dL; superiores à infusão convencional de solução salina. Trata-
• Monitorizar glicemia capilar no início da cirurgia e a -se, portanto, de uma opção válida para prevenção da IRA
cada hora ou a cada 2h; pelo contraste.
• Pode ser necessária a infusão de 5 a 10g de glicose/h Pacientes com insuficiência renal dialítica devem rea-
para evitar hipoglicemia e cetose. lizar diálise de 12 a 24h antes da cirurgia para minimizar
as complicações. Medidas apropriadas para hipercalemia,
- Pacientes submetidos a procedimentos complexos, acidose e outras complicações da insuficiência renal crônica
cirurgias de emergência, diabetes tipo 1 descompen- devem ser realizadas conforme a necessidade dos pacien-
sado e gestantes diabéticas tipo I: tes e as recomendações da literatura para outras situações
• Em caso de valores glicêmicos acima de 200mg/dL, que não cirurgias.
utilizar insulina regular IV conforme glicemia capilar,
ou insulina IV contínua na taxa de infusão de 0,5 a
5U/h, para manter a glicemia menor que 200mg/dL;
10. Complicações cirúrgicas no paciente
• Realizar controle glicêmico a cada hora. hepatopata
O paciente hepatopata apresenta grande número de al-
9. Cuidados perioperatórios no paciente terações que implicam maior risco de complicações cirúrgi-
cas. A doença hepática leva a alterações na síntese proteica
nefropata e no metabolismo de drogas e nutrientes, além de alterar
Os pacientes com insuficiência renal apresentam maior a excreção e a eliminação de toxinas. O paciente com he-
chance de apresentar complicações no perioperatório. O patopatia leve, como o apresentando cirrose com Child A,
principal fator para elas é o nível de creatinina que, quando não apresenta risco cirúrgico muito diferente de outros in-
maior que 1,5mg/dL, e, principalmente, se maior que 2mg/ divíduos. Entretanto, paciente com disfunção importante,
dL, implica risco maior de eventos cardiovasculares e de como o que apresenta Child C, apresenta risco aumentado
piora da função renal durante a cirurgia. A Insuficiência Re- de complicações perioperatórias.
nal Aguda (IRA) ocorre em 5% das admissões hospitalares e Hepatites agudas, virais ou alcoólicas, são contraindica-
em 1 a 30% dos pacientes submetidos aos procedimentos ções absolutas para procedimentos eletivos, com taxas de
cirúrgicos, dependendo das séries estudadas, com mortali- mortalidade variando de 10 a até 50%. Pacientes com hepa-
147
CARD I OLOG I A
topatia crônica e cirrose com Child C, em geral, apresentam e anestesia geral também são associados a uma taxa maior
contraindicação a procedimentos eletivos. Pacientes com de complicações pulmonares.
Child A normalmente não apresentam contraindicação a A prova de função pulmonar pode ajudar no manejo de
procedimentos cirúrgicos. Maiores considerações devem pacientes em relação às complicações pulmonares. São in-
ser feitas quanto a pacientes com Child B, em que o be- dicações para tal:
nefício do procedimento deve ser contrabalançado com o - Pacientes submetidos a cirurgia torácica e abdominal
maior risco de cirurgias. alta, com sintomas de tosse ou dispneia ou que apre-
A presença de coagulopatia deve ser corrigida antes do sentem intolerância ao exercício de causa incerta;
procedimento. Distúrbios hidroeletrolíticos também devem - Pacientes com DPOC;
ser corrigidos. É importante a reposição de vitamina K. A - Pacientes que serão submetidos a cirurgia de ressec-
presença de ascite aumenta a incidência de deiscência de ção pulmonar;
ferida cirúrgica. Contudo, seu manejo com diuréticos e pa-
racenteses deve ser cauteloso, pois pode ocasionar insufi-
- Pré-operatório de pacientes com dispneia de causa in-
certa;
ciência renal aguda e encefalopatia hepática. A reposição
de albumina, juntamente com paracentese em pacientes
- Pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do
miocárdio.
com ascite, parece ser a medida mais apropriada para evi-
tar complicações. A avaliação de risco pulmonar pode ser orientada pela
escala de Torrington-Henderson, que classifica os pacientes
11. Paciente com pneumopatia em baixo, moderado e alto risco de complicações pulmo-
As complicações pulmonares cirúrgicas implicam au- nares, utilizando vários fatores independentes de compli-
mento de morbidade, mas com aumento de mortalidade cações pulmonares. A classificação, apesar de importante,
muito menor que as complicações cardíacas. A incidência não deve ser usada para contra indicar procedimentos ci-
estimada de complicações pulmonares varia de 17 a 25% rúrgicos, mas para indicar a necessidade de medidas pre-
nas diferentes séries de casos. O risco de tais complicações ventivas para as complicações. A Tabela 6 sumariza a classi-
é, em particular, maior em pacientes com obesidade; apre- ficação de Torrington.
sentam risco de apresentar hipoxemia. Tabela 6 - Classificação de Torrington
O tabagismo é associado ao risco de aparecimento de
Variáveis Pontuação
complicações pulmonares aumentado em cerca de 4 vezes,
mas a sua cessação aumenta secreções pulmonares nas pri- 1 - Espirometria
meiras semanas, aumentando o risco de complicações. Tal a) CVF <50% do previsto 1
risco desaparece após 8 semanas de abstinência. b) VEF1/CVF - 65 a 75% 1
A asma é um fator de risco independente para complica-
c) VEF1/CVF - 50 a 64% 2
ções pulmonares, mas, não é particularmente aumentado
naqueles fora de exacerbação e compensados clinicamen- d) VEF1/CVF - <50% 3
te. Já pacientes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica 2 - Idade >65 anos 1
(DPOC) apresentam risco até 4,7 vezes maior de desenvol- 3 - Peso acima de 150% do ideal 1
ver essas complicações. Assim, é absolutamente necessário
compensá-los antes de procedimentos cirúrgicos. 4 - Cirurgia abdominal alta ou torácica 2
Indivíduos com redução da Capacidade Vital Forçada 5 - Outras cirurgias 1
(CVF) e Volume Expiratório Forçado em 1º segundo (VEF1) 6 - Tabagismo 1
menor do que 70% apresentam maior taxa de complicações
7 - Sintomas pulmonares (tosse, dispneia, catarro) 1
pulmonares associadas à cirurgia. Tais complicações estão
aumentadas em pacientes com índice de Tiffeneau (VEF1/ 8 - História de doença pulmonar 1
CVF) menor do que 65%. Classificação Taxa de % de
Pontos
O risco de complicações pulmonares é, particularmen- de risco complicações mortalidade
te, maior em pacientes com alterações gasométricas, sendo Baixo 0a3 6% 2%
que PaO2 <50mmHg e PaCO2 >50mmHg se associam a even-
Moderado 4a6 23% 6%
tos cardíacos no perioperatório. Um estudo demonstrou
que níveis de PaCO2 >45mmHg estavam associados a uma Alto >7 35% 12%
maior taxa de complicações pulmonares em submetidos a
cirurgias cardíacas, o que é compreensível, visto que esses Algumas medidas podem auxiliar a diminuir o risco ci-
níveis indicam pacientes com comprometimento ventilató- rúrgico, como cessação do tabagismo, pelo menos, 8 sema-
rio importante e apresentam correlação com hipoxemia e nas antes do procedimento. A compensação de doenças
outros fatores que aumentam morbidades perioperatórias. pulmonares, como asma e DPOC, também é importante.
Cirurgias com duração maior que 3h, uso de pancurônio Pacientes com infecções respiratórias precisam ser adequa-
148
AVALIAÇÃO E ABORDAGEM PERIOPERATÓRIA
damente tratados, e educação e manobras de expansão - Pacientes de alto risco para tromboembolismo (grau
pulmonar podem auxiliar, em particular, pacientes obesos. de recomendação IIA):
Quando possível, deve-se limitar a duração de procedimen- • Interromper a varfarina 4 dias antes da operação,
tos cirúrgicos, evitar o uso de bloqueadores neuromuscula- aguardar INR normalizar;
res, entre outras medidas.
• Iniciar HNF ou HBPM dose plena quando INR <2;
Exercícios com estímulo de respiração profunda, fisio-
• Suspender HNF intravenosa 5h antes do procedi-
terapia, uso de CPAP ou outras formas de pressão positiva
mento e HBPM ou HNF SC de 12 a 24h antes;
e controle rigoroso da dor podem ajudar, enquanto a cor-
CARDIOLOGIA
ticoterapia em pacientes com asma e DPOC pode ser im- • No pós-operatório, reiniciar HNF ou HBPM em dose
portante. plena e varfarina simultaneamente, até o INR estar
dentro da faixa terapêutica.
149
CARD I OLOG I A
• Compressão Pneumática Intermitente (CPI): início • Varfarina: com ajuste da dose para manter o INR
imediatamente antes da cirurgia até a alta hospitalar. entre 2 e 3 no pré-operatório ou imediatamente
após a cirurgia;
- Risco alto (grau de recomendação I): • Heparina: 5.000U SC, a cada 8h, 1 a 2h antes (grau
• Heparina: 5.000UI SC, a cada 8h, iniciando 1 a 2h de recomendação IIA).
antes da cirurgia;
• Enoxaparina: 40mg SC, 1 a 2h antes da cirurgia e - Neurocirurgia (grau de recomendação I):
1x/dia no pós-operatório; • CPI: com ou sem meia elástica;
• CPI: início imediatamente antes da cirurgia até a • Heparina: 5.000U SC, a cada 8h, 1 a 2h antes (grau
alta hospitalar. de recomendação IIA);
• Enoxaparina: 40mg SC/dia no pós-operatório (grau
- Risco muito alto (grau de recomendação I): de recomendação IIA);
• Enoxaparina: 40mg SC, 1 a 2h antes da cirurgia e • Associação de meia elástica/CPI e enoxaparina/he-
1x/dia no pós-operatório combinado com CPI/meia parina profilática.
elástica;
• Heparina: 5.000U UI SC, a cada 8h, iniciando 1 a 2h - Trauma (grau de recomendação I):
antes de cirurgia combinado com CPI/meia elástica; • Enoxaparina: 30mg SC, a cada 12h, iniciando 12 a
• Varfarina em pacientes selecionados: início com 5mg/ 36h após o trauma ser hemodinamicamente estável;
dia ou no dia após a cirurgia, ajustando a dose para • CPI/meia elástica: em caso de contraindicação ao
manter um INR de 2 a 3 (grau de recomendação IIA). uso de enoxaparina pelo risco de sangramento;
• Filtro de veia cava inferior: em caso de TVP demons-
- Artroplastia de quadril eletiva (grau de recomen- trada e contraindicação ao uso de anticoagulantes.
dação I):
• Enoxaparina: 40mg SC, 12h antes ou 12 a 24h de- - Lesão aguda da medula espinhal (grau de recomen-
pois da cirurgia, ou 20mg SC 4 a 6h depois da cirur- dação I):
gia mantendo 40mg/dia nos dias subsequentes; • Enoxaparina: 30mg SC, a cada 12h;
• Varfarina: com ajuste da dose para manter o INR • CPI e meia elástica: em associação a enoxaparina
entre 2 e 3 iniciando no pré-operatório ou imedia- ou heparina profilática, ou se anticoagulantes são
tamente após a cirurgia; contraindicados logo após a lesão (grau de reco-
• Heparina: SC, a cada 8h, dose inicial de 3.500U ajus- mendação IIA);
tando 500U por dose para manter TTPA nos níveis • Na fase de reabilitação, continuar terapia com
superiores da normalidade (grau de recomendação enoxaparina ou passar para anticoagulação plena
IIA); com varfarina (INR entre 2 e 3).
• Associação das medidas de profilaxia com CPI ou - Cirurgias ginecológicas (grau de recomendação I):
meia elástica (grau de recomendação IIa);
• Pequenas em doenças benignas:
• Duração da profilaxia por, pelo menos, 7 dias.
* Mobilização precoce.
- Artroplastia de joelho eletiva (grau de recomen- • De grande porte em doença benigna sem fatores
dação I): de risco:
• Enoxaparina: 40mg SC, 12h antes ou 12 a 24h de- * Heparina: 5.000U SC, a cada 12h;
pois da cirurgia, ou 20mg SC, 4 a 6h depois da ci- * Enoxaparina: 40mg SC, a cada 24h, ou CPI antes da
rurgia mantendo 40mg/dia nos dias subsequentes; cirurgia e, no mínimo, vários dias do pós-operatório.
• Varfarina: com ajuste da dose para manter o INR • Extensas por câncer:
entre 2 e 3 iniciando no pré-operatório ou imedia- * Heparina: 5.000U SC, a cada 8h;
tamente após a cirurgia; * Heparina: 5.000U SC, a cada 8h, associada a CPI
• CPI: início imediatamente antes da cirurgia até a ou meia elástica na tentativa de promover uma
alta hospitalar; proteção adicional.
• Duração da profilaxia por, pelo menos, 7 a 10 dias.
- Cirurgias urológicas (grau de recomendação I):
- Cirurgia de fratura de quadril (grau de recomen- • Baixo risco ou transuretrais: mobilização precoce.
dação I): • Grande porte ou com abertura de cavidade:
• Enoxaparina: 40mg SC 12h, antes ou 12 a 24h de- * Heparina: 5.000U SC, a cada 8h, 1 a 2h antes;
pois da cirurgia, ou 20mg SC, 4 a 6h depois da ci- * Enoxaparina: 40mg SC, 1 a 2h antes e 1x/dia no
rurgia mantendo 40mg/dia nos dias subsequentes; pós-operatório;
150
AVALIAÇÃO E ABORDAGEM PERIOPERATÓRIA
* CPI: imediatamente antes e até a alta hospitalar; cortisona, 100mg, a cada 8h em 24h, pela chance de
* Meia elástica: início imediatamente antes da ci- insuficiência adrenal.
rurgia até o acompanhamento ambulatorial.
• Pacientes de alto risco: Os pacientes com hipertireoidismo apresentam risco
Associação de CPI/meia elástica com enoxaparina/ de crise tireotóxica em procedimentos cirúrgicos e devem
heparina profilática. ser submetidos a procedimentos cirúrgicos eletivos só em
caso de eutireoidismo. Tempestade tireoidiana já foi uma
complicação relatada com relativa frequência entre pes-
A Tabela 7 sumariza as recomendações das diretrizes
CARDIOLOGIA
soas com hipertireoidismo submetidas a cirurgia. Por isso,
brasileiras.
devem ser pontuados alguns princípios do manejo delas:
Tabela 7 - Recomendação para manejo da anticoagulação pré e - Doses de PTU, 200 a 250mcg, 4/4h, e de tapazol,
pós-operatória para pacientes em uso de anticoagulação oral por 20mcg, 4/4h são apropriadas a esses pacientes;
história de TEV prévio - PTU é a 1ª escolha pela ação na inibição da conversão
Indicação Antes da cirurgia Após a cirurgia periférica de T4 em T3;
Heparina IV (reiniciar - Ácido iopanoico é o agente iodado de escolha (Telepa-
12h após operações de que) - 1g, de 8/8h no 1º dia e após, 500mg, de 12/12h;
TEV agudo - Heparina IV (sus-
grande porte ou mais na falta deste, usar iodeto de potássio, 4 a 8 gotas, de
mês 1 pender 6h antes)
tarde, caso haja risco de
6/6 ou 8/8h;
sangramento)
Heparina IV (até atingir
- Tionamidas devem ser oferecidas antes do iodo (2 a
TEV - meses 2 e 3 Sem alteração INR de 2 com uso de 3h);
varfarina) - A dose de lítio é de 300mg 6/6h; usada quando não
TEV - após 3 se podem utilizar tionamidas (há poucos estudos com
Sem alteração HBPM SC seu uso);
meses
TEV recorrente Sem alteração HBPM SC - Hemodiálise e hemoperfusão não devem ser usadas
como terapia de 1ª linha;
14. Pacientes com tireoidopatia - Os beta-bloqueadores são importantes para inibir efei-
tos periféricos dos hormônios tireoidianos; a dose de
Os pacientes com doença de tireoide apresentam risco propranolol é de 60 a 120mg, de 6/6h;
aumentado de eventos mórbidos e mortalidade no periope- - A reposição de corticosteroides é indicada, pois são
ratório. O hipotireoidismo, por exemplo, é extremamente pacientes de risco para insuficiência adrenal; a dose
prevalente entre as mulheres, as quais podem apresentar de hidrocortisona recomendada é de 100mg, de 8/8h.
complicações. As recomendações das Diretrizes Brasileiras
de Avaliação Perioperatória são (grau de recomendação I,
nível de evidência D): 15. Reposição de corticosteroides em ci-
- Não valorizar hipotireoidismo subclínico em caso de rurgias
valor de TSH <10mU/dL;
A insuficiência adrenal pode ser precipitada por proce-
- O procedimento eletivo só deve ser realizado quando dimentos cirúrgicos em virtude do estresse causado pelo
o paciente estiver eutireóideo;
dano tecidual. Na vigência do bloqueio do eixo adrenal pelo
- Pacientes com idade <45 anos devem receber a dose uso crônico de corticosteroides, existe o risco de falência
plena, que costuma ser de 1,6 a 2,2mcg/kg de L-tiro- adrenal no perioperatório. O aumento dos níveis de cortisol
xina ou 100 a 200mcg ao dia. Os níveis de TSH só se sérico é uma importante resposta ao estresse cirúrgico e
normalizam após 4 a 6 semanas do início da dose ade- representa resposta protetora do organismo, necessária no
quada; processo adaptativo.
- Pacientes com mais de 45 anos devem iniciar com 25 Cirurgias, portanto, representam estresse fisiológico
a 50mcg/dia, e a dose é aumentada a cada 2 semanas; e resultam em ativação do eixo hipotalâmico-hipofisário-
- Pacientes coronarianos devem receber 15mcg/dia, e a -adrenal, provocando aumento do ACTH e da secreção de
dose deve ser aumentada a cada semana, até que se cortisol. Pacientes em uso de glicocorticoide exógeno po-
chegue a TSH normal; dem não produzir ACTH e cortisol suficiente para situações
- Não adiar procedimento em pacientes com quadro de de estresse, como cirurgias, e podem evoluir para insufici-
hipotireoidismo leve, porém iniciar reposição hormo- ência adrenal com hipotensão e choque, embora a evidên-
nal oral; cia de que isso ocorra seja anedótica.
- Em procedimentos cirúrgicos na vigência de hipoti- Doses menores que 5mg de prednisona, únicas pela ma-
reoidismo, devem-se realizar profilaxia de hipotermia nhã, não parecem causar qualquer espécie de supressão no
e monitorização cardiovascular e administrar hidro- eixo. O mesmo acontece com corticoide de curta duração
151
CARD I OLOG I A
16. Resumo
Quadro-resumo
- O risco cirúrgico depende dos riscos da própria cirurgia, da
idade do paciente e das suas comorbidades;
- As cirurgias de emergência/urgência apresentam maior risco;
- O risco cardiovascular nas cirurgias eletivas pode ser avaliado
por teste de esforço;
- A classificação ASA é pouco sensível em classificar adequada-
mente o risco perioperatório;
- A avaliação de Goldman e Detski são mais sensíveis na avalia-
ção do risco cardiovascular;
- A utilização de beta-bloqueadores no perioperatório para pa-
cientes de risco cardiovascular está associada à redução de
eventos no perioperatório;
- A avaliação laboratorial pré-operatória deve ser individualiza-
da, de acordo com as morbidades de cada paciente.
152
CAPÍTULO
17
Diagnóstico diferencial da dor torácica
153
C ARDI O LOG I A
154
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DA DOR TORÁCICA
contínuo. Indivíduos com miocardite podem apresentar, ao cica localizada no dorso ou ombros e é acompanhada de
ECG, aumento da duração do intervalo QRS e sintomas de dispneia. Pode ter evolução para pneumotórax hipertensi-
insuficiência cardíaca. vo, em que os pacientes apresentam insuficiência respirató-
ria e colapso cardiovascular. A percussão torácica se encon-
C - Dissecção aguda de aorta tra timpânica, o murmúrio vesicular está abolido do lado do
A dissecção aguda de aorta é relativamente rara, em- pneumotórax, a traqueia pode estar desviada, e ainda há a
bora apresente alto potencial de letalidade. A dissecção da hipótese de estase jugular.
A pneumonia e outras doenças parenquimatosas, prin-
CARDIOLOGIA
aorta sempre deve ser considerada possibilidade em pa-
cientes com dor torácica no serviço de emergência. Surge cipalmente as que se apresentam com envolvimento pleu-
como dor torácica abrupta e de forte intensidade em 73% ral, cursam com dor que geralmente tem piora ventilatória.
dos casos, com característica principalmente de pontadas O diagnóstico diferencial principal, nesses casos, passa pe-
agudas. Pode ser acompanhada por insuficiência cardíaca, las dores osteomusculares e neurites intercostais, que tam-
principalmente secundária à insuficiência aórtica aguda ou bém apresentam tais características.
por sangramento para o saco pericárdico com tampona-
mento e choque. Dependendo da extensão da dissecção, E - Dor esofágica e dispepsia
pode ocorrer oclusão arterial aguda de membros ou renal
Pacientes com refluxo gastroesofágico podem apresen-
e mesentérica.
tar desconforto torácico, comumente em queimação, algu-
Os pacientes costumam estar agitados, e é descrita a mi-
mas vezes como uma sensação opressiva, retroesternal ou
gração da dor seguindo o trajeto da aorta. Podem apresen-
subesternal, podendo irradiar-se para pescoço, braços, dor-
tar assimetria de pulsos e hipertensão arterial significativa,
so. Frequentemente, associa-se à regurgitação alimentar.
valorizando-se diferenças acima de 15mmHg entre cada
membro. Cerca de 90% dos pacientes apresentam histórico O espasmo esofágico pode apresentar melhora com
de hipertensão arterial, doenças do tecido conectivo, como o uso de nitratos, causando dificuldade na diferenciação
a síndrome de Marfan e Ehler-Danlos ou sífilis. Sintomas au- com síndromes coronarianas. Pacientes com úlcera pépti-
tonômicos, como diaforese e palidez cutânea, também são ca apresentam dor localizada em região epigástrica ou no
comuns. A confirmação do diagnóstico deve ser realizada andar superior do abdome, mas, algumas vezes, pode ser
com tomografia de tórax, e, na sala de emergência, pode referida na região subesternal ou retroesternal. Habitual-
ser utilizado o ecocardiograma transesofágico. mente, ocorre após uma refeição, melhorando com o uso
de antiácidos.
D - Tromboembolismo pulmonar A ruptura de esôfago acontece após trauma local ou
vômitos intensos, principalmente após ingestão alcoólica
Os pacientes apresentam-se tipicamente (2/3 dos ca-
aguda. A dor é intensa, retroesternal ou no andar superior
sos) com dor, que pode ser pleurítica e costuma ser súbi-
do abdome, geralmente acompanhada de um componente
ta. Dispneia e taquicardia são sintomas comuns e podem
pleurítico à esquerda. O diagnóstico pode ser sugerido pela
acompanhar o quadro. O uso de escores clínicos como o
de Wells e Geneva ajuda na definição de risco de doença presença de pneumomediastino, e em torno de 1/3 dos pa-
tromboembólica e facilita a investigação desses pacientes. cientes apresenta enfisema subcutâneo.
Os critérios de Wells estão citados na Tabela 5:
F - Dor osteomuscular e psicogênica
Tabela 5 - Probabilidade de TEP (critérios de Wells)
Conforme já discutido, a dor osteomuscular, em geral,
Achado clínico Pontos apresenta características pleuríticas por serem desencade-
Sintomas clínicos de doença tromboembólica 3 adas ou exacerbadas pelos movimentos dos músculos e/ou
Outro diagnóstico menos provável que TEP 3 articulações que participam da respiração. A palpação cui-
FC >100bpm 1,5 dadosa das articulações ou dos músculos envolvidos quase
Imobilização ou cirurgia nas últimas 4 semanas 1,5 sempre reproduz ou desencadeia a dor referida. Geralmen-
TEP ou TVP prévios 1,5 te, a dor é contínua e com duração de horas a semanas.
Hemoptise 1,5 Frequentemente, tem uma localização em área específica,
o que facilita a diferenciação com outros quadros.
Malignidade 1,5
As dores por causas psicogênicas são comuns nos ser-
- Alta probabilidade: escore >6; viços de emergência e podem apresentar qualquer padrão,
- Moderada probabilidade: escore de 2 a 6; mas costumam ser difusas, de localização imprecisa, po-
- Baixa probabilidade: escore <2. dendo estar associadas a utilização abusiva de analgésicos
sem melhora sintomática e representam cerca de 30% dos
Outras causas de dor torácica pulmonares incluem o casos de dor torácica em serviços de emergência, portanto,
pneumotórax espontâneo, que se apresenta com dor torá- significativamente mais frequentes que as causas cardíacas.
155
C ARDI O LOG I A
156
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DA DOR TORÁCICA
CARDIOLOGIA
sibilidade e especificidade maiores que o teste de esforço, da aorta descendente ocorre em 20% dos doentes.
sendo indicados, principalmente, a situações que dificultem
a interpretação do teste de esforço, como valvulopatia aór-
- Quanto à evolução
tica ou bloqueio de ramo esquerdo. • Aguda: menos de 2 semanas do início dos sintomas
O ecocardiograma de estresse físico ou com dobuta- (2/3 dos doentes);
mina ou dipiridamol também é útil para o diagnóstico de • Crônica: mais de 2 semanas do início dos sintomas
pacientes com suspeita de doença coronariana, com de- (1/3 dos doentes).
sempenho diagnóstico semelhante ao dos exames de cin- Tabela 6 - Métodos complementares para o diagnóstico da dissecção
tilografia miocárdica. Ainda permite o diagnóstico de peri- aguda de aorta
cardite, tromboembolismo pulmonar e dissecção de aorta Ecocardiograma transtorácico
principalmente na sala de emergência. Sensibilidade de 63 a 96% e especificidade de 59 a 85%. Melhor
A tomografia computadorizada de coronárias avalia a acurácia para as dissecções proximais.
carga de placas de ateroma, que é representada pela cal- Ecocardiograma transesofágico
cificação coronariana e também pode avaliar as obstruções Sensibilidade de 98 a 99%; apresenta baixa especificidade, mas é
coronarianas por meio da angiografia não invasiva. Uma o método de eleição em pacientes graves na sala de emergência.
meta-análise publicada recentemente mostrou o papel in- Tomografia helicoidal
dependente dos escores de cálcio coronariano na predição Sensibilidade de 83 a 100% e especificidade de 87 a 100%. Iden-
de eventos clínicos. O exame apresenta sensibilidade alta tifica a laceração intimal e complicações como derrame pleural e
para o diagnóstico de doença coronariana próxima de 95%, pericárdico, entre outras.
mas sua especificidade é relativamente baixa – corresponde Ressonância magnética
a apenas 66%. Não é útil para pacientes já com diagnóstico Acurácia diagnóstica de quase 100%, mas de pouca disponibili-
de doença coronariana. Recentemente, o uso de tomogra- dade no Brasil.
fia com multidetectores, que pode, com menor quantidade Essa classificação da dissecção de aorta é importante
de contraste, avaliar a vascularização pulmonar, coronária em relação ao tratamento dos pacientes, pois a dissecção
e aórtica, tem sido advogado em serviços de emergência, proximal necessita de intervenção cirúrgica imediata, en-
mas ainda é discutível. quanto indivíduos com dissecção de aorta abdominal são
Os pacientes com dissecção de aorta representam um manejados clinicamente, exceto nas seguintes condições:
desafio diagnóstico importante. A radiografia pode mostrar - Dor recorrente ou persistente, apesar do tratamento;
aumento do mediastino, sinal do cálcio (separação da calci- - Expansão precoce;
ficação da íntima de mais de 1cm da borda do arco aórtico) - Complicações isquêmicas periféricas;
e derrame pleural (em geral, à esquerda), mas, em cerca - Ruptura.
de 15% dos pacientes, não há qualquer alteração radiográ-
fica. O ECG também apenas apresenta sinais inespecíficos Todos os pacientes devem ter pressão arterial contro-
com hipertrofia do ventrículo esquerdo. O diagnóstico deve lada com beta-bloqueador e vasodilatador, de preferência
ser confirmado em pacientes graves e que não possam ser nitroprussiato.
Pacientes com dor torácica potencialmente associada a
removidos da sala de emergência com ecocardiograma
doença grave devem ser tratados com prioridade nos ser-
transesofágico. Nos casos em que podem ser removidos, o
viços de emergência. A instituição de unidades específicas
exame de escolha é a tomografia helicoidal ou a ressonân-
nos serviços de emergência para o manejo tem demonstra-
cia magnética. Em alguns raros casos, pode ser necessária do melhora da sobrevida, pois essas unidades permitem es-
a realização de aortografia, principalmente quando existem tabelecer protocolos para o manejo e acionar rapidamente
vísceras mal-perfundidas ou a necessidade de intervenção intervenções necessárias, como trombólise e angioplastia
percutânea. para pacientes com supradesnivelamento do segmento ST
A dissecção de aorta pode ser classificada em relação ao e exames subsidiários de emergência para pacientes com
local e ao tempo de evolução: dissecção de aorta, entre outras medidas.
157
C ARDI O LOG I A
5. Resumo
Quadro-resumo
- Dor torácica na sala de emergência é uma entidade clínica que
exige cuidado no seu manejo, pois existem causas potencial-
mente fatais que podem ser confundidas com outras de evo-
lução benigna;
- A dissecção de aorta, o tromboembolismo pulmonar e a síndro-
me coronariana aguda são as patologias que cursam com dor
torácica e maior risco de mortalidade;
- A causa mais frequente é a dor musculoesquelética;
- Idealmente, os pacientes com causa de dor torácica aguda de
origem não definida devem ser avaliados em unidades de dor
torácica para esclarecimento efetivo da causa, conforme pro-
tocolos institucionais.
158