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Ivanilde Apoluceno de Oliveira; Tânia Regina Lobato dos Santos

A CONTRIBUIÇÃO DE PAULO FREIRE PARA


A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NA
AMÉRICA LATINA

Ivanilde Apoluceno de Oliveira (UEPA)*


Tânia Regina Lobato dos Santos (UEPA)**

Resumo
Este artigo é recorte de uma pesquisa concluída em 2016 e financiada pelo
CNPq, com o tema “A Educação de Paulo Freire nos contextos latino e nor-
te-americanos”. O objetivo, neste artigo, é identificar a influência do pensa-
mento de Paulo Freire na educação latino-americana. A pesquisa apresen-
ta como referencial teórico Paulo Freire e autores que realizaram estudos
sobre a educação freireana na América Latina. A metodologia consiste em
uma pesquisa de campo qualitativa. Os procedimentos metodológicos são:
a) levantamento bibliográfico, on line e digital; b) a realização de entrevista
aberta, visando o mapeamento dos estudos e práticas educacionais freirea-
nos no contexto da América Latina; c) a sistematização e a análise dos dados
com base em categorizações temáticas. Entre os resultados destaca-se: Paulo
Freire contribuiu para a Educação de Jovens e Adultos na América Latina
em uma perspectiva de educação popular crítica e dialógica, voltada para a
formação humana e cidadã.
Palavras-Chave: Educação de Jovens e Adultos 1; Paulo Freire 2; América
Latina 3. Pesquisa 4.

Abstract
PAULO FREIRE’S CONTRIBUTION TO THE EDUCATION FOR
YOUTH AND ADULTS IN LATIN AMERICA
This article is an excerpt from a research completed in 2016 and funded by
CNPq, with the theme “Paulo Freire’s Education in Latin and North Ameri-
can contexts”. The purpose of this article is to identify the influence of Paulo
Freire’s reasoning on Latin American education. The research presents as
theoretical reference Paulo Freire and authors who carried out studies on
Freirean education in Latin America. The methodology consists of a qualita-
tive field research, and the methodological procedures are: a) a bibliograph-

* Universidade do Estado do Pará. E-mail: nildeapoluceno@uol.com.br


** Universidade do Estado do Pará. E-mail: tanialobato@superig.com.br

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A contribuição de Paulo Freire para a educação de jovens e adultos na América Latina

ical, online and digital survey; b) an open interview, aiming the mapping of
Freirean studies and educational practices in the context of Latin America;
c) systematization and analysis of data based on thematic categorizations.
Among the results, it is highlighted that: Paulo Freire contributed to the edu-
cation for youth and adults in Latin America in the perspective of critical and
dialogic popular education, focused on human and citizen formation.
Keywords: Youth and Adults Education 1; Paulo Freire 2; Latin America 3.
Research 4.

Resumen
LA CONTRIBUCIÓN DE PAULO FREIRE PARA LA EDUCACIÓN DE
JÓVENES Y ADULTOS EN AMÉRICA LATINA
Este artículo es un recorte de una inestigación concluida en 2016 y financiada
por el CNPq, con el tema “La Educación de Paulo Freire en los contextos lati-
no y norteamericano”. El objetivo de este artículo es identificar la influencia
del pensamiento de Paulo Freire en la educación latinoamericana. La inves-
tigación presenta como referencial teórico Paulo Freire y autores que realiza-
ron estudios sobre la educación freireana en América Latina. La metodología
consiste en una investigación de campo cualitativa. Los procedimientos me-
todológicos son: a) levantamiento bibliográfico, on line y digital; b) la realiza-
ción de una entrevista abierta, buscando el mapeo de los estudios y prácticas
educativas freireanas en el contexto de América Latina; c) la sistematización
y el análisis de los datos basados en categorizaciones temáticas. Entre los
resultados resaltamos: Paulo Freire contribuyó a la Educación de Jóvenes y
Adultos en América Latina en una perspectiva de educación popular crítica y
dialógica, orientada hacia la formación humana y ciudadana.
Palabras clave: Educación de Jóvenes y Adultos 1; Paulo Freire 2; América
Latina 3. Investigación 4.

Introdução
Este artigo é recorte de uma pesquisa con- neste artigo, é a para a contribuição de Paulo
cluída em 2016, e financiada pelo CNPq, Freire para a Educação de Jovens e Adultos
com o tema “A Educação de Paulo Freire na América Latina.
nos contextos latino e norte-americanos”, A investigação teve por base o pensa-
cujo problema investigado foi: como o pen- mento educacional de Paulo Freire e auto-
samento e orientações metodológicas da res que realizaram estudos sobre a educação
educação de Paulo Freire se apresentam em freireana na América Latina.
pesquisas e práticas educacionais de países Consiste em uma pesquisa de campo de
latinos e americanos? abordagem qualitativa. Os procedimentos
O objetivo é identificar a influência do metodológicos utilizados neste estudo fo-
pensamento de Paulo Freire na educação la- ram: a) levantamento bibliográfico, on line e
tino e norte-americana. Entretanto, o foco, digital de obras de Paulo Freire e de autores

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sobre temáticas correlacionadas ao objeto de A pedagogia freireana apresenta duas


estudo; b) a realização de entrevista aberta tarefas importantes na América Latina: (1)
com Ana Maria Freire, viúva de Paulo Freire, reconstruir a memória pedagógica por meio
visando o mapeamento dos estudos e prá- de uma “arqueologia da consciência” e (2)
ticas educacionais freireanos nos contextos recuperar as pedagogias silenciadas durante
latino e norte-americanos; c) sistematização séculos de dominação. “A “cultura do silên-
e análise dos dados coletados com base em cio” denunciada por Freire nas classes popu-
categorizações temáticas de Bardin (1995). lares também se manifesta nos silenciamen-
Paulo Freire em sua andarilhagem pelo tos de práticas educativas transformadoras”
mundo, incluindo o período do exílio, con- (STRECK, 2010, p. 331).
tribuiu para programas educativos de alguns Desta forma, a educação de Paulo Freire
países e influenciou, sobretudo na América não se constitui apenas em sua metodologia
Latina, nos anos 60, a Educação de Jovens na prática alfabetizadora de Jovens e adul-
e Adultos em uma perspectiva de educação tos, pois se dimensiona como diretrizes fun-
popular, crítica e dialógica, voltada para a dantes tanto para educação popular como
formação humana e cidadã. para as pedagogias críticas.
Nesta andarilhagem não só influenciou, Para Carrillo (2011, p. 29):
por meio de seu pensamento educacional,
a obra pedagógica de Freire foi mais além
intelectuais e educadores dos países que de seu método de alfabetização, formando
viveu no exílio, como também aprendeu e as diretrizes fundantes tanto da educação
incorporou em seu discurso pedagógico as popular como das pedagogias críticas. A am-
experiências vividas e, sobretudo, manteve pla obra escrita de Freire e suas inumeráveis
a coerência com os pressupostos teóricos e apresentações públicas configuram um rico
universo de reflexões acerca da educação, da
metodológicos de sua pedagogia libertadora.
pedagogia e da ética libertadoras.

A contribuição de Paulo Freire Assim, a Educação de Jovens e Adultos


se apresenta no contexto da educação popu-
para a Educação de Jovens e
lar de Paulo Freire, educação crítica, engaja-
Adultos na América Latina da politicamente com as classes populares,
Oscar Jara (1994) explica que na década de cujo ideário é a transformação da sociedade.
60 a experiência e o pensamento de Paulo Freire (1993a, p.101) define a educação
Freire marcam a história da educação popu- popular como a que “estimula a presença
lar na América Latina, incluindo a Educação organizada das classes sociais populares na
de Jovens e Adultos, destacando o seu méto- luta em favor da transformação democrá-
do psicossocial de alfabetização. tica da sociedade, no sentido da superação
Entretanto, não é apenas a dimensão das injustiças sociais”. A educação popular
metodológica de seu trabalho com jovens freireana, então, consiste em um dos meios,
e adultos que é destacado de Paulo Freire nessa sociedade de classe, capaz de transfor-
na América Latina. Ele é mencionado por mar a realidade.
Streck (2010) como fundamental no pro- A educação de jovens e adultos na pers-
cesso de consolidação de um pensamento pectiva da educação popular desenvolvida
pedagógico latino-americano, a educação por Paulo Freire no Brasil vai influenciar
popular. Segundo Torres (2001, p. 37) Programas de

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alfabetização de Jovens e Adultos na Nicará- Nos anos 60, no Brasil, Paulo Freire
gua e México. coordenou diversos programas como: Mo-
Na Nicarágua, nos anos 80, contribuiu vimento de Educação de Base, Movimento
na reconstrução da Nicarágua, sobretu- de Cultura Popular do Recife, Campanha de
do na Cruzada Nacional de Alfabetização. Pé no Chão Também se Aprende a Ler, Cen-
Esta Cruzada “além de obter êxitos esta- tros Populares de Cultura (FÁVERO, 2009).
tísticos impressionantes na redução do Todos tinham a concepção de Paulo Freire
analfabetismo, se constituiu num grande sobre uma educação libertadora que visava
movimento de mobilização e de educação, a transformação da realidade dos sujeitos.
tanto dos alfabetizandos como dos alfabe-
Esses movimentos, nascidos todos no mes-
tizadores que juntos cresceram na leitu- mo período, operam um salto qualitativo
ra da realidade nicaraguense” (FREIRE, em relação às campanhas e mobilizações
2008, p. 64). governamentais contra o analfabetismo de
No Chile, Isabel Hernández (1981) reali- adolescentes e adultos ou de educação rural,
zou uma experiência de educação indígena, das décadas de 1940 e 1950. São propostas
qualitativamente diferentes das ações ante-
com aplicação bilíngue do método de Paulo
riores. E o que as faz radicalmente diferentes
Freire, como parte do Programa de Mobi- é o compromisso explicitamente assumido
lização Cultural do povo Mapuche. É uma em favor das classes populares, urbanas e
atividade alfabetizadora que tem como pon- rurais, assim como o fato de orientarem sua
to de partida a motivação por meio de sím- ação educativa para uma ação política (FÁ-
bolos geradores (desenhos e palavras), com VERO, 2009, p. 62).
debates sobre a cultura Mapuche, seguida Antes de trabalhar no Ministério da Edu-
da reflexão, leitura e escrita das palavras ge- cação coordenando o Plano Nacional de Al-
radoras, sendo considerada uma tarefa re- fabetização, Paulo Freire foi diretor do Ser-
volucionária. viço de Extensão Cultural da Universidade
Freire (1993b) trabalhou como assessor do Recife e foi por meio deste que, em par-
de Jacques Chonchol no Instituto de Desar- ceria com a Secretaria da Educação do Rio
rolo Agropecuário, (denominado de Pro- Grande do Norte, teve uma experiência de
moción Humana) assim que chegou exilado trabalho, na cidade de Angicos, usando os
no Chile. Nesta assessoria colaborou com pressupostos teórico-metodológicos de sua
o Ministério de Educação, junto aos traba- teoria educacional. Este trabalho em An-
lhadores da Educação de Jovens e Adultos e gicos deu mais visibilidade a seu modo de
também à Corporación de la Reforma Agrá- pensar a educação de jovens e adultos.
ria. Neste trabalho de assessoria explica Oliveira (2015) explica que na experiên-
Freire (1993b, p. 41) que: cia de educação de jovens e adultos no Brasil,
Viajando quase todo o país, acompanhado os círculos de cultura elaborados por Freire
sempre por jovens chilenos, na sua maioria apresentam com base na sua concepção de
progressista, ouvi camponeses e discuti com educação dialógica, crítica e democrática
eles sobre aspectos de sua realidade; deba- um novo currículo organizado por unidades
ti com agrônomos e técnicos agrícolas uma
de aprendizado, tendo como eixo a cultura.
compreensão político-pedagógico-democrá-
tica de sua prática; debati problemas gerais Destaca, ainda, a autora, que os círculos de
de política educacional com os educadores cultura não tinham uma programação cons-
das cidades que visitei. truída a priori, e sim que os temas debati-

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dos era o grupo que estabelecia. Entretan- Em Natal, Freire se envolveu com a Cam-
to, os educadores poderiam acrescentar à panha de educação “De Pé no Chão também
proposta do grupo outros temas, que Freire se Aprende a Ler” lançada pelo prefeito da
denominou de “temas de dobradiça”, isto é, época, Djalma Maranhão.
assuntos incluídos para melhor esclarecer a
Assim, participei como um companheiro
temática sugerida pelo grupo popular. que aderia às visões políticas e populares,
Por meio dos temas de dobradiça o edu- e também não populistas, de Djalma Mara-
cador popular viabiliza a compreensão mais nhão, e Moacir de Góes. Fui algumas vezes
crítica da temática proposta pelo grupo e a visitar, em Natal, bairros populares em que
interação entre os saberes populares e o eru- eles construíram, com uma arquitetura be-
líssima, que utilizava o próprio material da
dito, constituindo-se a ação educativa uma
região, escolas tipo palhoças, como as dos
ação cultural. Os círculos de culturas são de- pescadores, muito arejadas (FREIRE; GUI-
batidos e refletidos criticamente de maneira MARÃES, 2010, p. 35).
coletiva.
É importante destacar que na América Nos anos 60, como nos diz Freire e Gui-
Latina, no campo da Educação de Jovens e marães (2010), mais precisamente de junho
Adultos, Paulo Freire é sempre referido pelo de 1963 a abril de 1964, “período pré-64”,
seu método de alfabetização. Entretanto, Freire coordenou o Plano Nacional de Al-
Ana Maria Freire esclarece que: fabetização do Ministério da Educação em
Brasília. “Tal plano consistia em criar, na
Paulo não é um criador de um método. Pau-
capital de cada estado, equipes centrais que
lo compreendeu e fez uma nova leitura de
mundo, do mundo do espoliado, do explo-
multiplicariam os quadros e, em seguida,
rado, do oprimido. Por isso, que toda obra poriam o método em prática” (GADOTTI,
de Paulo desde o princípio no Recife é uma 2001, p. 51).
pedagogia para o oprimido, é uma pedago- Segundo Fávero (2009), a experiência
gia do oprimido. Então, foi nessa filosofia com o PNA foi desmontada e teve todo seu
em que ele vendo nessa compreensão ética
material confiscado pelo golpe militar de 64.
e política educacional de leitura de mundo,
é que ele pode perceber que o analfabeto é
Porém, não impediu experiências isoladas
aquele que tem parte de sua ontologia, de que utilizavam o método de alfabetização de
sua vocação ontológica roubada. Quem não Paulo Freire, sendo que essas experiências
sabe ler e escrever deveria saber, então, a continuaram a serem feitas por mais alguns
sociedade que os proíbem ou que as proí- anos.
bem de ler e escrever estão lhe roubando
uma parte de sua humanidade. Então, essa A mais expressiva foi a Operação Ubatuba,
é uma questão muito importante. A questão realizada nessa cidade, entre setembro e
da alfabetização está locada dentro de uma novembro de 1964, por estudantes apoiados
teoria, de uma filosofia de educação. Ago- pela Associação Cristã de Moços e pela For-
ra Paulo nunca dizia “eu fiz uma teoria” ele ça Pública de São Paulo. Como consequên-
dizia “olha eu desenvolvo ideias sobre cer- cia dessa experiência foi organizado, por
ta compreensão ético-política educacional, ex-participantes da Operação Ubatuba, o
que é antropológica etc., social-antropoló- Mova – Movimento de Educação cujos qua-
gica da educação é uma compreensão de dros eram formados por universitários que
mundo diferente daquela que se dizia e que atuaram, em 1966, em algumas cidades do
era a única compreensão de mundo”. (ANA interior do estado de São Paulo (FÁVERO,
MARIA FREIRE). 2009, p. 68).

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De acordo com Fávero (2009), após o Néspoli (2013) destaca como concepção
golpe militar de 64, houve o desmonte dos de alfabetização e objetivos defendidos pelo
movimentos de cultura popular, o recesso MOVA:
MEB e o PNA foi extinto e, consequente-
1. Desenvolver um processo de alfabetiza-
mente, o Método de Alfabetização de Pau- ção que possibilite aos educandos uma
lo Freire foi secundarizado, já que o gover- leitura crítica da realidade.
no militar buscava, a todo custo, reprimir
2. Através do Movimento de Alfabetiza-
qualquer tentativa de mobilização popular ção contribuir para o desenvolvimento
especialmente “em áreas onde tinha havido da consciência política dos educandos e
a penetração daquele método e as ligas cam- educadores envolvidos.
ponesas e os sindicatos rurais tinham sido
3. Reforçar o incentivo à participação po-
mais ativos” (p.72). pular e a luta pelos direitos sociais do
Esse clima de retrocesso educacional, em cidadão, ressaltando o direito básico à
especial, da Educação de Jovens e Adultos, educação pública e popular.
ainda persistiu por um longo período, até
4. Reforçar e ampliar o trabalho dos gru-
nos fins dos anos 80 quando: pos populares que já trabalhavam com
a responsabilidade maior da oferta do Ensino alfabetização de adultos na periferia
Fundamental passou a ser dos municípios, da cidade (SME, 1989 apud NÉSPOLI,
2013, p. 36).
em algumas importantes capitais (São Paulo,
Porto Alegre, Belo Horizonte, entre outras), O MOVA, conforme Néspoli (2013), pau-
durante governos liderados por partidos de
tado pelas ideias de Freire, representou um
oposição, principalmente o Partido dos Tra-
balhadores, desenvolveram-se importantes
novo modelo de política pública, pois conse-
experiências em educação de jovens e adul- guiu estabelecer uma nova forma de relacio-
tos. Nem sempre essas experiências foram namento entre estado e sociedade civil, haja
generalizadas para todo o território munici- vista que, passou a desenvolver projetos em
pal, mas todas se caracterizam pela busca de conjunto com as entidades civis organizadas
soluções inovadoras, em termos de projeto num diálogo constante em momentos como:
político-pedagógico, formação de quadros seminários e reuniões, Fórum Municipal,
e produção de material didático (FÁVERO,
Fórum do MOVA.
2009, p. 84).
A partir de 2003, o MOVA sofreu uma
Dentre essas experiências, destaca-se a reestruturação e formou-se a Rede MOVA
criação do MOVA – Movimento de Alfabeti- -BRASIL, que também se pauta pelos prin-
zação. Como nos diz Néspoli (2013), o edu- cípios de Paulo Freire apresentando como
cador Paulo Freire volta a ocupar um cargo um de seus objetivos o estabelecimento de
público vinte e seis anos depois de ter sido parcerias com outros projetos do Progra-
coordenador do MEB, atuando como Secre- ma Petrobras Socioambiental e com orga-
tário Municipal de Educação da cidade de nizações, sindicatos, movimentos sociais,
São Paulo, no governo da Luiza Erundina. movimentos populares, governos e insti-
Nesse contexto, então, foi que, junto com tuições que trabalhassem com formação
os movimentos organizados da cidade, Paulo profissional nos âmbitos municipal, esta-
Freire criou o Movimento de Alfabetização dual e nacional. Objetivava, na medida do
de Jovens e Adultos da cidade de São Paulo possível, integrar as ações do MOVA-Brasil
(MOVA-SP), herdeiro do MEB de 1960. às do Plano Brasil Sem Miséria, potencia-

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lizando ambas as iniciativas (PROJETO Tal como Pontual, Hurtado (2006) apon-
MOVA-BRASIL, 2016). ta como tarefa urgente do CEAAL a manu-
Outro programa criado em 2003 foi Pro- tenção da esperança em um mundo melhor
grama Brasil Alfabetizado (PBA) que, se- como fortalecedora na luta pela transforma-
gundo o Mistério da Educação (MEC), des- ção social.
tina-se a alfabetização de jovens, adultos e Por isso, uma tarefa urgente do CEAAL é
idosos e tem por objetivo promover a supe- continuar a manter a esperan­ça em um mun-
ração do analfabetismo desse público alvo e do melhor. Devemos educar e educarmo-nos
contribuir para a universalização do ensino a este respeito. Como resultado, voltamos a
fundamental no país. A sua principal ação é assumir a capacidade crítica e de denúncia
frente às aberrações que a ideologia neolibe-
apoiar técnica e financeiramente os projetos
ral nos apresenta como nor­mais. Não pode-
de alfabetização de jovens, adultos e idosos mos continuar nos calando, sob o pretexto de
apresentados pelos estados, municípios e sermos con­siderados pré-modernos. Não se
Distrito Federal (BRASIL, 2016). trata de voltar a linguagens revolucio­nárias,
No entanto, vale ressaltar que, apesar dos mas de denunciar os crimes sistêmicos, a
falta de compromisso, a cômoda e cúmplice
esforços desses dois últimos programas, “es-
atitude de muitos intelectuais que se instala-
sas iniciativas, realizadas fundamentalmen- ram na mera especulação teórica (HURTA-
te por meio de parcerias, estão se mostrando DO, 2006, p.154).
insuficientes para atender efetivamente as
Essa rede se constitui em espaço de de-
necessidades educacionais da população jo-
bates sobre a educação de jovens e adultos,
vem e adulta, mesmo que apenas no ensino
a educação popular e divulgação do pensa-
fundamental” (FÁVERO, 2009, p. 88). Isso
mento educacional de Paulo Freire no con-
pode se dá pelo fato de mesmo explicitan-
texto latino-americano
do em seus discursos os princípios de Paulo
Assim, vale enfatizar o quanto a educação
Freire, hoje muitos programas acabam pe-
desenvolvida por Paulo Freire influenciou
cando em sua execução.
não só no Brasil e na América Latina, a cria-
A Rede Conselho de Educação de Jovens
ção de programas educacionais envolvendo
e Adultos da América Latina - CEAAL, foi
a Educação de Jovens e Adultos que contri-
criada nos anos 80, sendo Paulo Freire o seu
buíram para formar cidadãos conscientes de
primeiro presidente.
sua realidade, sujeitos capazes de lutar por
Rossel (2012, p.451) destaca que o
seus direitos e transformarem a realidade
CEAAL teve “o orgulho e responsabilida-
em que vivem.
de de ter tido como seu primeiro presiden-
te Paulo Freire, um dos mais significativos Considerações Finais
educadores do século XX”, que de acordo
com Pontual (2008, p.15) ainda representa Na América Latina Paulo Freire por meio
da educação de jovens e adultos em uma
uma influência importante para a rede:
perspectiva popular e crítica fortaleceu os
é um dos espaços latino-americanos em que setores e segmentos populares, bem como
as proposições de Freire seguem sendo até
valorizou as práticas de alfabetização de jo-
hoje uma referência fundamental no esforço
de reinventar as práticas de educação popu- vens e adultos em diferentes espaços educa-
lar e seus paradigmas à luz de novos desafios cionais para o processo de democratização
deste início de novo milênio. da sociedade.

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A contribuição de Paulo Freire para a educação de jovens e adultos na América Latina

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