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Da boca para fora

"Da boca para fora" é uma expressão relacionada com a


mentira. Tem a ver com teatralidade e dissimulação. O
líder que diz coisas apenas da boca para fora é, via de
regra, um sonso e um mentiroso.

Às vezes a caneta fica tão pesada que cai da mão (mesmo que ela, a
caneta, não passe de uma metáfora). Foi o que aconteceu na semana
passada. Não consegui escrever a minha crónica regular para este
espaço. Não foi por falta de assunto, mas por excesso.

Claro que teve a ver com as recentes eleições no Brasil. Mas não só. O
novelo da novela da vida real que estamos a encenar e a assistir tem
muitos fios para se puxar. Estes são tempos profícuos para cronistas e
terríveis para a humanidade.

Há dias esbarrei num cartoon cuja piada era sintomática. Nele vemos
um desenho da prateleira vazia de uma livraria. O espaço é ocupado
por um aviso: "Os livros com distopias pós-apocalípticas que aqui se
encontravam foram transferidos para a secção de atualidades."

Entre ficcionistas há um consenso: se há dez ou cinco anos


escrevêssemos romances, guiões para o cinema, peças de teatro com
as tramas e os personagens contemporâneos, seriámos classificados de
incompetentes. Tudo muito forçado, enredos mal estruturados,
maniqueístas. Maduro? Trump? Bolsonaro? Que vilões são estes? Ora,
por favor... Somos personagens secundários de uma História (com agá
grande) para lá de inverosímil.

O bêbado, drogado, inconformista e sábio Charles Bukowski já dizia


que: "Tudo é inverosímil até acontecer pela primeira vez." O corolário
é que qualquer escritor sabe que os leitores estão sempre dispostos a
acreditar numa boa fantasia. Mas essa boa vontade termina se o autor
não souber mentir bem. A verdade é que quase nunca é perdoada.

"Tão importante quanto as armas, o controle do imaginário da


população é decisivo para a vitória em uma batalha" é o que leio agora
numa entrevista dada pelo jornalista Luciano Trigo, por acaso, meu
colega de turma de faculdade. Mundo pequeno.

Sou interpelado com frequência por pessoas de boa índole (brasileiros


e portugueses) que insistem em me convencer de que o que Bolsonaro
disse e diz é só da boca para fora. Que lá dentro do homem há um
estadista e patriota. Ou que é muito cedo para condenar alguém que
acabou de ser eleito e nem teve tempo de governar.

"Da boca para fora" é uma expressão relacionada com a mentira. Tem
a ver com teatralidade e dissimulação. O líder que diz coisas apenas
da boca para fora é, via de regra, um sonso e um mentiroso.

Liderados que aceitam tal atitude (ou que a aplaudam) revelam uma
elasticidade ética muito grande. Isto já aconteceu no passado com
resultados terríveis (tanto à direita quanto à esquerda). "Da boca para
fora" nunca deveria ser (nunca é) uma plataforma política aceitável.

E, já que estamos a falar de bocas, o meu Tio Olavo, que percebe


muito mais da Bíblia do que eu, manda-me uma frase de Mateus que
serve de encerramento: "Não é o que entra pela boca que contamina.
O mal é o que sai da boca do Homem."

Publicitário e Storyteller

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