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A esquerda requentada 

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MÍDIA SEM MÁSCARA, 24 DE AGOSTO DE 2002 

Como Drácula do filme, o comunismo não morreu: subdividiu-se em milhões 


de ratos 

Carlos Reis 

A  frase,  em  inglês,  é:  a  leftover  left.  Quer  dizer  ou  nos  advertir  que  há  um 
resto  ainda  não  consumido  de  esquerda,  requentado,  mas  com  aparência 
de  novo.  Mas  "esquerdas"  são  conceitos  antigos  e  ainda,  além  disso, 
permitem  mil  e  uma  interpretações  acerca  da  sua  realidade,  atualidade,  e 
até  de  sua  utilidade.  Utilizamo-nos  desses  conceitos  hoje  para  nos 
localizarmos  no  espectro  ideológico  da  política  ou  da  nossa 
Weltanschauung.  Essa  visão  de  mundo  é  atual  e  real.  Sem  ela  não  somos 
ninguém,  ou  por  outra,  somos  o  que  os  outros  querem  que  sejamos. 
Esquerda  é  um  conceito,  no  entanto,  fácil  pelo  seu  simbolismo.  Para  ter 
dela  uma  falsa impressão, isso não nos tomaria muito tempo. Todo mundo 
tem  uma  ideologia  e,  cedo  ou  tarde,  tem  que  se  definir  nesse  espectro. Ou 
se  é  de  esquerda,  ou  se  é  de  direita.  Não  tem  jeito.  Os  que  negam  isso 
apenas disfarçam. 

Mas  leftover  left  é  um  conceito  novo;  ele  introduz  nos  nossos 
pensamentos,  depois  de  suficientemente  preparados,  uma  nova 
weltanschauung.  Aí  começam  os  problemas.  Como  algo  novo  sempre 
encontra  resistências  para  ganhar  um  espaço  e  se  acomodar 
tranqüilamente  entre  nossos  conhecimentos,  sentimentos,  emoções, 
preconceitos  etc.,  a  esquerda  ainda  não  consumida  terá  que  passar  pelas 
mesmas dificuldades de adaptação. 

Para  introduzir  esse  conceito  vou  me  valer  de  uma  metáfora  que  li  no  site 
de  Kelley  L.  Ross*,  filósofo  americano,  ele  mesmo  um  libertário, 
anti-"liberal".  Entenda-se  preliminarmente  que  nos  Estados  Unidos  a 
esquerda,  left,  é  que  é  chamada  liberal.  Ross  é  um  libertarian,  e  candidato 
do  Libertarian  Party  da  Califórnia.  Aqui  no  Brasil  diríamos  que  ele  é  de 
direita.  Já  vou  avisando,  para  quem  imagina  que  a  ideologia  possa  e  deva 
ter  aqui  uma  correspondência  direta  com  o  partido  que,  no  Brasil,  não  há 
nenhum  --  eu  disse  nenhum  --  partido  de  direita como nos Estados Unidos. 
Se  alardearmos  que  o  PPS  do  Ciro Gomes e do Antonio Britto é, como está 
na  sua  sigla,  teoricamente  um  partido  socialista,  isso  seria  imediatamente 
negado  pelos  candidatos!  Da  mesma  maneira,  ser  de  direita  no  Brasil, 
desfraldando  bandeiras  partidárias  da  "direita",  não  é  ser  como  um 
libertário  nos  Estados  Unidos.  Adiante  veremos  em  negativo  o  que  é  ser 
libertário,  ou  de  direita.  Por  ora,  basta-nos  afirmar  que  não  há  partidos  de 
direita  por  aqui,  porque  os  elementos  que  os  identificariam  foram 
satanizados e diluídos em um mar de preconceitos e desinformação. 

Mas  voltando  à  metáfora  de  Ross,  ele  descreve  a  leftover  left  como  uma 
nova  aparência  da  velha  -  e  desconhecida  por  nós  -  esquerda  socialista, 
verdadeiro  pesadelo  para  partidos  como  o  PT,  por  exemplo,  que  a  ela  não 
deixam  associar  a  sua  sigla  em  vista  das  lembranças  desagradáveis  que 
as  figuras  de  Stalin,  Lênin  e  até  de  Marx  poderiam  suscitar no povo eleitor. 
Digo  povo,  e  não  intelectuais,  pois  que  estes  não  se  deixam  assustar  com 
os  fantasmas  que  eles  mesmos  costumam  protagonizar.  De  fato,  a  velha 
imagem  monstruosa  do  comunismo,  vocábulo  associado  no  imaginário 
popular  aos  crimes  de  milhões  de  pessoas  por  Stalin,  Mao  Tse  Tung,  Pol 
Pot,  e  aos  milhares  de  assassinados  por  Che  Guevara  e  Fidel  Castro, 
assusta  de  fato  as  pessoas,  ainda  que  elas  não  saibam  que  o  conceito  de 
comunismo  foi  usado  por  Karl  Marx  como  um  sinônimo  de  paraíso 
terrestre,  ou  um  "mundo  melhor"  de  abundância,  justiça  e  paz.  Essa 
comovente profecia está por realizar-se há dois séculos! Mas nos interessa 
aqui  salientar  que  o  socialismo  real,  esse  sim  uma  cacotopia assustadora, 
veio  abaixo  na  Europa  da  União  Soviética  em  1991.  Diz-se,  por  facilitação, 
que  o  comunismo  terminou  naquele  ano.  Ross  usou  então  a  figura 
medonha  do  conde  Drácula  -  o  filme  -  que,  para  fugir  dos  seus 
perseguidores,  se  transforma  em  uma  figura composta de ratos, que então 
fogem  para  todos  os  lados.  É  lógico  que  os  ratos  depois  voltam  a  compor 
a  figura  monstruosa.  Mas  enquanto  ratos,  não  despertam  nenhum  medo 
ou  suspeita.  Drácula  continua  vivíssimo  e  interessado  na  nossa 
hemoglobina.  Esse  é  o  "comunismo",  ou  melhor  dizendo,  socialismo,  que 
precisa  mudar  de  nome  e  adaptar-se  aos  novos  tempos,  fazer  alianças 
com  a  "direita"  sem  despertar  suspeitas,  e  apresentar-se  ao  eleitorado 
como  inocentes  ratinhos  que  adoram  "democracia",  "direitos  humanos", 
"cidadania",  e  outros nomes bem conhecidos nossos. Vez por outra, porém, 
algum  rato se excede, deixando transparecer algo vampiresco, mas então é 
prontamente  abafado  pela  intellingentzia  da  nomenklatura  vigilante  e  seus 
incontáveis  criados retardados, permanentemente alertas para que Drácula 
não tenha o coração transfixado por uma estaca de madeira. 

E  os  ratos  têm  nomes  e  cores.  Os  ratos  pretos são os anarquistas, o bloco 


de  negro  dos  punks  enragés  de  Seatle,  e  de  Gênova;  os  vermelhos  são  os 
nossos  velhos  conhecidos  comunistas;  e  os  ratos  verdes,  os  ecologistas 
anti-americanos,  anti-capitalistas,  anti-qualquer  coisa  que  fuja  do  figurino 
do  Drácula.  Todo  os  ratos  são  apenas  partes  do  vampiro,  todos  eles, 
entretanto,  são  apenas  ratos,  só  assustam  elefantes  de  boa  memória,  e 
madames burguesas inadaptadas aos novos tempos. 

Vamos dar nomes aos ratos. Comecemos pelos pretos, os anarquistas. 

Como  vimos,  a  cor  é  em  homenagem  ao  niilismo,  ao  relativismo  e  à 


ignorância,  partes  fundamentais  de  qualquer  doutrina  que  se  pretenda 
destruidora  da  ordem,  que  cultive  a  diferença  racista,  sexista  e  classista,  e 
que  prime  pela  douta  ignorância  ou  pela  sabedoria  irresponsável das ruas. 
Os  elementos  libertários desses ratos não devem nos confundir, porém. Há 
escalas  também  no  espectro  do  anarquismo.  Tem  gosto  para  tudo.  Há  os 
ratos  libertários  puros  que  fogem  do  Estado,  das  convenções,  e  agem 
isoladamente.  São  mais  autênticos.  Há  os  ratos  anarco-comunistas,  mais 
organizados,  estatólatras,  e  facilmente  dirigíveis  pelas  elites  pensantes 
bem  acomodadas  em  postos-chave  de  governos  e  corporações,  e  que 
nunca  mostram  a  cara.  Faturam  com  a  arruaça.  Pode-se  dizer  que  esses 
últimos  ratos  são  listados  de  preto  e  vermelho.  Sua  força  destruidora  e 
niilista  tem  orientação  leninista.  Bem  na  moda,  esses  ratos  pretos  agem 
em  bandos  sob  uma  estranha  orientação.  Há  quem  fale  em  redes,  redes 
nômades,  difusas,  de  "hierarquia  horizontal",  donde  ninguém  poder  saber 
quem  os  orienta.  Em  recente  Fórum  desses  ratos  em  Porto  Alegre,  ficou 
consolidada  a  diretriz  oriunda  do  Foro  de  São  Paulo,  de  procedência 
cubana,  das  redes  nômades.  Os  ratos  agem  internacionalmente  como  se 
fossem  autônomos  e  espontâneos.  Para  quem  conhece  a  sua  origem  não 
seria  difícil  perceber  o  DNA  do  vampiro  em  cada  ratinho  preto  correndo 
pelas  ruas  da  anarquia.  Mas  para  quem não conhece cabe bem o rótulo de 
leftover left, esquerda não consumida. 

Continuemos. Os ratos verdes. São os mais bonitinhos. Parecem ser donos 
de  um  atraente  discurso  de  defesa  da  natureza  e  do  homem.  São 
humanistas,  desde  que  os  homens  não  sejam  os  consumidores,  os 
produtores  e  os  criadores  da  riqueza.  Vestem-se  de  verde  e  andam  ao  sol, 
mas  conspiram  nas  caves  úmidas  do  velho  bolchevique  Gorbachov.  E 
conspiram  contra  o  quê?  Contra  o  desenvolvimento  capitalista,  o  único 
desenvolvimento  que  o  mundo  pôde  observar  nos  últimos  250  anos!  Para 
isso  não  hesitam  em  criar  foros  internacionais  de  cientistas  pagos  com 
notas  verdes,  e  que  ganham  uma  nota  preta,  para  inventarem  relatórios 
assustadores  e  mentirosos!  Até  as  recentes  enchentes  da  Europa,  e  que 
acontecem há milênios, têm um culpado. Adivinhem? Acertaram. Daí esses 
cientistas  criarem  a  pantomima  do  efeito  estufa,  do  derretimento  das 
calotas  polares,  do  fim  da  camada  de  ozônio.  Tudo  obviamente  culpa  do 
ogro  prof.  Van  Helsink,  que jurou matar o Drácula. Em recente programa de 
entrevista  em  Porto  Alegre,  um  rato  verde,  candidato,  teceu  loas  ao  seu 
próprio  ninho,  dizendo-o  universal,  presente  em  106  países  do  mundo.  Os 
green  mouses  devem  a  sua  onipresença,  disse  o  rato-candidato,  a  um 
"inconsciente  coletivo"  da  humanidade.  Isso  explicaria  a  sua 
universalidade.  E  disse  mais,  que  o  partido  dos  ratos  verdes  não  recebem 
apoio  de  nenhuma  instituição,  nenhum  sindicato,  nenhuma  empresa,  de 
nada.  São  frutos  unicamente  da  consciência,  ou  desse  "inconsciente 
coletivo".  Desculpam-se,  evidentemente  os  exageros  de  candidatos,  mas  o 
rato-mor  esqueceu-se  de  citar  como  patrocinadores  da  bandeira  verde  a 
ONU,  centenas  de  ONGs, casas reais européias, e a própria União Européia. 
Como  se  vê,  tudo  do  nosso  "incon$ciente  coletivo"!  Os  programas  verdes 
incluem,  como  todo  mundo  sabe,  uma  volta aos padrões de vida do século 
XVII  ou  XVIII,  primeira  parte;  o  fim  da  indústria,  da  pesquisa  genética,  da 
engenharia  dos  alimentos  moderna,  da  experiência  laboratorial  com 
animais  -  e  querem  direitos  animais  já!  Comprova-se  o  DNA  do  Drácula 
abrindo um rato desses. Por dentro é vermelho, por fora é verde! 

Mudando  de  rato,  chegamos  aos  principais,  aqueles  que  não  podem  se 
esconder  tão  facilmente,  os  ratos  vermelhos.  São  iguais  aos  seus  colegas 
verdes,  porém,  são  vermelhos  por  fora  também.  Andam  nas  ruas  com 
ícones  e  estandartes  leninistas,  marxistas,  guevaristas,  maoístas, mas não 
são  comunistas,  são  da  overleft  left!  Quando  abrem  a  boca  só  dizem 
mentiras!  São  inconfessáveis  as  suas  intenções,  que  aqui,  por  falta  de 
espaço,  reduzo  a  três:  luta  de  classes,  intervenção  estatal  na  economia ou 
economia  dirigida,  e  ameaça  à propriedade privada. Como só mentem, nos 
fazem  acreditar  que  a  "inclusão  social"  não  é  um  nome  novo  para  a  velha 
luta  de  classes;  apóiam  a  democracia  representativa,  mas  querem 
substituí-la  pelo  Orçamento  Participativo;  dizem  pretender  a  reforma 
agrária,  mas  o  que  querem  é  o  fim  da  propriedade  privada.  Dizem-se 
católicos,  também.  Há  comunidades  inteiras  de  ratos-bispos.  No  topo  da 
hierarquia  são  púrpuras.  Ultimamente,  apareceram  por  um  processo 
desconhecido  de  mutação  eleitoral,  ratos  evangélicos  com  estranhos 
hábitos liberais e carismáticos. Devem ser americanos! 

Proliferam,  como  de  hábito,  como  ratos,  ora  bolas!  Cruzam-se  entre  si, 
mesclando  cores.  Daí  haver  combinações  de  ratos  pretos  com  listas 
verdes;  ratos  pretos  com  listas  vermelhas;  ratos  verdes  e  vermelhos  etc. 
Estudando  melhor  os  seus  hábitos,  descobre-se  que  o  seu  ambiente  mais 
favorável  é  a  democracia  representativa.  Democracia  faz  bem  aos  ratos. 
Outros  ambientes  já  foram  testados,  mas  nenhum  foi  tão  propício  como  a 
democracia.  Eleições  não  os  matam.  Não  adianta  tentar,  foram  eles  que 
fizeram  as  regras!  Estão  vacinados  e  imunes  como  os  transgênicos  às 
pragas. 

Como  erradicar  o  Drácula?  Bom, isso é outra história. A teoria da estaca no 


coração,  os  antídotos  naturais  como  o  alho-educação,  a  cruz  da  religião, o 
sol  da  liberdade,  parecem  ser  os  únicos  remédios.  Recomenda-se  para 
melhor  empregá-los  os  manuais  de  Kant,  Karl  Popper,  Pareto,  Mises,  e 
outros  tantos.  Quem  viver,  verá!  Por  enquanto,  a  leftover  left  é  nova  como 
resto  do  prato  não  consumido.  Mas o tempo é o senhor da razão, e um dia, 
o  sol  brilhará.  No  Rio  Grande  do  Sul  já  desponta  no  horizonte  um  rubro 
alvorecer! 

* Para saber mais: www.friesian.com/ross 


 

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