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Margarida Maria Lacombe Camargo Pesquisadora da Casa Rui Barbosa, Professora da Universidade Gama Filho (Pas graduagao) HERMENEUTICA E ARGUMENTACAO UMA CONTRIBUICAO AO ESTUDO DO DIREITO Preficio de Vicente de Paulo Barretto 3* edigéo revista e atualizada Posficio de ‘Antonio Cavalcanti Maia LIVRARIA‘E EDETORA RENOVAR LTDA, ata Rs Assen, 041 Conn (cep 2011.9 Te 21) 258-208 - aw (1) 3312138 LIVHARIA CENTRO. Rude Asembl 10 Ton Cente 1901 Tet (21) 881-1816) 2991-38 Pe 2) 353 12 LIVRARIA IPANEMA: Ren Vicone de Pn 273 ot A pana" RE “Gep=2410 01 Tel (iy 287400 Fue (2) 207-88 FILIAL Wy fs Amanes Mai 177 Sto CrroRS- CEP 2090 010 a2) 2509-186 / 2880 8596/3 4199 Fa (3) 25601960 LIAL SP, Ran Sano Amaro, 257-4 Bol Vis -SP-CEF 01315001 ets (i) S14 9851" Fa (113108089 andltorarenover.com.orrenovar@edorarenovarcom.tr ‘Ac: 00 221069 Const Eri Aral Lopes Shad — Psd ‘ars Albeo Mewes Dse ou as tae mi ds Roa {Celia de Augers Mello ‘ise Perea i Revie Tprifce ‘am ta Co cone Joe Cet Gomes Topxtos Ee Graf Lt, tPeait. Cops fonte Sino Naina do tees Lr, RL cm ‘Comage Narnia Nava Lon Hemet e spunea un contigo a0 estado do ‘Mages Mata icone Coma pede Vicon Pe Sane Sink Ride to: Reno 00, 29. lom, ISaN aster09 |, Hemera (Dio), 2 Lingua 3. Andise 6 deus Reusin 1 Barto, Vice de Pas I Til, oti cmc 961098) Biblioteca de teses Os Cursos de P6sGraduacio tém se desen- volvido no Brasil, € a producdo de teses tem sido elevada ¢ de alto nivel. ‘A Editora Renovar propée na presente Bi blioteca estimular a divulgagao de obras que contribuam para o desenvolvimento da ciéncia Juridica brasileira, levando-as a0 conhecimen- to do grande piblico, No Direito as novidades estio, de um modo sgeral, nas teses © nas revistas especializadas. ‘Assim sendo, a Editora Renovar abre a sua linha editorial para os juristas que estio no inicio de sua carreira profissional como mes- tres ¢ doutores. A Biblioteca tem esperanca de que vena a constituir um estimulo a estes profissionais. E mais uma prova de que acreditamos na qualidade das obras uridicas brasileiras. A nos- selina editorial & marcada por uma rigorosa selecio realizada pelo Conselho Editorial, que Feline eminentes juristas. Ezitora Renovar BiBuioteca bE TEses RENOVAR Posse da Seuranga Juridica & Questo Social Marcelo Oomans (0 Prejiza na Frade Contes Credores Marca Robene Fer 1 Pessoa juritica€ 05 Direitos da Persoalidate ‘lesan Ferra de Asimpgio Ales {atado © Ordem Econdmico Soci treo Aula Per Caco (0 Projeto Poltico de Pontes de Miranda Dante Braz Lmong! (© Direito do Consumidor a Ea da Glabalizago Sonia Maria Via de Mello [As Novas Tendéncis do Dirio Extradicional ‘anor de Brto Custos Sova Fupdamentos para uma lnterpretagso Constucionl do Pracipio da Boa Fé Teese Newer, © Ministerio Pilio Bravo foie France Sauwen Fho {A Giianga eo Adolescente no Ordenamentojuridico Brailelro sad Fsuma Caraga Fimo Propriedade e Domisio Rrcedo Arcane (0 Principio da Proporcionaidade «a Interprelagso da Consituigso Paulo rm Tavares Buechele ‘Condominio de Fata Bamele Mactade Soares A tierdade de imprensae 0 Direito Imagem Suey Cesar Siva Cuca Diteito de Inlormagio «Libera de Expresso Tul Gustavo Grandnet Coe Canvabo ‘A Saga do Zangao - Ua visio sobre o dei Mercosul e Personalidad Juridica tnternacional Marcus Rector Toledo Sita Fania sem Casamento Girmem Lica S Ramos [A Dscptna Juridica dos Epasos Martoos na Convenso ds NagGes Unidas Sle Diet do Mar de 1982 ena Jursrudenci Internacional Jet ane Fatt (© Dirito Econdmico na Prspectva da Globalizarso Cosas august Siva da iva ee eer + Lines da Reforma Conttcions! Sottvo atts Coun e Ste © tetrendo Raton Spat Sepang nteracional ¢Diritos Humanon Shove wan (+ Fundamentos eos Lites do Fader Reo no Amite do Mercado Finance Sine tarshe © Dirt Cbemneico ieancke f Pnerte) Confitor etre Tratads lnteraconi Lis nteras Maing res! Pvazgte sob Otca do Dio Prvado Femoct © feaoss ‘Auta de rec no procne do tabi: ma vo Ntvco-compaaina daa pr oan brace) {ards Henig on AGaMOVCh Iusradénia Bras sobre Transport Aéeo Jor Cabrel Ass de Aled Sonericte Compuleria ~ Instrument de Sleinagto de Fungo Social da Propriedade ms ws Nate eon Coated ‘fans nfofandadas no catamento a condcio eminna ‘aCe Hanna Noe Imaldadeprocesual um esto par 0 proceso do trabalho ‘icy Rachid Coco ‘A sida humana emblondi sa protein Jussara Maria Leal de Meirelles - © Frinpo Consttucionl da Digna da Pesos Hans: © Enfoque da Dowtina scl daira Caer ancien aves, Conve Substncal do Negi Jrico Joto Albeo Schuser et Neto {© Dirt da Concortacia no Dio Comnisio furopes — Sia contibio ao Merch Dye Compe Meron Unio Europ Contigo ‘Marcio Monteiro Reis 7 Dire Tut ¢Glbatiag rand Gorges Pers “Teasers, Odeo sun nova ena sea ‘An Pala Arto dan ees rio Ra «Aonuma dana ino da Tipeldae dx irs Res ‘André Pinto da Rocha Osorio Gondinho 7 ‘A fatemidade Presumida no DireitoBrasliro © Comparado {ut Paulo Covim Coarse, Tn nso Celico sobre Pregos de Transleréncia (0: Novos Paradigmas da Faria Contemportnes na de Olvera Zamberian (0 Mito da Verdade Real na Dogntea do Froceso Penal Franco dis Neves foptta 0 Direito a0 Devevolvimento na Perspectva da Globalizagso; Paradoror« Destin ‘na Paula Tees Delgado ‘Cooperacio Juridica Penal no Mercosul Solange Mendes de Souza fm Busca da Familia do Novo Milenio Rotana A. irr Fach Iuizados EspeciaisCrininas Beaure Abrto de Olver (0 Principio da impesoalidade {iva ara Armertano Roenigsein Zapo (© Principio da Subsdiaredade no DiretoPabica Contemporsneo ‘Sia Faber Fores Dirito, Escasseze Ecoha: em Busca de Crterios Juriicas ara Lidar com a Esser de Recursos eas Deites Tries Gustavo Amaral Decadéncia ePrescrigao no DiritoTributiio do Bras Francisco Alves dos Santos Lesdo Contatual no Diet Brasileiro Marcelo Cera Marine ‘Aceso& Justia — Um problema dcosacal no plano da relizasso do Direlto Paulo Cesar Somos Berera ‘Concurso Formal Crime Continundo Datei Moshe Choche Bixe [A Boalé ea Vilagso Positva do Contato Forge Coss Fever da Siva Responsabildade Patrimonial do Fstado por Ato Jvedicional 2ollarFachin Gestio Fraudulent de Istitugdes de Intuigao Financelra€ Dispositivos Processus da Le 7.39286 Iuliano Breda Conratos de Software *Shrnkwrap Licenses” e *lickrap Licenses” Emi tcandor Amd Juredigdo Consitucional, Democraciae Raionalidade Prtca Sidi Perea de Sours Neto ‘Descomsderag da Personalidad Juridica ~ Aspetos processus Osmar Views de Siva (© Dano Pessoal na Sociedade de Rico ana Ate Costa Hofmeister Presunge €FcgOet no Dito Teibutro eno Dirsto Penal Tbutilo fro Chats Schekerkewitz Hoora, Imagem, Vida Piva e ltiidade em Colisio com outros Diritos Monies Neves Aguiar Siva Casto eee eet 1a tesio no Dirito Braselro Atal Coren Alber Siar Fiho Repetgio do indbitoTribuiro — © lnconstiuconal artigo 166 do CTN [oh Dias Femandes ‘Uma Andie 63 Testra Abeta da Linguagem e sua ApliagSo 30 Dirlto owl Stuchiner DireitoTribuivio versus Mercado Marcos Rogdrio Palmore © Direito & eaucagio epina Maa Muniz © Abuso do Direto« as Relages Contatsis Rotaie Filgo Pineiro ‘A Legtimaczo dos Principios Consttcionis Fundamentals ‘Ana Pula Cosa Barbs ’ Partcipagso Popular na Administra Public: o Ditto de Reclamagio ‘dvs ea Cons Ricardo Sehr Do Patro Poder 3 Autordade Parental Naveos Aves da Siva Paradigms Biocéatrce: Do Patimanio Privado 20 Pa Jort Robeon da Sia (0 Discurso Juridico da Propiedad e suas Rupturas Froultis Conan anor Teyciizagio ¢ Intermetacao de Mio-de-obra Rodrigo de Lacerda Carel As Apncas Reguladras no Dirsito Brasileiro ‘ian Brito Redrgues Cal ‘As Novas Tendéncis na RegulamentarSo do Sinema de Telecomanicagoes pla ‘Ageacia Nacional de Telecomunicagbes~ ANATEL {eas de Sura Lee ‘A Renincia& Imunidade de uisdigo pelo Estado Brasco ‘Antenar Perera Mads Fh ‘A Muther no fspagoPrivado: Da Incapaidade& gualdade de Dircitos ana Alice Rodres ' Propiedade como Relasio Juridica Complens France feud Lowe (© Conceito de AnuagSo ou Prejuizo de Beneficios no Contest da evolu do earrsome Regina Marta de S. Pereva © Direito de Asistencia Homanitiia ‘Abert AmarlJaior ‘Contato de Trabalho Virtual Nargorahf, Bxrclar © Dirsito de Resistencia na Ordem juries Constituconal Braslera| Mauro Cent Manteno “Transormagoes do Dirsito Administrativo Parca F Spat imino Ambienta ‘a Privacidade da Pesos Humana no Ambiente de Trabalho ‘Bruno Lewick| Préximos langamentos ‘dens do Coan a Esra Scions do Neorg fara AleandraFonuny [tado, Sociedade Civile Princ Vania ara Nascimerao Congalves {A Relago entre o interno eo Internacional Exovie Perea Couto ‘Contibuigbes para oFinanciament da Sequridade Social {Grteros para Definigao de sum Naturera Juridica Sivania Concelgao Tognet IuizadosEspeciis Fderas Civeis Ivar Coon Antunes Sora (0 Direito Frente is FanlasReconsiuidas Rorane Felhaver ‘De Marx a Deus - Os Toruosos Camis do Terrorism Internacional Dene de Souza Soares, da Sebidariedade na fra da Clobalzag so Confess Pvlamentares de inguérito no Brasil Jess Claude Franco de Alencar Responsaidade Civil dos Pais pelos Actos ds Fos Menores Jeovanna MstensViaanaPinheo Alves Regime Juric dos Incentvos Fas reos Ande Vinkas Cato (© Principio da Impesoalidade da Adonis Para ung Adminitragso lineal ‘ra Paula Olvera Aa Franchising Refeos Juris nas Relages das ares Rabero Chalcot Sampaio © Regime Jrdco do Financiamento das Campanas Cetrais Serge hed Aauio Espacos Pablcos Comparthados ene a Adminstacdo Psblica ea Sociedade enato Zupno sponse Otte do tno do io de ec por Omiso oa re de ‘itonio Cesar Pimentel Caldera Un Estudio Comparatino de a Protecién Leia del Cosumidoren “Ambito interno e os Paes de Mercotur ia Morte, [As Normas Consitucionsis Programsticse © Controle do Estado {ose Ciros Vasconcelos dos Ras A.minha famtlia Flévio, Fabio e Estela Agradecimentos Este estudo foi feito com o apoio da Fundacio Casa de Rui Barbosa, onde trabalho como pesquisadora, e conto com 4 colaboracio eo incentivo de muitos amigos. Em primeito lugar, © Professor Vicente Barretto, orientador da tese que deu ori- .gem a este livro; em seguida, Antonio Carlos Maia, que me franqueou sua biblioteca e cujas sugestbes demonstraram uma verdadeira prova de amizade; Celso Albuquerque Mello, que sme despertou para leituras importantes; José Ribas Vieira Ana Liicia de Lyra Tavares, parceiros de trabalho. E, também, 08, amigos da Casa de Rui Barbosa, em especial José Almino de Alencar, entio Diretor do Centro de Pesquisas Prefacio a primeira edigdo Por uma nova leitura do direito A cultura jutidica contempordnea, principalmente nos paf- ses de tradigéo romanistics, encontra-te prisioneira de alguns impastes epistemol6gicos e metodol6gicos. A concepgio do di- reito como fruto da vontade do poder e, como tal, devendo ser aplicado de forma mecinica na solugio dos conflitos,ignorando realidades econémicas e sociais, acha-se contestada em seus fundamentos pela prépria mudanga ocorsida na estruturagio do. poder politico. O processo de democratizagio, que toma conta, ‘como se fosse uma onda politica de todos os quadrantes do planets, acarretou também uma mudanga substantiva na natu reza da ordem juridica. A ordem juridica passou, progrestiva- mente, a ter que lidar com conflitos de interesses e de valores cde uma sociedade pluralista ecomplexa, onde a norma de dicei- 10 reflete a vontade democritica na sua formulacio e envolve, portanto, na sua apicagio o emprego de critérios metajuridicos ara responder a esse desafio, alguns juristas e fil6sofos contemporineos, como Recaséns Siches, Alexy, Dworkin, Ha- bermas, Viehweg, Perelman, Tércio Sampaio Ferraz e outros, libertaram-se de uma metodologia de anilise do fendmeno jurf- dico estritamente formalista e incorporaram no processo de aplicagio do direito outros instrumentos conceituais © herme- rnéuticos, que se encontram para além da ordem legal posit da, Nesse contexto de superacio dos ébices resultantes de uma ddogmitica estrta, é que o liv da professora Margarida Lacom- bbe Camargo traz para a literatura juridica brasileira uma conte bbuigio original eatualicima, destacando-se por enfreatar, com, ‘o auxilio de alguns dos autores jf referidos, o desafio nuclear pra filosofiae a teoria do direito neste final de milénio: como realizar uma radical e profunda aleeragio no modo de pensar € aplicar o direito, instrumento principal para assegurar a justiga na sociedade democritica e pluralista da contemporaneidade, O livro da professora Margarida Lacombe Camargo investi- 2, assim, essa mudanca de paradigma na teoria do dircto, procurando estabelecer os parimetros de uma nova hermentu- tica juridica, que corresponda no émbito do direito 20 movi- mento geral de refundagio das ciéncias humanas e sociais das, Gltimas décadas. Enquanto a dogmatica clissica encontrou nos grandes civilistas e nas codificagdes do século XIX 0 campo propicio para desenvolver um modo de aplicagio do direito, que se caracterizaria por um modelo de interpretacio fundado ‘numa concepsio abstrata do direto, eno fundo ideal do Estado eda sociedade, 0 pensamento jutidico contemporineo defron- ‘use, precisamente em virtude da chamada “crise do direito", ‘com o desafio de construir uma nova forma de pensar e aplicat © direito. A “aplicacio da lei", vale dizer, a adequagio do fato 40s ditames da norma jurdica, consistia no abjetive central da, ddogmitica cléssica, que transitava no universo fechado do siste- rma juridico nio levando em conta o que Hans Kelsen chamou, de fatores “acientificos' na andlise jurdica. O direito bastava- se a si préprio, como se fosse uma ménada dentro da qual A argumentacéo, por sua vez, & a técnica que visa a0 acordo sobre a escolha do significado que paresa mais adequado as ‘fetivamente, esencialmente um problema de decsfo:o legislador deve decidir quais seri as les cbrigatéras numa comunidad organi ‘ada, 0 juiz deve decidir sobre © que € 9 dreto em cada stuasio ‘submetida 20 seu juz, Mas nem olegislador nem ojuiztomam deci bes puramente abitearia: a expesgto dos motivos indie razbes por {que uma lei fi votada e, num sistema moderno, toda sentenga deve ser motivada, O dieita postivo tem como correativo a nogéo de decisio, sendo razodvel, pelo menos raciocinads." CF. Eta edireit, p.376. 25 Olivier Reboul, de forma bastante sintGtca, atrbul o cardter de verossmil a “tudo aquilo em que a conflanga € presumida”, CF, Intro updo a retérca,p. 8. 26: Perelman defini argumentagdo em oposigéo a demonstragdo, da seguinte forma: ‘Demos o nome de argumentagdo 20 conjunto das, ‘écncasdiscusivas que permitem provocar ou aumentar a adesto das ‘mente 2s teses que se apreseatam 20 seu astentimento; send 0 ter ‘mo tradicional demonstazdo reservado aos meios de prova que possi- bilitam concuir, a partir da verdade de ceras proposgtes, pela de ‘utras proposigSes, ou sind, no terreno da logic formal, passa, com, «ajuda de regia defnidas de tansformagéo, de ceras tess de um, sistema a outras teses do mesmo sistema.” Perelman, Retéreas, p 369. 2 partes discursivas; acordo este fundamentado em provas Concretase opinises amplamente aceitas. Com a argume tacio temos condigées de “visualizar” a compreenséo, na medida em que esta se traduz em algo de concreto.”” ( direito admite, pois, uma superposicio entre duas cesferas: a da compreensio da norma ¢ a da compreensio do fato, levadas a cabo pelo ser historicamente presente, due se utiliza, paza tanto, do procedimento argumentative. Tecnicamente, a argumentacio vibiliza 0 acordo capsz de formular a compreensio através de uma interpretagio que sirva de fundamento a solugie mais razoavel. (© método do direito é, portanto, © método t6pico- hermenéutico, Cada situagio deve ser compreendida em fangio do problema que apresenta ¢ da tradigao histérica na qual seinsere. Maso seu instrumental é argumentativo essa forma, podemos dizer que o direito consste na rea- lizagdo de wma pratica que envolve o método hermentutico dda compreensao e a ténica argumentativa. ara nés, o método diz respeito& orientagio para 0 co- nhecimento, ea técnica, as regras que dirigem essa ativida- de. Logo, compreensio e concretizagio encontram-se int- ‘mamente relacionadas: existe o que se compreende em funcio imediata de um aplicar. Assim, arealidade dodivei- to €a mesma reaidade de sua compreensio.® 37 Quando Heidegger diz que a interpetacio funda-se na compreen= ‘shoe ado vice-versa, ele considera os préulzos como ponto de partida para toda a compreensio. Fass pé-julzesfuncionam no nosso esque- ‘a come fopt Para Herdeyge, a interpretacio sempre se Funda numa visdo pré- via, que “recorta’ © que fo asumido na posigo previa, segundo uma porablidade determinada de interpretacio, Cf. Ser tempo, p. 206-7. 28 Para Gadamer,"srelidade histrice € igual realidade do com ‘reender hetrice” Verdadee método,p. 370 2 1.3 Hermenéutica ¢ interpretagio A hermenéutica mostra-se presente quando, segundo Vaxtimo,# Nietesche anuncia a morte do deus da metafisi- ca,® entendida esta iltima como "a descricéo universal- mente vilida de estruturas permanentes € essenciais & compreensio do mundo".*” A descrigéo objetiva dos fatos| segue-se a busca da verdade mais persuasiva e responsével, origindria da interpretacéo, isto €, uma interpretagdo que pretende validade até aparecer outra, concorrente, que a destitua.” (O autor situa a hermenéutica na filosofia que se desen- volve 20 longo do eixo Heidegger-Gadamer.” E olhando dessa forma anota que a hermenéutica revela os seus dois aspectos constitutivos: 0 da ontologia, privilegiado neste 38. Gianni Vato, Para além da interpreta: 0 significado da her mentutica para ilosfia. $e. Vattimo fnaiza capitulo intitulado “A vocag nlilistica da het rmenéutica,evocando Nietaschee o sentido da morte de Deus para a modemidade, "iso é, da dissolucto da verdade como evidéncia pe- emptria © ‘bjetiva’.Até agora, [airma,] os filbsofes acreditaram fem descrever 0 mundo, € chegido 0 momento de interpretél.. Para além da interpreta, p. 27 al Vattimo, ob. et, p23. 2. Passagem iarrative sobre a importncla da argumentaso ede sua ‘matrz intersubjetva, no processo de interpreta, encontramos no texto de Vattimo: "Os argumentor que a hermenéutica oferece para sustentr a propria inerpretagso da modemnidade sio conhecidos por ferem ‘pens’ interpretagces; no porque acreditam em deixar fora {de siuma realidade verdadera, que podera ser lida de modo diferen- ‘te; mas sim porque admitem nio se poder apela, pela propria valida. dd, 1 nenhuma evidéncia bjetiva imediat, Isto porque o seu valor estén capacidade de dar lugar aur quad coerente e compartiha- do, na expectativa de que outros proponham ur quadro alternative mais aceitavel” Ob. cit, p. 24 2 Ch p ds, nosso trabalho, ¢ o da lingtisticidade.* Gadamer critica cientificismo ¢ © metodologismo modernos para reivindi- car a busca da verdade além dos limites do método cient(- fico positive, a comecar pela verdade da experiéncia, como ato interpretativo. Dessa forma, passemos a anélise do ‘tema, buscando um pouco das suas origens. ‘Como vimos, a origem do termo Hermenéutica tem como referéncia Hermes, 0 enviado divino que na Grécia antiga levava a mensagem dos deuses aos homens. Signifi- cava trazer algo desconhecido ¢ ininteligivel para a lingua- gem humana, Richard Palmer nos diz que 0 verbo herme- neuein, usualmente traduzido como “interpretar”, € 0 substantivo hermeneia, como interpretasao, significam ‘ransformar aquilo que ultrapassa a compreensio humana tem algo que essa inteligencia consiga compreender.* 0 autor aponta ainda trés tarefas especificas da hermenéuti- ca como mediaglo, quais sejam: dizer, explicar e tradwzir. Dizer, no sentido de anunciar ou afirmar algo, relacions-se, antes, com a ago enunciadora de Hermes: trazer noticias fitis das divindades. No entanto, o predominio da palavra entre o$ gregos fez com que a linguagem faleda e sua ver- tente performética ganhassem relevo, ¢ a hermentutica passasse a ser vista como ars. Explicar torna-se mais im- portante do que simplesmente expressar, na medida em ue as palavras racionalizam e clarificam algo; € quando ganha énfase o aspecto discursivo da compreensio. E, quanto a traduzir, significa que o hermeneuta torna com- preensivel o que é estrangeiro, estranho ow ininteligvel 3 Nesta links poderiamos apontaro trabalho de Lenio Luiz Steck. Hermendutia furiica ef) crise: uma exploragdo hermentutica da ‘construgdo do Direito 35: Ver Richard Palmer. Hermenéutica Py Em Roma, a hermenéutica desenvolveu-se muito com 4 propria prética juridica. Os pretores e os jurisconsultos diziam o direito para cada caso concreto, sem qualquer pretensio de generalidade. Mas essis decisées consolida- Tam-se com o tempo, transformando-se em méximas que se tornaram muitas vezes obrigatérias." ‘A hermentutica alcangou notvel proeminéncia no campo religioso. O problema de interpretar corretamente a palavea de Deus era comum a0 povo judeu em relagio 20 ‘Antigo Testamento; aos cristios, ao Novo Testamento; € a0s protestantes, em relacio a Reforma. Durante a Idade Média, a andlise sistemstica sobre aevidencia da revelasio divina deu origem 3 Teologia,” e a hermenéutica assumiu © aspecto exegetico da corretainterpretagio dos textos s3- grados, dando ensejo ao seu desenvolvimento no campo filol6gico. 36, Ovalor do argumento de autoridade em Roma € grande, haja vista a Lei das CiagSes, promulgada por Constantino no século IV d.C. Ese estatuto legel veto corrboraro que a ptiaj haviaconfiemado: a sabedora dos jursprudentes notvels aa legitimidade para esten- ‘er-se a situagbes similares, De acordo com a Lei das Citapbes, 0 juz ‘devera aplcar as opiibes de Ulpiano, Modestino, Gao, Papiniano e Paulo, da seguinte forma: em primero lugat,prevalece opinito da ‘maiors; em caso de divergéncia, acolhese ¢ opinlio de Papiniano; Finalmente, nfo havendo regras especificas para‘ caso, cabe a0 juiz dota a tese que lhe parega melhor. 37. Na Esclistica, por exemplo, procurava-seorganiaarraconalmen- te a idiasdivinas sob a perspeciva da fe. A racionalidade encontra- ‘ies no instrumental wlzado, que era o texto, por meio do qual ‘ransmitism-se a dis reveladas. Na dade Media existiam os “co- _mentéros” eas “sumas". Os primeiros originavamse diretamente da Crplicago do texto, enguanto as sum apresentavam, de forms ‘ionalmente ordenada, a siatese dos prineipios extafdos dedutiv mente dos textos divinos. Vide J. M. Pateaud, no prefici 4 2* edigio brasileira de Discurso do método, de Descartes: Editors Martins Fon- tes, 1996. 2s Para o direito, no entanto, foi extremamente significa- tiva a atividade dos glosadores da Universidade de Bolo- nha, durante os séculos XI e XII. Com a descoberta, em 1080, as leis romanas compiladas por ordem do Imperador Justiniano no século VI d.C., mais tarde chamadas de Cor- ‘pus luris Civili, iniciou-se todo um esforgo acerca do seu entendimento e compreensio, de forma a adotar-se, na pritica medieva, o exemplo romano. Segundo Wieacker, “a Idade Média sentiu a cultura antiga como uma forma modelar ¢ atemporal da sua prépria vida". desenvolvimento das cidades italianas justificow « formacio de uma corporagio propria — a Universidade —, destinada aos estudos juridicos para a formacio de fun- cionéries pablicos, como sindicos, procuradores, notérios € advogados.” Como 0 texto juridico romano era muito dificil, antes de mais nada ele deveria ser explicado. E do resultado da interpretacio feita pelos professores apare- ‘cem as glosas, palavra por palavra, linha por links,“ para logo alcangar todo o sistema, visto como um todo har- monico, a reunir as partes, conforme princfpios de or- dem geral. ‘A técnica expositiva da Escola de Bolonha ligava-se, se- undo Wieacker, 3 tradigio do ensino trivial"! Segundo o ‘mesmo informa, mantinham-se “ainda as figuras de expli- caglo e de raciocinio elaboradas originalmente pela l6gica, 3a Frane Wieacker. Histéria do direitaprivade moderno, p42. 38 Idem, Ibidem, p. 4041 40. As glosss ganharem robustez nos seus significados, torando-se fecunda fonte de consults para os priticose estudiosas do direto. Destague para a Glossa Ordinaria de Accuris (1250), considerado 0 maior trabalho de interpretacio, aa época, sobre 0 Digesto. 41, Durante 0 século XI, tritium correspandia 20 ensino dos ele- rmentes bisicos da cultura da época: gramtica,legicae retrica; 0 ‘quadrivium, A rasica, geomet, aritmétca 2 fsa. 26 pela gramética e pela retérica gregas, aplicadas, inicial- ‘mente pelos eruditos alexandrinos, & exegese dos textos filolégicos: a glosa gramatical ou semintica, a exegese ou imterpretagio do texto, e a distingéo. [...] Como ratio scripta, o texto isolado de um jurista constituia, em si mes- ‘mo, sem referéncia & sua conexdo com 0 conjunto de todos 6$ textos, uma verdade.”* No entanto, “a convicgao do dominio de uma ratio sobre todo 0 conjunto da tradigio cconduziu a investigacéo hermenéutica 3 procura do senti- do global de todo 0 texto, para apresenté-lo em cadeias silog(sticas, pois se cada texto encerra a verdade da autori- dade absoluta, um texto nio pode contradizer outro igual- mente verdadeiro”.® (O método de anélise escolistico, por sua vez, foi fator responsivel pelo aparecimento da dogmética juridica, tal como ocorrera com a religio. De acordo com J. Harold Berman, 0 método escolistico pressupunha a absoluta au- toridade de certos livros, que continham um completo ¢ integrado corpo doutrinério, como era 0 caso do Corpus Turis Civilis ¢ da Biblia, corporificando a razio. Verifica- se, assim, que a chamada ciéncia do direito e a cigncia da tcologia formam-se na mesma época.** 1 Wiencker, ob. cit, p. 47 © 50. ‘2. Idem Ibider, p53. Coma interpreta das Bscrituras Sagrada, je tem a nocio da relagdo circular existent entre o todo eas partes, que nio abandonaré ‘mais a hermenéutica, Quem nos chara a atengio par tal foto Hans Georg Gadamer. Segundo cle, o sentido literal da Bsritura nio se centende inequivocamente em todas s8 suas passageas nem em todos ‘os momentos, €0conjunto da Sagrada Escritura que gla a compreen ‘to do individual, al como no inverse, em que este conjunto 36 pode tmpreender-se quando realizda a compreenso individual. O sentido ‘e unidade pass assim, a serie de pressuposto dogmatico para toda a hermentutics. CF, Gadamer, Verdade emétodo,p. 227. {4 Ch Berman, Law and Revolution, p- 131 6132. 2 ‘© romantismo eo renascimento também se ocupam da recuperagio das obras cléssicas, procurando, na correta utilizagéo da palavra e da ingua, ser fiel a0 espiito da épo- ea antiga, Em um e outro caso, trata-se, na realidade, do redescobrimento de algo cujo sentido era estranho e ina~ cessivel, e nio, propriamente, de algo novo. O que se pre- tendia, nesses casos, era por a descoberto o sentido original dos textos através de um procedimento quase artesanal, «que implicava a aprendizagem de outras linguas. Posterior- mente, sob a influéncia do historicismo, 2 hermenéutica abandona o seu aspecto puramente exegético, na medida tem que é reconhecida a necessidade de se interpretarem tanto as circunstincias histéricas que ensejaram a criagéo de um texto quanto as circunstincias que determinam ‘sua posterior utiizagéo. Mas € com 0 movimento da Ilus- tragio e o pensamento cientifico moderno que interpreta- io e hermenéutica deixam de significar a mesma coisa. A hermenéutica passa, entio, a se comportar como ciéncia, preocupando-se com as técnicas préprias do fazer inter- pretativo. E, ao investir na questo do método, a herme- ‘© metodo dialético era bastante wtieada come forma de resolver problema de contradicio no texto, Como exemplo do papel da dale tien escolistica na formacdo do dieto ocidental, temes 0 tratado do rmonge de Bolonha, Graclano,escito por volta de 1140, intiulado, sugestivamente, A Concordance of Discordant Canons. Segundo Ber- ‘man, Graciano foi quem, a dade Média, primeiro explorou, de for ‘ma sistemitea, as implicagoes legais desasdistingtes e arrajou a8, ‘ras Fontes de dieitoem ordem herirquca. Ele comecouinterpon- ‘do conceit de diceito natural entre os conceitos de direito diving & de direlto humana. O direito diving era a vontade de Deus refletida ‘a revelagio, especialmente a revelagdo da Sagrada Escitra, eo di- zeito natural, eambém refletido na vontade de Devs, podeis ser en- «ontrado tanto na revelasio divina quanto na razio e conscigncia hur ‘mans. Cf, Law and Revelutin,p. 145, 2 ‘néutica ganha particular importdncia para a filosofia e para a teoria do conhecimento.* No entanto, a énfase dada 3 linguagem matemitica acaba por inserir a hermenéutica no ‘campo da légica formal, e & apenas com a fenomenologia, desenvolvida por Husserl ¢ Heidegger que ela passa a ser vista como compreensdo, revelando-se na consciéncia do r6prio ser, Para Heidegger, a compreensio consiste no movimen- to bisico da existéncia, no sentido de que compreender no significa um comportamento do pensamento humana en- tre outros que se possa disciplinar metodologicamente e, portanto, conformar-se como método cientifico. Consti- tui, antes, 0 movimento basico da existéncia humana. Compreender, para Heidegger, "€ a forma origindria de realizagdo do estar ai, do ser-no-mundo".*’ Gadamer diré que compreender é experiencia {5 Flosofia como reflexio sobre o conhecimentoe “teora do cone- clmento” aquela que procura a verdade objetva, com base na distin- 0 existeate entre syetae objeto Gavdamer diz que a hermenévtice atu, incentvada pela desco- berta das ciéncias humanas, aio trata de definirsimplesmente um método espectfice, mas si fazer justiga a uma ida inteiramente diferente de conhecimento e de verdade. As ciencias humanss,afr- ra, ao se limitam a por um problema para a fiasfia, Ao conto, clas pem um problema de flosofia. CE. O problema da conceéncia historica,p- 20 ‘A respeto da relagio existente entre hermentuticae teoria do conhecimento, vale confer © que dia Raimundo Bezera Faledo, em Hermenéutica, p87 e segs 46. CE Gadamer, “Hermentutia clisicae hermendutica ilossfica” (1977), in Verdade ¢ Método Il p. 105, Palmer, ob. cit, p. 134 47 Verdadee mitode, p32. ‘idea de "mundo" cortesponde 0 conjunto de condigdes geogré- fica, histica, sociis eecondmicas, em que cada pessoa est imersa 2» No século XX, seguindo a esteira do historicismo de Dilthey,* que considerava a reflexividade como base da cexperincia, eda ontologia heidegeriana,® a luz da retoma- dda da questio do ser, o Professor Hans-Georg Gadamer traz a hermenéutica para o campo da préxis ou da filasofia pratica,® Deixa claro que seu objetivo é dar continuidade WS Reconhecidamente, Dilthey empeeendeu um notévelesforgo no Sentido de dar objetividade metodol6gica as “citncias do espirito” {ssumindo o problema da rlativdade. A parr da impertincia da Conscitncia do condicionamento histérco, Dilthey procurou conver- ter em cidacia a experiéncia hstérica, Perém, segundo Gadamer, Dilthey no consegui escapar das amatas do cartesanism, manten- doa experiéneis como ago transcendeste a0 propre ser Nao obstan- te, Dilthey teria conseguda cumprr a tare que considerou sua, de justificar epistemologcamente as ciéncas do espirto, pensando 0 ‘mundo histrico como um textoa sr decifrado. Cf. Verdade e nto dd, paginas 277 « 304, ¢ "Extensio e limites da obra de Wilhelm Dilthey", em O problema da concincia histirica, p27 e segs 19, De acerdo com Gadamer, “sob 0 termo chave de uma hermenéu tt da faticidade Heidegger opde 3 fenomenologaeidtica de Husserl, a dstingio entre fatoeessencia sobre s qual repouse, uma exigéncia paradonal. A faticidade do ertar af (Dasen), 2 existecia, que nlo € Suseetivel nem de fundamentagio nem de deducio, € 6 que deve trgie-se em base ontoligica ds fenomenologis,e mo 0 puro cogito, como constitwigio estencial de uma generlidade tipica." Verdade e método,p- 318. [0 Gadamer, o tabslhar com o problema hermenéutico da aplica- ‘io, eportase a Aristotles. Apesar de Avstételesnio trata dceta~ {rente do problema hermenéutico nem da sua dimensio histrica, na Etiea trate do desempenho da rao na stuagio moral. Como as che mada “ciéncias do espirto” possuem come base a vida o homem, fas suas relagSes interindividaas, e o que ele sabe de si mesmo, 0 aber que Ihe € préprio € o saber morale ado o térico ou cientifico (saber moral cu a phyoneis, tal como descreve Aristétles, nib & tevidentemente umn saber objetivo, a medida em que © seu conhecer ‘do decorre da constatacio de fatos, mas daguilo que se fz. Aquele ‘que atua tata antes com coisas que nem sempre si0 como sip, senfo 0 a proposta de Heidegger, ao reconhecer que o conceito da ‘ompreensio néo é mais um conceito metédico, mas ca rater Sntico original da vida humana mesma,” Segundo Gadamer, o estar af &, na realizagio do seu proprio ser, compreender. Mas, na realidade, nem 0 conhi cedor nem 0 conhecido "se dio” “onticamente", mas “his toricamente’, isto €, participam do modo de ser da histo- ricidade, Pertencer & condicao para o sentido originério do interesse hist6rico. O problema da faticidade, que aparece tem Heidegger, era também o problema central do histori- cismo,e isto significa que o ser determina-se no horizonte do tempo, “A tese de Heidegger € de que 0 ser mesmo é tempo". ‘© ponto central da teoria de Gadamer, que diz respei to ao problema da verdade e da compreensio no ambito das ciéncias do espirito," @ a analise da “consciéncia da historia efetiva’,traduzida para o inglés como historically «effected consciousness. A conscincia da histéria efetiva é 8 consciéncia da situagdo hermenéutica, portanto, do mo- mento de realizacao da compreensio.® Gadamer defende Sue podem ser amb tints Ne descbre em ue pono pode iments, eu sb deve dg se fans CE Vee may p38 8 brea iso aio de ricco pec, es noo de rb resi vale tab conece obo de Asda Malay, uta eum? Qual raconaldade? 51.C£. Gadamer Verda eméad,p. 325 8 om 9 38 Cato noc) 53. Ese tomatic € sora ny segue parte des principal cbr Verdade ¢ método, ani eer 54 Ver Hans-Georg Galan. Trath and Method, Tadao de oe Weinsheimer e Donald G. Mortal, the Continous Publhing Company, New York, 1964, $8: Cadamer, Verdadee mftodo, p. 372 3 ‘a idéia de que nio € tarefa da hermentutica descobrir mé- todos para uma correta interpretacZo, mas refletir sobre © acontecer da prépria interpretacio, que no dmbito das tcigncias do espirito corresponde mais especificamente & compreensao.* © individuo compreende-se a si mesmo através da conscincia que tem de sua situagio histérica, A idéia de situagdo ligam-se, por sua vez, as idéias de tradi- (fo e de horizonte. Todo ser hist6rico encontra-se inserido ha tradigao e ocupa determinada posicdo que Ihe delimita horizontes, O ser humano, devido a sua condigio histérica, 6, por isso, um ser limitado. O horizonte, para Gadamer, é co mbito de visio que alcanga e encerra tudo o que é visivel 1 partir de um determinado ponto, Nao obstante, ter hori- zonte néo significa estar limitado Aguile que nos cerca mais, de perto, mas poder ver, inclusive, por cima dele. Horizon- te & apenas a dimensio do que © homem compreende ¢ ‘que ajuda a compreender-se a si mesmo. Aquele que tem horizonte consegue valorar o significado das coisas que se tencontram dentro ou fora dele, segundo padrées de per- to/longe, grande/pequeno, etc. A mobilidade histérica im- pede a existéncia de horizontes Gnicos, ao passo que © ho- rizonte se move conforme quem se move: no € a cons- ciéncia histérica que pée em movimento o horizonte, mas nna consciéncia histérica este movimento se faz.consciente de si mesmo. Por outro lado, de acordo com a teoria de Gadamer, 0 horizonte do presente encontra-se em constante forma- Ge Para Gadamer, a compeeensio & menos um método através do ‘qual a conscitncia hstriea se aproxima do objeto eleito par aleancar ‘stu conhecimento cbjetivo de que um processo que tem como pes Suposto 0 estar dentra de um acontecer tradicional. Cf. Verdade e Indtodo, p. 380, eee cece a0 contrério, é a fusio desses horizontes que possibilita ; Garren se ale inc no secon een nificativa, Sintetizando, é este o entendimento de Gada- ea gto de am bozo hin & portant ase ou momento a relzagao da comprcense, © consolida na aute ‘ a 2 lienagdo de uma jer sda, consciénis passoda, 2 no prio horzonte compreensia do pe sent, Na realizgio d compreeso tem gr un ver ir fusio horiabntiea que com o projeto do hortaant his tr levaacabosmtnemente a superace Arel So contolada da fusio damoso nome de “tarefa da cone. ciéncia histérico-efetiva’,” F - A idéia de horizonte sustenta-se num de i 2-Se num dos prineipais pi- lares da constugio tedrice de Gadamer, que € 0 iia de tradigdo, uma vez.que o tempo passe a ser visto no como um precipicio que deve ser transposto para a recuperacio do passado, mas 6, na realidade, osolo que mantém o devir onde o presente cra raizes, Dessa forma, ‘A “distincia temporal” nio é uma distincia no sentido dle uma distincia que deva ser transposta ou vencida, Esse era o preconceito ingénuo do historicismo, que acreditava poder alcangaro terreno da objetividade hit6rica através de ‘um esforgo para se colocar na perspectiva da 6poce extudada € pensar com 0s conceitos e representagoes que hes eram, 57 Hem, p37 s Te Kd, 333. 7. Gadamer "Sobre o circulo da compreensio" (1959). Verdade método I, p. 63. 118. Pera Gadamer, os preconceitos necesssios e que orienta tod tarefsinterpretativa nie constituem, obrigatoriament,fonte de e770, ‘como queria Descartes. Os preconceits, por exemple, dado pela trac cavregam um fundamento de validade. Dai Gadamer fla da autordade propris da tadigio, Por outro lado, “a tradio ndo € uma force cea, em face da qual ohomem seria um ente meramente pass. vo, nio s8 porque através dela 9 homem Se auto-interpeet, mas tam: ‘bém porque por ela © homem € continsamente iterpeledo.[..] A tradiao & assim identifcada com o conjrta de preconcsitas trans subjetvos que arientam a interpretardo e, como les, €igualnente Aautoridade da tradigio, no entanto, ndo tira a liberdade do intérprete, porque, 20 ser racionalmente reconhecida, € formar uma consciéncia met6dica da compreenséo, somos capazes de controlé-la* Mas a compreensio no consiste em uma busca do passado feita por uma razéo inde- ppendente, como procedia o romantismo histérico, consi- dera Gadamer. Consiste, isto sim, na determinacio uni- versal do estar ai, ou melhor, na futuridade do estar af, feita por uma razio comprometida historicamente. O es: tar af faz parte de um processo hist6rico enquanto expe- riéncia humana da qual participamos. E, assim, escreve: [Nilo & s6 a tradigéo ¢ a ordem de vida natural que for- ‘mam a unidade do mundo em que vivemos come homens; © modo como nos experimentamos uns 208 outros @ como cexperimentamos as tradigdes ist6ricas eas condigées natu- ris de nossa existéncia e do nosso mundo formam um au- ‘tEntico universo hermenéutico com respeito ao qual nds nfo estamos encerrados entre barreiras insuperdveis sendo aber- tosacle." A razio s6 existe como real e histrica, ou seja, a razio rio € dona de si mesma, mas esta sempre referida a0 dado no qual ela se exerce. "Por isso, os pré-jutzos de um indivi duo sao muito mais que seus juizas; a realidade histérica do seu ser." E sob esse viés ontol6gico-existencialista, contrério as constragées que se fundam sobre 0 método logico-objetivista, Gadamer entende que: ‘afirmada como condigto da interpreagao.” CF. Joo Pasuna, Diciond- ro, p. 163. 119," Verdade e métdo, 336 120. Idem, p. 26. 1a Idem, 344 37 ‘A antecipacio de sentido que guia nossa compreensio de um texto nio é um ato da subjetividade senio que se determina desde a comunidade que nos une com a tradicio Mas em nossa relagio com a tradicio, esta comunidade est submetida a um pracessa de continua formagio. Nao € sim plesmente pressuposto sob o que nos encontramos sempre, sendo que nés mesmos a instauramos enguanto que com: preendemos, paticipamos do acontecer da tradicio e conti- rhuamos determinando assim desde nds mesmos. O circulo dda compreensio nio é neste sentido um circulo "metodalé- ico” Seno que descreve um momento estrutural ontol6gi- ‘co da compreensio.'”= De fato, quando Heidegger afirma que “a compreensio significa 0 projetar-se em cada possibilidade de ser-no- mundo, isto 6, existir como essa possibilidade",! pode- ‘mos continuar com Gadamer quando, a0 analisar tal con- cepsio, conclui que “quem compreende um texto, para no dizer uma lei, nio apenas se projeta, no esforgo da compreensio, em diregio a um significado, mas adquire pela compreensio uma nova liberdade de espfrit. Isso im- plica novas € numerosas possibilidades, como interpretar um texto, ver as relagoes escondidas que ele dissimul tix rar conclusées, etc.""* problema da pré-compreensio assume especial im= portincia no direito, devido a0 seu aspecto dogmatico." 1a dem, p. 363. 123. Cf. Sere tempo, Pate 2, p. 193. 124, O problema da consiénca histrica,p. 41 125, Sobre a existéncia de preconceites ou pressupostos que orien: tam ainterpretacio ne pensamento de Heidegger, temos que! “eeitar aexistincia do cicula hermenéaticoindissoialmentesceita exis téncia de pressupostos ou preconceitos para tod «exegese ¢, a ver dade, como condigio para a prépriaexegese” Cf Jodo Pasana,Dico ndrio, p. 159, verbete "Hermencutics™ se ‘A formacio de uma tradigio juridica, originéria dos princf- pios traduzidos pela lei, pela doutrina e pela jurisprudén- Cia, oferece ao direito um forte poder de legitimidade, nia tanto pela sua autoridade produtiva, egislativa ou judicial, mas, principalmente, pela regra de justica que estabelece a aplicagio do precedente como meio de conceder trata- mento igual a situacées essencialmente semelhantes. Da ‘mesma forma, a natureza normativa das regrase principios juridicos positivados © dos conceitos sedimentados pela tradigio condiciona a agio do intérprete, impondo-lhe li- mites. Veremos, todavia, que o uso da tépica no direito ajuda a potencializar seu émbito de significagio, a0 inves de cercear a agio interpretativa Para o direito, além da tradigio histériea, que situa 0 intérprete, contamos também com uma tradigio especifi- camente juridica, de regras e princfpios, que se mantém no tempo e servem de sustentagio as decisdes, segundo a re- grade justica. Dessa maneira, entendemos que a dogma 6. Perelman atribu significado especial A tradigho jriprudencil ‘com féerula de justics, Bers come acs "prncipioegeris de dirlto", {que atuam como sepras gers con autordade repouss na tradido, Descartes, por seu lado, se indispde francamente conta quer ta. digSo. Os costumes eas opinises levam a0 ero, da mesma forma que 4 Fazio se opée & arbitaniedade das crencase dos pre-conceits. Ele pretende, com iss, segundo declara no seu primero trabalho publica ‘do — Discurso do método —, fnertdbula asa de sua prépria vi, desfiaendo-se das opiiges antes tidas como verdaderas Ele dispe ‘como primeira regra para suas abservagées: "Nunca acetar cosh ag rma como verdadeia sem que conhecesseevidentemente como tal fou sei, evtarculdadosamente a precipitagio e a prevencio, © n30, inclu em meus jutos nada alm daguilo que se apresentasre to clara fedistitamente s meu esprito, que eu nfo tives; nenburma acaifo de péslo em vida "(Discurso do metodo, p. 23) €, mais diate: “quanto aos costumes, por vezes & necessiro sep, come se Fossem indubitéveis,opinibes que sabemos seem mito incerta, com j foi 39 tica é capaz de reservar alguma seguranga as relagdes so- ciais, pelo quantum de previsibilidade que oferece 20 con- trole de suas ages, mais do que em qualquer outra Sea do conhecimento, nio merecendo, por isso, ser descurada. Alls, € caracteristica que nos faz distinguir a hermenéuti- ca juridica dos demais campos hermenéuticos, atribuindo- Ihe tratamento préprio. a as, como ent deseava ocupat-me somente da procurs fe, pense que precisavs fazer exatamente o contri, ereje- tar como abeoitament falso to em que pdsse imaginar a menor divide, «fim de ver se depois disso nfo restaria em minha crenca tlguma coisa que fosteinteiramente indubitéve."(Discurso do méto do,p.37) 60 Capitulo 2 O PENSAMENTO JUSFILOSOFICO MODERNO: DA EXEGESE A JURISPRUDENCIA DOS VALORES pensamento juridico moderno, ox as virias correntes: filosoficas que pensaram e escreveram sobre o dieito no século XIX, detiveram suas preocupacées em torno dos valores que servem de esséncia a0 préprio diteito. Seriam les basicamente a justiga, a certeza e a seguranga. Enten- demos que toda condigao ética © moral concentra-se no mbito da justica, assim como a ordem se refere a certeza © 8 seguranca. Entretanto, nao se deve afastar a idéia de que a justiga, como auséncia do arbitrio, sustenta-se na lei, relacionada diretamente aos valores da ordem e da segu- ranga, E a chamada justiga formal, que gerante a igualdade de todos perante ale. Por isso, &repassarmos a ist6ria do mundo moderno para perceber que a necessidade da segu- xanga se sobrepée & idéia mais elevada de justia, fazendo com que o direito se circunscreva a ordem formal.” Se & TDF Asegurangs es ordem sf o valores tpicos do mundo moderno. s. cestaa modernidade que agora se questions, € sobre ela que nossas atengSes devem receir, tomando-a como paradigina de anilise ‘£0 momento em que o cartesianismo se impoe. Carac- cristico disso & a teoria do contrato social, criado pela ra 70 e que iré fundamentar a ordem social dos ilurinistas A figura almejada de um legislador racional, criador de uma nova ordem, a despeito dos costumes e da tradigéo cexistentes, encontram fundamento nos escritos de Des- cartes: Nio hd tanta perfeigio nas obras compostas de varias pecas, e Feitas pelas mios de virios mestres, como naquelas fem que apenas um trabalhou. [..] E assim pensei que as cineias dos livros, pelo menos aquelas cujasrazdes sio ape nas provivels,e que aio tém nenkuma demonsteacdo, sendo compostas ¢ aumentadas pouco a pouco pelas apinises de muitas pessoas diferentes, néo se aproximam tanto da ver- dade quanto os simples raciocinios que um homer de bom senso pode fazer naturalmente sobre as coisas que se The apresentam." Os te6ricos do racionalismo, que trataram da laicizagéo. do poder estatal, deslocando o eixo da origem do poder, ‘que antes se situava na esfera divina, para a azo ou para a natureza humana, clamavam, antes de mais nada, pela ne- cessidade da certeza e da seguranga nas relagées sociais ‘Com eles tvemos a eviaio do Estado de Dirt, cujoinuito fi o de extabelecer previsdese vitro sritio, A tania do pensamenta cien= tfico-artesanoesté dada pela seguranca que a verdade pode tazer. ‘A respeito, diz Descartes: “Eu tinha stmpee um imenso desejo de aprender a distinguir 0 verdadeir do fas, pata ver claro em minhae gSes, caminhar com seguranca nesta vida." Discurso do mitodo, pls. 128. Discurso do método, p. 15 €17. 2 ‘Thomas Hobbes centraliza no Soberano todas as expecta- tivas de seguranga para-a sociedade inglese do Recelo XVIL" Convoca um tipo de Saberano a desco- nhecido na tradicéo medieval: 0 Soberano absoluto com: posto pelas pessoas, seus corpos e mentes, como delegado inerente de suas vontades. John Locke cria um soberano coletivo: o poder legislative, composto pela delegacao tempordria das vontades dos homens, que mantém 0 po- der originirio.™ Por outro lado, Locke vé como funda- ‘mental e imprescindivel a existéncia de um poder executi- ‘vo composto por magistrados capazes de aplicar imparcial- ‘mente as leis soberanas ditadas pelo legislativo. Rousseau cenaltece a figura do cidadio, detentor originério do poder soberano, como o tinico capaz.de conduzir legitimamente ' vida pablica. Imagina uma ordem estatal em que indivi- duo. Estado se i de poder." “Mais foi com Locke que a teoria do Estado liberal me- Ihor se estruturou, seguido mais de perto por Montes- quieu'” e os Fouding Fathers! americanos. Com base nesses autores, o Estado iguala-se 3 ordem configurada pelo ordenamento juridico positivo e, com isso, a seguran- ‘92 © certeza poderiam ser encontradas nas leis legitima- mente criadas pelos representantes do povo e garantidas pelo Estado mediante a ago do poder judiciério. Leis que cobrigam tanto governantes como governados. A lei passa a ser vista como mecanismo de controle das agées do gover- entificam numa mesma e Gnica estrutura 10, Thomas Hobbes. Lviard ou matéria, forma e poder de um Esta do Bclsidstico e Cv, passim. 130. John Locke. Segundo Tratado sobre o Gaverno, passim: 1, JeansJacques Rovsseeu. Do Contato Social, pain. 132, Montesquieu. Do esprito das es, passin. 13, Hamilton, Madison e Jay. O federalista, pasim. 6 no, A medida que inibe 0 abuso do poder, ¢ como regra que garante a igualdade (formal) entre os homens. Encontra- se, afinal, uma férmula para conter os desmandos dos go- vvernantes, enquanto a cidadania se afiema [No ambito da vida privada, marcada pelas relagdes en- tre particulares, a presenga de um poder maior, capaz de manter a ordem através da mediagio na composicio dos conflitos, também aparece como necesséria, Mais do que uma questo de justica, que nio é de todo ausente, haja vista 0 requisito da imparcialidade para o terceiro media- dos, impée-se, antes, a manutengio da ordem fundada na liberdade individual" Mas para tanto, de nada adiantaria tum corpo de leis criativo e bem elaborado, sem mecanis- mos capazes de garantir-lhes execuséo.'™* A norma justa cra aquela feita pelo povo, ainda que por meio de repre- sentantes eletos, e que cabia ser aplicada sem intermedia~ es. Ao poder judiciério competiria simplesmente ums acio eficaz, capaz de concretizar @ nova ordem tal como fora estabelecida, A teoria da separacio dos poderes, bem como a igualdade garantida pela aplicagio regular da lei, vvém, desta maneira, garantr a estrutura formal e os ideais do Estado de Direito Na pés-modernidade, contudo, esse referencial de or- dem e seguranca garantidos pelo formalismo abre espaco para o valor da justiga, garantido no mais pela agéo formal de cunho abstrato, mas pela razoabilidade referente a de- cisio de cada caso concreto. E quando as relacées intersub- [ba A vespeito da predomindncia do iteresse individual, vale confe- sir a obra de Macpherson — A teria politica do individualism pos. sestve de Hobbes até Locke 135. T.H. Marshal demonstra como fundamental pars a sedimenta- da cidadania no séc. XVIII a protegto dos direitos individu ‘mediante a agdo vigorosa do Poder Indio 6 jetivas edialéticas,capazes de viabilizar 0 consenso e a le- gitimidade das decisées juridicas,fazem com que se rect pre a antiga retdrica cléssica e Ihe confira objetivos novos Contudo, para se chegar ao ponto em que se encontra 4 filosofia uridica atualmente, que contempla a "Iégica do razoavel” ea “nova hermenéutica’, convém percorrermos algumas das principais escolas e movimentos tebricos que Pensaram o direito no mundo moderno, caracterizando a Filosofia de suas respectivas €pocas, e que ainda servern de referencia & discussio atwal 2.1 A Escola da Exegese Sob a énfase do racionalismo, surge, na Franca, em 1804, o Cédigo Civil Francés, mais conhecido como Cédi- g0 de Napoledo. A idéia de sistema como conjunto de ele- rmentos estruturados de acordo com as regras da deducdo impde-se no campo da filosofia, com especial repercussio no direto."® A criagdo de um corpo sistemitico de normas capaz de uniformizar 0 direto, suprimindo a obscuridade, a ambigiidade, a incompatibilidade e a redundéncia entre 18, Segundo Tércio Sampaio Ferraz Je, “O nicleo constituinte des- ‘1 teora jf aparece esbocada a final do sécule XVI, O jusnaturalis- mo ji havia cunhado para o diteta © conceite de sstoma, que s© resumia, em poucas pslavras, na nogio de canjunto de elementos es traturados pelasregras de dedugio. No campo jurdicofalava-se em sistema da ordem da razio ou sistema das normas conforme a razdo, entendendo-re com ista + unidade das normas a partir de princpics dos quas todo o mais era dedusido. Interpretar significa, entdo, Inseri @ norma em discussio na totalidade do sistema. O relacior ‘mento, porém, entre sistema e ftalidade acabou per calocar a ques to geal do sentido da unidade do todo.” Introdugao 20 estudo do direto, p. 240. 6 0s virios preceitos normativos regionals e setorias, objet ‘vando sua aplicagéo, revela uma vitéria da razio sobre ou- tras formas espontineas de expressio cultural. E como ‘movimento doutrinério proveniente dos grandes comenta- ristas do novo cédigo, surge a chamada Escola da Exegese Crédulos nas intimeras virtudes daquele corpo siste~ mitico de normas, 0s componentes da Escola da Exegese propugnam uma atuacio restrita do poder judiciéri, me- diante o apego excessivo as palavras da lei. A atividade dos juizes, na Franga, ento comprometidos com o Antigo Re- rime, seria controlada pelo atendimento severo e restrito acs termos da lei Lei feita pelo povo, em cujo contetido cencontra-se a vontade geral. Na busca do seu significado, privilegia-se, entéo, os métodos de interpretagio gramati- cal, e sistemitico, Por intermédio da estrutura gramatical, € pelo conteiido dos termos técnicos, encontrar-se-ia a vontade do legislador reconhecida como a méxima expres- sto da vontade geral que encarna o poder. Nada poderia ser admissfvel como ameaga 2 nova ordem. Qualquer po- der, além daquele que verifica o contesdo expresso da lei, ‘ransforma-se em arbitrio. E assim, o juz passa a ser visto ‘como um funcionério do Estado e mero aplicador do texto legal. Laurent, um dos fautores da Ecole, proclama: “Os cédigos nao deixam nada ao arbitrio do intérprete; este rio tem por missio Fazer 0 direito. O direito esté feito Nio hé mais incertezas; 0 diteito ests escrito nos textos auténticos.” Caracteristico do impulso cientificista que prima pela certeza, a atividade do jurista deveria ser a mais objetiva e neutra possivel. Em nenhum momento o juiz deve colocar ‘sua indole 4 mercé da interpretacio da lei de forma a des- 137, Apud Bonnecase, ob cit, p. 128. figurar a verdadeira “vontade do legislador". E dessa ma: neira, acredita-se na regeneragio da Ciéncia do Direita (Civil) pela Escola da Exegese. O método sistemstico tam- bbém apresenta-se como apropriado no trabalho de inter- pretagio do novo cédigo, uma vez que 0 conjunto de nor- mas integrado e harmdnico traduz, em si, um sentido co- mum, além do significado isolado de seus artigos, cabendo 20 intérprete considerar a lei em conformidade com a to- talidade do Codigo. O dogma da razio exalta de tal forma 4 capacidade do Cédigo, que leva & completa iden do direito com a lei, Daf acélebre frase de Bugnet: Gonheco 0 direito civil; eu ensino somente o Cédigo de Napoledo."! Havia uma pretensio de se encontrar na lei a resposta para todos os conflites. De fato, em um momento de pou- 2 complexidade social e progresso em lenta evolusdo, 0 cédigo napoleénico conseguiu manter-se praticamente inalterado até o final do século, ¢ com ele as propostes da Escola da Exegese.™ Julien Bonnecase, autor dolivro L’E- cole de I Exégése en Droit Civil, divide em trés os perfodos desse movimento: primeiro, 0 perfodo de formacio, que data de 1804 a 1830; em seguida, 0 seu apogeu — 1830 2 158 Idem, p. 128. tna, A questi das lacunes, por exemplo, no dicitonio era enfrents+ ds pelos wesricos da Escola da Exegese,emboraexistsse no Cédigo [Napolednico uma dispasigio no sentido de que ojuiz mio pode deixar de jolgar alegando auséncia os cbscuridade na le, sob pena de ser ‘condenado:“O jue que recs jugar, a pretexto do silencio, da cbscu- Fidade ou dainsuficienci da lei, poder ser prcestado como culpado dde-denegucio de justice" antiga 4 do Ciigo de Nepoledo. Cabe wesficar respeito, or debates que antecederam » promulgacio do Codigo, rincipalmente o que dia Portas, recohecidamente 0 seu principal mentor. o 1880; e 0 declinio, verificado por volta de 1880. Além do apego a literalidade do texto como caracterfstica, Bonne- case aponta, ainda, um outro aspecto da Escola da Exege- se, que € 0 da “estatalidade”. O direito identifica-se como Estado, nos seguintes termos: A Doutrina da Escola da Exegese se reduz, com efeito, 2 pproclamar a onipoténcia juridica do legislador, isto é, do Estado, pois, queiramos ou nao, oculto do texto da leie da intengio do legislador, Ievado 40 extremo, coloca 0 direito cde uma maneira absoluta nas mios do Estado." A Escola da Exegese firmou, assim, a base te6rica do racionalismo juridico ocidental, cuja grande obra foi o C6- digo de Napoledo, 2.2 Acritica de Francois Gény Apesar de toda énfase dada pela Escola da Exegese 20 aspecto racional do direito tal como este se encontra ex- presso na lei, que tudo alcanga e tudo prevé, a despeito, inclusive, do que dispunha o artigo 4° do Cédigo Civil francés, 20 determinar sobre a obrigagio do juiz de julgar diante do silencio, da insuficigncia ou da obscuridade da lei, encontramos a critica de Francois Gény."! Por meio de uma construgio de base empirica feita sobre o trabalho dos juizes, que se defrontavam muitas vezes com casos de "lacuna", em vez de teorizar apenas no plano do abstrato ou do meramente racional, Gény faz sua defesa pela “livre WO. Bornecas, p. 149, Ml, Método de interpretagto ¢ fontes em direito privado positive (1899) e Ciénciaerénica em dretoprivadopositiv (1914-1924), o investigagdo cientifica”. Muitas vezes verificava ndo ser bastante a subsuncio do fato 3 norma geral para se retirar dai, automaticamente, uma solucio para 0 caso. Para Gény, quando 0 ordenamento juridico néo apresentasse ‘uma lei especifica para determinado caso, 0 juiz deveria langar mio da anélise feita sobre os fatos sociais, bem como das leis que regem a sua estabilidade, para enti ob- ter a regra capaz de resolver a questio. A seu turno, a in- vvestigagio cientifica mostrava-se conveniente também pelo seu rigor, apto a fornecer nfo apenas uma solucio ob- jetiva e criteriosa, possivel de evitar qualquer arbitrio, como também uma solugio legitima, pois que ori _dos préprios costumes e valores existentes na sociedade. Gény esclarece seu pensamento sintetizando-o na ideia da livre pesquisa cientifica, da seguinte forma: "Pesquisa li ve, uma vez que ela se encontra aqui subtraida 8 aco p pria de uma autoridade positiva; pesquisa cientifica, a0 ‘mesmo tempo, porque ela ndo pode encontrar suas bases sélidas senio nos elementos objetivos, que somente a cién- cia pode revelar.""# De acordo com Gény, uma vex nio obtida a resposta para o problema no sistema, o aplicador da lei poderia, por meio da atividade cientifica, encontrar a solugio juridica para o caso fora do imbito restrito da lei positiva. As pos- sibilidades para se resolverem casos de auséncia de lei cram encontradas, dessa maneira, Fora do texto legal, ain- da que através do mesmo, uma vez. que néo caberia 40 téxprete negar a ordem juridica afastando-se dos seus prin- cipios fundamentantes. Uma pesquisa cientifica, de base sociolégica, seria capaz de oferecer ao intérprete os crité- 142, Frangois Gény. Méthode D'Interprétation et Sources en Droit Privé Positif. 78, 6 rios de justica prevalecentes na sociedade e que, na reali dade, dariam ensejo ao surgimento de novas les. ‘De maneira que, na esfera de livre pesquisa, onde nés 0 ‘consideramos agora, o método juridico deve ter como preo- cupagio dominante descobrir, ele mesmo, em prejuizo do auxlio de fontes formais, os elementos objeivas que deter- ‘minardo todas as solug6es requistadas pelo diteto positi- Logo, a atividade do intérprete deveria coadunar-se ‘com as regras prinefpios gerais norteadores da ordem ju- ridica positiva, fundamentais a garantia do Estado de Di- reito. A esse respeito, escreve Recaséns Siches: Antes de tudo hi que interrogur a razdo e a consciéncta para descobrir em nossa natureza intima as bases mesmas da justiga. Por outro lado, hé que dirgirse aos fendmenos so- ‘ais para descobrir as leis de sua harmonia eos principios de dem que requererm."* Para Gény, a lei continuava a ser considerada como a principal fonte de direito. Antes de se recorrer 08 cast- mes e livre investigagio cientifica, deveriam ser esgota- das todas as possibilidades de busca de uma solucéo para 0 as0 no direito postive. Apesar de admitir-se, pela primei- 12 vez, a procura do direito fora do texto legal, e dat a grande novidade trazida por Gény, a importincia da or- dem escrita era inquestionsvel. Na verdade, sua grande contribuicio foi para a teoria das lacunas."© 18. Tom, vol.2, p79 lat Apud Recasens Siches, Panorama do pensamento juridico do sc. 2X, p38. 14s" Gény, em suas erficas (apud Recaséns Siches Panorama del Pensamiento Juridico en el Siglo XX, vl. p.28 430), chama atencio 0 O vies cientificistatipico daquele século aparece niti- damente na obra de Gény. No livro Ciéncia e téenica em direito privado positivo, ele trabalha com dois tipos de componentes: o dado e o construido. O construédo seria 0 clemento artificial do dircito, © © dado, o elemento natu- ral. De acordo com Gény, 0 verdadeiro conhecimento di- se sobre 0 dado, ou seja, sobre os fendmenos da natureza ‘ou fatos sociais. Dessa forma, atribui um elevado grau de para as tentatvas do govern francés, come a cragio do tribunal de Cassagio, com poderes pars anula toda sentenge que volseeexpres- samente 0 texto da le, de forma a impeciruma possivelinterfeacia do judicrio sobre o legislatvo, gredindo a separacio dos poderes. Em relagio ao artigo 4” do Cédigo Civil, que admitia a existncia de lacunas so proirojuiz de recusar sentence sobre qualquer asunto submetido 40 seu conhecimento, lembea as palavras de Portas, 0 ‘mais eminente de todos os autores do projeto do Cdigo de Napoledo,, {quando este defende a utilzagio de prinepios geras de direto sob luma concepcio jusnaturalista:"A misio da lei consiste em fixar os, Pncipis gras do diveito;estabelecer prncipiosfecundas e, no des- ‘cer ao detalhe de questses que possam surgi em cada matéraconcre ta — 20 juz, a0 jurisconsuto, penetrado do espirio geal da lei, & a «quem cabe faze as aplicagSes. Por isso, em todas as nagtes privilege das, a lado do santusio das leis e sob vigdnca do legislador,vé-se sempre formar um dep6sto de maxims, de decistes, de doutrina, {que diariamente se depura mediante s pritica ea confrontagio dos = Para Tércio Sampaio Ferraz Jr, a doutrina subjetivista insiste em que, sendo a ciéncia juridica um saber dogméti- co—dogma enquanto um principio arbitrério, derivado da vvontade do emissor da norma — seu compromisso € com a vvontade do lepislador; portanto interpretagio ex tunc (des- de entio, isto é, desde o aparecimento da norma pela posi- tivagio da vontede legislativa). Ressalta aqui o aspecto ge- niético e as téenicas que The S50 apropriadas, como a do método histérico, Jé para a doutrina objetivista, a norma sg0za de um sentido pr6prio, determinado por fatores obje- tivos (dogma aqui aparece como arbitrério social), inde- pendente, até certo ponto, do sentido que the tenha dese- jado dar o legislador, donde a concepgio da interpretasio como uma compreensio ex nunc (desde agora isto €, ten- do em vista a situacdo ¢ o momento atual de sua vigéncia). Ressalta aqui os aspectos estruturais em que a norma ocor- 265. Metodologia da ciéncia do diveito, p. 31 na ee as técnicas apropriadas & sua captagio, como a do mé- todo sociol6gico. Castanheira Neves sugere que a opcio por uma ou ou tra vertente & determinada por pressupostos cultura, fi- los6ficos-juridicos e teleolégicas de todo diversos _Osubjetvsme tad una concep cultural eherme- autieade cari epstemelogcamente positivist, segundo a ual os sentido culturais seam els props entidades tmpirias, fenmenospeiguicos ou de edt picliica crn em, e por ert os era put os pricologcamenteao seu ator, perspectvicls pelo proces. to da sa gbnesehistrico-piguica — assim na dues © na logica, na histria ena flosoi, na hermenéutia € mesmo nas nce do esprit" ari tambem o dct. Enquat £0 0 objetvismo € fo reflexo quer de um entendimento spiritual da cultura — os sentidos culturas sto remetidos 20 plano ontalégica © epistemoloicamenteaut6nomo da “cultura, pertencem nBo ao dorsnioemprice, ns 3 do- ipio do “ser eapirtual” (N. Hartman) — quer de uma Intengo espctcamente”compreeniva”(nioexpliativa dia hermentutca, € asim as expresses signfiativs pos sama econhecers tna aitonoma abjetiviade popes do ser cultural, como iredutivelsmanifestagbes histor co-culturais do “espirito objetivo".“” De acordo com Karl Engish,2* temos que a tarefa do compreender abrange 0 puro “compreender de um senti- do", enquanto apreensio do contetida real (objetivo) de uma expressio, bem como o “compreender pelos moti vos", enquanto apreensio dos motivos daquele que se ex- 166, CF. Tercio Sampaio Ferraz. Introdugdo ao extudo do diet, ae pa Wo ao estudo do dieito,p 247. Digest, vol 2, p. 385, 248. Karl Engish. Ob. cit, p. 165 e segs na prime. © escopo da compreensio, segundo Engish corres- ponde a0 encontro espiritual com a individuslidade que se exprime. No campo do direito, portanto, € preciso, em primeiro lugar, distinguir entre as intengbes da hist6ria do ireito ¢ as da dogmitica juridica, Ao historiador do direi- to compete descobrir os motivos da lei determinados pela situacio histérica, enquanto 20 jurista cabe definir 0 con- tedido c 0 aleance prético da lei Na luta entio travada no ambito da hermenéutica jur dica sobre a prevaléncia de uma ou de outra teoria de in- terpretacio: subjetivista e objetivista, cujos argumentos a favor de uma e de outra foram tio bem dispostos por Tér- cio Sampaio Ferraz Jr, 78 encontra-se subjacente uma luta polftica entre os poderes legislativo e judiciério, Em defesa do primeiro, argi-se pela democracia, no sentido de se privilegiar @ vontade do legislador enquanto auténtico re- presentante do povo; na segunda hipétese, disputa-se maior autonomia para o poder judicirio, que procura in- terpretar objetivamente a lei no momento de sua aplica- so, a fim de fazer justiga para o caso concreto. Conside~ tando-se, porém, que o direito se concretiza por meio de ‘um jogo de forcas entre as diferentes teses apresentadas como produto de sua interpretacio, prevalecendo a de maior poder de convencimento, podemos concluir que qualquer das posigées acima € vilida a medida que se apresente como argumentativamente apta a produ um resultado de consenso, ‘A defesa pela vontade objetiva da le, por sua vez, abre ccaminho para o método de interpretacio teleolégico-axio- ligico, uma vez que a visio objetiva da lei conduz o intér- 20. CE. Tesco Sampaio Feraz J. Itroduptio a estado dodirito, p. 2a. im prete para a busca do fim nela contido, mediante # investi- aso das condigoes sociais de seu tempo e dos valores pre- ponderantes. Afinal,trata-se de encontrar a solugio mais adequada e razosvel para cada caso. Capitulo 3 VIRADA PARA O POS-POSITIVISMO: ‘A DISCUSSAO METODOLOGICA ATUAL Do escorgo apresentado no capitulo anterior, podemos perceber uma tensio constante entre seguranca, de um lado, ¢ justiga, de outro, Verifica-se uma variagio entre extremos radicalmente opostos durante todo 0 século “XIX: de um lado a Escola da Exegese, com todo o seu ri- gor, como forma de transmitir seguranca 20 direito, e de outro o Movimento para o Direito Livre, muito menos ri goroso, cuja preocupacio era principalmente com relagdo |Ajustiga. O despertar do século XX dé ensejo a um movi- mento crtico, que questiona as reais contribuigées da dog- rmatica jurfdica tradicional para a sociedade, ganhando for- g2.a sociologia, A filosofia dos valores veio também com- por este quadro, ocupando-se da questio da jutica, Mas € com Kelsen que a filosofia juridica sofre uma significativa ruptura, Kelsen cinge-se & idéia do resgate da objetividade da seguranga no campo do direito, propondo a constru- bs. so de uma teoria que excluisse quaisquer elementos de natureza metafisico-valorativa. Como vimos, pretendia-se ‘que a atividade jurisdicional ficasse circunscrita a opera- ‘es I6gico-dedutivas extrafdas de um sistema dindmico de normas feitas pelo Estado, capaz de gerar uma norma individual como sentenca para cada caso concreto. No entanto, a correntes que véem a aplicacio do direi- to como atividade criadore insurgem-se contra tal meca- nismo, apresentando severas criticas a0 positivismo kelse- niano, Acredita-se que o direito existe concretamente © aio de forma virtual, ou melhor, que ele vale a medida que € capaz de compor interesses, desconsiderando-se a sua fora meramente potencial. O movimento critico, que en- cerra 0 predominio da dogmatica juridica tradicional? € denominado pés-pastivisme. Nio obstante, a discussio metodolégica atual confirma «a importéncia da seguranca e da ordem. Afinal,é princfpio basilar do Estado Democratico de Direito 0 conhecimento © a ndo-arbitrariedade de suas decisdes. Um grau conside- ravel de previsibilidade deverd viabilizar os investimentos sugeridos pelo progresso ¢ trazer confianca as relagdes so- iis. O que se discute € a racionalidade deste novo saber concreto que trabalha com valores, conferindo algum nivel de objetividade as decisées judiciais, de forma a submeté- las a uma instancia de conhecimento e controle. 250. Podemos caracerizat + dogmstic jurdica tradicional pelo seus aspectos formalist elegalist, da seguinte maneis: 1) primed dai, enquanto rege geral,abstratae universilmente cbrgaterie, que faz ‘com que odireto repouse sobre um campo virtual; 2) representacio 4a atividade do juiz meramente como tarefa de “conhecimento” da lei, portanto exegética, qu faz com que + interpretagio se dé inde- ‘pendentemente do pecblema; 3) separacio radial entre os concetes de “interpretacio" e riagio” do dieit, Cf, José Lamege, Herme- éutica ejurispradéncia, p29, 6 Essa discussio, na verdade, remonta a Aristételes, quando este procura diferencar apoditicidade (citncia) de dialética. A primeira corresponde as descobertas cientifi- ‘cas € matemiticas, demonstriveis pela experiéncia e pela Togica, ea segunda refere-se as relagSes humanas compos- tas contraditoriamente, como ¢ natural da vida em socie- dade. O dircito, como produto da ética e da moral, insere- se nesse segundo plano metodalégico, que procura resulta- dos por meio da razdo pritica. Ea necessidade do uso das palavras bem como a forca da linguagem nos langam a0 campo da ret6rica, outrora bastante desenvolvida pelos eGo as obras de Viehwer Perelman, retomasea dis cussfo, c com elas pademos reconhecer a dimensio pos- positivsta de matriz tépico-retérica. Ao invés de unidades lgicas subseqiientes umas as outras por inferéncias neces- sérias, € 0 esforgo da persuasio e do convencimento que estruturam e servem de base as construciesjurfdico-deci- s6rias. Portanto, & mais na esfera do razoével e do adequs- do, do que na esfera do puramente ligico, que a metédica atwal deve ser examinada, (0 pés-positivismo, como movimento de reagio a0 le- galismo, abre-se, na realidade, a duas vertentes. Uma delas € desenvolvida por autores que buscam na moral uma or- dem valorativa capaz de romper os limites impostos pelo cordenamento juridico positvo, honrando 0 compromisso maior que o Direito tem com a Justia. Suas insuficiéncias seriam resolvidas mediante o recurso a0s valores huma Xérios que, apesar de circunscritos socialmente, preten~ dem alcangar sua dimensio universal. Teisiniciativas am- param-se, fundamentalmente, na argumentagdo capaz de Iegitimar as posigées assumidas pelo intérprete, assim como na idoneidade dos mecanismos que se fazem neces- sérios. Poderfamos indicar aqui os nomes de Chaim Perel- 137 man, Ronald Dworkin, Jurgen Habermas e Robert Alexy, ainda que uns assumam uma postura mais analitica (Ale- x3) do que outros (Dworkin). Em outra banda encontram- s€ autores que abragam o pragmatismo, como € 0 caso de Friedrich Maller, Peter Haberle e Castanheira Neves, cu- jas teorias fundamentam-se antes na realidade do(s) intér- prete(3) © nas condigdes de concretude da norma juidice, ddo que numa ordem de valores Da mesma forma podemos identifcaro alcance distin- to da dimensio t6pica em ambasas vertentes, Autores que ‘mais aproximam o Direito da Moral privilegiam 0 uso de topoi como base para o raciocinio, isto é, idéias amplamen- teaceitas pelo auditérioa que se destinam, aptas a gorantir 4 adesdo dos interlocutores. Na realidade, os topoi refe- rem-se a valores sedimentados culturalmente, ¢ que, por isso, podem ser identificados como principis, embora ndo positivados, a servirem de premissas que, pela forga da ve~ rossimilhanga, sio capazes de comandar 0 raciocinio logi- £02" De outro lado, os mais afeitos & pragmética tendem & privilegiar, em suas terias, aspecto problemiético que a ‘Tépica apresenta, Neste caso 0 problema, 20 recortar a realidade e envolver diretamente a participacéo de atores socinis que o formulam e resolvem, serve de base 8 concre- tizagio da interpretacio,** constituindo, inclusive, a es- ‘trutura prépria da norma juridica, como o faz Friedrich Miller através do “imbito da norma” 2 Veremos, a seguit, alguns autores que inauguram essa posigio exitica, pés-postivista, Buscando na t6pica aristo- 351 Nese vento vale confer Margrida Maria Lacombe Camargo, “O Direito e sua dimensio tépica”. 7 25 Ct Peter HiberesA Conic abra de impr. 253. CF. Friedrich Maller. Métodos de trabalho do direito cnsttuco al ne fice uma fora terca ap ns ear dt amare do itivismo de base cientificista e lancar novasluzes a0 de- Bite metodoligico 3.1 A contribuigéo de Theodor Vichweg: 0 uso da t6pica no direito A t6pica tornou-se referéncia obrigatéria na filosofia, do direito da segunda metade do século XX. Poderfamos afirmar, inclusive, que com a retomada da tépica aristoté- lica no direito moderne, por meio de Viehweg,?™ a partir da década de 50, verificou-se um deslocamento radical do feixo da discussio metodol6gica, até entéo fixado sobre 0 formalise sistemitico de indole lico-dedtivo em ave repousava 0 positivismo juridico, A repercussio da teoria Suda flosofa dos valores no dieito fot de tal ordem, que a parte da filosofia preocupada com o método juridico teve de voltar suas atengées para uma nova forma de olhar 0 dircito, adotando outros mecanismos de fundamentacio ou de construcio do raciocinio, a fim de reconhecer 0 seu tenvolvimento direto com valores e que ainda desse conta da necessidade de controle das relagées socais.** © metodo sistema, craterzado pelo se here tismo, e que marcou o pesitivismo filoséfico dos séculos tnteriores?* no corresponds mass peepexidades ein 350 Tapa arisrdnca€ considera a princi obra de Vieh- weg, one oso tonta rovar a apliago da opie arti 0 Srey par da andi lta jury oma S$6 ‘bre lao dpc a juriprulenciabranei vale on- Feta tal de Palo Roberto Sores Mendon, nul A tips 0 Supreme Teibunal Feder Me Ver tTheaor Vices. Tp loi del derecho. 18 segurangas causadas por um mundo de novos e variados valores, notadamente quando as atrocidades do nazismo, ‘cometidas sob a protecio da lei, mostraram que a lei nem sempre ¢ justa. Dafa atuagéo do Tribunal de Nuremberg, no imediato pés-guerra, ao decidir conforme principios ge~ tais de moral universal. De acordo com Perelman, Os fatos que sucederam na Alemanha, depois de 1933, slemonstraram que € impossivel identificar 0 direito com a lei, pois hi principios que, mesmo nio sendo objeto de uma legislagdo expressa, impiem-se a todes aqueles para quem o direito é a expressio nio s6 da vontade do legislador, mas dos valores que este tem por missio promover, dentre os ‘Quai figura em primeiro plano ajustiga =” Necessério seria entio construir um novo modelo de legitimasao para as decisées judiciais, © que sé6 se tornaria possivel uma vez reconhecida a natureza dialética ¢ argu- mentativa do direito. A logica formal, de feigdo cartesiana, nao dava mais resposta satisfatéria '& complexidade das ‘questées juridicas. Dai verificarmos, na flosofia do direito do século XX, toda uma tendéncia em se resgatar a antiga arte retérica dos gregos e a pritica juridica dos romanos, para construir um modelo de fundamentacio mais condi- ‘Com base na obra de Christian Wolf, Filosofia da patica univer: sal, da primeira metade do sé. XVII, e sus forte influencia no ene 385. Tratado da argumentagdo, p. 1 €2. [esse sentido, ¢ilustativa a pasagem de Marlena Chat "Tam- bem devemas a Aisttele a definigio do campo das agGer ica. 191 Mas, na realidade, a grande contribuigéo de Perelman para a Filosofia tem origem no franco descontentamento que demonstrou em néo conseguir resolver, de forma to- talmente satisfatéria, com os instrumentos da I6gica for- ‘mal, a questio da justica, conforme propusera em 1945, € ‘que trataremos a seguir. 4.1 A Justica no pensamento perelmaniano Podemos dizer que o problema da justiga, além de ser tuma constante no pensamento de Perelman € de possuir todo um aspecto subjetivo (de origem judia, aleangou @ maturidade nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial), € o ponto central de toda a sua teoria. Central porque é da tentativa de defini ajustiga a partir da légica formal — base de sua formagio intelectual —, que Perel- [Estas ndo 6 slo definidas pela virtue, pelo bem pelaobrigacio, mas ‘também pertencem aquelaesfera da realidade na qual cabem 3 delbe ragio ea decielo ou escola, Em outrespalaras, quando 0 curso de tuma realidad segue leis necessvias e universais, nfo hf como nem por que deliberate escolher, pois as cosas acontecerio necessaria- ‘ent tes como as leis que as regem determinam que devam aconte= ‘et. Nio deliberamos sabre as extages do ano, © movimento dos as tros, a forma dos mineris ou des vegetas. Nao deliberamos e nem ecidimos sobre aguilo que € cepa pela natures, ito 6, pla neces: ‘sidade, Mas deliberamos e decidimos sobre tudo aquilo que, para ser ‘eacontecer, depende de nosis vontade ede nossa ao. Naa delibera- ‘ose no decidimos sobre o necstiio, poi 0 necessrio€ 0 que ée reré sempte, independentemente de nés. Deiberamos e decidimos sabre o possive, isto €, sabre aqullo que pode ser ou deixar de ser, [porque para ser eacontecer depende de nés, de nessa vontade e de poses ago, Arettelesacrescenta& conclenca moral, razida po S6 crates, a vontade guada pela razio como o outro elemento fundams tal da vida tien." CF. Convite a filosfia,p. 341 we ‘man chega 8 teoria da argumentagio, proposta como base para novo conhecimento filos6fico, rompendo definiti- vamente com a tradicéo metafisca clisica No ano de 1945 publica seu primeiro trabalho sobre a justica, tratando-a sob o ngulo formal. Acteditava que 6 mediante regras que versassem sobre a sua aplicagdo € que 8 justica poderia ser analisada com algum nivel de certeza € indiscutibilidade. Fora isso, incidriamos na natural sub- jetividade dos espiitos quando consideram a utilizacio de valores. O autor detém-se sobre o critério bésico da igual- dade como elemento comum a maioria das concepgées $0- bre justica apresentadas desde a Antigtiidade —de fato, a igualdade sempre se mostrou presente nas discusses so- bre a justica. Como a concepcio de igualdade fundamen- ta-se em valores escolhidos de forma aleatéria — igualda- de segundo a riqueza, a produgio, a beleza etc. —, 0 autor acaba por estabelecer, como regra de justica, a igualdade formal, que 0 leva a privlegiar o aspecto da legalidade Legalidade tanto no sentido aristotélico, como parimetro para a acdo justa,* quanto no sentido do direito positivo, ‘em que a lei érelativizada pelo seu contetdo. O aspecto da legalidade, por sua vez, remete-nos ao Estado, que é 0 ente responsivel pela criagio ¢ aplicacio da lei ¢, por conse- aiiéncia, da justia. A Tei &o instrumento que tem por ex- celéncia a regra da igualdade, porquanto “os seres de uma ‘mesma categoria essencial devem ser tratados da mesma forma’, assevera Perelman.®? O autor apresenta como formula de justiga 0 tratamen- to igual para aqueles considerados iguais, segundo critérios estabelecidos de acordo com os valores que venkam a in- 336, CE rica a Nictmacos, cap. V. 397, O ipério da retérica p13, 185 formar o que ele chama de justiga concreta, ou seja, a cada (qual segundo determinadas caracteristicas tidas como es Senciais. Mas essas caracteristicas essenciais, que impor tem a justica concreta, como riqueza, produgéo, antigtida- de, etc,, sto determinadas aleatoriamente. Privilegiar um critério em detrimento de outros significa neutralizar as reais diferencas entre os individuos. Por exemplo: a esco- Tha pelo critério da necessidade, que impée seja dado a cada qual segundo as suas necessidades, faz com que a5 demais diferencas se subtraiam ou fiquem neutralzadas pelas reais necessidades de subsistencia; 0 critério da pro- ducio, que determina seja dado a cada qual segundo as, suas obras, deixa em segundo plano a necessidade, uma vez {que recompensa o trabalho produtivo; o critério do lugar, {que requer seja dado a cada qual segundo a sua posigio, privilegia a origem e a posigio social dos individuos em detrimento de outros valores; , por fim, o critério da lega- Tidade, que confere a cada qual segundo o que @ lei the atribui, garantindo uma igualdade exclusivamente formal Destarte, a lei, porsis6, €atributo de justica. O impor- ‘ante € que, uma vez estabelecido qualquer crtério, epli- cago da regra se faca de forma igual e uniforme para to- Gos. Nao obstante os valores que fundamentam esses cri térios podem variar de sociedade para sociedade nos dife- rentes momentos hst6ricos, e podem servir de Fundamen- to aos mais diversos sistemas normativos. Mas como no existe uma I6gica para a escolha dos valores, ocorte que eles sio determinados de forma arbitriris. Assim Perel- ‘man nio encontra uma I6gica para uma justiga que se im- ponha como fundamento para o direito. Conclui que a ‘gualdade s6 pode ser criteriosamente verificada no corre- to procedimento da aplicacéo da lei, Thuminado pelo pen- samento postivista, Perelman acreditava que 0 méximo que a filosofia do direito podia pretender era conhecer @ 194 justiga sob o seu aspecto formal. Fora isso, preponderaria o arbitrio, contrério a qualquer tipo de racionalidade. Sob esse aspecto, a igualdade baseia-se apenas na regularidade da adocio de certas regras. Eindependentemente de qual seja a regra e qusis 0s valores que a informam, o importan- te € que se dé tratamento igual a seres unidos pela seme- Ihanga. Nesse sentido, nada melhor do que a lei para esta belecer a igualdade. Por exemplo: se a norms prevé que ‘todas as pessoas que completarem setenta anos deve aposentar-se, todos os membros da categoria “pessoa de setenta anos" obrigatoriamente estario sujeitas a tal exie géncia, Dessa maneira, os seres sociais encontram-se divi- didos em categorias conforme determinada escala de valo- res; no caso, o descanso remunerado para pessoas de idade avangada. Logo, a norma juridica mostra-se, por excelén- cia, como o instrumento mais apropriado a estabelecer va~ lores. CContudo, apesar da estrutura légica de ume justiga for- ral, epresentada por Perelman como a tnicajustica possi- vel segundo o pardmetro da igualdade, o autor rompe com « postura positivista-kelseniana e vé o ordenamento juridi- co firmado sobre uma pauta valorativa. E como os valores so por natureza arbitrérios, nenhum sistema, por mais adiantado que seja, pode ser inteiramente légico e eliminar toda a sua arbitrariedade. Logo, os princfpios gerais de um sistema, em vez de afirmarem 0 que é, determinam 0 que Yale, mas de forma arbitriria e ndo fundamentalmente 1é- ica, como quer Kelsen quando apresenta a sua norma fun- damental. 0s valores, assim determinados, € que nos permitirao justificar as regras e viabilizar a existencia da justiga, pois, segundo Perelman, s6 0 acordo sobre os valores nos permi- te justificar as regras, eliminando tudo 0 que favorece ou desfavorece arbitrariamente os membros de certa catego- Ios ria essencial.®* E uma ver existindo tal acordo, a possbil- tar 0 desenvolvimento racional do sistema normativo, a5, regras.a ele estranhas € que poderio ser tidas como arbitré- tias. Disso se segue o relativismo juridico de Perelman, ‘que no reconhece a justiga como valor absoluto, possivel de ser fundamentado unicamente na razio, mas relativo, porque fruto da vontade. Logo, a justica, enquanto mani festacio da razio na agio, deve contentar-se com um de- senvolvimento formalmente correto de um ou de virios valores.2® E assim Perelman é levado a distinguir trés cle- ‘mentos na justiga: 0 valor que a fundamenta, a regra que a cenuncia e o ato que a realiza (Os dois altimas elementos, os menos importantes aligs, como expée Perelman, si0 0s Gnicos que podemos submeter a exigencias racionais: podemos exigir do ato, {ue seja regular e que trate da mesma forma os seres inte- grantes da mesma categoria essencial; podemos pedir que 1 regra seja justificada e que decorra logicamente do siste- ‘ma normativo adotado, mas quanto 20 valor que funda- rmenta o sistema normativo, nio o podemos submeter @ rnenhum critério racional, pois ele € arbitrério ¢ logicamen- te indeterminado. Com efeito, embora qualquer valor pos- sa servir de fundamento para um sistema de justica, esse ‘valor, em si mesmo, nlo é justo, O que podemos qualificar de justas sio as regras que ele determina e 0s atos que so conformes a essas regras.>® Porém, ainda que diante da impossibilidade de pensar logicamente sobre os valores, 0 autor nao se mostra insen- sivel iquelassituagSes em que a aplicacio regular e unifor- sme da lei acarreta injustiga, Para os casos em que a lei no ae CE Brion edireito, p. $8 60. 9. Idem, p64. 0 Idem, p63. se mostre suficiente como parimetro de justice, o autor sugere 0 recurso 3 eqiidade, que funciona como elemento corretivo as insuficiéncias do formalismo legal. Perelman define eatiidade como a “muleta da justiga”, a ser utlizada para evitar que ela fique manca e de todo vulneravel. Por sua vez, 0 nio-formalismo caracteristico da equidade pro- pporcionapia 20 juiz sopesar duas ou mais caracteristicas vis- tas simultaneamente como essenciais, fornecendo uma so- lucdo equilibrada, Mas, como muitas vezes nem mesmo o abrandamento da lei é suficiente, Perelman apresenta, ‘quase que de maneira desesperada, um outro elemento, mais imediato e espontineo, como forma de se fazer justi- 2: a caridade, Na concluséo desse seu primeiro estudo, 0 autor faz reveladoras declaragées sobre sua insatisfacao diante do problem# da aplicagio da justica quando decor- rente exclusivamente da lei. E essas declaragées serviro deimpulso pare a construgéo da sua Teoria da Argumenta- sto. Essa imperfeigio de todo sistema dejustica a parte ine- vitivel de arbitraiedade que contém, deve sempre estar presente na mente de quem quiser aplicar suas mais exte- mas conseqiéncis.[.] Mas todo satema normative im perfit, prs ser motaimenteirepreensvel, deveria aque ‘Cerese no contato de valores mals imediatos€ mais esponti- neos. Todo sistema de justice nfo devera perder de vista sua propria imperfeigio © disso conclur que um justia immperfetta, sem caridade, lo €justiga > ‘Ante 0 problema da racionaidade do acordo sobre os valores que fundamentam a justiga concreta, conforme foi visto, Perelman declara, quase vinte anos depois, que é uma conclusio desesperadora para um racionalista pensar 3a, dem, p67, que 0s valores e as normas fundamentais que guiam nossas agées sio alheios a qualquer racionalidade, porque produto de interesses € paixdes logicamente indeterminveis.2° Dai, a pergunta: E exato que abdicamos do uso da razio assim que abandonamos o campo do formal?» Em 1960, ao falar do ideal de racionalidade e da regra de justiga, Perelman jé admitia as seguintes premisses ‘Raciocinar nfo é somente deduzir ¢ calcular, mas é tam- bbém deliberar e argumentar" e “a argumentagio seré qua- lificada de racional quando se achar que ela € vilida para ‘um auditério universal, constituide pelo conjunto das mentes razoiveis.""! ‘A partir, entio, do resultado limitado e insuficiente de suas constatagées Sobre a justica, Perelman, com a colabo- racio de Lucie Olbrechts-Tyteca, seguiré a procura de tuma logica dos valores, por meio de pesquisa empirica so- bre textos relatives & rea das ciéncias humanas, como a filosofia, politica e moral, conforme explica,™ de forma a extrair dat os processos de raciocinio que considerasse cconvincentes. Ao perceber que nio existe uma l6gice pré- pria para lidar com valores, mas que, em situagdes tais, aplica-se a argumentacio dialética jé desenvolvida por Arist6teles, faré, entio, sua passagem para a construgdo da 3 Perelman, "Cinco aula sobre justia” (1962), em Erica ediei- fo, p. 183, 30. Esta € a pergunta que nos spresenta Grécio a interpreta o pen samento de Perelman, Vide Racionalidade argumentaiva,p. 33, Sat. Ch. "O ideal de racionalidade e a regra de jstica", em Btica € direto, p94, iS. Az referencias sobre os propésitos de Perelman © que deram ‘ensejoa Teoria da Argumentago, mais propriamente sobre o tipo de pesquisa empreendida, podem ser encontradas em texto publicado fm 1950, xcrito em colaboracio.com Olbrechts-Tyteca, agora inclu {dona coletines intitulada Retéricas, p. 57 e segs. 198 [Nova Retérica, que consiste em uma das contribuigées mais importantes para filosofia do direito contemporiinea 4.2 ANova Retérica A partir do problema da justiga, que verfica nao poder resolver com 05 mecanismos da logica tradicional, Perel- man vé-se mobilizado com a razi0, ou 0 método, que rege as relagées sociais, adstritas a valores. Como 0 proprio ad- mite, seu cuidado especial é 0 do logico as voltas com a realidade social. Tal inquietaglo, entretanto, jé o tinha aproximado da retérica aristotélica. Perelman confessa identificar-se com Aristételes"” quando este se volta para 1 busca de um tipo de raciocinio capaz de lidar com incer- tezas, objetivando, naturalmente, alcancar solucées.°* Nesse mister, despreza os ornamentos da orat6ria, como parte da retorica antiga, concentrando-se sobre o proble- ma da relatividade e dos valores. Perelman percebe, em primeiro lugar, que a busca da verdade a partir de opinibes, através do método dialético, pressupée 0 dislogo. Por isso, diferentemente da filosofia ‘contemplativa ou da pesquisa empitica, nio basta a0 suj to sozinho buscar as evidéncias; & necesséria a presenca do He CF Retérias,p. 58 30. CE. Retorias, p65. M8, O diflog terns dilético, eportantoconstrutivo, quando, s€- trundo Perelman, para além da coeréncia interna de suas tess, Interlacutores procuram chegars um acordo sabre o ue consider verdadeiro ou, pelo menos, sobre as opinides que feconhecers como 25 mals séldas. A busca da verdade, em Arstteles, pode parte de roposigbes nio necessris, mas geralmente aeitas, cujasconclusdes {tampouco sio evidentes, mas as mais canformes com 2 epiniio Co ‘mum. Cf, Perelman, Retéicas, p. 80¢ 51 99 interlocutor, que Perelman chamaré de “sudit6rio’. Onde nio hi evidéncia, hé divida, e onde a divida predomina, a argumentacio faz-se necesséria. Portanto, a relacio é dia- légica, Com isso Peselman dé curso & Nova Retérica, pois recuperaré dos antigos a pritica dialética, fazendo-a res- surgir do obscurantismo a que havia sido relegada pela es- coléstica, pelo racionalismo e pelo empirismo. Hoje, “que perdemos as ilusées do racionalismo e do positivism, ¢ ‘que nos damos conta da existéncia das noses confusas © da importincia dos juizos de valor, a retérica deve voltar a ser um estudo vivo, uma técnica da argumentagéo nas rela- ‘s6es humanas ¢ uma logica dos juizos de valor”, diz Perel- man.>® A tanto se propée a tanto alcanga, pois encontra~ ros atualmente na Nova Retérica de Chaim Perelman a base fundamental pera a teoria da argumentacio. E como liberdade em deliberar incide sobre a agéo humana, uma vez que justificamos nossos atos, sera nos mecanismos da técnica argumentativa que Perelman iré buscar a racionali- dade propria do diceito, considerado também como um campo de aco: escola, decisio e pretensio. ‘O ato deliberativo, ou a agio deliberativa, corresponde a preferéncia de uma posicio (fundamentada em um jutzo de valor) em detrimento de outras. E a razio orientando @ Zo, ou seja, a préxis. No entanto, a permanéncia de de- terminada escolha dependera da aceitacio do auditério aque Ihe esteja servindo de referéncia, assim como da forca dos argumentos apresentados a titulo de justificativa. E nessa perspectiva, a Nova Retérica se abre para o miéltiplo € para o nio-coercitivo, valendo-se da tépica ¢ da ret6rica aristotélicas. A primeira trata do proceso dialético do dis- logo e do confronto entre opiniGes, com destaque para a habilidade no manejo entre teses contrérias, e a segunda, yao Revéricas, p. 89. 200 x do discurso orientado para a arte do bem falar, voltada para a persuasio e para o convencimento,"® Perelman propositalmente no resgata o termo dialéti- a, por consideré-lo suficientemente explorado pelos filé- sofos da modernidade e que Ihe atribuiram significado di- vyerso, preferindo o termo “retérica". O que Perelman pre- tende €reabilitar a ret6rica renovando sua tradigo luz da ‘questio dos juizos de valor.™" A retérica traz, em primeiro plano, a agio exercida pelo discurso, que, por sua prépria natureza, fundamenta-se em uma relacio hermenéutica e dial6gica, de compreensio ¢ acordo.™* Estabelece-se uma ligacio pessoal ou intersubjetiva, 0 contrério do que ocor- re nas explicagées analiticas, em que 9 ouvinte esté fadado ase submeter a evidencia. Para a ret6rica é fundamental 0 elemento pessoal tanto do orador quanto do auditério. 520. Lembrarnos Perelman que “a retsrca fol considerada pelos anti tes como arte de bem condusir,ndosomente a paavra, mas também © pensamento,Falar bem quer dizer faae de modo que se convenga (ra, falar de modo que se convenga quer dizer falar de um modo cficaz; mas essa efcicia se apresenta de formas muito diversas © & obtida por meios diferentes, conforme se adapte a ignorantes ou 3 pessoas competentes. Nios tata somente de falar, trat-se de racio- ina.” Even e dreto, p. 114 351. Para Gricio, "aida € reabiltar uma metbdica cujas premisss ‘onstituem-fe em juizas de valor, CE. Racionalidade argumentativa, pl 352. Sobee s importincia da teovis de Perelman para o desenvolv ‘mento da hermentutcs, vale destacar as palavas de Olivier Reboul "Esta € hingio hermenéutica da retia,significando ‘hermentuti- ca’ a arte de interpreta textos. Na universidade atu, essa fungho & fondamental, para nfo dizer sic. NSo se ensina mals retorica como rte de prodiair diecursor, mas como arte deinterpretéls.[.] Ma aa retéricarecebe outra dimensio; ado € mais uma arte que visa a produzir, mas uma teria que vss acompreender."Inrodugao a ret: Fea, p. XIX i zm Portanto, Perelman wos fala de uma “comunhio de espiri- tos” entre 0 orador e seus ouvintes, e define o objeto da Nova Ret6rica como o estudo dos meios de argumentacio mediante 05 quais conseguimos obter ou aumentar a ade- so dos outros pelas nossas teses.™® Aristételes define a retrica como a arte de buscar em qualquer situagio os meios de persuasio dispontveis, Nos dliremos que tem por objeto o estudo de técnicasdiscursivas que tratam de provocare de acrescentar a adesio dos espf- Fitos a teses que se apresentam para o seu assentimento.*" abe destacar, no entanto, que néo se trata de analisar téenicas de argumentacio simplesmente pela sua eficécia, ‘mas sim pela qualidade valorativa do fundamento que sus- tenta esta eficécia. Sendo vejamos: toda a atividade propa- gandistica, ou de marketing, procura convencer um audi- ‘rio sobre as vantagens de determinado produto, almejan- do obter a concordincia da clientela potencial sobre suas qualidades, e concretizar a adesio na venda. Nitidamente, ni € este tipo de argumentagio que interessa & Nova Re- XGrica. Interessa-lhe, antes, a undamentagZo racional que justificao agir humano: por que nos posicionamos de uma forma e nao de outra; por que tomamos um tipo de decisio eno outro; por que uma solugio se mostra mais adequada do que outra, Para a argumentagio que nos interessa, & caracteristico 0 elemento dialético, ou seja, é fundamental que exista a possiblidade de um contrério em relagdo a0 gual devamos argumentar, senio cafmos numa esfere de 359, Em sintese: "A Nova Retrica€oestudo dis técncas discursvas| {que tratam de provocar ou de acrescentat a adesio a tests apresenta- das a um determinado auditsrio®. Chaim Perelman, em A Liga he vidi ea Nova Retérica, p. 15] st. Idem, p. 139, 202 decisbes fiteis, para as quais ndo existem argumentos, pois fo que € fil € vio; é insignificant (© encadeamento de proposigdes que nos leva a uma idéia provivel ou verossimil, mas que sustentada em argu- ‘ments fortes pode enfrentar oposicéo, refere-se 8 racio- nalidade das relagSes humanas, marcadas pela intersubje- tividade, mantida, até entlo, fora do campo da légica. 0 papel da Nova Ret6rica ser, justamente, o de buscar um outro tipo de ldgica que ndo se resuma na I6gica formal, ‘matemitica, e que permita tirar a préxis do campo da irra- cionalidade. No lugar da logica que requer rigor de proce- dimento para conclusées corretas, a partir da evidencia de suas premissas, a légica que agora se instaura & a légica do preferivel aquilo que justificadamente se apresente como ‘mais razodvel ou mais adequado para cada situago, ou me- Ihor, para cada problema concrete. ‘Ora, sabe-se que toda deliberacdo humana, determina dda que € por juizos de valor, é refratéria a qualquer de- ‘maonstragio de certeza com base em axiomas que no ¢a- bem ser questionados. Pergunta-se, por exemplo, por que determinada decisio pode ser considerada boa e nio mé, ¢ fo que define uma decisio juste, adequada ou razosvel. Se- gundo Perelman, estas sio perguntas conformadas em jui- 20s possiveis de serem estabelecidos em um campo de mi- tua aceitagdo e que nao se impéem linearmente. Diante, entdo, da auséncia de uma légica prOpria aos jutzos de va~ Jor, tal como encontramos nas cincias exatas, 0 autor ve~ rifica que onde hi controvérsia prevalecem, em vez da 1é- gica, as técnicas da argumentacio, que se apresentam, Como via propicia a0 acordo."® A teoria da argumentacao, 5 Michal Meyer tents pue at lags de intersubjetvidade que ‘Shunt ptie ret es socedaes praia: “Desa dcp ide conernos hbnios, que Aréces se esfrgow por salvar do 20 esclarece Perelman, néo tem como meta substituirateoria da demonstracio, mas apenas preencher o vazio deixado por ela, quando se pretendia univoca, Outrossim, no se pretende, coma Nova Retérica, formalizar raciocinio va- lorativo atribuindo-Ihe logicidade, mas reconhecer-he wm mecanismo préprio: a argumentagéo. Esta, na realidad. foi a conchasio a que chegaram Perelman e Olbrechts-Ty- teca como resultado de suas pesquisas. Ao indagarem so- bre # existéncia de uma logica de valores relativa ao racio- Cinio que acompanha # justificacio de uma opgio em lugar de outra, ou de outras, perceberam que isso nao era poss vel, mas que situagbes desse tipo ocorriam mediante adi puta de argumentos. Aristételes j havia desenvolvido essa teoria nos Tépicos, na Retérica e na Refutacto aos sofstas. Diferentemente da logica analitica, que € impessoal, a logica dialética parte de opiniées geralmente aceitas por todos, ou pela maioria, ou pelos mais notaveis, que, me- diante técnicas de convencimento e persuasio, pretende agie sobre os espiritos. ‘ads 40 qual voters Plato, ests talvex uma especifcidade que a rmodernidade soube explorar: papel da subjetividade, €verdade que cla ndo 6 asim chamada pelos gregs, mas podemor apessr de tudo referenciar os stus sini ea sua presenca através da contingtacia das ‘pinides, da live expressio des crengas, das oposiges entre os ho- mens, que procuram afirmar as suas diferengas on, pela contro, Superdlas para fazer emerge um consenso. ‘Com efeito, a retorica & o encontro entre as homens ea linguagem na exposilo das suas diferencas e das suas identidades. Nela eles lafimam:se pars se reencontrarem ou repudiarem, para encontse wot ‘momento de cominho ou, pelo contréro, para evocarem 2 Sa im passbilidade econstatarem o muro que os separa. [.] Dafa nossa definigo: a retirica ¢ a negocio da distancia entre 0s sujeitos.” Essa negociagio tem lugar através da inguagem. Bases da Retérica,p. 33, 41 e42 204 J (© autor apresenta uma proposta renascentista 8 medi- da que procura nos antigos uma base de apoio para a sua teoria. Remonta aos sofistas, que foram os verdadeiros estres da retérica oral; ea Arst6teles, com sua concep- ‘glo de dialética. Dé a0 seu trabalho 0 titulo de Nova Retérica, porque mais abrangente ¢ complexo do que a ret6rica clissca, baseada exclusivamente na oratéria volta- da para um pablico presente e néo especializado. A Nova Retérics, a0 contririo, néo se limita & prética politica dos antigos, frmada na oralidade e em piblicos homogéneos, ‘mas assume a linguagem moderna, apoiada na escrita e em outros meios de comunicagdo mais sofisticados que atin- 386. Arisstelesestabelece a distingio entre o raciocinio dslético eo analtico. A dialética trata do verorsmul e tem por baze a deliberacto 4 argumentago; aalitia cuida de proposigesnecessiias ou in- [questonives, com base na demonstrgio. A concluszo ou resultado dd primeira via di-re em fungio da persuasio, c da segunda Via, em fungi da evidencia, Cabe reprodusir, ainda que sujeitando-nos exaustio, a distingio {que Perelman faz entre o$ racicinis dialtico e analtico, seguiado Arstételes, por consstirna base de tod este nosso estudo. Racioc nio analtizo € aquele que parte de premissas necessirias ou, pelo ‘menos, indiscutivelmente verdadeiras que coaduzem, gracas a infe~ tncis vidas, a conclusSesigualmente necessrias ou verdadeir COs raciocinios analiticostransferem a necessidade ou a veracidade das premissas para a conclusio. & impossivel que @ concusto no seja ‘erdadeiea se se raciocina corretamente a partir de premissas verds~ deisas. A valdez da inferéncie, por sua vez, nio depende, para nada, dda matéria sobre a qual eeaciocina. O que paranteavaldes do rac ‘inio€ sua forma. Racioiniadilétice€ o que Anstteles examinod nos Tépicor, na Retriea ena Reftagdo aos sofstas. NEo busca estabe- Tecer demonstrages cientifias, mas gular delberagSes e controvér- sits. Term por objeto os meios de persuadir e de convencer por meio do discurso, de cnticar as teses dos adversiios ede defender just fear as prépries com a ajuda de argumentos mais ou menos sslidos. Vide Logica lurtdica,Introducio,p. $e se. 208 gem pablicos quantitativa e qualitativamente variados."?” Para a Nova Ret6rica, a técnica mais apropriada a0 orador indo depende tanto de sua performance, mas da qualidade dos seus argumentos e do auditério ao qual cle se dirige. O fator da intersubjetividade passa a ser entio fundamental para a compreensio da ago comunicativa, principalmente nas discusses que antecedem toda tomada de decisio. Em vez de encontrar um significado representativo © préprio para cada agio, considerada de per si, o conheci- mento humano se estabelece em meio a circunstincias auditério variados, que balizam o discurso entre 08 ho- mens. Alguns autores tém apontado para a mudanga de paradigm ocorrids na filosofia,a partir do Hluminismo, em diregio a uma nova racionalidade. A universalidade ea ho- mogeneidade da razio cedem lugar agora a um outro tipo de racionalidade, operacionalizada por meio da linguagem: a racionalidade persuasiva, intrinsecamente dial6gica. De 557, Sobre as caracteristces da Nova Retérics, excreve Rui Alexandre Grécio: “Uma diferenca fundamental entre a reSrica dos Antigos€ 3 Nova Retérica dizrespeitoa nocio de auditéci, Enquantona primeira ‘argumentacio retsrca de respeito arte de bem falar cm pic, 20 uso da palavea e a0 discurso oral perante wm grupo de pessoas ;pouco capazes de um raiocnio minscioso au pouce dada a trabalho de proceder, com seredade, a uma investigagso prévia,destinando- se, por sso, a um public de ignorantes, fa perspectiva da segunda ‘io hf motives nem para limitaro campoda agumentagio a0 discureo falado, nem para restringir oauditrio a um grupo de incompetentes. Com efeita,interrogemese oe autores de Trait, por que nao cmt ‘que as argumentacespossam ser dirigidas a tad a espécie de audits Flos”. Neste sentido torma-se possvelafrmar, no contextoslergado fem que a nova retérica concebe a nocio de aiitéro, que nio s6 4 discussio com um nico interlocutor como, ands, a deliberacio int ma fem parte integrante dura teora gerald argumentagio cau © ‘objeto de estudo desta tima ultrapass largamenteos limites da re- ria clisica." Racionalidade argumentativa, p. 74 206 acordo com José Américo Pessanha, a descoberta do novo campo de argumentagio pée fim a exclusividade da raxio| monoligica. Assim alege que "2 razio necessitéri, com pretensio de universalidade e atemporalidade, contrap6e- se — completamente —a razio imersa na contingéncia, na temporalidade, na historia” ‘No mesmo sentido, Stephen Toulmin fala sobre a ten- déncia da filosofia atual em direio 20 (inter)subjetivismo histérico, quando é deslocado o eixo da antiga preocups- ‘cio voltada pare o estudo de “proposigées” atemporais, para 0 estudo agora feito sobre as "elocugées” relativas a momentos particulares, ou sea, elocucdes provenientes de ‘um conjunto de circunstincias particulares e que visa & interesses particulares. De tal maneira escreve: © objetivo da investigacio filssfica era assim o de el dar as relagdes universaise persistentes entre linguagem € fatos — pensamento e realidade — que escapavam 3s corro- sivas diversidades de linguagens e culturas particulares. [..] Presentemente, questées sobre aseircunstdncias em que 08 largumentos so apresentados, ou sobre a audiéncia a que dirigem — numa palavra, questées “ret6ricas” — desatoj- ram questes de validade formal enquanto preocupagéo pri= ‘maria da filosofia, mesma da filosofia da ciéncia. O recurso 3 teorla fn sere como tnburl timo de recurso inte- Tectual: eles sio antes ropoi num sentido aristotélico: eis fem algumas circunstancias,itrelevantes noutras. [..] A ‘ransigio de proposigdes para elocugSes estéa par da transi- ‘o da teoria para a prtica, eda transigio da episteme para TSR_Vide José Américo Pessanha, “A teoria da argumentacio ou nova reverie’ ‘Manvel Maria Carilho também é da opinito de que a Nova Ret6= rica correrponde definigio de um novo campo de investiga pro- posto por Perelman para a Flesofia apez de romper oblaco mono fico cartesiano earscteristico da tradigso racionalista modema. Cf. Jogos de racionalidade, p. 47°. 207 a phronesis,[.-] Isto significa ir além das estritas pretenses dda racionalidade formal (episteme) para chegar 38 mais am- plas pretensies da razoabilidade humana (phronesis)® ‘A propésito, anota Rui Alexandre Gracio na introdu- io que faz edigéo portuguesa de O império retérico: Afilosofie, mais do que encontrar ligada& posse da verdade, associase 2 crenga na verdade e @ asptasio de tornara verdade, em que o ilésfo cr, admitida por outras pessoas, c, eventualmente, por todas as pessoa (ou, emt fermos perelmanianos, pelo chamado auditério universal). Ora, esta admissio, esta tentativa de fazer admiti certs teses 6 pode ser fealzada através de meiosargumentat 3s filésofos da metafisica clissica que preconizavam a vida contemplativa ea busca da verdade absoluta deveriam. 3G, “Recionalidade e rezosblidade", em Retérca ecomunicapto, p 21627, 2829. ‘Achamos vido teanscrever, ainda que para efeitos disticos, 0 trecho da pigina 22, em que este autor localiza, historicamente, 0 surgimentoe a importincia do modelo catesiano: “Antes de 1620, os, filesofoslevaram a linguagem oral to sério como aescrits; os acon- tecimentos particulars to a sero como as regularidades unversls; 12s aspectos locas, no seu tempo préprio, da prética médica (por exemple) tio sério como as les geri, atemporais, da teora fis fle (Por exemplo). Em sum, refleticam em assuntas prticos Wo profundamente coma nas quesses teéricas, Mas, depois de Descat- tes, 0 centro de investiga Hlossfica mudou: das elocagSes ori, das prtieas pariculares, stuadas no tempo, para quests reat ‘eons unversais ¢ atemporis, tal como se expressam nas prop Bes escritas, B, nos trezentos anos seguints, este novo centro de Investigaczoestabeleceu os padrdes do debate flosfico sobre ‘240° ¢ ‘acionalidade’, bem como sobre ‘conhecimentos'e‘método’”| 560. Rul Alexandre Geicio na introdugdo de O império retrico, de ‘Chat Perelman, p. 10. 208 aderir 8 ret6rica, que se utiliza da palavra para defender verdades histéricas e relativas. A teoria da argumentacio, enquanto primado da técnica de influenciar os homens pela palavra, e que se mostra essencial na vida ativa, cobri- + todo o campo discursive voltado para o convencimento € para a persuasio, seja qual for 0 auditério © a matéria tratada. A légicajuridica, por sua vez, consistiré justamen- te na aplicagio particular da Nova Ret6rice a0 direito Onde a controvérsia € inevitivel, o recurso a argumentacio se impSe; da mesma forma que todo discurso que nao as- pira a uma validade impessoal depende da retsrica Perelman identifica a ret6rica com a argumentagio en- ‘quanto teoria geral do discurso persuasivo, colocando em primeiro plano a questio da adeséo do auditério. Esta po- the rendeu muitascriticas, como, por exemplo, aque- la apresentada por Armando Plebe e Pietro Emanuele. Es- tes autores acreditam que Perelman, na realidade, contri- bbuiu para o empobrecimento da Nova Retérica ao descon- siderar um dos seus elementos mais ricos, que seria a in- ventio, Segundo eles, Aristteles, quando muito, teria in- dicado a proximidade da retérica com a dialética sem, no ‘entanto, identificé-las entre si. Perelman, dessa mancira teria apresentado uma postura mais executiva do que cria ‘iva, limitando-se a encontrar os argumentos destinados @ Persuadir e consolidé-los sob a forma de inventirio. Das trés partes da retérica, tera se servido apenas da ciltima, ‘que & a elacutio, capaz de adaptar palavras e expressbes, abandonando as duas primeiras: inventio ¢ dispositio.>® 361 A Tnventio €considerada a primeira das cinco grandes partes da ‘erica. Pundamentalmente, €4 escolha da materia ser tratada no discurso e dos procedimentos logico-dscursivos que emolduram © desenvolvimento do discuso. A disposiio consste na organizacio do Aiscurso, no sentido de te iaventar 0 ordenamento ea coeréncia dos 209 No entanto, nao podemos esquecer que para o direito, ¢ talvez também para Perelman, a inventio encontra-se li ritada a um sistema conceitual de elementos lingiisticos previamente determinado; donde, a escolha de temas e de conceitos encontra-se fora de qualquer cogitacio. E quan- to. escolha do esquema de ordenagio categorial, por meio do qual devemos pensar 0 direito, é-nos também imposta ‘uma estruturasistemtice inerente a categoria de validade, inafastavel da dogmética juridica. Por esse motivo, néo é incorreto de nossa parte buscar ns Nova Retérica, propos- ta por Perelman, elementos esclarecedores da logica juri- dica, bem como, na Topica de Viehweg, um modelo de interpretacdo. Outrossim, a mencionada identidade entre retérica e argumentagio pressuposta por Perelman tem sido amplamente reconhecida e justificada pelos seus sim- patizantes, como opgio estratégica capaz de estabelecer ‘um novo paradigma de racionalidade. Por outro lado, o estudo da retérica eda argumentacéo a partir da teoria do discurso e da linguagem, bem como todo 0 lado da ret6rica voltado para a orat6ria e para a estética, partes da postica, fogem do alcence deste traba- Iho, que se reporta Gnica ¢ exclusivamente ao estudo do direito. Nao olvidamos, em hipétese alguma, a importin- cia que a acéo comunicativa processada por meio da lin- ‘guagem tem para o direito, Nao obstante, preferimos con- ‘pensimentos, como a escolha entre as diversas maneirss de se adotar (0s diferentes sistemas categoras, chamades pelos ingleses de catego. rial frameworks. elocuto & parte da retrica que preside simul rneamente a selegio eo azrano das palavras no dscurso, Sua qualidade ‘essencial € claridade. Ea elocuti que deve receber os ornamentos do iscuso, Ea €igualmente o suporte da énfase edo lugar de manifer- tag das sentengas. No curso da hstria, este termo tomo o sentido de extl. Cf. Diciondrio de Retérica. Georges Molinié; ¢ Armando Plebe e Emanuele Pietro, em Manual de Retirca 210 centrar nossos esforgos sobre a reflexio da importancia das técnicas argumentativas utilizadas no interior dos tri- bbunais, como pritica jurisprudencial, no intuito de verifi- car a procedéncia dessa “nova” racionalidade oriunda da relacdo entre os comunicadores da relagio juridica quando procuram adesio para as suas teses.®2 4,3 O Auditério Universal ‘Aénfase dada por Perelman 3 idéia de audit6rio corres- ponde, antes, &relatividade que o mesmo vé com relacio A verdade e a sua dimensio histérica, a0 contrario do que prope Descartes, quando procura um método tini- coe universal, conforme a ordem natural e independen- te de qualquer audit6rio, capaz.de conduzir a uma dnica verdade.*® O auditério é um dos elementos Fundamentais da ret6- rica: €6 referencial da ret6rica. A partir dele, ou para ele, € que o discurso se dirige, e € dele que se procura obter adesio, No entanto, diante da evidéncia, isto é, diante de tuma tese por si s6 inquestionével, cabe 0 orador apenas ‘buscar a simpatia do audit6rio, pois que, nesse caso, adere- Sez Referimo-nos aqui As pesquisas que vém sendo desenvolidas no Setor de Direito da Casa de Rui Barbosa, em convénio com o Depar- tamento de Direto da PUC-Rio. 363. Rul Alexandre Griciointerpretndo o pensamento de Descartes escreve: “Segundo Descartes, o método espelha a unicidade da order, "clonal eassegur rigor dos raiocinios. Mas, como sabemos, ndo € apenas esta asus funcio: ele procuraasseguar, também, a certeza¢ 4 sbjetividade dos conhecimentos ests, por is, ig 8s delas de evidenci,claeza,e distingio, as quale garantem a verdade das pre- rmisas, a validade dos raciocinios es certera das concusses.” Rao nalidade argumentatioa,p.25. m s€ A tese ou néo, Mas as teses bascadas em opines razos- ‘eis nio sio taxativas e provocem uma intensidade varivel de tom no auditério, que pode convencer-se mais ou me- nos daquela posigéo. O encontro de idéias provocado pela argumentagio ¢ pelo convencimento é, para Perelman, 0 verdadeiro “encontro dos espfritos”. Cabe mais uma vez lembrar que é em fungio de um auditério que a argumen- tacio se desenvolve. Por isso, ela pressupée a existéncia de ‘um contato intelectual. Basta falarmos em discurso, para a idéia de auditério aparecer. Na argumentagio € de fundamental importincia o ele- mento pessoal, ou seja, que 0 orador tenha apreco e seja apreciado pelo auditério a0 qual se dirige. Ambos tem de se sentir valorizados: 0 orador, por suas qualidades, para que seja ouvido; e o auditério, pela importincia de ter sido selecionado como ouvinte a ponto de sentir-sevalorizado.e também querer ouvir. Esse querer miituo € o que provoca © contato intelectual entre 0 orador € auditsrio, tio ¢s- sencial na teoria perelmaniana (O orador € quem discursa epresentando a argumenta- ‘0; € 0 auditério, aquele individuo ou aquele grupo de individuos a quem o discurso se dirige, e que, a0 mesmo ‘tempo, mostra-se apto a recebé-lo. O auditério consiste no conjunto daqueles cuja adesio quer-se ganhar; ¢, por iss0, € antes um ato mental do que propriamente material. A questo nio é tanto a de localizar ou verificar a existéncia conereta do auditério, mas a de imaginar aqueles a quem pretendemos convencer, em funcio dos seus atributos in- telectuais. Logo, 0 auditério € uma construgio imaginar do orador: um ideal que Ihe serve de idéia reguladora. Por outro lado, o orador sofre influéncia constante do audit6- Flo, € por isso néo raramente vé-se obrigado a adaptar o seu discurso as reacdes manifestadas pelo audit6rio. No caso dos agentes estarem presentes quando o discurso é a0 vivo, 22 ‘esse processo da adaptagdo é mais intenso. O orador preci- sa estar bastante atento Bs reagGes que provoca no audit6- rio, quando presente, Algumas vezes, inclusive, a presenca do audit6rio contribu para o sucesso do orador, pois este percebe as reacies de imediato ¢ tem condigées de contor- nar obsticulos antes no previstos, reformular ideias que nio ficaram claras, enfatizar afirmacbes que percebe agra- darem ao pubblico, evitar outras questdes, etc Com a argumentagio procura-se, ainda, no apenas provocar a adesio do auditério para a tese apresentada, como também incitar a aio correspondente. Perelman cchega a dizer que a agio do orador & uma agressio, pois sempre tende a mudar algo; a transformar 0 ouvinte2*! A finalidade do discurso é a de reforcar a comunhio em tor- no de valores que deverio prevalecer de forma a orientar @ acio futura. Nesse sentido, e de acordo com Perelman, ‘abe a distingio entre persuasio e convencimento, Apesar da ténue diferenga entre esses dois tipos de efeito, a per- suasio pode ser entendida como um incitamento a imagi- nagio e ao sentimento provocador da agio, enquanto 0 convencimento refere-se ao incitamento da razdo, que pode ou néo levar a acio. Perelman estabelece essa dife- renga em fungio da qualidade do audit6rio: Fropomornoechamar perusing um argumentasfo ‘que pretende vale 96 para um auditGri particular e chamar onvincente aquela que deveria obter a adesio de todo ser racional. O matizé bastante delicado e depende, essencial- ‘mente, da idéia que 0 orador faz da encarnagio da razio. ‘Cada homem cré num conjunto de fatos, de verdades, que jo homem “normal” deve, segundo ele, aceitar, porque ‘fo vilidos para todo ser racional. Mas serd realmente as- sim? Essa pretensio a uma validade absoluta para qualquer 158 CE Retrics,p. 371. 23 auuditério composto de seresraconaisnio sera exorbitante? Mesmo 0 autor mais cansciencioso tem, nesie ponto, de submeter-se a prova dos fatos, ao juizo de seus litres. Em. todo caso ele teri feito o que depende dele paraconvencer, seacredita dirigi-se vldamenteasemelhanteauditrio.™ ‘Um discurso convincente & aquele cujas premissas e cu- jos argumentos sio universalizaveis, isto €, aceitiveis, em principio, por todos os membros do auditério universal. Comisso, 0 autor introduza nogio inovadora e particu- lar de sua teoria: a do auditério universal. Distingue uma série de auditérios, apesar de reconhecer a possibilidade de serem infinitos. Existirdo tantos auditérios quantos ppossam ser criados, afirma. Alguns tipos, no entanto, se destacam: os auditérios correspondentes aos miicleos de apoditicidade, conhecidos como auditérios “cientficos”; ‘05 auditérios que poderiamos chamar de “singulares", por- ‘que caracteristicos do dislogo entre apenas duas pessoas; 0 audit6rio “individual”, relativo as deliberagées internas ou de foro intimo; os audit6rios de “elite”, correspondentes 20s grupos de vanguarda; enfim, auditérios particulares de toda ordem mas, em especial, 0 “audit6rio universal”. Os argumentos dos auditérios particulares, no entanto, sio fracos em comparagio a forca objetiva dos argumentos di- recionados para o auditério universal, que encarna a razio, Os argumentos dirigidos a0 auditério universal sio aqueles dotados de uma grande pretensio de verdade. O orador precisa conhecer o auditério so qual se dirige, principalmente as teses que comungam, Nos nicleos cien- tifices, por exemple, discute-se sobre teses relativas a um campo especifico do conhecimento, cujo dominio basico € 365. Perelman, Tratado da argumentagio, p.31 365. O impérioretérico, p37. compartilhado pelos seus integrantes. Com relagéo aestes, © orador praticamente nao precisa se preocupar, 3 medida {que também compartilhe do conhecimento comum que a doutrina divulga ‘Com relacio aos auditérios que chamamos de singula- res — compostos por uma s6 pessoa, além do orador — sio, por um lado, menos complexos, mas, por outro, po- dem exigir muito do orador e tornar # situacio estafante Primeiro, porque néo é 0 ndimero de ouvintes que caracte- riza a complexidade dos argumentos, mas a qualidade do ouvinte; segundo, porque a presenca exige muito mais prontidio por parte do orador, que deveré estar sempre atento as reagdes e provocagées daquele que tem acesso direto sobre nds, © auditério pode, ainda, referir-se & pessoa do préprio orador, no caso das deliberagées intimas, em que o sujeito promove suas préprias conviecdes apés um exercicio de simulacio entre teses possivelmente controvertidas. ‘Os auditérios que Perelman chama de auditérios de lite constituem-se daqueles que gozam de reputacio ¢ de carisma, e que, portanto, sio responsiveis pelo exemplo que produzem. Mas, além de um sem-nimero de audité- Flos especializados que possam vir a existr, € 0 auditdrio universal 0 que mais interessa a Perelman. O auditério tuniversal € aquele para o qual ofilésofo se dirige. Ea fonte imanente da razao. A respeito, Perelman escreve Os filésofos sempre pretendem dirigr-se aum audit6rio assim, nfo por esperarem obter o consentimento efetivo de todos 05 homens —sabem muito bem que somente uma pe- {quena minoria terd um dia a oportunidade de conhecer seus teseritos —, mas por crerem que todos os que compreende- ‘em suas razdes terio de aderir is suas conclusbes."” Sen, Perelman, Tratado da arguonentagao, p35. ais © auditério universal significa, para ele, a prépria ra- 240, ou seja, aquela forca que se impde 3s mentes esclare- cidas, mais especificamente aos sibios. Eo audit6riotipico do filésofo, ou melhor, aquele concebido pelo filesofo, Nao se trata de ter efetivamente como resultado a conquista do maior nimero, bastando a intencio do orador: se ele pre- tende obter a adesio de alguns, ou de todos os seres dota- dos de ra2i0.%* O auditério corresponde ¢ um conjunto {que 0 orador pretende influenciar pela sua ergumentacio. Para Perelman, convencer um nimero determinado de es pecialistas € mais ficil quando suas teses jé gozam de cre- dibilidade. O papel do filésofo, a0 contrério, é mais dif porque sua fala € dirigida a todos os que estio dispostos ¢ aptos a ouvi-lo; no caso, pode ser a humanidade inteira ou, ‘a9 menos, 0s mais competentes e razoiveis.% O fildsofo 56a. Interessante € interpretacio de auditério universal dada por (Olivier Rebou: “Em suma,oauditrio poderia ser apenas uma preten- so, ou mesmo um truque retérico. Mas achamos que ele pode ter ‘uma Fangio mats nobre, ado ideal argumentatvo. © orador sabe ber {que estd tratando com um audit6rio particular, mas fez um discurso {que tentasuperslo,dirigdo a cutres auditérios possiveis que estéo lem dele, considerando implicamente todas as suas expectativas © ‘todas a sia objegdes.Entioo suditri universal nfo € tm engodo, mas um principio de superasio, por cle se pode jugar da qualidade ‘dea argumentacio,”Introdugd a retrica,p. 93-4, 49. Cabe asinalaraqulacrticsfeita por Boaventurs de Souza San tos teoia de Perelman, a partir dos avangos conguistados pela mes rma, Numa visio pés-moderna, de transigéo paradigmstics, Santes propugna a demorratizacto do audit6no, a pati da emancipagto do fenso comum. Do que chama de “conhecimento-emancipacio cons truido a partir das tradigbes epistemelégias margnalizadas da mo- ddemidade ocidental", acrescenta: “A nica coisa que nos diz € que este conhecimento assume inteiramente o seu carSterretrico: sm conhecimento prudente para uma vida decente. Para poder contribu para reinvencio do conhecimento-emaneipagio, anova retrics tem Ge ser radicalmente reconstruids. A retérics de Perelman € técnica 26 procurard fatos, verdades ¢ valores universais que, em principio, se imponham a todo ser dotado de razio ¢ que scjasuficientemente esclarecido.™” ‘Aidéia de universalidade proposta por Perelman, com © auditério universal, é-the muito cars ¢, talvez por isso, sere polémica entre os estudiosos. Apesar de Perelman se insurgir eiteradas vezes contra a chamadsa filosofia clisi-

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