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A zona cinzenta do capitalismo 

MÍDIA SEM MÁSCARA, 8 DE AGOSTO DE 2002 

Guilherme de Almeida 

Qual é a caca:  

'Painel' da GloboNews, 21 jul 2002 

No  'Painel'  da  GloboNews  do  dia  21  de  julho  de  2002,  Gilberto  Dupas 
(economista  da  USP),  Carlos  Eduardo  Lins  da  Silva  (diretor  de  redação  do 
jornal  Valor  Econômico)  e  Bóris  Fausto  (historiador  da  USP)  debatiam 
sobre  a  situação  política  nos  Estados  Unidos.  No  decorrer  do  debate, 
surgiu  uma  deixa  para  Gilberto  Dupas  afirmar  que  "o  capitalismo  trabalha 
nessa  zona  cinzenta  do  moralismo",  oferecendo  como  exemplo  a  questão 
da elisão e da sonegação fiscal. 

Além  de  se  equivocar  ao  tratar  o  capitalismo  como  ideologia  (o 
capitalismo  surgiu  como  realidade  econômica  séculos  antes  de  qualquer 
tentativa  de  legitimá-lo  ideologicamente),  Gilberto  Dupas  utilizou  o  velho  e 
falso  discurso  da  associação  da  direita  à  imoralidade,  reservando  à 
esquerda, conseqüentemente, o manto exclusivo da moralidade. 

Os  argumentos  sobre  a  clássica  manobra  nesse  enfoque  específico  já 


foram muito bem apresentados por Olavo de Carvalho em seus 'Jardim das 
Aflições'  e  'O  Imbecil  Coletivo',  motivo  pelo  qual  não  há  necessidade  de 
reproduzi-los.  Pretendo  desenvolver  aqui  uma  investigação  sobre  o  que 
Gilberto  Dupas  elegeu  como  prova  inequívoca  de  que  o  capitalismo  -  por 
ele  tratado  sempre  como  ideologia  -  se  sustentaria  em  uma  zona  cinzenta 
da moralidade: a elisão fiscal. 

Gilberto  Dupas  escolheu  o  tema  'elisão  fiscal'  porque  sabe  muito  bem  que 
a  imensa maioria das pessoas, não conhecendo nada sobre o assunto, tem 
como  opinião  aquilo  que  lê  em  jornais  e  revistas  de  grande  circulação  (os 
quais  transmitem  conceitos  difusos,  que  quase  se  confundem,  de  elisão  e 
sonegação  fiscal).  Assim,  ciente  da  confusão  conceitual  na  cabeça  de 
seus  ouvintes,  Dupas  não  vacilou  em  associar  o  capitalismo  à 
malandragem, à elasticidade moral de espertalhões. 

A  elisão  fiscal,  no  entanto,  não  se  confunde  com  sonegação  fiscal.  Muito 
pelo  contrário,  aliás:  elisão e sonegação estão em campos diametralmente 
opostos. 

A  atuação  da  elisão  fiscal  -  apenas  um  nome  difícil  para  o  resultado  do 
velho  e  bom  planejamento  tributário  -  reside  exclusivamente  no  terreno  do 
lícito,  do  fiscalmente  correto,  do  constitucional.  O  planejamento  tributário, 
saudável  instrumento  à  disposição  do  contribuinte,  revela  apenas  o  limite 
intransponível  para  a  ânsia  fiscal  do  Estado,  o  qual  parece  precisar  de 
focinheira  para  não  avançar  no  patrimônio  das  pessoas  e  das  empresas. 
Não nos esqueçamos de que há no Brasil 61 tributos cobrados na forma de 
impostos,  taxas  e  contribuições;  nem  de  que  estão em vigor 3.000 normas 
que  regem  o  sistema  tributário;  e  nem  de  que  há,  ainda,  mais  93 
obrigações  acessórias  que  uma  empresa  deve  cumprir,  entre  as  quais  o 
preenchimento  de  declarações,  formulários,  livros  e guias (Gazeta do Povo, 
14/07/2002). 

A  sonegação  fiscal,  bem  diferente  da  elisão,  surge  quando  não  se respeita 
uma  norma  instituidora  de  tributo;  comete  ilícito  fiscal  o  contribuinte  que 
não recolher tributo legalmente previsto. 

Em  conclusão:  o  planejamento  tributário  impede que a União, os Estados e 


os  Municípios  cobrem  tributos  de  forma não autorizada por lei. Sob a ótica 
da  elasticidade  moral  -  tão  cara  a  Gilberto  Dupas  -,  impede-se,  com  o 
planejamento  tributário,  que  o  Estado  afeito  à  malandragem  cobice, 
eventualmente, um bem que não lhe pertence de modo algum. 

Como  já  afirmei,  a  maior  parte  das  pessoas  desconhece  tal  diferença,  e 
isso  ocorre  por  ela  se  revelar  claramente  apenas  no  plano  jurídico.  É  por 
isso que o homem médio tende a aproximar a elisão da sonegação fiscal. 

Mas  como  economista  da  USP,  Gilberto  Dupas  conhece  muito  bem  os 
limites  legais  do  planejamento  tributário.  Dupas  escolheu  o  exemplo  da 
elisão  fiscal  para  impor  ao  telespectador  leigo  no  mínimo  a  indução  à 
dúvida  sobre  a 'moralidade do capitalismo'. Em seguida, para ter certeza da 
eficácia  de  seu  intento,  o  economista  afastou-se  do  tecnicismo 
jurídico-fiscal  para  arrematar:  "se  julgarmos  o  capitalismo  sob  a  ótica  de 
estrita moralidade, não ficará pedra sobre pedra". 

No  bloco  seguinte  do  'Painel'  na  GloboNews,  examinando  o  presidente  da 
maior  potência  capitalista,  Carlos  Eduardo  Lins  da  Silva  asseverou:  "Bush 
não tem simpatia pelo que ocorre fora dos Estados Unidos". 

Finalmente,  Gilberto  Dupas  testemunhou  e  julgou:  "embora  tenha  algumas 


qualidades,  o  mercado  gera  enormes  distorções  e  enormes 
concentrações". 

Em  suma,  a  mensagem  transmitida  pelos  debatedores,  em  alguns 


momentos  escondida  e  em  outros  mostrando  o  rabo,  ficou  sendo  a 
seguinte: "Abaixo Bush, o capitalismo e seu mercado, e viva o comunismo!" 

   
 

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