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DECISÃO:

Vistos.

Cuida-se de reclamação constitucional, com pedido liminar, ajuizada


pela UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – USP em face do TRIBUNAL REGIONAL
DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO, cuja decisão teria afrontado a autoridade do
Supremo Tribunal Federal e o que decidido no julgamento da ADC nº 16,
bem como negado aplicação a súmula vinculante nº 10 desta Corte.

A reclamante, na peça vestibular, alega que:

a) a decisão reclamada foi proferida em sede de recurso ordinário


nos autos da reclamação trabalhista nº 0001050-02.2010.5.15.0153, em que
se pleiteia o reconhecimento da responsabilidade subsidiária do Poder
Público no pagamento de verbas trabalhistas inadimplidas pelo
empregador;

b) a 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região negou


provimento ao recurso interposto pela reclamante, com fundamento na
súmula 331, IV, do TST, o que evidencia a negativa de aplicação ao art. 71
§ 1º, da Lei 8.666/93, violando o entendimento firmado no julgamento da
ADC nº 16, bem como na súmula vinculante nº 10 deste STF;

c) “ (…) o acórdão reclamado genérica, automática e objetivamente estatuiu


a responsabilidade subsidiária da ora reclamante constitucional pelo mero
inadimplemento das obrigações trabalhistas da empresa contratada, sob o
argumento de que não houve comprovação pela ora reclamante de sua efetiva
fiscalização, em flagrante afronta às regras que disciplinam o ônus da prova.”

d) esta Suprema Corte já decidiu em casos análogos que as condutas


dos agentes públicos que supostamente teriam incorrido em culpa devem
ser analiticamente consideradas;

e) “ desde 6 de dezembro de 2010, nenhum Tribunal – nem mesmo o


plenário ou órgão especial de quaisquer deles – poderá declarar a
inconstitucionalidade do §1º do artigo 71 da Lei 8.666/93 ou afastar sua
aplicabilidade sob o manto da Súmula 331, IV, do TST -, uma vez que o STF
declarou sua constitucionalidade no dia 24 de novembro na ADC nº 16 (decisão
publicada em 6 de dezembro de 2010), tendo essa decisão efeito vinculante em
relação a todos órgãos do Poder Judiciário, nos termos do artigo 102, §2º da
Constituição da República”;

Requer a concessão de medida liminar para suspender o acórdão


proferido pela 6ª Turma do e. TRT da 15ª Região e, no mérito, seja julgada
procedente a presente reclamação para cassar a decisão reclamada.

É o relatório.

I – A MOLDURA FÁTICO-JURÍDICA DO OBJETO DA RECLAMAÇÃO

A reclamante juntou documentos por meio eletrônico, de entre eles


cópia da decisão da 6ª Turma do TRT da 15ª Região, em que se reconhece
a responsabilidade subsidiária da Administração Pública, aplicando o
Enunciado de Súmula nº 331, IV, do TST.

A autora alega violação à Súmula Vinculante nº 10, bem assim à


autoridade do que decidido na ADC nº 16.

II - O CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO

O perfil constitucional da reclamação (art.102, inciso I, alínea l,


CF/1988) é o que lhe confere a função de preservar a competência e
garantir a autoridade das decisões deste Tribunal e a eficácia das súmulas
vinculantes. Em torno desses conceitos, a jurisprudência da Corte
desenvolveu parâmetros para utilização dessa figura jurídica, os quais
podem ser agrupados nos postulados abaixo:

1. IMPROPRIEDADE DO USO EM FACE DA COISA JULGADA INCIDENTE


SOBRE O ATO RECLAMADO. Não cabe reclamação contra ato judicial
transitado em julgado (Súmula STF nº 734).

2. RECLAMAÇÃO NÃO PODE SE CONFUNDIR COM SUCEDÂNEO


RECURSAL, AÇÃO RESCISÓRIA OU EMPRESTAR EFEITO SUSPENSIVO A
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. O instituto da reclamação não se presta para
substituir recurso específico que a legislação tenha posto à disposição do
jurisdicionado irresignado com a decisão judicial proferida pelo juízo a quo (Rcl
nº 5.703/SP-AgR, Tribunal Pleno, Relatora a Ministra Cármen Lúcia , DJe-
195 de 16/10/09). Precedentes: Rcl nº 5.926/SC-AgR, Tribunal Pleno,
Relator o Ministro Celso De Mello , DJe-213 de 13/11/09; Rcl nº 5.684/PE-
AgR, Tribunal Pleno,Relator o Ministro Ricardo Lewandowski , DJe-152
de 15/8/08.

3. IMPOSSIBILIDADE DO USO DA RECLAMAÇÃO COMO MEIO DE SALTAR


GRAUS JURISDICIONAIS. O remédio constitucional da reclamação não pode ser
utilizado como um (inadmissível) atalho processual destinado a permitir, por
razões de caráter meramente pragmático, a submissão imediata do litígio ao
exame direto do Supremo Tribunal Federal. Precedentes (Rcl nº 5.926/SC-AgR,
Tribunal Pleno, Relator o Ministro Celso De Mello , DJe-213 de 13/11/09).
Nesse sentido, a Rcl nº 5.684/PE-AgR, Tribunal Pleno, Relator o Ministro
Ricardo Lewandowski , DJe-152 de 15/8/08.

4. INADEQUAÇÃO DA RECLAMAÇÃO PARA REEXAME DO MÉRITO DA


DEMANDA ORIGINÁRIA. A reclamação não se configura instrumento
viabilizador do reexame do conteúdo do ato reclamado (Rcl nº 6.534/MA-AgR,
Tribunal Pleno, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe-197 de 17/10/08).

III – OS PARADIGMAS

A reclamante sustenta a contrariedade à eficácia da Súmula


Vinculante nº 10, assim redigida:

“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a


decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não
declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou
em parte.”

A decisão do STF, apontada também como paradigma de confronto


na presente reclamação, consiste no julgamento da ADC nº 16/DF, cuja
ementada restou assim redigida:

“RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária.


Contrato com a administração pública. Inadimplência
negocial do outro contraente. Transferência consequente e
automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais,
resultantes da execução do contrato, à administração.
Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art., 71,
§ 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade
reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade
julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É
constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº
8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº
9.032, de 1995” (ADC nº 16/DF, Relator o Ministro Cezar
Peluso, Tribunal Pleno, DJE de 9/9/2011).

IV. O CASO DOS AUTOS

Inicialmente, consigno que, após consulta ao sítio eletrônico do TRT


da 15ª Região, a reclamação foi ajuizada ainda no prazo de interposição
de recurso de revista, o que afasta a incidência da Súmula STF nº 734.

Dispensada a oitiva do Procurador-Geral da República ante o caráter


iterativo da controvérsia (art. 52, parágrafo único, RISTF), tenho que a
presente reclamação encontra-se instruída para julgamento, uma vez que
foi juntada cópia da decisão reclamada.

A decisão reclamada foi proferida pela 6ª Turma do Tribunal


Regional do Trabalho da 15ª Região no sentido do reconhecimento da
responsabilidade subsidiária do ente público, Transcrevo:

“A recorrente figura como tomador dos serviços e, como


tal, deve responder subsidiariamente pelos créditos
reconhecidos em prol do reclamante. Nesse sentido o
entendimento jurisprudencial dominante, consubstanciado na
Súmula 331, IV, do C.TST.
(…)
Na hipótese dos autos, o ente público limita-se a
propugnar pelo afastamento da responsabilidade pretendida,
arrimando-se exclusivamente na ausência de vínculo de
emprego com o reclamante e no disposto no art. 71, § 1º, da Lei
de Licitações, sem, contudo, apontar qualquer elemento ou
indício no sentido de que cumpriu a obrigação legal que lhe é
imposta de fiscalização da execução do contrato administrativo
(artigos 58, III, e 67, caput e § 1º, da Lei n.º 8.666/93).
Destarte, outra conclusão não se alcança senão a de que,
no caso concreto, resta caracterizada a conduta culposa, por
omissão, da Administração Pública (culpa in vigilando), razão
pela qual se atribui a responsabilidade subsidiária ao ente
público, com fundamento nos artigos 186 e 927, caput, do CC,
pelo pagamento dos encargos trabalhistas devidos ao
reclamante.”

No caso dos autos, a ratio decidendi da condenação do Poder


Público é o inadimplemento de verbas trabalhistas pela empresa
contratada após regular processo licitatório, o que, segundo a autoridade
reclamada, evidencia falta de fiscalização pelo Poder Público ou sua
ineficiência e justifica a imputação de culpa in vigilando ou in eligendo,
nos termos da Súmula TST nº 331.

No tocante à não observância da Súmula Vinculante nº 10, é de se


questionar a existência de interesse de agir na presente reclamação. Isso
porque o enunciado foi editado a fim de fazer prevalecer a chamada
“cláusula de reserva de plenário”, inscrita no art. 97 da Constituição
Federal, que deve ser respeitada pelos tribunais quando, no exercício da
jurisdição, precisem declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo do Poder Público. Vide:

“Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus


membros ou dos membros do respectivo órgão especial
poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou
ato normativo do Poder Público.”

Referida regra, entretanto, é excepcionada quando “já houver


pronunciamento [do tribunal julgador] ou do plenário do Supremo Tribunal
Federal sobre a questão” (parágrafo único do artigo 481 do Código de
Processo Civil).

A norma que está em debate na presente ação – art. 71, § 1º, da Lei nº
8.666/93 – foi declarada constitucional por esta Suprema Corte na sessão
plenária de 24/11/2010, com eficácia a partir da publicação da ata de
julgamento no Diário de Justiça eletrônico, em 3/12/2010. Após essa data,
qualquer decisão que negue vigência ao § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93
por fundamento constitucional estará em confronto com a decisão desta
Suprema Corte na ADC nº 16/DF.

Em outras palavras, após essa data, não há possibilidade que os


demais órgãos do Poder Judiciário decidam de forma contrária, ou seja,
nem mesmo órgão especial ou plenário de outros tribunais poderão
declarar a inconstitucionalidade do disposto no art. 71, § 1º, da Lei nº
8.666/93, sob pena de afronta à ADC nº 16/DF.

Em uma primeira análise, não haveria interesse de agir da autora na


parte em que alega desrespeito à Súmula Vinculante 10, pois inadequado
qualquer provimento desta Suprema Corte que anule decisão de órgão
fracionário de tribunal a fim de que a constitucionalidade do dispositivo
seja apreciada em respeito à “cláusula de reserva de plenário”.

No entanto, a Súmula Vinculante nº 10 não é o único paradigma de


confronto na presente reclamação; aponta-se como desrespeitado o
próprio entendimento desta Suprema Corte firmado na ADC nº 16/DF.

O Plenário desta Corte, em 24/11/2010, no julgamento da ADC nº


16/DF, Relator o Ministro Cezar Peluso, declarou a constitucionalidade
do § 1º do artigo 71 da Lei nº 8.666/93, tendo observado que eventual
responsabilização do poder público no pagamento de encargos
trabalhistas não decorre de responsabilidade objetiva; antes, deve vir
fundamentada no descumprimento de obrigações decorrentes do
contrato pela administração pública, devidamente comprovada no caso
concreto.

Quando do julgamento da ADC nº 16/DF, ponderou-se acerca de


inúmeras causas trabalhistas em que o Poder Público era
responsabilizado, deixando-se de aplicar o art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93,
mas que não eram conhecidas no STF sob o fundamento de se tratar de
matéria infraconstitucional, por versar sobre aplicação de súmula de
jurisprudência de outro tribunal.

Assim, restou superado o óbice inicialmente levantado pelo Relator,


Ministro Cezar Peluso, acerca do requisito da “existência de controvérsia
judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória” (art.
14, inciso III, da Lei 9.868/99), julgando-se procedente a ação para afirmar
a constitucionalidade do dispositivo.
Mais uma vez, ressalto que não foi afastada a possibilidade de o
poder público ser condenado ao pagamento de verbas decorrentes da
prestação do serviço pelo trabalhador, quando demonstrado, no caso
concreto, o descumprimento das obrigações do contrato.

Na mesma assentada, julgando agravos regimentais nas


Reclamações nºs 7.517/DF e 8.150/SP, em que se alegava desrespeito à
Súmula Vinculante nº 10, com objeto idêntico ao da presente –
responsabilização subsidiária do poder público no pagamento de
encargos trabalhistas inadimplidos por empresa contratada por licitação,
com fundamento no enunciado de súmula nº 331 do e. TST -, decidiu-se
por dar provimento aos recursos e julgar procedente as ações para cassar
as decisões reclamadas, devendo a Justiça do Trabalho proceder a novo
julgamento, agora tendo em vista a decisão desta Suprema Corte
proferida na ADC nº 16/DF.

As ementas dos precedentes acima aludidos restou assim redigida:

“PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL.


RECLAMAÇÃO. AFRONTA À SÚMULA VINCULANTE 10.
OCORRÊNCIA. AGRAVO PROVIDO.
I – Para que seja observada a cláusula de reserva de
plenário, é necessário que o Plenário ou o Órgão Especial do
Tribunal reúna-se com o fim específico de julgar a
inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo.
II - Embora tenha a atual redação do item IV do
Enunciado 331 do TST resultado de votação unânime do pleno
daquele Tribunal, o julgamento ocorreu em incidente de
uniformização de jurisprudência.
III – Dessa forma, afastada a incidência do art. 71, § 1º, da
Lei 8.666/1993, sem o procedimento próprio, restou violada a
Súmula Vinculante 10.
IV – Agravo regimental provido, para julgar procedente a
reclamação” (Rcl nº 7.517/DF-AgR, Relator o Ministro Ricardo
Lewandowski, Tribunal Pleno, Dje de 14/4/2011).

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. ARTIGO


71, PARÁGRAFO 1º, DA LEI 8.666/1993. INCISO IV DA
SÚMULA TST 331. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA POR DÉBITOS TRABALHISTAS
ORIUNDOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
TERCEIRIZADOS. ATRIBUIÇÃO DE RESPONSABILIDADE
SUBSIDIÁRIA AO TOMADOR DOS SERVIÇOS. AFRONTA À
AUTORIDADE DA SÚMULA VINCULANTE 10
DEVIDAMENTE CONFIGURADA. ARTIGO 103-A,
PARÁGRAFO 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AGRAVO
REGIMENTAL PROVIDO. PROCEDÊNCIA DA
RECLAMAÇÃO.
1. Acórdão que entendeu ser aplicável ao caso o que
dispõe o inciso IV da Súmula TST 331, sem a conseqüente
declaração de inconstitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei
8.666/1993 com a observância da cláusula da reserva de
Plenário, nos termos do art. 97 da Constituição Federal.
2. Não houve no julgamento do Incidente de
Uniformização de Jurisprudência TST-IUJ-RR-297.751/96 a
declaração formal da inconstitucionalidade do art. 71, § 1º, da
Lei 8.666/1993, mas apenas e tão-somente a atribuição de certa
interpretação ao mencionado dispositivo legal.
3. Informações prestadas pela Presidência do Tribunal
Superior do Trabalho.
4. As disposições insertas no art. 71, § 1º, da Lei 8.666/1993
e no inciso IV da Súmula TST 331 são diametralmente opostas.
5. O art. 71, § 1º, da Lei 8.666/1993 prevê que a
inadimplência do contratado não transfere aos entes públicos a
responsabilidade pelo pagamento de encargos trabalhistas,
fiscais e comerciais, enquanto o inciso IV da Súmula TST 331
dispõe que o inadimplemento das obrigações trabalhistas pelo
contratado implica a responsabilidade subsidiária da
Administração Pública, se tomadora dos serviços.
6. O acórdão impugnado, ao aplicar ao presente caso a
interpretação consagrada pelo Tribunal Superior do Trabalho
no item IV do Enunciado 331, esvaziou a força normativa do
art. 71, § 1º, da Lei 8.666/1993.
7. Ocorrência de negativa implícita de vigência ao art. 71, §
1º, da Lei 8.666/1993, sem que o Plenário do Tribunal Superior
do Trabalho tivesse declarado formalmente a sua
inconstitucionalidade.
8. Ofensa à autoridade da Súmula Vinculante 10
devidamente configurada.
9. Agravo regimental provido.
10. Procedência do pedido formulado na presente
reclamação.
11. Cassação do acórdão impugnado” (Rcl nº 8.150/SP-
AgR, Relator o Ministro Eros Grau, Relatora p/ acórdão a
Ministra Ellen Gracie, Tribunal Pleno, Dje de 3/3/2011).

Não se desconhece a mudança de redação do enunciado sumular do


e. TST após o julgamento da referida ação declaratória de
constitucionalidade. Veja-se como estava redigido o item IV da Súmula
TST nº 331:

“(...)
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por
parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do
tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive
quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das
fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de
economia mista, desde que hajam participado da relação
processual e constem também do título executivo judicial (art.
71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).”

Após decisão desta Suprema Corte na ADC nº 16/DF - conforme Res.


174/2011, DEJT divulgada em 27, 30 e 31/5/2011 - o enunciado passou a
contar, no tocante à responsabilização do poder público, com a seguinte
redação:

“(...)
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por
parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do
tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que
haja participado da relação processual e conste também do
título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e
indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições
do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no
cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993,
especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações
contratuais e legais da prestadora de serviço como
empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero
inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela
empresa regularmente contratada.”

Para a exata compreensão do que se está a decidir na presente


reclamação constitucional, ajuizada com a intenção de fazer valer a
autoridade desta Suprema Corte, torna-se necessário rememorar os
argumentos do incidente de uniformização de jurisprudência que
motivaram a antiga redação do item IV da Súmula TST nº 331 (TST-IUJ-
RR nº 297.751/96), publicada no DJ de 20/10/2000, os quais seguem abaixo
reproduzidos:

“(...)
Dispõe o artigo 71 e seu parágrafo primeiro, da Lei nº
8.666/93 que:

‘Art. 71 - O contratado é responsável pelos encargos


trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais
resultantes da execução do contrato.
§ 1º - A inadimplência do contratado, com referência
aos encargos estabelecidos neste artigo, não transfere à
Administração Pública a responsabilidade por seu
pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou
restringir a regularização e o uso das obras e edificações,
inclusive perante o Registro de imóveis.’

Por força da norma em exame, a irresponsabilidade da


Administração Pública, em decorrência de inadimplemento de
obrigações trabalhistas por parte daquele com quem contratou
a execução de obra ou serviço, assenta-se no fato de sua atuação
adequar-se aos limites e padrões da normatividade
disciplinadora da relação contratual.
Evidenciado, no entanto, que o descumprimento das
obrigações, por parte do contratado, decorreu igualmente de
seu comportamento omisso ou irregular em não fiscalizá-lo,
em típica culpa in vigilando, inaceitável que não possa pelo
menos responder subsidiariamente pelas conseqüências do
contrato administrativo que atinge a esfera jurídica de
terceiro, no caso, o empregado.
Realmente, admitir-se o contrário, partindo de uma
interpretação meramente literal da norma em exame, em
detrimento de uma exegese sistemática, seria menosprezar todo
um arcabouço jurídico de proteção ao empregado e, mais do
que isso, olvidar que a Administração Pública deve pautar seus
atos não apenas atenta aos princípios da legalidade, da
impessoalidade, mas sobretudo, pelo da moralidade pública,
que não aceita e não pode aceitar, num contexto de evidente
ação omissiva ou comissiva, geradora de prejuízos a terceiro,
que possa estar ao largo de qualquer co-responsabilidade do
ato administrativo que pratica.
Aliás, outra não é a dicção do art. 173 da Constituição
Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº
19/98, que ao dispor, ‘que a lei estabelecerá o estatuto jurídico
da empresa pública, da sociedade de economia mista e de seus
subsidiários que explorem atividade econômica de produção ou
comercialização de bens ou de prestação de serviços’, enfatiza
em seu inciso III que referidas pessoas deverão observar, em
relação à licitação e contratação de obras, serviços, compras e
alienações, os princípios da administração pública.
Some-se aos fundamentos expostos que o art. 195, § 3º
também da Constituição Federal é expresso ao preconizar que
‘a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social,
como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder
Público, nem dele receber incentivos ou benefícios fiscais’, o
mesmo ocorrendo com o art. 29, IV da Lei nº 8.666/93, com a
redação que lhe foi dada pela Lei nº 8.883/94, ao dispor que
‘prova de regularidade relativa à Seguridade Social e ao Fundo
de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), demonstrando
situação regular no cumprimento dos encargos sociais
instituídos por lei’, providências essas todas evidenciadoras do
dever que tem a Administração Pública de se acautelar com
aqueles que com ela pretendam contratar, exigindo que tenham
comportamento pautado dentro da idoneidade econômico-
financeira para suportar os riscos da atividade objeto do
contrato administrativo.
Registre-se, finalmente, que o art. 37, § 6º, da Constituição
Federal consagra a responsabilidade objetiva da Administração,
sob a modalidade de risco administrativo, estabelecendo,
portanto, sua obrigação de indenizar sempre que cause danos a
terceiro.
Pouco importa que esse dano se origine diretamente da
Administração, ou, indiretamente, de terceiro que com ela
contratou e executou a obra ou serviço, por força ou decorrência
de ato administrativo.
Como ensina Hely Lopes Meirelles, em caso de dano
resultante de obra, que, guardada a peculiaridade, mas
perfeitamente aplicável à hipótese em exame, porque evidencia
a natureza da responsabilidade sem culpa da Administração, ‘o
só fato da obra causar danos aos particulares, por estes danos
responde objetivamente a Administração que ordenou os
serviços, mas, se tais danos resultam não da obra em si mesma,
porém da má execução dos trabalhos pelo empreiteiro, a
responsabilidade é originariamente do executor da obra, que,
como particular, há de indenizar os lesados pela imperfeição de
sua atividade profissional e, subsidiariamente, da
Administração, como dona da obra que escolheu mal o
empreiteiro’ (Direito Administrativo - 16ª Edição RT. pág. 553 -
1991).
Nesse contexto, nos termos da fundamentação acima,
concluo pela adoção da primeira alternativa, que preconiza, in
verbis:
‘IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas,
por parte do empregador, implica a responsabilidade
subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas
obrigações, inclusive quanto a órgãos da administração
pública direta, indireta ou fundacional, desde que haja
participado da relação processual e conste também do
título executivo judicial’.” (Destacou-se).

Da análise do precedente que deu origem à anterior redação do item


IV do enunciado de súmula nº 331 do e. TST, vê-se que os fundamentos
da decisão reclamada não se distanciam do entendimento que esta
Suprema Corte pretendeu afastar quando do julgamento da ADC nº
16/DF.

No paradigma, muito embora o STF tenha afirmado a possibilidade


de o Poder Público ser responsabilizado, julgou-se constitucional a norma
que prescreve a não transferência da responsabilidade pelos “encargos
trabalhistas, fiscais e comerciais” à Administração Pública quando
constatada a inadimplência pela empresa contratada.

Destarte, fixou-se a necessidade de o juízo, quando na análise de


demanda proposta por empregado de empresa contratada pelo Poder
Público após licitação, enfrente a questão relativa à presença do elemento
subjetivo do ato ilícito que seja imputável ao Poder Público, a fim de
evidenciar a responsabilidade civil subjetiva da administração pública no
caso concreto a dar ensejo à condenação no pagamento das verbas
inadimplidas pelo empregador.
O entendimento do STF, na ADC nº 16/DF, que não afastou a
possibilidade de o Poder Público ser condenado ao pagamento de verbas
trabalhistas inadimplidas por empresa contratada por licitação, não
legitima que, sob o fundamento de inversão do ônus da prova, continue-
se perpetuando decisões contrárias à norma declarada constitucional
naquela ação - § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93 – ao se presumir a culpa
da Administração Pública.

No tocante à responsabilidade subjetiva, discorrendo sobre o


elemento culpa, ensina Humberto Theodoro Júnior:

“A conduta voluntária é ponto de partida para


configuração do ato ilícito stricto sensu, mas não é suficiente.
Além do nexo causal entre ela e o resultado danoso é
indispensável que o agente tenha se conduzido com culpa no
evento. Não é necessário, porém, que o agente tenha querido
lesar. A voluntariedade refere-se ao atributo genérico da ação
de que resultou o prejuízo da vítima. A conduta, para chegar à
responsabilidade civil, deve ter sido controlada pela vontade,
ainda que o resultado final não tenha entrado na linha de
intenção do agente. Bastará, para tê-la como voluntária, que os
atos de exteriorização do comportamento, (ação ou omissão)
tenha sido originados de uma vontade livre e consciente.
A noção de culpa se dá no momento em que, querendo ou
não o dano, o agente voluntariamente adota um
comportamento contrário aos padrões exigidos pelo Direito e,
em consequência disso, provoca um dano injusto a alguém”
(TEODORO JÚNIOR, Humberto. Responsabilidade Civil: Noções
Gerais. Responsabilidade Objetiva e Subjetiva. In: RODRIGUES
JUNIOR, Otavio Luiz et al (coord.). Responsabilidade Civil
Contemporânea. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2011. pp. 23 e
24).

Nessa perspectiva é que o acórdão impugnado destoa do


posicionamento adotado por esta Corte, diante da imprescindibilidade de
comprovação concreta da responsabilidade subjetiva do ente estatal pelo
descumprimento das obrigações laborais assumidas pela prestadora de
serviços. Confira-se, mais uma vez, a justificativa de responsabilização
adotada pela 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região
para condenar a Universidade de São Paulo:
“A recorrente figura como tomador dos serviços e, como
tal, deve responder subsidiariamente pelos créditos
reconhecidos em prol do reclamante. Nesse sentido o
entendimento jurisprudencial dominante, consubstanciado na
Súmula 331, IV, do C.TST.
(...)
Destarte, outra conclusão não se alcança senão a de que,
no caso concreto, resta caracterizada a conduta culposa, por
omissão, da Administração Pública (culpa in vigilando), razão
pela qual se atribui a responsabilidade subsidiária ao ente
público, com fundamento nos artigos 186 e 927, caput, do CC,
pelo pagamento dos encargos trabalhistas devidos ao
reclamante.”

No caso dos autos, não se expõe analiticamente a conduta culposa


imputável ao ente público, na condução do contrato, que teria
contribuído para o resultado danoso ao empregado da empresa a que foi
adjudicado o objeto da licitação, decorrendo a responsabilidade
subsidiária do Estado, ora reclamante, como consequência automática do
inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa
contratada.

No julgamento da Reclamação nº 9.894/RO-AgR, foi autorizado aos


Ministros que decidam monocraticamente e de forma definitiva causas
que versem sobre matéria idêntica. Casos semelhantes têm merecido
análise monocrática nesse sentido: Rcl nº 13.006/RS, Relatora Ministra
Cármen Lúcia, DJe de 9/12/2011, e Rcl nº 12.928/SP, Relator o Ministro
Ricardo Lewandowski, DJe de 1ª/2/2012.

V. DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo procedente a reclamação para cassar a decisão


reclamada, na parte em que confirma a responsabilidade subsidiária da
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Na linha dos precedentes desta Corte
(Reclamações nºs 7.517/DF-AgR e 8.150/SP-AgR) determino que outra
decisão seja proferida como entender de direito. Julgo prejudicado
pedido de liminar.
Publique-se. Intime-se.
Brasília, 31 de maio de 2012.

Ministro DIAS TOFFOLI


Relator
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