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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Heitor Morais Pordeus

RELATÓRIO I: POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA

João Pessoa
2018
Muito se tem discutido, dentro das relações internacionais, as correlações entre a
política externa e o Estado. Várias são as definições que buscam, através da conceitualização
mais ampla e ao mesmo tempo simples, caracterizar tal fenômeno. Dentro da política externa
brasileira, percebe-se com o passar dos anos, desde o processo de independência, como bem
antes, com o estabelecimento dos tratados desiguais, um papel quase preponderante do Estado
na definição e implementação das relações com o exterior, estando a sociedade civil, com
pequenas exceções, fora de todo esse processo.
Oliveira (2005) utiliza o conceito de Russell para explicar a política externa que dentre
outras coisas é “ a área particular de ação dos governos, abrangendo 3 principais dimensões –
diplomática, militar-estratégica e econômica -, em que podemos denotar ao longo dos primeiros
anos uma real tentativa de inserção internacional do país através da busca do reconhecimento
externo, principalmente, em relação as principais potências da época, girando a política externa
brasileira em torno desses três eixos primários. Procura-se trabalhar nesse quesito com os
pressupostos de que a PEB foi e é condicionada por uma interação entre os fatores internos e
externos, mais ou menos como aquilo que Putnam mencionava sobre os jogos de dois níveis,
com diferentes pesos das condicionantes, endógenas ou exógenas. Vale ressaltar que a própria
estrutura internacional da época, em termos de distribuição de poder, bem como as diferenças
conjunturas, principalmente aquelas que se desenrolam na Europa, em tempos de bloqueio
continental, e a busca dos ingleses por novos domínios no campo econômico, representam
fatores de pressão, ou constrangimentos, que condicionam a definição de uma política externa
à época.
Desde a formação e concepção do território brasileiro, a datar da época do
descobrimento, e remontando o Tratado de Tordesilhas (1494), os trilhos da nação sempre
estiveram interligados com os contextos europeus. Do declínio da produção da prata nos
planaltos bolivianos até a descoberta de novas jazidas em Minas Gerais, as causas e
consequências sempre estavam conectados com o interesse português, ajudando assim na sua
reestruturação econômica e no aumento do tráfico de negros na região. Diferente de como se
deu a expansão norte-americana, o expansionismo brasileiro praticamente ocorreu na fase
colonial, sendo conduzido por um regime absolutista e uma metrópole. O país também não
produziu uma ideologia similar como o “Destino Manifesto”, dando o seu povoamento através
das correntes de migração e pelos ciclos de exploração. Tal expansão se dava de forma gradual,
objetivando o assentamento e defesa do litoral. Posteriormente, serão estabelecidos novos eixos
de expansão como o Amazonas, o Oeste e o Prata, tendo este último, uma prioridade geral do
governo à época, principalmente pelas características do solo e os seus sistemas fluviais. A
presença portuguesa na região manifestou-se pelo desenvolvimento de um comércio de
contrabando, facilitado pela frequente cumplicidade dos governadores espanhóis interessados
nos lucros, tendo apoio da população da região devido aos preços praticados pelo sistema
castelhano.
Após alguns anos, o contrabando se torna ilegal, tendo o seu fim pela repressão
administrativa espanhola, Portugal tomou, depois da separação das Coroas, a decisão audaciosa
de fundar em frente de Buenos Aires, a Nova Colônia do Santíssimo Sacramento (1680), com
o fim principal de atrair, pelo contrabando, a prata do Peru. Vários litígios acorreram na região
chegando as vias de fato em algumas oportunidades. O Tratado de Madri de 1750 seria assinado
para “pôr fim ao conflito armado em disputa sobre as fronteiras entre Portugal e Espanha na
América do Sul em relação ao território do Rio Uruguai, estabelecendo as fronteiras entre a
Espanha e Portugal, onde muito do discutido lá, forma, boa parte, do território brasileiro” visto
atualmente. É de bom grado relembrar a perspicácia da coroa portuguesa, que anteriormente a
concepção do acordo, começa a fazer vários estudos sobre cartografia, de ferramentas que
pudessem favorecer no momento da negociação frente aos espanhóis. De fato, a promoção do
sistemático levantamento geográfico e cartográfico do interior do brasil fez com que alguns dos
fatos mencionados nesses estudos fossem distorcidos em favor da coroa portuguesa. Alexandre
de Gusmão nesse período irá trabalhar muito em favor do favorecimento brasileiro,
manipulando as fronteiras e não deixando a colônia a mercê das rivalidades europeias.
Tal mecanismo, que veio para substituir as linhas geodésicas estabelecidas em
Tordesilhas, tinha como critério básico o principio do Direito Romano de uti possidetis, e um
reconhecimento no terreno, por mecanismos claramente definidas por acidentes geográficos
como rios e montanhas. O principal objetivo que moveu Madri nas negociações foi o de
apoderar-se de uma vez por todas da Colônia do Sacramento, aceitando para isso, embora com
relutância, o preço de transferir a Portugal a soberania sobre os Sete Povos das Missões do
Uruguai. No entanto, a resistência dos jesuítas em entregar suas missões e a recusa dos Guarani
de serem transferidos à força levou à anulação do tratado pelo subsequente Tratado de El Pardo,
assinado por ambos os países em 1761. A oposição dos Guarani levou a Guerra Guarani de
1756. Os termos do Tratado de Madri, com poucas exceções, foram restabelecidos no Primeiro
Tratado de San Ildefonso em 1777, que fora marcado fortemente pela indiscutível vitória das
armas castelhanas. Como era de se esperar por todos à época, os espanhóis queriam por meio
desse novo Tratado, congelar o status quo militar e diplomática na região, a cada configuração
momentânea que assume a correlação de forças vai corresponder uma determinada expressão
jurídica, consubstanciada num tratado, sendo o ajuste de Santo Ildefonso, representante de um
reflexo jurídico do nível mais indiscutível de superioridade militar que os espanhóis jamais
atingiriam, antes ou depois, nas plagas meridionais da América do Sul. De fato, para os
portugueses e brasileiros, o Tratado de Santo Ildefonso não passava de um revés provisório,
fruto de um desequilíbrio militar momentâneo, que a qualquer momento no futuro, poderia, no
terreno de fato, e depois no Direito, ter consequências positivas para o lado português.
No período entre 1815 e 1914, as diversas formulações de Tratados, que irão nortear
as relações, principalmente, com a Inglaterra, dão as condições de dominação, tendo dentro
desse quesito, a atuação dos grupos do capitalismo avançado e as classes internas, que teriam
pactuado um compromisso para relacionar suas unidades de produção de forma agregada e
condicionante – “manter a pauta primária de exportação e importar os produtos da revolução
industrial”. A política externa brasileira à época esteve profundamente condicionada pela
hegemonia inglesa sobre Portugal, em função de uma herança colonial com suas estruturas
sociais. É nesse momento que o continente americano é transformado em área de competição
internacional, cabendo a esse período, cunhado de o mais significativo (1822 – 1828), a fase de
maior enquadramento brasileiro no sistema internacional. Alguns pontos giram em torno do
rompimento político, jurídico e econômico com Portugal e a iniciativa para a obtenção do
reconhecimento da nacionalidade, dado na época com a principal política externa do país. As
diretrizes da PE estariam contidas no Manifesto às Nações Amigas, cabendo mencionar que
havia uma orientação externa, a disposição de ceder favores e benefícios, sobretudo
econômicos, com que se pretendia apressar justamente o reconhecimento, pois eram
considerados o principal elemento de persuasão. É nesse momento de fato que a Inglaterra passa
a nortear as regras do Estado Brasileiro, encontrando os ideais britânicos de supremacia
comercial com a necessidade ao apoio do processo de independência. Os Tratados desiguais de
1810 são prorrogados, em 1827, e estipulam que os produtos de nenhuma nação pagariam
menos direitos do que aqueles provenientes da Inglaterra, abrindo o país à concorrência do
capitalismo industrial, viabilizando a sua subordinação. A política externa movia-se então em
torno de duas zonas de pressão: a primeira em torno das relações com a Europa e a segunda
situava-se na região do Prata.
Entre os anos de 1827-28, começa os vários questionamentos contra o governo e seus
ministros, sendo acusados de haverem sacrificado o interesse nacional. Segundo eles, os tais
sistema de tratados tinha reforçado uma disposição nada favorável, com vistas a tentar o
reconhecimento da nacionalidade, extrapolando assim, os limites da racionalidade política,
sacrificando o comércio nacional. Em suma, os tratados impuseram o liberalismo ao Brasil, mas
salvaguardavam a proteção necessária ao trabalho nas economias avançadas, visando
estabelecer uma abertura da periferia aos excedentes da Revolução Industrial. Tais estruturas
de dependência foram estabelecidas mediante interesses das nações mais avançadas, não tendo
dentro do país, estímulos que fossem suficientes para uma possível modernização da economia.
A política externa brasileira naquele momento serviu, pelo menos, ao Estado, onde pôde
fornecer o reconhecimento internacional tanto desejado, uma legitimação que perdia
internamente com a dissolução da Constituinte – desde o início, o Estado Brasileiro dava provas
de autonomia com relação à sociedade ao fazer política por interesse próprio.
A renegociação dos tratados desiguais que fixou as regras do jogo nas relações com a
Europa e os Estados Unidos fez com que os referenciais de política externa fossem movidos de
formas predeterminadas. Nesse período, há no país algumas crises de redefinição institucional.
O prestigio de dom Pedro I acaba entrando em declínio. Com a regência, o quadro institucional
apresentava avanços e recuos, conforme os impulsos vindos das forças liberais fossem sendo
perceptíveis dentro da unidade nacional. Em termos de política externa, o significado da
evolução institucional não deve ser procurado dentro do embate entre Liberais e Conservadores,
mas sim, no processo de fortalecimento do Estado nacional – é nesse quesito que ambos vão se
prevalecer para reordenarem uma PE em função de uma percepção mais abrangente do interesse
nacional.
Dois efeitos eram preparados para uma fase seguinte de política externa, sendo nesse
momento em que se consolidaria o Estado nacional, precisando assim, de uma forma concreta
bater de frente com as grandes potências, tendo o discernimento de não mais pactuar com elas.
Além do mais, as relações bilaterais eram avaliadas de forma crescente e positiva pelo governo
e pelo Parlamento, em virtude de sua utilidade política e comercial. A partir dos anos 1830,
vários ministros se opõem à chegada de novos tratados e à renovação dos antigos, resumindo o
pensamento político em que aqueles tratados eram usados contra nós, e nunca haviam
favorecido a nação sendo um sistema que jamais deveria se repetir, servindo de conselhos para
negociações futuras com nações poderosas. Em suma, o discurso político reivindicava a ruptura
com o sistema de relações exteriores implantado à época da Independência e o reordenamento
da política externa em função de diretrizes radicalmente distintas, tinha-se por certo que
somente após 1843, havendo-se destruído o sistema de tratados desiguais, PEB estaria em
condições de tornar viável um projeto nacional.
Com o chegar dos anos 1850, segundo Ricupero (2017), “a diplomacia imperial
voltava-se para a ameaça que se tinha sobre a fronteira Sul, com intervenções no jogo
estratégico da balança de poder da Bacia Platina”. Ali, em contraste com os remotos e
inacessíveis limites da Amazônia, confinavam populações entrelaçadas pelo comércio, pelas
migrações e, por vezes, pelos conflitos nascidos em facções inimigas nas lutas políticas da
região. A Argentina nesse momento encontrava-se dividia em dois partidos – o federalista e o
unitário, e o Uruguai entre Blancos e Colorado, com o iminente triunfo de Rosas e Oribe, abre-
se, então, a fase das intervenções brasileiras diretas, com duração de aproximadamente vinte
anos (1851-1870). Ela coincide com a estabilização e o fortalecimento do regime monárquico
no Brasil, após o término da Revolta Farroupilha, o fim do conflito com a Inglaterra sobre o
tráfico de escravos e a melhoria da economia e das finanças. É de suma importância mencionar
que essa era a única área que o país tinha capacidade de desenvolver uma decisiva ação direta,
como meio de poder. Em boa parte da segunda metade dos Oitocentos, a área na qual se exercia
a iniciativa diplomática do Brasil coincidia com o núcleo histórico do Mercosul de nossos dias:
Argentina, Uruguai e Paraguai. No interior de todo esse território em disputa, as rivalidades se
concentravam, sobretudo, em torno das terras uruguaias, o debatable land. Surgem à época
novos objetivos de política externa que seriam assegurar a independência oriental (e paraguaia)
e impedir a emergência, sob a liderança de Buenos Aires, de uma poderosa reunificação do
Vice-Reino do Rio da Prata.
Alguns especialistas, como André Lamas, creditam ao “expansionismo rio-grandese”,
a origem das intervenções brasileiras nos eventos platinos ao grande interesse pelas pastagens
das terras uruguaias, fora a questão do gado, que acabam por explicar as interferências políticas
e econômicas, fora que na região à época da emancipação política do Uruguai, tinha-se uma
grande presença de portugueses e brasileiros dos quais 1/3 destes, consistiam da população
inteira do país. Em toda essa região que cobre os atuais territórios da Argentina, do Uruguai e,
por alguns aspectos, do Rio Grande do Sul, vivia-se fase anterior à concentração do poder num
governo central capaz de defender seu monopólio do uso legal da violência coercitiva. De modo
análogo ao feudalismo, o poder fragmentava-se e diluía-se em mãos de caudilhos regionais,
homens que reuniam em seus feudos as diversas dimensões complementares da força.
O interesse do governo imperial residia no suprimento de charque ao preço mais baixo
possível, política que colidia de frente com as pressões rio-grandenses para onerar as
importações e proteger a produção nacional. Se desenrola então uma série de confrontos por
terras e poder que se sucedem desde o período colonial. Diante vários acontecimentos,
inaugura-se a “diplomacia dos patacões”, com o pagamento de créditos e subsídios ao governo
colorado, e mais tarde a Urquiza – participação de exemplos de self-made man à época, como
o Barão de Mauá, onde comprometeu-se a pagar ao governo colorado, sitiado em Montevidéu
dezoito, mil pesos fortes mensais por treze meses, não recuperando os seus investimentos junto
ao governo uruguaio. Seja como for, os patacões contribuíram para assegurar a cooperação dos
colorados, já criticamente dependentes do Brasil em matéria política e militar. A relação entre
Brasil e Uruguai, a partir daí, foram estabelecidos os chamados “sistema de tratados”, cerca de
5, que continha aspectos semelhantes aos “tratados desiguais”, impondo o governo imperial a
Montevidéu uma fronteira seca no rio Jaguarão e na lagoa Mirim, isto é, reservou-se o domínio
das duas margens, negando aos uruguaios a navegação. Tinha-se, é claro, a percepção do lado
uruguaio de que aqueles tratados contrariavam os interesses nacionais, e que resultavam da
imposição de um país estrangeiro, o Brasil.
As complicações no país vizinho, Uruguai, irão preparar as condições para a mais
mortífera de todas as guerras da história da América do Sul – então, a guerra do Paraguai foi o
desenvolvimento de vários interesses conflitantes e guerras anteriores travadas na bacia do rio
da Prata, que pode ser rastreada até o movimento de independência das nações envolvidas mais
tarde neste conflito. Levando em consideração a vários fatores, a guerra foi uma consequência
imediata da intervenção do Brasil no Uruguai. O Império decidiu intervir no Uruguai por causa
de várias políticas anti-brasileiras, que estavam afetando investimentos diretos no país e
cidadãos brasileiros dentro das fronteiras (até 10% da população do Uruguai era brasileira, e
30% dos interesses econômicos no país). Como adendo das relações de poder na região, cabe
lembrar que o Paraguai já havia alertado o Império de que qualquer intervenção militar contra
seu aliado (Uruguai sob Aguirre) significaria guerra, e foi exatamente isso que aconteceu -
poucos dias após a invasão brasileira do Uruguai, Solano López ordenou a apreensão do navio
brasileiro Marques de Olinda, que levou o presidente da província brasileira de Mato Grosso,
que mais tarde morreu em uma prisão paraguaia. Seis semanas depois, ele ordenou a invasão
da província de Mato Grosso.
O Paraguai naquela época tinha um histórico de isolacionismo e de desenvolvimento
autárquico. O país não tinha acesso direto ao mar, por isso era fundamental para eles um acesso
livre através do Paraná e do rio Paraguai até o estuário da Prata, para ter um canal de comércio,
e para Solano López, a intervenção do Brasil ameaçava todo aquele plano de equilíbrio de poder
na bacia do rio da Prata e sua liberdade de navegação para fazer escoar a produção paraguaia.
Muitos foram os custos do confronto, principalmente para manter uma unidade e estabilidade
interna. Para Joaquim Nabuco: “a guerra do Paraguai teve uma importância decisiva sobre o
destino do país Brasil, sendo o divisor de águas da história contemporânea”. Ela nos dá o indicio
do apogeu do Império e a sua decadência.
BIBLIOGRAFIA:

 CERVO, Amado e BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil.


Brasília: EdUnB;
 OLIVEIRA, Henrique A. Política Externa Brasileira. São Paulo: Saraiva, 2005;
 RICUPERO. Rubens. A Diplomacia na Construção do Brasil: 1750 -2016. São
Paulo: Versal Editores, 2017.

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