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INTRODUÇÃO
A Ciência Política é a ciência que estuda a política — os sistemas políticos, as
instituições, os processos e os comportamentos políticos. Busca conhecer e explicar
a estrutura (e as mudanças de estrutura) e os processos de governo ou de qualquer
sistema equivalente de organização humana que tente prover segurança, justiça e
direitos a uma população. Essa definição sugere que o objeto de estudo da Ciência
Política é o Estado. Contudo, para a maioria dos cientistas políticos o foco seria
muito mais amplo, compreendendo as relações de poder, na sua totalidade – e não
apenas aquelas que têm lugar no âmbito do Estado.
A ciência política uma ciência social preocupada principalmente com a
descrição e análise de instituições e processos políticos e especialmente
governamentais.
A ciência política compreende numerosos subcampos, incluindo políticas
comparativas, economia política, relações internacionais, teoria política,
administração pública, políticas públicas e metodologia política. Além disso, a
ciência política está relacionada e se baseia nos campos da economia, do direito, da
sociologia, da história, da filosofia, da geografia, da psicologia e da antropologia.
A política comparativa é a ciência da comparação e do ensino de diferentes
tipos de constituições, políticos, legislatura e campos associados, todos eles de uma
perspectiva intra-estatal.
As relações internacionais tratam da interação entre os Estados-nação, bem
como as organizações intergovernamentais e transnacionais.
A teoria política está mais preocupada com as contribuições de vários
pensadores e filósofos clássicos e contemporâneos.
A ciência política é metodologicamente diversa e apropria-se de muitos
métodos originários da pesquisa social. As abordagens incluem o positivismo, o
interpretivismo, a teoria da escolha racional, o behaviorismo, o estruturalismo, o pós-
estruturalismo, o realismo, o institucionalismo e o pluralismo.
A ciência política, como uma das ciências sociais, usa métodos e técnicas
que se relacionam com os tipos de inquéritos procurados: fontes primárias, como
documentos históricos e registros oficiais, fontes secundárias, como artigos de
periódicos acadêmicos, pesquisa de pesquisa, análise estatística, estudos de caso,
pesquisa experimental e construção de modelos.
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A origem da ideia de política está relacionada à organização da vida em


coletividade e às maneiras de se organizar esse tipo de viver. Nesse sentido, é bom
lembrar que a política é imprescindível para a organização da vida em sociedade;
por mais difundidas que sejam as afirmações do tipo “eu odeio política” ou “fora os
políticos”, é por meio dela que se definem as normas de nossa convivência bem
como os padrões de conduta considerados válidos num determinado contexto.
Uma questão importante a ser lembrada é que as mudanças da história
promoveram profundas alterações na forma de organização das sociedades.
Essas mudanças, porém, não afetaram o núcleo do conceito de política, que
continua o mesmo desde a Grécia Antiga.
Partindo dessa ideia de que política implica autoridade ou governo, vários
cientistas políticos buscaram definir Ciência Política como uma disciplina que se
dedicaria ao estudo da formação e da divisão do poder1. Em outras palavras,
estando a política associada à ideia de poder, Ciência Política poderia ser definida,
de forma geral, como aquele campo disciplinar encarregado do estudo científico do
fenômeno do poder.

1.1 OBJETO DE ESTUDO DA CIENCIA POLITICA


Existe no interior da ciência política uma discussão acerca do objeto de
estudo desta ciência, que, para alguns, é o Estado e, para outros, o poder. A
primeira posição restringe o objeto de estudo da ciência política e a segunda amplia.
O poder é visto como o objeto central da ciência politica e deve ser estudado
com base num critério tridimensional: a sede de poder, a forma ou imagem do poder
e a ideologia.
Existem três formas de se abordar os objetos de estudo desta ciência:
a- Política descritiva, ou empírica:
Nesta linha os pesquisadores optam por análises meramente empíricas da
realidade política. Sendo uma ciência muito controversa, esta fase, ou opção da
análise política é de fundamental importância na coleta de dados fiéis à realidade,
distinguindo-se assim das teorias normativas.
b- Teoria política:

1 DAHL, Robert. A moderna análise política. São Paulo: Lidador, 1970


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Nesta abordagem os pesquisadores, partindo dos dados empíricos articulam-


nos à teoria política propriamente dita para compreender e explicar a realidade
considerando insuficiente a mera descrição da realidade tal como é.
c- Política comparada:
Fundamental na ciência política, esta abordagem da pesquisa busca, através
de comparações entre diversas realidades sócio–históricas, elementos mais gerais
da realidade política das sociedades.
Também aqui é necessária a mediação do dado empírico com a teoria, mas
desta vez, através da comparação, tenta-se chegar a elementos generalizáveis da
realidade política e questionar hipóteses ou teorias feitas a respeito de uma única
realidade delimitada O poder mais do que o Estado tende para ser o fenómeno
central da ciência politica.
Pressupostos da Ciencia Politica:

1º Pressuposto:
O relacionamento do Homem com Deus, sempre que se admite que existe
alguma coisa superior ao homem, a alternativa comum é entre Deus e Estado.
A própria ideia de soberania entendida como supremacia absoluta tem dupla
correlação refletida nos atributos que o pensamento ocidental ainda hoje refere não
apenas ao Estado, mas também à autoridade do Papa (soberano), pois diz se que
este reina embora não possua autoridade temporal significativa. A tomada de
posição nesta questão vai refletir-se em todos os problemas k integram o domínio
normativo da ciência politica.
A tradição do pensamento politico é considerar o estado como supremo em
relação ao homem.

2º Pressuposto:
O homem só vive inserido numa sociedade, todo o homem é sócio de outro
homem e partilha com ele um interesse. Se o homem não viverem sociedade ou é
um Deus ou é um animal.

3º Pressuposto:
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O Totalitarismo: (é quando considera-se o Estado supremo em relação ao


homem. Segundo Aristóteles o homem pertence ao Estado tal como a ele lhe
pertence os seus membros. Neste pressuposto encontramos os regimes totalitários:
regime italiano -Mussolini, regime alemão – Hitler, regime soviético – Estaline) e
Personalismo Laico (são os regimes democráticos, onde há a liberalidade de
expressão que permite ao cidadão expressar-se com liberdade através do voto)

4º Pressuposto:
O personalismo (entende-se que o estado faz parte da circunstancia do
Homem, e que nasceu para o servir, sendo assim o estado serve essencialmente os
interesses do cidadão) e o transpersonalismo (entende-se que o Homem faz parte
da circunstancia do estado, ou seja, quando o cidadão existe para servir o estado).
Todo o fato social relacionado com o acesso, a titularidade, o exercício e o
controle do poder são fatos políticos, possua autoridade temporal significativa.
A tomada de posição nesta questão vai refletir-se em todos os problemas k
integram o domínio normativo da ciência politica.
Outro pressuposto da ciência politica é a relação entre a sociedade civil e o
aparelho governativo, um problema fundamentalmente dominado pelo conflito entre
as fidelidades verticais que decorrem da concepção orgânica do estado e as
fidelidades horizontais que procuram fazer frente aos aparelhos do poder
considerados alheios ou à comunidade ou apenas aos estratos sociais.
O homem é um ser que vive inserido numa sociedade, contudo isto não
implica que ele viva numa sociedade politica nem que o estado seja uma sociedade
politica necessária.
A sociedade pretende sempre libertar-se de aparelhos governativas estranhas
para assentar em princípios de vida, governadas pelo consentimento. Estes fatos
formam um debate doutrinal constituindo um dos pressupostos mais importantes da
CIÊNCIA POLITICA, há duas posições possíveis:
A- A primeira é que o estado não corresponde a qualquer necessidade humana
fundamental e por isso é indispensável. Esta corrente é adoptada pelos anarquistas.
B- A segunda é que o estado é um resultado do instinto e por isso insubstituível,
esta corrente é adoptada pelos totalitários.
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1.1 O CARÁTER TRIDIMENSIONAL DA CIÊNCIA POLÍTICA


A orientação que toma na Ciência Política a Filosofia, a Sociologia e o Direito
com predominância ou exclusividade vêm cedendo lugar ao emprego da análise
tridimensional, que abrange a teoria social jurídica e a teoria filosófica dos fatos, das
instituições e das ideias, de modo a dar inteira e unificada visão daquilo que é
objeto.
A Teoria Tridimensional do Direito, no Brasil mais conhecida pelo seu
formulador original, mas não exclusivo, o professor Miguel Reale, foi concebida
como uma proposta de construção do pensamento jurídico e uma das principais
inovações no estudo e compreensão deste fenômeno.
Conforme proposta pelo professor Reale, a teoria correlaciona três fatores
interdependentes que fazem do Direito uma estrutura social axiológico-normativa.
Esses três elementos são: fato, valor e norma. Importa, desde logo, afirmar
que esses três elementos devem estar sempre referidos ao plano cultural da
sociedade onde se apresentam.
Na óptica tridimensional fato, valor e norma são dimensões essenciais do
Direito, o qual é desse modo, insuscetível de ser partido em fatias, sob pena de
comprometer-se a natureza especificamente jurídica da pesquisa.
É buscada, na Teoria Tridimensional do Direito elaborada pelo professor
Reale, a unidade do fenômeno jurídico, no plano histórico-cultural, sem o emprego
de teorias unilaterais ou reducionistas, que separam os elementos do fenômeno
jurídico (fato, valor e norma). Veja-se, portanto, no decorrer desta exposição, o
desenvolvimento, os tipos e a profundidade da proposta do professor Miguel Reale,
que apesar de ser uma proposta para se observar, indagar e pensar o fenômeno do
Direito impressiona pela sempre atualidade e capacidade de possibilitar uma
interpretação correta da realidade jurídica.
A Teoria Tridimensional parte do pressuposto de que o fenômeno jurídico
deva ser analisado e compreendido sob uma visão que englobe os três aspectos
epistemológicos mais utilizados pelos juristas e filósofos ao longo da História: o fato
jurídico (a experiência), o valor e a norma propriamente dita.
O problema crucial, segundo Reale, é a questão de que o Direito sempre foi
visto ou analisado sob enfoque unilateral, ou seja, priorizando-se apenas um d os
aspectos supracitados. Critica que no decorrer da Era Contemporânea o Direito ora
era restringido às normas outorgadas pelo Estado como pensavam os positivistas na
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linha de Kelsen ou como fenômeno social, na corrente historicista e sociológica, na


qual o fenômeno jurídico era fruto das relações sociais ou do espírito cultural de
determinada época. É contra esses enfoques unilaterais que a Teoria Tridimensional
vem rebater.
O Direito não é apenas a norma ou a letra da lei, pois é muito mais do que a
mera vontade do Estado ou do povo, é o reflexo de um ambiente cultural de
determinado lugar e época, em que os três aspectos – fático axiológico e normativo
– se entrelaçam e se influenciam mutuamente numa relação dialética na estrutura
histórica.
O Tridimensional ismo Genérico ou Abstrato2 é aquele que procura
harmonizar os resultados decorrentes dos estudos das Teorias Monistas
apresentadas: Sociologismo, Normativismo e Moralismo Jurídico.
Temos como primeiro representante de um Tridimensionalismo Abstrato que
procura superar a antítese entre valor e realidade através da cultura, incluindo nela o
Direito, estudado então, sob três aspectos: como realidade impregnada de
significações normativas objetivas (objeto da Ciência Jurídica), como fato social
(objeto da sociologia Jurídica) ou como valores ou significações (objeto da Filosofia
do Direito). Gustav Radbruch também desponta como expoente do
Tridimensionalismo abstrato, inovando com a categoria de juízos referidos a valores,
em adição à querela de natureza (juízo de existência) e ideal (juízo de valor). Com
isso, quer dizer que a ideia de Direito é um valor, mas o Direito em si não é um valor,
mas uma realidade referida a valores, em outras palavras: é um fato cultural.
A essa interpretação, que denomina Trialismo, determina que possa encarar o
Direito com Teorias Jurídicas, Filosóficas ou Sociológicas, a depender da atitude
com que se aproxima do objeto de estudo.
Como Ciência, quando estudioso refere às realidades jurídicas a valores,
considerando o direito como fato cultural; pode-se encarar o Direito com a atitude da
Filosofia do Direito, que é valorativa e considera o Direito como um valor de cultura;
e existe ainda a possibilidade de uma Filosofia Religiosa do Direito, atitude que visa
à superação de valores; e existe, ainda, a possibilidade de uma atitude não
valorativa, correspondente à Sociologia do Direito, História do Direito e Direito
Comparado.

2 REALE, Miguel. Filosofia do direito, p.434 e ss.


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O grande problema das teorias tridimensionais genéricas é que, embora


repudiem os monismos, não combinam aqueles três elementos necessários de Fato,
Valor e Norma: quando muito, unem perspectivas diferentes, somando problemas.
Segundo Miguel Reale3, a Teoria Tridimensional do Direito só se aperfeiçoa
quando, de maneira precisa, entende-se a interdependência e correlação necessária
de fato, valor e norma que compõem o fenômeno do Direito como uma estrutura
social necessariamente axiológico-normativa.
Na óptica tridimensional “fato, valor e norma são dimensões essenciais do
direito, o qual é desse modo, insuscetível de ser partido em fatias, sob pena de
comprometer-se a natureza especificamente jurídica da pesquisa4”.
É buscada a unidade do fenômeno jurídico, no plano histórico-cultural, sem o
emprego das Teorias Reducionistas ou Monistas vistas, que apartariam os
elementos do fenômeno jurídico.
Miguel Reale se propôs a examinar aspectos relacionados à ciência do
direito, indo além dos estudos filosóficos. De acordo com seu pensamento, se fazia
necessário superar as visões limitadas até então seguidas para o estudo do
fenômeno jurídico.
Aos olhos do mestre paulista, as soluções estabelecidas pela técnica e pela
ciência jurídica eram ineficazes, já que moldadas no individualismo econômico e nas
categorias jurídicas fundadas na autonomia da vontade. Existia um conflito entre o
fato e a norma.
Ciência Política como um todo é um conjunto de mecanismos técnicos e
empíricos que tem a sua finalidade comum, o estudo dos sistemas políticos, das
organizações e dos processos civis, com o estudo dos processos de governo, tendo
em vista estudar o seu comportamento.
A Política, parte fundamental da Ciência Política é arte ou ciência da
organização, direção e administração de nações ou Estados que se atrela a filosofia
política, que é auxiliar indispensável no campo da investigação filosófica que se
ocupa da política e das relações humanas consideradas em seu sentido coletivo.
Os prismas da ciência política são classificados como Prisma Filosófico,
Sociológico e Jurídico, ambos com as suas particularidades e semelhanças, já que o

3REALE, Miguel. Filosofia do direito, p.434 e ss.


4REALE, Miguel. Estruturas fundamentais do conhecimento jurídico. O direito como experiência. p.
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prisma filosófico visa à discussão de posições, as origens e justificação, o


sociológico remete às relações sociais e o Jurídico a norma vigente, são três (três)
categorias que precisam umas das outras, já que não se faz justiça, sem o estudo
filosófico e sem o aspecto social.
Junto a todos esses conceitos temos a Teoria Tridimensional, que é contra
enfoques unilaterais. O Direito não é apenas a norma ou a letra da lei, pois é muito
mais do que a mera vontade do Estado ou do povo, é o reflexo de um ambiente
cultural de determinado lugar e época, no qual seus aspectos se entrelaçam e se
influenciam mutuamente numa relação dialética na estrutura do Direito.
O Direito é um campo complexo e abrangente onde é necessário a discussão
e posicionamentos de várias ciências para a construção d e uma sociedade justa e
que objetiva o bem comum.

1.2 MAX WEBER: UM EXEMPLO


Max Weber tinha a ideia principal da dominação legal é que deve existir um
estatuto que pode ou criar ou modificar normas, desde que esse processo seja legal
e de forma previamente estabelecido.
Como exemplo do uso da dominação legal pode citar o Estado Moderno, o
município, e qualquer outra organização em que haja uma hierarquia organizada e
regulamentada. A forma mais pura de dominação legal é a burocracia.
Referente à dominação tradicional Weber nos ensina que surgi pela crença na
santidade de quem dá a ordem. O ordenamento é fixado pela tradição e sua
violação seria um afronto à legitimidade da autoridade. Os servidores são totalmente
dependentes do senhor e ganham seus cargos seja por privilégios ou concessões
feitas pelo senhor, não há um estatuto e o senhor pode agir com livre arbítrio.
Quanto à dominação carismática: nesta forma de dominação os dominados
obedecem a um senhor em virtude do seu carisma. Weber considerou o carisma
uma força revolucionária na história, pois ele tinha o poder de romper as formas
normais de exercício do poder. Por outro lado, a confiança dos dominados no
carisma do líder é volúvel e esta forma de dominação tende para a via tradicional ou
legal.
Weber apresentou os fundamentos básicos da sociologia política da era
contemporânea.
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1. Ação social racional com relação a fins, na qual a ação é estritamente racional.
Toma-se um fim e este é, então, racionalmente buscado. Há a escolha dos melhores
meios para se realizar um fim;
2. Ação social racional com relação a valores, na qual não é o fim que orienta a
ação, mas o valor seja este ético, religioso, político ou estético;
3. Ação social afetiva, em que a conduta é movida por sentimentos, tais como
orgulho, vingança, loucura, paixão, inveja, medo, etc., e
4. Ação social tradicional, que tem como fonte motivadora os costumes ou hábitos
arraigados. (Observe que as duas últimas são irracionais).
A tipologia weberiana das formas de poder político diferente claramente da
tradição clássica, orientada pela discussão da teoria das formas de governo, oriunda
do mundo antigo (Platão e Aristóteles). Filiado à tradição realista de pensamento.
Weber também rejeita os pressupostos normativos e éticos da teoria do poder
e procura descrevê-lo em suas formas efetivas de exercício. Ao demonstrar que o
exercício do poder envolve a necessidade de legitimação da ordem política e, ao
mesmo tempo, sua institucionalização por meio de um quadro administrativo.
Visão Política de Max Weber: "é horrível pensar que o mundo possa vir a ser
um dia dominado por mais nada que homenzinhos colados a pequenos cargos e
lutando por outros maiores: uma situação que será vista dominando uma parte
sempre crescente do espírito do nosso sistema administrativo atual e,
especialmente, de seu produto, os estudantes. A compulsão burocrática é suficiente
para levar alguém ao desespero.5“.

2. TEORIAS SOBRE A ORIGEM DA SOCIEDADE E DO ESTADO


O Estado tem sua origem na conquista, e se mantém através da exploração.
Eis a tese que Franz Oppenheimer defende em seu livro The State. Essa tese
encontra eco em diferentes autores, incluindo Nietzsche, que acreditava que o
Estado se origina na forma mais cruel de conquista. David Hume notou que muitos
se submetem ao governo que se encontra já estabelecido no país onde vivem, sem
pesquisar com muita curiosidade as origens de seu estabelecimento inicial. Poucos

5WEBER, Max. Escritos políticos. Ed. José Aricó. México: Fólios Ediciones, vol. II. 1982
_______. 1982b. "A política como vocação". Ensaios de Sociologia. 4ª ed. Rio de Janeiro:
Guanabara, 1982b.
12

governos suportariam um exame rigoroso deste tipo. Com o tempo, o governo irá
adquirir uma áurea de legitimidade, e a maioria das pessoas vai obedecê-lo por puro
hábito. O consentimento é possível somente quando há escolha, e nenhum governo
pode permitir que a obediência seja uma questão de escolha.
Existem duas teorias que procuram dar conta do conceito de sociedade: a
teoria organicista, cujas origens podem ser encontradas desde a filosofia grega, que
entende que o homem é um ser eminentemente social e por isso não pode viver fora
da sociedade, entendendo o indivíduo como uma parte “orgânica” da sociedade; e a
teoria mecanicista, que entende o homem como um ser primário que vale por si
mesmo e do qual todos os ordenamentos sociais emanam como derivações
secundárias. Para os primeiros, a Sociedade é definida como “o conjunto das
relações mediante as quais vários indivíduos vivem e atuam solidariamente em
ordem a formar uma entidade nova e superior”6. Já os mecanicistas entendem a
Sociedade como um grupo derivado de indivíduos que buscam objetivos em comum
mas que, individualmente, seriam impossíveis de serem alcançados.
Qualquer que seja a visão de Sociedade, mecânica ou orgânica, é preciso
fazer uma distinção entre Sociedade e Estado. O Estado é produto da Sociedade,
mas não se confunde com ela. A Sociedade vem primeiro, o Estado vem depois: o
Estado é uma ordem política da Sociedade. “o Estado moderno se constitui de um
conjunto de instituições públicas que envolvem múltiplas relações com o complexo
social num território delimitado”7, dessa forma, o Estado deve ser entendido como a
ordem jurídica, o corpo normativo, “exterior” à Sociedade.
As ações do Estado são definidas por leis ou por atos de governo, que visam
às execuções de tarefas de interesse público e que se realizam pela administração
pública. Esse ordenamento da sociedade com base em um sistema jurídico que
garanta as liberdades fundamentais faz surgir o Estado de Direito e esse mesmo
ordenamento com base em um sistema de proteção social que garanta o acesso a
direitos como a saúde, educação, habitação, entre outros, como direitos de todo
cidadão, dá origem ao Estado de Bem-Estar Social (Welfare State).
Durante a modernidade, filósofos e pensadores políticos concentraram boa
parte de suas reflexões sobre o Estado de tal modo que podemos dizer que a

6 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, pag.64.
7 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, pag.71.
13

história da política moderna e a história do Estado se confundem. Prova disso, são


as teorias contratualistas que procuram dar conta da reflexão sobre a origem do
Estado e como este surgiu.
Além das teorias do liberalismo político/econômico e do
socialismo/comunismo onde o Estado representa um dos principais pontos de
divergência entre estas duas correntes de pensamento.
Para Marx, que em certo sentido concorda com Rousseau, o Estado surge
como uma forma de apropriação da classe dominante, que primeiro conquista o
poder político através do Estado para apresentar seu interesse como sendo o
interesse geral da sociedade. Ora, é exatamente por isso que Rousseau afirma, em
uma de suas passagens mais célebres, que o primeiro homem que cercou um lote
de terra e disse “isto é meu”, provocou um dos maiores males para a sociedade,
pois o Estado surge a partir de um contrato social, não para garantir o direito de
todos, mas o direito daqueles que detém a propriedade privada. Por isso o filósofo
genebrino afirma que este primeiro contrato não foi legítimo, pois apenas assegurou
o direito dos “ricos”: dos que passaram a ter bens e posses. Da mesma forma, Marx
afirma em sua Ideologia Alemã8 que o Estado adquiriu uma existência particular
como uma forma de organização para que os burgueses garantissem sua
propriedade e seus interesses. Refletindo sobre a compreensão moderna de Estado
(e de modo mais específico os "Estados nacionais")9, define juridicamente como
sendo: “do ponto de vista objetivo, refere-se a um poder estatal soberano, tanto
interna quanto externamente; quanto ao espaço, refere-se a uma área claramente
delimitada, o território do Estado; e socialmente refere-se ao conjunto de seus
integrantes, o povo do Estado”
Estas teorias, e ainda outras, envolvem basicamente o processo de
formação e consolidação do Estado tal como conhecemos hoje. Ao longo da história
o Estado foi adquirindo características e elementos bem diferentes, mas, de forma
geral, podemos entender o Estado como um poder central (estatal) que possui
plenos poderes sobre seu território. Ao longo da nossa História, podemos identificar

8 SELL, Carlos Eduardo. Introdução à Sociologia Política: política e sociedade na modernidade tardia.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
9 HABERMAS, J. O Estado nacional europeu – sobre o passado e o futuro da soberania e da

nacionalidade. In: ____. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Loyola, 2002, p.
120-145.
14

alguns “modelos estatais” bem distintos entre si, são eles: o Estado Absolutista, o
Estado Liberal-Democrático, o Estado Totalitário e o Estado de Bem-Estar Social.
Historicamente a primeira forma assumida pelo Estado foi o modelo
absolutista, na transição da Idade Média para a Idade Moderna. Econômica e
politicamente falando o Estado surge a partir da transição do modelo econômico
feudal para a economia capitalista: a formação do Estado envolve a centralização do
poder de territórios sob o comando de um monarca em substituição a fragmentação
política medieval em diversos feudos. Como o próprio nome sugere, no Estado
Absolutista, o monarca é dotado de poderes absolutos. Estas monarquias foram se
constituindo historicamente por toda a Europa, desde Portugal, Espanha (com a
unificação dos reinos de Aragão e Castela em 1476), França (a partir do reinado de
Felipe IV 1285-1314) e a Inglaterra (com a monarquia dos Tudor). Com o Estado
Absolutista se forma a noção central do Estado Moderno que é o conceito de
“soberania”, teorizada por filósofos como Jean Bodin, Thomas Hobbes, Rousseau,
entre outros: “a soberania implica a ideia de que o Estado é o poder central de uma
determinada sociedade sob a qual nenhum outro poder pode elevar-se”10
A construção do Estado Liberal-Democrático envolveu – além de estar
marcada pela construção dos direitos civis e políticos – a submissão das monarquias
nacionais absolutistas ao poder do Parlamento e a regulação daquela através de
Constituições, ou seja, o Parlamento passou a controlar o rei através da
Constituição.
Essa luta contra o absolutismo dos monarcas pode ser facilmente percebida
através de pelo menos três grandes movimentos históricos: a Revolução gloriosa (a
luta entre a coroa inglesa, o parlamento e a burguesia ocorrida na Inglaterra no
século XVII), a Revolução americana (a independência das 13 colônias que se
intitularam “Estado Unidos” em 1776) e a Revolução francesa (com a deposição do
Rei Luís XVI e a inauguração da “república francesa”).
O que estas três Revoluções têm em comum e que nos ajudam a entender o
surgimento do Estado Liberal-Democrático é o fato de que todas proclamaram algum
tipo de direitos para os cidadãos: a primeira proclamou a Bill of rights, a Lei dos
Direitos dos Cidadãos (1689), que garantia a proteção de todo indivíduo diante do
governo; a segunda organizou o Estado a partir da Declaração da Independência

10 SELL, Carlos Eduardo. Introdução à Sociologia Política: política e sociedade na modernidade


tardia. Petrópolis, RJ: Vozes, p. 125).
15

que garantia os direitos dos indivíduos e submeteu o poder da federação à


Constituição de 1787; e a terceira redigiu a Declaração dos direitos do homem e do
cidadão (1789) além da Constituição de 1791 que submetia o poder do rei ao poder
do parlamento. Em todas estas revoluções, o poder do monarca foi sendo limitado
pela lei visando preservar a liberdade e garantir os direitos individuais. Essa garantia
das liberdades individuais é o que dá origem ao conceito de um Estado Liberal. Além
disso, com a garantia dos direitos individuais (civis e políticos), podemos dizer que
foi a construção do Estado Liberal-Democrático que deu origem ao que é conhecido
hoje como o “Estado democrático de direito”.

3. OS CLÁSSICOS DA POLÍTICA
3.1 MAQUIAVEL
Maquiavel é o primeiro defensor da autonomia da esfera política, sobretudo
em relação à moral e a religião, quer dizer, fora de qualquer preocupação de ordem
moral e teológica e foi o primeiro pensador a fazer distinção entre a moral pública e
a moral particular. “Maquiavel sustenta que a vida política tem exigências próprias,
particulares, que não podem subordinar aos imperativos, pretensamente universais,
tanto da moralidade cristã quanto do humanismo estóico (Cícero e Sêneca)”11.
Não se trata de excluir ou recusar de forma radical os valores da moral cristã,
mas de considerar que não se pode adotar princípios ou valores absolutos em
qualquer época ou lugar e que é preciso levar em consideração o contexto em que
uma ação está sendo realizada. No âmbito da política não há como estabelecer
valores morais absolutos, pois para alcançar os resultados almejados é preciso agir
de acordo com as circunstâncias. “Política e moral, portanto, pertencem a sistemas
éticos diferentes. Uma ética individual pode produzir santos. Mas não produz a
política [...] A ação política tem objetivos e condições de eficácia que não se
confundem com as condições da ação individual”12.
Além disso, Maquiavel rejeita os sistemas utópicos, a política normativa dos
gregos e procura a verdade efetiva, ou seja, como os homens agem de fato. A teoria
do Estado e da sociedade era marcada pelas especulações filosóficas, desde Platão
e Aristóteles até Dante, Thomas Morus e Erasmo de Rotterdam. “Muitos já

11 KRITSCH, Raquel. Maquiavel e a construção da política. Lua Nova, n. 53, p. 181-190, 2001, P. 186
12 KRITSCH, Raquel. Maquiavel e a construção da política. Lua Nova, n. 53, p. 181-190, 2001, P.185.
16

conceberam repúblicas e monarquias jamais vistas, e que nunca existiram na


realidade (...) Mas, como minha intenção é escrever o que tenha utilidade para
quem estiver interessado, pareceu-me mais apropriado abordar a verdade efetiva
das coisas, e não a imaginação”13. Maquiavel distancia-se também dos tratados
sistemáticos da escolástica medieval e propõe estudar a sociedade pela análise dos
fatos, sem se perder em vãs especulações. Ao observar a história dos fatos, o
pensador florentino constata que os homens sempre agiram pelas formas de
violência e da corrupção e conclui que o homem é por natureza capaz do mal e do
erro. Às utopias opõe ele um realismo antiutopista através do qual pretende
desenvolver uma teoria voltada para a ação eficaz e imediata.
O realismo político de Maquiavel está ligado, como dissemos, a um
pessimismo antropológico. Partindo do pressuposto de uma natureza humana
corrupta. Os homens são corruptos, ingratos, volúveis, simuladores, ávidos de lucro.
E são tais atributos negativos que melhor definem a natureza humana. Um
amplo trabalho dedicado à questão antropológica no pensamento de Maquiavel foi
realizado por14.
O estudo da história, sobretudo a Antiguidade e a Roma Antiga conduziram
Maquiavel à constatação de que os homens sempre agiram pela força e pela
violência. Por isso o filósofo italiano pretende desenvolver uma teoria voltada para a
ação levando em consideração essa natureza humana. “Os seres humanos, diz ele,
agem e combatem segundo a sua dupla natureza: ora como animais, ora como
homens, segundo aquilo que é próprio da natureza humana”15. Por isso o príncipe
“[...] deve saber tanto aterrorizar e golpear quanto simular e dissimular. Precisa ser
raposa para conhecer os lobos e leões para aterrorizar os lobos”16.
Por isso, Maquiavel entende que o bom governante, quando forçado pela
necessidade, deve saber usar a violência visando o bem coletivo, enquanto que o
tirano age puramente por capricho ou interesse próprio. E é aqui que aparece o
conceito de “virtude” em Maquiavel. Maquiavel chega mesmo a dizer que o soberano
pode se encontrar em condições de ter que aplicar métodos cruéis e desumanos,
estando diante de males extremos. Para Maquiavel o homem tende a ser mal e isso

13 MAQUIAVEL, Nicolau. DIscurso sobre a primeira década de Tito Lívio. Brasília: UnB, 1982.
14
GUILLEMAIN, B. Machiavel: l’anthopologie politique. Genève: Droz, 1974.
15 KRITSCH, Raquel. Maquiavel e a construção da política. Lua Nova, n. 53, p. 181-190, 2001, p. 185.
16 KRITSCH, Raquel. Maquiavel e a construção da política. Lua Nova, n. 53, p. 181-190, 2001,P.185

/
17

justificaria suas considerações. Por isso, diante da impossibilidade, devido à


natureza facilmente corruptível do homem, de unir o amor e o temor, é muito mais
seguro para o homem de Estado ser temido que amado, diz Maquiavel, no Cap. XVII
de O Príncipe.
Partindo destas premissas é possível compreender o ponto de vista
essencialmente político de Maquiavel, voltado para a ação na política (realismo
político), sem o otimismo dos filósofos da utopia que acreditavam na capacidade do
homem de formar governos virtuosos e sábios a partir do exercício da vontade e da
razão. Por isso, quando Maquiavel se refere ao poder do príncipe para governar,
não se trata de modo restrito de violência ou força bruta, mas sabedoria no uso da
força, utilização “virtuosa da força”. O governante não é o mais forte, mas aquele
que conquista e sabe se manter no poder, através da virtù. O poder se funda na
força, mas é preciso virtù para se manter no poder. “A força explica o fundamento do
poder, porém é a posse da virtù a chave por excelência do sucesso do príncipe”17.
Mas a virtù não é apenas força, “[...] ela compreende um conjunto de méritos
individuais, de caráter, capaz de ultrapassar os obstáculos na conquista de um
determinado fim político”18.
A política tem uma ética e uma lógica diferente da vida privada, que não pode
se basear nos princípios de um moralismo piedoso. E por isso um príncipe sábio
deve saber guiar-se pela necessidade: “a qualidade exigida do príncipe que deseja
se manter no poder é sobretudo a sabedoria de agir conforme as circunstâncias”19. É
todo um jogo entre aparência e essência onde o príncipe, se forçado pela
necessidade, deve aparentar possuir as qualidades valorizadas pelos governados,
pois “a virtú política exige também os vícios” 20, mesmo que o governante tenha que
escondê-los e aparentar não possuí-los.
Quer como leão, para amedrontar os lobos, quer como raposa, para conhecer
os lobos, quer como homem, o príncipe deve agir conforme as circunstâncias e as
necessidades.

17 SADEK, Maria Teresa. Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna, o intelectual da virtú. In:
WEFFORT, Francisco C. (org). Os Clássicos da Política. 13. ed. São Paulo: Ática, 2001. v.1, P. 23.
18 MANIERI, Dagmar. O conceito de virtù em Maquiavel. Revista Crítica Histórica, ano VI, n. 11, p.

128-147, jul. 2015.


19 SADEK, Maria Teresa. Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna, o intelectual da virtú. In:

WEFFORT, Francisco C. (org). Os Clássicos da Política. 13. ed. São Paulo: Ática, 2001. v.1, P. 23.
20 SADEK, Maria Teresa. Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna, o intelectual da virtú. In:

WEFFORT, Francisco C. (org). Os Clássicos da Política. 13. ed. São Paulo: Ática, 2001. v.1, P. 23.
18

Em sua obra O Príncipe Maquiavel sugere que há basicamente duas formas


de governo: o Principado e a República. Mas “o ideal político de Maquiavel, porém,
não é o príncipe por ele descrito, que é muito mais uma necessidade do momento
histórico, mas sim o da república romana, baseada na liberdade e nos bons
costumes"21.
Se o Maquiavel defensor dos “principados” aparece em sua obra O Príncipe
(entre 1512 e 1513), podemos dizer que o Maquiavel republicano aparece
principalmente na obra Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio (entre 1513
e 1519). Neste caso, podemos destacar pelo menos duas fases do pensamento de
Maquiavel: justificação do absolutismo e possibilidade da forma republicana de
governo.

3.2 HOBBES
A formulação do tema da soberania encontra nas teorias do contrato social
um somatório de esforços de sistematização, organização e racionalização sem
precedentes: nasce o poder, uma relação formal de comando-obediência, que só
pode ser implementada no fundamento lógico daqueles direitos de igualdade e
liberdade que também se formam a sua finalidade. O poder da sociedade ou de todo
o corpo político, então, só será tal enquanto for legítimo, isto é, fundado na vontade
de todos os indivíduos (Duso; 18) Se, dentre os diversos autores ligados à tradição,
a escolha de Thomas Hobbes como referência traz em si algo de arbitrário, também
há nesta opção um reconhecimento do caráter particularmente preciso e rigoroso
das elaborações do filósofo inglês. O amplo reconhecimento das suas contribuições
ao pensamento político e sua relevância como marco fundador da filosofia do direito
moderna parecem suficientes para tê-lo, aqui, na condição representante ilustre de
esforço de fundamentação inequívoca (para Hobbes, científica) da soberania sob a
linguagem jurídica do contratualismo.
As articulações que sugerem abertura e fechamento das relações e dos
limites do poder político aparecem aqui instituídas em meio a um engenho que
evoca o concurso de momentos de transcendência e de imanência na composição

21
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia. São Paulo: Paulus, 1990. Vol. II.P. 31.
19

do processo constituinte, resultando numa anatomia específica do sistema de poder


que vou aqui novamente definir como aparelho de soberania.
Assim como veremos de forma mais detalhada, a complexidade do aparelho
descrito por Hobbes - como bem destaca Duso (2005), acompanhado de Ferreira
(2013) - demonstra completar-se quando levamos em contra o processo constituinte
a ele subjacente – em seu fluxo vertical-ascendente, posto que tem sua origem na
multidão (Duso, 2005). A sugestão do termo – aparelho de soberania - tem como
propósito tornar evidentes os diferentes momentos ou camadas do processo de
instituição do Leviatã que, apesar de estreitamente conectados entre si, não podem
ter uma de suas componentes ou ―momentos‖ definidos como prioritário. Em
suma, não é possível dizer que a soberania hobbesiana reside integralmente na
figura instituída do soberano.
No caso específico de Hobbes, a instituição da esfera de representação
coloca ao sujeito que vai ocupá-la tão somente exigências mínimas, o que decorre
do processo próprio que a cria, a autorização. No momento em que todos os
membros particulares da multidão declaram-se autores dos atos empreendidos pelo
ator público designado, realiza-se finalmente o artifício próprio do contrato social,
criando-se a pessoa pública artificial e livre, o Estado. Se for verdade que a
expressão da vontade por parte do representante vem de cima, também é verdade
que o seu fundamento vem de baixo, pois coincide com a vontade de todos os que
constituem a sua autoridade. Vemos aqui uma dificuldade que é típica do
pensamento contratualista moderno: como compreender a conversão das vontades
múltiplas numa vontade una?
A solução deste enigma dependerá das diferentes formas de se conceber o
conteúdo e a natureza das vontades individuais e a conversão destas muitas num
modelo de poder. A resposta de Hobbes a este problema passa pelo esvaziamento
quase total do conteúdo destas vontades individuais – ou, se quisermos, pela
subordinação de todos os seus elementos a um elemento prioritário: o horror à
morte -, tornando meramente formal a vinculação estabelecida entre os governados
e o governante.
Uma solução distinta para o problema da conversão do múltiplo ao uno nos é
apresentada, por exemplo, em Rousseau: no filósofo de Genebra, o soberano,
coextensivo ao corpo de súditos e guardando com ele uma vinculação substancial –
a vontade geral – precisa este também, de uma instância de mediação.
20

O capítulo VII do Contrato Social descreve o papel do legislador como


daquele que promove a passagem do múltiplo ao uno, da pluralidade imanente da
multidão de cidadãos à soberania unitária e indivisa que a expressa. O trajeto
contratual rousseauniano, ao exigir a presença do legislador, explicita a limitação de
se pensar as relações de poder com ausência de representação. Inversamente, é
justamente a instituição do representante hobbesiano que cria, ao mesmo tempo, o
lugar da necessária mediação entre o conteúdo abstrato do poder e sua realização
prática.

3.3 MONTESQUIEU
O Espírito das Leis22, o mais importante livro de Montesquieu publicado em
1748 quando o autor tinha cinquenta e nove anos, é produto de um pensamento
elaborado na primeira metade do século XVIII, obra de um pensador, único na sua
época, que considerava os problemas políticos em si mesmos, sem ideias pré-
concebidas sobre o espírito e a natureza.
Para o pensamento ocidental, desde os sofistas gregos até aos filósofos de
princípio do século XVIII, a diversidade das leis demonstrava a instabilidade da
justiça humana, sendo que só no direito natural, comum a todas as sociedades, se
podia encontrar a unidade original do direito. Mas para Montesquieu o problema não
se colocava, já que para ele a infinita diversidade de leis e costumes humanos não
eram produto unicamente das suas fantasias.
O método de Montesquieu consistiu em examinar as leis positivas nas suas
relações entre si, mostrando que, pela sua própria natureza, determinadas leis tanto
implicavam como excluíam outras. Havia, por isso, entre as leis positivas, relações
naturais de exclusão e de inclusão, dirigidas não pela arbitrariedade de um homem
ou de uma assembleia, mas pela necessidade das coisas.
Mas, para Montesquieu a vida política de um país não é determinada por uma
qualquer fatalidade, já que os homens são livres e enquanto seres inteligentes
violam constantemente as leis que Deus estabeleceu, modificando também as que
eles próprios criaram. Nessa base, as relações que se estabelecem entre os
diferentes tipos de leis de uma sociedade, não são nem inexoráveis nem
independentes da vontade humana; de facto Montesquieu nunca afirmou que um

22MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O Espírito das Leis. Introdução, trad. e notas de Pedro
Vieira Mota. 7ª ed. São Paulo. Saraiva: 2000.
21

fator geográfico como o clima determinasse a constituição das sociedades, mesmo


que muitos dos seus leitores o tenham concluído.
O objetivo de Montesquieu é descobrir modelos de sociedade que inspirem os
legisladores. Sociedades que são muitas vezes apresentadas como instrumentos
mecânicos - uma comparação típica do século XVIII - que foram criados e
modificados pelo engenho humano e de acordo com relações de necessidade que
foram sendo estabelecidas ao longo dos tempos. Modelos que, por terem um
desenvolvimento temporal, podem ser analisados por meio da indução histórica, e
também da dedução que ilumine o carácter natural e a conveniência dessas
relações.
Montesquieu cria a tripartição e as devidas atribuições do modelo mais aceito
atualmente, sendo o Poder Legislativo aqueles que fazem as leis para sempre ou
para determinada época, bem como, aperfeiçoam ou revogam as já existentes; o
Executivo, o que se ocupa o Príncipe ou Magistrado da paz e da guerra -, recebendo
e enviando embaixadores, estabelecendo a segurança e prevenindo invasões; e por
último, o Judiciário, que dá ao Príncipe ou Magistrado a competência de punir os
crimes ou julgar os litígios da ordem civil. Nessa tese, Montesquieu pensa em não
deixar em uma única mão as tarefas de legislar, administrar e julgar, já que a
concentração de poder tende a gerar o abuso dele.
Cabe ao Executivo a administração do Estado, observando as normas
vigentes no país, além de governar o povo, executar as leis, propor planos de ação,
e administrar os interesses públicos.
Este poder é exercido, no âmbito federal, pelo Presidente da República,
juntamente com os Ministros que por ele são indicados, os Secretários, os
Conselhos de Políticas Públicas e os órgãos da Administração Pública. É a ele que
competem os atos de chefia de Estado, quando exerce a titularidade das relações
internacionais e de governo e quando assume as relações políticas e econômicas.
Além disso, o Presidente dialoga diretamente com o Legislativo, tendo o
poder de sancionar ou rejeitar uma lei aprovada pelo Congresso Nacional.
Já na esfera estadual, o poder executivo se concentra no governador e seus
Secretários Estaduais, e na esfera municipal, no prefeito e seus Secretários
Municipais.
Poder Legislativo: Ao Legislativo cabe legislar (ou seja, criar e aprovar as leis)
e fiscalizar o Executivo, sendo ambas igualmente importantes. Em outras palavras,
22

exerce função de controle político-administrativo e o financeiro-orçamentário. Pelo


primeiro controle, cabe a análise do gerenciamento do Estado, podendo, inclusive,
questionar atos do Poder Executivo, pelo segundo controle, aprovar ou reprovar
contas públicas.
Este poder é exercido pelos Deputados Federais e Senadores, no âmbito
federal, pelos Deputados Estaduais, no âmbito estadual, e pelos Vereadores, no
âmbito municipal.
Poder Judiciário: O Judiciário tem como função interpretar as leis e julgar os
casos de acordo com as regras constitucionais e leis criadas pelo Legislativo,
aplicando a lei a um caso concreto, que lhe é apresentado como resultado de um
conflito de interesses.
O Judiciário é representado pelos ministros, desembargadores e promotores
de justiça, além dos juízes é claro.
Todo homem que detém o poder tende a abusar dele, afirma Montesquieu.
Seguindo o pensamento dessa corrente, tudo estaria perdido se o poder de fazer as
leis, o de executar as resoluções públicas e o de punir crimes ou solver pendências
entre particulares se reunissem num só homem ou associação de homens. A
separação dos poderes, portanto, é uma forma de descentralizar o poder e evitar
abusos, fazendo com que um poder controle o outro ou, ao menos, seja um
contrapeso.
O Poder Executivo em relação ao Legislativo: adoção de Medidas Provisórias,
com força de Lei, conforme determina o artigo 62 da Constituição Federal de 1988 –
“Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar
Medidas Provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao
Congresso Nacional”.
O Poder Legislativo em relação ao Executivo: compete ao legislativo
processar e julgar o Presidente e Vice-Presidente da República, assim como
promover processo de impeachment.
Poder Judiciário em relação ao Legislativo: observa-se o Art. 53. §1º, que diz
que “os deputados e senadores desde a expedição do diploma serão submetidos a
julgamento perante o Supremo Tribunal Federal”.
Esse mecanismo assegura que nenhum poder irá sobrepor-se ao outro,
trazendo uma independência harmônica nas relações de governança. Existem
23

diversas outras medidas de relacionamento desses poderes tendo sempre como


escopo o equilíbrio.

3.4 ROSSEAU
Para Rousseau o homem no seu estado selvagem era bom e sentia-se feliz à
medida que se desenvolve agricultura e a metalurgia tudo se modificou.
Com o aparecimento da propriedade privada surgem os conflitos e as
rivalidades. A propriedade dá origem às desigualdades entre os homens. Para
defender os seus direitos os proprietários vêm-se na necessidade de formar um
governo que os proteja dos pobres. Temos assim uma sociedade desigual que
conduz inevitavelmente à guerra. É necessário voltar ao estado de natureza à tal
comunidade ideal em que os homens são todos livres e iguais. Assim acreditava
Rousseau.

O Contrato Social
Para se chegar a essa sociedade ideal era necessário um contrato social. Os
direitos não se impõem pela força mas através de um acordo que os homens fazem
com a comunidade. Não é delegando poderes absolutos numa entidade soberana,
como pensava Hobbes, que isso se consegue. Rousseau explica o que é o Contrato
Social.
Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força
comum a pessoa e os bens de cada associado e em que cada um, ao unir-se a
todos, só a si mesmo obedeça e continue tão livre como antes. Se cada um se
entrega a todos, não se confia a ninguém, e como em todo o associado se adquire
o mesmo direito que cada um cedeu, ganha-se o equivalente de quanto se perdeu e
mais força par se conservar o que se possui.
Desta associação nasce um “ corpo moral e coletivo “ que Rouseau designa
como “ república ou corpo político, a que os seus membros dão o nome de Estado,
quando é passivo, de soberano quando é ativo , de potência quando o comparam
com entidades idênticas. Quanto aos seus associados, tomam coletivamente o
nome de povo, individualmente o de cidadãos, quando participantes na autoridade
soberana, e o de súbditos , como indivíduos submetidos à lei do Estado.
24

Da vontade geral nasce a soberania ou o poder soberano cujo exercício se


confunde com o poder legislativo. Só o povo quando é diretamente consultado pode
fazer leis. A soberania tem as seguinte características:
- é inalienável: não se pode delegar em ninguém nem admite representação. ( povo
inglês julga ser livre , mas está muito enganado ; só o é durante a eleição dos
membros do Parlamento; logo que são eleitos, passa a ser escravo e nada é
- é indivisível: opõe-se à separação de poderes porque “ a vontade ou é geral ou não
é ; ou é a de todo o povo, ou apenas de uma parte ….Mas os nossos políticos, não
podendo dividir a soberania no seu princípio, dividem-na no em força e vontade, em
poder legislativo e em poder executivo ; em direitos de impostos, de justiça e de
guerra, em administração interna e no poder de negociar com o estrangeiro: tão
depressa misturam todas essas partes, como as separam. Fazem do soberano um
ser fantástico, formado por diversas peças.
- é infalível: A vontade geral é sempre reta e tende para a utilidade pública.
Rousseau estabelece ainda uma diferença entre a vontade de todos e a vontade
geral : esta só atende ao interesse comum, a outra só escuta o interesse privado, e
não é mais do que a soma das vontades particulares. Enquanto o povo em
democracia direta estabelece as leis ao Governo cabe executá-las. Para Rouseau
há 3 tipos de governo:
- Monárquico- o executivo está nas mãos de uma só pessoa . o rei. Para Rousseau “
a monarquia só é conveniente nos grandes Estados “ .Mesmo assim põe algumas
reservas “ se é difícil que um grande Estado seja bem governado, muito mais será
se for regido por um único homem… nas monarquias triunfam quase sempre os
trapalhões, os patifes, os intrigantes, que com pequenos talentos trepam nas Cortes
até aos altos lugares para, logo que os alcançam, só servirem para mostrar ao
público a sua inépcia
- Democracia- Há aqui uma certa confusão do poder executivo com o poder
legislativo . Daí as reservas de Rousseau, não é conveniente que aquele que
elabora as leis as execute. Não é possível imaginar um povo que estivesse
constantemente reunido para atender aos negócios públicos ; não existe governo
mais exposto às guerras civis e às agitações internas do que o democrático ou
popular “ .E termina dizendo : “ Se existisse um povo de deuses , governar-se-ia
democraticamente. Um governo tão perfeito não convém aos homens .”
25

- Aristocracia- O governo pertence a um pequeno número de homens. É este tipo de


governo que Rousseau prefere, se os elementos do governo forem escolhidos e
selecionados através de eleição.:“ A melhor ordem e a mais natural é aquela em que
os mais sábios governem a multidão .”
Rousseau entende, tal como Hobbes, que o poder civil e o poder religioso
devem andar estreitamente unidos. Do cristianismo diz que “é uma religião muito
espiritual, preocupada unicamente com as coisas do céu ; a pátria do cristão não é
deste mundo ; o essencial é ganhar o paraíso e a resignação é mais um caminho
para lá chegar ; os verdadeiros cristãos nasceram para escravos, sabem-no e não
se inquietam ; esta vida é muito curta e nada vale aos seus olhos.
É bom não esquecer que Rousseau é calvinista e para esta religião o que
mais conta são os êxitos pessoais e o ser bem sucedido na vida. Na religião que
ele professa os dogmas são poucos e muito simples. “ A existência da Divindade
poderosa, inteligente, benfeitora, previdente ; a recompensa dos justos ; o castigo
dos maus, a santidade do contrato social e das leis ( dogmas positivos ) . Quanto
aos dogmas negativos resumo-os a um único, a intolerância : ela faz parte dos
cultos que excluímos”.

4.TEORIA GERAL DO ESTADO


4.1 POVO
Todas as pessoas presentes no território do Estado, num determinado
momento, inclusive estrangeiros e apátridas, fazem parte da população. É, por
conseguinte a população sob esse aspecto um dado essencialmente quantitativo,
que independe de qualquer laço jurídico de sujeição ao poder estatal.
Não se confunde com a noção de povo, porquanto nesta, fundamental é o
vínculo do indivíduo ao Estado através da nacionalidade ou cidadania. A população
é conceito puramente demográfico e estatístico. Seu estudo científico tem sido feito
pela demografia, uma das disciplinas auxiliares da Ciência Política e que se ocupa
tanto dos aspectos quantitativos como qualitativos do elemento populacional.
Os Estados do mundo antigo não ostentavam as dificuldades do Estado
moderno. Eram Estados que se constituíam nas raias da comunidade, dentro de
uma cidade, a polis, Estado-cidade.
Entre os pensadores políticos da Grécia, houve quem pretendesse determinar
o quantum mínimo desde o qual existiria o Estado, fixando-o arbitrariamente em
26

vinte, trinta ou quarenta mil habitantes. Mas a fixação do mínimo populacional para o
reconhecimento da ordem estatal é hoje na Ciência Política inteiramente destituído
de importância.

Conceito político de povo


O conceito de povo pode ser estabelecido do ponto de vista político, jurídico e
sociológico.
A antiguidade já o conhecera, dando-nos disso testemunho a obra de Cícero.
Com efeito, segundo o escritor romano, povo é “a reunião da multidão associada
pelo consenso do direito e pela comunhão da utilidade” e não simplesmente todo
conjunto de homens congregados de qualquer maneira.
A modernidade do conceito é, porém afirmada por alguns autores, que vão
buscar-lhe a nascente nas ideias da Revolução francesa. Fora desconhecido à
Idade Média, cuja teoria do Estado partia do território, da organização feudal, onde o
poder se assentava em relações de propriedade. A nova teoria do Estado que
começa com a implantação da sociedade liberal-burguesa, na segunda metade do
século XVIII, parte do povo.
No absolutismo o povo fora objeto, com a democracia ele se transforma em
sujeito.
Teve início esse princípio com o Estado liberal, constitucional e
representativo. A história que vai do sufrágio restrito ao sufrágio universal é a própria
história da implantação do princípio democrático e da formação política do conceito
de povo. Embora restrito, o sufrágio inaugura a participação dos governados, sua
presença oficial no poder mediante o sistema representativo, elegendo
representantes que intervirão na elaboração das leis e que exprimirão pela primeira
vez na sociedade moderna uma vontade política nova e distinta da vontade dos reis
absolutos.
Povo é então o quadro humano sufragante, que se politizou (quer dizer, que
assumiu capacidade decisória), ou seja, o corpo eleitoral. O conceito de povo traduz,
por conseguinte uma formação histórica recente, sendo estranho ao direito público
das realezas absolutas, que conheciam súditos e dinastias, mas não conheciam
povos e nações.
Esse conceito político de povo prende-se evidentemente a uma concepção
ideológica: a das burguesias ocidentais que implantaram o sistema representativo e
27

impuseram a participação dos governados, desencadeando o processo que


converteria estes de objeto em sujeito da ordem política.
Sem a compreensão desse confinamento do conceito às suas raízes
históricas, poderia parecer absurdo o conceito de povo do professor Afonso Arinos,
povo político, porquanto, tomado fora da qualificação política, não seriam povo os
menores, os analfabetos, os que por este ou aquele motivo, de ordem particular ou
de ordem geral, estivessem excluídos do direito de sufrágio, nem tampouco haveria
povo nos países totalitários, onde a livre participação dos governados na criação da
vontade estatal se achasse sufocada ou interditada. Com efeito, escreveu com brilho
e elegância o nosso Afonso Arinos: “nossa Constituição diz que todo poder emana
do povo e em seu nome será exercido”.

Conceito Jurídico
Só o direito pode explicar plenamente o conceito de povo. Se há um traço que
o caracteriza, esse traço é sobretudo jurídico e onde ele estiver presente, as
objeções não prevalecerão.
Com efeito, o povo exprime o conjunto de pessoas vinculadas de forma
institucional e estável a um determinado ordenamento jurídico, ou, segundo
Raneletti, “o conjunto de indivíduos que pertencem ao Estado, isto é, o conjunto de
cidadãos”.
Diz Ospitali que povo é “o conjunto de pessoas que pertencem ao Estado pela
relação de cidadania, ou no dizer de Virga “o conjunto de indivíduos vinculados pela
cidadania a um determinado ordenamento jurídico.
É semelhante vínculo de cidadania que prende os indivíduos ao Estado e os
constitui como povo. Aí está, no entender de Orlando e Gropalli o quid novi desse
conceito. Fazem parte do povo tanto os que se acham no território como fora deste,
no estrangeiro, mas presos a um determinado sistema de poder ou ordenamento
normativo, pelo vínculo de cidadania.
Não basta dizer conforme fazem aqueles dois autores que povo é o elemento
humano como sujeito de direitos e obrigações. A afirmativa não é incorreta, mas
demasiado lata. Um grupo social também pode abranger o elemento humano
elevado a categoria de sujeito de direitos e obrigações e não constituir um povo.
Urge, por conseguinte dar ênfase ao laço de cidadania, ao vínculo particular ou
28

específico que une o indivíduo a um certo sistema de leis, a um determinado


ordenamento estatal.
A cidadania é a prova de identidade que mostra a relação ou vínculo do
indivíduo com o Estado. É mediante essa relação que uma pessoa constitui fração
ou parte de um povo.
O status de cidadania, segundo Chiarelli, implica numa situação jurídica
subjetiva, consistente num complexo de direitos e deveres de caráter público.
O status civitatis ou estado de cidadania define basicamente a capacidade
pública do indivíduo, a soma dos direitos políticos e deveres que ele tem perante o
Estado. Orlando foi demasiado longe na latitude do conceito quando abrangeu
nesse status também os direitos e deveres de natureza privada.
Da cidadania, que é uma esfera de capacidade, derivam direitos, quais o
direito de votar e ser votado (status activae civitatis) ou deveres, como os de
fidelidade à Pátria, prestação de serviço militar e observância das leis do Estado.
Sendo a cidadania um círculo de capacidade conferido pelo Estado aos cidadãos,
este poderá traçar-lhe limites, caso em que o status civitatis apresentará no seu
exercício certa variação ou mudança de grau. De qualquer maneira é um status que
define o vínculo nacional da pessoa, os seus direitos e deveres em presença do
Estado e que normalmente acompanha cada indivíduo por toda a vida.
Três sistemas determinam a cidadania: o jus sanguinis (determinação da
cidadania pelo vínculo pessoal), o jus soli (a cidadania se determina pelo vínculo
territorial) e o sistema misto (admite ambos os vínculos).
Na terminologia do direito constitucional brasileiro ao invés da palavra
cidadania, que tem uma acepção mais restrita, emprega-se com o mesmo sentido o
vocábulo nacionalidade.
A matéria se acha regulada no artigo 12 da Constituição federal, que define
quem é brasileiro e, por conseguinte, em face das nossas leis, quem constitui o
nosso povo.

4.2 TERRITÓRIO
Conceito de território
Constituindo a base geográfica do poder, o território do Estado é definido de
maneira mais ou menos uniforme pelos tratadistas. A matéria oferece, conforme
veremos poucos pontos de controvérsia, salvo aqueles ocorridos com mais
29

frequência no domínio da fundamentação jurídica do vínculo do Território com o


Estado.
Definiu Pergolesi o território como “a parte do globo terrestre na qual se acha
efetivamente fixado o elemento populacional, com exclusão da soberania de
qualquer outro Estado”. Alguns autores se têm limitado, todavia a dizer que o
território é simplesmente o espaço dentro do qual o Estado exercita seu poder de
império (soberania).
Tem-se verificado, todavia dúvidas quando se trata de indagar se o território é
ou não elemento constitutivo do Estado. Responde Donati negativamente. Entende
que o território deve ser considerado como condição necessária, mas exterior ao
Estado. Do mesmo modo os discípulos que o seguem.
Acham que se trata de um pressuposto e que a todo indivíduo resulta
indispensável uma porção do solo onde pôr os pés. Esse solo, porém não constitui
parte do ser humano e lhe é exterior, embora imprescindível. Da mesma forma o
território em relação ao Estado.
No domínio das relações internacionais figura como um dos problemas mais
delicados e complexos a delimitação das águas territoriais, ou seja, o chamado mar
territorial, em virtude da revisão de limites que numerosos Estados têm feito
recentemente, ampliando sua faixa sobre a qual recai o poder de império do Estado.
Até mesmo uma doutrina já se estaria formando na América Latina com que justificar
a ampliação do mar territorial por alguns países, aos quais o Brasil aderiu também
em 1970, quando aumentou para 200 milhas o limite de suas águas territoriais.
Compreende-se por mar territorial aquela faixa variável de águas que banham
as costas de um Estado e sobre as quais exerce ele direitos de soberania. Zona
adjacente ou contígua ao território continental do Estado alcança uma certa distância
da costa, sujeita, porém a variações impostas pelos critérios nem sempre uniformes
de estabelecimento de seus limites, por parte dos diversos Estados.
A extensão ou largura do mar territorial, segundo Mônaco e Consacchi, se
calcula a partir da linha de baixa maré, acompanhando sempre a sinuosidade da
costa.
Desde alguns séculos, as águas territoriais despertaram a atenção dos
juristas, que buscaram fixá-las. Não chegaram, contudo os Estados à adoção de um
critério único. Das doutrinas antigas a primeira foi a do “limite visual” sem dúvida a
30

mais rudimentar e precária, porquanto estabelecia a largura das águas territoriais em


função do alcance da vista.
Todos os Estados têm atentado para os copiosos recursos que as regiões
marítimas contíguas oferecem nos três reinos da natureza. A soberania sobre uma
faixa amplíssima de mar adjacente proporcionaria proteção segura e eficaz aos
interesses econômicos que o Estado precisa resguardar.
O Brasil consagra presentemente o limite de 200 milhas de mar territorial.
Tomou essa posição através de ato presidencial de 25 de março de 1970, alterando
o limite de 12 milhas, cuja vigência fora inferior a um ano, porquanto fixado a 20 de
abril de 1969. Antes, a 18 de novembro de 1966, verificava-se nossa primeira
mudança de limite de águas territoriais, quando passamos das 3 milhas clássicas
para 6 milhas.
Com a nova posição, o Brasil aderiu à política de soberania marítima que já
vinha sendo perfilhada por outras nações do continente. Justificando a distinta
orientação, assinalou o Governo brasileiro que “além do problema de ordem
econômica, representado pela necessidade de defesa do potencial biológico
brasileiro, foi dada especial ênfase ao aspecto político da questão”.
O decreto que dispôs acerca do novo limite de 200 milhas ressalvou o direito
de passagem inocente para os navios de todas as nacionalidades. E foi adiante,
definindo a passagem inocente: “O simples trânsito pelo mar territorial, sem o
exercício de quaisquer atividades estranhas à navegação e sem outras paradas que
não as incidentes à mesma navegação”.
.
4.3 ESTADO DE DIREITO
A ideia de Estado de Direito, que tem origem na Idade Média, como forma de
contenção do poder absoluto, ressurgiu nas últimas décadas como um ideal
extremamente poderoso para todos aqueles que lutam contra o autoritarismo e o
totalitarismo, transformando-se num dos principais pilares do regime democrático.
Para os defensores de direitos humanos, o Estado de Direito é visto como
uma ferramenta indispensável para evitar a discriminação e o uso arbitrário da força.
Ao mesmo tempo, a ideia de Estado de Direito, ao ser renovada por libertários como
Hayek em meados do século XX, passou a receber forte apoio das agências
financeiras internacionais e instituições de auxílio ao desenvolvimento jurídico, como
31

um pré-requisito essencial para o estabelecimento de economias de mercado


eficientes.
Do outro lado do espectro político, até mesmo os marxistas, que viam
antigamente o Estado de Direito como um mero instrumento superestrutural, voltado
à manutenção do poder das elites, começaram a vê-lo como um “bem humano
incondicional”. Seria difícil encontrar qualquer outro ideal político louvado por
públicos tão diversos. Porém, a questão é: estamos todos defendendo a mesma
ideia? Obviamente não. Cada concepção de Estado de Direito, bem como as
características que lhes são atribuídas refletem distintas concepções políticas ou
econômicas que se busca avançar.
O conceito clássico de Estado de Direito foi submetido a uma severa
reavaliação nas primeiras décadas do último século. Pensadores como Max Weber
em Economia y Sociedad¸ alertaram-nos acerca do processo de desformalização do
Direito como consequência das transformações na esfera pública.
Os anos que se seguiram após os trabalhos de Weber foram marcados por
uma tensa luta política e intelectual sobre a capacidade do Rechtsstaat de se
adequar aos novos desafios apresentados pela Constituição socialdemocrata de
Weimar. Essa luta pode ser vista no debate entre conservadores como Carl Schmitt
e socialdemocratas representados por Franz Neumann. Hayek responde a essas
perspectivas céticas sobre o Estado de Direito em seu influente O Caminho da
Servidão, de 1944.
Para Hayek, a intervenção estatal na economia e o crescente poder
discricionário dos burocratas de estabelecer e buscar a realização de objetivos
sociais ameaça a eficiência econômica; como consequência das transformações nas
funções do Estado, houve um processo de declínio da condição do Direito como
instrumento substantivo na proteção da liberdade.
A noção de que o Estado não tem apenas a obrigação de tratar os cidadãos
de maneira igual perante a lei, mas também o dever de assegurar a justiça
substantiva foi acompanhada pelo argumento, proposto por novos teóricos do
direito, de que o conceito tradicional de Estado de Direito se tornou incompatível
com o mundo moderno. Diferentes teorias jurídicas, como o positivismo, o realismo
jurídico ou a jurisprudência de interesses construíram uma versão formal do Direito,
liberando o Estado das inerentes limitações impostas por uma concepção
substantiva.
32

Para superar tal situação de “opressão”, na qual o Estado pode exercer


coerção sobre seus cidadãos através de atos normativos sem a necessidade de
justificar suas ações em uma lei abstrata e geral, seria necessário retornar às
origens do Estado de Direito. Para isso, Hayek revisitou a história e formulou uma
lista de elementos normativos essenciais do Estado de Direito, visto como
instrumento par excellence para assegurar a liberdade.
De acordo com essa versão, ele não pode ser comparado ao princípio da
legalidade desenvolvido pelo direito administrativo, porque o Estado de Direito
representa uma concepção material referente ao que o Direito deveria ser. Essa
concepção material o configura como uma doutrina meta legal e um ideal político,
que serve à causa da liberdade, e não como uma mera concepção de que a ação
governamental deva estar de acordo com as normas. O Estado de Direito deveria
ser formado, para Hayek, pelos seguintes elementos:
• a lei deveria ser geral, abstrata e prospectiva, para que o legislador não
pudesse arbitrariamente escolher uma pessoa para ser alvo de sua coerção ou
privilégio;
• a lei deveria ser conhecida e certa, para que os cidadãos pudessem fazer
planos – Hayek defende que esse é um dos principais fatores que contribuíram para
a prosperidade no Ocidente;
• a lei deveria ser aplicada de forma equânime a todos os cidadãos e agentes
públicos, a fim de que os incentivos para editar leis injustas diminuíssem;
• deveria haver uma separação entre aqueles que fazem as leis e aqueles com
a competência para aplicá-las, sejam juízes ou administradores, para que as normas
não fossem feitas com casos particulares em mente;
• deveria haver a possibilidade de revisão judicial das decisões discricionárias
da administração para corrigir eventual má aplicação do Direito;
• a legislação e a política deveriam ser também separadas e a coerção estatal
legitimada apenas pela legislação, para prevenir que ela fosse destinada a satisfazer
propósitos individuais; e deveria haver uma carta de direitos não taxativa para
proteger a esfera privada.
Dessa maneira, a concepção de Estado de Direito defendida por Hayek
engloba uma visão substantiva do Direito, uma noção estrita da separação de
poderes e a existência de direitos liberais que protejam a esfera privada, moldada
assim para servir como um instrumento de proteção da propriedade privada e da
33

economia de mercado. O maior problema dessa concepção é que, através dela, o


Estado de Direito se torna refém de um ideal político particular.
Em reação a esse e a outros tipos de formulações substantivas do Estado de
Direito, como aquela mais direcionada ao aspecto social que resultou do Congresso
de Delhi, organizado pela Comissão Internacional de Juristas em 1959, Joseph Raz
propõe uma concepção mais formalista, que evitaria a confusão entre diversos
objetivos sociais e ideológicos e as virtudes intrínsecas do Estado de Direito. Para
ele, “se o Estado de Direito for um Estado governado por boas leis, então explicar a
sua natureza é difundir uma filosofia social completa. Porém, dessa maneira, o
termo perde qualquer utilidade”.
Para concretizar o objetivo de um sistema jurídico que possa guiar a ação
individual, Raz cria sua própria lista com os princípios do Estado de Direito, de
acordo com os quais as leis devem ser prospectivas, acessíveis, claras e
relativamente estáveis; a edição de normas específicas deve ser guiada por outras
que sejam, por sua vez, acessíveis, claras e gerais.
Porém, essas regras somente farão sentido se houver instituições
responsáveis pela sua aplicação consistente, a fim de que o Direito possa se tornar
um parâmetro efetivo para guiar a ação individual.
O Estado de Direito também requer que as cortes devam ter competência
para rever atos de outras esferas do governo, a fim de assegurar a conformidade
desses com o Estado de Direito. As cortes devem ser facilmente acessíveis para que
não se frustre o Estado de Direito. Por último, os poderes discricionários das
instâncias responsáveis pela prevenção criminal devem ser reduzidos no intuito de
não se deturpar as leis. Nem o promotor nem a polícia devem ter a
discricionariedade para alocar seus recursos destinados ao combate ao crime com
base em outros fundamentos que não aqueles estabelecidos legalmente.
Dentro dessa perspectiva, o Estado de Direito é um conceito formal de acordo
com o qual os sistemas jurídicos podem ser mensurados, não a partir de um ponto
de vista substantivo, como a justiça ou a liberdade, mas por sua funcionalidade. A
principal função do sistema jurídico é servir de guia seguro para a ação humana.
Essa é a primeira razão pela qual as concepções formalistas do Estado de Direito,
semelhantes à formulada por Raz, recebem amplo apoio de diferentes perspectivas
políticas.
34

É extremamente importante para os governos em geral contarem com um


eficiente instrumento para guiar o comportamento humano. Contudo, servir de
ferramenta para distintas perspectivas políticas não significa que mesmo a
concepção formalista de Estado de Direito seja compatível com todos os tipos de
regimes políticos.
Por favorecer a previsibilidade, a transparência, a generalidade, a
imparcialidade e por dar integridade à implementação do Direito, a ideia do Estado
de Direito se torna a antítese do poder arbitrário. Dessa maneira, as perspectivas
políticas distintas que apoiam o Estado de Direito têm em comum uma aversão ao
uso arbitrário do poder; essa é uma outra explicação sobre por que o Estado de
Direito é defendido por democratas, liberais igualitários, neoliberais e ativistas de
direitos humanos.
Apesar de suas diferenças, eles são todos a favor de conter a arbitrariedade.
Em uma sociedade aberta e pluralista, que ofereça espaço para ideais concorrentes
acerca do bem público, a noção de Estado de Direito se torna uma proteção comum
contra o poder arbitrário.
Existe, no entanto, uma explicação menos nobre para o apoio amplo ao Estado de
Direito que deve ser mencionada.
Tendo em vista que o Estado de Direito é um conceito multifacetado, se
usarmos cada um de seus elementos constitutivos separadamente, eles serão
extremamente valiosos na promoção de valores ou interesses diferentes e muitas
vezes concorrentes, como eficiência de mercado, igualdade, dignidade humana e
liberdade. Para aqueles que defendem reformas de mercado, a ideia de um sistema
jurídico que proporcione previsibilidade e estabilidade é de extrema importância.
Para os democratas, a generalidade, a imparcialidade e a transparência são
essenciais e, para os defensores de direitos humanos, a igualdade de tratamento e a
integridade das instâncias de aplicação da lei são indispensáveis.
Portanto, a leitura parcial desse conceito multifacetado, feita por concepções
políticas distintas, também ajuda a entender a atração de público tão amplo pelo
Estado de Direito. Assim, quando nós encontramos alguém defendendo o Estado
de Direito, precisamos ser cautelosos e verificar se ele não está apenas exaltando
uma das virtudes do Estado de Direito. Apenas a virtude que justamente sustenta os
objetivos sociais que ele quer promover.
35

4.4 PARTIDOS POLITICOS


Desde os períodos mais primitivos os homens tendiam a unir-se em grupos,
na busca de uma força necessária que os levasse à conquista do poder, para com
isso, defender os interesses que lhes são comuns. Na Grécia e na Roma antigas, já
se vislumbravam grupos de seguidores de uma ideia, de uma doutrina, ou mesmo
de uma pessoa específica.
No início se constituíram as chamadas “facções”, que reuniam os portadores
de ideias afins, interesses coincidentes ou indivíduos que se originavam de uma
mesma região. Inicialmente estas facções não se propunham a disputar o poder, e
eram vistas como um fenômeno negativo de divisão social. Com o passar do tempo,
a palavra “facção” foi sendo gradativamente substituída por “partido”23
Nos primórdios dos processos eleitorais, apenas uma pequena parcela de
cidadãos - as elites - tinha o direito de eleger representantes políticos. As eleições,
de modo geral, limitavam-se à escolha de representantes para os Parlamentos ou
para as Câmaras legislativas.
Nesse momento da história, os candidatos não se vinculavam a nenhuma
organização política formal e nem mesmo legalmente constituída. Na Inglaterra do
século XVI, por exemplo, existiam apenas comitês eleitorais, mas não partidos.
Os partidos políticos, tais como os concebemos atualmente, foram criados na
primeira metade do século XIX, considerando-se como o marco de seu nascimento a
reforma eleitoral promovida na Inglaterra em 1832 ("Reform Act"). Sendo assim, para
muitos estudiosos do tema, é impossível falar-se em partidos políticos antes desta
data, quando se criou pela primeira vez uma instituição de direito privado, com o
objetivo de congregar os partidários de uma ideia política comum24.
Portanto, no período histórico anterior ao século XIX, qualquer referência a
alguma associação política de tipo partidária era vista com desconfiança e, até
mesmo reprovação por parte dos teóricos e filósofos políticos como Rousseau e por
alguns governantes, como George Washington, que questionavam a capacidade
dessas associações políticas representarem os interesses gerais do povo.
Acreditava-se que os partidos políticos desvirtuariam a ideia de democracia
representativa, pois tratariam apenas de atender aos interesses dos particulares de

23 DIAS, Reinaldo. Ciência Política. São Paulo: Atlas, 2010.


24 SCHWARTZENBERG, Roger-Gérard. Sociologia Política. São Paulo: Difel, 1979, P.489.
36

determinados grupos sociais, o que, de fato, ocorria. Pode-se afirmar que os


partidos surgiram em função do aumento da participação popular na política,
fenômeno que ocorre somente com as Revoluções Francesa (1789) e Norte-
americana (1776), quando o absolutismo entra em decadência e há um incremento
das relações sociais.
A nova classe emergente daquele período, a burguesia, necessitava de novas
formas de organização política que lhe permitissem atuar politicamente junto ao
Parlamento, onde existiam regras claras de negociação, sem que se colocasse em
risco a estrutura de dominação que a privilegiava. Logo, o Parlamento se tornou o
órgão de expressão da burguesia, e se constituiu num instrumento desta para o
controle do governo.
Nessa primeira fase, os partidos políticos funcionavam de modo muito
primitivo, pois eram liderados pela burguesia emergente e por influentes aristocratas
locais que apresentavam os candidatos aos cargos eletivos e financiavam as
campanhas.
Na literatura política, esse tipo de partido é chamado também de “partido dos
notáveis”, devido à sua composição social, ou ainda, de “partido parlamentar”, em
razão do seu funcionamento vinculado aos parlamentares.
No transcurso do século XIX ocorreu uma acentuada e contínua diversificação
das atividades governamentais, acompanhada da democratização gradual do poder
político. A partir de então, num curto período de tempo, os partidos políticos
passaram a ser aceitos e considerados como organizações políticas essenciais para
a democracia representativa. Entre os pensadores e filósofos políticos que
contribuíram para legitimar a existência dos partidos políticos, podemos citar David
Hume e Edmunde Burke.
É relevante frisar que o surgimento e a posterior evolução dos partidos
políticos estão relacionados ao desenvolvimento do sistema político democrático e à
conquista dos direitos políticos, ou seja, o direito de eleger e de ser eleito, enquanto
cidadão.
Os partidos políticos constituíram um dos pilares para a organização e
estabelecimento da democracia representativa, por meio dos quais os cidadãos
passaram a expressar suas demandas e sentimentos de forma mais factível.
Os partidos políticos surgiram como atores, junto do Estado liberal
democrático, e se tornaram necessários por duas razões: primeira, devido à
37

universalização dos direitos democráticos e à adoção do sufrágio, e, segunda, por


se tratarem de sociedades organizacionais que serviam para que os indivíduos
pudessem alcançar seus objetivos.
Como ensina Kelsen25 acerca da origem dos partidos, em uma democracia o
indivíduo isolado tem pouca influência sobre a criação dos órgãos legislativos e
executivos. Para obter essa influência, ele tem que associar-se a outros que
compartilhem das suas opiniões políticas. Daí, surgem os partidos políticos, um
veículo essencial para materializar essa necessidade.
Apesar da estreita ligação entre os partidos políticos e o fenômeno da
democratização, é preciso lembrar que ao longo do século XX os partidos
integraram uma estrutura autocrática de governo que ficou conhecida como
“totalitarismo” e se cristalizou por meio dos partidos Nazista alemão, Fascista italiano
e Comunista.
A filosofia desses partidos foi adotada em vários Estados como Coréia do
Norte, China, União Soviética etc., afastando-se da função precípua que deveriam
exercer nos Estados democráticos, assumindo muito mais um papel de controle
social sobre a sociedade civil do que de porta-voz dos seus legítimos anseios.
De qualquer forma, é inegável que os partidos políticos passaram a constituir
ao longo da história do homem um componente fundamental dos sistemas de
governo, tanto nas democracias como em muitos regimes autoritários e totalitários.

5. CONCLUSÃO
A ideia da moralidade, contudo, poderia ser mais formal, como a articulada
por autores contratualistas como Rousseau. Nesse caso, a justificativa moral para o
respeito à lei não deriva do fato de que um dado sistema jurídico esteja em harmonia
com um conjunto pré-estabelecido de valores embutidos nos direitos.
O respeito à lei é devido ao fato de que os próprios cidadãos, sob um
procedimento especial justo, produzem leis reguladoras das relações sociais e da
esfera pública. A justiça do procedimento garantiria que a maximização do auto
interesse fosse neutralizada, assim o povo poderia deliberar em termos de bem
público, o que criaria uma obrigação moral sobre todos os cidadãos de aceitar esses
resultados.

25 KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. 2. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
38

Se nós seguirmos aqui a teoria de Rousseau acerca do Estado de Direito, não


apenas os procedimentos deveriam ser justos, mas também o resultado deveria ser
veiculado através de meios específicos que assegurassem a imparcialidade. Ou
seja, por meio de leis gerais.
Neste sentido é importante enfatizar que a justiça procedimental não está
limitada a processos para edição de leis gerais, o que seria aceito por todos os
participantes no processo político, mas também trata da maneira pela qual essas leis
são implementadas pelo Estado.
39

REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.
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SCHWARTZENBERG, Roger-Gérard. Sociologia Política. São Paulo: Difel, 1979.
40

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