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ISSN 0102-5716 Vet e Zootec.

2012; 19(1 Supl 1):


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OBSTRUÇÃO BILIAR, COLELITÍASE E COLANGITE CRÔNICA EM CÃO (Canis


familiaris) - RELATO DE CASO

BILIARY OBSTRUCTION, CHOLEDOCHOLITHIASIS AND CHRONIC


CHOLANGITIS IN DOG (Canis familiaris) - CASE REPORT

OBSTRUCCIÓN BILIAR, CÁLCULOS EN LA VESÍCULA BILIAR Y


COLANGITIS CRÓNICA EN PERRO (Canis familiaris) - INFORME DE CASO

Márcia Carolina Salomão1


Iana Nogueira Oliveira2
Isabel Machado Guigon de Araujo3
Amary Nascimento Junior1

INTRODUÇÃO

A obstrução biliar extra-hepática ocorre quando há alteração no fluxo normal da bile,


devido a diversas causas. A mais comum é a estenose ductal secundária a uma pancreatite
crônica. Embora a colelitíase ocorra raramente em cães, não se pode descartar o envolvimento
de cálculos biliares quando há suspeita de icterícia obstrutiva (1). Cães idosos, fêmeas, de
raças pequenas como Schnauzer e o Poodle são mais predispostos (3). Em geral, são achados
de exame e dificilmente implicam em sinais clínicos identificáveis (2), porque freqüentemente
estes são discretos, temporários e recidivantes. A icterícia é mais notada quando material
lodoso ou cálculos provocam a obstrução do ducto biliar (4). Também podem ser notados
vômito, depressão, perda de peso, febre, desidratação, fezes acólicas e dores abdominais
associadas à colecistite ou obstrução do ducto biliar (4,6,5). A ultrassonografia pode auxiliar
na detecção de obstrução de vias biliares e suas causas. As colelitíases têm tamanho variado,
desde pequenos grãos semelhantes à areia até grandes estruturas calculosas que ocupam todo
o lume vesical, freqüentemente com sombra acústica posterior anecóica ou hipoecóica (6).
Podem ser obtidas imagens da distensão da vesícula biliar e das vias biliares, porém seus
achados dependem do tempo de evolução e do grau de obstrução (2,4). O objetivo do presente
trabalho foi relatar o caso de um cão ictérico devido à obstrução biliar decorrente da presença
de colelitíase e colangite crônica.

Palavras-chave: colelitíase, icterícia, ultrassonografia, cão

1
. Profs. Depto Patologia e Clínica Veterinária – Fac de Veterinária – Universidade Federal Fluminense – UFF
2
. Mestranda do Curso de Pós-graduação em Clínica e Reprodução Animal – UFF
3
. Residente de Clínica Cirúrgica- Hosp. Universitário de Medic.Vet. Firmino Mársico Filho - UFF

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I Simpósio Internacional de Ultrassonografia em Pequenos Animais, 01 a 03 de julho de 2011, Botucatu, SP, Brasil.
ISSN 0102-5716 Vet e Zootec. 2012; 19(1 Supl 1):
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RELATO DO CASO

Foi realizado no Hospital Universitário de Medicina Veterinária Professor Firmino


Mársico Filho (HUVET-UFF) o atendimento de um cão, do sexo masculino, Poodle, 14 anos
de idade, pesando 1,55kg que apresentava vômito e hiporexia e ao exame físico, mucosas
ictéricas. O animal foi encaminhado ao setor de ultrassonografia para avaliação da cavidade
abdominal, na qual foi observada a vesícula biliar moderadamente distendida e quase que
inteiramente ocupada por formação hiperecogênica com sombra acústica distal bem definida,
de contornos irregulares, compatível com a presença de aglomerado de litíases biliares. Ao se
examinar as vias biliares pôde-se notar imagem ecogênica linear sugestiva da presença de
microlitíases ou de fibrose das vias biliares, sem sinais de dilatação no momento do exame. O
fígado apresentou aspecto sonográfico habitual. A conclusão do exame ultrassonográfico foi
que o animal apresentava uma obstrução biliar incompleta ou em estágio inicial, decorrente de
colangite crônica e cálculos em vesícula biliar. Após a realização de exames laboratoriais e
estabilização clínica, o cão foi encaminhado para a cirurgia e submetido a colecistectomia.
Foram notadas várias litíases biliares. O pós-operatório transcorreu sem alterações, porém
após 30 dias o animal apresentou piora súbita do seu estado clínico e veio a óbito. O
proprietário não autorizou o exame necroscópico.

DISCUSSÃO

As colelitíases raramente estão envolvidas na obstrução biliar extra-hepática em cães


(1,4). Os cálculos são raros nessa espécie e habitualmente não estão associados a sinais
clínicos. A literatura cita desconforto abdominal, vômitos e diarréia discretos e temporários
(4). Esses animais só são examinados quando surge a icterícia (3) e mesmo assim a colelitíase
não é a suspeita inicial. Pensa-se em pancreatite, neoplasia e processos inflamatórios como as
colangiohepatites (1). Nesse sentido, o exame ultrassonográfico pode auxiliar na distinção
entre os tipos de icterícia: pré-hepática, hepática ou pós-hepática. No caso apresentado, o
fígado apresentava aspecto sonográfico habitual, sem sinais de neoplasias ou inflamação, mas
a vesícula biliar continha formação hiperecogênica com sombra acústica bem definida,
compatível com a presença de aglomerado de litíases biliares. No entanto, cabe ressaltar que a
simples presença de colelitíases não resulta necessariamente em obstrução biliar. A vesícula
biliar por sua vez, pode estar ou não dilatada na presença de obstrução (2) e no presente caso,
ela se encontrava com uma distensão moderada. Isso faz pensar que o exame
ultrassonográfico realizado num único momento pode não ser capaz de caracterizar a
obstrução biliar. O que chamou a atenção no cão examinado foi a hiperecogenicidade das vias
biliares, denotando a presença de microlitíases ou de fibrose ductal relacionada à colangite
crônica. Infelizmente, o proprietário não autorizou o exame necroscópico para confirmação
dessa hipótese. Face às alterações clínicas, laboratoriais e de imagem o animal foi
encaminhado para a cirurgia. A colecistectomia é a técnica cirúrgica de escolha no caso de
colelitíase quando comparada a colecistotomia. Na colecistectomia há total remoção dos
cálculos e do reservatório para evitar o acúmulo futuro de cálculos (6,3). O animal apresentou
melhora clínica no período pós-operatório, porém passados 30 dias retornou ao HUVET-UFF
em estado crítico e veio a óbito. Como não foi feito o exame necroscópico não ficou claro se
houve uma evolução do processo patológico hepático ou alguma complicação do
procedimento cirúrgico, uma vez que a mortalidade em cães submetidos a cirurgias do trato
biliar extra-hepático varia de 28% a 63% (3).

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I Simpósio Internacional de Ultrassonografia em Pequenos Animais, 01 a 03 de julho de 2011, Botucatu, SP, Brasil.
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CONCLUSÃO

Colelitíases são raras em cães e mais raras ainda parecem ser as complicações
decorrentes da sua presença. São habitualmente achados de exame, aparentemente sem
relevância clínica. No entanto, no caso relatado, observou-se que as colelitíases estavam
associadas a alterações inflamatórias crônicas do ducto biliar e esse conjunto pode ter
resultado no processo obstrutivo biliar. Cabe ressaltar que não foi feito o exame necroscópico
porque o proprietário não autorizou o procedimento. Este teria sido fundamental no
diagnóstico definitivo das lesões. De todo modo, talvez fosse difícil para o exame
necroscópico estabelecer se as colelitíases foram causa ou conseqüência do processo
obstrutivo, uma vez que as lesões crônicas ductais já estavam instaladas no momento do
diagnóstico. O exame ultrassonográfico por sua vez foi fundamental para o diagnóstico in
vivo, uma vez que a observação de hiperecogenicidade ductal foi associada a colangite
crônica, o que em conjunto com os outros exames, contribuiu para a decisão pela conduta
cirúrgica. A colecistectomia foi realizada sem maiores intercorrências, porém é um
procedimento delicado, uma vez que a mortalidade chega a 63%. No cão estudado, não foi
possível determinar se o óbito foi decorrente de complicações pós-operatórias ou da evolução
do processo inflamatório. Concluiu-se que o acompanhamento clínico e ultrassonográfico de
animais portadores de colelitíases deve ser feito a intervalos periódicos, visto que os sinais
clínicos são discretos e muitas vezes não correspondem à gravidade das lesões internas.

REFERÊNCIAS

1. Center SA. Diseases of the Gallbladder and Biliary Tree. Vet Clin North Am Small Anim
Pract. May 2009;39(3):543-98.

2. Mamprim MJ. Fígado e vesícula biliar. In: Ultra-sonografia em Pequenos Animais.


Carvalho CF. São Paulo: Roca; 2004:51-73.

3. Mehler SJ, Bennett RA. Canine Extrahepatic Biliary Tract Disease and Surgery. Comp.
2006:302-315.

4. Slatter D. Fígado e Sistema Biliar. In: Slatter D. Manual de cirurgia de pequenos animais.
2. ed. São Paulo: Manole, 1998:783–798.

5. Tams TR. Doenças do Fígado e do Sistema Hepatobiliar. In: Gastroenterologia de


Pequenos Animais. 2ª ed. São Paulo: Roca; 2005:337–338.

6. Willard MD, Fossum TW. Diseases of the Gallbladder and Extrahepatic Biliary System. In:
Ettinger SJ, Feldman EC. Textbook of Veterinary Internal Medicine, 6ª ed., St. Louis:
Elsevier, 2005:1478–1482.

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I Simpósio Internacional de Ultrassonografia em Pequenos Animais, 01 a 03 de julho de 2011, Botucatu, SP, Brasil.

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