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Parte I

Transmissão de Sinais
Eletromagnéticos

9
Capítulo 2

Linhas de Transmissão

O conceito de linha de transmissão é fundamental para análise de cir-


cuitos em telecomunicações. Nesta secção, serão recordados alguns conceitos
fundamentais de eletromagnetismo, nomeadamente os que dizem respeito à
produção de ondas eletromagnéticas. Será introduzido o efeito das linhas de
transmissão e serão os parâmetros normalmente utilizados para as caracteri-
zar. Finalmente os diagramas, ou cartas, de Smith serão apresentados como
uma ferramenta de análise e síntese em circuitos de RF.

2.1 Introdução
Uma linha de transmissão permite guiar uma onda eletromagnética de um
transmissor para um recetor. Na prática, consiste num par de condutores
que conduzem um sinal elétrico de um ponto para outro. No entanto, e
dependendo da distância entre esses pontos relativamente ao comprimento
de onda do sinal elétrico, o efeito desse par de condutores é crítico e tem um
papel ativo na deformação do sinal a transmitir.
As formas mais comuns para as linhas de transmissão encontram-se apre-
sentadas na Figura 2.1. À esquerda tem-se o cabo coaxial que é constituído
por dois condutores concêntricos separados por um dielétrico que frequen-
temente é feito de Teflon. O condutor interior é maciço e feito de cobre
e o condutor exterior é feito de uma malha de condutores entrançados. O
sinal a ser transmitido segue no condutor central e a malha externa reduz
a influência de interferência eletromagnética. Um dos grande benefícios do

11
12 CAPÍTULO 2. LINHAS DE TRANSMISSÃO

cabo coaxial assenta no facto do campo eletromagnético do sinal transmitido


existir apenas no espaço limitado pelos dois condutores o que significa que o
cabo coaxial pode ser instalado na vizinhança de metais ou outros condutores
sem perdas de sinal

Figura 2.1: Tipos mais comuns de condutores usados em linhas de transmis-


são: coaxial, par entrançado e microstrip.

O par entrançado é a estratégia utilizada para a transmissão de dados em


cabos UDP1 e FTP2 frequentemente empregue em redes de computadores.
Os cabos UTP ou FTP tem como vantagens relativamente ao coaxial o preço
e a velocidade de transmissão.
Finalmente, a linha de transmissão do tipo microstrip é a forma comum
quando a transmissão e receção de sinais é feita numa placa de circuito im-
presso.
O comportamento dinâmico de uma linha de transmissão pode ser obtido
através da sua modelação na forma de um circuito constituído por resistên-
cias, condensadores e indutores. Por este motivo, a próxima secção servirá
para rever alguns conceitos fundamentais a respeito desses elementos encon-
trados em circuitos elétricos.

2.2 Resistências, Condensadores e Indutores


De forma mais ou menos evidente todos os circuitos eléctricos e electróni-
cos possuem elementos armazenadores de energia ao longo das suas malhas.
Essa energia pode encontrar-se armazenada no campo eléctrico ou no campo
magnético. Estas duas formas de armazenamento de energia podem ser ex-
ploradas por dois dispositivos existentes em circuitos eletrónicos de teleco-
municações: o condensador e o indutor. Ainda que, tal como a resistência
1
Unshielded Twisted Pair.
2
Foil Twisted Pair.
2.2. RESISTÊNCIAS, CONDENSADORES E INDUTORES 13

eléctrica sejam elementos lineares, a dependência entre a corrente e a tensão


aos seus terminais revela-se apenas recorrendo a equações diferenciais.
Os condensadores e os indutores possuem duas propriedades muitos di-
ferentes da resistência eléctrica. A primeira diz respeito à forma como a
energia é manipulada. Na resistência a energia é dissipada sob a forma de
calor. Nos condensadores e indutores a energia é armazenada. Para além
disso, o comportamento da resistência é sempre o mesmo independentemente
do perfil da corrente eléctrica que a atravessa. Já nos condensadores e indu-
tores esse comportamento depende da frequência do sinal que os atravessa.
Assim, o equivalente à resistência num indutor ou condensador, é designado
por reactância. Tal como a resistência, a reactância é expressa em Ohm (Ω)
no entanto, como se referiu, o seu valor não é constante mas depende da
frequência do sinal de excitação.

2.2.1 O Condensador
Conceptualmente, um condensador resulta da existência de dois condutores
separados por um material isolador designado por dielétrico. Ainda que um
condesador possa ter as mais diversas geometrias, para o caso particular de
um condensador de placas paralelas o seu aspecto encontra-se ilustrado na
Figura 2.2.

Figura 2.2: Aspecto geométrico de um condensador de placas paralelas.

Admitindo que no instante inicial o condensador se encontra electrica-


mente descarregado, a diferença de potencial elétrica entre as suas duas pla-
cas (designadas por “armaduras”) é zero volts. Aplicando uma tensão aos
seus terminais o valor do potencial eléctrico vai sofrer alteração. Dividindo
a carga elétrica q, expressa em coulombs (C) pela diferença de potencial U ,
medida em volts (V), obtém-se uma constante designada por capacidade
do condensador. Ou seja,
q
C= (2.1)
U
14 CAPÍTULO 2. LINHAS DE TRANSMISSÃO

De acordo com a expressão anterior, verifica-se que a capacidade de um


condensador é medida em coulomb por volt ou, no sistema internacional de
unidades, em farads (F ).
A capacidade de um condensador depende apenas da sua geometria e
do tipo de material que constitui o isolador entre as placas (designado por
dieléctrico). Para o caso de um condensador de placas paralelas, o valor da
capacidade é determinada pela seguinte expressão:
A
C= (2.2)
d
onde  se refere à constante dieléctrica, A a área efectiva entre as placas e d
a distância entre elas.
Se o circuito for abruptamente interrompido, e devido à atração eletros-
tática entre as cargas elétricas presentes nas armaduras do condensador, a
distribuição de cargas eléctricas irá manter-se. O que significa que o conden-
sador exibe agora uma tensão aos seus terminais mesmo sem ter a fonte de
tensão ligada. Assim, um condensador é capaz de armazenar energia eléc-
trica no seu campo eléctrico e a energia armazenada é tanto maior quanto
maior for a sua capacidade.
Na representação de circuitos eléctricos, o condensador é simbolicamente
ilustrado como . Existem vários tipos de condensadores construídos em
torno dos mais diversos materiais podendo ser divididos dois tipos: polariza-
dos e não-polarizados. No primeiro caso a ligação do condensador ao circuito
deve respeitar a polaridade dos seus terminais em relação aos potenciais eléc-
tricos onde vão ser ligados. Condensadores de elevada capacidade, como é o
caso dos condensadores eletrolíticos, são polarizados.

Comportamento eléctrico de um condensador


Em corrente contínua, e em regime estacionário, um condensador comporta-
se como um circuito aberto. Ou seja, exibe o comportamento de uma resis-
tência de valor infinito. Por outro lado, em regime sinusoidal, o condensador
comporta-se como uma resistência cujo valor é inversamente proporcional à
frequência de oscilação ω do sinal sendo dada por:
1
XC = (2.3)
ω∙C
Como não se trata de um valor constante mas que depende, para um
dado condensador com capacidade C, da frequência ω, esta grandeza não se
designa por resistência mas sim por reatância.
Este modelo está alinhado com o comportamento DC do condensador
dado que, para ω = 0 rad/s, a reatância XC é igual a ∞ Ω. Ou seja o
2.2. RESISTÊNCIAS, CONDENSADORES E INDUTORES 15

condensador comporta-se como um circuito aberto. Por outro lado, quando


ω → ∞, XC → 0 Ω. O que leva a concluir que o condensador se comporta
como um curto-circuito às altas frequências.
Observando as formas de onda da corrente e da tensão aos terminais de um
condensador, verifica-se que estes se encontram fora de fase. Em particular,
a corrente encontra-se em avanço de 90o relativamente à tensão conforme se
mostra na Figura 2.3.

Figura 2.3: Formas de onda da corrente e tensão aos terminais de um con-


densador.

Ou seja, se a tensão for um seno a corrente é um cosseno. Esta observação


sugere que a relação matemática entre a corrente e a tensão é dada por uma
equação diferencial3 . Efectivamente,
d
i(t) = C v(t) (2.4)
dt
onde a corrente e a tensão são expressos pelas letras minúsculas i e v evi-
denciando a sua dependência com o tempo exprimindo-as como funções de
t. Observe que esta relação pode ser facilmente derivada atendo a que, por
definição, i(t) = dq(t)
dt
e que, de acordo com a expressão (2.1), v(t) = q(t)
C
.

Impedância de um condensador
A reatância de um condensador apenas expressa a relação entre a magnitude
da tensão entre as suas armaduras e a corrente elétrica em regime sinusoidal.
No entanto, como foi referido na secção anterior, para além da magnitude há
ainda a considerar a diferença de fase entre elas. O conceito de impedância
permite agregar ambas as informações numa única representação utilizando
números complexos. Em particular, a impedância de um condensador é dada
por:
ZC = −jXC (2.5)
3
Derivando o seno tem-se o cosseno
16 CAPÍTULO 2. LINHAS DE TRANSMISSÃO

onde j se refere ao número complexo definido como sendo igual a −1.
π ◦
Observe que, j = ej 2 ou alternativamente, j = ej90 . A relação entre a
impedância de um condensador e as grandezas corrente e tensão em regime
sinusoidal é dada por:
U
ZC = (2.6)
I
Onde U e I se referem à tensão v(t) e corrente i(t) representadas na forma
fasorial. Daqui se tira que:
U j90◦
I= e (2.7)
XC
o que permite concluir que a corrente elétrica está 90◦ em avanço de fase
relativamente à tensão.

Onde é armazenada a energia afinal?


Uma bateria executa trabalho durante o processo de carga de um condensa-
dor. A quantidade de cargas movimentadas Q para carregar completamente
um condensador depende da capacidade do condensador C sendo dada por:

Q=C ∙V (2.8)

A potência P debitada pela bateria nesse processo é dada pelo produto


da tensão entre as armaduras e a corrente elétrica o que leva a:

dQ
P =I ∙V = ∙V (2.9)
dt

Como a potência é igual a dW


dt
verifica-se que o trabalho realizado pela bateria
é:
1
W = CV 2 (2.10)
2
A energia é trabalho armazenado o que neste caso acontece durante o
processo de carga do condensador. Pode assim considerar-se que a energia
se encontra armazenada no campo elétrico gerado pelo processo de carga.
A densidade de energia no campo elétrico uE , ou seja a energia por uni-
dade de volume, é proporcional ao quadrado da magnitude do campo elétrico
e é dada por:
1
uE = E 2 (2.11)
2
A energia armazenada no condensador será restituída permitindo ao con-
densador que este descarregue.
2.2. RESISTÊNCIAS, CONDENSADORES E INDUTORES 17

2.2.2 Indutores
O fenómeno de magnetismo é algo que habitualmente se vê no quotidiano.
Desde os “pins” que se utilizam para colar recados no frigorífico a alguns
tipos de fechos para portas, etc. O importante é salientar que é um fenó-
meno sobre o qual ganhamos intuição pela observação, no dia-a-dia, das suas
propriedades.4
Os objectos acima referidos são construídos utilizando materiais designa-
dos por ímanes permanentes. Uma das suas propriedades mais óbvias é a
sua capacidade de atraírem objectos metálicos. Para além disso,
• Dependendo da orientação relativa entre os dois ímanes é possível fazer
com que a força seja de atracção ou repulsão 5 ;

• Se um íman for quebrado ao meio passa-se a ter dois ímanes perma-


nentes6 .
Relativamente à primeira observação, pode-se dizer que um íman per-
manente possui dois pólos. Um designado por norte e outro por sul. Dois
ímanes com o mesmo tipo de pólo alinhados sofrem uma força de repulsão.
A atracção entre eles é conseguida se os pólos magnéticos forem distintos. A
figura 2.4 ilustra este conceito.

Figura 2.4: Sentido da força magnética entre ímanes permanentes de acordo


com a sua orientação polar.

O fenómeno de magnetismo é tratado matematicamente pela definição de


um campo magnético. Tal como o campo eléctrico, um campo magnético
existe numa dada região do espaço descrita por linhas de campo magnético.
Essas linhas definem arcos partindo do pólo norte em direção ao pólo sul.
4
O próprio planeta onde vivemos é um gigantesco íman permanente.
5
Um fenómeno comum às cargas elétricas.
6
Ao contrário das cargas elétricas, não existem monopólos magnéticos. Ou seja, não é
possível ter o pólo Norte isolado do pólo Sul.
18 CAPÍTULO 2. LINHAS DE TRANSMISSÃO

A intensidade do campo magnético, tal como no campo eléctrico, varia


inversamente com a distância sendo maior nos locais onde as linhas de força
são mais densas. Ou seja, nos pólos. Efectivamente, conduzindo um con-
junto simples de experiências envolvendo dois ímanes facilmente se observa
que a força necessária para aproximar dois pólos distintos aumenta com a
proximidade entre ambos.
O porquê de alguns materiais exibirem esta característica tão peculiar
está fora do âmbito da presente unidade curricular. Mas deixa-se aqui a nota
de que o fenómeno de magnetismo é exibido por materiais que, dada a sua
estrutura atómica e a orientação predominante das partículas elementares,
exibem esta propriedade 7 .
Para além dos corpos que, de forma natural, exibem a propriedade de
magnetismo este fenómeno pode ser gerado de outra forma. De facto, a
passagem de uma corrente eléctrica por um condutor gera, em torno deste,
um campo magnético. Este fenómeno foi observado e descrito durante o
século XIX por diversos cientistas de entre os quais se destacam Øersted,
Ampère, Biot e Savart.
Este é um dos fenómenos que podem ser facilmente replicado em labo-
ratório bastando para isso uma pilha eléctrica, uns metros de fio eléctrico e
uma bússola.
De um ponto de vista mais formal, pode-se dizer que um condutor eléc-
trico, quando percorrido por uma corrente elétrica gera à sua volta um campo
magnético cujas linhas de campo são concêntricas a esse condutor 8 .
Ao que se deve o aparecimento deste campo magnético? A resposta as-
senta no facto de que todas as cargas eléctricas em movimento geram campos
magnéticos. A intensidade desse campo magnético depende, de entre outros
factores, da velocidade com que essas cargas se movem. A intensidade do
campo magnético num ponto do espaço p a uma distância r de um condutor
eléctrico (considerado infinito) percorrido por uma corrente eléctrica I é dada
por:
I
B=k (2.12)
p
onde a constante k depende da permeabilidade magnética do meio (μ). Essa
constante não é muito relevante para nós neste momento. O importante é
olhar para a expressão e notar que a intensidade do vector campo magnético
aumenta com a intensidade de corrente e diminui com a distância do ponto
p ao condutor.
7
Para uma rápida explicação deste fenómeno aconselha-se a visualização de https:
//www.youtube.com/watch?v=hFAOXdXZ5TM.
8
O campo magnético é uma grandeza vectorial. O sentido dessa grandeza é dado pela
regra da mão direita.
2.2. RESISTÊNCIAS, CONDENSADORES E INDUTORES 19

O efeito magnético de um condutor eléctrico pode ser potenciado se esse


condutor for enrolado sobre si mesmo formando um percurso helicoidal como
se mostra na Figura 2.5.

Figura 2.5: Forma geométrica de uma bobina: neste caso um fio eléctrico
enrolado em forma helicoidal em torno de um núcleo de ferrite.

A um condutor com esta forma dá-se o nome de bobina. Neste caso, o


campo magnético fora do núcleo da bobina é muito fraco 9 mas no seu interior
o seu valor é dado por:
n
B =μ∙ ∙I (2.13)
l
onde n é o número de espiras da bobina e l o seu comprimento.
Daqui se nota que a intensidade do vector campo magnético aumenta com
o numero de espiras da bobina. Este aumento implica o aumento de uma
caraterística designada por indutância.

Indutância
Um indutor consiste num enrolamento condutor, com ou sem núcleo ferro-
magnético, em que a passagem de uma corrente eléctrica produz, à sua volta,
um campo magnético.
Associado a este tipo de dispositivos aparece o conceito de relutância. A
relutância magnética indica a quantidade de fluxo magnético susceptível de
ser capturada por um dado dispositivo devido a uma corrente eléctrica.
Num indutor com forma helicoidal composta por n espiras a indutância
(designada também por coeficiente de auto-indução) L está relacionado com
a relutância R da seguinte forma:

n2
L= (2.14)
R
9
Esse valor pode ainda ser ainda mais reduzido se a bobina tiver a forma de um to-
roide. Dê uma vista-de-olhos em http://www.lawebdefisica.com/problemas/
id274-sol278.php
20 CAPÍTULO 2. LINHAS DE TRANSMISSÃO

Para uma bobina cuja hélice possui uma secção transversal A e compri-
mento l a relutância é dada por:
1 l
R= (2.15)
μA
onde μ se refere à permeabilidade magnética do núcleo.
Das expressões anteriores tira-se que:
n2
L = μA (2.16)
l
A indução magnética é medida em henry (H) sendo que, na prática, os
indutores possuem valores de (auto) indutância expressos em sub-múltiplos
como o mili ou micro henries.
No caso de duas bobinas se encontrarem fisicamente próximas, para além
da auto-indução de cada uma delas existe ainda a considerar a indução mú-
tua. A indução mútua é uma propriedade que resulta da presença de um
fluxo magnético comum. Exemplos disso são os transformadores eléctricos
em que os circuitos associados às bobinas primária e secundária se encontram
ligados magneticamente através do referido fluxo comum.

Comportamento elétrico de um indutor


Tal como o condensador, se for aplicada aos seus terminais uma tensão si-
nusoidal, o indutor comporta-se como uma resistência cujo valor depende da
frequência do sinal. No entanto, no caso dos indutores, essa dependência é
de proporcionalidade directa. Assim se XL for a reactância da bobina e L a
sua indutância, verifica-se a seguinte igualdade:
XC = ω ∙ L (2.17)
Para ω = 0 rad/s, XL = 0 Ω ou seja o indutor comporta-se como
um curto-circuito aberto. Já quando ω → ∞ rad/s, XL → ∞ Ω ou seja
comporta-se como um circuito aberto.
Tal como se fez anteriormente para o condensador, observando as formas
onda da corrente e da tensão aos terminais de uma bobina verifica-se que
estas se encontram também fora de fase. No entanto agora a onda que está
em avanço de 90o é a tensão elétrica. Da mesma forma, se a corrente eléctrica
for um seno, a tensão é um cosseno. Esta observação sugere, mais uma vez,
que a relação matemática entre a corrente e a tensão é dada por uma equação
diferencial. Em concreto verifica-se a seguinte relação:
d
v(t) = L i(t) (2.18)
dt
2.2. RESISTÊNCIAS, CONDENSADORES E INDUTORES 21

Impedância de um indutor
A reatância de um indutor apenas expressa a relação entre a magnitude da
tensão a corrente elétrica em regime sinusoidal. No entanto, como já se
referiu, há ainda a considerar a diferença de fase entre elas. O conceito de
impedância do indutor permite agregar ambas as grandezas sendo definida
como:
ZL = jXL (2.19)

em regime sinusoidal, a relação entre a impedância de um indutor e as


grandezas corrente e tensão é dada por:

U −j90◦
I= e (2.20)
XL

o que permite concluir que a corrente elétrica está 90◦ em atraso de fase
relativamente à tensão.

Onde é armazenada a energia afinal?


Admita que se liga uma bateria a um indutor com uma área de secção reta
A, comprimento l e n espiras. No instante em que a bateria é ligada ao
indutor, observa-se o aparecimento de uma corrente elétrica traduzindo-se
simultaneamente num aumento do fluxo magnético através da bobina. A
variação do valor do fluxo de campo magnético nesse instante faz com que
uma força eletromotriz (f.e.m) seja induzida no condutor que irá criar uma
corrente oposta à corrente que lhe deu origem. O valor da f.e.m. induzida é
dada pela Lei de Lenz de acordo com:

∂ΦB
ε=− (2.21)
∂t
onde ε diz respeito à f.e.m medida em volts e ΦB ao fluxo de campo magnético
medida em webers (Wb). Para a bobina referida no início, ΦB = n ∙ B ∙ A.
De acordo com (2.13), B = μ ∙ nl ∙ I e logo,

n2 ∂I
ε = −μ A (2.22)
l ∂t
2
Para além disso, e atendendo a (2.16), L = μA nl , o que leva à seguinte
relação:
∂I
ε = −L (2.23)
∂t
22 CAPÍTULO 2. LINHAS DE TRANSMISSÃO

A bateria tem que realizar trabalho para contrariar esta f.e.m. induzida.
A quantidade de trabalho realizada por unidade de tempo, ou seja a potência
P fornecida pela bateria para superar esta f.e.m. é dada por:
dW
P = =ε∙I (2.24)
dt
Substituindo ε na expressão pela igualdade em (2.23) e integrando ambos
os membros obtém-se:
1
W = ∙ L ∙ I2 (2.25)
2
A densidade de energia de um indutor, ou seja a quantidade de energia
por unidade de volume, é dada por:
1 2
uB = B (2.26)

Logo que a corrente elétrica entre a bateria e o solenoide seja interrom-
pida, o campo magnético colapsa e retorna a energia armazenada novamente
para o circuito.

2.3 Circuitos Ressonantes


A utilização de circuitos ressonantes é ubíquo em circuitos de telecomunica-
ções. Nomeadamente em circuitos de rádio-frequência (RF).
Nesta secção irá tratar-se de circuitos do tipo LC onde o conceito de
frequência de ressonância se refere à frequência à qual a reatância indutiva é
igual à reatância capacitiva.
Tal como a resistência elétrica, a reatância de um circuito é expressa em
Ω. No entanto, e ao contrário da resistência, o valor da reatância não é fixo
e varia com o valor da frequência do sinal de tensão ou corrente elétrica que
percorre o circuito.
Exemplo Determine a frequência de ressonância e a corrente elétrica debi-
tada pela fonte de tensão, à frequência de ressonância, para o seguinte
circuito:
Demonstra-se que a frequência de ressonância é dada por:
1
f= √ (2.27)
2π L ∙ C
o que leva a que, neste caso f ≈ 5 kHz. À frequência de ressonância a
impedância do circuito é puramente resistiva pelo que a corrente terá a
mesma frequência e fase da tensão e um valor de pico igual a 100 mA.
2.3. CIRCUITOS RESSONANTES 23

1Ω 1mH

100mV 1μF

Figura 2.6: Circuito RLC série.

A resposta em frequência deste circuito pode ser obtida por simulação


recorrendo ao seguinte código para Matlabr :

Listagem 2.1: Resposta em frequência do circuito RLC.


1 C=1e-6;
2 L=1e-3;
3 R=1;
4 V=100e-3;
5 s=tf(’s’);
6 Z=R + s*L + 1/(s*C);
7 bode(Z);
8 I=V/Z;
9 figure
10 bode(I,2e4);

Figura 2.7: Resposta em frequência da impedância do circuito representado


em XX.

A relação entre a frequência de ressonância f0 e a largura de banda BW


24 CAPÍTULO 2. LINHAS DE TRANSMISSÃO

designa-se por fator de qualidade Q. Isto é,


f0
Q= (2.28)
BW
e refere-se à energia máxima armazenada na reatância relativamente à energia
dissipada na resistência durante cada ciclo de oscilação. Por isso mesmo, o
fator de qualidade pode ser calculado através de:
XL@f0
Q= (2.29)
R

Listagem 2.2: Resposta em frequência do circuito RLC.


1 C=1e-6;
2 L=1e-3;
3 R=1;
4 V=100e-3;
5 s=tf(’s’);
6 Z=R + s*L + 1/(s*C);
7 bode(Z);
8 I=V/Z;
9 figure
10 bode(I,{2e4,4e4});
11 BW = 0.1e4
12 w0=3.16e4
13 Q=w0/BW
14
15 XL=w0*L;
16 Q=XL/R

Um circuito ressonante paralelo, frequentemente designado por circuito


tanque, é uma configuração que pode ser encontrada nas etapas de sintonia
de rádios. Tal como nos circuitos LC série, a frequência de ressonância é
a frequência à qual a reatância indutiva iguala a reatância capacitiva. No
entanto, e ao contrário da ressonância série, a impedância à frequência de
ressonância é elevada.

100mV 1mH 1μF

Figura 2.8: Circuito tanque.

Em teoria, à frequência de ressonância, a impedância do circuito tanque


é infinita. Efetivamente, a impedância equivalente, Zeq , do paralelo entre o
2.3. CIRCUITOS RESSONANTES 25

indutor e o condensador é dada por:


1 1 1
= + (2.30)
Zeq jXL −jXC

ou seja,
XL ∙ XC
Zeq = (2.31)
XL − XC
Como à frequência de ressonância XL = XC então, Zeq = +∞. No
entanto, na prática, tanto o condensador como o indutor exibem sempre
uma resistência elétrica parasita pelo que o valor da impedância é limitada.

Exemplo Considere o seguinte circuito RLC paralelo:

1347μH

150mV 4.7μF

Figura 2.9: Circuito tanque.

Determine a frequência de ressonância, a reatância capacitiva, a re-


atância indutiva, o fator de qualidade e a corrente à frequência de
ressonância.
R:

A frequência de ressonância é dada por:


1 1
f0 = √ = √ ≈ 2 kHz (2.32)
2π LC 2π 1347 × 10−6 ∙ 4.7 × 10−6

À frequência de ressonância, XL = XC podendo ser calculada por:


1
XC = ≈ 16.93 Ω (2.33)
2πf0 C
ou então
XC = 2πf0 L ≈ 16.93 Ω (2.34)
26 CAPÍTULO 2. LINHAS DE TRANSMISSÃO

A corrente que circula pelo indutor, IL , é dada por:


150 × 10−3
IL = ≈ 6.84 mA (2.35)
16.93 + 5

A corrente que circula pelo condensador, IC , é dada por:


150 × 10−3
IL = ≈ 8.86 mA (2.36)
16.93

Pelo que a corrente total será igual a 15.7 mA. A impedância equiva-
lente pode ser determinada por:
150 × 10−3
Zeq = ≈ 9.55 Ω (2.37)
15.7 × 10−3

Experiência: Mostrar um transformador e como considerando apenas a resis-


tência do enrolamento primário o valor da corrente seria extremo o que faria
com que os dispositivos de proteção abrissem.
Medir a resistência do enrolamento primário. Medir a corrente nominal
absorvida pelo primário. Determinar o módulo da impedância e determinar
a componente indutiva. f = 50 Hz, R = Ω, IN = A, VN = 230 V.

2.4 As equações do telégrafo


Quando se pensa nos primórdios das telecomunicações pensa-se em trans-
missão e receção de sinais analógicos como é o caso do telefone. No entanto,
o primeiro sistema de comunicação à distância era digital e chamava-se...
telégrafo.
O sistema de comunicação por telégrafo permitia a transmissão de uma
mensagem de um ponto A para um ponto B utilizando pulsos elétricos envi-
ados por um condutor elétrico que liga ambos os pontos. Os carateres que
formavam uma determinada mensagem que se pretendia enviar eram codifi-
cados numa sequência de pulsos elétricos com diferentes durações. O exemplo
mais conhecido é o código Morse.
O nome desse código ficou a dever-se a Samuel Morse, que viveu durante
o século XVII nos Estados Unidos da América, era um artista plástico. Mais
concretamente, um pintor. Certo dia, a fim de pintar um retrato, deslocou-se
da cidade de Connecticut, onde viva com a sua esposa, à cidade de Washing-
ton D.C. que se encontra cerca de 500 km a Sul. Durante o tempo em que
2.4. AS EQUAÇÕES DO TELÉGRAFO 27

esteve a trabalhar, a sua mulher adoeceu tendo-lhe entretanto enviado uma


mensagem a informá-lo da sua enfermidade. Na altura destes factos, a única
forma de comunicar à distância era por correio o que, normalmente impli-
cava algum tempo entre o instante em que a carta era enviada até que fosse
recebida. Quando Morse recebeu a mensagem apressou-se a voltar para casa
mas quando chegou a sua esposa já estava morta e sepultada. Este episódio
acabou por contribuir para a sua obsessão na procura de formas de comuni-
cação à distância mais rápidas o que acabou por culminar com a instalação
do sistema de telecomunicação designado por telégrafo 10 .
O telégrafo era um dispositivo simples que pode ser representado pelo
esquema da Figura 2.10.

Figura 2.10: Modelo elétrico do telégrafo.

Aparentemente, trata-se de um circuito simples que pode ser analisado


recorrendo às leis fundamentais da eletrotecnia. No entanto, e ainda que não
esteja explicito, existe uma característica oculta nesse circuito que o torna
bastante mais complexo de analisar: as linhas de transmissão.
O facto das linhas de transmissão se estenderem por vários quilómetros,
associado ao comprimento de onda do sinal transmitido, impede que estas se-
jam consideradas como condutores ideais na análise desse circuito. Para além
da resistência elétrica, outras grandezas parasitas como indutâncias e capa-
citâncias devem ser consideradas. O efeito da linha de transmissão refletia-se
no facto do sinal aplicado a montante não ter o mesmo perfil daquele rece-
bido no outro extremo da linha de transmissão. Fenómenos de ringing eram
frequentemente observados o que conduzia a erros de comunicação. Estas
perturbações devem-se, não só à natureza elétrica da linha de transmissão
mas também devido ao tempo de necessário para o sinal se propagar do emis-
sor ao recetor. Ou seja, por um lado o comportamento dinâmico das linhas
de transmissão e por outro a natureza ondulatória associado à propagação de
10
Outras estratégias de comunicação concorrentes já existiam mas sendo mais caras
acabaram por não serem implementadas.
28 CAPÍTULO 2. LINHAS DE TRANSMISSÃO

sinais elétricos. Antes de prosseguir com a análise do comportamento dinâ-


mico das linhas de transmissão considera-se assim relevante recordar alguns
conceitos fundamentais de ondas eletromagnéticas.

2.4.1 Ondas Eletromagnéticas


O objetivo fundamental da ciência é produzir modelos que possam ser uti-
lizados para explicar a realidade. Um modelo permite descrever a relação
entre as causas e os efeitos, realizar previsões e extrapolações. No entanto, é
de sublinhar, que os modelos são na maior parte das vezes, simplificações da
realidade e possuem, em alguns casos, um determinado limite de aplicação.
Por exemplo, o conceito de corrente elétrica introduzido em disciplinas de
Eletrotecnia, é muitas vezes apresentado como estando ligado ao movimento
de cargas elétricas ao longo de um condutor. Em particular, define-se a cor-
rente elétrica como o número de cargas elétricas (eletrões) que atravessa uma
determinada área da secção reta de um condutor por unidade de tempo. A
Figura 2.11 ilustra este conceito.

Figura 2.11: Conceito de corrente elétrica pelo movimento de cargas elétricas


num condutor.

Matematicamente, descreve-se a corrente elétrica como sendo igual a:

Δq
I= (2.38)
Δt
onde a carga elétrica q é medida em coulombs (C) e o tempo t em segundos
pelo que 1 A de corrente elétrica refere-se à passagem de uma carga total de
1 C no espaço de 1 s pela área de secção reta do condutor 11 .
Este conceito é apropriado quando a corrente elétrica é constante no
tempo (circuitos DC). No entanto, para correntes alternadas (AC) este mo-
delo não reflete o que realmente se passa num condutor.
11 dq
Quando Δt → 0 então i(t) = dt
2.4. AS EQUAÇÕES DO TELÉGRAFO 29

Por um lado, uma corrente elétrica AC distribui-se de forma não-uniforme


ao longo do condutor sendo maior junto da sua superfície e menor no centro.
Este fenómeno designa-se por “ skin effect ” e é responsável, por exemplo, pelo
aumento aparente da resistência do condutor. Por outro, o que realmente
acontece é a propagação de energia de um ponto do condutor para outro
através de uma onda eletromagnética. É de salientar que é também esse o
fenómeno quando lidamos com correntes DC. Simplesmente para esse caso, o
modelo que considera a energia como sendo transportada por cargas elétricas
em movimento é suficientemente precisa para poder ser aplicado.

Conceitos gerais sobre ondas


Antes de falarmos sobre ondas eletromagnéticas e na forma como estas podem
ser produzidas, nesta secção apresentam-se alguns conceitos fundamentais
sobre ondas sem particularizar sobre o seu tipo.
Para começar, ainda que existam ondas com diversos perfís, aqui vai-se
apenas considerar a onda mais fundamental que é representada matemati-
camente pela função seno. É devido a essa sua simplicidade, para além de
outras propriedades que são visíveis em sistemas lineares quando excitados
por este tipo de sinais 12 , que a função seno é a função de base na decomposi-
ção de sinais periódicos usando séries de Fourier. Tendo estabelecido que a
onda terá um perfil sinusoidal falta referir que uma esta pode ocorrer num ou
mais domínios diferentes. Por exemplo no domínio do tempo ou no domínio
do espaço. E relativamente a este último, o espaço pode ser unidimensional
ou multidimensional. Quando tratamos de linhas de transmissão, a onda está
limitado em duas das suas dimensões sendo livre apenas de se mover numa
única dimensão pelo que falaremos para já em ondas 1-D.
Vamos considerar a ligação de um gerador de funções a um osciloscópio
como se mostra na Figura 2.12
Considerem a imagem traçada no osciloscópio. O que é que a imagem
efetivamente representa? Um gerador de funções típico gera, entre as
duas “garras de crocodilo” uma diferença de potencial que varia no tempo de
acordo com uma de três funções possíveis: triangular, quadrada e sinusoidal.
Por outro lado, o osciloscópio transforma o tempo em espaço através de
um varrimento periódico da esquerda para a direita na sua tela com uma
frequência que pode ser ajustada no comutador rotativo que comanda a base
de tempo (onde se lê time/div ). Por exemplo, se a tela medir 20 cm e estiver
dividida em 10 divisões e se o varrimento escolhido for de 1 ms/div então
significa que o osciloscópio atribui a cada intervalo de 2 cm um intervalo
12
A esta propriedade chama-se “fidelidade sinusoidal”.
30 CAPÍTULO 2. LINHAS DE TRANSMISSÃO

Figura 2.12: Observação de um sinal sinusoidal usando um osciloscópio e um


gerador de funções.

de 1 ms. É essa conversão de tempo em espaço que faz com que a onda
sinusoidal seja vista por nós desta forma.
O gerador de funções permite a alteração de duas caraterísticas funda-
mentais na onda que produz: a amplitude e a frequência. A Figura 2.13
mostra ambas as grandezas onde a primeira se encontra identificada por A
e a segunda indirectamente por T.

Figura 2.13: Representação de um sinal sinusoidal num osciloscópio.

Nessa figura, a letra T representa o intervalo de tempo necessário para


que a onda se volte a repetir e está intimamente ligada à frequência do sinal,
f , por:
1
T = (2.39)
f
O período é medido, no sistema internacional de unidades, em segundo e
a frequência em hertz (Hz). Um sinal com uma frequência de 1 Hz significa
que este se repete com um período de 1 s. A distribuição de energia elétrica
2.4. AS EQUAÇÕES DO TELÉGRAFO 31

é feita em AC com uma frequência de 50 Hz 13 o que significa que, num se-


gundo, existem 50 ciclos completos. A frequência f representada na equação
anterior é muitas vezes designada por frequência linear que se relaciona com
a frequência angular ω, medida em radianos por segundo, através de:
ω = 2πf (2.40)
Matematicamente, uma onda sinusoidal é deste modo descrita generica-
mente pela seguinte função y(t):
y(t) = A ∙ sin (ωt + ϕ) (2.41)
onde ϕ se refere à fase do sinal expressa em radianos. No caso do máximo
da função ocorrer em t = 0 então ϕ = 0 rad14 .
Se ignorarmos a transformação de tempo em espaço feita pelo osciloscópio,
podemos imaginar que a onda gerada pelo osciloscópio se desloca indefini-
damente no espaço e a tela nos mostra um instantâneo desta forma de onda
numa fotografia com 20 cm de comprimento. Neste caso, o eixo das abcissas
já não representa o tempo mas sim espaço. Observando a Figura 2.14, e
atendendo à condição acima referida, a onda repete-se agora no espaço. A
distância que esta percorre até se voltar a repetir é designado por compri-
mento de onda e é representado pela letra λ. No sistema internacional o
comprimento de onda é medido em metros (m).

Figura 2.14: Representação de um sinal sinusoidal considerando que o eixo


das abcissas representa espaço percorrido.

Neste contexto, e à semelhança do caso anterior, uma onda sinusoidal


descrita no espaço segundo a direção das abcissas (x) com um comprimento
de onda λ e uma amplitude A pode ser descrita analiticamente por:
y(x) = A ∙ sin (kx + φ) (2.42)
13
Em alguns países essa frequência é de 60 Hz
14
Ou um múltiplo inteiro de 2π.
32 CAPÍTULO 2. LINHAS DE TRANSMISSÃO

onde φ se refere a uma diferença de fase e k é o número de onda obtido por:



k= (2.43)
λ
No caso apresentado anteriormente, considera-se que a imagem representa
uma “foto” tirada à onda num determinado instante. Se “descongelarmos” o
tempo ou seja, se em vez de fotografar se filmasse, iria verificar-se que a onda
se desloca no espaço com uma determinada velocidade vd , medida em metros
por segundo (m−s ). Neste contexto, a onda varia no espaço e no tempo sendo
que ambas as dimensões se relacionam pela seguinte expressão:

vd = λ ∙ f (2.44)

Uma onda sinusoidal com estas caraterísticas é formalmente representada


associando as expressões (2.41) e (2.42) resultando em:
 

y(x, t) = A ∙ sin x ± ωt + ϕ (2.45)
λ

quando o sinal é negativo a onda desloca-se da esquerda para a direita se-


gundo x e quando é positivo desloca-se no sentido contrário.
Para concluir, é de referir que do ponto de vista matemático, uma onda
é qualquer função deslocada no tempo e/ou no espaço. Assim, se f (x)
representa uma determinada perturbação no espaço, a sua propagação no
espaço-tempo segundo x pode ser descrita por f (x − vp t) onde vp representa
a velocidade de propagação.
Os conceito apresentados até agora sobre ondas são válidos para repre-
sentar vários tipos de fenómenos físicos. As ondas eletromagnéticas são um
desses casos. No entanto, as ondas eletromagnéticas possuem um compor-
tamento complexo frequentemente referido por dualidade onda-partícula. O
seu comportamento como partícula é visível quando a questão é observada
ao nível da mecânica quântica cujos conceitos ultrapassam de longe o obje-
tivo desta unidade curricular. Assim, na secção que se segue, será revisto os
conceitos fundamentais de ondas eletromagnéticas e da sua propagação no
espaço.

Ondas geradas pelo movimento de cargas elétricas


À nossa volta existe todo um conjunto de propriedades que caracterizam a
matéria que nos rodeia e da qual também fazemos parte. Por exemplo a
massa de um objecto, a sua cor, etc. Qualquer uma dessas propriedades
existe sem se saber o porquê. Existe e pronto! Sabe-se que toda a matéria
2.4. AS EQUAÇÕES DO TELÉGRAFO 33

é constituída por átomos que, por sua vez, são constituídos por partículas
ainda mais elementares. O electrão é uma delas. Uma das propriedades do
electrão é possuir massa. Ou seja o seu movimento é condicionado caso este
se encontre na vizinhança de um campo gravítico. Outra das suas proprieda-
des é ter carga eléctrica. Outra das partículas eletricamente carregadas que
constitui a matéria é o protão.
Responder ao porquê do electrão ou o protão terem carga eléctrica é a
mesma coisa que responder ao porquê destes possuírem massa... Por isso par-
timos da base de que esta é mais uma propriedade inerente a estas partículas
e não a questionamos.
Ainda que ambas eletricamente carregadas, convencionou-se que a carga
elétrica do eletrão é negativa e a carga eléctrica do protão é positiva. Efe-
tivamente, a carga eléctrica de um electrão é igual à carga eléctrica de um
protão a menos do sinal que as distingue tendo um valor aproximado de
−1.6 × 10−19 C.
Qualquer carga eléctrica cria, no espaço que a circunda, uma perturbação
designada por campo eléctrico. Matematicamente, trata-se de um campo
vetorial onde a sua intensidade é tanto maior quanto maior for o valor da
carga eléctrica da partícula e é tanto menor quanto maior for a distância à
partícula que lhe dá origem. Efetivamente, a intensidade de campo eléctrico
provocado por uma carga eléctrica q é dada por:

− q
|| E || ∝ 2 (2.46)
r
onde r é a distância de um dado ponto do espaço à carga eléctrica q.
Numa determinada região do espaço, considera-se que a carga elétrica
cria linhas de força que não são mais do que linhas imaginárias às quais o
vetor campo elétrico é tangente 15 .
No caso das cargas elétricas não estarem em repouso mas estarem anima-
das de velocidade (e aceleração) faz com que a perturbação no espaço criada
pelo seu campo elétrico se propague:

• Uma partícula eletricamente carregada cria um campo elétrico que


exerce força elétrica numa outra carga. Cargas elétricas positivas ace-
leram no sentido do vetor campo elétrico e cargas negativas aceleram
na direção contrária.

• Uma partícula eletricamente carregada em movimento gera um campo


magnético que por sua vez gera uma força magnética sobre outras car-
gas elétricas em movimento. O vetor campo magnético gerado por
15
O conceito de linhas de força foi introduzido por M. Faraday.
34 CAPÍTULO 2. LINHAS DE TRANSMISSÃO

uma carga animada de velocidade v num determinado ponto do espaço


localizado a uma distância r dessa carga é dada por:

~ ∝ ~v × ~r
B (2.47)
r3

• Uma carga elétrica em movimento acelerado gera uma onda eletromag-


nética. Como se verá já a seguir, ondas eletromagnéticas são campos
elétricos e magnéticos que se propagam num determinado meio. Se esse
meio for o espaço, a velocidade de propagação de uma onda eletromag-
nética é a velocidade da luz. Ou seja, perto de 3 × 108 m/s.

Uma partícula carregada que oscila em torno de um ponto de equilíbrio


vê a sua velocidade alterada pelo que está sujeira a aceleração. Considere-se
a situação representada na Figura 2.15 onde se representam, não uma, mas
duas partículas eletricamente carregadas com cargas de sinais contrários.

Figura 2.15: Representação de um sinal sinusoidal considerando que o eixo


das abcissas representa espaço percorrido.

No instante inicial, as partículas encontram-se afastadas manifestando-


se, no espaço em redor, um campo elétrico (marcado com origem na carga
positiva e destino na carga negativa) 16 . Entretanto, as cargas são aproxima-
das pelo que a magnitude do campo elétrico vai diminuindo. A partir desse
ponto em diante, a magnitude do campo elétrico volta a aumentar e o sentido
altera-se.
Como já foi dito anteriormente, uma carga elétrica em movimento gera
um campo magnético em seu redor cuja magnitude depende da sua velo-
cidade. Num determinado ponto do espaço, o vetor campo magnético é
16
Por conveniência apenas se encontra representado um vetor mas, como se sabe, esse
campo manifesta-se em todo o espaço em torno das cargas.
2.4. AS EQUAÇÕES DO TELÉGRAFO 35

perpendicular ao plano definido entre o vetor velocidade e o vetor posição 17 .


Considerando apenas o plano onde as cargas elétricas da Figura 2.16 se mo-
vimentam, verifica-se que o vetor campo magnético deverá ter a magnitude
e direção representadas na Figura 2.16.

Figura 2.16: Representação de um sinal sinusoidal considerando que o eixo


das abcissas representa espaço percorrido.

Verifica-se assim que cargas elétricas aceleradas produzem campos elétri-


cos e magnéticos variantes no tempo. Por outro lado, os campos elétrico e
magnético interagem entre si de modo que um campo magnético variante no
tempo dá origem a um campo elétrico e vice-versa. O movimento oscilante
das cargas elétricas dá assim origem a campos eletromagnéticos que vão co-
lapsando e regenerando e são essas perturbações que levam à propagação
de ondas eletromagnéticas. A Figura 2.17 apresenta o conceito de onda ele-
tromagnética observando-se a variação de cada um dos campos ao longo da
direção de propagação.
Se a frequência de oscilação das cargas elétricas é f , então uma onda
eletromagnética é gerada com a mesma frequência f e cujo comprimento de
onda λ depende da velocidade de propagação da onda no espaço de acordo
com a relação λf = vd .

Espectro da radiação eletromagnética


A primeira pessoa a formalizar matematicamente o conceito de campos elé-
tricos e magnéticos e a sua interligação foi James Maxwell. Esse impor-
tante ponto de viragem do conhecimento ocorreu nos meados do século XIX
cristalizando-se num total de quatro equações. Duas dessas equações pre-
viam o comportamento ondulatório do campo eletromagnético e que sua
17
Vetor entre a posição da carga e o ponto no espaço.
36 CAPÍTULO 2. LINHAS DE TRANSMISSÃO

Figura 2.17: Propagação no espaço de uma onda eletromagnética 18 .

velocidade de propagação seria igual à velocidade da luz. Isso fez com que
Maxwell considerasse que a luz, também ela, era uma onda eletromagnética.
Efetivamente assim é. Dependendo da frequência de uma determinada onda
eletromagnética assim muda a sua interação com a matéria. Por isso é que
as ondas eletromagnéticas usadas na transmissão de dados nos parecem tão
diferentes da luz visível.
A gama de frequências de uma onda eletromagnética, designado por es-
pectro, encontra-se dividida em diversas bandas. A Figura 2.18 mostra a
designação dada a cada uma dessas bandas assim como a dimensão relativa
do seu comprimento de onda 19 .

Figura 2.18: Espectro das ondas eletromagnéticas (adaptada da versão on-


line).

Observando o espectro eletromagnético verifica-se que no seu limite in-


ferior têm-se as ondas de rádio. Entre o 100 MHz e 1 THz aparecem as
19
Imagem adaptada de https://commons.wikimedia.org/wiki/File:EM_
Spectrum_Properties_edit.svg
2.4. AS EQUAÇÕES DO TELÉGRAFO 37

microondas. O valor de 2.45 GHz, dentro desta banda de frequências, é


bastante comum no nosso quotidiano visto que é a frequência utilizada nos
fornos microondas domésticos, nas redes de comunicação WiFi (802.11ab) ou
mesmo Bluetooth. Por um lado, 2.45 GHz é a frequência de ressonância da
molécula de água e por outro é exatamente a frequência central da banda
ISM20 que não requer licenciamento para ser utilizada. Na realidade, foi a
primeira que abriu precedência para a segunda.

Energia de uma onda eletromagnética


Tal como uma onda mecânica transporta energia conforme se propaga, tam-
bém as ondas eletromagnéticas transportam energia através do espaço po-
dendo esta ser entregue a outras partículas eletricamente carregadas num
ponto afastado da fonte. A transmissão de rádio é um exemplo onde a ener-
gia emitida por um posto de transmissão atravessa uma distância considerável
até poder ser captada por um terminal de receção. A Figura 2.19 apresenta
um modelo de u recetor rádio onde uma barra metálica funciona como an-
tena. As cargas elétricas existentes nessa antena oscilam à frequência do
sinal eletromagnético que a atinge. O circuito ressonante é sintonizado de
modo a transferir a máxima potência do sinal cuja frequência coincide com
a frequência de ressonância do filtro.

Figura 2.19: Modelo de um recetor de ondas de rádio.

Como as ondas eletromagnéticas são compostas por campos elétricos e


campos magnéticos, isto significa que a energia da onda encontra-se armaze-
nada desses dois campos. Efetivamente, e tal como acontece com as ondas
mecânicas, a energia da onda é proporcional ao quadrado da sua ampli-
tude. As expressões que descrevem a densidade de energia dos campos elé-
trico e magnético já foram apresentadas anteriormente mas, por conveniência,
20
Industrial, Scientific and Medical.
38 CAPÍTULO 2. LINHAS DE TRANSMISSÃO

repetem-se a seguir :
1
uE = E 2
2
1 2 (2.48)
uB = B

onde  se refere à permitividade elétrica do meio medida em farad por metro


e μ à sua permeabilidade magnética em henry por metro 21 .
A densidade de energia de uma onda eletromagnética é a combinação da
densidade de energia do campo elétrico com a do campo magnético o que
leva a que:
1 1 2
uEM = E 2 + B (2.49)
2 2μ
É importante referir que a contribuição da densidade de energia dos cam-
pos elétrico e magnético é idêntica. Pelo que se pode dizer que uE = uB .
Desta condição verifica-se que:
1 2 1 2 1
E = B ⇒E= √ B (2.50)
2 2μ μ

No vácuo observa-se que √μ10 0 é igual à velocidade da luz c. Noutro


meio diferente do vácuo, essa mesma quantidade diz respeito à velocidade
de propagação da onda nesse meio. Se vd for essa velocidade, em metro por
segundo, então:
E = vd B (2.51)
A intensidade de uma onda eletromagnética S, expressa em watt por
metro quadrado, é igual à razão entre a potência e a área de incidência
dessa onda eletromagnética. Esta grandeza pode ser expressa em função da
densidade de energia através de:

S = vd ∙ uEM (2.52)

Vetor de Poynting
O vetor que aponta na direção de propagação da onda eletromagnética pode
~ com B.
ser obtido pelo produto vetorial de E ~ Como se sabe, o produto
21
A permitividade  é igual ao produto da permitividade do vácuo, 0 ≈ 36π
1
×10−9 F/m.
Da mesma foram. a permeabilidade magnética μ é igual ao produto da permeabilidade
magnética do vácuo μ0 = 4π × 10−7 H/m e a permeabilidade relativa do meio μr que, para
o caso da água por exemplo, tem um valor entre 70 e 80
2.4. AS EQUAÇÕES DO TELÉGRAFO 39

interno entre dois vetores é um terceiro vetor ortogonal ao plano formado


pelos dois vetores e com sentido dado pela regra da “mão direita”.
A magnitude do vetor resultante do produto vetorial entre o vetor campo
elétrico e o vetor campo magnético representa a intensidade da onda em
watts por metro quadrado (W/m2 ). Este vetor é designado por Poynting e
é definido como:
1 ~
P~ = E ×B ~ (2.53)
μ0

Polarização

As ondas eletromagnéticas dentro da banda de radio frequência são normal-


mente emitidas por cargas elétricas que oscilam em antenas de transmissão.
As cargas aceleram segundo a orientação da antena e propagam-se em linha
reta no espaço. A direção do campo elétrico da onda transmitida pela an-
tena pertence ao plano definido pela orientação da antena e pela direção de
propagação da onda no espaço. Este tipo de ondas eletromagnéticas são de-
signadas por coerentes visto que o campo elétrico só existe num único plano.
O que contrasta, por exemplo, com a luz visível proveniente do Sol ou de
uma lâmpada que é não-coerente.
Relativamente a ondas rádio, na prática consideram-se dois tipos dife-
rentes de polarização: vertical e horizontal. Essa orientação é definida con-
siderando como referência a superfície da Terra. No caso de polarização
horizontal, o campo elétrico é coplanar com a superfície da Terra. Por outro
lado, se a polarização for vertical, o plano de propagação do campo elétrico
é perpendicular ao plano terrestre. A Figura 2.20 apresenta um excerto de
informação técnica associada a emissores de TDT instalados no nosso país
de onde se pode ver que a polarização é horizontal.
A magnitude do sinal recebido depende da antena de receção estar ali-
nhada com a da estação de emissão. Por esse motivo, as antenas de receção
de TV podem ter uma polarização horizontal ou vertical como se mostra na
Figura 2.21.

Equação de onda e suas soluções

A dinâmica de uma onda u(x, t) que se propaga com uma velocidade vd


segundo uma única dimensão, x, é dada por uma equação diferencial parcial
com a seguinte forma:

∂ 2 u(x, t) 2
2 ∂ u(x, t)
= v d (2.54)
∂t2 ∂x2
40 CAPÍTULO 2. LINHAS DE TRANSMISSÃO

Figura 2.20: Modelo de um recetor de ondas de rádio.

Figura 2.21: Exemplo de instalação de antenas para captação de sinais de


TV com polarização horizontal (esquerda) e polarização vertical (direita).

A solução geral desta equação é do tipo:

u(x, t) = F (x − ct) + G(x + ct) (2.55)

Ou seja, a solução da equação de onda (para o caso de uma única dimen-


são) consiste na soma de uma função F () deslocando-se na direção segundo
x e numa outra função, G(), que se desloca em sentido contrário.

Equações de Maxwell22
Nos meados do século XIX, um físico chamado de James Maxwell formulou,
com base no trabalho de outros cientistas como Gauss e Faraday, um con-
junto de quatro equações diferenciais parciais que descrevem os fenómenos
de eletromagnetismo. A forte relação entre campos elétricos e magnéticos
variantes no tempo que se observa através do acoplamento entre variáveis
22
Secção de leitura opcional.
2.4. AS EQUAÇÕES DO TELÉGRAFO 41

nessas equações foi responsável por diversas hipóteses que no fim se confir-
maram verdadeiras. Por exemplo, que a luz é radiação eletromagnética e é o
resultado da flutuação dos campos elétrico e magnético.
Antes de apresentar as equações, uns breves parágrafos sobre cálculo veto-
rial. Começa-se por se introduzir o operador nabla, representado por ∇ que,
para o caso n-dimensional, é um vetor cujas componentes são a primeira
derivada relativamente a cada uma dessas dimensões. Ou seja,

 
∇= ∂
∂x1
∙∙∙ ∂
∂xn (2.56)

Este operador pode ser aplicado a uma função escalar ou vetorial. Por
exemplo, considerando uma função escalar bidimensional do tipo f (x1 , x2 ) =
x21 + x22 o resultado de ∇f (x1 , x2 ) resulta no vetor gradiente cuja direção
aponta no sentido do crescimento da função. Isto é,
h i
∂f (x1 ,x2 ) ∂f (x1 ,x2 )
∇f (x1 , x2 ) =

∂x1

∂xn
(2.57)
= 2x1 2x2

No caso de um campo definido  por uma função vetorial, o produto  interno


~
entre ∇ e f (x1 , ∙ ∙ ∙ , x2 ) = g1 (x1 , ∙ ∙ ∙ , xn ) ∙ ∙ ∙ gn (x1 , ∙ ∙ ∙ , xn ) tem como
resultado um escalar. Neste caso, o resultado designa-se por divergência do
campo vetorial e representa a tendência desse campo convergir ou divergir
para um ponto. A divergência de f~(x1 , ∙ ∙ ∙ , x2 ) é dada por:

∂g1 (x1 , ∙ ∙ ∙ , xn ) ∂gn (x1 , ∙ ∙ ∙ , xn )


∇f~(x1 , ∙ ∙ ∙ , x2 ) = + ∙∙∙ + (2.58)
∂x1 ∂xn
 
Por exemplo, se f~(x1 , x2 ) = 1 0 , que representa um campo de vetores
segundo a direção de x1 com magnitude constante ao longo desse espaço 23 ,
então ∇f~(x1 , ∙ ∙ ∙ , x2 ) = 0. No caso de f~(x1 , x2 ) = x1 0 , o campo veto-
rial desloca-se no mesmo sentido mesma mas agora o módulo de cada vetor
depende da posição que ocupa relativamente a x1 . A divergência deste campo
vetorial é igual a ∇f~(x1 , x2 ) = ∂x 1
∂x1
∂0
+ ∂x n
= 1.
O produto vetorial entre o operador nabla e um campo vetorial dá origem
a um outro campo vetorial que pode ser interpretado como o momento de

23
Imaginar, por exemplo, que neste caso f~(x1 , x3 ) representa um campo vetorial onde
cada vetor está associado a uma gota de água num rio em movimento constante segundo
a mesma direção. Como a água não converge para nenhum ponto nem diverge de nenhum
ponto a divergência é zero.
42 CAPÍTULO 2. LINHAS DE TRANSMISSÃO

binário que um corpo sentiria se fosse colocado sobre a influência do campo


vetorial original. Algebricamente,


x̂1 ∙∙∙ x̂n

~
∇ × f (x1 , ∙ ∙ ∙ , xn ) = ∂
∙∙∙ ∂ (2.59)
∂x1 ∂xn
g1 (x1 , ∙ ∙ ∙ , xn ) ∙ ∙ ∙ gn (x1 , ∙ ∙ ∙ , xn )

onde x̂i se refere ao versor segundo a dimensão xi com i = 1, ∙ ∙ ∙ n.


 Por exemplo,
 considere novamente o campo vetorial expresso por f~(x1 , x2 ) =
x1 0 . O rotacional deste campo vetorial é, usando a regra de Sarrus,


x̂1 x̂2 x̂3

∇ × f~(x1 , x2 , x3 ) = ∂x∂ 1 ∂
∂x2

∂x3 = (0 + 0 + 0) − (0 + 0 + 0) = 0 (2.60)
x1 1 0

A divergência e o rotacional desempenham um papel fundamental na


descrição das quatro seguintes equações de Maxwell:

Lei de Gauss (campo elétrico) A divergência do campo elétrico, em torno


de uma carga elétrica, deve ser constante e não nula. Isto significa que
~ em torno de uma carga elétrica, tem uma direção
o campo vetorial E,
radial e um sentido que depende da polaridade da carga. Em notação
matemática fica:
∇E~ = ρ (2.61)
0
onde ρ se refere à densidade total de carga elétrica, em coulomb por
metro cúbico, existente numa região do espaço e 0 a permitividade do
vácuo.

Lei de Gauss (campo magnético) A divergência do campo magnético é


nulo. Isto porque, ao contrário das cargas elétricas, não existem mono-
polos magnéticos. Em notação matemática fica:

~ =0
∇B (2.62)

Lei de Faraday-Maxwell O rotacional do campo elétrico é proporcional à


razão de variação do campo magnético. Ou seja,

~
∂B
~ =−
∇E (2.63)
∂t
2.4. AS EQUAÇÕES DO TELÉGRAFO 43

Lei de Ampère-Maxwell O rotacional do campo magnético proporcional


à razão de variação do campo elétrico sendo escrito como:
!
∂ ~
E
∇×B ~ = μ0 J~ + 0 (2.64)
∂t

onde o vetor J~ se refere ao vetor densidade de corrente elétrica expresso


em ampére por metro quadrado.

As duas últimas equações de Maxwell apontam para o facto de um campo


magnético variante no tempo dar origem a um campo elétrico variante no
tempo e vice-versa e que essa realimentação dá origem a uma onda que se
propaga no espaço. Por exemplo, numa região sem cargas e sem correntes
elétricas, J~ = ~0, ρ = 0 tem-se:
(
∇×E ~ = − ∂ B~
∂t
~ (2.65)
~ 1 ∂E
∇ × B = c2 ∂t

onde c = √μ10 0 é a velocidade da luz em metros por segundo. Aplicando o


rotacional à primeira expressão fica:

~ ∂  ~

∇×∇×E =− ∇×B (2.66)
∂t
Como,  
~ = ∇ ∇E
∇×∇×E ~
~ − ∇2 E (2.67)

e a divergência do campo elétrico é zero fica:

1 ∂2E~
~ =−
∇2 E ∙ (2.68)
c2 ∂t2

Recorrendo à mesma estratégia para a equação de Ampère-Maxwell leva


a que:
2~
~ =−1 ∙∂ B
∇2 B (2.69)
c2 ∂t2
Que, como se viu anteriormente, representam equações de onda. Por isso
a radiação eletromagnética é constituída por uma onda devido à variação do
campo elétrico no tempo e outra devido à variação do campo magnético que
se encontram acopladas.
44 CAPÍTULO 2. LINHAS DE TRANSMISSÃO

2.4.2 Comportamento dinâmico de uma linha de trans-


missão
Uma linha de transmissão perfeita transporta um sinal elétrico de um ponto a
outro num determinado intervalo de tempo fixo e independente do conteúdo
espectral do sinal aplicado. No entanto, na prática, existe ao longo da linha
elementos reativos que alteram o comportamento da linha com a frequência.
Nesta secção apresentam-se as equações que descrevem a forma como as
ondas se propagam numa linha de transmissão.
Antes disso, começa-se por referir que tudo em eletromagnetismo escala
com o comprimento de onda λ. Por esse motivo, as equações que serão
apresentadas a seguir, e que dizem respeitam ao problema introduzido inici-
almente da comunicação por telégrafo, são aplicadas no presente para lidar
com problemas relativos às telecomunicações em geral e na comunicação di-
gital de alta velocidade em particular. Por exemplo, a que ocorre entre dois
núcleos do mesmo CPU ou entre circuitos integrados numa motherboard.
De forma a ilustrar esta ideia considere um sinal de telégrafo que é envi-
ado através de uma linha com 100 km de comprimento. Considere-se que a
frequência fundamental do sinal enviado é igual a 30 Hz. Neste contexto, e
admitindo que a velocidade da onda é igual à velocidade da luz, o seu com-
primento de onda é igual a λ = 100 000 km. A razão entre o comprimento de
onda e o comprimento da linha de transmissão é igual a 1000 1
. Dado que os
problemas de transmissão escalam linearmente com o comprimento de onda,
se falarmos de um sinal digital com uma frequência 300 MHz 24 no interior
de um microprocessador, o mesmo fenómeno existente na linha do telégrafo
é observado em linhas de transmissão com comprimento igual a 1 mm.
Uma regra empírica considera que o efeito da linha de transmissão pode
ser ignorado se a razão entre o seu comprimento l e o comprimento de onda λ
for inferior a 10. Por exemplo, as linhas de alta tensão que unem a subestação
elevadora à subestação abaixadora não requerem o seu tratamento como
linhas de transmissão. Por outro lado, o efeito de linha de transmissão de
um cabo que ligue um transmissor RF de 900 MHz a uma antena localizada
a uma distância de 20 m deve ser considerado.
De forma a obter as equações dinâmicas que descrevem o comportamento
de sinais elétricos em linhas de transmissão, considere um condutor elétrico
com um comprimento arbitrário l como se mostra na Figura 2.22 (a). Ad-
mita que esse condutor possui uma determinada resistência por unidade de
comprimento que será designada por R e expressa em Ω/m.
24
Ou seja λ = 1 m admitindo também velocidade de propagação igual à velocidade da
luz.
2.4. AS EQUAÇÕES DO TELÉGRAFO 45

Considere-se agora uma determinada posição x sobre o condutor e um


incremento Δx a partir desse ponto. A Figura 2.22(b) ilustra esse conceito.
Neste contexto, a resistência, em ohms, entre os pontos x e x + Δx é igual a
R ∙ Δx.
Considere agora uma corrente elétrica, cujo comportamento espaço-temporal
é dado por uma função arbitrária i(x, t), que atravessa esse condutor. Nesse
instante, desenvolve-se um potencia elétrico no ponto x, designado por u(x, t)
e outro em x + Δx designado por u(x + Δx, t) A Figura 2.22 (c) ilustra esta
ideia.

Figura 2.22: Linha de transmissão com comprimento l. Em (b) considera-se


um segmento de comprimento Δx e em (c) representa-se o modelo elétrico
equivalente desse segmento como sendo uma resistência com valor RΔx.

A relação entre a corrente elétrica, a resistência e a queda de tensão aos


seus terminais é dada por:

u(x, t) − u(x + Δx, t) = R ∙ Δx ∙ i(x, t) (2.70)

ou seja,
u(x, t) − u(x + Δx, t)
= R ∙ i(x, t) (2.71)
Δx
Quando Δx tende para 0 fica,

u(x, t) − u(x + Δx, t)


lim = R ∙ i(x, t) (2.72)
Δx→0 Δx
46 CAPÍTULO 2. LINHAS DE TRANSMISSÃO

Atendendo à definição de derivada num ponto, a expressão anterior pode


ser escrita de forma alternativa por:
∂u(x, t)
− = R ∙ i(x, t) (2.73)
∂x
Para além de resistência elétrica, uma linha de transmissão também exibe
uma determinada indutância. Considere-se que a linha de transmissão ana-
lisada anteriormente possui uma indutância, por unidade de comprimento,
igual a L. A Figura 2.23 mostra o modelo elétrico equivalente.

Figura 2.23: Modelo de linha de transmissão considerando também a com-


ponente indutiva.

A equação que descreve a relação entre as diversas grandezas elétricas é


a seguinte:
∂i(x, t)
u(x, t) − u(x + Δx, t) = R ∙ Δx ∙ i(x, t) + L ∙ Δx ∙ (2.74)
∂t
Quando Δx → 0, a expressão anterior passa a ser:
∂u(x, t) ∂i(x, t)
− = R ∙ i(x, t) + L ∙ (2.75)
∂x ∂t
Qualquer linha de transmissão é constituída por dois condutores nem que
um desses condutores seja a Terra. Estes dois condutores, separados por um
isolador, acrescentam ao modelo anterior uma capacidade parasita. Consi-
dere que a capacidade da linha de transmissão, por unidade de comprimento
é C. A Figura 2.24 apresenta o esquema elétrico equivalente da componente
capacitiva da linha de transmissão.
A corrente de fuga pelo condensador parasita é dada por:
∂u(x, t)
iC (x, t) = C ∙ Δx (2.76)
∂t
Como iC (x, t) = i(x, t) − i(x + Δx, t) obtém-se:
i(x, t) − i(x + Δx, t) ∂u(x, t)
= C ∙ Δx (2.77)
Δx ∂t
2.4. AS EQUAÇÕES DO TELÉGRAFO 47

Figura 2.24: Modelo de linha de transmissão considerando apenas a compo-


nente capacitiva.

e quando Δx → 0 leva a:
∂i(x, t) ∂u(x, t)
− = C ∙ Δx (2.78)
∂x ∂t
Normalmente, o isolador entre os dois condutores não é ideal e exibe uma
determinada resistência que, mesmo sendo elevada, é finita. Considerar o
efeito dessa resistência leva ao modelo representado na Figura 2.25. Note-
se que o inverso da resistência é a condutância e a condutância de várias
resistências em paralelo é igual à soma dessas condutâncias. Por esse motivo,
no circuito referido é considerada a condutância e não a resistência. Se a
linha de transmissão tiver uma condutância parasita igual a G siemens (S)
por unidade de comprimento

Figura 2.25: Modelo de linha de transmissão considerando apenas a compo-


nente capacitiva.

De acordo com o modelo elétrico da Figura 2.25,

i(x, t) − i(x + Δx, t) = iG (x, t) + iC (x, t) (2.79)


ou seja,
∂u(x, t)
i(x, t) − i(x + Δx, t) = G ∙ Δx ∙ u(x, t) + C ∙ Δx (2.80)
∂t
48 CAPÍTULO 2. LINHAS DE TRANSMISSÃO

que, quando Δx tende para zero. obtém-se:

∂i(x, t) ∂u(x, t)
− = G ∙ u(x, t) + C (2.81)
∂x ∂t
O modelo completo de uma linha de transmissão encontra-se representado
na Figura 2.26.

Figura 2.26: Modelo de linha de transmissão considerando o efeito de todos


os componentes.

O comportamento dinâmico desta linha de transmissão não é mais do que


a união das equações (2.74) e (2.80). Ou seja, é dado pelo seguinte par de
equações diferenciais parciais:
 
∂u(x, t) ∂i(x, t)
= − R ∙ i(x, t) + L ∙
∂x ∂t
  (2.82)
∂i(x, t) ∂u(x, t)
= − G ∙ u(x, t) + C
∂x ∂t

Em regime sinusoidal, considera-se que,

v(x, t) = V (x) ∙ ejωt


(2.83)
i(x, t) = I(x) ∙ ejωt

onde, para já, considere V (x) e I(x) como funções arbitrárias em x com uni-
dades de volts e ampéres respetivamente. A forma destas funções será apre-
sentada adiante. Para já, substituindo estas igualdades em (2.81), obtém-se:

∂V (x)
ejωt ∙ = −R ∙ I(x) ∙ ejωt − jωL ∙ I(x) ∙ ejωt
∂x (2.84)
∂I(x)
ejωt ∙ = −G ∙ V (x) ∙ ejωt − jωC ∙ V (x) ∙ ejωt
∂x
2.4. AS EQUAÇÕES DO TELÉGRAFO 49

Ou seja,

∂V (x) 
− = R + jωL ∙ I(x)
∂x (2.85)
∂I(x) 
− = G + jωC ∙ V (x)
∂x
Estas equações estão interligadas podendo, no entanto, serem desacopla-
das através de uma segunda operação de diferenciação.

∂ 2 V (x)  ∂I(x)
− = R + jωL ∙
∂x2 ∂x (2.86)
∂ 2 I(x)  ∂V (x)
− = G + jωC ∙
∂x2 ∂x
o que, considerando (2.84), resulta em:

∂ 2 V (x)
2
= γ 2 ∙ V (x)
∂x (2.87)
∂ 2 I(x)
= γ 2 ∙ I(x)
∂x2
onde, q  
γ= R + jωL ∙ G + jωC (2.88)
é uma grandeza complexa designada por constante de propagação. Deste
modo, γ possui parte real e parte imaginária da tendo a forma genérica
γ = α + jβ. A parte real α e designada por constante de atenuação e β
é a constante de fase.
A solução geral das duas equações de onda em (2.86) são da forma:
V (x) = V + e−γx + V − eγx
(2.89)
I(x) = I + e−γx + I − eγx

Voltando a (2.84), a atendendo a que − ∂V∂x(x) = γ (V + e−γx − V − eγx )


verifica-se que:
  
γ V + e−γx − V − eγx = R + jωL ∙ I + e−γx + I − eγx (2.90)
Igualando termos fica:

γV + e−γx = R + jωL I + e−γx
 (2.91)
−γV − eγx = R + jωL I − eγx
50 CAPÍTULO 2. LINHAS DE TRANSMISSÃO

ou seja,

V+ R + jωL
=
I+ γ
 (2.92)
− R + jωL
V
=−
I− γ
+ −
Conclui-se assim que VI + = − VI − e é igual à impedância caraterística
da linha designada por Z0 e dada por:
s
R + jωL R + jωL
Z0 = = (2.93)
γ G + jωC

Do ponto de vista intuitivo, a impedância caraterística de um linha des-


creve a relação entre a amplitude e a fase da tensão e da corrente elétrica em
qualquer ponto da linha de transmissão.

Linha sem perdas (lossless)

Uma linha de transmissão sem perdas, designada por lossless, tem como
caraterísticas o facto de não possuir elementos dissipativos. Ou seja, R = 0
e G = 0. Neste caso,

constante de propagação γ
p
γ = jω LC (2.94)

constante de atenuação α
α=0 (2.95)

constante de fase β
p
β=ω LC (2.96)

impedância caraterística Z0
s
L
Z0 = (2.97)
C

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