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27/03/2016 Feminina demais pra ser homem Masculina demais pra ser mulher: sobre identidades trans não­binárias | Tranfeminismo

Feminina demais pra ser homem Masculina demais pra ser mulher: sobre identidades trans não­binárias

ciborgue  Full view

Feminina Demais Pra Ser Homem Masculina Demais
Pra Ser Mulher: Sobre Identidades Trans Não­Binárias
26 de março de 2016 Beatriz  Feminismos e Transfeminismos 0

Feminina demais pra ser homem Masculina demais pra ser mulher:
sobre identidades trans não­binárias

Ensaio de Caiene Reinier [1]

caienereinier@gmail.com

Resumo: Este  ensaio  pretende  introduzir  e  enegrecer  [ou  confundir  ainda


mais, rs] sobre o que seriam as identidades trans não­binárias para, desde aí,
tentar romper com os estranhamentos e algumas das diversas dúvidas que,
possivelmente, rondam a temática. Talvez vá além disso.

Palavras­chave: Gênero. Trans. Não­Binária.

Devir Minoritário

“Qual o sexo do bebê?”

“Não, você nasceu homem/mulher e nada se pode fazer contra esse destino

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biológico”

“Mãe,  é  homem  ou  mulher?”  garoto  [6  anos?]  com  a  mãe.  Muffato,
Fevereiro.2016

“E você, é homem ou mulher?” [abordagem] policial. Jardim Universitário,
Fevereiro.2016

Poderia  continuar  listando  as  inúmeras  e  i[ni]magináveis  expressões  que


pessoas trans ouvem/leem para, desde aí, fazer emegir, ou tentar evidenciar,
algumas  tensões  e  problemáticas  de  um  sistema  coercitivo­regulatório­
identitário  de  gênero  –  também  limitado,  limitador  e  pouco
criativo/imaginativo – que tenta impor suas vontades sobre aqueles corpos
que,  supostamente,  vivenciam  e  experimentam  suas  potencialidades  para
além das expectativas sócio­político­econômico­culturais do binarismo de
gênero.

“[…]  Em  outra  epistême,  minha  nova  voz  seria  a


voz de uma baleia ou o som de um trovão, aqui é
simplemente uma voz masculina.” PRECIADO, P.
B. [2]

“[…]  certas  vidas  não  se  qualificam  como  vidas,


ou,  desde  o  princípio  não  são  concebidas  como
vida,  dentro  de  certos  marcos  epistemológicos,
então, tais vidas nunca se considerarão vividas ou
perdidas no sentido pleno de ambas as palavras.”
BUTLER, J. 2010 [3]

Me  detenho  a  essas  [expressões],  por  hora,  para  recordar­nos  que,  antes
mesmo  de  nossos  nascimentos,  estamos  inseridas  em  uma  trama  sócio­
cultural  que  associa  nossos  fetos  genitalizados  à  expectativas  de
masculinidades  e  feminilidades  mainstream  que  minam,  ignoram,
desagenciam  e  punem  qualquer  dissidência/desvio.  É  dizer  que  somos
acometidas,  sem  nossos  consentimentos,  à  um  sistema  coercitivo­punitivo
que,  supostamente,  limitaria  as  possibilidades  de  vivenciar  e  explorar
nossos corpos e vidas em duas: como meninos/homens [com pênis] ou como
meninas/mulheres [com vagina]. Ignorando, minando e oprimindo, desde aí,

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qualquer possibilidade não circunscrita a esse [cis]tema.

“[…]  O  feto  já  não  é  feto,  é  um  menino  ou  uma


menina.  Essa  revelação  evoca  um  conjunto  de
expectativas  e  suposições  em  torno  de  um  corpo
que  ainda  é  uma  promessa.  Enquanto  o  aparelho
da  ecografia  passeia  pela  barriga  da  mãe,  ela
espera  ansiosa  as  palavras  mágicas  que  irão
desencadear  as  expectativas.  A  ansiedade  da  mãe
aumenta quando o aparelho começa a fixar­se ali,
na  genitália,  e  só  termina  quando  há  o  anúncio
das  palavras  mágicas:  o  sexo  da  criança.  A
materialidade do corpo só adquire vida inteligível
quando se anuncia o sexo do feto. Toda a eficácia
simbólica das palavras proferidas pelo/a médico/a
está  em  seu  poder  mágico  de  gerar  expectativas
que  serão  materializadas  posteriormente  em
brinquedos,  cores,  modelos  de  roupas  e  projetos
para o/ a futuro/a filho/a antes mesmo de o corpo
vir  ao  mundo.  […]  Antes  de  nascer,  o  corpo  já
está  inscrito  em  um  campo  discursivo”  BENTO,
B. 2011. [4]

Se  a  transgeneridade  é  impossível/impensável,  desde  a  interpretação  da


ecografia,  que  dirá  das  identidades  trans  não­binárias.  Duplamente
impossibilitadas/invizibilizadas.  Trans  e  não­binária.  Conjunção.
Abominável, não cansam de dizer.

“Compreendemos  identidade  de  gênero  a


profundamente  sentida  experiência  interna  e
individual do gênero de cada pessoa, que pode ou
não  corresponder  ao  sexo  atribuído  no
nascimento,  incluindo  o  senso  pessoal  do  corpo
(que pode envolver, por livre escolha, modificação
da  aparência  ou  função  corporal  por    meios
médicos,  cirúrgicos  ou  outros)  e  outras  expressões
de  gênero,  inclusive  vestimenta,  modo  de  falar  e

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maneirismos.” Princípios de Yogyakarta. [5]

“[…]  Sexo  é  biológico,  gênero  é  social.  E  o


gênero  vai  além  do  sexo:  O  que  importa,  na
definição do que é ser homem ou mulher, não são
os  cromossomos  ou  a  conformação  genital,  mas  a
auto­percepção  e  a  forma  como  a  pessoa  se
expressa socialmente.” JESUS, J.G. 2011. [6]

Sou  uma  pessoa  trans  não­binária  assignada  “masculino”,  “menino”  antes


de nascer [não sei se mainha fez ecografia em 1994, suponhamos que sim
pra manter a coerência desse trecho] e isso significa que nego a assignação
dado que não me reconheço, não reforço e não reivindico as expectativas
que  se  criaram  sobre  o  meu  feto  genitalizado  [sou  uma  pessoa  trans,
portanto] e não pretendo reivindicar ou reivindico [7] qualquer identidade
circunscrita ao binarismo de gênero [mulher/homem], embora me imponham
uma,  porque,  hoje,  sou  “feminina  demais  pra  ser  homem  e  masculina  de
mais pra ser mulher”, ou pelo menos é isso que percebo quando no mercado
[Muffato] e numa abordagem policial, por exemplo, sou/fui interpelada “é
homem  ou  mulher?”.  É  uma  questão  sobre  identidade  de  gênero,  não  tem
que ver com identidade/orientação sexual [8] , diretamente, saliente­se.

Detenhamo­nos, temporariamente, a esses casos:

i.  Uma  criança,  aparentemente  “menino”  [em  Brasil,  Caiene


interpretou  assim],  possivelmente  6  anos  de  idade  [não  me
perguntem como chegay à essa estimativa, pois também não sei], no
carrinho de mercado com a mãe. Ao me ver passar interpela: “Mãe, é
homem ou mulher?”.
ii.  Um  policial  escroto,  desnecessauro  [desnecessário+dinossauro],
numa abordagem/revista gratuita, autoritária e desnecessária em uma
noite qualquer de Janeiro.2016, no Jardim Universitário, em Foz do
Iguaçu:  tinha  acabado  de  chegar  em  Foz,  mó
cansada/preocupada/fudida/nervosa  e  teve  arma  e  lanterna  gratuíta
na minha cara. Sim, estava fumando um beck, e aí? Aplaudir Mujica
todo mundo gosta, né? Meu cu. Me interpela: “E você, é homem ou
mulher?”.

Não que isso seja relevante – mas ao menos delineia, ou insinua, de como as
instituições  que  “fazem  o  gênero”  (BENTO,  2011),  a  escola/família  e  a

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polícia  [do  gênero,  terrorismo  de  gênero,  heteroterrorismo,  cisterrorismo],


por  exemplo,  perpetuam  o  sistema  coercitivo­punitivo  do  binarismo  de
gênero  quando  não  perguntam,  por  exemplo,  “é  homem,  mulher  ou
ciborgue?”,  hahaha.  É  dizer  que  essas  interpelações  revelam  que  ainda  é
impensável, no Brasil, para algumas pessoas a existência de pessoas que não
são  homens  ou  mulheres  [ou  que  o  são  e,  além  disso,  são  homens  com
vagina  e  mulheres  com  pênis],  que  são  obrigadas  a  marcar  xizinho  em
opções de protocolos e formulários que não as contemplam e que não dizem
o  que  são  de  verdade,  que  são  obrigadas  a  carregarem  consigo  nome  e
identidade  de  gênero  “oficiais”  que  nada  tem  que  ver  com  o  que  são,  de
fato.  É  dizer  que  há  toda  uma  trama,  para  além  das  expectativas  do  pré­
nascimento,  de  instituições  [as  placas  dos  banheiros  [9]  inclusive,  não
esqueçamos] que regularizam e perpetuam esse [cis]tema. É, desde aqui, que
penso  minha  não­binariedade  e  minha  identidade  trans:  desde  o
rompimento,  desde  o  constrangimento,  desde  a  dúvida,  o  caos,  desde  a
dissidência, desde o limbo do cientificamente improvável, desde os olhares
de  repulsa/dúvida/ódio,  desde  as  más  e  boas  impressões  que  me  atingem,
que me atravessam, diariamente, por todo lado, desde o banheiro que utilizo
no  Barrageiros  [PTI,  UNILA,  Foz  do  Iguaçu]  cuja  placa  diz:  você  é
deficiente  e  tem  demandas  específicas  [utilizo  o  banheiro  pensado  para
pessoas com demandas específicas porque ele é o único, no momento, que
não  sugere  somente  identidades  de  gênero  binárias.  Há  que  se  comentar
sobre  a  violência  simbólica  que  a  arquitetura  e  as  placas  sinalizadoras
projetam sobre os corpos trans e travestis em geral; particularmente os não­
binários,  heim?  RIBEIRO,  S.  já  problematizou  sobre  os  quartos  de
empregada  enquanto  extensão  da  senzala].  É  dizer  também  que  nossas
identidades  passam,  para  além  da  reivindicação  discursiva  e  da
performance,  por  como  somos  lidas  nas  ruas,  pelo  que  falam  de  [ou
insinuam sobre] nós; não quero com isso dizer ou corroborar com a ideia de
que pra sermos alguma coisa devemos, o­bri­ga­to­ri­a­mente, passar por um
processo  patologizante  de  validação  de  nossas  próprias  narrativas  sobre
nossos  corpos  e  vidas  ou  que  pra  sermos  alguma  coisa  precisamos  que
algo/alguém além de nós próprias, exterior, nos permita, ou que não chega
reivindicarse. Quero viver e acredito num modelo organizacional em que a
autodeclaração seria suficiente para que fôssemos respeitadas, onde não se
forçaria  as  pessoas  a  submeterem  seus  corpos  e  vidas  à  uma  série  de
violências  para  serem  respeitadas,  e  onde  pessoas  mal­intensionadas  não
utilizariam  um  recorte  desse  trecho  [ou  as  ações  afirmativas  que  se
criaram/criarão para minimizar desigualdades históricas] pra dizer que basta
dizer­se  e,  pimba  [particularmente  as  pessoas  cisativistas  transfóbicas  que
poderão dizer: “Aí ó, depois tem homem “dizendo” que é mulher pra tomar

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fala/espaço”.  Eu  só  convido  pra  uma  análise  mais  respeitosa  [10]  e
aprofundada sobre o que temos produzido/proposto]. Este é um ponto bem
delicado,  como  todas  já  perceberam/sabem.  Ainda  sobre  isso,  cabe
exemplificar  e  sugerir  a  leitura  da  Lei  de  Identidade  de  Gênero Argentina
http://goo.gl/AqAiT. Isso pra cutucar todas que ainda não pensa[ra]m sobre
isso a pensar porque que aqui do lado de Foz [pra quem não sabe, Foz do
Iguaçu é uma cidade na tríplice­fronteira: Brasil (Foz do Iguaçu), Argentina
(Puerto Iguazu) e Paraguay (Ciudad del Este)] vigora uma lei estatal, desde
9.Maio  de  2012,  que  é  referência  mundial  em  termos  de  identidade  de
gênero para pessoas trans e travestis e, desde o Brasil, seguimos numa quase
inércia e numa desmobilização em massa medonhas no que diz respeito ao
Projeto  de  Lei  de  Identidade  de  Gênero  Brasileira  http://goo.gl/K6UQSG,
desde  2013.  Há  que  se  pensar  na  comunidade  de  pessoas  trans  e  travestis
desde América­Latina, fortificar e criar redes. Salientar que há, novamente,
problematizações que emergem sobre esse modelo reivindicativo­estatal, e
que são muito importantes pra se pensar o Estado como detentor legítimo da
violência – sobre isso, ver CARRARA, citado por COLLING em Stonewall
40+ o quê no Brasil? https://goo.gl/Y5hLLM

“[…]  O  devir  minoritário  quanto  ao  gênero  é


trans  porque  é  a  transgeneridade  que  trabalha
politicamente  a  negação  de  um  contrário:  nós
pessoas  trans  negamos  a  negação  que  se  dá  a
partir  de  uma  expectativa  quanto  ao  gênero  e,
com  isso,  a  partir  da  consideração  desta
totalidade,  afirmamos  positivamente  a
singularidade  de  nossas  vidas.”  BAGAGLI,  B.  P.
2016. [11]

Muitas podem estar se perguntando: tu não és travesti?

Só digo que não estou à autura dessas pessoas­potência para reivindicar essa
identidadepotência  há  muito  violentada,  discriminada  e  escravizada  no
Brasil.  E,  de  fato,  a  identidade  travesti  poderia  ser  entendida  desde  essa
divisão  analítico­didáticometodológico­político­discursiva  “cis­trans  /
[não]binário”,  desde  as  identidades  trans  não­binárias  [com  recortes  em
classe e raça]; mas bem da verdade, discutir desde aí não muda o fato, por
exemplo,  de  que  cerca  de  90%  das  mulheres  trans  e  travestis

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permanecem/estão na prostituição, não muda o fato de que o Brasil é o país
em  que  mais  se  assassina  pessoas  trans  e  travestis,  no  mundo;  o  fato  de
pessoas  trans  e  travestis  que  precisam  de  ou  solicitam  acompanhamento
médico em suas transições continuarem desassistidas e negligenciadas [daí
trazer a tona as problemáticas da auto­hormonização, do silicone industrial,
etc  (e  seus  vários  aspectos:  potente  na  perspectiva  da  autoexploração  e
autonomia  dos  nossos  corpos  e  vidas;  perigoso  em  outros  sentidos,
sobretudo médico­morais; negligente, dado que quem, hoje, deveria prezar
e  responsabilizar­se  pela  saúde  coletiva  da  comunidade  trans  e  travesti,
particularmente,  não  o  faz)].  Não  devemos  corroborar  com  o  discurso
equivocado  de  que  “prostituição  é  ruim  e  que  morreu  porque  tava  se
prostituindo”, porque esse discurso é culpabilizadortransfóbico e mentiroso,
devemos  sim  evidenciar  ou  sublinhar  o  óbvio:  não  há,  no  Brasil,  ações
afirmativas que atingem a massa popular no que diz respeito à integração da
comunidade  de  pessoas  trans  e  travestis  no  mercado  de  trabalho
“tradicional/formal”;  é  dizer  que  a  prostituição  não  é,  ainda,  parte  de  um
bloco de possibilidades/oportunidades/escolhas trabalhistas, pelo contrário,
é “A” possibilidade, única [Travesti/MulherTrans (se e só se) Prostituição];
particularmente para aquelas pessoas que não retificaram ou não pretendem
retificar  [como  se  o  erro  fosse  nosso]  os  documentos  de  identificação
estatais.  É  dizer  que  ainda  que  estejamos  hiper­mega­super  preparadas,  no
que diz respeito à conhecimentos técnico­específicos, ainda que tenhamos
formação acadêmica “5 estrelas”, continuamos desempregadas no Mercado
de Trabalho  “formal”.  Não  é,  pra  vocês,  curioso  que  não  vejamos  pessoas
trans e travestis realizando mesmo os serviços históricamente considerados
como subempregos [“formais”], não as vejamos com frequência nas salas de
aula  [e  aqui  poderíamos  discutir  inclusão  e,  sobretudo,  permanência
estudantil. Particularmente de como as instituições de ensino superior tem
pensado  os  editais  sem  outros  recortes  para  além  dos  sócio­econômicos]?
Acham mesmo que é por falta de esforço? Ou tem que ver, também, com um
[cis]tema  transfóbico  que  ignora  ou  desconsidera  qualquer  potencialidade
nas  pessoas  trans  e  travestis  simplesmente  porque  essas  pessoas  são
trans/travestis?  É  dizer  que,  historicamente,  nossas  potencialidades  foram
minadas e fomos empurradas, muitas, pro limbo, pro escuro da noite, porque
grande  maioria  das  pessoas  optou  pelo  essencialismo  e  pelo  preconceito
invés da possibilidade de expansão perceptiva sobre o mundo e as coisas.
Muitas de nós, contra nossas vontades, entre morrer de fome ou de apanhar
[das  pessoas  que,  dizem,  deveriam  nos  proteger  e  amar,  inclusive]  e  nos
submeter  à  prostituição  como  meio  de  subsistência/renda,  por  exemplo,
preferimos  a  última:  pelo  menos  andamos  com  nossas  próprias  pernas  e
desde  aí  resistimos,  desde  as  vulnerabilidades  e  insegurança,  muitas  das

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vezes; desde a expulsão das instituições de ensino básico/fundamental até a
negação de nossas identidades e nome e demandas e tudo. E não aceitamos
que  nos  culpem  por  isso.  Nesse  sentido  que  reivindica­se  mais
oportunidades  para  além  da  prostituição,  para  todas  as  pessoas  trans  e
travestis. Por dignidade e respeito no tratamento de nossas vidas e saúde. E
este ensaio é, também, um chamado para que todas nós comecemos a pensar
mais  de  perto  sobre  as  pessoas  há  muito  invizibilizadas  e  oprimidas
simplesmente  por  serem  o  que  são:  pessoas  e  trans/travestis  [e  negras  e
pobres  e  gordas  e  pessoas  com  necessidades  especiais  e/ou  demandas
específicas e analfabetas e etc – o buraco vai só abaixando e se não agirmos
em  massa  e  recordarmo­nos  de  Audre  Lorde  em  Não  há  hierarquia  de
opressão  [12],  o  transfeminicídio  e  o  genocídio  da  comunidade
trans/travesti  e  da  comunidade  preta,  particularmente,  continuarão  em  seu
curso natural­histórico].

[Ressalva]  Sim,  existem  pessoas  trans  empregadas


e  em  bons  cargos  pelo  mundo. A  pergunta  que  se
faz é: quantas? E o que isso significa?

[Parênteses]  A  bem  da  verdade,  queremos  mesmo


trabalhar  8/12/24  horas  por  dia  e  receber  pouco
pela  maior  preciosidade  que  temos?  Tempo.  É
fácil  falar,  sim,  de  barriga  cheia,  desde  aqui  da
cama  quente  e  do  computador  e  do  conforto  que
meus  vários  privilégios  possibilitam,  desde  a
Universidade,  desde  as  ações  afirmativas  que  me
sustentam,  desde  as  pessoas  maravilhosas  que  me
ajudam.  Mas  a  pergunta  é  bem  sincera:  que  tipo
de  sociedade  pensamos  pra  nós?  Pensar  na
regulamentação  da  Prostituição,  no  Brasil,  e
largar esse discurso meio que paternalista sobre a
autonomia  das  pessoas  travestis  e  pessoas  trans
também  me  parece  um  bom  caminho.  É  dizer  que
precisamos  muito  aprender  e  somar  com  todas
vocês, putas travestis. <3

“Eu  gostaria  de  ter  percebido  antes  e  realmente


não  fazer  nenhuma  carreira  acadêmica,  não
estudar  na  universidade,  e  que  notassem  que  não
o  fiz.  Lamento  muito  que  me  liguem  ao

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pensamento intelectual, que acreditem que eu seja
uma  acadêmica.  Dei­me  conta  tarde  do  pouco
valor que isso tem e de quão pouco interessante é
o  que  se  produz  na  academia,  especialmente  em
Buenos  Aires.  Se  voltasse  a  nascer,  seria
boxeadora profissional, ou me dedicaria à música
ou  ao  trabalho  sexual,  para  fazer  muito  dinheiro,
porque fui muito linda e feminina quando jovem e
não  aproveitei  isso  e  o  desperdicei  sem  fazer
grande caso.” SILVESTRI, L. [13]

“¿Qué  otros  agenciamientos,  formas  de  desear  y


afectarse,  experimentaciones,  proximidades  y
lejanías  especialmente  no  humanas  se  niegan,  se
invisibilizan, se ocultan, y finalmente desaparecen
cada  vez  que  pensamos  que  la  única  existencia
social es la de una sociedad estatal con derechos a
trabajo, vivienda, salud, familia y propiedad para
todos y todas?”. SILVESTRI, L. [14]

Sobre travestidades e prostituição, ver MOIRA, A.
https://goo.gl/HdFWC5.

Quando falamos em identidades e pessoas trans, é recorrente que se pense
nas  explorações/modificações  corporais,  no  acionamento  de  próteses­
dispositivos  que,  supostamente,  “aproximariam”  esses  corpos  trans  à  suas
identidades  sócio­políticas,  supostamente  [15],  desviadas.  Cabe  ressaltar,
nesse  sentido,  que  procedimentos  estéticos  não  são  necessários  para  que
uma  pessoa  seja  trans.  E  recordar  que  a  lógica  de  “corpos  errados”  [16]  e
“corpos  certos”  é  cissexista  [ou  transfóbica,  se  preferirem].  É  dizer  que  há
pessoas trans e travestis que não desejam, ou não tem recuros [financeiros,
particularmente],  ou  não  precisam  ou  decidem  não  recorrer  à  próteses­
dispositivos  e  que,  nem  por  isso,  deixam  de  ser  o  que  são:  pessoas
trans/travestis.  Ainda,  cabe  relembrar  o  alerta  https://goo.gl/JhnQkQ  que
NERI, N. [2016] faz sobre como cobramos que essas pessoas [AMAN [17],
particularmente/sobretudo],  todas  elas,  enquadrem­se  em  um  tutorial  de
transgeneridade imaginário; muitas vezes elitistas.

Sobre  saúde  e  hormonização  [18],  particularmente,  digo  que  minhas


projeções não tangenciam uma Terapia Hormonal; é dizer que ainda tenho

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receios  sobre  a  administração  de  hormonas  no  meu  corpo,  há  muito
desgastado e vulnerabilizado por tecnologias de gênero já suficientemente
violentas.  Muito  influenciada,  também,  pelas  problematizações  desde  a
dissidência/contraconduta  sobre  o  biopanóptico  do  estado  e  o  poder
médico [19]. E é evidente que isso acarretará inúmeras discussões sobre um
suposto “ser trans” standart, ou “o que é ser trans, de verdade?”.

“[…]  hormonização  sintética  é  coisa  séria.  Pra


tocar um processo assim, é importante ter bastante
nitidez  sobre  os  motivos  pelos  quais  estamos
fazendo isso. Começar uma Terapia Hormonal pra
“se sentir trans de verdade”, pra ganhar figurinha
e  lugar  de  fala  dentro  da  militância  –
provavelmente  é  um  péssimo  motivo.  Quem  vai
viver  todas  as  alterações  físicas,  alterações  de
humor,  na  dinâmica  energética  do  corpo,  na
libido,  fora  todos  os  riscos  de  saúde  que  podem
estar  implicados  –  são  vocês.  Passar  por  isso,  em
última  instância,  precisa  ser  por  vocês,  em  nome
do  que  vocês  querem,  desde  uma  relação  bem
construída  com  o  corpo  de  vocês,  e  uma  boa
reflexão  sobre  a  vida  que  vocês  querem  construir.
Lembrem  que  –  especialmente  pra  pessoas AMAN
–  as  alterações  físicas  mais  significativas  são
LENTAS.  Demoram.  Os  “efeitos  colaterais”
chegam  antes.  E  podem  ser  bem  desagradáveis,
especialmente no início.

[…]  Mas  sério:  não  façam  isso  por  “querer


pertencer  a  um  grupo”.  Hormônio  algum  vai
tornar  vocês  “mais  trans”  ou  “menos  trans”  do
que  ninguém.  Lembrem  que  existem  várias  formas
diferentes  de  transicionar.  E  que,  além  disso,  a
hormonização  não  vai  dar  por  si  só  mais
legitimidade  a  vocês  dentro  de  qualquer  ativismo.
Vocês  podem  construir  essa  aceitação  de  outras
formas  (por  exemplo:  militando  com  mais  ética,
cuidado  e  seriedade),  que  com  certeza  vão  ser
muito  mais  positivas  pra  todo  mundo.  Mas  não
sigam  pela  hormonização  sintética  sem  a  certeza
de que é por vocês, pra vocês.” SÔNICA, E. 2016

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[20]

Me faltam, apenas, prótesis mamárias [não, não é pré­requisito pra ser trans,
tampouco não binária, ok?]. Tamanho bitch, tu é dixtruidora mexmo viu?.
Elas  terei,  não  sei  quando  mas  já  as  imagino.  Se  pá  daqui  uns  dias
desencano  ou  fico  mais  decidida.  Na  verdade  me  interessa  mais  somar  na
luta  por  um  precedente  jurídico  [21]  já  evidenciado  por  [Dyva]  Indianara
Sophia  Fenix  https://goo.gl/r0uAr5  que  as  prótesis,  em  si.  E  porque  acho
que me cai bem, vai dar um up na auto­estima e vai ficar lindo, espero.

“[…]  Criar  um  corpo  ético,  não  moral.  Criar  um


corpo  que  experimenta  e  pode  cada  vez  mais,  um
corpo  que  escolhe  tudo  o  que  lhe  convém  sempre
da  melhor  maneira  possível,  um  corpo  feliz,
satisfeito,  realizado.  Deixar  definitivamente  esta
corporeidade moral, que julga, cultua, edipianiza,
idealiza,  esquece  de  si,  se  despreza,  tem  nojo,
medo,  vergonha.  É  possível  abrir  todo  um  novo
plano  de  sensações  novas  dentro  de  nós,  um  novo
topos,  uma  nova  região.”  TRINDADE,  R.  2013
[22]

Me sentirei completa, acho. Ou não, como http://goo.gl/IhGjFc diz.

“Me  construo  demoníaca  dançando  entre  chamas


que  recusam  qualquer  salvação.”  SÔNICA,  E.
2016

Queria chegar no ponto onde as diferenças serão celebradas. “A verdade”,
por aqui, é que as identidades trans não­binárias são tão diversas quanto as
identidades cis e trans binárias. É dizer que do mesmo modo que não há um
“ser  homem/mulher,  cis  ou  trans”  homogêneo,  não  há  um  “ser  trans  não­
binária”. Essas categorias identitárias são tão diversas quanto imaginável. E

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que maravilha. A tentativa é trazer à tona informações pra quem ainda não
sabe  que  somos  pessoas  com  um  milhão  de  dúvidas  e  medos  sobre  nós
próprias  e  pedir  mais  respeito,  dignidade,  empatia,  companheirismo  e
paciência.

Ajude  a  fazer  emegir  essas  vozes­potência  há  muito  silenciadas.  Ficam,


aqui,  mais  algumas  sugestões­potência:  Éris  Sônica,  Amanda
Palha,  Monstra  Erratik,  Hailey  Kass,  Bia  Pagliarini  Bagagli,  Jaqueline
Gomes  de  Jesus,  Helena  Vieira,  Íka  Carneiro,  Viviane  Vergueiro,Luciano
Palhano,  João  W.  Nery,  Daniela  Andrade,  Ana  Flor,  Maria  Clara
Araujo,  Travesti  Reflexiva,  Luiza  Copietters,  Transfeminismo,Laerte
Coutinho. Tem muito mais. Descobre pra gente e compartilha. Segue tudo. 

Notas

[1] Caiene Reinier, 21. https://goo.gl/AyVQNe. Bixa não­binária, preta. Falo
desde Foz do Iguaçu, Paraná, Brasil. Falo desde uma perspectiva brasileira
influenciada  por  leituras  diversas  sobre  identidades  trans,  desde  minhas
perspectivas  e  vivências,  também,  que  não  são  neutras  porque  não  existe
isso  de  neutralidade.  Não  pretendo  que  este  ensaio  seja  tomado  como
cartilha  standart  sobre  identidades  trans  não­binárias,  também  não  me
coloco como porta­voz de nada nem ninguém além de mim própria. É dizer
que as pessoas são tão diversas quanto possível e entendem a si próprias de
igual  forma,  e  que  maravilha  isso.  Também  não  me  detive,  ainda,  sobre
todas  as  possíveis  implicações  dessa  escrita.  Desconsidero  outros  arranjos
de  sociabilidade  [que  não  os  metropolitanos­contemporâneos­habituais
desse modo de vida que a gente vê por aqui] onde a ideia de identidadea
trans  e  não­binárias  sequer  existe.  A  pirataria  está  permitida.  Cortem,
desembolem,  embolem,  rasguem,  risquem.  Não  precisa  citar  fonte,  só  se
quiser.

[2]  PRECIADO,  P.  B.  Otra  voz.  http://goo.gl/VNVJYH.  23.Março,  2016.


18h40’19”.

[3]  BUTLER,  J.  Marcos  de  Guerra:  las  vidas  lloradas.  2010,  p.13.
https://goo.gl/4FmMkN

[4] BENTO, B. Na escola se aprende que a diferença faz a diferença. Estudos
Feministas,  Florianópolis,  19(2):  336,  maio­agosto/2011.  p.  550.

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https://goo.gl/4twjZv. Acesso em 23.Março, 2016. 01h29’31”.

[5] http://goo.gl/pJESK5, p.7. 23.Março, 2016. 01h28’25”.

[6]  JESUS,  J.  G.  https://goo.gl/Ap8YkF,  p.6.  23.Março,  2016.  03h10’29”.


Sobre  uma  perspectiva  crítica  à  essa  definição,  ver  BUTLER,  Judith.
Problemas  de  gênero:  Feminismo  e  subversão  da  identidade.  (2003).
Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro, RJ: Ed. Civilização Brasileira,
1ª Ed.

[7] Sobre a problemática: se o discurso, se a reivindicação “chega” pra se ser
alguma  coisa,  ver  PALHA,  A.  inclusive  os  comentários  de
https://goo.gl/0VgWdV 25.Março, 2016. 14h06’23”.

[8] “Compreendemos orientação sexual como uma referência à capacidade
de cada pessoa ter uma profunda atração emocional, afetiva e/ou sexual por
pessoas de identidade de gênero diferente, de mesma identidade de gênero
ou  de  mais  de  uma  ou  nenhuma  identidade  de  gênero,  assim  como  ter
relações íntimas e/ou sexuais com essas pessoas.”. Princípios de Yogyakarta,
p. 7.

[9] Ver PRECIADO, P. B. Sujeira e gênero. http://goo.gl/lpRKvB. Acesso em
25.Março, 2016. 17h43’25”.

[10] Sobre o que acontece quando x subalternx fala, ver ERRATIK, M. em
Pode  um  cu  mestiço  falar?  https://goo.gl/jTq0tr  25.Março,  2016.
19h08’12”.

[11] https://goo.gl/JLdjHb 24.Março, 2016. 19h41’18”.

[12]  LORDE,  A.  Não  há  hierarquia  de  opressão.  http://goo.gl/NfhXcz


25.Março, 2016. 17h12’06”.

[13]  Citadx  por  Contracondutas  da  AIDS  em  A  insurreição  dos  saberes
sujeitados. http://goo.gl/zv5BSz. 25.Março, 2016. 18h06’08”.

[14]  SILVESTRI,  L.  em  entrevista  http://goo.gl/SflWgU  25.Março,  2016.


10h09’48”.

[15]  Note­se  que  utilizo,  recorrentemente,  o  “supostamente”.  Sobre  as  tais

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suposições,  aqui,  tento  referir­me  aos  contradiscursos  sobre  a  [olha  só,


novamente]  suposta  “naturalidade”  da  cisgeneridade.  Sobre  isso,  ver  B.  P.
BAGAGLI, H. KASS, V. VERGUEIRO.

[16]  Sobre  isso,  ver  REINIER,  C.  2014.  https://goo.gl/fZXwr7  25.Março,


2016. 14h01’57”.

[17] Assignadas Masculinas Ao Nascer

[18]  Sobre  hormonização  e  cissexismo,  ver  BAGAGLI,  B.  P.


https://goo.gl/pv1QTS 25.Março, 2016. 16h01’11”.

[19] Ver Contracondutas da AIDS e Repensar a AIDS: http://goo.gl/nL8hXr
e https://goo.gl/4R7WKr

[20]  SÔNICA,  E.  sobre  hormonização  sintética.  https://goo.gl/Rcvp2E.


23.Março, 2016. 21h24’33”.

[21] Se condenada, por ter seus seios – lidos como femininos – mostrados
em  público  [atentado  ao  pudor]  sendo  uma  pessoa  trans  AMAN  sem
documentos retificados [Masculino/Homem, para o Estado] por um lado se
reconhece sua identidade de gênero: não­masculina. Por outro reafirma [ou
sublinha o óbvio] que, no Brasil, mulheres e homens não são iguais perante
a  lei  [contradição  constitucional]:  porque  homens,  supostamente,  podem
andar  sem  camisa  na  rua/praia,  por  exemplo,  e  isso  não  é  considerado
atentado  ao  pudor.  Estamos  falando  de  criminalização  das  corporalidades,
[trans]misoginia  e  machismo.  Penso  meu  corpo  desde  aqui,  também.
Corpopolítico.  Corpo­intervencionista.  Corpo­
necessário. https://goo.gl/ctPjbb

[22] TRINDADE, R. Espinosa – que pode o corpo? http://goo.gl/LmiDZm
25.Março, 2016. 12h21’29”.

Imagem: hypescience.

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