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RESUMO
Os avanços tecnológicos e mudanças nos modos de vida dos últimos anos vem refletindo
nas dinâmicas de trabalho, no convívio social e nas configurações familiares, de maneira
que tais transformações demandam alterações na forma de habitar. Dentro deste cenário, o
artigo tem o objetivo de analisar iniciativas que trazem discussões sobre o programa
habitacional a partir dos conceitos dos arquitetos Jonh N. Habraken (1928) e Manuel Gausa
(1959). Habraken discute a participação do morador nas tomadas de decisões do programa
habitacional, de modo que a moradia não é tratada como produto final, mas sim como
processo. Desta forma, enfatiza que a habitação tem a capacidade de se transformar de
acordo com as necessidades da sociedade. Seus estudos buscam uma alternativa aos
problemas de repetição e de identidade existentes na produção de habitação em massa. Já
o arquiteto e teórico Manuel Gausa propõe uma reflexão sobre o projeto habitacional
contemporâneo a partir de movimentos sociais e das transformações que estão ocorrendo
no tecido urbano. Sua teoria busca compreender o lugar como campo multidisciplinar,
gerando uma nova perspectiva de projeto, como elemento reestruturador da cidade e não
como célula isolada. Diante do exposto, o tema se mostra importante por discutir a questão
da habitação à luz da diversidade, tão necessária para atender as configurações familiares
contemporâneas e suas relações entre espaços de convívio social e trabalho. Nesse
sentido, como discussão, é apresentada uma proposta projetual de habitação multifamiliar
que incorpora as teorias de Habraken e Gausa. Este ensaio, proposto para a área central de
Bauru, São Paulo – região esvaziada como em tantas cidades brasileiras, tem como foco a
variação de tipologias habitacionais e os espaços abertos para a população. Uma tentativa
de conectar a área de intervenção com seu entorno histórico, potencializando o raio de
atuação da proposta em um debate importante sobre a relação cidade/habitação e que
contribui para a discussão acerca da ressignificação das áreas centrais.
Palavras-chave: flexibilidade, adaptabilidade, habitação como processo, transformação
habitacional.
Este artigo tem o objetivo principal de refletir sobre a habitação coletiva com ênfase
na busca por dinâmicas projetuais que contemplem diversos tipos de arranjos familiares
dentro do panorama contemporâneo. Desta forma, o trabalho investiga alternativas que
possibilitam variações tipológicas por meio da flexibilidade dos espaços e a oportunidade de
ampliação e modificação ao longo do tempo, propondo um projeto conceitual que abrange
tais aspectos e que promova uma renovação do centro histórico de Bauru-SP.
A importância desse artigo justifica-se pela busca de novas soluções que respondam
as transformações da cidade contemporânea referente ao habitar, visto que novas
dinâmicas sociais e tecnológicas surgem no século XXI e que demandam mudanças no
programa habitacional para acompanhar estas transformações.
Um dos fatores que levou a este quadro foi à taxa decrescente da fecundidade em diversos
países. Para Berquò (1989), o que está por trás desta queda da fecundidade é um novo
modelo feminino que reivindica seus direitos, um espaço no mercado de trabalho, tem uma
maior liberdade de ter relações sexuais sem obrigatoriamente vínculos matrimoniais, o
direito de ter ou não ter filhos e o direito de se separar. Esta nova postura feminina é
respaldada pela difusão de novos métodos contraceptivos mais acessíveis e mais eficazes.
Mudanças demográficas também contribuem para as alterações nos novos modos de vida.
Observa-se um envelhecimento da população na sociedade contemporânea causado,
principalmente, pela queda da fecundidade e da mortalidade. Se, por um lado, o número de
nascimentos diminui e morrem menos recém-nascidos, por outro, as pessoas idosas vivem
mais tempo. Esta tendência crescente altera consideravelmente o novo perfil etário da
população (SEADE, 2000). Ainda, o grupo familiar diminui de tamanho, a família brasileira,
que era composta por, em média, 4,3 pessoas em 1981, chegou a 3,3 pessoas em 2001,
com média de 1,5 filhos (IBGE, 2003).
Em 1962, o arquiteto holandês John Habraken publica um pequeno volume (De gragersen
de mensen. Heteinde van de massawoningbouw) traduzido para o inglês como Supports:
alternative to mass housing (1972), em que expõe suas teorias sobre o habitar, criticando
arquitetos e profissionais da construção no que se refere ao enfrentamento da questão
habitacional. Para o arquiteto, os moradores, como principal foco dessa questão, são postos
à deriva. Seus estudos voltam-se para a busca de uma melhor solução em reposta à
produção em massa que generaliza e não contempla a individualidade. Habraken afirma: “O
Homem já não se aloja: Ele é alojado.” (HABRAKEN, 2011, p. 11).
Segundo Habraken, a moradia não pode ser vista como produto sem a participação do
usuário, mas precisa ser encarada como um processo que tem o morador como agente
participante nas tomadas de decisões. Desta forma, enfatiza que a habitação como
processo tem a capacidade de se transformar ao longo do tempo e de acordo com as
necessidades de seus moradores (HABRAKEN, ct Batista, 2011). Além disso, Habraken
divide o processo de projeto e da construção da habitação em dois momentos de tomadas
Ainda segundo a mesma autora, em uma visão mais técnica, o coletivo (suporte) consiste
em uma estrutura dotada de qualidade espacial definida e construída em um lugar
específico, que serve e afeta diretamente a todos os inquilinos. A estrutura de suporte
normalmente inclui: a estrutura primária; a pele do edifício (fachadas e coberturas); a
circulação pública e de emergência (corredores, escadas, galerias, rampas e elevadores);
linhas primárias de instalações, utilidades e sistemas técnicos do edifício, até o ponto de
conexão de cada inquilino. Já a dimensão individual é definida por elementos que o próprio
morador insere, de acordo com suas necessidades, sendo a definição das tipologias do
ambiente e suas divisões internas determinada conforme o uso de cada morador. Esta
estratégia possibilita uma maior flexibilidade e ampliação da habitação, garantindo maior
qualidade e autonomia ao usuário.
Diante do exposto, os principais conceitos extraídos das obras e da fala dos dois
arquitetos e que se tornaram referência para elaboração da proposta projetual apresentada
na sequência são: 1- a teoria de suportes de Habraken; 2- a ideia de participação do usuário
na concepção da habitação; 3- a separação entre estrutura primária e a dimensão individual;
4- a interação da habitação coletiva com a paisagem; 5- a polivalência dos espaços
coletivos e individuais.
4.1 Contexto
Bauru, no interior do Estado de São Paulo, é uma cidade de porte médio e, assim
como muitas cidades brasileiras, passou por um processo de desvalorização e abandono de
seus bairros centrais devido ao processo de expansão urbana e do abandono de áreas
fabris e ferroviárias localizadas no centro da cidade.
Assim sendo, o centro de Bauru tem relevância histórica por abrigar os edifícios mais
antigos da cidade, alguns em processo de tombamento pelo CODEPAC - Conselho de
Defesa do Patrimônio Cultural, o que mostra a importância da manutenção e preservação
desse local como memória da cidade. Os atuais debates sobre revitalização de áreas
centrais destacam a importância da inserção de habitação nessas regiões, de modo a
estabelecer vínculos entre o poder público, setor privado e a população, garantindo a função
social desses centros e a permanência da população ali residente e de suas práticas
sociais, conforme aponta a Declaração de Amsterdã:
Figura 1. Área de intervenção: 1- hotel Milanese, 2- praça Machado de Mello, 3- Estação Noroeste do
Brasil, 4- Museu Ferroviário Regional, 5- Calçadão da rua Batista de Carvalho, 6- avenida Rodrigues
Alves. Fonte: Lívia Morais.
- Segundo andar: uso misto. Apartamentos-ateliê e lofts (apartamentos com pé direito duplo,
mezanino e planta livre). Como uma zona intermediária, abriga programas de trabalho mais
reservados e moradia, atendendo pessoas que trabalham em casa. Conta com áreas de
- Terceiro andar: uso residencial com unidades habitacionais pequenas, além de horta
comunitária na cobertura do antigo Milanese, uma forma de incentivar a vida em
comunidade.
- Quarto, quinto e sexto andares: uso residencial com potencial aumento da flexibilidade por
meio de dez módulos iniciais que podem ser divididos, ampliados, agrupados ou
desdobrados em pátios, varandas ou outras espacialidades atendendo diferentes
configurações familiares ao longo do tempo (Figura 4).
- A partir do sétimo andar foram desenvolvidas plantas base diferentes, ainda com uso
residencial, mas com maior variedade de tipos de módulos (Figura 4).
O edifício, com doze andares no total, é concebido em estrutura metálica, sistema de piso
elevado e vedações com materiais que permitem montagem a seco, como placa cimentícia
e painéis de gesso, favorecendo o reaproveitamento, alterações e adaptações conforme as
necessidades do usuário. Se nas fachadas são explorados diferentes materiais como forma
de expressão da individualidade das unidades – placas, venezianas, vidros, madeira – no
interior das unidades habitacionais é proposto o uso de anteparos leves como persianas,
portas de correr e divisórias móveis permitindo alterações espaciais que possam ser
executadas pelos próprios moradores, incorporando o conceito de polivalência também nos
espaços individuais, um modo de habitar comum em outras culturas, como a japonesa, fonte
de referências projetuais para a elaboração desta proposta.
5- Considerações
A partir da análise dos trabalhos de Habraken e Gausa foram extraídos conceitos-chave que
guiaram o desenvolvimento de um ensaio projetual para a cidade de Bauru, desenvolvido
dentro do contexto de um trabalho final de graduação no ano de 2016. Foram consideradas
como ideias centrais a teoria de suportes de Habraken; a ideia de participação do usuário na
concepção da habitação; a separação entre estrutura primária e a dimensão individual da
unidade habitacional; a interação da habitação coletiva com a paisagem; a polivalência dos
espaços coletivos e individuais.