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HABIT(AÇÃO): A CIDADE PELO MORAR

BRESSAN, THAMIRES A. (1); MORAIS, LÍVIA P. Z. DE (2)

1.Vista Cotidiana – Arquitetura. Coletivo de Arquitetura e Urbanismo


R. Júlio Maringoni, Bauru - SP
thamiresbressan.arq@gmail.com

2. Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo


R. Maranhão, 88, São Paulo
lpzmorais@usp.br

RESUMO

Os avanços tecnológicos e mudanças nos modos de vida dos últimos anos vem refletindo
nas dinâmicas de trabalho, no convívio social e nas configurações familiares, de maneira
que tais transformações demandam alterações na forma de habitar. Dentro deste cenário, o
artigo tem o objetivo de analisar iniciativas que trazem discussões sobre o programa
habitacional a partir dos conceitos dos arquitetos Jonh N. Habraken (1928) e Manuel Gausa
(1959). Habraken discute a participação do morador nas tomadas de decisões do programa
habitacional, de modo que a moradia não é tratada como produto final, mas sim como
processo. Desta forma, enfatiza que a habitação tem a capacidade de se transformar de
acordo com as necessidades da sociedade. Seus estudos buscam uma alternativa aos
problemas de repetição e de identidade existentes na produção de habitação em massa. Já
o arquiteto e teórico Manuel Gausa propõe uma reflexão sobre o projeto habitacional
contemporâneo a partir de movimentos sociais e das transformações que estão ocorrendo
no tecido urbano. Sua teoria busca compreender o lugar como campo multidisciplinar,
gerando uma nova perspectiva de projeto, como elemento reestruturador da cidade e não
como célula isolada. Diante do exposto, o tema se mostra importante por discutir a questão
da habitação à luz da diversidade, tão necessária para atender as configurações familiares
contemporâneas e suas relações entre espaços de convívio social e trabalho. Nesse
sentido, como discussão, é apresentada uma proposta projetual de habitação multifamiliar
que incorpora as teorias de Habraken e Gausa. Este ensaio, proposto para a área central de
Bauru, São Paulo – região esvaziada como em tantas cidades brasileiras, tem como foco a
variação de tipologias habitacionais e os espaços abertos para a população. Uma tentativa
de conectar a área de intervenção com seu entorno histórico, potencializando o raio de
atuação da proposta em um debate importante sobre a relação cidade/habitação e que
contribui para a discussão acerca da ressignificação das áreas centrais.
Palavras-chave: flexibilidade, adaptabilidade, habitação como processo, transformação
habitacional.

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1. Introdução

Este artigo tem o objetivo principal de refletir sobre a habitação coletiva com ênfase
na busca por dinâmicas projetuais que contemplem diversos tipos de arranjos familiares
dentro do panorama contemporâneo. Desta forma, o trabalho investiga alternativas que
possibilitam variações tipológicas por meio da flexibilidade dos espaços e a oportunidade de
ampliação e modificação ao longo do tempo, propondo um projeto conceitual que abrange
tais aspectos e que promova uma renovação do centro histórico de Bauru-SP.

A importância desse artigo justifica-se pela busca de novas soluções que respondam
as transformações da cidade contemporânea referente ao habitar, visto que novas
dinâmicas sociais e tecnológicas surgem no século XXI e que demandam mudanças no
programa habitacional para acompanhar estas transformações.

O próprio discurso das principais fontes bibliográficas – os arquitetos John Habraken


(1928) e Manuel Gausa (1959) - guiou a definição da metodologia da pesquisa. Durante a
análise da bibliografia foram extraídos os principais termos utilizados que se repetem em
seus textos, entrevistas e depoimentos. Desse modo, os aspectos fundamentais da fala dos
dois arquitetos foram definidos como conceitos-chave para o desenvolvimento da proposta
habitacional apresentada na sequência.

2. Contexto social: mudanças nos modos de vida

As mudanças da sociedade, derivadas das condições sócio-econômicas no tempo, causam


transformações nas configurações familiares. A família extensa, modelo predominante no
início do século XX, era composta por pais, filhos, parentes por consanguinidade ou por
afinidade e empregados. Devido às questões sociais e econômicas este modelo familiar se
alterou, passando a ser denominado família nuclear. Neste modelo, pais convivem com
filhos e a família passa a habitar sozinha um espaço, o que estabelece uma maior
separação de suas famílias de origem e diminui a rede de apoio da família extensa (HINTZ,
2001).

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Já nos anos 1940, a cultura norte americana é estabelecida como referencial de costumes,
especialmente com a comunicação em massa ditada por novos meios de comunicação,
como a televisão. Para Tramontano (2003), eletrodomésticos, automóvel, o marido no papel
de provedor e a esposa gerenciadora da habitação fazem parte de um cenário em que a
habitação passa a ser o bem de consumo mais desejado da família nuclear. Ainda segundo
o mesmo autor, o modelo de família nuclear inicia um processo de fragmentação a partir dos
anos 1960, o que dá início ao surgimento de novos grupos domésticos, como - famílias
monoparentais; casais dividindo as despesas com renda dupla; casais sem filhos; uniões
livres – incluindo casais homossexuais, grupos coabitando sem laços conjugais ou de
parentesco entre seus membros. Há ainda uma família nuclear dominante, mas que se
renova com a diminuição da autoridade dos pais em benefício de uma maior autonomia de
cada um de seus membros. Tais alterações são o princípio de um novo padrão social:
pessoas vivendo sós.

Um dos fatores que levou a este quadro foi à taxa decrescente da fecundidade em diversos
países. Para Berquò (1989), o que está por trás desta queda da fecundidade é um novo
modelo feminino que reivindica seus direitos, um espaço no mercado de trabalho, tem uma
maior liberdade de ter relações sexuais sem obrigatoriamente vínculos matrimoniais, o
direito de ter ou não ter filhos e o direito de se separar. Esta nova postura feminina é
respaldada pela difusão de novos métodos contraceptivos mais acessíveis e mais eficazes.

Mudanças demográficas também contribuem para as alterações nos novos modos de vida.
Observa-se um envelhecimento da população na sociedade contemporânea causado,
principalmente, pela queda da fecundidade e da mortalidade. Se, por um lado, o número de
nascimentos diminui e morrem menos recém-nascidos, por outro, as pessoas idosas vivem
mais tempo. Esta tendência crescente altera consideravelmente o novo perfil etário da
população (SEADE, 2000). Ainda, o grupo familiar diminui de tamanho, a família brasileira,
que era composta por, em média, 4,3 pessoas em 1981, chegou a 3,3 pessoas em 2001,
com média de 1,5 filhos (IBGE, 2003).

Tal cenário de transformações familiares gera mudanças na forma de morar.


Enquanto a família extensa habitava unidades autossuficientes em comunidades rurais, a
família nuclear constituiu-se em unidade de consumo demandando uma série de serviços
independentes, como escolas, hospitais, que modificaram a forma de morar e viver em

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comunidade. Conforme Tramontano (2003), as mudanças nesse sentido podem ser
profundas, uma vez que o trabalho ocupa novamente o espaço da habitação, devido ao
processo de informatização da sociedade, com reflexos no habitar ainda em processo e,
portanto, incertos.

Se este processo de informatização causa mudanças na forma de habitar e de viver em


sociedade, especialmente após a popularização da internet como meio de comunicação e
informação, transformando a dinâmica das relações sociais e de trabalho, observa-se que o
programa habitacional não acompanha todas essas alterações que são cada vez mais
dinâmicas. O modelo de habitação que se consagrou ao longo do tempo foi aquele
destinado à família nuclear, caracterizado pela tripartição de área social, íntima e de
serviços, tipologia que precisa ser repensada para poder atender a diversidade da
sociedade contemporânea e seus novos modos de vida.

3. Contexto da disciplina: os conceitos de John Habraken e Manuel


Gausa para a habitação multifamiliar

Em 1962, o arquiteto holandês John Habraken publica um pequeno volume (De gragersen
de mensen. Heteinde van de massawoningbouw) traduzido para o inglês como Supports:
alternative to mass housing (1972), em que expõe suas teorias sobre o habitar, criticando
arquitetos e profissionais da construção no que se refere ao enfrentamento da questão
habitacional. Para o arquiteto, os moradores, como principal foco dessa questão, são postos
à deriva. Seus estudos voltam-se para a busca de uma melhor solução em reposta à
produção em massa que generaliza e não contempla a individualidade. Habraken afirma: “O
Homem já não se aloja: Ele é alojado.” (HABRAKEN, 2011, p. 11).

Segundo Habraken, a moradia não pode ser vista como produto sem a participação do
usuário, mas precisa ser encarada como um processo que tem o morador como agente
participante nas tomadas de decisões. Desta forma, enfatiza que a habitação como
processo tem a capacidade de se transformar ao longo do tempo e de acordo com as
necessidades de seus moradores (HABRAKEN, ct Batista, 2011). Além disso, Habraken
divide o processo de projeto e da construção da habitação em dois momentos de tomadas

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de decisão: individual e coletiva, conformando o que ele nomeou de teoria de “suportes”.
Esta teoria busca uma alternativa aos problemas de repetição e de identidade existentes na
produção de habitação em massa (HABRAKEN, 1979).

Desse modo, existe uma diferenciação, principalmente ao nível do controle e do poder de


decisão. Em um projeto multifamiliar, por exemplo, todos os moradores estarão envolvidos
no processo de formação do suporte, tendo alguma influência sobre o desenho e
construção, participando na tomada de decisões como uma comunidade. Para Durães
(2015), a família tem domínio sobre o próprio dispositivo habitacional e na divisão do
espaço, participando do seu processo de formação, sendo que o membro da família,
enquanto indivíduo, determina seu espaço e toma decisões que concernem à organização
geral do dispositivo habitacional.

Ainda segundo a mesma autora, em uma visão mais técnica, o coletivo (suporte) consiste
em uma estrutura dotada de qualidade espacial definida e construída em um lugar
específico, que serve e afeta diretamente a todos os inquilinos. A estrutura de suporte
normalmente inclui: a estrutura primária; a pele do edifício (fachadas e coberturas); a
circulação pública e de emergência (corredores, escadas, galerias, rampas e elevadores);
linhas primárias de instalações, utilidades e sistemas técnicos do edifício, até o ponto de
conexão de cada inquilino. Já a dimensão individual é definida por elementos que o próprio
morador insere, de acordo com suas necessidades, sendo a definição das tipologias do
ambiente e suas divisões internas determinada conforme o uso de cada morador. Esta
estratégia possibilita uma maior flexibilidade e ampliação da habitação, garantindo maior
qualidade e autonomia ao usuário.

Já o arquiteto espanhol Manuel Gausa (1998) propõe uma nova lógica no


desenvolvimento do programa habitacional e sua relação com o meio urbano em resposta
às transformações sociais e urbanas que vem ocorrendo na contemporaneidade.
Reconhecendo a habitação multifamiliar em relação à nova cultura global, tendo como norte
as novas composições da família contemporânea, baseando-se em critérios qualitativos ou
possibilidades de interação com a paisagem, com o programa habitacional e com o próprio
usuário, sua teoria busca uma nova compreensão do lugar como campo multidisciplinar,
gerando uma perspectiva de projeto como elemento reestruturador e não como célula
isolada.

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O conceito de flexibilidade de Gausa está associado a uma maior polivalência e
versatilidade do espaço, examinando a questão da diversidade tipológica e a flexibilidade
espacial, contra a racionalização dos espaços e a uniformidade. Seus estudos foram
concebidos em resposta ao novo estilo de vida emergente: a família com poucos filhos ou
nenhum, alterando sua vida doméstica para vida social, divisão das tarefas domésticas entre
todos os membros da família, constante mudança no mercado de trabalho que cria
instabilidade, provendo as casas alugadas. A habitação passa a ser entendida como um
lugar de bem estar e lazer, ao contrário da habitação comum que era concebida somente
como uma necessidade social (GAUSA, 1998).

Em seus trabalhos, Gausa desenvolve um sistema que proporciona um espaço mais


fluído e transformável, utilizando sistemas combinatórios a partir de elementos estáveis:
módulos, nós fixos que são repetidos em ritmos diversos e propiciam possibilidades de
crescimento variáveis. A evolução das técnicas e dos materiais da construção civil permite
uma maior flexibilidade estrutural, alcançando mais diversidade a partir de um esquema-
base elementar com núcleos de serviço e o modelo variável de um espaço, único e fluído,
definido através dos espaços fixos e variáveis.

As teorias de John Habraken e Manuel Gausa são desenvolvidas em períodos diferentes e


em contextos distintos, porém podem ser conectadas pelas ideias que visam analisar o
papel do morador no desenvolvimento do projeto e de estratégias de desenho que permitem
uma maior flexibilidade e adaptabilidade do projeto habitacional, dentro do contexto da
habitação multifamiliar como articuladora do tecido urbano.

Diante do exposto, os principais conceitos extraídos das obras e da fala dos dois
arquitetos e que se tornaram referência para elaboração da proposta projetual apresentada
na sequência são: 1- a teoria de suportes de Habraken; 2- a ideia de participação do usuário
na concepção da habitação; 3- a separação entre estrutura primária e a dimensão individual;
4- a interação da habitação coletiva com a paisagem; 5- a polivalência dos espaços
coletivos e individuais.

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4. Ensaio projetual

4.1 Contexto

Bauru, no interior do Estado de São Paulo, é uma cidade de porte médio e, assim
como muitas cidades brasileiras, passou por um processo de desvalorização e abandono de
seus bairros centrais devido ao processo de expansão urbana e do abandono de áreas
fabris e ferroviárias localizadas no centro da cidade.

Assim sendo, o centro de Bauru tem relevância histórica por abrigar os edifícios mais
antigos da cidade, alguns em processo de tombamento pelo CODEPAC - Conselho de
Defesa do Patrimônio Cultural, o que mostra a importância da manutenção e preservação
desse local como memória da cidade. Os atuais debates sobre revitalização de áreas
centrais destacam a importância da inserção de habitação nessas regiões, de modo a
estabelecer vínculos entre o poder público, setor privado e a população, garantindo a função
social desses centros e a permanência da população ali residente e de suas práticas
sociais, conforme aponta a Declaração de Amsterdã:

“A reabilitação dos bairros antigos deve ser concebida e realizada, tanto


quanto possível, sem modificações importantes da composição social dos
habitantes, e de uma maneira tal que todas as camadas da sociedade se
beneficiem de uma operação financiada por fundos públicos” (Declaração de
Amsterdã, 1975 p.3).

A cidade de Bauru, povoada por volta de 1856, teve seu desenvolvimento


impulsionado com a chamada Marcha para o Oeste, movimento para incentivar o progresso
e a ocupação da região central do Brasil. Os primeiros núcleos povoados surgiram na então
vila de Bauru, ainda pertencente ao Município de Lençóis. (PRIMEIROS..., c 2010). Este
desenvolvimento consolidou-se a partir da chegada das estradas Sorocabana (1905),
Noroeste do Brasil (1906) e Paulista (1910), formando, um dos maiores entroncamentos
ferroviários do Brasil. Tal infraestrutura proporcionou grande desenvolvimento e progresso
para cidade e são elementos importantes para a história do município. No entanto, a maior

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parte deste aparato ferroviário encontra-se subutilizado, tendo como símbolo máximo do
abandono a Estação Noroeste do Brasil (NOB).

O entorno imediato da Estação Noroeste do Brasil é marcado por outros


equipamentos de interesse histórico, a praça Machado de Mello, o calçadão comercial de
pedestres na rua Batista de Carvalho, o Museu Ferroviário Regional, além de importantes
vias, como a avenida Rodrigues Alves, conhecida pelo intenso fluxo de ônibus que dalí
partem para todos os bairros da cidade. Entre a praça e a avenida, encontra-se o antigo
hotel Milanese que, por sua localização, relevância histórica e estado de abandono, foi
escolhido como área de intervenção, juntamente com um lote vazio contíguo e ele. Desse
modo, a proposta aqui apresentada busca ressignificar o local valorizando e potencializando
os usos existentes na região.

Figura 1. Área de intervenção: 1- hotel Milanese, 2- praça Machado de Mello, 3- Estação Noroeste do
Brasil, 4- Museu Ferroviário Regional, 5- Calçadão da rua Batista de Carvalho, 6- avenida Rodrigues
Alves. Fonte: Lívia Morais.

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4.2 Proposta

A partir dos conceitos-chave extraídos das teorias de Habraken e Gausa (suportes;


participação do usuário na concepção da habitação; separação entre estrutura primária e a
dimensão individual; interação da habitação coletiva com a paisagem; polivalência dos
espaços coletivos e individuais), apresentamos a proposta projetual para a área central de
Bauru. Desenvolvida dentro do contexto de um trabalho final de graduação, em 2016, o
estudo propõe a implantação de um edifício habitacional multifamiliar associado à
programas comerciais, serviços e espaços públicos e de lazer.

A interação da habitação coletiva com a paisagem se manifesta no projeto por meio do


térreo de livre circulação com programa comercial e de serviços e que forma um eixo central
interligando a avenida Rodrigues Alves à praça Machado de Mello, agora redefinida como
praça cívica apta a se reconfigurar para receber eventos diversos. Ainda, há uma interação
do entorno com a habitação, a partir do momento em que pedestres utilizam os serviços e
comércios localizados no edifício. A polivalência dos espaços coletivos aparece em todos os
pavimentos e, especialmente no térreo, permite a reconfiguração dos espaços comerciais e
de serviços, conforme necessário. Este conceito é também bastante explorado a partir da
incorporação do hotel Milanese e sua destinação ao uso misto – comercial e residencial.
Com três pavimentos, suas divisões internas foram reconfiguradas de modo a permitir a
flexibilidade de usos (ação permitida pelo CODEPAC) e sua fachada foi restaurada
conforme características originais. A proposta projetual incorpora o antigo hotel como forma
de ressignificar sua herança histórica e garantir sua preservação.

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Figura 2. Volumetria do edifício com o entorno: 1- estação ferroviária, 2- praça Machado de Melo
remodelada, 3- hotel Milanese, 4- proposta projetual. Fonte: Thamires Bressan.

O projeto baseia-se em um sistema capaz de acolher diferentes programas - um invólucro


com certa neutralidade - que abriga mudanças e experimentações ao longo do tempo.
Desse modo, o conceito de suporte é incorporado a partir de um sistema que divide a
construção em dois momentos (Figura 3): 1- Suportes - sistema estrutural independente
somado à infraestrutura (abastecimento de água e energia, esgotamento sanitário, telefonia,
circulação e segurança, lixo e saídas de emergência); 2- Recheio - divisórias, esquadrias,
forro, pisos, arranjo dos cômodos, pontos das instalações. Tal separação entre estrutura
primária (coletivo) e a dimensão individual permite reconfigurações tanto dos espaços
coletivos quanto das unidades habitacionais de forma independente, ou seja, sem demais
alterações no conjunto ou interrupções no funcionamento dos demais programas.

A participação dos usuários se estabelece na dimensão individual, mas também na


coletiva. Individualmente em relação à configuração das unidades habitacionais que, por
conta da flexibilidade, permitem diversos programas, de acordo com a necessidade do
usuário. E coletivamente, a partir de tomadas de decisões conjuntas, quando os espaços
comuns forem reconfigurados, podendo ser utilizados como espaços de estar, áreas de
circulação, jardins, biblioteca, espaço de brincar, entre tantas outras possibilidades.

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Figura 3 – Diagramas de Conceito - Supports + infill, Circulação e Usos. Fonte: Thamires Bressan.

O programa é distribuído ao longo do edifício a partir da flexibilidade e interação, sendo:

- Primeiro andar: uso misto. Apartamentos-escritório e espaço de trabalho comunitário


(coworking). Tem livre acesso e cria novas oportunidades de trabalho para os moradores do
edifício e para a comunidade do bairro.

- Segundo andar: uso misto. Apartamentos-ateliê e lofts (apartamentos com pé direito duplo,
mezanino e planta livre). Como uma zona intermediária, abriga programas de trabalho mais
reservados e moradia, atendendo pessoas que trabalham em casa. Conta com áreas de

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circulação e convivência que garantem a transição entre a dimensão pública do pavimento
térreo e o caráter privado dos demais andares.

- Terceiro andar: uso residencial com unidades habitacionais pequenas, além de horta
comunitária na cobertura do antigo Milanese, uma forma de incentivar a vida em
comunidade.

- Quarto, quinto e sexto andares: uso residencial com potencial aumento da flexibilidade por
meio de dez módulos iniciais que podem ser divididos, ampliados, agrupados ou
desdobrados em pátios, varandas ou outras espacialidades atendendo diferentes
configurações familiares ao longo do tempo (Figura 4).

- A partir do sétimo andar foram desenvolvidas plantas base diferentes, ainda com uso
residencial, mas com maior variedade de tipos de módulos (Figura 4).

O edifício, com doze andares no total, é concebido em estrutura metálica, sistema de piso
elevado e vedações com materiais que permitem montagem a seco, como placa cimentícia
e painéis de gesso, favorecendo o reaproveitamento, alterações e adaptações conforme as
necessidades do usuário. Se nas fachadas são explorados diferentes materiais como forma
de expressão da individualidade das unidades – placas, venezianas, vidros, madeira – no
interior das unidades habitacionais é proposto o uso de anteparos leves como persianas,
portas de correr e divisórias móveis permitindo alterações espaciais que possam ser
executadas pelos próprios moradores, incorporando o conceito de polivalência também nos
espaços individuais, um modo de habitar comum em outras culturas, como a japonesa, fonte
de referências projetuais para a elaboração desta proposta.

Nesse sentido, 47 tipologias de apartamentos foram desenvolvidas em um ensaio que


demonstra as possibilidades de alterações nas unidades e a variedade de configurações
familiares que podem ser atendidas por meio de tipologias como: morar conjugado, morar
três gerações, morar entre amigos, morar livre, morar + trabalho, morar + ateliê, morar só,
morar receptivo, morar pais e filhos e morar + studio - um exercício de flexibilidade e
diversidade social nos moldes de Habraken e Gausa que se reflete na volumetria do edifício
e em sua relação com o entorno histórico.

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Figura 4 – Diagramas: Simulação de possíveis transformações espaciais e Volumetria. Fonte:
Thamires Bressan.

5- Considerações

Com o objetivo de debater o programa habitacional na contemporaneidade, este artigo


abordou as transformações no contexto social e nas configurações familiares que

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influenciam diretamente a disciplina arquitetônica e demandam respostas teóricas e práticas
de arquitetos e urbanistas. Como reação a tais necessidades, foram apresentadas iniciativas
positivas desenvolvidas em nossa disciplina por meio dos conceitos dos arquitetos John
Habraken e Manuel Gausa, que discutem questões como diversidade de tipologias
habitacionais, flexibilidade, participação do usuário e o papel da habitação como articuladora
do tecido urbano.

A partir da análise dos trabalhos de Habraken e Gausa foram extraídos conceitos-chave que
guiaram o desenvolvimento de um ensaio projetual para a cidade de Bauru, desenvolvido
dentro do contexto de um trabalho final de graduação no ano de 2016. Foram consideradas
como ideias centrais a teoria de suportes de Habraken; a ideia de participação do usuário na
concepção da habitação; a separação entre estrutura primária e a dimensão individual da
unidade habitacional; a interação da habitação coletiva com a paisagem; a polivalência dos
espaços coletivos e individuais.

A proposta habitacional elaborada buscou estabelecer conexões entre a pesquisa


bibliográfica realizada e a prática projetual contemplando os conceitos-chave citados
anteriormente. Desse modo, a variação de tipologias habitacionais e os espaços abertos
para a população podem ser considerados aspectos sintetizadores das ideias de Habraken
e Gausa. Ainda, a volumetria do exercício projetual, estabelecida a partir desses dois pontos
centrais, é dinâmica e variável em prol de um diálogo com o entorno histórico tão
importante.

Observamos também a importância em se revisitar as teorias de arquitetura - neste caso,


em especial, àquelas referentes ao tema da habitação – em um momento de necessário
debate em que predominam o esvaziamento teórico e práticas habitacionais
mercadológicas. Diante de tal cenário, uma proposta projetual, ainda que de forma
experimental, é necessária para debater temas como a diversidade de usos, o convívio
social, modos de vida que mesclam dinâmicas de trabalho e moradia no mesmo local e o
senso de comunidade tão primordial em nossas cidades nos tempos atuais. Desse modo,
espera-se que o trabalho contribua para outros debates sobre a relação cidade/habitação e
a ressignificação de áreas centrais.

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6. Referências bibliográficas
BRANDÃO, Douglas Queiroz. Disposições técnicas e diretrizes para projetos de
habitações sociais evolutivas. Ambiente Construído Porto Alegre, v. 11, n.2, p. 73 – 96,
abr./ jun. 2011.

Declaração de Amsterdã, Congresso do Patrimônio Arquitetônico Europeu, Out./


1975.
DURÃES, Maria Francisca D. F. Habitação para todos: processo (d) e desenho,
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164, 1997.

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HINTZ, H. C. Novos tempos, novas famílias? Da modernidade à pós-


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ORREGO, J. F. M. Práticas Contemporâneas no centro urbano: o caso de


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TRAMONTANO, M. Alice no país da especulação imobiliária: habitação e modos


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2003.

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