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Santa Teresa e as tarefas clínicas

Gilberto Safra

Esta exposição de Gilberto Safra se baseia no "Livro da Vida". O “Livro da


Vida” foi escrito por obediência ao confessor ou diretor espiritual de Teresa, na época
em que ela estava no convento; mas dele surgem as sementes de livros posteriores, “O
Caminho de Perfeição”, “Castelo interior - Moradas” – são livros que procuram de
alguma forma mapear para as monjas o caminho que ela fez. Os demais livros de Teresa
são como guias de viagem, e são escritos claramente para as monjas que vão trilhar o
mesmo caminho que Teresa, o caminho das Carmelitas Descalças, que são educadas
para que possam ser soldadas da interioridade assim como a autora o foi.
O estudo da obra de Santa Teresa tem como objetivo trazer à tona de que
maneira o sentimento de religiosidade e o sentimento do sagrado surgiram em Teresa. D
´Ávila tem uma capacidade de escrita ímpar e isso lhe permitiu que explicitasse e
descrevesse os movimentos subjetivos que ia realizando, ela diferenciava os seus
movimentos subjetivos de outros movimentos que a atravessavam, a autora vai da
religiosidade até a mística e tem uma capacidade de descrever esses fenômenos de
maneira fenomenológica.
Safra coloca que quando realizamos um processo clínico em
relação à constituição do self¨, o paciente busca, na análise, a possibilidade de se
apropriar da sua existência, se apropriar das suas questões fundamentais, ou seja,
acompanha-se o paciente na busca do sentido da sua vida. Para acompanhar melhor o
que Teresa ensina a respeito da clínica, enunciam-se diferentes tarefas:
1) A recuperação do gesto. A clínica do self aborda o ser humano a partir da
compreensão do gesto; trata-se de uma compreensão em que o ser humano é
fundamentalmente criativo, é gesto; inicia o seu percurso pela existência criando o que
está lá, de tal maneira que vai constituindo aquilo que é, alcançando a possibilidade de
vir-a-ser. A pessoa ao chegar para um trabalho clínico pode estar com o gesto
impossibilitado de acontecer por agonias impensáveis ou por impedimentos. No
primeiro caso o gesto não pôde acontecer porque no seu contexto fundamental-familiar
esse gesto não pôde ser apreciado. Ali onde não houve a possibilidade do "encontro
constitutivo" com o outro há uma "agonia impensável" e, então, a pessoa repete sempre
essa experiência de um "mal infinito". Nas agonias impensáveis o mal é eterno. A
solidão decorre do fato de a pessoa não ter encontrado ninguém para se constituir. Essa
solidão não é mediada, não é temporalizada e então é infinita. Da mesma forma
questões fundamentais da existência tem que ser atravessada pelo encontro com o outro,
o gesto do outro, só dessa forma temos recursos simbólicos para que as experiências
possam ser atravessadas. A experiência que não comporta o outro não é significada, é
vivida como um mal infinito; seja essa experiência qual for: ódio, amor, ou outro
sentimento. Nesse caso então, um gesto pode estar perdido, porque está atravessado
pelas agonias impensáveis, porque o gesto não é posto em ação; porque o gesto é a
experiência de devir, é a experiência de temporalização, nesse momento a tarefa da
clínica é de recuperar o gesto, para que aquilo que não encontrava rosto humano possa
ser vivido, como diria Winnicott, a experiência passa a estar subordinada e então
encontra o devir, podendo ser, então, atravessada.
Mas, o gesto pode estar impedido se nascer num lugar onde a pessoa passe a
estar determinada pela família, tudo o que implicaria a emergência de algo singular, de
algo pessoal está impedido na sua raiz, Neste caso se trata da perda do gesto porque o
indivíduo encontra um ambiente que não é poroso à sua singularidade.
2) Apropriação das questões fundamentais da existência. O mundo se
apresenta à criança como um mundo que a atravessa com significados e sentidos. O Ser
humano é originariamente, ontologicamente aberto à compreensão, às vezes, na situação
de vida de uma criança há acontecimentos que se apresentam de forma enigmática e isto
impede a compreensão da criança, impede a possibilidade de estabelecer sentido e
significado.
cada criança, frente aos acontecimentos do mundo, cada ser humano a partir de
suas dores e sofrimentos tem um "saber tácito". E mesmo o possuindo nem sempre o
indivíduo consegue se apropriar desse saber, essa apropriação significa que o indivíduo
pode vocacionar-se.
No momento em que se dá a apropriação desse saber permite-se à pessoa/ ao
paciente ter singularidade, ou seja, o seu estilo de ser, doravante, norteia o seu gesto de
criatividade. Isso ocorre quando no trabalho clínico – ou na vida – aquele saber que só a
visita como sofrimento possa vir então a ter palavras, rosto, nome; permitindo a essa
pessoa enraizar-se. Quando o individuo se desconecta das suas origens ele fica
impedido de apropriar-se da sua singularidade.
Esse saber subordinado à sua criatividade, ao seu gesto, lhe permite vislumbrar
um futuro, um destino que seja a realização desse saber frente aos outros homens.
Vocação – obviamente não só profissional – como certa maneira de viver que
contribui com a vida de todos os outros por aquilo que a caracteriza, vocacionar-se em
disponibilidade.
3) Sonhar com o futuro. Significa recuperar uma esperança originária, a
esperança que é fundamental para a subjetividade humana. O sonho de dia e de noite
com o futuro é a possibilidade de o indivíduo vir a sonhar com o sentido de sua
existência. Eu vivo para quê. A pergunta é como eu acho que devo ter vivido – na hora
da minha morte – a minha vida. É essa a questão do sentido da vida, naquilo que é o seu
sonho maior.
4) O gesto no mundo subjetivo. Em um determinado momento, durante
essas diferentes tarefas, o indivíduo ganha mobilidade suficiente para poder se abrir à
experiência da ação no mundo subjetivo. Compreendemos a ação no mundo; mas, a
maior parte de nós tem dificuldades de estabelecer a ação no mundo subjetivo: poder
locomover-se, operar no mundo subjetivo. Winnicott faz uma menção rápida a isso, em
um único texto, onde discute a questão do espaço potencial. (O livro chama-se
Exploração de Psicanálise). Ele conta algo pessoal: freqüentemente em momentos de
crise, ele precisava visitar o clube, ao lado do sonho e, freqüentemente, as questões se
resolviam em diálogo nesse clube. O autor mostra que o espaço potencial ocorre não só
no mundo compartilhado, mas também no mundo subjetivo: um lugar de criação de
sentidos e significados.
O fato é que não só se estabelece o espaço potencial, mas é possível operá-lo
subjetivamente; é possível se locomover no espaço subjetivo. É possível se ocupar de
um determinado tema e é possível pensá-lo – não intelectualmente – mas
subjetivamente: pensá-lo subjetivamente significa focar a atenção em um determinado
problema/tema até que se revele em seus desdobramentos e sentidos. É possível então
trabalhar a atenção subjetiva. Existe a possibilidade de estar no meio de um tumulto
externo, mas garantir uma posição para além de/no silêncio.
Quando isso se abre em um processo terapêutico, a felicidade do paciente em
poder se mover no mundo interno é muito grande e se equipara à felicidade de uma
criança que começa a engatinhar e pode agora tocar nos objetos do mundo como um
elemento que se/ lhe revela. Teresa é mestre nisso. Teresa passa sozinha por esses
diferentes momentos, pelas diferentes tarefas clínicas.
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Teresa nasce num momento de hegemonia do catolicismo na Europa em que o
mundo estava voltado para os descobrimentos. Ela conta a experiência em que junto
com o irmão, quando meninos, fogem de casa com a expectativa de morrerem mártires
na terra dos mouros. O projeto não dá certo, mas nessa fantasia está presente um certo
modo de Ser aventureiro; tinha também um "modo de ser" masculino em que ela queria
lutar em terras distantes. A grande paixão de Teresa eram os romances de cavalaria.
Teresa viveu em uma época em que para a mulher só havia dois destinos: o convento ou
o casamento: ela não desejava nem um dos dois destinos. Isso significava que o seu
modo de ser, o seu gesto não encontrava campo simbólico, porosidade suficiente para
realizar-se.
Outro aspecto interessante: o irmão companheiro de aventuras foi substituído
por outra pessoa que funcionou como companheiro de aventura - muitos foram esses
companheiros, em especial São João da Cruz. Mas Teresa tinha esse seu modo de ser, o
seu gesto impedidos pelo contexto sócio-cultural.
O pai preocupado com Teresa a manda para um convento, isso foi terrível para
Teresa, significou uma concretude do impedimento que ela vivia, suas fantasias e
sonhos eram considerados pecaminosos. Teresa adoece, não foi possível diagnosticá-la.
O adoecimento concretiza corporalmente o próprio impedimento. A vitalidade para a
aventura – sua maior característica se desvitaliza, ela poderia cristalizar esse
adoecimento. Porem quando Teresa entra em contato com o livro: O Coração Mental,
enxerga um outro horizonte, o horizonte da interioridade.
A partir de então a autora viaja na interioridade, o gesto que a caracteriza
supera o impedimento: ela será uma aventureira no mundo interior.
Característico da época, o grande veículo que Teresa tem é a oração. A oração
era apresentada não como uma relação devota com Deus, mas como um veículo, com o
qual poderia operar no mundo interior; a condição para o indivíduo operar no mundo
subjetivo é a dele não estar identificado com nenhuma das suas funções. Por isso ela só
opera no mundo subjetivo quando ela se concebe como silêncio, quando o silêncio é a
sua consciência. (Notando-se que as "práticas meditativas" de qualquer religião visam o
silêncio.)
Teresa usava a oração como um veículo transicional e com ela, com a oração,
operava sua subjetividade. A razão visa ancorar todas as faculdades psíquicas, as
faculdades da alma, em um único ponto, centrando – a pessoa – em um único ponto, a
oração se faz por si: é como se a pessoa se separasse da oração mesma e caísse no
silêncio.
Uma das propostas do curso de Safra é estudar as práticas de oração para lidar
com as faculdades da alma. A partir das faculdades fundamentais apresentadas no Livro
da Vida (vontade, intelecto e memória) são apresentados os diferentes graus de oração,
criando uma ciência da alma.
A vontade é a possibilidade do ser humano de atuar psiquicamente por meio da
sua atenção, faceta da alma que está sob o domínio do indivíduo e pode ser
disponibilizada em qualquer direção. Já a atenção é o meio de exercer uma ação
psíquica, quando ela se volta para um determinado objeto a sensibilidade acompanha
esse movimento, isto significa que esse objeto para o qual a atenção se volta afeta a
corporeidade.
O intelecto é aquele que opera por meio de palavras e imagens, ou seja, opera
principalmente no registro representacional, suas funções fundamentais são: refletir (ter
um tipo de percurso por meio das palavras e imagens onde eu articulo conceitos e
concepções, afim de que se chegue a uma determinada conclusão) ou meditar (às vezes
chamado por Teresa de pensar) que é a possibilidade de se abrir para uma situação, há o
acolhimento daquilo que determinada cena revela, acolhe-se aquilo que determinada
experiência poderia trazer em termos conceituais.
O intelecto pode ser aliado à vontade, assim consegue-se refletir sobre uma
determinada questão, mas apesar de passível de ser recolhido pela vontade ele é fugitivo
e tende a escapar ao domínio desta (o intelecto fica disperso).
A memória também opera por meio de palavras e imagens e refere-se àquelas
situações em que o individuo evoca a sua interioridade a respeito do já vivido, e assim
como o intelecto, a memória, é muito fluida podendo acompanhar a vontade ou se
espalhar por diversas imagens.
Em decorrência desse tipo de concepção (intelecto e memória escaparem a
sensibilidade/atenção) percebe-se, na psicologia de Teresa, a alma humana dispersa,
divida.
Safra coloca que Teresa considera o pecado como uma dispersão inerente ao
ser humano, o impossibilitando de estar integrado numa direção para além de si e
também ressalta o fato de ela mostrar que mesmo o ser humano estando em meio a
dispersão há a possibilidade de ele voltar-se para duas direções: as coisas do mundo e as
coisas divinas.
O ser humano tende a voltar-se apara as coisas do mundo, e assim a dispersão
se incrementa, o que implica num adoecimento da alma, nesse ponto há uma captura da
alma humana na imanência do mundo, a dispersão é tida como patologia; para a autora
estar distraída/dispersa, é a expressão de pecado, mas voltando-se para as coisas divinas
o ser humano pode superar essa imanência (possibilitando abrir-se ao transcendente e
constituir a vida espiritual propriamente dita).
A transcendência é o campo ontológico a partir do qual surge, por exemplo, o
desejo, que é tão importante dentro da psicologia ou a questão do gesto como se vê
dentro da psicanálise winiconttiana, seja desejo ou gesto, são perspectivas pelas quais o
sujeito se situa frente a essa transcendência constitutiva da sua natureza. O que faz com
que o ser humano seja sempre um ser em busca de sentido
Isto é importante para poder compreender o momento em que a religiosidade
surge como campo de sustentação para a condição transcendente do homem, para o
gesto transcendente.
Teresa descreve: “comecei a me vestir com elegância, a querer agradar e
parecer bonita, cuidava muito das mãos, dos cabelos, perfume e todas as vaidades. Não
tinha má intenção e não queria ofender a Deus. Essa preocupação durou-me muitos anos
juntamente com outras coisas que não me pareciam pecado. Agora vejo quão mal devia
ser." Todos esses modos para ela eram não só vaidade, mas também parte do ela
concebe como a questão da dispersão. (pecado, vaidade, dispersão estão também
associados ao mal: o mal para Teresa é tudo aquilo que volta a atenção para o mundo e
que leva a um estado de dispersão.)

O 1º grau de oração: Esforço.


Processo que Teresa realiza a fim de superar essa dispersão e poder alcançar o
transcendente, o divino. Esse grau é marcado pelo trabalho com as faculdades da alma
(metáfora da água do poço: há um grande esforço para tirar um pouquinho de água do
poço)
Nesse grau, durante as atividades do intelecto, vontade e memória, a mente se
cansa, o que implica numa resistência ao rumo que a vontade deseja empreender,
necessitando-se de um esforço ainda maior para se manter em oração.
Nesse grau são necessárias: perseverança (pois ainda não se observar nenhum
efeito), conviver com a aridez (fundamental para conseguir passar pelos outros graus,
não se deve esperar consolos espirituais) e ter humildade ("não querer agarrar o divino
no salto", não querer suspender as faculdades fugitivas tentando criar a experiência de
abertura simplesmente pelo esforço; humildade é a possibilidade de acolher a aridez
inerente ao processo, porém o desejo deve se manter grande, pois tem que estar voltado
para "aquele que é tudo").
 A questão da Humildade
A humildade não é ter alvos pequenos, porque o alvo grande é uma questão
ontológica não é uma questão psicológica, o estado de humildade é aquele estado de
abertura para o transcendente.
Ela descreve sobre a importância de não fazer crescer o ego pelo incremento
dos sentimentos, pela suspensão artificial das funções intelectuais, criando supostas
experiências espirituais. Sendo preciso a humildade para que a experiência possa
ocorrer. Ma a autora alerta que a humildade deve estar presente durante o percurso e não
no alvo, pois no alvo devem estar as coisas grandes (ela sugere ás monjas que se
mantenha a meta da união com o divino, mas o percurso em direção à meta necessita ser
feito com humildade). O sentido do percurso precisa ser o maior na visão de Teresa
então se coloca a questão da coragem de manter persistência no percurso em direção ao
maior, mesmo que isto implique no cansaço, Por isso ela faz a distinção entre o caminho
que deve ser com humildade e o caminho que deve ser grande.
A autora também chama a atenção para as praticas de jejum; as excessivas que
não levem em conta a própria singularidade são um equivoco. O importante é não
comer "pouco demais", mas também logo não comer "muito demais". O caminho
humilde é aquele que concilia alma e corpo.
O procedimento descrito por Teresa, das práticas de oração, começa pela
necessidade de ocupar a imaginação, ela sugere que a imaginação dirigida pela vontade
crie cenas imaginárias que serão usadas como cenários auxiliando a vontade a estar
repousada na imagem do divino (que para Teresa é a imagem de Cristo, das cenas da
paixão). Ela fala que uma pessoa pode tirar partido de imaginar o céu e coisas assim,
mas se percebe que ela volta continuamente nas cenas da paixão, pois a própria cena
leva ao estado de empobrecimento, leva ao estado de humildade que ela quer cultivar
nesse ponto.
Já para o intelecto ela reserva a meditação (que para ela significa pegar uma
passagem do evangelho e pensar o sentido desta cena na vida do devoto). Lembrando
que por vezes a imaginação e o intelecto fogem ao trabalho sendo necessário que a
vontade vá buscá-los novamente.
É importante que a pessoa possa estar meditando sobre as cenas da paixão,
mantendo o intelecto ocupado sem que isso se torne um exercício de raciocínio no qual
a oração não produz frutos.
Aqui também Teresa teoriza a respeito do lugar da imagem; descreve a imagem
da imaginação que é de alguma forma evocada em direção à dispersão e também do uso
da imaginação como possibilidade de enxergar a verdade. Então coloca a aparição da
imagem de Cristo como revelação, como uma experiência de presença, partir desse
ponto, a experiência é descrita como uma maneira também de VER o divino através da
imaginação, ou seja, ela indica o uso da imaginação para tentar estabelecer com Cristo
uma relação pessoal.
Todo esse primeiro grau de oração, dentro do esquema que Safra desenvolve se
refere a todo o percurso que Teresa realizou até poder ter a experiência do encontro (não
há aqui ainda, o encontro que implique na experiência religiosa da qual falará depois),
ou seja, toda essa primeira parte tem a ver com a tentativa de se manter peregrino,
caminhante e fazer da experiência religiosa um objeto de preenchimento e satisfação.

O 2º grau de oração: quietude


Este grau é caracterizado pelas faculdades que antes corriam pela exterioridade
agora tenderem a se recolher (maior tendência a interiorização), mas mesmo assim
intelecto e memória são como "pombas que buscam seu alimento para fora da alma",
buscam dispersar-se no mundo.
O recolhimento nesse grau não se dá pela vontade, há uma suspensão
momentânea (do intelecto e memória) devido à presença do divino, trata-se de
experiências momentâneas nas quais o divino está fruindo, ou seja, não é a vontade que
detém a faculdade do intelecto e da memória, o que detém é a presença do divino, pois
só o divino pode aquietar essas faculdades, “pensam que prestam serviço á vontade, e é
o contrario, a memória e a imaginação prejudicam querendo figurar e representar o que
a vontade está sentindo.”
Novamente é importante sublinhar: o que a vontade faz é manter a atenção e
manter aquilo que está ocorrendo como experiência de amor, e este é o meio pelo qual
as outras faculdades "vão se aquietando".
Assim o 2º grau mostra-se misto, há a experiência de júbilo da presença do
divino, na qual as faculdades se suspendem, porém assim que a experiência acaba elas
fogem e é preciso usar o esforço característico do 1º grau de oração para trazê-las de
volta.
Neste estágio há um gradual desinteresse pelas coisas do mundo, pois a
experiência com a presença do divino promove maior satisfação dos prazeres do que se
encontrava nas "coisas do mundo". É no segundo grau que se começa a ter a experiência
mística, a sensibilidade é atravessada pela presença do divino, ou seja, a corporeidade
está implicada na experiência mística.
Safra interpreta como um caminho em que a oração aparece como elemento
para que o indivíduo mantenha uma posição em que a sua abertura ontológica possa
estar preservada, "É bem um trabalho com a própria subjetividade nesse primeiro
momento, por isso que ela comparou esse primeiro momento com tirar água do poço,
pois implica em esforço, implica em trabalho consigo mesmo".
Descreve também que nessa etapa surge a experiência da virtude (como
pegadas da experiência com o divino) e a aquisição de conhecimento o qual Teresa dizia
ser um saber "que lhe era doado", o qual nos momentos em que a visitação desaparecia
e o saber ficava muitas vezes era sustentado pelo "conhecimento de fé" – conhecimento
pelo testemunho .
Também como resultado dessas experiências surgem intensidades do saber que
ela chama de "afetos amorosos", que propiciam ficar mais amorosa em relação ao
divino e também aos outros.
Há neste estágio uma diferenciação no que Teresa entende por pecado; quando
Teresa começa a sua biografia, pecado para ela era tudo aquilo que implicava em
distração, era uma noção ainda ligada ao tipo de concepção de pecado que havia
naquela sociedade em que a autora vivia. Nesse ponto, a partir das experiências místicas
o pecado começa a mudar de significado, a noção de pecado é tudo aquilo que a
distancia da possibilidade de ter a experiência com o divino. O pecado na verdade é
aquilo que promove a distancia.

É também descrita por Teresa a forma com que se deve Falar com o divino,
para ele deve ser através de palavras as quais chama de "palavras de amor" – é a palavra
que brota da experiência, a qual é benéfica para conversar com o divino. A autora faz
uma discriminação entre a palavra produzida e a palavra que nasce dessa experiência.
Safra coloca que não se deve, para Teresa, usar palavras que foram criadas pelo
intelecto "Não é uma palavra conceitual, ela é poética e ela é justa á experiência, de fato
aí o individuo se diz".

Ou seja, no estágio anterior a reflexão fazia parte da meditação, aqui, refletir


sobre o que está ocorrendo é "apagar o fogo", é sair desse estado de disponibilidade, de
quietude. “Reconheça, diga com humildade: Senhor, que posso eu aqui? Que tem a ver a
serva com o Senhor e a terra com o céu?" Ela discrimina dois modos de falar com o
divino, ela vai apontar uma tentativa da pessoa em falar com o divino criando palavras a
partir das suas reflexões (o que para ela significa apagar a chama), mas ela vai falar
também de outro tipo de palavra, que não é uma palavra produzida, mas são as que
chama de “palavras de amor”, as quais brotam da experiência. Estas são benéficas para
se conversar com o divino, então ela discrimina a palavra produzida e a palavra que
nasce da experiência.
O estado de quietude não persiste sempre, Teresa nos diz: “A oração de
quietude é, pois uma centelhazinha do verdadeiro amor que o Senhor começa a acender
na alma” aqui já não é mais a água como metáfora, mas é o fogo, o amor de Deus
aparece como centelha; essa quietação, esse recolhimento, essa centelhazinha, são obra
do espírito de Deus. A quietude trás para o indivíduo a satisfação e o sentimento de paz,
se trata de um tipo de experiência que não é alcançado pelo esforço das faculdades.
(Que estaria além do psíquico).

3º grau de oração: Fortalecimento


O sujeito agente nesse estado é cada vez mais o divino e menos o devoto, este
"outro" atinge a sensibilidade e provoca a suspensão das faculdades – equiparada ao
sono – e conseqüente estanque da alma, a possibilidade de fruir mentalmente e na
sensibilidade são maiores neste grau.
Este sono das faculdades é descrito como um morrer as coisas do mundo
possibilitando estar cada vez mais na felicidade do divino e usufruir mais de sua glória,
aqui a alma experimenta um deleite e um conhecer (esse conhecimento se daria por um
processo de integração total das faculdades) que provoca a perda de si (assinalada como
um desatino).
Safra coloca que essas descrições dadas por Teresa estão ligadas aos estados de
self em que uma determinada experiência transborda (ao self), faz com que o individuo
tenha uma experiência de enlouquecimento dependendo da qualidade do afeto que
emerge, no caso de Teresa a perda de si se sustenta pela presença do "outro",
possibilitando atravessar a experiência.
As faculdades se encontram quase inteiramente unidas ao divino; intelecto
memória e vontade fruem da experiência do divino no estado de amor, mas não deixam
de funcionar, nem a própria vontade faz as faculdades do deleite se moverem enquanto
estão fruindo do deleite.(Teresa coloca que nesse momento nem com o esforço da
vontade as faculdades se movem.)
Quando a experiência do deleite amoroso se rompe é preciso voltar ao
cotidiano, o qual passa a ser visto por Teresa como exílio, pois aquilo que lhe dava
sentido estava apara além do mundo cotidiano.
A vontade neste 3º grau mais consente o divino do que o busca (como
acontecia nos graus anteriores), ela é tomada pelo divino e se coloca em disponibilidade
a sua sabedoria. Safra ressalta que cada vez mais a sabedoria para Teresa provém de um
sujeito para além de si, no qual a alma fica na posição de consentimento, ou seja, fica na
posição do feminino.
Nesse momento o divino se apresenta como sabedoria, pois traz um saber a
respeito do processo e cada vez mais a alma é descrita como abandono de si e passa a
poder produzir muito sem fazer o intelecto cansar-se.
Teresa coloca: "[...] o Senhor realiza tão bem o ofício de jardineiro e não me
deixa trabalho algum senão o gosto de ir aspirando o perfume das flores"para explicitar
que neste momento ela se deixa carregar pelo divino, sem qualquer esforço.
Durante uma visita do divino é doado um saber o qual, a alma sozinha, mesmo
com muito trabalho, não conseguiria alcançar, porém alerta que este ainda não é o
momento de se dividir as experiências espirituais (característica do 4º grau), mas sim de
se fortalecer delas, "a alma se sustenta com os frutos do seu pomar". Aqui a alma já não
deseja mais os contentamentos do mundo e nem se satisfaz mais com eles.
Outra característica é a humildade, a qual neste grau é ainda maior, pois a alma
vê que não fez nem muito nem pouco e sim "consentiu que o Senhor lhe consentisse as
graças", união de toda alma com Deus. A alma sente que a vontade está atada em muita
inquietude e o intelecto e a memória estão livres em trabalho para o objeto de amor e
não mais em dispersão.
Assim possibilitam-se dois momentos: da vida ativa (o intelecto que se
dispersava está fazendo obras de caridade) e contemplativa (usufruir da experiência de
amor).
Teresa coloca: "Sua Majestade muito se humilha suportando-nos junto de si.”,
ou seja, ela compreende o próprio amor divino como sendo expressão de um
esvaziamento de Deus, por amor, em direção ao homem. Deus também se esvaziaria de
si para se aproximar do ser humano, e o que a autora coloca é que o homem também
tem que se esvaziar para ir ao encontro do divino.
Safra então retoma três pontos importantes aos quais Teresa se propôs a
descrever:
 Receber a graça, experiência em si
 Entender qual o favor e qual a graça, entender a dimensão e o sentido da
experiência.
 Saber discernir e explicar o que é, tornar público aquilo que é vivido
Então alerta que a primeira etapa não é suficiente, é necessário discernir o que
se passa e não apenas usufruir da graça para que a alma não fique em estado de
confusão, pois a medida que a experiência mística vai se incrementando é fundamental
ao místico ter compreensão do que se passa.
Teresa crê que o Senhor se apodera da vontade e do intelecto, ela se refere a um
intelecto deslumbrado o qual se encontra unido a vontade pela sensibilidade. Já a
memória fica livre, como coloca Safra "provavelmente unida á imaginação, mas
desprendida das outras faculdades", a memória deseja louvar e assim lança
desassossego por toda parte (o louvor é posto como distração nesse momento, pois
louvar o criador já é distração quando se pretende a total união a ele), ou seja, "fica-se
em guerra com a imaginação e a memória, pois em nada elas se detêm, atrapalhando as
outras faculdades que já estão vivendo a sensibilidade junto ao divino; no 3º grau o
corpo ainda está presente, já no 4º a sensibilidade é suspendida, perdendo-se a noção da
própria corporeidade.
Teresa descreve como sendo ruim a prática de tentar desenvolver emoção
artificialmente, pois ela sabe que no momento em que o encontro ocorre, em que a
experiência religiosa se da, há uma suspensão do intelecto, ou seja, ela deixa de pensar,
deixa de raciocinar, ela é simplesmente experiência do encontro, experiência mística,
mas ela também vai alertar que é um erro tentar suspender o intelecto artificialmente:
“Querer por nos mesmos atarmos as propriedades da alma e suspender a sua atividade
natural é desatino e grande falta de humildade.". Ou seja, a humildade é essa
receptividade em relação ao divino abrindo a possibilidade de um conhecimento de
outra ordem

4o grau de oração: União.


União entre alma e divinho. Quietude como pura experiência amorosa.
Suspensão dos sentidos, aparecimento de lágrimas de amor. Ver e ouvir o ser divino,
aqui a autora se utiliza das metáforas da água, das chuvas, das nuvens colhendo os
vapores da terra para falar que uma pessoa em oração se sentiria na presença do divino,
isto é, para falar do divino colhendo a alma, conforme Teresa faz suas descrições Safra
interpreta que na união a experiência de si ainda está preservada, já no êxtase a presença
de si é perdida.
Na "união" a alma demonstra uma fruição para além do psiquismo, para além da
sensibilidade, alcançando a estranheza, e a partir disto fala da segunda morte: A primeira
morte está caracterizada pela perda do interesse pelas coisas do mundo e a segunda morte
está relacionada ao fato de que ela tem uma experiência tal, que nem o corpo, nem a mente e
nem o psíquico de fato pode conter. Ela está para mais além, o que significa um desfazer-se
como criatura. Esta segunda morte é o que Teresa caracteriza como estado de união.
Safra coloca: "Dizer que ela está unida com o Ser divino significa dizer que ela já
não existe como Teresa. É um perder-se de si. É um perder-se como aquilo que caracteriza a
sua corporeidade para unir-se ao divino (Deus) em um perder-se de si".
A autora está vivendo uma experiência de fruição que aparece aos olhos do espírito,
para além da alma e para além do corpo, para falar isso ela utiliza a metáfora do fogo. O fogo
sai de si mesmo em direção à alma. Como diz Edith Stein em seu livro “Ser finito e Ser
eterno”, ela vai tentar fazer uma apologia, vai tentar caracterizar o ser humano como corpo-
alma-espírito. Safra faz um paralelo disto com o que Bion chamava de “uma experiência não
sensorial”.
Teresa descreve que o momento em que essa união acontece é como uma oração de
gratidão que se gera do fato dos seres humanos estarem em desterro, e para ela nesse desterro
é possível se falar de uma comunicação divina. Nesta oração a experiência espiritual implica
em perder a própria natureza, o que não ocorria na terceira oração de quietude e nem no
terceiro estágio.
Quando a alma atinge a alegria e a paz significa um desapego às coisas do mundo e
quando se dá essa união da alma e do espírito é um bem maior do que aquele que o mundo
fornece e a alma está num processo de elevação, ela está fora de si, num outro registro do
modo de ser, para além de si, num estado de elevação.
Safra Explica "no momento do vôo do espírito, ela fica como que inflamada pelo
fogo do amor divino, como que consumida pelo seu eu e entra num processo de
desfalecimento, tal é a dimensão do amor. Esse amor que a consumia era tal, que quando saía
da união com a ternura divina, chorava e as lágrimas acalmavam o fogo e podia retornar a si
mesma e recuperava-se, isso era paradoxal, pois o choro permitia retornar a si mesma e à
mulher que ela era no seu cotidiano e o choro, mesmo de gratidão e de alegria, provocavam
as chamas e o fogo do espírito."
Teresa descreve: “Estando assim a alma a buscar a Deus, sente-se quase que
desfalecer, numa espécie de desmaio, com grande e suave ternura”. E Safra expõe ser isto o
que caracteriza o quarto grau da oração, "é como se a alma desfalecesse, como um desmaio,
porque nessa experiência ela perde a singularidade de si, se desfaz." Esse desmaio é como a
experiência de Paulo “Não mais eu vivo, mas é Cristo que vive em mim”. A perda do eu
externo é uma experiência interna e é absolutamente transcendente, não se trata de um
desmaio qualquer, mas de um desmaio no qual ela vai ser revigorada "e o importante é não
perdermos de vista que esse desmaio é figurativo" acrescenta Safra
Aqui também é exposta uma mudança na noção de pecado: no primeiro grau a
noção de pecado era a dispersão e a autora considerava-se uma mulher dispersa, pois tinha
dificuldade de recolher a si mesma. Nesse quarto grau o pecado para ela é estagnar, é deixar
de perseverar.
Alcançada esta 4ª etapa, ocorre uma radical mudança na vida de Teresa. Já não
pertencia mais a si, mas ao Outro por este acontecimento amoroso, que é entrega. Como
nos Cantares de Salomão, Deus é o esposo e a alma é a esposa numa relação conjugal.
Essa relação possibilita o conhecimento da Verdade: frente aos acontecimentos
do mundo, sua alma uma com Deus é como um espelho que reflete a verdade das
situações. Nesse sentido entra-se na psicologia da mística.
Teresa vive em Ó, porque este acontece no cerne de seu ser. A alma do místico
vive a continuidade do divino, não se distingue a experiência da alma da experiência do
divino. Em si não só habita a divindade, mas sim a própria manifestação da divindade.
Essa verdade dos acontecimentos se impõe instantaneamente, sem
transformação alguma. É a possibilidade de acesso ao conhecimento que não se dá via
intelecto.
O divino está para além das palavras, para além da compreensão que é a perspectiva
apofática: algo que é sentido, mas não pode ser sabido, experienciado. Algo também que se
aproxima bastante daquilo que Bion vai colocar como experiência de Ó.
Bion difere destas conclusões, pois para ele, a experiência originária (ó)
sempre aparece por transformações. Ó é sempre fugidio, por isso usamos modelos em
transformação para falar desta experiência que é para além da capacidade do ser
humano.
Em Teresa, esse momento do estado de união possibilitava o conhecimento
imediato da verdade somado à capacidade de agir no mundo. Isso trouxe para ela a
capacidade de trabalho que não tinha antes. Passa a ser movida por uma força além dela,
e proclama “Deus vive em mim”.
Para o contexto da época, era muito complicado sustentar esse
transbordamento de amor que acontecia no momento de união. Vivia cada vez mais
solitária, pois não tinha com quem conversar a respeito. Seus diretores espirituais não a
compreendiam e tinham medo. Confabulavam contra ela, uma vez que a esfera pública
passa a ter conhecimento de suas experiências e Teresa torna-se foco da Inquisição, pois
colocavam que tais experiências eram demoníacas, e não divinas. Teresa só se aliviava
desta angústia causada pela dúvida de seus inquisitores quando tinha uma intensificação
da experiência do sagrado.
Teresa mantém-se em seu percurso humilde, relatando e descrevendo cada vez
mais experiências místicas, tal qual a vez que pôde ver a mão de Deus. Além da
presença espiritual, vivia a perspectiva imagética. Não percebia a presença pela
sensação ou imaginação, mas espiritualmente.
Na experiência de Teresa na qual anseia a união com o divino surge alguma
coisa para além de si mesma, então diz que "perde a gravidade", o sentido de si, e é
retirada do mundo; A única função de si mesma nesse momento é de deixar-se levar.
(Gesto de deixar-se levar no qual o espírito é estendido), a gravidade se manifesta
claramente como força e poder de um gesto de amor.
Antes, quando Teresa saia de si perdia o gosto pelas coisas do mundo neste
estágio ela já descreve que há um outro desapego o qual não se dá só às coisas do
mundo, mas também à própria terra, à materialidade.
Acompanhando o relato de Teresa nota-se que há a descrição de dores, o
primeiro tipo de dor descrita nesse caminho é a perda do sabor criado pelas coisas do
mundo e a alma e o corpo podem compartilhar a sua dor, ou seja, o corpo auxilia a
suportar determinadas experiências de dor e de angústia. O segundo tipo de dor é
quando Teresa perde a companhia do corpo que passa a não mais auxiliá-la – o corpo
mesmo dá a finitude à experiência divina. Tudo aquilo que não comporta a
corporeidade, perde a dimensão de finitude e safra completa: "Então a experiência de
dor vivida é vivida como finita e isso torna mais difícil lidar também com a ausência de
satisfação." Outro aspecto que Teresa descreve é relativo a solidão e tem várias facetas,
um aspecto da solidão é de que ninguém pode fazer-lhe companhia(a Teresa), e não é só
a solidão vivida, mas na medida em que perde a presença do corpo, perde a
possibilidade de experimentar o divino como presença; quando a comunicação com
Deus se faz sem a experiência da presença se apresenta como notícia e não mais como
visita; "solidão notícia".
Em seguida Teresa põe lado a lado a dor e a alegria, pois ambas trazem noticias
do divino e passa a descrever a morte como possibilidade de chegar ao divino.
Teresa descreve "Quem está no alto, enxerga muitas coisas. Não busca
liberdades do querer, nem mesmo gostaria de ter livre arbítrio, e assim o suplica ao
Senhor. Entrega-lhe as chaves de sua vontade”. Aqui se mostra um estado de
estranhamento que a situação promove, a autora fala de um outro momento em que
integra a experiência vivida havendo uma transformação na condição de si."
“Me vêem como corajosa capaz de enfrentar as situações que passo, mas é uma
coragem que vem do outro que habita em mim”. Uma das coisas que Teresa está
assinalando é uma transformação do próprio sentido de si mesma, a partir desse
momento está habituada ao que está vivendo e o que ocorre é que a vontade já não lhe
pertence. E se antes, estava em uma situação em que a vontade era arrebatada, nesse
momento entrega as chaves e entrega sua vontade. Teresa escreve que a partir desse
momento, todas as suas ações no mundo não são decorrentes das características de si
mesma. Ela possui o ímpeto de ter de realizar alguma coisa, mas é o outro que nela age
e por isso diz que de repente tinha coragem em poder realizar situações e obras que não
eram mais dela, mas do outro que agia nela e era então veículo, isto se assemelha àquilo
que o apóstolo Paulo descrevia só que de uma forma molecular “não sou eu mais que
vivo, mas o Cristo que vive em mim.” Ela não só esta numa posição em que o sentido
está para fora de si e em que o outro age a partir dela, mas também passa a existir numa
outra posição na qual passa a enxergar o lugar em que estava e o lugar em que os outros
estão.
Modo de ser e impasse existencial
A análise que Safra faz para ver como se desenvolve a religiosidade em Teresa
parte do primeiro livro dela, “O livro da vida”, que é sua biografia. Teresa nasceu em
1515 e morreu em 1582. Ela já foi foco de vários estudos no campo da psicologia, mas
o foco de Safra é a forma como se dá a organização do self da autora.
A primeira coisa que Teresa informa diz respeito ao seu meio ambiente. Ela nos
conta que teve pais virtuosos e devotos a Deus e que isso já foi um favorecimento do
Senhor. O seu pai era leitor de bons livros com os quais ela teve contato e com a mãe
aprendeu a rezar: “queria nos ensinar a ser devotos de Nossa Senhora e dos Santos.
Começou a despertar em mim a piedade na idade de 6 ou 7 anos”. O pai tinha habito de
praticar caridade com os pobres e a mãe tinha muitas virtudes e grande honestidade. A
mãe morreu com 33 anos de idade quando Teresa tinha apenas 12, ela coloca que depois
da perda quem lhe serviu de mãe foi Nossa Senhora – fenômeno claramente
transicional, ela transforma a imagem da virgem em mãe.
Teresa tinha mais duas irmãs e nove irmãos e todos se assemelhavam aos
seus pais em virtudes. “Exceto eu!”. Desde o início o texto marca continuamente a
afirmação do distanciamento de Teresa com relação ao seu ideal de santidade; então é
freqüente ela se colocar como "muito ruim, que não está à altura".
No século XVI, contexto em que Teresa se encontrava, a religiosidade era parte
integrante da cultura, ela vive um momento anterior a época moderna na qual já se
possui o incremento da racionalidade, na época da autora toda vida humana se
organizava pela religiosidade. Os cultos, as atividades cotidianas eram pautadas pela
religiosidade e no seu caso a religiosidade católica presente na Espanha. O repertório
cultural disponível para ela e para as pessoas da época faz com que Teresa tenha uma
marca bastante significativa dessa religiosidade na sua maneira de ser.
Neste livro Teresa fala do hábito de ler a vida dos santos com seu irmão
Rodrigo e a partir dessas leituras ela começou a ver a possibilidade de alcançar o céu,
ter a vida de um mártir naquele momento era claramente seu ideal. Safra coloca a
dimensão significativa da organização e do funcionamento do self, a partir do que ele
chama de: o objeto subjetivo da pessoa: O individuo, frente ao repertório disponível, se
encanta com aquilo que, de alguma forma, está relacionado com a sua forma de ser;
aquilo que lhe encanta é aquilo que almeja alcançar em seu processo de vir a ser; o
encanto assinala a vocação existencial, do ponto de vista da clínica o encanto assinala o
que é mais originário no ser da pessoa, isto permite compreender melhor o destino de
Teresa, o que a encantava (na vida dos santos) e que se constitui no seu ser como mais
originário, acabou por levá-la para a religiosidade. (Safra insere que o encanto é um
fenômeno que se caracteriza pelas suas qualidades estéticas).
Teresa possui um ideal heróico que se mostra curioso, pois é mais comum
encontrar o ideal heróico na psicologia masculina - do que na feminina. Esse ideal no
homem está relacionado com a afirmação da virilidade na medida em que o heroísmo
assinala que o individuo pode atravessar situações difíceis e obstáculos e conviver com
a experiência do medo. Teresa com a sua forma de ser audaz insere-se no registro
masculino. Pode-se ver como ela dirigirá toda essa força, essa virilidade, para o interior
de si mesma, "se não fosse possível ir até os Mouros, os irmãos se tornariam eremitas",
ou seja, ela equiparava a vida de eremita com a experiência de martírio e com a
experiência de aventura.
Ao longo do primeiro capítulo a autora conta sobre quando foi levada ao
mosteiro e como, lá, sua alma começou a adotar os bons costumes e viu a graça de Deus
acontecer a quem se põe em companhia de almas boas, para ela, seu caminho estava
sendo guiado pela providência. Safra interpreta que nesse espaço religioso Teresa
começava a dar vazão a uma faceta do destino heróico, de aventura; não almejava ser
monja, não almejava ser casada, pois o casamento nessa época significava desistir
completamente desse desejo, o casamento significaria estar subordinada a alguém e
perder a possibilidade de conduzir a própria vida, o casamento lhe parecia contrário a
sua vocação existencial. Monja também não queria ser, pois nesse momento ela não
chega a ter clareza de que poderia encontrar algum tipo de satisfação desse anseio de
aventura no mosteiro, por outro lado ela nos disse que começava a se encantar com essa
batalha que as monjas pareciam empreender com a própria experiência natural; é um
caminho que começa a surgir no horizonte da Teresa.
Nesse momento de impasse a autora adoece e é levada para ser cuidada pela
irmã e pelo pai, aqui Teresa mostra-se apartada por seus anseios mais originários, e,
todavia, a experiência mesmo da doença convida-a a uma consciência mais profunda da
transitoriedade da vida, apresentam-se, então, duas situações: 1) a doença dela com
características quase claustrofóbicas que a impede de continuar o caminho que desejava
e por isso já não consegue se direcionar e 2) é assaltada pela idéia da transitoriedade da
vida.
Do ponto de vista ontológico o ser humano é devir, isto leva Safra a
compreender o adoecimento humano como una interrupção dessa possibilidade de
destinar aquilo que o individuo encontra em si mesmo como possibilidade da sua
existência. Isto se apresenta como uma perda de si mesmo, ou seja, perder o
encantamento em relação ao que caracteriza seu modo de ser originário ou perder a
possibilidade de colocar aquilo que lhe dá singularidade, que é o seu modo de ser,
ficando impedido de poder colocá-los em transição, em devir; o que implica no
adoecimento do self; quando o individuo não pode mais se vocacionar, quando não
pode mais se destinar; então o seu cotidiano, o seu futuro, aparecem desconectados
daquilo que lhe é próprio.
No caso de Teresa entrar no mosteiro era algo que ela tinha que re- significar
no seu mundo psíquico, a fim de que ela conseguisse lá ficar. Para isso ela convence um
dos irmãos a se fazer religioso, Safra observa que Teresa sempre está acompanhada de
uma companhia masculina, Rodrigo, agora o irmão e depois ela se aproxima de São
João da Cruz ficará no lugar de irmão e com quem ela vai perseguindo seus próprios
anseios e acrescenta que na medida em que o pai não queria que Teresa fosse para o
monastério ela passou a ser a aventura; o monastério passou a ser o lugar em que ela
poderia fazer valer o combate de sua vontade. (aqui o monastério é re significado)
Até esse momento nós não estamos no campo da religiosidade de Teresa, ela
deixa muito claro que fazia uso da religiosidade presente na cultura a fim de poder
conseguir dar um destino para sua vida, não se trata nesse momento de una vocação
religiosa.
Teresa coloca que abraçar o estado de monja foi sua primeira grande batalha; a
alegria que ela sente nesse momento é o ponto originário de sua experiência religiosa.
"Na mesma hora me deu tal alegria abraçar esse estado, que jamais me faltou até hoje, e
Deus transformou a aridez da minha alma em imensa ternura." esse momento em que
ela sente ternura por Deus é uma experiência religiosa isso se dá porque Teresa concebe
esse percurso, não só por obra da vontade, mas porque há presença de um Outro: a
providência divina que a esta dirigindo. Teresa tem uma transferência em relação a
Deus, pois ele esta no lugar de Rodrigo; assim agora Deus é o companheiro de batalha.
(Teresa outorgou a Cristo o lugar de seu irmão).
Ela diz: "Deleitavam-me as observâncias da vida religiosa, na verdade algumas
vezes estando a varrer em horas que antes costumava ocupar com os meus
divertimentos e vaidades, sentia uma estranha felicidade sem saber de onde me vinha ao
lembrar que estava de perto de tudo aquilo." Então, Safra interpreta, "se na concepção
que ela desenvolvia, compreendia a experiência de dispersão como adoecimento, como
pecado, nesse momento, varrendo o solo do mosteiro ela conseguia superar a dispersão:
eram pequenas vitórias que ela conquistava no dia a dia.
O espírito de batalha na Teresa se vê claramente porque cada tarefa se tornava
um desafio. A experiência de bem estar, Teresa conquista em cada superação de
dispersão; cada ação corajosa, ela compreende como oferta de Deus. Claro que esses
movimentos fazem com que cada vez mais Deus tenha realidade para ela; realidade
psíquica mas realidade, assim vai cultivando o relacionamento com o divino. É
interessante como Teresa para falar na religiosidade que a vai constituindo, usa palavras
que a remetem à cavalaria; é o idioma pessoal de Teresa."
Ainda durante a doença Teresa tratava-se na casa do tio e lá encontra um livro
"Terceiro Abecedário" o qual ensinava a oração de recolhimento. Gostando de ler,
determinou com todas as suas forças que seguiria o método que o livro indicava,
começou a ter momentos de solidão, se confessava com freqüência e passou a se
enveredar pelo caminho sugerido pelo livro.
Esse livro de oração ensinava a estabelecer relacionamento com o divino, era o
caminho para a interioridade, então, aqui Teresa começa a vislumbrar a possibilidade de
fazer o percurso para o interior de si mesma, para encontrar o divino em si. É possível,
por meio do recolhimento, a experiência de outra viajem, para uma dimensão que vai
sempre tendendo ao infinito, um caminho que a ajudava a encontrar o transcendente
dentro de si. "O Senhor me concedia tanta consolação por esse caminho que me fazia a
graça de dar oração de quietude e ás vezes até de união." Oração de quietude é essa
possibilidade de encontrar em si o silêncio transcendente e a oração de união, a
possibilidade de encontrar dentro de si a experiência de contato com a presença divina.

A vida de Santa Teresa


Até aqui foi apresentado como Teresa passou grande parte da sua vida numa
situação de impasse já que tinha anseios de aventura no mundo numa época em que
havia impedimento para que uma mulher pudesse ter esse tipo de destino. E como a
oração, de alguma forma, manteve a autora para além do impasse que vivia junto da
doença e do sufocamento junto ao monastério e mantinha a possibilidade de estabelecer
sentidos.
Nessa primeira parte é mostrado como os anseios se colocam de uma forma
mais integrada e assim Teresa pode de fato ter a experiência da espiritualidade.
O modo de ser de Teresa, aventureira, a mostrava sem paciência e inquieta, (a
musculatura, em pessoas com essas características, é um solo que da ancoragem do
modo de ser) o que para ela foi algo a ser superado durante seu adoecimento o qual
durou três anos, através das suas práticas de oração: "Fui levada com extremo cuidado
pela minha irmã, meu pai e pela monja, minha amiga que me queria muitíssimo. O
demônio começou logo inquietar minha alma, mas de tudo Deus criou um benefício." O
demônio aparecia na forma de inquietude, a autora precisava de alguma forma lidar
com essa inquietude e a partir daí começa a se confessar com padres e recorre à oração,
à representação do gesto, à possibilidade de sair da situação de fechamento; o intelecto
foi outra função importante que a ajudou, pois preservou nela o mesmo caráter viril de
poder transpor fronteiras para o mais além.
Essa é a questão do jogo pessoal da Teresa, encontrar na religiosidade a
possibilidade de cavalgar e desbravar o mundo. É um modo de ser que está sempre
presente tanto no destino que a pessoa se dá, quanto na leitura que faz daquilo que está
disponível culturalmente.
Teresa também descreve as experiências com diferentes tipos de confessores
que ela tinha que não ajudavam muito por serem pouco instruídos, para a autora o bom
confessor seria aquele que de alguma forma treinasse a sua alma o rigor do confessor é
proporcional ao anseio de ser formada como soldado em Cristo. Quer dizer.
Um dos problemas que relata foi ela ter começado a se confessar com um
sacerdote o qual ficou com grande afeição por ela, "Talvez a amizade fez com que esse
sacerdote se afeiçoasse a mim grandemente, não era uma má afeição, mas o seu excesso
deixou de ser bom, ele percebeu que por motivo algum eu faria coisa grave contra deus,
assegurava o mesmo de si, de modo que era uma confissão recíproca. O que me dava
real gosto era falar sobre a vida dele em todas as minhas conversas. Finalmente ele
começou a declarar-me a permissão em que vivia, não era pouca. Havia quase sete anos
estava numa situação bastante perigosa."
Depois ela vai conhecer mais de perto a vida do padre e se dar conta que ele
não tinha, no final das contas, tanta culpa na situação, mas sim as mulheres que tinha
por perto, esse sacerdote acaba por se converter em seu amigo.
Safra ressalta como desde a infância se repete o anseio da companhia
masculina, uma coisa que vai aparecer mais tarde, na profunda amizade que existia
entre Teresa e São João da Cruz, que é compreensível pelo modo de ser da autora,
claramente viril. A companhia masculina é aquela a qual dá espaço para que as facetas
da sua personalidade possam acontecer e possam ser compartilhadas.
Na última parte do livro surge todo o uso da religiosidade e o uso da oração,
que estabelece uma função claramente psicológica e existencial: psicológica na medida
em que a religiosidade da Teresa até esse momento lhe dá meios para lidar com o
impasse que ela vivia e com o estado depressivo em que ela se encontrava; do ponto de
vista existencial, a oração mantinha a possibilidade de ela estar aberta para o mais além
e de preservar a capacidade de poder dar um sentido à própria vida, a dimensão religiosa
e espiritual dão a Teresa o acesso à sacralidade. Aqui a autora descreve que nos
momentos em que rezava tinha o que ela chamava de consolação, que eram experiências
nas quais encontrava a quietude.
Nota-se que depois da experiência de quase morte pela qual Teresa passou,
ficando por quatro dias desacordada, começa a aparecer na fala da autora, "um não
suportar o outro", antes dessa experiência o seu anseio era de atravessar o mundo, agora
começa a ser também o elemento que mais a transtorna, porque se via impedida disto,
aquilo que era o objeto de desejo de Teresa, passa a ser seu "mau objeto": "Minha pressa
para voltar ao mosteiro era tão grande, que mesmo nesse estado fui transportada para lá.
Embora tivesse melhoras, fiquei paralítica por quase três anos. Estava muito
conformada com a vontade de deus, ainda mesmo que me deixa-se sempre em aquele
estado, se desejava sarar, era unicamente para ter solidão e fazer oração".
Nesse momento percebe-se a importância da oração para Teresa, pois ela
encontra na oração mental um caminho para a interioridade isto era algo importante
porque se o espaço externo lhe estava impedido, se ela não podia sair a cavalo para
poder viver aventuras e sofrer martírio, a oração mental dava a ela a possibilidade de
viver uma experiência de martírio a partir da interiorização ao mesmo tempo em que lhe
dava a possibilidade de explorar os mundos infinitos da interioridade.
Pode-se ver a guinada na vida da autora: a questão não é mais alcançar o
mundo, mas alcançar um estado de solidão; há uma mudança na direção do movimento
fundamental de sua vida. A solidão ainda não é objeto de amor, mas é necessária porque
a presença do outro e do mundo, lhe dói, e começa a surgir então uma experiência de
paciência, há uma interiorização da Teresa, todos os acontecimentos que foram se dando
em sua vida são postos em direção a Deus, o adoecer, o recuperar-se, o morrer
simbolicamente, para ela, na medida em que tudo era vontade de Deus então tinha um
sentido, a esperança estava preservada (há esse outro que anseia pelo seu destino) essa é
a forma dela poder usar a religiosidade para encontrar o sentido que atravessa a sua
vida, o divino é tido como o vértice a partir do qual tudo tem um sentido.
Então se tem a maneira pela qual Teresa concebe a espiritualidade, assim como
é importante o ser humano não estar disperso, nota-se que seu método espiritual do
recolhimento em si, do encontro da solidão, são aquilo que fundam um modo de ser
espiritual contemplativo, mas que a autora percebe que deve ser feito em comunidade.
Safra apresenta a questão: "A caridade cresce pela comunicação, ela tem
consciência da importância de um outro nesse momento, para que esse estado pudesse
ser preservado, por isso vai fundar um caminho espiritual baseado na comunicação, na
solidão, ela vai fazer uma reforma impedindo as visitas para preservar o claustro, e um
caminho espiritual que implique o estabelecimento da comunidade, pois o ser humano
só suporta o encontro com a transcendência em comunidade".
Em seguida Teresa descreve a situação do impasse constante no qual vinha
vivendo, colocada como um processo de divisão, de um lado buscando a transcendência
no divino e de outro lado tentando resolver o seu anseio de transcendência no mundo.
"É uma guerra tão penosa que não sei como agüentaria um mês, quanto mais, tantos
anos. Com tudo claramente vejo a grande misericórdia que o senhor me fez dando-me
ânimo por oração em quanto lidava com o mundo." – a oração a auxiliava a poder
encontrar a experiência de aventura como sendo transcendência em direção à
interioridade, ajudava dar a ela uma maior inserção religiosa ao mesmo tempo em que a
possibilitava lidar com a dispersão que ela percebia em seu ser como algo negativo além
de manter viva a memória do divino sustentando sua esperança. Como até aqui foi
descrito, para Teresa o estado de doença era uma prisão que possuía uma porta: a oração
é a possibilidade de desbravar outros mundos.
Por médio da oração ela constituiu então um companheiro a quem ama
incondicionalmente e com quem pode falar intimamente, a oração permitiu que ela
sustentasse uma perseverança, foi lugar de memória e foi caminho para a interioridade.
Safra apresenta como havendo uma outorga ao divino, ela outorgou ao divino o lugar de
companheiro, de amor incondicional, isso faz parte da criatividade da Teresa.
No capítulo 9 apresenta-se uma novidade nessa trajetória de Teresa
"Aconteceu-me estando um dia no oratório ver certa imagem trazida e guardada ali para
uma festa que ia se celebrar no monastério. Representava a cristo muito chagado,
inspirava tanta devoção, que só de vê-lo em tal estado fiquei muito perturbada.
Mostrava ao vivo o que passar por nós, foi tal o sentimento de ser tão mal agradecida
com aquelas chagas, que se me partiu o coração. Lancei-me aos seus pés, derramando
muitas lágrimas e suplicando-lhe que me fortalece-se para nunca mais o ofender."
Este é um dos momentos mutativos no percurso de Teresa, aqui há a
importância da estátua para que ela pudesse ser atravessada pela dor e pela compaixão,
dessa forma mostra-se que a estátua tocou a sensibilidade da autora, ou seja, a
corporeidade, pois ela sente a compaixão, a dor no cristo, há aqui uma abertura da
corporeidade de Teresa para viver aquilo que era seu objeto originário de oração, ou
seja, de repente a presença da imagem, reúne e possibilita Teresa viver o encontro com a
paixão que era o seu anseio. (Este é um dos campos que impressionou muito Edith
Stein. Stein, a partir da leitura do livro da Teresa, vai discutir a importância daquilo que
ela chama de ilética – se abrir ao sentido das coisas – para a religiosidade; para Stein
toda experiência mística é uma experiência corporal onde o divino é vivido a partir da
corporeidade do devoto o que dá a o individuo uma experiência de presença).

Quando ela viu a estátua de Cristo teve um momento em que foi atravessada
por uma série de experiências como posto, a estátua foi um primeiro momento em que
teve uma experiência ilética– a estátua lhe fala sobre o divino – segundo Safra aqui
Teresa coloca que esse movimento refere-se à sua religiosidade, que tem um sentido
espiritual, que é atravessada por algo na direção desse sentido, que é o seu projeto
fundamental, quando ela vive tais êxtases sente-se arrancada desse projeto, Safra
completa colocando que as pessoas que têm uma experiência mística rompem com suas
religiosidades, assim, essa perda do sentido de si é o que caracteriza sua experiência
mística e que difere da religiosidade

Quando ela atravessa essa experiência da perda de si em direção ao infinito


tem-se caracterizado o transe – perda de si mesmo, mas com um mergulho na
corporeidade, é uma hipertrofia de uma das facetas da sensibilidade, a pessoa está
mergulhada na corporeidade; distinto do êxtase onde acontece a perda do contato com a
corporeidade e o indivíduo é puro espírito em direção ao fim. O fim é o infinito e é
como Teresa via, via com a função de um saber.
Naquele momento a imagem para ela foi a porta a partir da qual Teresa se
reposiciona de forma distinta, a partir desse ponto é que oração também muda de
estatuto deixando de ser um veiculo através do qual se pode pesquisar e caminhar na
interioridade, para ser um meio pelo qual o individuo se mantém aberto ao
transcendente, assim Teresa tem a suas experiências místicas e tem a sua experiência
com a oração – caminho de escavação de si.

Então se percebe que a oração deixa de ser para a autora uma tentativa de
caminhar para a interioridade, de explorar os espaços sem fim da interioridade. Mas a
oração passa a ser um modo de escavar-se; um modo de manter a abertura ontológica
em direção ao outro. A oração deixa de ter esse caráter de travessias na subjetividade,
para ser esse preparar-se para a experiência ilética, para a visita. (Safra ressalta que há
uma mudança completa na situação.)

A experiência religiosa implica na possibilidade que o indivíduo tem de por


meio do seu gesto, se manter em estado de transcendência em meio a concepções
religiosas. Faz parte também a experiência do sagrado, que é o momento em que um
individuo vive a experiência de uma presença no imanente como por exemplo, a de
Teresa, no momento em que vê a imagem do Cristo; aquela estátua serve como porta
para que ela veja e pressinta o absoluto, aquela imagem é experiência do sagrado. O
sagrado é o transcendente no imanente tornando a concepção de experiência religiosa
mais ampla do que o encontro com o sagrado.

No tópico 5 ela diz: "Torno ao que ia dizendo sobre quando me atormentavam


os pensamentos. O modo de orar sem fazer raciocínios tem isso de particular, a alma ou
tira muito proveito, ou ainda perdida, digo perdida em distrações, se aproveita, é grande
lucro porque é progredir no amor. Mas para chegar a tal ponto muito lhe custa, salvo se
o senhor se dignasse a elevar a alma dentro de muito pouco tempo à oração de quietude.
Isso acontece a certas pessoas das quais conheço algumas." Segundo Safra Teresa está
se referindo a si mesma apresentando a oração como reflexão sobre determinada
passagem da vida do cristo, uma oração sem raciocínio.
E ela coloca que a oração de quietude não vem por operação, não vem porque
se deseja chegar até ela ou se emprega algum tipo de procedimento, ela vem como dom,
como oferta. Nesse ponto de fato começa a surgir à experiência mística, até aqui nos
tínhamos um movimento religioso da Teresa em que através do que a religiosidade e os
dogmas propiciavam, ela procurava dar conta de sua existência, angustias e mantinha a
esperança da transcendência nesse lugar o qual ela dava ao divino, lugar de
companheiro. Há um momento em que isso se rompe, não é mais o funcionamento das
suas funções, mas é algo que se da para além dela própria, que se inicia na experiência
ilética, a oração de quietude como experiência mística, a experiência da presença de
"um outro"; na experiência mística há um desaparecimento de si. Por isso é que ela esta
chamando de oração de quietude porque há experiência de presença pelo sentimento, há
um sentir, um corpo que vive a experiência da presença de "um outro" para além de si.
E ela chama de quietude porque tudo aquilo que seria sinal da presença do eu aquieta-se
e nessa experiência Teresa encontra a tranqüilidade que buscava (a qual é distinta da
consolação – momentos nos quais Teresa tinha que lidar com as dispersões e a aridez,
então Consolação é pedir que essa experiência de gozo e suavidade retorne, pelo
desejo.)

Teresa discrimina com clareza o que é pena e o que é compaixão, quando a


autora fala de compaixão se refere à solidariedade de se caminhar junto, já a pena,
significa primeiro um auto-engrandecimento frente ao outro e segundo uma
desqualificação das possibilidades do outro. Então se tem pena do outro, dos pecados e
das faltas do próximo, não se vê nele a possibilidade que teria de vir a superar essas
faltas, "eu o estanco naquele lugar".
No capítulo 10 ela insere o que chama de Teologia Mística, o estado de não
ação que se refere ao momento em que ela é surpreendida pela experiência da presença
que a colocava fora de si, experiências em que esse outro"a faz chorar de amor.( No
oriente é costume haver referência a esta questão com o título de “o dom das lágrimas”).
Teresa assinala que essas lágrimas são um tipo diferente das "lágrimas do mundo". a
presença desse outro que a visita na sua sensibilidade e que a joga em direção ao
transcendente, retira o seu interesse pela terra, pelo mundano.

Seguindo, a autora descreve sobre o lugar do amor, O amor para Teresa não é
só um sentir, é um sentir que abre para o transcendente, o amor fura, o amor retira de si
e toda a questão da mística, segundo ela, gira ao redor do amor como elemento
"descentralizante" do ser humano, ela compreende também o próprio amor divino como
sendo expressão de um esvaziamento, ou seja, o homem também tem que se esvaziar
para ir ao encontro do divino.

Ao longo do livro Teresa trabalha com várias metáforas e uma delas é falar da
alma como um jardim, Toda idéia de jardim permeia o texto, É a idéia do cultivar: "Com
auxilio de Deus e com os bons jardineiros devemos procurar que cresçam as plantas,
cuidando de as regar para que dêem flores de perfume suave a fim de deliciar esse
senhor nosso.” E assinala que a rega são as lagrimas de amor, sendo o 4 estágio
associado ao regar. Já o primeiro estágio, reflete o que foi parte de sua vida, em que há
um esforço, em que há operação, não é uma oração que surge pela visita, mas ela é
conquistada pela interiorização e pela tentativa de se integrar-se em si mesmo.

Nesse momento O conselho fundamental é: “Comece por não se espantar com


a cruz.”, aqui ela está descrevendo com ênfase sobre a importância da persistência, a
cruz para ela nesse momento inicia um processo de rigor, significa o individuo poder
estar realizando essas atividades mas contando com a presença da aridez. Tudo que
Teresa esta discutindo nesse momento, a questão da cruz, da aridez, da perseverança, é
um processo que Safra reconhece como parte da teologia negativa (Edith Stein), o
individuo se põe sempre em direção ao transcendente pelo esvaziamento de si mesmo,
isto é apresentado pela autora como parte fundamental para abrir a porta, para que
eventualmente a visita possa ocorrer, tudo isso para ela é parte do percurso para que
exista a experiência de presença, da mística e ressalta que não há possibilidade do
outro visitar, se a casa esta cheia, por isso a primeira parte da oração é o esvaziamento.
É este "resintonizar-se" com o humilde, com o húmus da condição humana.

Na quarta e quinta parte do Livro da Vida, a orcao deixa de ser o foco principal
e a autora passa a descrever a experiência do inferno. Para Safra a descrição de teresa é
baseado em dois eixos: tempo e espaço.

Na questão do tempo, ela fala de uma experiência, de um lugar, que é, melhor


dizendo, um não lugar sem fim. Ela fala de uma experiência de infinito; do mau infinito.
Alguma das coisas que está relacionada àquilo que dentro da psicanálise, a partir de
Winnicott, nós vamos encontrar descrito como parte das agonias impensáveis, onde o
sofrimento parece, no momento que está sendo vivido, um sofrimento sem fim.

Do ponto de vista do espaço, descreve que há uma experiência tal onde o


espaço também não traz nenhuma forma de consolo, não havendo espaço, não há
possibilidade de repouso, não há como poder encontrar uma posição que seria dada pelo
corpo que pudesse de alguma maneira intermediar o sofrimento vivido. Não são
experiências que ela relaciona à corporeidade, mas a ausência de espaço, e a ausência de
tempo ela relaciona à experiência da alma; Então, espaço e tempo, no inferno de Teresa,
estão abolidos. É lugar nenhum em um tempo sem fim.
Safra coloca: "É interessante perceber como a descrição que Teresa faz do
inferno guarda similaridade com as experiências que ela própria viveu desde a sua
origem, desde os primeiros movimentos como nós tivemos a oportunidade de ler a partir
dos primeiros capítulos do Livro da Vida, onde Teresa era originalmente uma mulher
impedida, Teresa viveu um impedimento, ela viveu uma opressão, nós havíamos
conversado o quanto ela aspirava poder encontrar a aventura que justamente pudesse dar
a ela a experiência de devir."
O terceiro ponto salientado por Safra é a descrição imagética do inferno que
Teresa realiza, as imagens que Teresa traz do inferno são imagens que assinalam a
experiência do estreitamento, do confinamento, do aprisionamento. Tudo isto levando,
como ela diz, a uma experiência de opressão, do ponto de vista da corporeidade, a
angústia é vivida como estreitamento, ou seja, a angustia é vivida ao nível absoluto.
Quando ela pode dar a forma imagética a aquilo que é sua agonia mais
fundamental, ela pode vir a se relacionar com as representações da agonia que criou, ou
seja, as representações criadas possibilitam que aquilo que era pura agonia, puro
atravessamento, inferno sem fim, estancamento, se coloque sob domínio do gesto.
Safra alerta para um ponto importante na mística de Teresa, a possibilidade do
diálogo com Cristo, a figura de Cristo ganha presença e assim se faz um dialogo interno
no qual Cristo passa a ser seu interlocutor contínuo, Safra coloca que o divino vive nela
como Senhor e como amigo. Há aqui uma relação pessoal na qual Cristo é lugar de
sentido em suas conversas ela adquire um saber, é um saber de ordem tácita, sobre os
abismos mais fundamentais da experiência humana.
Já ao final, Safra lê parte importante do "Livro da Vida" que servirá como
primeiro passo para tratarmos dos castelos da alma:
"Foi para mim um maravilhoso espetáculo ver neste claro
diamante, em tão pouco tempo, tantas coisas juntas. Sinto grande lástima
cada vez que me recordo de ter considerado coisas tão feias, como eram meus
pecados, que se refletiam naquela claridade limpidíssima. O certo é que a esta
lembrança não sei como posso resistir, na ocasião fiquei tão envergonhada
que não sabia onde me meter. Quem pudera dar a entender isso aos que
cometem pecados muito grandes e desonestos para se recordar de que não
ficam ocultos. Com razão, Deus o sente. Pois os cometemos na presença de
sua majestade e com tanto desacato nos desmandamos diante dele. Vi com
quanta justiça se merece o inferno por só uma culpa mortal, a extrema
gravidade da ofensa excede toda compreensão. É pecar diante de tão excelsa
majestade a qual tanto repugna coisas semelhantes. Também aqui resplandece
mais a misericórdia do Senhor. Vi que sabíamos tudo isso e, todavia, nos
suporta. Tenho pensado comigo mesma, se uma só visão como esta deixa a
alma assim atemorizada, que será no dia do juízo, quando essa mesma
majestade se manifestar claramente a nós e nos fizer ver as ofensas com que a
ultrajamos? Valha-me Deus! Em que cegueira tenho vivido. Quantas vezes
fico tremendo à lembrança do que acabo de escrever. Não se admire vossa
mercê, senão de que eu ainda esteja viva vendo tais coisas e pondo os olhos
em mim. Bendito seja para sempre aquele que tanto me tem suportado."

Nesta experiência, Teresa procura criar uma imagem, (que para ela não é bem
imagem) em que há experiência da presença do divino em tudo, por isso se caracteriza o
divino como Ser. nesta visão ela vai trazer a imagem do diamante, lugar claríssimo,
lugar de espelhos,a autora fará uso desta imagem para falar da criação; esta imagem se
conecta com uma outra, de uma visão na qual ela enxerga a alma também como uma
espécie de diamante, guardando esta relação do ser divino com a alma. Teresa vai
enxergar a alma como uma organização espacial, ela diz que é como um castelo, castelo
às vezes de vidro, de cristal, tendo diversos aposentos que se organizam em forma
concêntrica. Assim que ela descreve a experiência da alma e então vai numa única visão
enxergar esses diversos aposentos, os quais são os diversos espaços da alma humana.
Ela diz: “No centro desse castelo está o divino” a partir disso começa a
descrever toda uma espacialidade dos diferentes aposentos com os estados de alma e
com o percurso que o indivíduo toma até alcançar a experiência que ela viveu. "Então
descreve a alma como esse castelo, como esse diamante em relação com o divino e esta
visão se torna um único livro, que são “As sete moradas”, no qual ela vai descrever a
alma como esse castelo e vai falando de cada uma das etapas, cada uma das capas,
constituindo a alma humana." (Safra)
"Bem se vê que é tolerável, pode praticar-se com descanso, proporciona grande
felicidade para viverem nesta paz as que quiserem a sós fluir de Cristo, seu esposo. Sim,
porque é isso que hão de sempre pretender viver a sós com o só."
Aqui está toda a metafísica de Teresa, “viver a sós com o só” é chegado ao
ponto em que a solidão é um alvo a ser alcançado, sendo esta, a possibilidade de estar só
com aquele que é só, ou seja, com esse percurso ela alcança a possibilidade de estar só à
presença do divino. O só, o silêncio, passa a ser experiência da face do divino, presença
desse Outro absoluto.
Então, viver só é um modo pelo qual um indivíduo vai se aproximando daquele
que é só, a divindade então vive numa solidão, e esta é a imagem do divino para Teresa,
numa solidão esperando a companhia dos humanos, assim sendo, essa é a perspectiva da
visão " do Cristo dela"; é um Deus que vive em precariedade, nessa menção de solidão,
um Deus que sofre por amor. Então a gente vê que a solidão e o estar só adquire para ela
um estatuto de sagrado, de menção fundamental da divindade. O divino se encontra na
solidão porque ele é solidão. Teresa está assinalando uma possibilidade de acolher
aquilo que é mais originário no ser humano, Winnicott vai descrever a questão da
solidão essencial como uma dimensão originária do ser humano paradoxal, pois ela só é
vivida como solidão essencial porque o indivíduo vive em estado de dependência
absoluta, e esta constitui um núcleo que jamais é comunicado, que jamais alcança
relação. E para Teresa, então, esta solidão fundamental, esta solidão essencial, é o trono
do rei, é o lugar da deidade.
"Então todo o trabalho dela, adquire um sentido em que as suas
diferentes características, seu modo de ser, as dificuldades que ela encontrou, de repente
são superadas nesse percurso que ela fez para alcançar um sentido fundamental na
própria visão da divindade que ela alcança."(Safra), no qual podemos ver a integração
dos elementos mais fundamentais das agoniais mais originárias até a dimensão de como
ela alcança a experiência de espiritualidade: Sustentar a solidão como experiência de
amor.

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