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O sentido tem uma propriedade fundamental: ser o que nos fascina, na

palavra. É interessante notar a homofonia desta palavra nos dizendo que algo “faz
sina” no sentido, traçando o destino do sujeito. O termo fascinação nos indica o
que de imaginário permanece na função da palavra. Se sabemos por experiência de
nossa própria análise que a palavra faz vacilar o ser do sujeito e pode introduzi-lo
na falta a ser, por outro lado sabemos que nesse caminho retém o que aí permanece
de fascinação do sentido, relançando o vetor do grafo para os velhos caminhos do
sintoma. É aí que Lacan vai opor sentido e signo em seus escritos de 70.
Para esclarecer esta oposição vamos tomar o que se diz sob o termo de
mensagem cifrada, tão frequente nos escritos de Lacan quando ele se refere ao
sintoma. Esta expressão, mensagem cifrada, traz em si mesmo uma ambiguidade
que vai nos permitir caminhar um pouco mais. Ao mesmo tempo que nos remete,
atraves do termo mensagem, à comunicação, uma mensagem cifrada pode nos
levar ao equivoco de pensarmos que falta um Código que poderia decifrá-la, se
pensamos que cifra só se refere ao significante. No entanto esta expressão só
poderá ser esclarecida se tomarmos por referência a libido, este mito freudiano,
que Lacan vai substituir por seu conceito de gozo.
A perspectiva lacaniana sobre a experiência analítica se sustenta na
formulação sobre o gozo que é descrito como a verdade estrutural do mito
freudiano que se constitui nos desfiladeiros lógicos que Freud seguiu para decifrar
os fenômenos inconscientes. Partindo deste princípio, o termo mensagem ficaria
corroído pelo seu adjetivo cifra. A cifra carcome a mensagem. "O termo cifra está
aí introduzido na vertente mesma do signo, reduzindo o gozo ao cifrado. O gozo
está no cifrado mesmo: é assim que se isola um efeito que não é do sentido.”
Esta formulação deixa entrever que nas propostas mesmo de metáfora e
metonímia - estes dois tipos de articulações significantes - o efeito de sentido que
emerge na metáfora e fica retido na metonímia. A proposta do gozo estar na cifra,
implica que a articulação do significante produz um efeito distinto do sentido. Este
outro efeito Lacan chamou de sentido-gozado (jouis-sens). É este efeito que escapa
a observação dos linguistas e que só pode ser percebido se se leva em conta que o
inconsciente está aí implicado. E uma das formas de se levar em conta o
inconsciente é, sem dúvida, o sintoma que, em outras palavras, foi como efeito de
sentido gozado introduzido nos estudos da linguagem. O sintoma que obriga a
complementar o efeito de sentido com o de gozo, já foi abordado de várias formas
ao longo da experiência analítica, como uma maneira da resistência se manifestar.
Uma destas formas muito conhecidas deste Freud é a chamada reação terapêutica
negativa.
É neste ponto, em que a distinção entre significante e significado conduzem
ao Outro, que linguagem e discurso se distinguem. De S/s passamos à função do
Outro, que vai ocupar o lugar de significante. Tem-se que levar em conta que não é
possível implicar o significante, definido por sua diferença com respeito aos outros
significantes, sem implicar o Outro como conjunto de significantes.

S (A)
s s(A)

O significado também poderá ser substituído pelo Outro na medida em que


ele é também o mestre do sentido.
O significante introduz a diferença consigo mesmo porque para ele não há
princípio de identidade. É a partir mesmo deste princípio que a cadeia significante
desliza. Em outras palavras podemos afirmar que para o significante é impensável
dizer que B = B, ou seja há dois "B". Esta distinção se mantém até o infinito. Esta
diferença é o espaço onde vemos surgir o sujeito que, na sua singularidade, é pura
diferença. Destacar, no final de uma análise, a partir do desejo do analista, a pura
diferença é, em outras palavras, fazer surgir o sujeito ali onde uma identificação ao
ideal da não diferença insiste em se apresentar. Com a letra, no entanto, é possível
verificar o princípio da identidade onde B = B.
Quando se trata de um significante podemos plantear ao menos S – S para ter
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o Outro, enquanto que para B, que é uma letra, uma só basta e não se concebe
colocá-la em cadeia.
O sentido, portanto, vamos colocá-lo com respeito ao Outro, enquanto que o
sentido gozado (Jouis-sens) não pode ser relacionado com o Outro. O sentido como
sentido do Outro implica, além do mais, o desejo como desejo do Outro. Essa
afirmação nos conduz à problemática mesmo do desejo do analista, ou seja, aquilo
que como efeito de sentido, deve ser obtido do enunciado do analista. No entanto,
por em relação ao analista o gozo do Outro é algo completamente distinto.
Em Televisão Lacan vai definir o sintoma como um nó que captura cadeias de
gozo. Essa definição esclarece a expressão mensagem cifrada. Este gozo – ou
sentido gozado – não é relativo ao Outro, com ele se designa um nível mais
fundamental que o Outro, que aparece então como um derivado.
Supostamente a linguagem deve ser prévia ao gozo, quando é o gozo de
pequeno "a". Porém neste ponto o conceito de Outro se encontra diferenciado em
Lacan. Se consideramos que o gozo é mais fundamental que o Outro, como Lacan
vai nos esclarecer, podemos acompanhar porque ele introduz o conceito de lalíngua
como anterior ao da linguagem. Considera que a linguagem é uma elucubração de
saber sobre lalingua. Neste nível primordial são solidários o gozo e lalingua, e
resultam derivados o desejo, o discurso e inclusive a linguagem.
Ao tomar estas duas referências pode-se verificar em alguns matemas de
Lacan a presença destas articulações. Por exemplo no Grafo do desejo verifica-se:
d ($<>a)
Fórmula que coloca o desejo frente à fantasia fundamental na medida que o
gozo está localizado na fantasia. Nesta fórmula temos uma preeminência dada ao
desejo.
Já no matema:
a $
o objeto a, mais de gozar, está em posição de privilégio em relação ao sujeito
do desejo e o orçamento em conta a posição central, operativa, da forma de gozo
como o que determina o modo de divisão do sujeito. Deste então se abre uma
clínica diferencial a partir das diferentes inscrições que este objeto a pode receber
quando se refere ao Outro, o companheiro sexual. Sabe-se que sempre se
referência de maneira enganosa, porque neste nível fundamental o gozo é um gozo
sem companheiro, um gozo que podemos denominar, com JAMiller, de autista.
Tudo isso esclarece porque se fala de histerização do sujeito numa entrada em
análise: o sintoma histérico, por apresentar seu modo de gozar do inconsciente
passando pelo Outro, implica em seu gozo mesmo o desejo do Outro.
Postado por Celso Rennó Lim

http://clinicalacaniana.blogspot.com/2016/10/inconsciente-linguagem-letra-e-sentido.html

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