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E di tor es
ISBN 978-85-7137-257-3
1. Psicanálise. 2. Gozo. 3. Prazer. 4. Sexualidade. 5. Histeria.
6. Psicose. 7. Desejo. 8. L acan, Jacques. 9. Freud, Sigmund.
I. Seincman. M onica. II. Título.
CDU 159.964.21
159.922.1
CDD 616.9792
(Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araujo - CRB 10/1507)
Pr i me i r a par t e : T e or i a
S egunda par t e : C l í ni ca
NéstorA. Braunstein
Cuernavaca, M éxico, janeiro de 2006
Primeira Parte
T e or i a
I
1. No começo...
jouissance
freue que , derivam
n, Freunde Freud!) edoqueverbo latino
reserva*gaudere
algumas(alegrar-se)
surpresas(sich
na língua
corrente, quando se desdobra em suas acepções segundo a
autoridade, segundo a Rea l A cademia Espanhola:
Gozar: 1. T er e possuir alguma coisa; como dignidade, bens
ou renda.// 2. Ter gosto, complacência e alegria por alguma coisa./
/ 3. C onh ecer carnalm ente uma mul her.// 4 . S entir pra zer,
experimentar suaves e gratas emoções.
francesafoutre.e Um
no dicionário queverbo que teve
finalmente pôdedefazê-lo,
esperar séculos
mas para de
precedido entrar
uma
advertência insólita: “Voz muito dissonante”1(alguma relação, ainda
noçãoNada
do havia
gozo de arbitrari
a um edade
lugar em Lacan
central ao promover,
da reflexão as
sim,
analítica ema
contraposição ao desejo, seu “outro pólo”. Por isso é necessário que
o conceito de gozo tenha que se esclarecer em uma dupla oposição,
por um lado, com relação ao desejo e, por outro, com relação àquele
que parece ser seu sinônimo: o prazer. Definir o gozo como conceito
é distingui-lo em seu valor diacrítico diferencial nessa dupla
articulação com o prazer e com o desejo.
M as de onde vem ajouissance? Por que L acan recorre ao
termo gozo e dele faz um conceito central? Não o extrai do
dicionário da língua que se confunde com o prazer, não é da obra
de Freud na qual se liga ao júbilo e à voluptuosidade, ainda que
masoquista. Temos de admitir que jouissance
a chega aL acan por
um caminho inesperado queé o do direito: L acan se nutre com a
Genuss,
filosofia do direito de Hegel, na qual aparece o o gozo, como
algo que é “subjetivo”, “particular”, impossível de compartilhar,
inacessível ao entendimento e oposto ao desejo que resulta de um
reconhecimento recíproco de duas consciências e que é “objetivo”,
O gozo: de Lacan a Freud 17
restriçõessocial.
contrato impostas
O queao égozo
lícitodos corpos.
fazer e até E, em se
onde outras
pode palavras, o
chegar com
o próprio corpo e com o dos demais? Tema, como se vê, das
barreiras ao gozo. Licitude e licenças.
M as não é só a teoria do direito. Também a medicina e o que
a psicanálise descobre nela atuam como fonte de inspiração para a
promoção lacaniana do conceito degozo. Foi em 5 de março de 1958
que, em seu seminário dedicado a“As formações do inconsciente”4
L acan propôs amencionadabipolaridade entre gozo e desejo. Mas
foi em uma ocasião bastante posterior, em 1966, falando de
“Psicanálise e medicina”, que ele recordou a experiência banal do
médico obrigado a constatar vez ou outra que, sob a aparência da
demanda de cura, esconde-se com freqüência um apego à doença
que derrota sem perdão os progressos que a técnica põe ao alcance
do médico. Que o corpo não é unicamente a substância extensa
preconizada por Descartes em oposição à substância pensante, mas
que “foi feito para gozar, gozar de si mesmo”.5Este gozo, disse, é
o mais evidente, ao mesmo tempo que o mais oculto na relação que
estabelecem o saber, a ciência e a técnica com essa carne que sofre
e que é feita corpo que se põe nas mãos do médico para sua
manipulação. Ali está, à vista de todos: o gozo é carta
a roubadaque
o imbecil do delegado não pode encontrar no corpo do paciente
depois
escala de fotografá-lo,
molecular. O gozoradiografá-lo,
é o viventecalibrá-lo
de uma esubstância
diagramá-lo atéseuma
que faz
ouvir por meio do desgarramento de si mesmo e da colocação em
xeque do saber que pretende dominá-la.
A medicina surge, deve-se lembrar a lição de Canguilhem,6
como uma reflexão sobre a doença e sobre o sofrimento doloroso
dos corpos. A preocupação com a saúde e com a fisiologia é
secundária ao interesse pela patologia. A medicina define sua meta
como um estado debem-estar, de adaptação e de equilíbrio. Não é
difícil reconhecer nela o ideal freudiano inicial (médico, certamente)
do princípio de prazer, da menor tensão, da constância e o equilíbrio.
A saúde recebe da medicina sua clássica definição: “é o silêncio dos
órgãos”. M as o silêncio não é senão ignorância, a indiferença do
corpo e de suas partes ante a agitação da vida. “Gozar de boa
saúde” pode ser, assim, uma renúncia à experiência do gozo em
favor das vivências do prazer, do que alheia e aliena o sujeito da vida
do seu corpo como uma propriedade de alguém, ele mesmo, que o
usufrui. Naquela conferência L acan dizia: “O que chamo gozo no
sentido daquilo que o corpo experimenta é sempre da ordem da
tensão, do forçamento, do gasto, inclusive da proeza.
Indiscutivelmente, há gozo no nível em que começa aparecer a dor,
e sabemos que é somente nesse nível da dor que se pode
experimentar toda uma dimensão do organismo que, de outro modo,
permanece velada”.
O “gozo daboa saúde” pode ser o contrário do gozo do corpo
como experiência vivida do mesmo. A medicina vê-se, assim, dividida
entre as metas do prazer e o gozo e, normalmente, assume sem
crítica a demandaque se lhe formula: a de colocar barreiras ao gozo,
ignorando-o como dimensão corporal da subjetividade. Pode-se
aludir à pergunta sobre esta relação entre medicina e gozo e o vínculo
que esse não querer saber do médico tem com o discurso do senhor,
ou pode-se eludi-la. Prefiro aludir a ela: outros poderão tratá-la
minuciosamente.7 Não serão os primeiros, mas talvez os mais
2. O gozo em Freud
produzi
facilitaram
osno entorno; de
caminhos umdescarga,
sistema para
paraequi l ibrar
fixar as carga
e avaliar s, para
as excitações;
e um sistema co para registrar os acontecimentos como experiência
memorizada e oferecer um acesso direto à realidade.
Nesta primeira exposição metapsicológica, de 1895, oeu faz
parte do sistema VF e ocupa um ul gar decisivo no processo defensivo
a serviço do princípio de prazer-desprazer. Com este aparelho,
apresenta-se uma primeira versão da srcem e funcionamento do
inconsciente.
O paciente da neurose, o “doente”, é uma criança que viveu
passivamente umasedução por parteedum adulto; a sexualidade
aparece primeiro no Outro. Essa criança registrou (em co) essa
irrupção do rea l sexual externo. A lembrança éuma marca que não
pode integrar-se no sistema de representações (ou de “neurônios”)
que é o sistema do eu ('P), porque sua presença provoca um
aumento tensional que não encontra caminhos para sua descarga.
Em outras palavras, a lembrança traumática é um tipo de corpo
estranho ao eu que ameaça o sistema em seu conjunto. Para o
princípio de prazer, que pretende o equilíbrio energético, esta
lembrança é inassimilável, não cabe na memória, e por isso é
separada do sistema reconhecido das representações. É assim que
a lembrança se torna traumatismo, ao mesmo tempo ferida e arma
ferina que não se pode tolerar; dor e tortura de uma memória
inconcil iáveis com o eu. O aparelho neurona l - ou o sujeito, caso
se queira arriscar uma premonição de lacanismo separa-se
horrorizado da lembrança. M as esse afastamento, essarepressão,
longe de fazer desaparecer a evocação do trauma, a eterniza:
impossível metabolizar e digerir, fica a lembrança como um quisto
localizado na estruturapsíquica. Já não é possível atenuá-la, dela se
esquivar com o raciocínio ou com o esquecimento.
O paradoxo é evidente: o princípio de prazer determinou o
ostracismo e a exclusão da lembrança traumática. Para se proteger
do desprazer, o aparelho decretou a ignorância dessa presença do
Outro e de seu desejo que intervém sobre o corpo de uma criança,
objeto indefeso do qual abusa para gozar. Mas, ao cindir-se como
núcleo reprimido de representações inconciliáveis com o eu, este
réprobo do psiquismo, metamorfoseado em memória inconsciente,
22 Gozo
proibido.
gozo A sedução
no corpo srcinária,
e o prepara essencial,
para não caricata,
sua imediata localiza
condenação. O ogozo
chega assim a ser inaceitável, intolerável, inarticulável, indizível. Em
outras palavras: fica submetido à castração. Assim, faz-se sexual a
sexualidade, canalizando-a pelas vias que Freud batizou com o nome
de um certo rei de Tebas de sorte tão funesta como sua memória.
Parece que seguíamos no caminho de Freud, mas, sem nos
afastarmos de suas formulações, o desviamos no que se refere às
conseqüências. O aparelho psíquico que desenhamos não está
desseA excesso
teoria traumática do primeiro
de excitação e carga,Freud
desseé gozo
a colocação em cena
impossível de
manejar que seapresenta ultrapassando o sistemaamortecedo r das
representações (Freud), dos significantes (Lacan), que são o lugar
do Outro. O gozo: inefável e ilegal; traumático. Um excesso trop- (
matisme,C. Soler) que é um buraco trou-matisme)
( no simbólico,
segundo expressã o de L acan.10Esse buraco indica o lugar do real
insuportável. Deste modo, o gozo consegue ser o exterior, o Outro,
dentro de si mesmo, representante do Um resignado para entrar no
mundo
para dos intercâmbios
o sujeito que o aloja ee da
que,reciprocidade. topos
Um ainacessível
por razão alheia, do Outro exterior
internalizado, deve ser cuidadosamente exilado. Esta posição de
exterioridade interior,
tão semelhante àquilo que Freud chamou Isso
(Es), é trabalhada topologicamente por Lacan quando se fala de
extimidadeV É, sem dúvida, o obscuro núcleo de nosso(Kern ser
unseres Wesen).N ão se trata aí de palavras, não se trata do
inconsciente. M as tampouco é alheio à linguagem, pois é da
linguagem que fica excluído e é apenas pela linguagem que podemos
conhecê-lo.
ciframento doNão;
gozonãorequererá
é palavra,um
é letra, escritura
capítulo a decifrar.
especial, o quarto.O de-
A o resenhar seu seminário sobreA lógica do fantasmaem
1967, Lacan12chegou adizer que esse gozo, núcleo de nosso ser,
“é a única ôntica admissível(avouable -confessável) para nós”. A
substância da análise. M as o gozo não pode ser abordado senã o a
partir de sua perda, da erosão do gozo produzida no corpo pelo que
vem desde o Outro e que deixa nele suas marcas. O Outro não
corresponde a nenhuma subjetividade, mas sim às cicatrizes deixadas
especificará
inconsciente sua
estarcolocação ao como
estruturado estabelecer que, apesar
uma linguagem, nãodeéomenos
claro que o inconsciente depende do gozo e é um aparelho que serve
para a conversão do gozo em discurso. Não creio que seja injusto
buscar aí o sentido do aforismo freudiano clássico: “o sonho é a
realização de um desejo”. A realização do desejo (
Erfiillung ) é sua
satisfação, portanto, seu desaparecimento como desejo, como falta
a ser, como cisão do sujeito. Por isso, pode-se dizer que o sonho é
alucinação do gozo e também defesa em relação a ele (em suma,
formação de compromisso), pois esbarra no impossível de
representar e dizer. E sabido que o processo de interpretação do
sonho encontra um limite no contato com a satisfação desnuda do
desejo que deve figurar e que esse é o momento do despertar e da
angústia. A angústia é o afeto que se interpõe entre o desejo e o
gozo, entre o sujeito e a Coisa.
I14.
3. J.
J. LL acan
acan (1970). Radiophoni
(1973).Le e. In:Livre
séminaire. Autres
XX.écrits.Paris:
Encore. SeuiSeuil,
Paris: l, 2001.1975.
p. 403-48.
p. 49.
O gozo: de Lacan a Freud 27
O inconsciente
continuar dormindo. emE o seu tear, urdindo
guardião os sonhos,
do repouso. permite
Se o sonho é
formação de compromisso a serviço do princípio de prazer, é devido
à sua natureza bifronte. Decifra o gozo, coloca-o em palavras,
cuidando ao mesmo tempo para que seu montante não exceda certos
limites de segurança, tratando de colocar o fluxo das representações
oníricas no centro desse “tijolo de segurança” por onde devem voar
os aviões para evitar a perturbação do encontro com outros objetos
voadores. E possível recordar que o primeiro Lacan (na conferência
de 6 de julho de 1953 sobre o imaginário, o real e o simbólico)
enquanto preparava seu discurso de Roma, sustentava que a leitura
de A interpretação dos sonhosmostrava que sonhar era imaginarizar
o símbolo, enquanto interpretar o sonho era simbolizar a imagem.
E bem que poderia ser assim, mas ao preço de desconsiderar o
resto, o significante doindizível com qUe se tropeça ao querer
o objeto @*
justamente que, como
o micélio sobre ocausa doeleva
qual se desejo (mais-de-gozo),
o fungo do sonho comoé
discurso e também o discurso como sonho, assento e suporte de um
primeiro decif ramento do gozo. A ssim entendemos, com L acan, a
micótica metáfora de Freud. O sonho, cogumelo do gozo.
Deslocamento? Sim; deslocar, transpor. Esse é o trabalho do
inconsciente. Um maldito sacré
( ) deslocamento. E o de L acan?
Entstellung,re-flexão de Freud a partir do gozo. Segundo retomo.
Também nós teremos de retornar.
A “Psicopatologia da vida cotidiana”16ilustra, tomando o
discurso como um sonho, a presença deste ciframento e
deciframento do gozo. O sujeito transtornado, subvertido pela
emergência de um saber inesperado lapsus
( ) ou pela falta de um
significante que traz associações perturbadoras (esquecimento de
nomes próprios, inesquecível Signorelli) ou por uma ação que falha
na hipocrisia do eu. O sujeito fica deslocado e envergonhado. A
tensão u( neasiness) do corpo confessa o gozo que escapou pelos
resquícios da função intencional da palavra que consistia em mantê-
lo cindido e desconhecido. O sujeito do lapsus é o sujeito
“embaraçado” que manifesta seu embaraço ao não saber mais quem
é, porque o Outro éxtimo se expressou. A verdade pega a mentira
Sujeito Outro
comoOdobradiça
freudianoarticulatória
complexo deentre
Édipo encontra,
dois então, seu lugar
gozos diferentes.
A L ei, que separa do gozo da mãe e põe o nome-do-Pai nesse
lugar, ordena desejar; este desejo encontra sua possibilidade de
realização por meio do viés do amor - que será um tema a ser
tratado na perspectiva do gozo (capítulo 8) - , do amor como
sentimento encarregado de suprir a inexistência da relação sexual e
de trazer de volta o gozo a que se teve de renunciar.
A obra de Freud, “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”
encontra sua continuação lógica nos trabalhos sobre a psicologia da
vida amorosa,2 2 também três, e ne
sse texto capital sobre o amor que,
de modo aparentemente paradoxal, chama-se “Sobre o narcisismo:
uma introdução”.23
É como
encontra clínico da história
as tendências amorosa
dissociativas nade seus
vida sujeitos
sexual dosque Freud
homens,
tendências essas que os levam a desmembrar em si mesmos a
ternura e a sensualidade e a cindir o objeto amoroso entre a mãe e
a prostituta, assegurando assim sua insatisfação e fugindo sem parar
de uma para aoutra. Apartir daí, já em 1913, Freud enuncia em seu
texto “Sobre a degradação da vida erótica” que há algo implícito na
própria pulsão sexual que conspira contra sua total satisfação.
Finalmente, com seu terceiro artigo sobre a vida amorosa, “O tabu
da
do virgindade”,
gozo que tem eleochega a distinguir
fantasma do gozonadovida sexual
Outro, daso mulheres
caráter inibidor
neste
caso, e colocará com clareza que os desejos se engendram
reciprocamente (ainda que a fórmula segundo a qual o desejo é o
desejo do Outro não seja sua), enquanto os gozos de um e de outro
(sexo) instauram-se em um plano de oposição e concorrência.
A vida amorosa não é, pois, em nenhum momento daobra de
Freud, uma promessa de bem-avcnturança e complementaridade.
Isto fica claro como o dia quando se lê “Sobre o narcisismo: uma
introdução”.
de Por meio de
absoluta felicidade do que
amor, o sujeito tenta
supostamente recuperar
dispunha o estado
His
quando era
Majesty, lhe Baby e era encarregado de suprir tudo o que faltava no
Outro. Primeiro tempo do Edipo, identificação com o falo mais do
que “narcisismo srcinário” como ali é chamado. “Deve (o bebê)
realizar os sonhos, osdesejos não realizados deseus pais”.24 Para
isso, conta com o amor por si mesmo, reflexo do amor que lhe
dispensa o Outro. A investidura sem limites que recebe sua própria
imagem especular será modelo, eu ideal que teráde se perder e er s
recuperada por meio da obediência aos ditados do Outro,
constituindo-se aí o ideal do eu. O amor do eu ideal passa pela relação
amorosa com um outro que se elege sempre segundo o modelo
narcísico. A outra, a chamada eleição de objeto por apoio ou
anaclítica, não é senão uma variação da eleição narcísica, enquanto
as figuras de predileção amorosa, a mãe nutriz e o pai protetor, não
são nada além do sustento necessário para esse eu do narcisismo.
As outras quatro formas de eleição de objeto de amor (que não é,
.’■I. S. Freud (1914). Obras completas,v. XIV, p. 88.
34 Gozo
sc
paraesvazia. A discordâ
o trabalho de ncia, em contra
pensar. Para partida,
discernir , na proporciona opresente,
percepção impulso a
distância com relação à representaçãodas deDing ausente. Se se
produz um feliz encontro com o objeto, não há chance alguma para
o ato de pensar. São os setores em dissidência aqueles que
despertam
o interesse.v)
Vive-se pelo Outro, pe lo próximo, peloNebenmensch. M as este
ii;io é o único salvador. E, ao mesmo tempo, “o único poder
■iiixiliador e o primeiro objeto hostil. Sobre o próxi mo, então, aprende
o ser humano a discernir... E assim o complexo do próximo cinde-
si- em dois componentes, um dos quais se impõe por um encaixe
constante, mantém-se reunido como uma Ding (Coisa) enquanto o
miiro (componente)é compreendidopor um trabalho mnêmico... e
srcina, pelo caminho judicioso do estabelecimento de diferenças, a
ii presentação do próprio corpo”.
A realidade
(Bahnungem) objetiva E
lingüísticos. doesse
pensamento procede
deciframento, dostransborda-
esse trilhamentos
inento do ser pela linguagem, não tem sua srcem na própria lingua
gem, em um processo de aprendizagem ou de imitação da palavra,
mas na experiência de dor, no contato com
... objctos-percepções que fazem alguém gritar porque excitam
dor, e adquire enorme importância que esta associação de um som
(...) enfatize este objeto como hostil e sirva para dirigir a atenção
para a (i magem)percepção. T oda vez que diante da dor não se
recebem bons signos de qualidade do objeto, a notícia do
próprio gritar serve como caracterí stica do obj eto. E ntão, essa
associação é um meio para tornar conscientes, e objetos da
atenção, as lembranças excitatórias do desprazer. Foi criada a
primeira classe de lembranças conscientes. Daqui a inventar a
linguagem, a distância não é grande (...) Assim, averiguamos que
o característico do processo do pensar discernente é que nele a
atenção está voltada de antemão para os signos da descarga do
pensar, os signos de linguagem.-*3
impossível
A terra e o saber
mar, osenão
corpo,pelas
em umamarcas que trazem
palavra, deixam sobre
em seusi acaminho.
inscrição
do irrecuperável. A palavra grava-se nacarne e torna ssa e carne um
corpo que é simbolizado nos intercâmbios com o Outro. Falar,
pensar, passar pelos significantes da Lei; estes são os efeitos dafalta
do objeto que toma assim o lugar da Coisa ( ). Somos todos
Ding
náufragos resgatados do gozo que perdemos ao entrar na linguagem.
A conseqüência é o discernimento, a distinção linguageira da
pluralidade e variedade dos objetos do mundo. O sujeito nasce e se
integra à realidade
da Coisa, essa Coisaconsensual
que cria o esilêncio
compartilhada
ou o caosa como
partir odeque
seuhavia
exílio
anteriormente. A pátria é um efeito do exílio e da nostalgia.
É assim que L acan elabora como se constitui o gozo a partir
da “mitopsicologia” freudiana. No princípio era o Gozo, mas desse
gozo não se sabe senão a partir do momento em que foi perdido. Por
estar perdido, é. E porque o gozo é o real, o impossível, é que se o
persegue pelos criadores caminhos darepetição. A palavra, vinda do
Outro, terá de ser pharinakon,
o remédio e veneno (cf. Derrida, La
que
modossignificou a descoberta
de tratar do inconsciente
o gozo, deslocá-lo e suas
e colocá-lo formaçõesPonto
em palavras. como
talvez propício para propor um novo aforismo:
o inconsciente é um
trabalho cuja matéria-prima é gozo e seu produto é discurso.
O inconsciente não seria nada sem a teoria sexual. E vice-
versa. E da psicanálise nada resta a não ser se apoiar sobre esses
dois pés:
de L acan) eo ainconsciente (que,
sexuali dade que, como
como se explica
teoria, sabe, não é deament
o esvazi Freud,
o mas
do gozo do corpo e sua passagem à articulação significante da qual
resultam o sujeito e o objeto que é a causa de seu desejo. Temas que
deixo indicados aqui antes de retomá-los no capítulo seguinte.
Freud teve dificuldades para reconhecer desde o princípio essa
fonte perturbadora que assalta o aparelho desde dentro e que não
aspira à fantasia nem à retração. O naturalismo o levou depois a
concebê-la como uma “energia” e dar-lhe o nome de “libido”,
palavra de srcem latina, mas que apenas alcança sua plena
significação quando se considera que Liebe é, em alemão, o nome
do amor.
E foi com esse termo ambíguo de libido que Freud incluiu o
gozo (naturalizado, quantificado de modo metafórico) em sua teoria.
Seus relatos clínicos, sua concepção da “eleição da neurose”, seus
postulados genéticos sobre os deslocamentos da libido por zonas
distintas do corpo para acabar no “primado genital” que, para ele,
é o do falo, porque há somente um genital, o masculino, e somente
uma libido, aquela ligada ao órgão viril tanto no menino quanto na
menina, são modos de conceber o gozo e prestar-lhe uma marcha
teórica compatível com o conjunto da doutrina e da clínica. Assim,
eis a clínica psicanalítica como uma história das errâncias do gozo,
de suas “fixações”, de suas “regressões” , de sua transformação em
sintomas, de sua “introversão” sobre fantasmas, essas formações
imaginárias que substituem a ação no exterior e que são “reservas
naturais” do gozo. No fantasma o gozo é assubjetivo, manifesta-se
em sintomas, em repressões histéricas, em formações reativas
obsessivas, em distanciamentos e precauções fóbicas, em invasões
irrefreáveis que determinam a ruptura psicótica com a realidade
exterior, em coagulações que se encenam na perversão. E a teoria
do tratamento também se impregna com esta errância da libido sobre
os objetos externos: é assim que se confere um privilégio seletivo
à figura do psicanalista. A teoria do gozo é o fundamento inconfesso
da transferência, que é ao mesmo tempo resistência e motor do
tratamento, ímã que atrai a libido e abismo insondável do qual terá
de se livrar para que um final de análise seja possível. Em suma, a
teoria da libido é a teoria do gozo. Tudo isto é muito sucinto, mas
42 Gozo
O
simbolizado sujeito nascepara
e se orienta por estar exilado da
um “primado Coisa,que
genital” do não
gozoé não
outra
coisa senão a primazia do significante, tendo esse significante como
fundamento o falo, suporte de todos os processos de significação.
A tal ponto que dizer “A significação do falo” é uma redundância,
pois não há outra, conforme falava Lacan,37 ironizando o título de
um de seus “escritos”.38Da Coisa ao falo, ou seja, à castração:esse
é o sentido da rota freudiana que acaba dando o lugar central na
psicopatologia ao complexo de castração e às suas vicissitudes. O
complexo reorganiza por retroação todo o acontecido anterior ao
estabelecimento desta primazia fálica. O processo de subjetivação
pode estender-se como uma sucessão de migrações, exílios e
esvaziamentos do gozo. Asexualidade passa, assim, por “fases” que
seguem essa longa jornada que leva do real anterior e exterior à
simbolização (a Coisa dos começos), ao real que fica como saldo
impossível depois da simbolização e que se pretende apreender com
as pinças da palavra, mas que escorre e, além disso, se produz
como efeito de discurso pela própria palavra, o objeto @, o fugidio
mais de gozo.
É por tudo sso
i quea sexualidade humana, com todas sa suas
multiformes manifestações, é ela própria mais uma sublimação do
que aquilo que é sublimado. Sublimar é sexualizar e não, como pre
tenderia uma leitura apressada, “dessexualizar”. Pois a sexualidade
é simbolização do gozo que é, assim, des-naturalizado, humanizado,
colocado em palavras na relação da mulher e do homem com seus
corpos e com o corpo do Outro. E aí que Freud se vê diante da ár
dua questão da heterogeneidade dos gozos, enigma que o leva à su ■
cessão de escritos em que trata de explicar a assimetria dos gozos
masculino e feminino a partir da assimetria que o complexo de cas ■
tração (sofrido por ambos) determina com relação ao falo. Questão
chi
para heterogeneidade
responder dos gozosfreudiana:
a pergunta que ocupará Lacan
o que em urna
quer seu esforço
mulher?
J á mencionei que a observação mais precária da vida amorosa,
0 elementar do que seescuta em uma análise, consegue mostrar que
os seres humanos, os falantes (falentes),não estão governados pelo
princípio de prazer. Freud não podia deixar de constatá-lo. E, se o
■iinor não pode ser entendi do sem que se eve
l em consideração esse
1atai destino de ter de se inscrever como gozo, pode menos ainda
iiiribuir ao princípio de prazer a outra atividade que parece sua
contrapartida: a guerra.19A s observações sobre aguerra e a morte
do período da Primeira G uerra M undial concordam com as
observações sobre a vida amorosa. O artigo dedicado ao tabu da
virgindade4 11(1919) apresenta aconclusão de queos gozos não
confluem, mas rivalizam-se entre si. Um ano antes, já havia
observado e estabelecido que o desejo feminino não estava orientado
para o homem, mas para o pênis e que o órgão podia ser substituído
simbolicamente pelo filho.41 O homem era ali, para ela, um apêndice
necessário, mas, em última instância, prescindível. Enquanto o
homem, por sua vez, não podia tampouco satisfazer, ou melhor, não
satisfazer sua
( aspiração
substituto Ersatz) da mãe sexual com uma mulher que é apenas um
proibida.
si mesmo,
causa, suamas presta
Causa. contas a algo
A existência lheque lhe é superi
é oferecida or e que
e deve é suacontas
prestar
dela, ainda que não a tenha pedido, deve oferecer sua libra de carne
a um Deus inclemente. O que re-liga os sujeitos é essa noção da
culpa de existir que seapagaria com a adoração e a gratidão A quele
que nos fez seus devedores, a quem se instituiu como credor. O
princípio do sacrifício é o fundamento e não o efeito das religiões.
E o gozo é consusbtancial ao sacrifício. Em sua oferenda é o sujeito
que se oferece, se submete ao jugo que o instala na comunidade, que
o inclui dentro do vínculo social, fazendo-o partícipe do socius).
clã (
E sabido que para Lacan, diferentemente de Freud, a castração
não é uma ameaça, mas, pelo contrário, é salvadora. A ameaça
verdadeira, a terrível, é que não haja castração. A clínica mostra, às
vezes, que os defeitos na função do pai, que é a de incluir o sujeito
na ordem simbólica, é a causa de um apelo desesperado, patético,
1958,4y L acan
onipotência e oassinalava
lançam na que os açoitesA arrancam
existência. o sujeito
criança, assim, da
flagelada, não
é nem tudo nem nada. As chicotadas sãodadas,têm algo de um dom
Inicialmente
não devemos
é hegeliana, pois entender
em Lacan quenã
aoreferência
poderia sedialreconhecer
ética em Lacan
um
momento final de síntese ao qual se chegaria por alguma “astúcia
da razão”. Com efeito, creio que não se pode sustentar que a
dimensão do desejo seria em si dialética, enquanto a do gozo não o
seria. Essa é a posição sustentada por J.-A. M iller51em seu seminário
de 2 de maio de 1984: “O próprio conceito de gozo é um conceito
fundamentalmente não dialético em relação ao desejo”. Nesse dia o
herdeiro de L acan desenvolveu, com particular perspicácia, a idéia
de que o ensino de Lacan teria adotado uma li nha oposta àdialética
a partir, justamente, de eus texto de 1960, “Subversão do suj eito e
dialética do desejo no inconsciente freudiano”. Esta posição de M iller
é congruente, por outro lado, com aquela sustentada em sua
conferência “Teoria dos gozos”,52na qual defendia que é possível
dizer sem rodeio que o desejo é o desejo do Outro, mas não é
possível postular que o gozo seja o gozo do Outro. No que temos
de concordar. Claro que o gozo de um não se confunde com o “gozo
do Outro”. Sem dúvida, não para evitar essa confusão, deixa o gozo
de estar ligado à dimensão do Outro e à dialética do sujeito com ele.
E não é possível concordar com Miller, quando, nesse mesmo dia
de 1984, afirmou que o desenvolvimento do ensino de L acan de
1960 a 1964, de “Subversãodo sujeito” a“Posição do inconsciente”,
consiste na eliminação da referência dialética.
lógica
de do3Nesse
1967.5 fantasma ” e,Lacan
dia, muitorecordou
especificament
quefoie,Hegel
à lição de
quem31 de maio
introduz
iu
a noção de gozo e isso a partir da contradição entre o gozo do
senhor e o gozo do escravo, entre o ócio de um e o gozo da coisa
do outro “não apenas como essacoisa que ele leva ao senhor, mas
ao transformá-la tornando-a aceitável”. Lacan incluiu esta referência
preciosa para entender a natureza dialética do gozo:
E dipo não sabia de que gozava. C ol oquei a questão de se
J ocasta o sabia e, inclusive, por que não, se uma boa parte de seu
gozo não consistia em manter Edipo ignorante (...) que parte do
gozo de J ocasta corresponde a deix á-l o na ignorância? É nesse
nível que, graças a Freud, colocam-se agora as perguntas sérias
com respeito à verdade (...) O que Hegel entrevê é que na srcem
a posição do senhor é de renúncia ao gozo, a possibilidade de
comprometê-lo todo ao redor desta disposição ou não do corpo,
não apenas o seu, mas também o do outro. E o Outro, a partir do
momento em que a luta social introduz o fato de que as relações
dos corpos estejam dominadas pelo que se chama lei, oOutro, c
é um édesejo
Esta de ser
a chave dos reconhecido e não de
textos freudianos reconhecer
sobre mais alguém).
o masoquismo,
começando por “Bate-se numa criança”. E também a chave da
clínica da vida e da história. Com o conceito de gozo (contraposto
ao de desejo), a luta de morte entre o senhor e o escravo (com todas
as suas variantes e versões) encontra seu fundamento.
“Se me castigam é porque meu desejo existe e não foi
desvanecido no desejo do Outro. Nesse castigo recupero meu gozo
ao preço de aliená-lo na relação de oposição com o Outro”. O gozo
se faz possível uma vez que se aplaca, com esta intervenção do
Outro que é acolhida como uma salvação com relação ao Outro
gozo, este sim não dialético, que é o gozo terrorífico e irrefreado do
Um sem a intervenção diferenciadora do Outro. O flagelo é um
significante que chama à ex-sistência, a transitar por uma relação
dialética e contraposta dos gozos que se articula com a relação
dialética do desejo, mas que não se confunde com ela, com seus
“acordos” e com seus pactos simbólicos. Deve-se recordar uma vez
mais as frases de H egel, que foram citadas no começo deste
capítulo, para advertir que, na concepção jurídica do gozo, este é
particular, diferentemente do desejo que é universal. E também que,
evocando Lacan em seu breve artigo dedicado aoTrieb de Freud,54
o desejo vem do Outro, enquanto o gozo está do lado da Coisa, do
lado do Um. De acordo. Mas isso não exclui o gozo da dialética,
pois o gozo do Um apenas pode ser alcançado tirando-o do gozo do
ticamente,
O e em com
que acontece minhao condição
Outro, quedecova
testa-de-ferro
cavo nele,creio que “tenho”?
se condeno este
corpo à morte (suicídio de separação) ou o mortifico com drogas
que o anestesiam e o privam de responder às suas demandas?
Não. O gozo está do lado da Coisa, como dizia L acam com
justeza, mas não se alcança a Coisa senão separando-a da cadeia
significante e, portanto, reconhecendo uma certa relação com ela.
Nada ilustramelhor isso do que o suicida, mas também se comprova
isso nos adictos, nos psicóticos, nos escritores para quem a escrita
representa um modo de escapar aos vínculos do discurso. Todas
essas formas da adicção serão abordadas no capítulo 7.
O prazer está do lado do arco-reflexo. E o que leva a pata da
rã a se contrair, quando hl e é aplicada uma correnteelétrica. Jamais
se poderá criar um objeto. Os falantes inscrevem seus trabalhos, seus
discursos, no tempo. Vivem se matando e deixando o et stemunho
de seu padecer, de seu parecer, de se u para-ser. A substância
verdadeira da pulsão de morte está do lado do gozo, da dor, da
façanha.
A morte, psicanalítica, não é a pretendida inércia de uma
natureza inanimada, mas este registro em que se inscreve a paixão
impossível de uma subjetividade por meio de suas atri(e)bulações,
de suas derivas, de suas lutas antieconômicas que vulnerabilizam o
princípio de prazer. Por isso, justificam-se os sarcasmos que L acan
dirige a Freud, quando este fala das virtudes unitivas de Eros e
quando sustenta a idéia da vida, da vida humana, como orientada para
a criação de unidades superiores e cada vez mais amplas. Não é
necessário evocar a fissão nuclear para compreender que Freud -
O gozo: de Lacan a Freud 53
Os gozos distintos
(mítico
meandrosfluido libidinal)
e se agrupa quesupassava
va em as bordaspor seus poros,
oriliciais. Agora, inundavar seus
poderá se
alcançado, sim, mas passando pelo caminho do narcisismo, pelo
campo das imagens e das palavras, como um gozo linguageiro, posto
fora do corpo ( hors-corps ), submetido aos imperativos e às
aspirações do ideal do eu que o comandam com falsas promessas
de recuperação [I(A )].
Do gozo do ser ter-se-á passado para o gozo fálico. Da Coisa
absoluta do ponto de partida, absoluta porque não conhecia
obstáculos nem mercados da renúncia, apenas ficam os objetos
fantasmáticos que causam o desejo desviando para outra coisa, as
coisas do Outro, as que somente são marcadas, quando alcançadas,
pela diferença frustrante, pela perda relativa à Coisa que pretendiam.
O objeto @, oferecido como mais-de-gozo p ( lus-de-jouir ), é a
medida do gozo faltante e, por isso, por ser manifestação da falta-
a-ser, é causa do desejo. Pois o gozo de @ é residual, é
compensatório, indicador do gozo que falta por ter de transacioná-
58 Gozo
M estre.deMintitular
modo as nadaosseria tão perigoso.
seminários que têmO Jequívoco se com
.-A . M iller agrava pelo
o editor.
É sabido queL acan nunca ni titulou as aulas, apenas o seminário em
seu conjunto. E, ainda assim, de um modo não definitivo como o
prova o fato de os seminários III, VIII e XI terem sido editados com
títulos diferentes dos que tinham quando eram aulas de seminário.
É muito menos possível evitar os equívocos quando se escandem
os seminários em fragmentos e os nomeiam.
O seminário de 4 de maio de 19605nos chegaassim com o
título, talvez pouco discutível, de “A pulsão de morte”. O que sim
3. JParis:
.-A . MSeuil,
iller. 1986. p. 248.
Seminário L es réponses dit réel. Inédito, mimeogratado,
1983-1984.
4. D. Rabinovich. Sexualidady significante. Buenos A ires: M anantial, 1986.
p. 47.
5. J. L acan (1960). Le seminaire Livre VII. L ’étique dans la psychanalyse,
p. 243-256.
60 Gozo
sempre
a paz (Ffalha
ri ede)e de
seusua
objetivo não se
satisfação alcança com
(Befriedgung a saciedade,
), mas com o com
relançamento da flecha, sempre tenso o arco de sua aspiração.
Freud6pôde dizer que “a meta de uma pulsão é, em todos os casos,
a satisfação que apenas pode-se alcançar cancelando o estado de
estimulação na fonte da pulsão” para se referir imediatamente depois,
às pulsões de meta inibida que “também” se associam a uma
satisfação parcial. Há uma distinção entre ter uma meta e alcançá-
la. A meta (Ziel) é uma aspiração.
M as não é inútil, ou tarefa de estudiosos, dissipar oequívoco.
Pelo contrário, se o gozo não éa satisfação de uma pulsão, podemos
aprender da discussão aquilo que sim é ou, melhor dizendo, em que
sentido muito particular e restritivo pode-se dizer, como
efetivamente o disse Lacan, que o goz o é a satisfação deuma pulsão,
sim, mas de uma muito específica, a pulsão de morte, que não é
aquela em que se pensa em princípio quando se fala em geral da
pulsão e, muito menos, é a satisfação de toda e qualquer pulsão, de
uma Trieb indefinida no conjunto pulsional.
Para esclarecer isso definitivamente deve-se recorrer ao texto,
em vez de percorrer seus despenhadeiros. Impõe-se a citação em
seu contexto:
C oi sa paradoxal , curi osa, ma s é impo ssível r egistrar a
experiência analítica de outro modo, a razão, o discurso, a
articulação significante como tal, está aí no começo ab ovo, está
aí no estado inconsciente, antes do nascimento de algo de seja
experiência humana, está aí fundida, desconhecida, indomada,
Ouo aOutro
assim, C oisaéinacessível
o objeto deouum
o Outro. M as, sendo
ódio primitivo que ejustifica
por ser a
negatividade absoluta como vocação srcinária do ser. Tal é a razão
de toda pulsão ser no fundo pulsão de morte, ataque à exigência
alienante de fazer passar o gozo pela cadeia do discurso. Freud diz
o mesmo: “O ódio é, como relação com o objeto, mais antigo do que
A pulsão
memorável não transgressão,
como tranqüiliza nem sacia.com
confina A pulsão historiza,
o fracasso faz o ao
ao levar
real como impossível e é assim que alcança sua meta.
J á é hora de passar ao ponto seguinte para evitar um novo
equívoco: o de uma conceituação maniqueísta e apressada do Outro
como o “mal” que separaria desse supremo “Bem” que seria a Coisa.
o losango da fórmula
excetuando-se do efantasma.
a psicose conforme Oserá
encontro de capítulo
visto no ambos é,
correspondente (capítulo
VII), impossível.
___ S, -> S,
8 // @
(S0@)
20. J. L acan (1958). Remarque sur lê rapport de Daniel L agache. In: Écrits,
p. 659;Escritos 2, p. 638.
70 Gozo
ao
dosgozo que sempre
sintomas se darão a contragosto
e da psicopatologia e que são
da vida cotidiana. o fundamento
Este processo
de “dcsgozificação” (criemos um neologismo necessário) justifica
que leiamos assim, transgressivamente, o artigo sobre os dois
princípios. O Lustprinzip corresponde nesse texto ao gozo inicial,
ao que Freud em 191522chamou Eu-ideal. O princípio de realidade
é o verdadeiro nome do princípio de prazer-desprazer. Os dois
princípios, o de prazer e o de realidade (ambos entrelaçados) aluam
consonantemente como barreiras interpostas no caminho do gozo.
Os gozos sucumbem à castração e se metamorfoseiam ao
terem que se significar passando pelo funil da palavra, aceitando sua
L ei, a da cultura, e evocando sempre a renúncia pulsional que os
desvia (perverte) por esse estreito desfiladeiro. Daí Freud ter
proposto a essas “pulsões parciais” como “precursoras” da
castração, já que apenas com esta alcançam sua significação
definitiva que é a dc incluir sempre a função imaginária do -(j).
Passando pela castração simbólica os objetos do desejo se marcam
com o lastro de suaimpossibilidade. Em relação com < i>
, com o Falo
como significante do gozo que está proibido para o falante como tal,
é que tudo do gozo que é acessível está barrado e deve deslocar-
se ao longo da cadeia significante, fora do corpo
hors-corp. E por
isso que o objeto @, o do fantasma, carrega subentendida esta
função da castração. A inda que não se escreva de tal modo por
razões de economia, seu nomecompleto é: objeto @ / (-(})).
21. S. Freud (1911). Formulaciones sobre los dos princípios dei acaecer
psíquico. In: Obras completas, v. XII, p. 223.
22. S. Freud (1915). Obras completas,v. XIV, p. 129-130.
72 Gozo
A carne n
i corpora-se à linguagem e assim se faz corpo. A s as
pirações pulsionais
as demandas. requerem
Por isso do Outro,
a escritura esse Outro
lacaniana a que
da pulsão éSse0dirigem
D, e o
sujeito se constitui a partir do modo em que o Outro significa e res
ponde à demanda, impondo suas condições, mostrando por onde
sim e por onde não. O sujeito apenas chegará a existir como uma
conseqüência da ação do Outro da linguagem sobre essa carne que
se fará corpo na medida em que acolha os cortes que a linguagem
faz no fluxo vital. O corpo se tornará mapa, pergaminho em que se
escreverá a letra que com sangue entra. Um corpo é humano ao se
incluir nesse sistema de transcrições que trocam o gozo pela pala
vra. A divisão subjetiva (S) alude, entre outras coisas, a esse pro
cesso de estranhamento que constitui como Isso, o pólo pulsional
e que deixa o eu encarregado das relações com o Outro e organi
zador das defesas contra os excessos no gozo. Desde o reprimido
procede a pulsão como exigência de trabalho, como tensão impos
ta ao psiquismo por sua relação com o corporal, como transgres
são ao princípio de prazer,23como aspiração ao gozo que não se
compadece dos mandamentos e restrições que o Outro impõe. A
“dinâmica” da metapsicologia freudiana é este conflito entre o gozo
transgressivo e o prazer homeostático, entre o tudo menos quieto
desejo sexual infantil e a aspiração de seguir dormindo.
O gozo é decli nado (em suas duas acepções: a gramatical e a
subjètiva de “declinar”); agora tem uma clínica do gozo, dos modos
de julgá-lo e conjugá-lo, evocá-lo e frustrá-lo, recusá-lo e
reconquistá-lo sem nada querer saber sobre ele. Reaparece depois
de metamorfoses linguageiras nas formações do inconsciente, esse
inconsciente que trabalha com uma matéria-prima que é gozo e a
transforma em um produto que é discurso, utilizando esse
instrumento que está estruturado como ele e que é sua condição (“a
linguagem é a condição do ni consciente”, insistia L acan24): a bateria
do significante que terá que servir a seus fins, a seus fins de gozo.
Não se trata da língua, mas de alíngua da lingüisteria lacaniana, essa
23. J . L acan (1964) . L e seminai re. L ivre XI . L es quatre concepts
fondameiitaux de la psychanalyse, p. 167.
24. J . L acan (1970). Autres écrits (A.E.). Paris: Seuil, 2001. p. 393-403.
Os gozos distintos 73
4. A coisa e o objeto @
com Freud.aCoisa
mostrando quecom
relação na amais breveé:de
palavra, suas definiões,
“aquilo jácitada,
do realprimorial que
padece pelo significante”.32
A Coisa como umreal puro, anterior a qualqueisimboização,
exterior a qualquer tentativa de apreensão, apagada pra semre por
qualquer palavra, núcleo de mi possibilidadeencerrad; como>s mais
íntimo e o mais inacessível ao sujeito, extima, ccmo a ciamou
neologicamente L acan no seminário VII, A ética a psicoiálise.
Qualquer representação dela a desnaturaliza. Quahuer un pode
imaginar o seio, o corpo da mãe, a vida intra-uteriia, o caustro
materno e o que quer que seja, mas sabendo qui toda estas
imagens não são da Coisa, mas que brotam a partir daexistâcia de
um mundo produzido e estruturado pelo simbólico qc habiita tais
produções imaginárias, tais representações em torn de un real
impossível de recuperar. Os fantasmas, incluindo o da 3oisa,;ão um
efeito do sofrimento do real pela ação do significante. Aimbo zação,
a intrusão da linguagem na carne, induz à falta a ser qie carcteriza
o sujNietzsc
por eito e o lança
he33em por
um vereda
brevese de desejo.texto
essencial A idéia
dejá
18 bra adantada
3, pulicado
postumam ente: nadasabemos do eral, senão pormeio e consruçõ es
fictícias habilitadas pela linguagem. Vivemos em m muido de
Como
a Coisa se lugar de um
apresenta gozoa não
como metalimitado e mito
absoluta da falta
do desejo, da falta,
o lugar ou o
estado em que se cumprirá a abolição da falta a ser, estado de
N irvana, supressão de toda tensão diferencial com o mundo,
indistinção do se
r e do não-ser, morte. A tendência à Coisa é a pulsão
de morte como destino final de todos os afãs vitais humanos. Este
mito de uma satisfação plena que a lógica do mito, a que pede uma
concepção da srcem, obriga a considerar como o ponto de partida
e lugar que está aquém dc todo desejo é, ao mesmo tempo, o ponto
de chegada, o estado de repouso absoluto que se alcançaria uma vez
consumi da aque
para o ser chama
fala,daévida e alcança
eleger da a quietude
os caminhos para aúltmorte,
ima. Viver,
deambular
pelas veredas do extravio e a errância do gozo com vistas à sua
recuperação.
A Coisa, como objeto absoluto do desejo, abre ao pensamen
to a dimensão insólita e abismal de um gozo do ser, anterior ex- à
sistência,um efeito retroativo da linguagem que, ao colocar-se além
da própria coisa, isso que os lingüistas chamamreferente,cria a in
tuição de um aquém. Esta suposição, insiste L acan,16é insuprimí-
vel e “a linguagem, em seu efeito dc significado, sempre fica ao lado
do referente. Sendo assim, não seria verdade que a linguagem nos
impõe o ser e nos obriga a admitir que, do ser, nunca temos nada?”.
O que nos lança não a parecer, mas a para-ser, a existir de lado, no
campo do semblante, dada a “insuficiência” da linguagem.
Creio que já é desnecessário insistir. A Coisa é um efeito da lin
guagem que introduz a falta e que, assim, separa dela. A Lei da lin
guagem, a das sociedades humanas cujo efeito final e cujo
fundamento é a lei da proibição do incesto, a proibição da reintegra
ção com a mãe, é a que cria a Coisa e a define como perda. Desde
que se produz o primeiro acesso ao simbólico, a primeira intrusão
do símbolo na vida, a Coisa fica obliterada, o gozo fica marcado por
um dizer-se,
de minus e odeente humano
articular é chamadoque
significantes a ser por meio sempre
expressam da obrigação
um
único conteúdo fundamental: o da falta no gozo, único referente,
“única ontologia confessável” para nós, psicanalistas. E é pela falta
que se produz no ente por ter que se dizer que resulta o ser de to
dos os exilados da Coisa, os falantes. Já no item anterior, aborda
mos a questão do discurso e vimos que o trabalho de articulação dos
significantes supõe um real prévio, um aquém, o da Coisa e produz
um saldo inassimilável e incomensurável, o gozo perdido, causa do
desejo, que é o objeto @, um real posterior. E assim que corre o fio
do desejo, por meio de demandas que se repetem em direção ao
Outro e que recebem dele signos, manifestações, doações, que não
podem preencher o vazio aberto no gozo por ter que sc tornar pa
lavra. E não é que o Outro seja malevolente, não; é simplesmente que
não tem com que responder ao que lhe é pedido, que manca por falta
de um significante, que está barrado.
Sendo a Coisa irrepresentável - cenário vazio, um espaço que
está além da infranqueável superncie do espelho cujo espaço virtual
que faz surgir não é nada além da miragem os objetos que
pretendem substituí-la, povoar e mobiliar esse espaço, apenas
conseguirão um estatuto espectral, imaginário. São os objetos do
fantasma ante os quais o sujeito se desvanece (SO @). Introduz-
se assim a distinção essencial entre a Coisa e os objetos
(das Ding
e, por outro lado,die Sache, die Objekte, die Gegenstände).
É aqui
que podemos co nsiderar o objeto @ que causao desejo e quemove
a pulsão. Por ser a Coisa aquilo que falta, os objetos do mundo
aparecem e se multiplicam, os falantes, pela via da linguagem, dão-
Os gozos distintos 81
o seria
seja senão com
enchido pela algo
açãodefinido,
do significante; e c) convida
a mostarda, que nãoe teria,
permite
semque
o
frasco e o vazio, outro destino que o de esparramar-se e perder-se
de modo irremediável. Este apólogo mostra a função criativa ex
nihilo do significante que produz o vazio como essa Coisa que teria
estado desde antes (e isso é falso) e que propõe ao objeto como
aquilo que pode povoar (de modo enganoso) esse vazio. Dois anos
mais tarde, no seminário da identificação,'7mostraria a existência de
uma figura topológica que, considero, é mais rigorosa para dar conta
deste desencontro estrutural entre os objetos da pulsão (variáveis,
sempre substituíveis, segundo o ensino freudiano) e a Coisa como
objeto absoluto ao redor do qual giram todos estes movimentos
pulsionais.
O que proponho, sabedor de que não é em relação a esta
distinção entre aCoisa e o objeto @ trazida por Lacan em 1962, é
sua sepultura,
a palavra fascinante
permite e perigosa,
vislumbrar assento
e, também, de uma gozo
sustentar uma letal ao que
distância
respeitosa. A rrisquemos umatradução deum texto bemconhecido
a título de ilustração:
Gatsby acreditava na luz verde, no futuro orgástico que ano
a ano recua à nossa frente. Ele nos escapara então, mas isto não
importava - amanhã correremos mais rápido, estenderemos mais
adiante nossos braços... E numa bela manhã -
E assim prosseguimos, barcos contra a corrente, arrastados
incessantemente para o passado. [F. Scott Fitzgerald, palavras
finais de O grande Gatsby.]
Esta imagem da vida rodeando, evitando e postergando o
encontro final e definitivo coloca a questão das barreiras ao gozo que
será abordada no item 6.
5. A castração e o nome-do-pai
Sei que a topologia não é popular, mas acho que a maneira mais
sensata e exata de abordar o tema-eixo deste capítulo que distingue
formas do gozo passa pela figura estranha e inquietante,
O questionamento
falo somente destadepois
pode se fazer solidariedade entre
de aceitar queo asignificante eo
ordem humana,
a L ei, foi falocêntrica. Obviamente, isso não avaliza nenhum
androcentrismo, o que historicamente aconteceu em todos os cantos
do planeta. A psicanálise não tomapartido, mas explica anecessidade
da articulação e é sabido que apenas o conhecimento da necessidade
Falo = Nome-do-Pai
tempoO marca
Falo (O)o élugar
o tampão, tronco do significante,
e a impossibilidade da Coisa. que ao omesmo
Ocupa lugar
central do toro, o buraco “por onde corre o ar”, por onde passa o
dedo no anel. Daí sua função desuporte daLei e também que sirva
para designar a falta no Outro, a castração daM ãe, seu caráter de
incompletude, o que a faz desejante de algo que não se completa na
relação com o filho. Ou seja, S (A), materna que expressao gozo
como impossível de subjetivar, obrigando a transitar os estreitos do
desejo e do intercâmbio. Ou, em outras palavras, que se deseja em
função
-(p. da castração
Os giros e cujos
da demanda, doobjetos
que ficadoinsatisfeito
desejo levam sua marca,
da pulsão, são
realizam-
se ao redor da alma do toro, de seu vazio periférico que tem a forma
do anel e que vão cingindo e delimitando o vazio central da Coisa
tamponado pelo significante Falo, significante do Desejo da M ãe, que
é continuado e deslocado pelo significante nome-do-Pai.
Com o que vimos até aqui, posso propor uma dupla
equivalência e com ela uma proporção que não deve se apressar para
assumir sentido matemático, mas que é para ser pensada como
relação topológica entre lugares irredutíveis. No buraco central do
toro, encontramo-nos com a C oisa como o real que acha seu
significante no Falo (d)) simbólico, enquanto na alma do toro temos
esse incessante girar em torno do objeto @, real, perdido
retroativamente a partir das voltas em seu redor. O significante que
polariza essa busca é o falo como parte faltante à imagem desejada
((p), um significante imaginário que para o sujeito apenas pode
presentificar-se com o signo da negação, da castração que o faz
desejante e que faz do @ a causa do desejo. Insistindo tratar-se de
uma relação topológica, elástica, e não de uma pretensão calculadora
com intenções de exatidão é que podemos propor que
(p : O @ : Coisa
48. Cf. E. Porge. Le noms du père chez Jacques Lacan. Ramonville: Érès,
Fin du dogme paternel.
1997. M. Tort. En una perspectiva crítica. In:
Paris: Aubier, 2005.
Os gozos distintos 89
te, tampouco é o órgão (pênis) nem a imagem deste, mas o que in
duz em toda imagem o efeito de aparecer marcada por uma falta,
por uma completude. Se é -1 é porque designa, no Outro, uma fal
ta de significante. Significante, pois, da falta de significante; pura
positividade que marca de negatividade, que condena a não ser ou
tra coisa senão semblante a todo o articulável. M arca-o de negati
vidade e o faz “para-ser” no sentido de que tudo o que se afirma,
seja no sentido da atribuição ou da existência, atura uma sombra:
“isto que é, como significante, é por não ser Falo”. E reconhecen
do o Falo neste lugar central, e ao mesmo tempo excêntrico, que se
explica e se mostra a falta de fundamento de todo falocratismo e se
confirma que, sim, efetivamente, a teoria é “falogocêntrica”. Pois a
castração está no centro do advento do falante e não é nem patri
mônio nem motivo de infâmia para nenhum dos sexos.
O significado do falo como -1 não é um zero, não é uma
ausência; é uma afirmação de que o conjunto do significante, o
sistema do Outro, é inconsistente, suporta uma ausência que faz dele
um conjunto fechado já que sem essa ausência o conjunto não teria
limites e, conseqüentemente, não existiria como conjunto. É assim
d (desejo)
(fantasma)
T
Parte superior do gráfico do desejo
8 @
a razão
uma para que uma
conferência utora
a tão
proferida emcuidadosa
Bruxelas,coe
momuitos
Colettedepois
Soler,57em
dela,
repitam que o nome-do-Pai realiza “a produção do significante
fálico”, que o Falo é secundário à metáfora. Citemos: “O nome-do-
Pai produz outro significante sem par, o falo. Produze-o (...) como
significação. Isso também se vê na escritura da metáfora: o falo está
abaixo da barra, no lugar do significado. Portanto, produção do falo
como significação, mas também produção da significação como
fálica”. A própria autora oferece mais tarde, na mesma conferência,
uma solução que permite conciliar a contradição e que é essencial
para nossa exposição. E a de distinguir o Falo (O), com maiúscula,
“impossível de tornar ne gativo, significante do gozo”58e o falo (-cp),
com minúscula, significante do desejo, que, ele sim, é consecutivo
à intervenção do nome-do-Pai e se apresenta para o sujeito como
“imagem do pênis, negativado em seu lugar na imagem especular”,
sendo isto “o que predestina o falo a dar corpo ao gozo na dialética
do desejo”,59o que permite que, experimentando sua fal ta, o sujeito
possa investir o objeto, carregando-o com o valor do que nele falta,
possa tornar-se desejante. “E pois mais a assunção da castração o
que cria a falta na qual se institui o desejo”.6“ A falta impostapela
castração e assumida pelo sujeito como tal no imaginário é indicada
algebricamente como -(p, menos phi.
Temos que aceitar a idéia de um desdobramento do falo, como
significante, como conseqüência da intervenção metafórica do nome-
do-Pai. Por um lado, como Nasio afirmou em outra conferência
desse mesmo ano de 1982,61 na fórmula da metáfora paterna, “o
nome-do-Pai é o significante que se substitui e se condensa ao falo
NomedoPai
oseparam
recusado e o pelo
senão que deve ser alcançado,
aparecimento de umae função
que estes
quedois não se de
os divide,
uma tesoura ou gadanha que impõe o requisito de atravessar pelo
funil da castração, submetendo o órgão que representa o falo, o
pedacinho de carne que pode estar ou faltar, ser saliente ou ficar
6. As barreiras ao gozo
65. J. Lacan. Court eniretien a la R.T.B. Quarto, Bruxelas, n. 22, p. 31, 1985.
100 Gozo
por um mau arranjo da sociedade. Não é que o Outro não leixa go
zar, mas o gozo também falta ao Outro, a completude naia mais é
do que um fantasma do neurótico neste tempo espantosamnte ator
mentado por exigências idílicas. O essencial, como Freul mesmo
diz, é que a relação sexual não existe, que o amor não é ura via re
comendável para atenuar o mal-estar na cultura, que o disejo, es
preitado por um deus maligno, erra na desventura pelos deertos do
gozo. “Este dramanão é o acidenteque se acredita. E essêicia: pois
o desejo vem do Outro, e o gozo estádo lado da Coisa”.66
Por aí começamos nosso percurso, por distinguir ogozo do
que pode lhe parecer, mas que são seu contrário: em primero lugar,
o prazer; em segundo, o desejo. E agora encontramos ests velhos
conhecidos em seu caráter de barreiras interpostas no caninho do
gozo. Pois o prazer, ligação vital, lubrificante dos inómodos,
nivelador das diferenças, é a trava quase natural que faz dc sujeito
um travado, um S barrado, S. Ao pôr li mites ao gozo, ao jrocurar
na experiência paradigmática da cópula, com o orgsmo, a
detumescência, o prazer é o antídoto do gozo.
A essa lei homeostática, e levantando-se sobre ela, sona-se a
Lei da linguagem que impõe a renúncia aos gozos, quedes;ozifica
o corpo e se significa ao redor do Falo com seu correlato}ue é a
castração, a qual faz aparecer o sujeito como carente e, assm, ins
titui o desejo, esse girar incansável pela superfície interiorio toro
ao redor de seu obscuro objeto. Sim; o desejo colocador en pala
vras é uma transação e uma defesa que mantém o gozo em;eu ho
rizonte de impossibilidade; o desejo deve dobrar-se àL ei, jraças à
função do Pai. O desejo ser desejo do Outro significa dizer iue está
submetido e que aceitou a Lei, que tratade ajustá-la como jode no
exílio Deve
dem. da Coisa, deslizando-se
aceitar até os de
o despojo inicial, objetos que opara
estrutura, causamj o ilu
logo elacio-
nar-se com esses objetos da pequena economia de perdas e [anhos.
Dizia L acan67em seu seminário dedicado à angústia; “O deejo e a
Lei são uma única barreira que obstrui nosso acessoà Cois”.
uiçã o e do concei
ibstituições to do objeto @simbólicos
e deslocamentos de L acan), em
estãoumsubme tidos de
sistema a
■CLiivalências como o que existe entre o pêni
s, o filho
-Lumpf,o cocô,
nresente, o dinheiro e, para a mulher, o varão como apêndice do
ao cobiçado.
E os objetos, as coisas deste mundo, não são mais que telas
);recidas ao fantasma como promessas de gratificação imaginária,
i f assumem seu preço as mercadorias que a publicidade se
: carrega de “encarecer” e recomendar o seu consumo, sendo
;imo é uma atividade que opera, sem o saber, sobre o objeto @ de
Lican. Vê-se com clareza que arealidade e a não proliferação dos
;»jetos operam também como defesas contra o gozo.
O discurso deL acan se aproxima aqui ao de M arx e o de M arx
acde Freud. Mais-valia e mais de gozo, mercadoria e fetiche,
otambém
poder cita
nãoPolanyi:
é uma“Acategoria
categoriaeconômica...
última da economia é sua
é, em o poder; mas uma
essência,
categoria psicológica”. Enfim, todo o capítulo 15 desteLife against
dealh (título srcinal da obra que estamos citando) poderia ser
incluído neste texto sobre o gozo. Por isso é melhor causar um
curto-circuito e convocar um convidado inesperado, Aldous Huxley,72
que em seu Contraponto(de 1928) nos diz:
O instinto de adquirir comporta, a meu ver, mais perversões
do que o instinto sexual. Pelo menos, as pessoas me parecem, no
entanto, mais estranhas a respeito do dinheiro do que de seus
amores... N inguém se encontra de igual modo (que os entesou-
radores) incessantemente preocupado pelo sexo; suponho ser
porque nas questões sexuais é possível a satisfação fisiológica,
enquanto não existe isso com relação ao dinheiro. Quando o cor
po se encontra saciado, o espírito deixa de pensar no alimento ou
na mulher. M as a fome de dinheiro ou de posse é quase puramen
te uma coisa mental. N ão há satisf ação física possível. N ossos
corpos obrigam, por assim dizer, o instinto sexual a se conduzir
normalmente... N o que se refere ao i nstinto de adquirir não exi s
te corpo regulador, não há uma massa de carne bem sólida que
deva ser tirada dos trilhos do hábito f isiológico. A mais leve ten
dência à perv ersão põ e-se i medi atamente de ma nif esto. M as
um gozo
posse, o do qual o de
fantasma sujeito poderia
chegar se apoderar
ao gozo por meioe do
exercer
saber,domínio
da e
articulação de significantes que permitiriam a apropriação do real e
a umadicção que confirme ao sujeito que está de posse da verdade.
O fantasma de um sabergozar que fundamenta e aproxima os
discursos do senhor, da ciência e da perversão. Este saber teria que
cegar o poço impreenchível que ordena a relação sexual como
impossível porque o Falo é um significante sem par que ordena
104 Gozo
ao reconhecimento
tempos do mundo
o comunicador, o Grande doOutro
qual mass
o artífice
das é aquele
media, em nossos
que
junta as representações atrás da televisão, aquele que uniformiza no
planeta os modos de manter o gozo à distância e configura os eus que
se reconhecem reciprocamente em um ideal comum, ou seja, que se
massificam desgozificando-se segundo a fórmula freudiana de
1921.™
L acan inscreveu estas relações em seu nó borromeu quando
proferiu sua terceira conferência em Roma,79 de modo que, sendo
cada um dos aros da corda a representação de um dos registros,
fica uma área de tripla sobreposição do real, do simbólico e do
imaginário na qual se localiza o objeto @ que e t m esse triplo estatuto,
essa tripla pertinência. Vê-se no nó três áreas de dupla sobreposição
que excluem um dos três registros: gozo do Outro (sem simbólico),
gozo fálico (sem imaginário) e campo do sentido (sem real... e sem
gozo).
80. J . L acan (1956). Le seminaire. Livre III. Les psychoses.Paris: Seuil, 1976.
p. 210-211 ; Seminário X, aula de 9 de janeiro de 1963, L ’Etourdit,Ecrits,
p. 459, onde se lê: “E o sujeito que, como efeito de significação, é resposta
do real”.
81. S. Freud (1915). Obras completas, v. XIV, p. 130,
82. S. Freud (1911). Formulaciones sobre los dos principios dei suceder
psíquico. In: Obras completas, v. XII, p. 223-231.
110 Gozo
lacaniana pulsional
dualismo entre ambos
dos que
anosderiva
1920; da elaboração
neste freudiana do
caso, valorizamos a
primazia do eu do gozo sobre o eu da realidade). Nessa primeira
distinção freudiana há, então, eu-prazer (gozo do ser) e eu-realidade
(“pela ligação com os restos de palavra”);
b) no artigo dedicado às pulsões na “M etapsicologia”, de
1915,1 (5a oposição é a mesma, mas a relação é exatamente nversa,
ai
porque o que é srcinário é o Eu-real e o Eu-prazer se desenvolve
a partir dele; o sujeito nasce com o E u-real e o E u-prazer e
desenvolve a partir dele; o sujeito nasce como Eu-real, submerso no
real; secundariamente vai surgindo nele um eu regulado pelo
princípio de prazer e, finalmente,
integrado à realidade,
“secundário” não é senãoo do narcisismo chamado
a continuação por Freud
e uma simples modificação
do Lust-lch, do Eu-prazer que aprendeu pela experiência que é
conveniente aceitar o existente ainda que seja desagradável e
contrário ao princípio de prazer. O eu darealidade, o de 1911 que
retorna em 1925 com a carga do adjetivo “definitivo”, não está
“além do princípio de prazer”. Seu princípio não é de gozo como
o do Eu-real do texto de 1915, aquele que odeia o Outro antes que
a realidade lhe imponha a conveniência de amá-lo. Poder-se-á, deste
modo, conservar as três articulações freudianas, a de 1915 por um
lado, e as de 1911 e 1924, por outro, distinguindo o eu-real do eu
da realidade, ou seja, do fantasma, pois a
realidade ( Wirklichkeit)
nada mais é do que um fantasma que afasta o gozo, que protege dele.
se ouvir
grito pelo Outro,aparecendo
desesperado, transformando-se naquilo
no campo que entrega,
do Outro como @, emcomo
seu
objeto que escapaà função de significante, como corpo que se
oferece ao olhar, como voz soluçante para o ouvido, como boca que
clama pelo seio. E aí que encontra que não há tal onipotência do
Outro, que o Outro está igualmente submetido à castração, que não
está completo, mas que é desejante e que seu desejo aparece para
ele como um enigma sem resposta possível. N este segundo
momento, encontramos o sujeito entrando no campo do Outro e
fazendo-se representar aí como objeto que preenche a falta do
Outro. E o momento da alienação ou o momento da angústia, da
despossessão total para servir um Outro voraz e insaciável. Neste
ponto, o gozo se torna terrorífico; é o das fantasias fragmentadoras
e sinistras, o da confrontação no lugar do objeto com uma falta que
é preenchida no Outro pela criança que vem satisfazê-la.
Escapando do gozo do ser, cai-se na angústia, adiantamento e
correlato da alienação. O sujeito aspiraria encontrar-se satisfeito na
satisfação que ofereceria ao Outro. E a posição neurótica infantil de
base que impulsionainfans
o a submeter-se à demanda alienante do
Outro, li vrando-se
justamente em que assim da carga
não é isto o queda
sevida. Mas a alienação consiste
consegue:
A alienação tem uma cara patente, que não é que nós
sejamos o Outro, ou que os outros (como se diz) nos acolham
desfigurando-nos ou deformando-nos. O próprio da alienação
não é que sejamos recolhidos, representados no outro; ela se
funda essencialmente, pelo contrário, na recusa do Outro como
vindo ocupar o lugar desta interrogação do ser... Queira o Céu,
114 Gozo
M as o Céu não o quer assim e por isso deve suar muito, deve
se esforçar e correr atrás daquilo que poderia reparar a divisão do
sujeito que se produz como conseqüência de ser rejeitado pelo
Outro, pela imposição de uma separação com relação a esse Outro
cuja essência é a falta. Teve que atravessar pela angústia e pela
alienação para advir se tornar desejo, aceitar a inevitável castração
e se reconhecer como sujeito partido pelo significante e, portanto,
sujeito separado do objeto do fantasma. Separar-se do Outro sem
renunciar a ele, deixando um presenteem suas mãos, o objeto @,
tendo salvo a vida à custa de ter perdido a bolsa em resposta à sua
intimação imperiosa: a bolsa ou a vida! Deixou em suas mãos a bolsa,
o gozo, e recuperou uma vida atingida no essencial. Além disso, a
relação com o gozo não se fará desde S, mas, passando por @,
desde S. Viver-se-á no fantasma.
A operação nesteponto pode se representar com osclássicos
círculos eulerianos. O ser do sujeito teve de passar pelas redes do
significante, pelo Outro. A alienação tropeça com o desejo e com a
rejeição do Outro. Esse Outro está barrado por uma falta [S(A )] e
essa falta não é preenchida pelo sujeito que se oferece para isso. A
pergunta por seu desejo, o do Outro, permanece aberta, é enigma
e, por sua vez, chave da existência. O sujeito não consegue que seu
sentido se preencha plenamente no Outro e se separa dele.
Subtraindo-se à intimação que revela a incompletude do Outro e
traçando o que ao Outro faltaria se ele se negasse a reconhecê-lo
como Outro;
o Sujeito e oé Outro
assim que
nãoo pode
sujeitoser
recupe
de ra seu ser. nem
inclusão, A relação entre de
tampouco
exclusão como o era no ponto de partida, o dos dois círculos
isolados. Há uma zona de intersecção de onde a falta de Um se
sobrepõe àfalta de Outro; é a área correspondente oa objeto @ que
deixa a das barras, a de S e a de A:
92. J. L acan (1967). Le seminaire. Livre XIV. La logique du fantasme.
Aula
de 11de janeiro.
Os gozos distintos
Respondam
gozo ao deseosjo.
rapidamente:
L acan a relação
ocupou-se dequestão
desta oposição neetre
depassa
1963 gem do
e 1964,
em seus seminários X,A angústia, e XI, Os quatro conceitos
fundamentais da psicanálise e em seu artigo intitulado “Posição do
inconsciente”.93Fê-lo de duas maneiras sucessivas e diferentes que,
como os círculos eulerianos, parecem obrigar a eleger à custa de
uma perda. A exposição no seminário da angústia, cronologicamente
a primeira, condensa-se em torno de um quadro chamado divisão
subjetiva; nesse quadro a palavra “divisão” alude, sim, à barra do
sujeito, mas em que o essencial está dado pela adoção do modelo
matemático
momento, o dado divisão:
gozo. quantasmostra
O “quadro” vezes S emoAsujeito
que ? É o somente
primeiro pode
entrar em A para ni screver se
u gozo como @; mas, como resultado
desta operação, produz-se um quociente que é a barra do Outro (A);
é o segundo momento, o angústia
da e isto dá lugar a um terceiro
momento, o da divisão, @dividido por S, o sujeito, depois de passar
pela posição de objeto @ para o Outro, produz-se como um sujeito
barrado ($), sujeito do desejo inconsciente. Entre o Sujeito e o Outro,
“o inconsciente é o corte em ato”.94Resta assim um resíduo da
operação: S. E hora de inscrever adivisão:
A S gozo
@ A angústia
S desejo
natureza do falo.
à realidade, vendoO ao
sujeito se divide
mesmo tempoaqui, diz-nos
abrir-se em Freud com relação
si o abismo contra
o qual se defenderá com uma fobia, e, por outro lado, recobrindo-
o com essa superfície de onde erigirá o fetiche, ou seja, a existência
do pênis (materno) como mantida, ainda que deslocada”.
O sujeito se desvanece ante o gozo do Outro, esse gozo que
se apresenta de várias maneiras: com as fauces abertas monstro
voraz do pesadelo, as formas de um destino devastador e
inescrutável, com o ruído sinistro de um grito que nos envolve: o
grito da naturezaque ressoaem nós como no quadro de M unch, esse
grito que não é ouvido pelos personagens que dão as costas à boca
que prefere o barulho e seguem seu caminho, com o semblante do
gozo que o neurótico, em seu imaginário, atribui à viúva negra e à
mantis religiosa,com esse inefável gozo feminino que se coloca
“além do falo” e “além do sentido”. Esse inesquecível gozo do Outro
condena a relação sexual a não existir. Assim, vemo-nos lançados a
tratar arelação, sempre equívoca, entreo gozo e a sexualidde. Será
o tema do nosso próximo capítulo.
A angústia tem, portanto, umafunção deintermediação entre
o gozo e o desejo, entre o S e o S, entre o sujeito nonato, abolido
do primeiro e o sujeito cindido do segundo. Uma posição de
passagem de gozo a desejo que se declara clinicamente como
angústia no neurótico e no perverso. Entre a falta da falta, própria
do gozo psicótico (posição superior no quadro da divisão subjetiva)
consiste em dar o que não se tem e o amor é o único que pode fazer
com Aque o gozo condesc
precia-se enda
aqui a pos ao diferente
ição desejo.100de
,101L acan a respeito de
Freud. O pai não é proibidor nem temível, nem rival nem gozante.
É um nome-do-Pai, puro significante do Falo, que se distancia do
Desejo-da-M ãe e que marca com acastração (-cp) os objetos do
desejo que se tornam assim significantes da falta e ficam investidos
de valor fálico. A falta não é temível; pelo contrário, a aceitação da
própria imagem como carente é o que permite que o corpo do Outro
se transforme em objeto causa de desejo; é o fator que proíbe e que
marca com uma culpa que não é psicológica, mas estrutural, o auto-
erotismo; é, por fim, o que canaliza essa “transfusão da libido do
corpo para o objeto”.102
A opção para osujeito é clara: entre ogozo e o desejo, das
duas uma, ou a angústia pela falta da falta (“não é a nostalgia do que
chama seio materno que engendra a angústia, mas sua iminência,
tudo o que nos anuncia algo que permite entrever que se voltará para
ele”)103ou o amor que édar a falta, a castração (o -cp), o único que
poderá permitir a condescendência de um em relação ao outro. A
experiência da análise dá-se integralmente, por meio da palavra, entre
estas duas passarelas que conduzem do gozo ao desejo: angústia e
amor. Atravessando a angústia, além do fantasma, para o m
a or... com
seu caráter fatal.
Gozo e sexualidade
1. Os equívocos da sexualidade
2. J. L acan. Le Séminaire. L ivre III. Les psychoses. Paris: Seuil, 1981. p. 191.
3. S. F reud (1905). Obras completas. B uenos A ires: A morrortu, 1978.
v. VII, p. 121.
Gozo e sexualidade 123
efalantes, navalha
do Outro, assimque corta
como os egozos
separa oshomens
dos gozos doe ser,
das do significante
mulheres.
Aí
a sexualidade não é a causa nem o princípio explicativo posto em
jogo pela análise, mas o efeito, a conseqüência de um
posicionamento exigido de todos os usuários da palavra com relação
à castração, reguladora dos intercâmbios, condição do discurso
como vínculo social. Permanece a questão de saber se a psicanálise
pode ser o caminho para pensar e para chegar “além da castração”
em novas e distintas circunstâncias históricas, quando os discursos
tradicionalistas tenham sido de fato ultrapassados por outras
formações discursivas que contestam as soluções universais e
estabelecem, de acordo com a letra e o espírito do descobrimento
freudiano, a consideração individual dos casos.
Em outras palavras, o objeto da psicanálise, o objeto que é
causado desejo e do mais de gozo, @, é certamente @ -sexual, mas
nem por isso suainstauração éindependenteda Lei que tem como
significante o Falo representado pelo nome-do-Pai. O falocentrismo
histórico e teórico é o fundamento da ordem patriarcal. Necessidade
estrutural e universal para as sociedades humanas, ou racionalização
de uma forma da dom inação?Este é o temade muitos e apaixonantes
debates contemporâneos que questionam, ao mesmo tempo em que
animam com seus desafios o discurso do psicanalista.
Pansexualismo da teoria? Certamente não, mas sim referência
fálica já que o falo é o fundamento da ordem simbólica, um
significante, “o significante destinado a designar em seu conjunto os
efeitos de significado, já que o significante os condiciona por sua
124 Gozo
caminho
(Reich), apara a felicidade
possibilidade quando onão
de cumprir quefazia
seriaa um
revolução social
sonho universal
de retorno à unidade srcinária, ao claustro materno. Eis um exem
plo ilustre:
Cheguei à conclusão de que o ser humano busca
permanentemente, desde seu nascimento, o estabelecimento da
situação intra uterina e que se aferra a este desejo de forma
126 Gozo
Sucedem-se
no paradigma do as formulações
orgasmo de teorias
masculino e de psicanalíticas centradas
“investigações”,
supostamente fisiológicas, que buscam e periodicamente afirmam
que conseguem encontrar um equivalente “objetivo” (e masculino)
do orgasmo para a mulher, ejaculações, contrações pélvicas,
paroxismos centelográficos ou revestimentos neuronais.
A difusão de um certo saber psicanalítico elevado à categoria
de evangelho do gozo chega inclusive a modificar a atitude subjetiva
diante da cópula. Assim, Lacan observa em seu seminário de 27 de
abril de triste
coitum 19669que , se alguém
ao que antigamente o poeta
soube podia“exceto
agregar dizeranimal post e o
a mulher
galo”, atualmenteos homens já não se sentem tristes por terem doti
um orgasmo conforme à regra psicanalítica, ao passo que as
mulheres, que antes estavam contentes porque a tristeza era de seus
partenaires,agora sim estão tristes porque não sabem se gozaram
ou não convenientemente. Enquanto isso o galo continua cantando...
e as mulheres despertam dos sonhos da profunda psicologia.
É verdade que há uma relação entre o orgasmo (que pode ser
obtido opor
como meio da
provam cópula, mas não
a masturbação, necessariamente
os sonhos eróticos epor as meio dela
emissões
seminais em situações e d angústia) e o gozo. M as essa relação não
é de identidade nem de perfeição nem de recuperação de alguma
mítica unidade srcinária. Não constitui, em si, uma meta para
propor a ninguém e ainda menos desde uma perspectiva que se
proclame freudiana.
Proponho ao leitor que faça uma prova, que busque nos índices
analíticos dasObras completasde Freud o artigo “orgasmo”. E
provável que se surpreenda ao comprovar que os dedos das mãos
sobram para contar as referências, que uma única vez aparece esta
palavra nos “Três ensaios sobre ateoria da sexuali dade”10e isso para
dizer que o lactente que mama com fruição alcança uma reação
No entanto,
conjunção por não
não é senão umaexistir a relação
ilusão, é que asexual, por que
sexualidade a na
existe
realidade. É justamente um efeito da falha e da falta; a sexuali dade
(humana, evidentemente) é “fáltica”, gira em torno desse objeto
terceiro que escapa no encontro sexual, em torno do de gozo.
mais
Em torno do objeto que se constitui como perdido, por exemplo,
quando Freud imagina seu filho, aquele que ele criou como objeto
130 Gozo
teórico, dizendo: “Pena que não possa beijar a mim mesmo”, corte
com relação a si mesmo que “o levará mais tarde a buscar em outra
pessoa aparte correspondente”.15
A divisão primordial, aquela que põe em marcha a sexualidade
em seu sentido psicanalítico, é a divisão do sujeito com relação ao
gozo induzida pela castração e é esta que conduz ao desprendimento
do objeto @, suplência do gozo que falta. O objeto faz-se exótico
à medida que vem em lugar da parte laltante ao sujeito na imagem
desejada.16 É precisamente por ser separável que “o falo está
predestinado a dar corpo ao gozo na dialética do desejo” (ibid.) e por
aí é que se produz a transfusão da libido do corpo para o objeto, para
essa “parte correspondente” (no corpo do outro) da qual Freud
falava.
O rebaixamento da sublime dignidade que o misticismo (antigo
e oriental ou moderno e ocidental) atribui ao ato sexual não conduz
a psicanálise pelo caminho regressivo da preconização de um retomo
ao auto-erotismo e a um gozo idiota, sempre ao alcance da mão,
nem, por outro lado, ao que seria o inverso e a recíproca desta
regressão, a exaltação de valores ascéticos e de renúncia ao gozo do
corpo em função de estar esse gozo limitado pelo prazer.
A psicanálise está em outro lugar. Não é uma técnica do corpo
como tolamente objetava Heidegger a L acan (conforme o relato de
L acan, e segundo sedepreende de uma entrevista feita ao filósofo
na qual afirma que as conseqüências filosóficas da psicanálise são
insustentáveis porque biologizam a essência do homem) nem
tampouco é uma ideologia espiritualizante que exalte a sublimação.
Neste sentido a psicanáli se é uma ética que se manif esta em uma
técnica linguageira centrada em torno desta articulação do desejo
inconsciente que define os modos como cada um se acerca ou se
distancia do ato genital, afirmando cada um sua diferença, sua
peculiaridade, rebento do desejo, em sua aproximação ao gozo.
Isto, sem que se deixe de comprovar aqui e ali na clínica o
efeito daculpa que é inerenteàs práticas masturbatórias. A culpa não
depende de sanções ou códigos exteriores nem tampouco da ridícula
uma classe diferente do gozo filtrado pela castração, aquele que tinha
o Falo como fundamento significante e que gozo era fáli co (J. <j>).
Finalmente, e para completar um trio de autocitações, acrescentemos
que no item 5 (p. 85) havia assumido o risco de me distanciar do
explícito do ensino de L acan para explicar a exigência clínica de
distinguir e até de opor o gozo do ser e o gozo do Outro entendido,
vamos descobrindo as cartas, como gozo do Outro sexo.Do Outro
sexo, do sexo que é Outro com relação ao Falo, ou seja, do feminino.
Em L ’étourdit, se lê: “Chamamos heterossexual, por definição, a
quem ama as mulheres, qualquer que sej a seu sexo”.20
M inha pretensão, já adiantada, é a de explicar adiferença entre
os gozos por meio da topologia da bandade M oebius. Promessa ou
ameaça, chegou o momento de cumpri-la, mas não sem antes passar
pela imprescindível e extensa volta que passa pelo que ensina sobre
o tema a experiência clínica da psicanálise e de seu funcionamento.
A grande volta abarcará o item 2 deste capítulo, no qual se insiste
na distinção dos três gozos, e o item 3, no qual se mostrará a lista
causal da castração. O desfecho topológico - não se assuste - fica
para o item 4.
Na tese, colocada desde então, o que procuro demonstrar é
que o gozo fálico, gozo ligado à palavra, efeito da castração que
espera e se consome em qualquer falante, gozo linguageiro,
semiótico, fora do corpo, é a tesoura que separa e opõe dois gozos
corporais distintos, deixados fora da linguagem, que eram, de um
lado, ogozo do ser, gozo perdido pela castração, mítico e ligado à
Coisa, anterior à significação fálica, apreciável em certas formas da
psicose e, de outro,gozo
o do Outro, também corporal, que não foi
perdido pela castração, mas que emergia além dela, efeito da
passagem pela linguagem, mas fora dela, inefável e inexplicável, que
é o gozo feminino.
Impõe-se talvez criticar - outra vez! - o modelo naturalista,
francamente insuficiente, dos ciclos de necessidade-satisfação, da
fome e da saciedade, que pareceria (sem que assim fosse) encon
trar uma analogia na atividade sexual do macho, mas que resulta,
uns
E e outras. extraviar-se
necessário Freud partiuem
da relação
extrapolação desse caso
à sexualidade, modelose insuficiente.
parta
desse ponto, da tentativa de compreender a sexualidade humana so
bre a base de seus pretensos fundamentos biológicos ou de conduta,
e não da subordinação do funcionamento genital à L ei, ao comple
xo de castração e ao corte que ele instaura entre gozo e desejo.
O modelo da fome, do instinto, serve justamente para obturar
as respostas com sua pretensa facilidade. O trabalho teórico da
psicanálise, desde sua fundação até nossos dias, foi o de tomar
distância com
evidenciou relação àsentre
a separação suas acomodidades.
sexualidade Ue ma vez que
a função se
reprodutora
e, mais adiante, que a sexualidade não podia ser entendida segundo
a racionalidade biológica do princípio de prazer, mas a partir do gozo
implicado em seu exercício, surgiu o problema de definir esse gozo
em termos do masculino e do feminino e em termos daquilo que do
gozo do outro (aqui com minúscula) é subjetivável por “cada um”
no (des)encontro sexual. Problema, pois, da heterogeneidade dos
gozos e da dificuldade reconhecida já por Freud para definir
psicanaliticamente a diferença entre o masculino e o feminino, e
resolvido por ele de um modo para ele mesmo insatisfatório como
uma oposição entre atividade e passividade no marco pulsional,
depois de afirmar o caráter masculino de toda libido. Tese que não
deixa de ser questionável e irritante.
Problema insolúvel para o saber quando se confronta com o
gozo que, por essência, é irredutível à palavra e se confunde com
todo o acontecer do corpo do qual nada se pode dizer. O que
podemos saber sobre o gozo, não o nosso, mas o do Outro, em cuja
pele não podemos nos meter? Problema que angustia a humanidade
desde sua aurora com a divisão entre o gozo do suor do trabalho para
A dão e o da dor obstétrica para Eva, ambos os gozos que são efeito
da Lei depois da expulsão sem remédio do gozo paradi síaco anterior.
No mito de T irésias, o vidente, a questão dos gozos e sua
diferença é mais clara. Tirésias, perambulando pelo monte, viu a
cópula de duas serpentes e, conforme duas versões, ou as separou
ou matou a fêmea. A conseqüência foi que - como castigo? - ficou
( io/.o e sexualidade 135
no corpo
órgão, de um e isso de modo sempre parcial, como gozo de
Organlust).
De modo que o gozo se produz no encontro das zonas
erógenas e escapa dos dois do casal em virtude de sua própria
divisão. Este gozo do Outro pertence certamente ao registro do
fantasma, mas nem por isso deixa de ter efeitos reais na
subjetividade. De mil maneiras, e de modo privilegiado nos sonhos
e nos sintomas, a clínica psicanalítica mostra os efeitos, às vezes
136 Gozo
está
um eem de jogo o gozo
outro, perdido,
a falta de umaa incomensurabilidade entre oo que
justa medida para avaliar gozoéde
o
bem (ou o mal) de cada um. A disputa de H era e J úpiter é a
formulação mítica desta ancestral discórdia entre os sexos na qual
nenhum Tirésias pode arbitrar, muito menos se irá quantif icar um
rapport sexual que - é sabido - não existe.
E aqui que tradicionalmente funcionou o paradigma do gozo
peniano com sua clara localização no tempo do orgasmo e no espaço
da ereção-detumescência que dá ao varão o tão duvidoso quanto
vibrante privilégio de um saber certeiro sobre a satisfação genital.
M as, é bom lembrar, es se desvanecimento instantâneo do ser do
sujeito no orgasmo é correlativo da perda do gozo que escapa de
modo irrecuperável com o sêmen. É um curto-circuito; os fuzíveis
saltam, a luz se apaga. Na obscuridade subseqüente, surge a tentativa
de localizá-lo, de apreendê-lo e assegurá-lo. O saber certeiro é agora
que temeque
menina quedeixar de sersecundariamente,
determina, fálico tanto para oa menino quantodepara
possibilidade umaa
identificação normativa para o menino com seu pai que o tem (o
órgão) e, do lado feminino, uma demanda dirigida a quem o tem
para que lho dê, deslocando o Outro da demanda de amor da mãe
para o pai e instalando a equivalência simbólica entre falo e criança
(das Kleine).
É pela falta que o sujeito, homem ou mulher, se vê forçado a
renunciar ao auto-erotismo e a marcar o gozo masturbatório com
uma culpa que não depende dos códigos culturais. Essa culpa é
inerente à pretensão
subterfúgio, um atalhode
dedesmentir a castração,
auto-suficiência de operar
interposto comodo
no caminho
como terceiro
um órgão interessado
marcado na relação
pelo complexo de ecastração,
cuja representação
um órgão recai sobre
cujo único
papel é o de introdução aos intercâmbios, chegando a ser o
verdadeiro partenaire do ato sexual, esse ato que se verifica na
interseção de duas faltas e no fato de que cada um dos participantes
é -<
p para o Outro.
Não se creia, no entanto, em algum tipo de simetria. É verdade
que não é possível definir um estatuto psicanalítico dos termos
“masculino” e “feminino”, mas as condições da castração de cada
um diferem no sentido de que para a cópula - se quiser participar
dela - do lado do home m, é necessária a ereção do m embro viril e,
do lado da mulher, é necessária... a ereção do membro viril. Do lado
do homem é requisito o desejo, do lado da mulher o consentimento.
A possibilidade da violação, em princípio apenas ao personagem
“falóforo”, é a imposição desse consentimento.
Na assimetria do lugar dos desejos respectivos é que devemos
buscar a causa de que, para Freud, a única tradução relativamente
aceitável para os termos masculino e feminino no inconsciente seja
o da atividade c passividade; com certeza isto não tem relação algu
ma comque
tação” a penetração
não pode senãodo espermatozóide
levar ao riso. Ono óvulo,se
homem uma “interpre
dirige à mulher,
em relação ao ato sexual, colocando seu desejo como demanda de
satisfação, fazendo dela um objeto em seu fantasma, concedendo-
lhe o valor fálico, objeto para seu gozo eventual. Como disse Lacan:
... não se é o que se tem e é por que o homem tem o órgão fálico
que ele não o é; isso implica que do outro lado seja-se o que não
142 Gozo
se tem, ou seja, que é justamente por não ter o falo que a mulher
pode assumir seu valor.26
buscando a carne
sexual, a de que ounificada
gozo faltaencontra a castração
em alguma parte. e a verdade do ato
de dezembro “merece
psicanálise, de 1962), odisse
nomequedeaprática à qualNove
erotologia”. nos dedi
camos,
anos maisatarde,
no seminário X V I II (a), O saber do analista, na aula de 4 de
novembro de 1971, afirmou que “o gozo está na ordem (?) da
erotologia”. M eu amigo Jean Allouch retoma o termo e insiste em
sua consubstancialidade com a psicanálise (op. cit.). Em um texto
posterior declara31 que o vocábulo é pouco conveniente (é uma
aposta, sem dúvida uma loucura, pois ninguém ignora que as
intervenções do deuzinho Eros quase não têm razão nem sentido”).
A palavra gozologia, vinculada ao conceito lacaniano que
trabalhamos, teria a vantagem de sua especificidade ainda que,
devemos reconhecer, do escorregadio objeto @ não poderia haver
jouissologie, e
ciência. Em francês, deveria ser criado o vocábulo
nificado,
nificantesdefinido, cercado,seus
que desenham evocado com o entretecido
reservatórios, de fios sig-
estagnam-no,
acumulam-no, evitam sua dispersão. A castração é um condens
ador
do gozo que o torna subjetivável, subjetivo e, ao mesmo tempo,
isoladamente
inevitável, a detaume
função
scênciada
. Aereção sem
diferença levar
entre emdei
ambas conta
xa umseu correlato
resto,
uma perda, que é a do objeto @ como interseção entre o gozo
perdido e o desejo causado, animando-se ambas reciprocamente em
Deve-se colocar
regularmente também
sobre uma em equivalência
suposta dúvida a afirmação
entre olacaniana feita
gozo masculino
ligado à ereção e o gozo feminino experimentado como algo que as
moças designariam entre si como “o golpe do elevador”, um
conhecimento queL acan atribui antes à sua experiência viril do que
à psicanalítica. E evidente que há diferenças radicais entre os dois
partenairescom relação ao gozo. O que não se pode dizer é que tal
diferença seja universalizável.
A questão se coloca como relação com o sabe r e com o sabe r
36. S. André. Que veia une femme? Paris: Navarin, 1987 e Seuil, 1995; em
espanhol,Qué quiere una mujerlMéxico: Siglo Veintiuno, 2002.
<ozo e sexualidade 149
ascetismo,ado
provocam deslocamento
ereção químico
ou que sejam mediante
capazes substâncias
de provocar que por
orgasmos
estimulação de centros nervosos, da sublimação estética ou da dor
física absorve a imaginação e os esforços de poetas e cientistas.
T ambém de psicanalistas que entendem que o fist-fucking, as
práticas S/M ou a proliferação de encontros múltiplos e anônimos
podem revelar novas verdades.
A psicanálise tinha, desde o princípio, desde a resposta
consignada pelas histéricas e desde a pergunta que essa resposta
encobria, a missão
gozos orto-meta- de produzir As
e parafálicos. uma resposta
proposta diferente àpelos
s formuladas questão dos
analistas eram decepcionantes pelo erro comum de produzir
fórmulas supostamente universais ou universalizáveis. O colóquio de
A msterdã em 1960reuniu dois trabalhos, um de L acan3 9e outro de
Perrier e G ranoff,40 que propuseram algo novo a partir da
experiência analítica e que estão na base da elaboração
(relativamente) definitiva realizadapor Lacan em seus seminários de
1972-1973;4 1 neles a resposta oa enigma mil enar é alcançadapor
umaum
por viahalo
lógica
deque desemboca em fórmulas e formulações rodeadas
despudor.
A ausência de solução universal ao enigma do gozo feminino
conduziu à escandalosa (somente em aparência, pois de fato é uma
limita
espaçoa do
Coisa, condenando-a
significante ao silêncio
gozo fálico.
do e àsum
E ficaria filtrações inesperadas,
além, uma zona
de gozo que seria exterior, a do gozo que excede a significação e a
função fálica, aquele que faz da mulher uma não-toda (pas-toute),
cujas pistas - já que não conhecimento - nos dariam certas
experiências de místicos e paranóicos que vão além do órgão que
estorva como falo. E a área gozo do do Outro(sexo).
Este modelo é demasiado singelo. O problema é que com ele
perde-se a possibilidade de mostrar a continuidade e a oposição que
há entre os dois gozos do corpo (o central e o exterior) separados
pela colocação em palavras que faz passar o gozo pelo funil do falo.
Com os círculos concêntricos, a separação é absoluta e entre am
bos os gozos não há oposição, mas simples falta de contato. Por isso
é que proponho recorrer a outro modelo e a outra demonstração que
L acan usou em um contexto totalmente dif erente, o dabanda de
Moebius. É necessário neste ponto recordar o essencial desta figura
topológica. O leitor interessado nos detalhes técnicos e na utilização
156 Gozo
da banda.
Não nos conformamos com a relação entre três espaços visí
veis e claramente separados entre si, como são vistos em nossos cír
culos concêntricos, e por isso preferimos a banda, essa cinta com
uma meia torsão. Sabemos que abanda de M oebius que habitual
mente manejamos - a que fazemos juntando em uma cinta a borda
superior de um de seus extremos com a borda inferior do outro -
é uma falsa banda de M oebius porque sea cortássemos ao meio e
no comprimento com uma tesoura, o que ficaria seria novamente
uma cinta,
também queuma superfície
ao espaço compelo
aberto doiscorte
ladosnão
e duas bordas.por
se poderia, Sabemos
sua vez,
banda
cortar. Esse espaço que é virtual e intangível é a de Moebius
verdadeira.O intangível e incorpóreo espaço do corte é essencial
para nossa concepção dos três gozos e da separação entre eles.
Considero que o gozo do ser e o gozo do Outro (sexo), os dois
gozos que estão fora da palavra, têm a mesma falsa continuidade
daquela observada nafalsa bandade M oebius. É aí onde atesoura,
bonito objeto para indicar a função da castração, a intromissão do
esignificante fálicoproduz
mais preciso), (caso esse
se queira
vazio,dizer
essade um modode
separação menos
gozo intuitivo
srcinário
que abre as portas do gozo acessível aos sujeitos da palavra, o gozo
fálico, o dos e
ncantos edas decepções ilnguajeiras. Trata-se de um
gozo sem corpo, fora do corpo, na linguagem, que opera uma divisão
e um enfrentamento. O gozo do corpo fica agora dividido em dois,
armado de direito e avesso, fora da linguagem (figurado como corte
na banda de M oebius) que o partiu em umgozo do ser, anterior ao
corte e um gozo do Outro, seu antípoda, sua antífona, seu além, que
é secundário e inconcebível
A credito ter sem
explicado o por esse
quê corte.resistência em con
de minha
ceber os três gozos com o esquema simples dos círculos concên
tricos que carecia da riqueza heurística que devemos agradecer à
bandade M oebius e à oposição entre a banda falsa e a verdadeira.
adultos, de classe
às mulheres, média, definidos
monogâmicos em sua
e centrados no orientação sexual frente
par heterossexual como
paradigma da relação amorosa e nos valores do casamento e da
família. “Pressupõe que uma relação complementar entre os sexos
é tanto uma regra natural (tal como as coisas deveriam ser)” .54A
heteronormatividade não é apenas um complexo ideológico ou, se
o for, é no sentido mais radical: o de uma ideologia que configura
os seres àqueles que se dirige, classificando-os e fazendo-os sentir-
se estranhos a si mesmos queer
( , ou seja, “raros”) quando não se
ajustam ao sistema regulador.
Queer são, então, todos aqueles que não se ajustam a essa
norma: as mulheres, na medida em que não se assumem como
“complemento” dos homens; as minorias raciais e culturais; os
indigentes e sem família; os homens e as mulheres que buscam sua
satisfação pessoal em relações e encontros fora dos padrões
(genitais, heterossexuais); os que são objeto de segregação e
desconfiança porque seu modo de gozar queer,
é alien,diferente do
esperado. O esperado não é aquele estatisticamente majoritário, pois
em vista da diversidade queer,
do temos que a maioria da população
é a discriminada. Mas a ideologia oficial impõe-se pela força de um
biopoder (Foucault) que é efeito do discurso dos bons gozantes e
dos bons pensantes. O discurso é o instrumento transindividual que
exerce sua força performativa independentemente das instâncias do
sujeito, de seu acordo ou de seu desejo.
O biopoder se manifesta criando e distribuindo rótulos de
identidade que pretender dizer, a partir da norma, o que o outro é
em relação com o que deveria ser. Os sistemas classificatórios (a
psicopatologia em pimeiro lugar, desde fins do século XIX) são
poderosos discursos criadores de identidades anormais. O fascinante
processo de produção do queer foi estudado exaustivamente por
M ichel Foucault; ele abriu novas frentes para um saber renovador
queercom o sentido
e crítico. Foucault não chegou a usar a palavra
que ela tomou anos depois de sua morte e que prevalece até hoje.
Seus cursos noCollège de F rance55 são investigaçõesexemplares,
54. T. Dean. Lacan and queer theory. In: J ean-M. Rabaté (éd.).The Cambridge
Companion to Lacan.Cambridge: Cambridge Univ. Press, 2003. p. 238.
55. M. Foucault.Le pouvoir psychiatrique (1973-1973),Les anormaux( 1973
1975),Il faut défendre la société, (1975-1976),Naissance de la biopolitique
(1978-1979) eL ’herméneutique du sujet (1981-1982). Paris: Gallimard,
Seuil, 2003, 1999, 1997, 2004 e 2001. respectivamente. O conjunto cons
titui uma obra unitária e transcendente, cujo interesse para a psicanálise é
Gozo e sexualidade 161
Em termos
que pretende lacanianos
gozar além dapoderíamos
unificação dizer que
que se o Outro
queria é aquele
monopolítica
por parte do significante fálico. O gozo do Outro é o de quem se
distancia da norma; é um gozo suspeito, a que deveria limitar e
submeter àL ei. A L ei tem vocação de perversão enquanto nã o
reconhece outro gozo além do que vem à luz sob o sol do órgão
erétil do homem, do falo como sem blante. A ordem heteronormativa
seria: “todos ao redor do falo e de seu substituto, o nome-do-Pai”.
“Fora da igreja não há salvação” se dizia antes; “fora do nome-do-
Pai” tampouco, dir-se-ia hoje com um tapete falso e arcaicamente
lacaniano.
A teoria queer está ameaçada pelo seu próprio êxito.As
publicações se multiplicam, seus expositores são convidados para
desenvolver suas posições em todos os fóruns, as livrarias têm
prateleiras especiais paraesses livros, a academia - longe de isolá-
la - oferece-lhe um lugar proeminente. Seu impulso irreverente se
desvanece pelo surgimento de uma nova normatividade e pela
cooptação na distribuição do poder, pelo menos no intelectual.
Ninguém ou quase ninguém se faz defensor aberto do pensamento
straight, que passou a ser Não se terminou
politicamente incorreto.
com o sexismo, com o racismo nem com a homofobia, mas se
O é agora o de
conseguiu que esses devem ser ocultados.closet
quem se trai a si próprio com lapsos c sintomas que delatam sua
evidente, ainda que as considerações feitas pelo autor nem sempre sejam
"justas”. Cf. J. Derrida, “Être juste avec Freud”, inP enser la foli e. Essais
sitr Micliel Foucault. Paris: Galilée, 1992, p. 139-195, um texto que subli
nha ainjustiça na avaliação freudiana de Foucault.
162 Gozo
tenham ram
aprende repriamsupri
ido -mno
i-lassentido psicana
56lítico - suas perdas; é que
do discurso.
Desde o princípio os impulsionadores desse movimento
teórico e político estavam divididos quanto ao lugar que deveriam
dar, dentro de suas concepções, ao pensamento psicanalítico em
geral e ao lacaniano em particular. M uitos, particularmente nos
Estados Unidos, consideram que, além das discutíveis afirmações de
F reud e de L acan, eles não poderiam prescindir do aporte
psicanalítico e de valorizar a utilidade que a teoria e a prática da
psicanálise
assim comotêm nospara
anoso 1970
sucesso de seus
muitas objetivos.
pioneiras Por outro lado,
do feminismo
consideraram que Freud era maleo chauvinist pigpromotor das
desgraças das mulheres, existem vários autores que se lançaram e
ainda se lançam contra Lacan como seele tivesse sido umevangélico
da heteronormatividade, alguém que pretendia condenar as
perversões em nome de princípios patriarcais e discriminatórios.
Estes últimos são os que insistem em se opor a Foucault contra um
L acan a quem satanizam como o adversário. A luta em torno da
queer theoryé apaixonante.
psicanálise no seio da
Gostaria de poder dar conta das posições em jogo. Entre elas
o mais recente e decidido opositor
à teoria e à prática da psicanálise
é Didier Eribon, que dá título ao nosso último item deste capítulo:
T emos que eleger: é Freud (L acan) ou Foucault. É Foucault
ou a psicanálise. Creio que toda a grandeza do projeto
foucaultiano consiste precisamente no fato de que ele procura
destruir a teoria psicanalítica do psiquismo individual para opor-
lhe uma teoria da individuação como efeito do corpo submetido,
do corpo di sci pl inado.57
estranho e refr atári o - tudo aqui l o que co nti nua sendo alheio
a nossos modos normais e de sentido comum no pensamento -
acerca da a subjetividade
perspe ctiv humana.
anglo ame ri cana, f az a Isto, desde
psi can ál i se uma
de L aca n
parecer bastante queer (...) A psicanálise lacaniana pode
aportar munições que contribuem para a crítica queer da
heteronormativi dade.59
observar
históricas.naNoinfância,
sentido em
da estados primitivos
psicanálise, então, e em nem
épocas pré-
sequer o
interesse sexual exclusivo do homem pela mulher é algo óbvio,
mas um problema que requer esclarecimento.60 (Gri fos meus)
Freud sabia do que falava. Ninguém ignora que essa posição
teórica é o resultado da análises de suas próprias tendências e dos
saldos de sua relação com Fliess.
Não cansarei o leitor com citações que possivelmente já sejam
conhecidas. Sabemos que quando se perguntava a Freud sobre a
possibilidade de transformar a orientação sexual de alguém ele dizia
que era muito difícil, mediante a psicanálise, alguém passar da
homossexualidade para a heterossexualidade e vice-versa. Na
conhecida carta de193661 à mãe norteamericana preocupada com
homossexualidade
gays é uma enfermidade e que se deveria proibir os
de exercer a psicanálise.
L acan, que é censurado por haver sustentado em seus
seminários I (1953) e VIII (1960) que a homossexualidade era uma
modalidade da perversão, foi um admirador da obra de Foucault e
alguém que nunca fez, em sua trajetória institucional, outra coisa que
se opor a qualquer intenção de segregação dos psicanalistas em
função de suas preferências sexuais. A palavra “perversão”jamais
conteve, para ele, uma qualificação moralizante e foi pensada sempre
como uma constatação clínica que não devia se manchar com
valorizações que vulnerassem a neutralidade do analista. Lacan esteve
muito atento aos progressos conseguidos pelo feminismo na luta
pela igualdade e é evidente que suas teses sobre a feminilidade,
apresentada no Seminário Encore (1972-1973), são sua resposta às
críticas que se faziam às teses freudianas desde o M ovimento de
L iberação Feminina. Atrevo-me a dizer que suas concepções sobre
a repartição dos falantes entre homens e mulheres e suas teses sobre
o gozo suplementar são a contribuição máxima da psicanálise à
gozologia (erotologia) feminina na história da humanidade. A partir
delas o conceito de perversão mudou de signo e por isso podemos
sustentar que a perversão é a crença de que existe apenas um gozo,
o fálico, ao mesmo tempo em que desmente a possibilidade de um
gozo Outro.
Igual a Freud, cabe assinalar que a posição nítida do mestre
encontrou resistências entre seus mais próximos colaboradores.
A inda hoje é possível ler que alguns deseus seguidores- e não dos
166 Gozo
parciais e aspiram
sempre adiante na uma satisfação
busca de novasque não encontram
metas; e quedeimpele
d) a superação toda
perspectiva biológica ou biologizante para entender a sexualidade
humana; e) a afirmação do caráter transgressivo da pulsão que não
se ajusta com as metas do princípio do prazer, mas que as
prejudicam num percurso que leva o sujeito “além”; f) a tese de que
essa pulsão de morte é a essência da pulsão que sempre está mais
ou menos ligada às pulsões de vida; g) o caráter repetitivo da
168 Gozo
irredutível à linguagem,
imperialismo arrogante que sentido mas ainexplicável
conduziu voz cantantenos
natermos
história.doDaí
que L acan termine falando da perversão, em uma linha coerentecom
a freudiana, em termos de seu valor civilizatório e inovador, sem que
isso implique criar uma nova ética de signo inverso à que dominou
o discurso oficial, o do senhor.
Por isso é que a conclusão de Lacan, conseqüência de sua
invençãodo objeto de quea relação sexual não existe,
é a base
para toda teoria queer. Não há qualquer relação normal ou natural
entre os sexos. Seus gozos não são complementares e o único
acordo possível entre
heretogeneidade eles
que nãonemécomeça a partir
biológica nem do reconhecimento
A s diferenças da
natural.
culturais existem - que ninguém duvide disso - e elas são suscetíveis
de desconstrução.M as a diferença nos dois campos “a pa rte homem
e a parte mulher dos seresalante
f s”63não é uma ni vençãoda cultura
- sem que por isso se remeta a uma diferença biológica não é
suscetível de desconstrução,64não é, como alguns pretendem, “um
binarismo que é uma produção sexista”,65 uma construção que
poderia ser destruída na medida em que foi fabricada pela cultura.
Na perspectiva da psicanálise a contestação da divisão sexual em
homens e mulheres tem um nome: desmentidada diferença entre os
sexos (“já o sei, mas é assim”).
diariamente vitórias:
minorias sexuais igualdade
sequer jurídica;
pela igreja não discriminação
ou exército; das
direitos à reprodução;
casais e casamentos homossexuais reconhecidos pela lei; famílias
monoparentais; mudanças na legislação sobre o nome dos filhos que
antes impunha o patronímico; paridade nos postos de poder entre
homens e mulheres; abolição da cultura closet
do para os que vivem
fora danorma hetero etc. A psicanálise não pode senão aplaudir esse
movimento contrário aos ideais sociais milenares de adaptação a
normas repressivas; muitos são os que encontraram em sua própria
análise o caminho para se manifestar abertamente nesse sentido.
M as a exigência da psicanálise é mais radical e vai além dessas
conquistas necessárias que estão fortemente reconhecidas na
trajetória individual e teórica de Foucault como historiador e
desconstrutor das categorias segregacionistas, como denunciante
dos abusos do biopoder.
E justamente esse o valor da noção de gozo que Foucault
pretende desconhecer. Vejamos um parágrafo muito conhecido e
chave em nossa argumentação:
A sexualidade é uma figura história muito real, e ela mesma
suscitou, como elemento especulativo requerido pelo seu
f unc i onamento , a noção de sexo. N ão se deve acredi tar que
dizendo sim ao sexo se diga não ao poder; segue-se, pelo
contrário, o fio do dispositivo de sexualidade. Se mediante uma
inversão tática dos diversos mecanismos da sexualidade se quer
fazer valer, contra o poder, os corpos, os prazeres, os saberes em
sua multiplicidade e sua possibilidade de resistência, convém
primeiro libertar-se da instância do sexo. Contra o dispositivo da
sexualidade, o ponto de apoio do contra-ataque não deve ser
o sexo-desejo, mas os corpos e os prazeres.66 (Gri fos meus)
Foucault
feminino. que tem as
Na obra do dimensões
historiador de uma semicegueira:
e desconstrutor o gozo
os prazeres
aparecem como indiferenciados e as referências concretas se dirigem
sempre ao prazer dos homens, que eles podem alcançar com
homens, mulheres ou adolescentes. Um capítulo inteiro História
da
da sexualidade71 intitula-se “A mulher”, sem qualquer referência à
sexualidade feminina. Todo discurso gira em torno do casamento e
do lugar que a mulher ocupa como guardiã do lar do homem,
obrigada a prestar-lhe fidelidade: “O adultério era juridicamente
condenado e moralmente censurado pelo entendimento da injustiça
que o homem fazia àquele cuja mulher seduzia” (idem, p. 159). Que
ninguém espere encontrar uma linha sobre a mulher como sujeito do
“prazer”, muito menos como gozante. Raras vezes aparecem na
obra escrita e nas múltiplas entrevistas que concedeu, referências
explícitas aos movimentos intelectuais e políticos que agitavam a
sociedade nos últimos 15 anos da vida de M ichel Foucault. Por que?
Por ser a categoria de feminilidade uma invenção sexista? Para evitar
cair nas armadilhas do dispositivo da sexualidade sobrevalorizando
o sexo como fonte de “prazer” (já que não se falava de gozo)? Por
uma negativa geral em diferenciar, já que a distinção seria cúmplice
da segregação? Inclino-me a pensar “mal”, a acreditar que Foucault
não podia admitir outro prazer sexual que o masculino, homo ou
hetero; isso é secundário. Não sei o porquê deste desconhecimento;
nego-me a fazer psicanálise aplicada. Seu hagiógrafo disse:
para
e seusaber do sobre
silêncio despojamento de suas dos
a especificidade referências
prazeressobre o feminismo
femininos e das
práticas eróticas do sexo que não o seu.
Esta crítica a Foucault nunca poderia desconhecer a
importância capital de seus estudos antes e depois História
da da
sexualidade.Resumiremos nossas teses unindo-nos às conclusões
do já citado artigo de Tim Dean:7-1o conceito lacaniano de gozo é
uma ferramenta necessária para qualquer propósito de modificar o
campo epistemológico da vida dos seres que falam, de suas vidas
como realidades corporais. Infelizmente a maneira como Foucault
abordou o tema “dos prazeres”- desconhecendo sua diferença e
oposição ao gozo - levou muitos teóricos queer e também alguns
psicanalistas a ver com otimismo o prazer, como se ele não estivesse
emaranhado pelo seu “além” e pudesse se expandir sem encontrar
outras barreiras que não as culturais àquelas que haveria de
desconstruir. Nessa utopia foucaultiana pareceria que os obstáculos
à felicidade sexual dos corpos fossem um simples plano mal
concebido proveniente do exterior; como se não existissem barreiras
internaspara o prazer, inerente à montagem linguageira da pulsão.
E absolutamente ingênuo supor que o sexo possa chegar a ser apenas
uma questão de prazer e afirmação de si, de cuidado e de domínio,
no lugar de ser o ponto onde necessariamente um se encontra com
Deciframento do gozo
perável travestido
sem sabê-lo, uma no sentido.
perda. Para Enós,
não ohámodelo
dito sem
do dizer.
dito é Oo dito
que disse,
se diz
na análise. A psicanálise tem um material sobreo qual trabalha: a di
ferença entre o dito e o dizer. Há sempre um destino inelutável que
se impõe à cadeia dos significantes e que se pretende perdoar na
8. J . L acan (1973).L e seminaire. L ivre XX. Encore. Paris: Seuil, 1975. p. 95.
9. J . L acan (1970). A. E., p. 515.
10. J . L acan (1973). A. E., p. 449.
Deciframento do gozo 181
2. A carta 52
18. J. Gorostiza. M uerte sin fin. In: Poesia completa. México: Fondo de Cul
tura Económica, 1984.
Deciframento do gozo 185
de
vê, seu
estádeciframento
imposta pelainconsciente.
razão e pela Esta construção
experiência; não linear, como seé
é facultativa,
imperativa.
O inconsciente - isto é Freud, isto é L acan, isto é a psicanálise
de todos ede sempre - já é um discurso, uma passagem do gozo
à palavra, na qual um significante não significa nada se não se articula
com outro significante. N este caso, o que é significado e
representado pelo significante é o sujeito, sujeito do inconsciente,
efeito da articulação. Agora refulge, inapelável, o dito de L acan: “O
inconsciente se articula pelo que do ser vem ao dizer”.19Do ser do
gozo ao “penso” do sujeito da ciência e aí, entre os dois, a
articulação do inconsciente.
O inconsciente é manifestação da verdade, de “isso” do ser que
vem ao dizer. Mas a verdade, que assim fala, não diz a verdade. Os
processos primários produzem uma transposição, Entstellung
uma
da verdade que veiculam. O gozo chega ao dizer filtrado pelas
malhas da linguagem. Uma vez produzido esse dizer - o menor relato
de um sonho basta para comprová-lo -, é necessário um novo
processo de deciframento para se incorporar esse discurso dentro
do campo do sentido. Esse trabalho recebe de Freud o nome preciso
de Deutung, interpretação. Para evitar confusões, é necessário
manter a distinção que existe entre a operação que se faz sobre uma
escritura que é umdeciframento(o modelo é o dos hieróglifos), e
a operação que recai sobre apalavra tal como ela é proferida pelo
interpretação.
analista na situação da análise e que é A ssim, o gozo
21. S. Freud (1901). Sobre los suenos. Obras In: completas, v. V, p. 654.
22. J. L acan (1973), La troisième. Lettres deFÉcole Freudienne, n. 16,1975,. p41.
188 G ozo
é umproponho:
que percurso de levado
queponta gozo à
a ponta dosublimação
gozo. ? E a fórmula
E de imediato dou-me conta: não estou enunciando algo novo,
nem estou pondo às claras um aspecto desconhecido do pensamento
de L acan, mas estou regressando, armado com o rasenal das últimas
referências do ensino deL acan, às origens dapsicanálise. Pois o que
encontro ao recapitular o escrito sobre uma linha com dois extremos
e com três estados intermediários que são o cifrado, o deciframento
e a interpretação produtora de sentido, não é nem mais nem menos
do que a reprodução literal do esquema desenhado em todos os seus
pontos por Freud nacélebre carta 52de 6 de dezembro de 1896,
que agora conhecemosem uma versão não ex purgada.2
4
O texto é acessível e conhecido por todos os psicanalistas, mas
in extensopara deixar claro até que
não obstante requer ser citado
1 II III
w Wz Ubw Vb Bew
X X ■> X X - X X - X X - > XX
Do que seque
Warhnehmung trata?
em De um registro
alemão implica direto da experiência.
claramente De uma
a apreensão da
verdade, do real tal como cai, golpeia, marca um ser que recebe o
impacto e não conserva traços nem memória do acontecido. Para
evitar o equívoco com a concepção tradicional, psicológica, da
percepção, que supõe o sujeito como já constituído e como
constituinte das percepções que seriam uma função dele, do
percipiens considerado fonte e srcem do perceptum,penso que é
preferível recorrer aqui ao termoimpressão
de no seu duplo sentido
daquilo que impressiona (uma placa ou película sensível) e daquilo
que se imprime, que fica gravado. São, pois, impressões
assubjetivas,acéfalas, feitas em ninguém, matrizes de uma escritura
da qual um sujeito advirá.
A idéia está claramente exposta pelo próprio Freud quando,
muitos anos depois, exporá sua analogia do psiquismo com o
Wunderblock,com o bloco mágico,25no qual a inscrição feita com
um estilete sobre uma superfície de celulóide se faz sem deixar tra
ços no próprio celulóide (uma vez que não se levanta), mas deixando
as marcas impressas em uma película de cera macia colocada de
baixo. Estas impressões sem memória que estão no extremo do apa
relho e que deverão ser recuperadas (ou não) pelas inscrições
posteriores são a inequívoca manifestação de um real srcinário do
sujeito, anterior à simbolização, que é o próprio Gozo e remete
ao conceito freudo-lacaniano da Coisa. O conjunto do aparelho
25. S. Freud (1925). N ota sobre la pizarra mágica. In: Obras completas,
v. 19, p. 239.
Decifrarriento dogozo 191
todos osdias,
lado da pura aescritura,
cifra. Uma cifra semcarente
hieróglifo sentido. de
E linguagem,no
palavra, maqual
s do os
elementos são alheios à organização do discurso, no qual não há um
agente da palavra que se dirija a um outro para estabelecer um
vínculo social. Fora do sentido, mas pronto para carregar-se de
sentido. Para isto, é necessário que se produza “o sorteio”, que se
instaure uma série, que o número, além de sua função cardinal, se
"ordene”, que seja “um” na série dos números, que seja “esse”
número na relação dos que saem sorteados com os da outra série
de números;no caso da oteri
l a, a daordem dos prêmios.28
O Isso é um conjunto de elementos gráficos, não submetidos
a nenhuma hierarquia organizacional, totalmente comparáveis e in-
tercambiáveis entre si, alheios à contradição lógica ou dialética, puras
positividades que não conhecem a negação. É o império do gozo (do
ser) anterior à organização subjetiva, sendo esta um efeito da orde
nação que, no reino do significante, impõe a metáfora paterna. Sa
bemos que o nome-do-Pai entroniza a primazia do significante fálico
que esvazia o gozo do corpo fazendo-o passar por uma zona estri
tamente
Isto,limitada do corpo (gozo“lacaniano”
tão essencialmente álico),
f submetida
comoà é,
Lei.está afirmado
com todas as letras por Freud na mesma carta 52 que expõe esta
topologia retilínea do gozo e da palavra, de seu ciframento e
deciframento.
Por trás disto, a idéia de zonas erógenas resignadas. Ou
seja: na infância, o desprendimento sexual seria recebido de
numerosos lugares do corpo, que logo são apenas capazes de
desprender a substância de angústia de 28 [dias], e não já as
outras. Nesta diferenciação e limitação [residiria] o progresso da
“neurônios-percepção”,
Fica, assim, o aparelho esses
como que
umapreferi chamar
linha na qual odeordenamento
“impressões”.
sucessivo implica a anulação do tempo em cada um dos dois
extremos. O gozo atemporal está figurado em cada uma das duas
pontas da reta que atravessa por a) o cifrado, b) o deciframento
inconsciente e c) a interpretação que dá sentido no pré-consciente
quando se liga a experiência vivida com a ordem da linguagem
oralizada, feita oração, articulada como proposições submetidas à
lógica dos processos secundários, suscetíveis de serem catalogadas
como verdadeiras ou falsas.
Freud completa sua descrição do aparelho assim constituído
afirmando que entre um e outro sistema existe uma incompatibilidade
de leitura ou de código que obriga que as inscrições que caracterizam
cada um deles devam ser traduzidas para passar de uma modalidade
de inscrição para a seguinte. Esta teoria vale tanto para o psiquismo
normal como para as neuroses - concebidas como efeitos da
repressão, ou seja, da impossibilidade de “tradução do material
196 Gozo
sistemas topologicamente
escriturai diferenciados
o um, e palavreiro o outro, dee tratar
dois modos diferentes,
as para sempre
irrecuperáveis impressões srcinárias.
A seqüência, em síntese, é: do gozo bruto (W) ao Isso (Wz)
do Isso ao Inconsciente (Ub), do Inconsciente ao Pré-consciente
(V b) e do Pré-consciente à C onsciência (Bew); este não é um
sistema de inscrições, mas um momento vivencial que retoma o
so that the neurones of consciousness
ponto de partida inicial (“...
would once againbe perceptual neurones and in themselves without
memory”)29 (grifos meus).
freudiano da carta
gozo do objeto, 52, percepção
substitui Wysignificante,
e Bew, o gozo,
e consciência,
o sujeito cindido pelo substitui
o próprio significante e anula a seqüência temporal da palavra
ordenada no discurso.
É isto que descobriu e é nisto que se equivocou M areei
Proust, totalmente à margem da investigação psicanalítica, enquanto
trabalhava em uma substância que é a mesma da análise: o gozo.
200 Gozo
da
daí memória em relação aoO“atrás”
ego sum,aqui-e-agora. sujeitoeproustiano
de desejo em relação
emerge à “frente”;
como tal a
partir de sua escapada da “ordem do tempo”, ou seja, da ordem de
uma vida psicológica centrada na construção fantasmática do ego.
A ressurreição, a recuperação do gozo do eu verdadeiro que parecia
morto porque estava sepultado, é uma epifania do real inefável,
ilustra a saída da ordem do discurso que instaura o tempo passado
como morto e o tempo futuro como tempo da morte. O presente,
tirado do tempo, é ao mesmo tempo um instante fugaz e uma visão
da eternidade. A nulados e postos delado o simbólico e o imaginário,
resta tão-somente o resplendor do real puro, que dissolve a
subjetividade, que merece o nome de “alucinação” no discurso de
Freud ede L acan. O sujeito encontra-se com o objeto causa de seu
desejo sem a interposição do fantasma. Tal é o sentido da manuseada
fórmula lacaniana do “atravessamento do fantasma”.
V ive-se. Corpo e linguagem. Outro que é o corpo, não-eu, e
Outro que é a linguagem, tampouco eu.Eu é o representante
imaginário do sujeito, que pretende suturar esta divisão entre duas
substâncias alheias e estranhas. Sobre o corpo se estampa a marca
da experiência vivida, uma experiência para ser significada com os
signos do Outro da linguagem. Os sabores das madalenas, as sonatas
de V inteuil, as imagens das árvores eos campanários. Para o sujeito
habitado pela palavra, resta um recurso, a evocação, a memória, a
ordenação seriada, as referências espaço-temporais. Um recurso que
proporciona pálidas imagens, desocupadas pelos processos
secundários do pensamento, decepcionantes, carentes de vivacidade,
mortas, fazendo pensar no que elas eram quando estavam vivas,
204 Gozo
Isso, que nã
o deixa nunca deestar presente como pano de fundo
de toda a experiência. O traumático não como agradável ou
desagradável, fora do registro do sensível para alguém, do
“patológico” (no sentido kantiano), mas como excessivo,
inassimilável, produtor de um fading do sujeito. No reencontro do
Tempo proustiano, na “identidade de percepção” freudiana e no gozo
lacaniano, temos este denominador comum da abolição tanto do
tempo quanto do espaço que marcam a subjetividade.
Neste ponto da exposição é difícil resistir à tentação de citar
e glosar toda a experiência que Proust relata na biblioteca dos
Guermantes e que é o ponto de partida (mítico) da escritura de seu
livro. T rata-se desse ponto do relato em que, depois de 3.200
páginas de novela, o autor percebe que tudo nele fora uma preparação
para o momento em que tropeçaria com uma ressurrreição das
sensações que, como marcas de srcem, orientarão sua vida. Na
concepção que venho desenvolvendo, trata-se do momento do
encontro dos dois extremos da linha reta descrita na carta de Freud.
Deslizava-me rapidamente sobre tudo isso, mais
imperiosamente solicitado pelo caráter de certeza com o qual se
impunha esta felicidade do que por buscar sua causa, busca em
outro tempo demorada. M as eu adiv i nhava est a causa a o
comparar as diversas impressões felizes que tinham entre si em
comum o que eu experimentava nelas ao mesmo tempo no
momento atual e em um momento distante, até sobrepor o
passado no presente e fazer-me vacilar em saber em qual dos dois
me encontrava; para dizer a verdade, o ser que então saboreava
em mim esta impressão a saboreava naquilo que ela possuía de
comum com um dia antigo e agora, naquilo que tinha de
extratemporal, um ser que apenas aparecia quando, por uma
dessas identidades entre o presente e o passado, podia se
encontrar no único meio em que pudesse viver, gozar da
essência, das coisas , ou seja, f ora do tempo” .34 E co ntinuo
34. Devolvo a vírgula que separa “da essência, das coisas” que todas as edi
ções francesas e espanholas omitem por considerar que é um “erro evi
dente”, v. III, p. 1134, em referência ao v. III, p. 871, n. 6. Considero que
ali não há um “erro” de Proust, mas uma absoluta exatidão tanto nas pala
vras como na pontuação da frase.
206 Gozo
regulado
a travessiadedasignificações segundo
paraorecuperar,
barreira do sentido conjunto da línguadoe,vaguear
depois finalmente,
palavreiro, a verdade de um sujeito exilado do gozo.
A vi rtude (...) do gaio saber (...) não se trata de mordi scar
o sentido, mas de rasurá-lo o mais possível sem que faça liga para
esta virtude, gozando do deciframento, o que implica que o gaio
saber não produza, ao final, senão a queda, o retorno ao
pecado.35 (1971 )36
O Proust da cena da biblioteca sente e vive a recuperação do
gozo
memória,que do
é apresente
anulaçãododofantasma
tempo na superposição
e do do passado
futuro do desejo em umdains
tante de epifania e imortalidade. Os objetos de suas rememorações
se carregam para ele de sentidos ocultos. Eles assumem o caráter
de hieróglifos que pedem para ser decifrados; este deciframento “era
difícil, mas apenas ele fornece alguma verdade para ler” (v. III,
p. 878). Apenas ele, “porque as verdades que ainteli gência captadi
retamente com toda clareza no mundo da plena luz têm algo menos
profundo, menos necessário do que aquelas que a vida nos comu
nicou ao nosso pesar em uma impressão, material posto que entrou
por nossos sentidos, mas do qual podemos apreender o espírito”
(ibid.). Estas impressões compõem-se em nós como um livro, “um
livro de bruxarias complicado e florido”, frente ao qual não temos
a liberdade de escolher, mas que se nos apresentam como revela
ções de nosso ser verdadeiro e oculto.
Quem poderá ler por nós este “livro interior de signos
desconhecidos”? Quem poderá dizer que o tenhamos
verdadeiramente lido quando a leitura “é um ato de criação”, ou seja,
que constitui retroativamentenachträglich
( ) ao lido, no qual a
escritura se constitui como prévia a partir de sua leitura? Qual era
a ordem de realidade de Em busca do tempo perdido antes de sua
escritura pelo sujeito Proust? Do livro pode-se afirmar aquilo que
L acan disse do inconsciente: nem era nem não era, pertencia à
ordem do não realizado. Sua escritura o cria e ao criá-lo o projeta
distinguir
E para quê?o que
Paraé idêntico
chegar ae uma
para nova
não confundir
escritura, opara
que que
é diferente.
o gozo
decifrado se inscreva em um ato que faça passar ao real o efeito
desse deciframento. Aí onde o sujeito sabe de uma vez por todas
quem é a partir da certeza que deriva de uma ação que inscreve seu
nome próprio como conseqüência dessa ação. Historizando.
Porque- dito comas melhores palavras - os atos são nos
so símbolo. Qualquer destino, por longo e complicado qu
e seja,
consta na real
idadede um único momento: o momento emque o
homemsabeparasempre queé [pois] um destino não émelhor
que outro, mas todo homemdeve acatar o que leva dentro.37
A o final do percurso não há
, não pode haver, umasuperação
da partição constitutiva do sujeito, essa partição imposta pela
estrutura entre o Um do Gozo e o Outro da linguagem. Mas
da subjetividade
escritura comdarespeito
objetivada ao saber,
qual o falante a um saber
é efeito, sem sujeito,
como “resposta do
real”.38-19
Para alcançar esse resultado deve-se atravessar muralhas de
compreensão, de sentido, de significação, de apego aos marcos
consensuais da realidade, às certezas compartilhadas, à ideologia de
um saber totalizanteque é efeito do discurso daUniversidade (pelo
caminho da “educação” e-duceree pelo caminho da uniformização
das representações por meio da indústria da comunicação).
Recordando sempre que o falante goza, mas seu gozo o horroriza
e dele nada quer saber. Que o Um se apaga, mas é de extraordinário
desconhecido no discurso que é o discurso do Outro; que as
estruturas constituídas do sujeito tendem a obturar este nível do gozo
como matriz do falante.
A o final do percurso, podemos refazer ahistória: a de Freud,
com sua apreensão genial do conjunto da estrutura psíquica na carta
52 e seu paciente trabalho de recherche que o leva a centrar-se
primeiro no trabalho
do inconsciente. de interpretação,
A partir Deutung,
de frustrados
de sonhos, atos das formações
e sintomas,
estebeleceu o católogo dos recursos que possibilitam que se
outorgue sentido às manifestações aparentemente absurdas dos
processos primários. Logo, gradualmente, resistindo-se a ele, admitiu
que este inconsciente já é tradução e passagem pelo rodamoinho da
palavra de uma realidade mais fundamental, sincrônica, real, à qual
denominou de Isso. Por seu lado Lacan, mais de meio século depois,
refez o caminho: partiu da experiência analítica que,
fenomenologicamente, é experiência da palavra, perdeu-se ao
confundir Isso e inconsciente em sua célebre fórmula gnômica:Isso
fala e logo distinguiu os dois planos: enquanto o inconsciente é
palavra e fala, é discurso (do Outro), o Isso goza e está feito de
signos, não de palavras. E possível que nestes termos a distinção
seja esquemática e que caiba uma precisão adicional. O inconsciente
não apenas é discurso do Outro, mas está sim, por sua vez,
38. J , L acan (1973)./!. É , p. 458.
39. J .-A. M iller (1983-1984). Seminário: Des réponses du réel.Inédito.
Deciframento do gozo 211
O gozo na histeria
1. O psicanalista e a histérica
detalhes este
expressão sintagma freudiano.
é pleonástica. Suponho que
Pois a transferência é a por achar aque
neurose, esta
neurose
necessária para que a análise progrida.
A neurose entra na transferência e assim o sujeito da neurose
entraem análise. A “satisfação sexual substitutiva” queera o sintoma
se desloca agora sobre a figura do analista e o gozo que se ancorava
no sofrimento muda agora de ancoradouro. Pois não fica à deriva,
não, quando se assenta no nível do discurso, ou seja, da pulsão
vocal, modalidade daTrieb que apenas foi entrevista (por Robert
Fliess) antes de L acan.
A análise
mudança poderia serdoo gozo.
na localização cenárioSim;
e o há
porto
umde destino
gozo desta do
da análise,
cumprimento da regra fundamental, do contrato analítico, do
enquadre discretamente erotizado no qual “tudo” poderia acontecer
sem que “nada” aconteça, dos intercâmbios de discursos e
interpretações, do falar e do ser falado. E uma das ciladas da análise
e, por vezes, das mais difíceis de romper pela “trama de
satisfações”2que é capaz de envolver tanto o analisante quanto o
analista que não saiba estar à altura de sua função.
A histérica e o analista inventam-se reciprocamente com relação
ao gozo. O edesejo
contenção canal do
de analista deverá,
evacuação para então, aparecer
esse gozo; como
se não vala de
consegue
fazê-lo, o estancamento da análise é a conseqüência inevitável.
A palpa-se aqui a dimensão de gozo da transferência que é, como o
queria Freud, modalidade da resistência, sem por isso deixar de ser
o motor daanálise. Transferência do gozo, dos undos
f depositados
no banco do inconsciente, do capital quantificado, cifrado.
A histérica quererá ser escutada se o Outro quiser que lhe fale.
Não se trata de um encontro fortuito, mas do cumprimento de uma
exigência estrutural. Ela demanda ser ouvida, pede o tempo do Outro
como medida do desejo de sua palavra. O discurso, diferentemente
do instante do olhar, requer tempo para ser desenvolvido e é assim
que o tempo se torna objeto e o discurso tem de se armar dos
beneplácito daquele
sua vítima, mas seu que pede para
cúmplice. Não ser seduzido,
excessivo, que nãorecordar
portanto, é, portanto,
aqui que o ato analítico está determinado pelo gozo e pela necessidade
de se preservar dele.
A histérica é entusiasta da análise, uma análise que lhe custa,
que avança em meio a imensas dificuldades, das quais se queixa, mas
que não acaba de recomendar e ate exigir àqueles que a rodeiam.
A ssim, dá a partida a análise, com a exposição detalhada os d
sofrimentos e da responsabilidade que o Outro e sua traição ou
ingratidão têm em si. Atendendo aos signos do ntere
i sse do analista
que ele deixa escapar para aderir à sua demanda, para lhe oferecer
em abundância os dados, os sonhos ou as associações
transferenciais vividas como demandas formuladas a ela. É o que
os médicos e hipnotizadores de antigamente haviam conhecido
como um traço de caráter e que batizaram com o nome de
“sugestionabilidade”. Esse traço deu base a Freud para escrever um
inesquecível capítulo de sua psicologia das massas.
Com um desespero por se fazer amar que a leva a crer que
ama... e daí apaixonar-se não há mais do que umpasso. A espreita
de manifestações do desejo do Outro que puderam se filtrar como
demandas e pronta para satisfazer tais demandas, para sacrificar-se
inclusive até a imolação.
Esta disponibilidade para aquilo que o Outro pudesse demandar
aparece como uma “plasticidade” especial que contrasta com o
outro pólo que é a “rigidez” obsessiva. Que o Outro diga o que lhe
O gozo na histeria 219
falta para ser dado, para que ela se dê no lugar da falta do Outro,
ou seja, para se identificar, para chegar a ser o desejo do Outro.
Se o Outro quer ser um escultor que plasme os seres humanos
segundo formas ideais, encontrará na histérica a argila maleável que
lhe permitirá ser um Pigmaleão.
Se o Outro se entregou a uma causa que o uniformiza, ela se
apaixonará pelo uniforme que foi investido como objeto do desejo.
A ventais de médicos, batinas de sacerdotes, togasde magistrados,
belezas da ostentação e da maquiagem, eloqüências do dizer e
poderes da política que atuarão assim como objetos imaginários aos
quais se prenderá o sujeito em uma dimensão quase etológica.
Encanto suave do apagamento do eu na-identificação com o ideal do
eu do Outro. A salvação na Causa.
M ais freqüente é que o objeto queo Outro reconhece também
seja uma mulher, a Outra mulher. A pareceaí a perguntapelo atributo
que a Outra tem como segredo da atração que sobre ele exerce e da
identificação com o que pode ser o motivo da atração entre eles. O
papel de intermediária e de espiã dos segredos do amor lhe vem a
propósito. Operará como “procuradora”, como juiz e, parte, como
“a convidada” (cf. Simone de Beauvoir), como elemento que
sustenta as intrigas, identificando-se e escutando as queixas de uma
e outra parte, como Dora, representando os papéis que a trama lhe
inspira.
Quer se encarregar do gozo, extraindo-o da suposta jazida que
é o Outro e para isso não há caminho mais curto do que confundir-
se com ele, entrar em sua bolsa. O gozo é uma essência que lhe
escapa e que apenas poderia ser fixado sobre a base de reconhecê-
lo e pegá-lo no Outro, um Outro que deve ser construído, esculpido
e defendido a qualquer custo. O Outro que é o assento de um gozo
ilimitado, o Pai ideal, primitivo, morto desde sempre, do mito
freudiano
todos que ela, a histérica, empenha-se em sustentar além de
os desmentidos.3
A esse gozo alheio e fugidio trata ela de mimar, fazendo
semblante dele (“artifícios”, diziam os clínicos depreciativos). Em
uma atuação à qual não concede maior confiança, insegura de
@ 0 A
-cp
de
comdesespero que se
seus próprios geram
limites em torno
frente a umadela. O Outro aparentemente
experiência, se confronta
imprevisível, que o insta a atuar e logo o preenche de reprovações
por sua atuação. Toda vez que o Outro resolve fazer algo em prol
ou contra a demanda histérica, demanda de que se responda a seu
oferecimento eentrega, el a se subtrai à homenagemou à reação que
suscitou. Não é isso que ela queria. Seu desejo continua sendo um
desejo insatisfeito. A indiferença, quando não o franco desdém, são
respostas à mobilização do Outro. Insensibilidade que também o é,
ou que primeiro é, do corpo. O alimento ou a bofetada, as carícias
e o sexo, os adornos e as vestimentas que realçam ou que desme
2. Em função dogozo
Estapôde
homem, contestaçãoque
fazer do falo
um co m, ao
livro mesmo tempo,
imprescindível amimese
levasse do título
o justo
de O feminismo espontâneo da histérica.A pergunta histérica é
consubstanci
ai à pergunta sobre afeminilidade. A respostalacaniana,
“não-toda”, é pouco convincente para a histérica que se joga ao “tudo
ou nada”, oscilante, sempre temporário e desejante de um definitivo
que sele para sempre o estatuto de “a mulher”. Daí também que a
fórmula do discurso histérico inclua esta busca reiterativa de um
senhor que possa responder sem ambigüidade à pergunta pelo ser
da mulher:
S -» S,
(2> // S2
identificar com sese falo que éparao pai uma mulher além da mulher
(castração masculina).
Na dupla da bela e da fera, como já disse, o gozo está
garantido para ambos. Com uma dupla cujo desejo é, em essência,
um desejo insatisfeito, produz-se para certos neuróticos uma
excitante situação de desafio, um aguilhão permanente para gozar
coo1,o sintoma, sintomaprivilegiado “de todo homem”,13que éessa
mulher. -Ser o príncipe do beijo despertador é um fantasma
complementar ao da bela adormecida, assim como o é também o de
ser quem detém os segredos do gozo feminino, superando nisso o
resto dos homens (jmrtenairesinconscientes do ato [homo]-sexual).
Por outro lado, se ela é porta-estandarte de um gozo duvidoso que
estaria além do falo, ele pode se satisfazer com a convicção de que
a vida de casal parece trazer-lhe que não há outro gozo mais do que
o seu, o fálico. E, se ela recusa o álibi e o curto-circuito do prazer,
prolongando e postergando as ocasiões de satisfação, ele percebe
que esta inacessibilidade sustenta sua ereção e pode montar cada
(des)encontro sexual sobre um cenário de violação e estupro.
Pois a ausência e a indiferença ante o desejo elevam o gozo à
condição de um absoluto inalcançável com o qual se consuma a
façanhaE de
gozar. gozar não
o desejo ao quadrado pelo
falta, mas, fato
nela, (noinsatisfeito,
está leito) de gozar
pois de
ela não
não
se engana, pede o falo e sabe - bem e muito bem- que o pênis não
é senão um simulacro descartável, incapaz de assegurar o gozo. Seu
partenaire é, além do varão, o Pai primitivo, dono de um gozo
irrestrito, não submetido à castração, exceção inalcançável que
inscreve a regra da falibilidade de todos os outros. O desejo fica
insatisfeito porque ela não é incauta, comprova uma e outra vez a
castração do Outro c recebe dessa castração seu próprio valor fálico;
por não tê-lo, chega a sê-lo,non-clupe,
é pois sabe que o pênis não
é senão a metonímia do falo. (Não quer falar com o palhaço, mas
non-dupes errenf,essa é a essência
com o dono do circo.) Claro, os
da neurose. Muitas vezes, vem curar-se de sua incapacidade para
se deixar enganar, da astúcia com que torna seu desejo um desejo
insatisfeito, de sua perdurável engenhosidade para criar insatisfação.
esuposição
que é insufi
dociente.
saberMabsoluto,
esmo que, esforce-se
e ainda maispor
quadotá-la
ndo, seduzido pela
da resposta. E
que o gozo procede justamente da revelação da insuficiência do
senhor, de sua impotência e de sua castração. Ela o põe a trabalhar,
mas as palavras que ele diz não fazem senão exibir sua falência
(carência de falo). R ecebe com ceticismo o saber que lhe é
oferecido: “Sim; está bem, mas... não é suficiente, algo, não sei bem
o quê, falta”. O clínico se assombra ao ver que toda palavra sua é
corrigida por ela, ainda quando é simplesmente a citação textual do
que ela disse. E que nenhuma palavra poderia dizer o ser dela e
sempre se aferrará à sua diferença, essa diferença que não quer nem
pode ceder, já que
sua castração, essa (pre)sente
castração que sersedita
à que pelo porque
aferra, Outro ésupõe
reconhecer
que é
o que o Outro quer e que o Outro gozaria com ela. O analista deve
O gozo na histeria 229
C riando
fabricar a faltapostiço,
um desejo a ser (dese
umjo) no Outro
simulacro deédesejo.
possívelPois
paraé ela
essa falta
no Outro que opera como molde e como modelo para sua
identificação: ela será isso que falta. Deste modo, alcançará uma
S -» S, S2 _> @
@ S; S, S
(Freud)
seração epor
deestar
negação
unidodaa feminilidade.
uma mulher tãoO pai se faz digno
insuficiente e elade comi
está dis
posta a se identificar com o que falta ao pai, com a Outra mulher
que poderia lhe ensinar o que é uma “verdadeira” mulher, com as
senhoras K. Assim é como a filha se torna o que preenche a falta
em A, assumeo lugar de |)<e não de menos, minúscula, reveste-se
de um valor e de uma significação fálicos. Sua vida está submetida
aos significantes do desejo do pai, ou seja, de ua
s castração. Vive,
então, para obedecer ou para repelir esta demanda, oscilando em suas
identificações. Tanto no positivo como no opositivo, são esses sig
nificantes os que a guiam pelo mundo sem que ela queira saber de
tal dependência assimiladora. A firmando, pelo contrário, sua singu
laridade, pretendendo ser reconhecida como “ela” e descrevendo-se
aqui no México como alguém “m uito especial” e derretendo-se ante
qualquer um que lhe diga que é “muito sensível”.
3. H isteria e saber
sempre subtrair-se a esse gozo alheio para confirmar seu valor. Pois
é pela falta dele, d’Ele, que ela alcança valor fálico, valor de gozo.
M as nada lhe consta disso se não for pela insatisfação que pode
trazer e que traz o desejo.
A relação com o gozo do Outro a define nesse difícil papel de
se oferecer para a satisfação ao mesmo tempo em que se subtrai
para que o desejo insatisfeito a sustente no lugar fálico-narcísico da
plenitude que imaginariamente poderia trazer ao Outro e que a leva
a controlar constantemente seu peso na báscula do Outro. M as
assim fica em dependência das altas e baixas em sua cotação,
exposta a impredizíveis vai-e-vens que são causa e razão de
freqüentes feridas narcísicas disso que os psiquiatras de hoje
qualificam “depressões” e alimentam com medicamentos.
Basta que com o Outro se desdobre, se “farte” (nos dois sen
tidos) dela, lhe signifique de algum modo que “não precisa dela”, a
desbanque de seu fantasma de ser indispensável, coloque outra ou
um equivalente qualquer em seu lugar para que ela fique privada
da razão que havia construído para a sua existência, sem fundos
nem fundamentos, infundada. É então que sobrevive sua identifica
ção ao objeto @ como desfeito e o gozo se manifesta como repro
vação e autocompaixão masoquista, com o inventário infindável
das ingratidões de que é vítima. Sobre isso tem necessidade de fa
lar, encontrar uma alma gêmea que seja sustento de sua “neces
sidade de comunicação” a partir desse “nada” que sente ser e que
entrega com generosidade, disposta sempre a voltar a ser o “tudo”
do Outro.
Com a insatisfação como meta prometida ao desejo e o rancor
conseqüente, com a contestação merecida da infalibilidade fálica,
impõe um estandarte inalcansável que cria um abismo entre o desejo
e o gozo. Essa diferença é preenchida pelo sintoma. O desejo
insatisfeito
do que a sisemesma
faz gozo da conversão
como e a fazem
os delirantes ele se com
apegaseu
amando-o
delírio, mais
aferrando-se à queixa e mostrando seu ser por meio do sofrimento.
O sintoma está feito de gozo desconhecido e aninha nela as cinco
resistências descritas por Freud em 1926:21 a compulsão do Isso, o
franca oposição
fundamental, umaentre prazere
mais, notadagozo. E estaGallano
pr Carmen é ,2uma diferença
2 entre histeria
e perversão. Para o perverso, ogozo é buscado e muito difícil, se
não impossível, distingui-lo do pnzer. Poder-se-ia dizer que completa
a façanha de viver o prazer com) gozo. Enquanto, para a histérica,
o gozo é desprazeroso, doloroo, vergonhoso e asqueroso. Se o
gozo do perverso é monótono en sua colocação em cena (poucos
livros são mais aborrecidos do Osqe 120dias deSodoma,uma vez
que se tenha capta
do o plano o^anizador matemático que o rege ),
o gozo da histérica assombra pir seu polimorfismo, seu caráter
proteiforme, sua impossibilidade e se fixar. Claro que sem exagero:
3X.OX
VX.OX,
É preciso dizer que em todo este capítulo que chega a seu fim
fez-se referência à histérica como se se ignorasse que um dos pri
meiros achados de Freud na nova clínica das neuroses foi o de ca
sos de histeria masculina e como se não se conhecesse o trabalho
que L ucien Israel26 escreveu sobre o tema. A razão, não por conhe
cida, deve deixar de serepetir: não se tratade uma diferenciação em
função da sexualidade biológica, mas de uma eleição inconsciente
entre os dois campos, do homem e da mulher, delimitados pelas fór
mulas da sexuação. Neste sentido, os casos não pouco freqüentes
de histeria masculina também são casos de histéricas, já que o de
cisivo é a posição subjetiva ante o significante fálico:
@ 0 A
-cp
de impotência.
quais Casos
se opta pela nos quais pelo
passividade, se inverte
dar-se oa sentido
desejar,do
nosdesejo,
quais nos
se
opera uma defesa frente ao gozo do Outro, do Outro sexo. Também
ele supõe querer ela sua castração e se protege dela com um sintoma
que é o de não dar sua falta, aferrando-se ao que teme e
comportando-se como um “bom menino” que não enfrenta a lei de
proibição do incesto que se estenderia até cobrir “toda mulher” em
vez do “não-toda” .27
E, em última instância, deveria buscar a histeria masculina do
lado da “fera”, do lado da complementaridade e da cumplicidade que
estabelece com a histérica como sua“vítima”. E aqui que aparece
o sentido final da expressão lacaniana de que “para todo homem uma
1. O “positivo” da neurose?
244 Gozo
Seupotencial
agente não saber o desgarra
desse discurso edaisso o tornaessencial
histérica, sujeito da análise,
para que a
experiência possa começar. Na neurose, o gozo aparece como
colocação em cena fantasmática de difícil confissão. E uma imageria
da perversão que faria dele um anormãf, um ser desdenhável, um
porco porque a ele ocorrem porcarias. E claro que esse descarado
teatro interior lhe permite brincar com o interesse que despertaria
no Outro ao tomá- lo ou ao ser tomado como objeto de seu fantasma.
Com sua perversão de banheirp (que não de tocador sadiano),
torna-se desejável, amável, condição para o gozo... do Outro. _Não
qugr senão se [aze^amar. A perversão lhe facilitaria a tarefa. O
script cinematográfico da perversão no cenário do fantasma é uma
peça-chave da intriga histérica e da estratégia obsessiva. De qual
perversão? De qualquer uma, de todas, da que melhor convier.
A perversão, desmentido do gozo 245
sabendo quanto
pregando é dado saber
seu evangelho, sobre seus
afirmando o próprio gozo
direitos e o oalheio,
sobre corpo,
ostentando seu domínio. O que em um é falta e dever, no outro é
haver e saber. E, assim sendo, por que haveria o perverso de
instaurar o outro no lugar do sujeito suposto saber? O que poderia
esperar - além de conselhos e receitas que asituação analítica exclui
por princípio - da palavra de outro?
246 Gozo
E odo
o lugar que sabe?está
desejo Sabe o quepor
selado quer:
umaj|ozar. Enquanto
incógnita, e no no neurótico
psicótico não
existe nem a pergunta, no perverso o desejo diama-se “vontade, de
£ozo”, e o único problema que ele encontra é o de como encontrar
os meios para assegurá-lo. Agresenta-se sabendo sobre odesejo e
sobre o gozo, conciliaado-os. resolvendo sua contradição srcinária.
Esta segurança o toma atraente e fascinante para o neurótico que não
248 Gozo
O do
mente perverso é um
histérico queconsciencioso
metteur
observa desde diferente
en scène,
o palco o que ele mesmo faz
na cena e do obsessivo quejiirige desde o palco a demanda de um
A perversão, desmentido do gozo 249
o
seamor.
douto,O doutrina
desejo foi convertido em
(“doctorina”) e é vontade de gozo; perícia
agora erotismo: o Eros do.
fez-
corpo, saberjjazer com ele. exploração das jazidas enterradas do
A perversão, desmentido do gozo 253
fora desesua
como própriacomo
tivesse divisão subjetiva,
encargo como ssua,
assegurar e fosse
nãoo Outro13 e
castracão. Daqui
em diante, viverá em função desta empresa, alienando seus serviços
para assegurar seu gozo, o do Outro, o terceiro da cena, o que está
ameaçado pelajá conhecida castração. Seu deseio nerverso qleva
a so tornar utensílio, ferramenta do gozo do Outro. Isto dá sua forma
ao fantasma sadiano, que recebe de L acan forma e estrutura em seu
“K ant com Sade” ,14sendo figurado como um vetor quebrado.
Não esgotaremos o esquema nem nos deteremos em sua
modificação para explicar o fantasma do marquês de Sade, porque
não vem ao caso (e porque não estou seguro de poder fazê-lo), mas
valerá a pena assinalar
toma esuaqueaplicação
pretendeclínica
maiscomoimportante. O
perverso que se ser visto um sujeito
absoluto que porta e aporta o gozo, um ser sem barra, é levado pela
lógica mesma de sua estrutura e de seu desejo a converter-se em um
objeto, em um instrumento, em um complemento que está a serviço
do Outro. Ele é o fetiche que venera, é o chicote com aue flagela
^sua^vítimíi,J Í_o_contrato com que escraviza seu fl agfilq^lor, é esse
olhar que vai e. vem nas perversões escópicas etc. Em suma, ele é
@, um @ quejosilháza o falo, que nega que o falo falte., que
assegura que o gozo se falifica no Outro. E isto que me levará, e
CA<û **M •
já não falta muito, a transformar a concepção freudiana e lacaniana
do desmentido. Pois esse Outro a que se consagra o perverso não
é - se bem ele não queira sabê-lo - um Outro absoluto que está fora
do gozo; o Outro é a sede de um gozo que lhe é próprio e que o
perverso desconhece,um gozo queé possível precisamentepela falta
do órgão que, paraele, imaginariza o falo. (Vol)ver-se-á.
,Urn sujeito é al^o instável, vacilante,.O lugar do sujeito é o da
incerteza, já que ele é o efeito do que se articula na cadeia
significante; está à mercê da palavra que virá, a que terá de
ressignificá-lo e mostrar-lhe sua frágil condição. O perverso recusa
@o r
congruente
psicanálise. com o discurso
O perverso do senhor
proclama como avesso
sabergozar, do discurso
desmente as faltas da
no
saber, desmente o inconsciente, desmente que o falo pode faltar no
O utro, sutura todas as falhas. A té ãgoTK seguindo F reud,
verdade
diz que namas
a verdade, psicanálise
a disfarçasecom
revela como isso que
as vestimentas do fala, porémenão
semblante do
fantasma, a verdade, se diz pela metade. Sempre se soube que havia
um gozo diferente (nem maior nem menor, outro) e esse insabido
era coberto com circunlóquios tais como “mistériofeminilidade”.
da
mistério que é e foi tanto para os homens quanto para as mulheres.
A função do saber sempre foi a de tratar de circunscrever e reduzir
esse mistério, buscando localizar o gozo feminino (inclusive na
duplicidade freudiana do gozo clitoriano e vaginal), concebendo-o
como equivalente do masculino, submetendo-o ao modelo do
orgasmo, posuilando ciclos imaginários de-ejeção e detumescência,
experimentado com eletrodos no cérebro, contando as terminações
nervosas no anterior e no posterior de tal mucosa, medindo
secreções e umidades, contando os dias do ciclo e retorcendo-os
com cálculos fliessianos. dosando hormônios e neurotransmissores ,1
recomendando massagens e técnicas de ginástica sexual. E mais
ainda. Mas_a-^©l«çãcuiã_o passa pelo saber: o discurso do senhor
renova aí suajmpolência.
A respostaperversa àpergunta histéri
ca não é a do psicanalista,
mas a do senhor e a do universitário. Sua rgspastii é de
universalidade, de redução do enigma no sipnificanle (fálico, resta
dizélõTTQ jjesmentidojão é a castração, mas o gozo das mulheres,
dõD utro sexo. A postulação perversaé que as mulheres nã o gozam
porque são _urna pura disponibilidade para o gozo do falo-pênis ou,
se na verdade gozassem, é porque também estariam incluídas, e
totalmente, no gozo fálico, com mri gozo-ftue~éüdêntico ao-
magriiiiri^ Em qualquer dos casos, afirma-se que não há outro goz.o
264 Gozo
essência é o fantasma:
enigma pelo desmentido do sabergozar.
o de gozo feminTricTe o substituto de um
Esse gozo hostil, gozo do Outro, gozo
à Venvido gozo fálico
é o insuportável, a cabeça de M edusa que conduz ao fantasma. A
.atividade do perverso faz semblante de ser sexual. Na verdade, o
sexo é aí pretexto para demonstrar que o gozo do corpo pode
submeter-se integralmente a uma articulação lintruageira que organiza
as “posições”. O discurso que o perverso impinge sobre o gozo é
isso, discurso, suplantação do gozo com experimentos mentais que
revelam a cada passo seu caráter de artifícios, de cálculos da
modalidade para dominar e bloquear o gozo do Outro, do Outro
sexo. Parece uma busca..., mas é um disfarce. O teatro da divisão
subjetiva negada e deslocada para o Outro oculta uma fuga frente
ao incontrolável que se materializa no fetiche, na vítima, no olhar ou
no contrato. A angústia subjacentese resume nessa falta deengenho,
.no tédio reiterativo das encenações, nos sermões monótonos para
a vítima e ridículos para o carrasccTque todos, também L acan,
lemos em_Sad_e,
O ponto limite do per_yersa não é a castração do Outro como
acreditamos ao aprender a lição freudiana, mas o inconcebível gozo
do Outro, esse gozo que o perverso, ao nretender desmentir, põe
manifesto no Outro ao mesmo tempo em que fica excluído dele. Não
é seu infortúnio particular, pois ele, corno todos, estava excluído
desde antes. Seii-CHae ter acreditado que não.
Quer tornar-se dono daCoisa da qual está exilado. É aí que “se
agrega aos fantasmas que governam a realidade, o do” capataz .23A í
a psicanálise pode trabalhar (e não se priva de fazê-lo) como reforço
da perversão ao reeditar a idéia de um G ákjn, servil p om o “Eu,
'autônomo”. A fortaleza do eu que organiza e dirige a vida amorosa
é, precisamente,
quer o fantasma perverso,^
reduzir o desejo_kigQyerná J imíasma
vel à vonta dojseahüt-que
de racioflãTA ssenhorear-
se das pulsões, dos “instintos” como dizem. do~Isso para submetè-
23. J. L acan (1970). Autres écrits (A.E.). Paris: Seuil, 2001. p. 423.
A perversão, desmentido do gozo 265
à razão
que ou muito em
se encontra violento
todospara elaA éfalta
os ”tolos
.24 a lascívia ou (sobre
no saber cobiçaodesenfreada
gozo
do Outro, do gozo da mulher) é desmentida; no lugar do buraco o
perverso-instala-o exercício de um poder, o do capataz.
Para concluir: a perversão é. em essência uma tentativa He.
cura da falha da relação sexual e da irremediável heterogeneidade dos
gozos. E uma decisão de suturar que é^ntinômica com o projeto
próprio do discurso e a busca da psicanálise, o desígnji uj e não
ocultar a fenda. E característica da perversão a pretensão de
obturar tudo que provém do não-sabido do sujeito. Encontrar-se
com o inconsciente revelaria ao perverso a insondável rachadura que
o leva a ceder seu desejo, a substituí-lo pela vontade de um eu forte,
^rpnnnrn r rr) ]iffl dj «j i an Hr> a wiHn erótica. Sua Única
possibilidade, na perspectiva dapsicanálise, ^UtnTnãperseguição de
seu jiqzçixncQntxe^se com a impotgiiciarcomo no caso que Freud
relatou aseus colegas em 1914.25M as então, como agora ou como
"no caso da jovem homossexual, não se pode esperar muiio. E difícil
substituir a vontade de gozo pelo desejo quando “a única” coisa que
se pode propor para curar esta passagem necessária pela impotência
é o reconhecimento da impossibilidade real no final do caminho.
E não obstante...
@-dicção do gozo
a liberda
esse lugarde. Arior,
exte loucura
que cri
osadiscursos,
uma exceçãoso qua
etro
é por
deLessa exceção,
acan, constituepo
mr
um conjunto.
L acan reiterou em 1968' o quehavia dito há vinte anos, em
suas “Observações sobre a causalidade psíquica”: “O ser do homem
não apenas é impossível de compreender sem a loucura; não seria
ele ser do homem se não levasse em si a loucura como o limite de
sua liberdade ” .2 Sua posição é diáfana: a liberdade tem uma fronteira
e o nome desse limite, borderline
do , é loucura, linha onde acaba a
liberdade. A crescentava na segunda oportunidade: “O psicótico
apresenta-se essencialmente como o signo, signo em impasse,
daquilo que legitima a referência à liberdade” .1 Impasse, o que nã
o
pode se atravessar, o que separa de um e outro lado a liberdade de
sua ausência.
Observe-se que não há lugar para mais um discurso, o do
psicótico, esse no qual a palavra não seria semblante, mas que sc
colocaria diretamente no ponto de união da verdade com o real, isso
que J ulia K risteva4 batizou como “vreal”. Todo discurso é semblante
porque se apresenta como verdadeiro sem sê-lo. Todo discurso é do
semblante,5 6 porque fala de entidades que não existem senão por
meio do discurso que lhes dá seu estatuto linguageiro. E, finalmente,
todo discurso é do semblante porque seu agente (o que se dirige ao
outro e o interpela), é o semblante, que toma o lugar da verdade ao
mesmo tempo em que a põe a respeitosa distância, seja ele senhor,
universitário, analista ou histérica. E o psicótico não é nem faz
semblante. V ive fora dele mesmo quando não lhe esteja vedado
cruzar sua fronteira e dar-se a entender.
Não quer dizer, pois, que o louco seja livre para eleger. De fato,
e, como psicótico, são os demais queelegem porele. Aquilo de que
o louco está livre é de
ter de eleger,isso a que nos obriga o discurso
a todos os outros, que sabemos que não é possível eleger sem
perder, sem renunciar a uma parcela de gozo.
A psicose “salva” o sujeito depassar pela castração simbólica,
de ver-se obrigado a desalojar o gozo do corpo, de ter que se
manifestar em um discurso em que o objeto se constitui como
perdido, das barreiras (ao gozo) que obstruem a subjetividade na
significação fálica e que tomam impossível a relação sexual. O louco
é o sujeito que está em contato imediato com o objeto precisamente
porque não está submetido a ter de metaforizar e metonimizar sua
relação com ele no encadeamento dos significantes. A alucinação
toma o lugar que tem o fantasma para os enlaçados pela palavra.
A ssim a loucura nos mostrauma imagem da liberdade que é
alheia aosnormais, os mais ou menos neuróticos ou perversos, os
que nos defendemos do real por meio do simbólico, nos agarramos
à nossa imagem narcísica e nos instalamos em uma suposta
“realidade” que está feita de enlaces arbitrários entre significantes e
significados. Tal “realidade” não é mais que uma formação
fantasmática compartilhada por muitos bem-pensantes e que nos
deixa a ilusão de não estar loucos. Vivemos no reino do sentido; não
somos insensatos.Gostemos ou não.
O louco, particularmente o esquizofrênico, denuncia sem o
saber a presunção da razão que se confirma a si mesma, excluindo
o louco dos intercâmbios e subordinando-o, em nossas culturas, à
ordem médica por meio da psiquiatria que encerra e domina seu
corpo com a ajuda dos fármacos. A psicanálise se confronta assim
com um dilema: idealizar o louco e a loucura como paradigmas da
liberdade ou objetivá-lo com a noção de “doença” e justificar assim
as manipulações e a prisão. Nossa opção consiste em denunciar a
falsidade desse dilema e mostrar um caminho diferente, congruente
com o nunca de smentido determinismo deFreud e L acan.
O risco é duplo; por um lado o de justificar a redução do louco
a uma condição de animalidade, por outro, o de um bunuelesco
fantasma da liberdade em que aqueles que estamos encadeados a
@-dicção do gozo 271
L acan enfrentava a
ssim as pretensões vet
erinarizantesd) organodi-
namismo. A “decisão insondável” está imbuída do espírio sartreano
que dominava nesses anos. E, por mais que se pretend negá-lo, c
abertamente
tamente de contestada
z anos depois, pela concepção
no perí odo de el lacaniana que
aboração ^ st deduz
ue vai do len
seminário III sobre as psicoses11 até a escritura (em 1»58) de “A
questão preliminar a todo tratamento possível da ”psicos. 12 Aqui a
questão da psicose aparece centrada em torno do conceto de “for-
clusão”. totalmente oposto à idéia de uma “decisão insoidável”. A
nova tese estabelece a não intervenção da metáfora paDrna. O de
terminismo próprio da psicose deve ser buscado na relaçã>do sujeito
com a linguagem: o significante que seria o eixo de todaarticulação
não tomou seu lugar na cadeia e todos os demais vagamsem rumo.
Bloqueou-se a artéria principal e o sujeito deve errar peloicaminho-
zinhos secundários onde todos os sinais se põem a falir por sua
conta. Produz-se um desencadeamento com relação ao Iço discur
sivo, com relaçãoà cadeia borromeana e com a cadeia da gerações
e é esse ruído de cadeias rompidas que ensurdece o psidtico.
Quando o significante do nome-do-Pai falta em seu hgar - nos
é ensinado pela cl ínica - o que fica não é um sijeito na
indeterminação e na liberdade absoluta, mas um sujeito ubmetido
ao inefável do gozo, submetido à arbitrariedade do desej) da Mãe.
Pois a metáfora paterna é o efeito da operação da ausênca da mãe,
cujo lugar o nome-do-Pai vem ocupar. Para que estaoperação
fracassada, para que estaforclitsão se produza, disse .acan em
1968, nas J ornadas sobre a P sicose I nf antil , 13 é ireciso o
encadeamento de três gerações que são as necessárias pan produzir
uma criança psicótica. A tese das três gerações se lontrapõe
evidentemente com a “decisão insondável” de 25 anosmtes e se
soma à compreensão das psicoses como um deeito não
compensado na junção da cadeia borromeana (R, S, ) que foi
elaborada nos seminários de L acan de 1974a 1977.
O Pai vem dar fim ao pior. Não resta nenhuma dúvida de que
ele é um impostor e que a conseqüência de sua impostura é a
submissão do sujeito às ataduras do discurso. Pela interferência do
nome-do-Pai
Coisa. o sujeito
Impostura é desalojado
não é, em doo gozo,
contrapartida, desejo da sarsa
da M ardente
ãe; esse sim da
é bem real. Sabe-se de seus efeitos quando a impostura fracassa,
quando o sujeito não entra nessas formações de discurso e
formações do inconsciente que não são senão semblante. Sobrevêm
o pior, isso que deve evitar qualquer tratamento da psicose para não
“se exaurir com os remos quando o bote está na” .14 areia
E ntre a proposta do senhor que fecha e reduz o louco e o
recurso idealista a uma liberdade insondável e fantasmática, o desafio
para os psicanalistas é encontrar uma terceira via. O determinismo
freudiano
seguir. e a causalidade estrutural lacaniana indicam a direção a
2. Psicose e discurso
formaEntre os lugares
de uma da verdade
dupla barra e da produção
de separação, se que
um corte inscreve,
marcasob
a a
disjunção, o desencontro necessário entre os dois elementos. Ao
serem estes lugares ocupados na fórmula do discurso do senhor,
toma-se vidente que a relação de corte ou de disjunção é a que existe
entre o sujeito e o objeto e que a escritura assim produzida é a do
fantasma, em que o corte é indicado pelo losango 0: S 0.
Como esta fórmula é aplicada na intelecção das psicoses? J á
desde o Seminário XI, anos antes de produzir os maternas dos
quatro discursos, L acan havia estabelecido que devia se buscar a
chave
separa,nanoligação entre
“ante”auprès
( )oso dois
“parasignificantes,
(pour) o outronosignificante”
intervalo que
da os
definição. O S, não representa o sujeito ante o S2, seja porque não
há diferenciação entre ambos significantes, seja porque está rompida
a sintaxe que os articularia. E o efeito da forclusão.
Pela função da palavra, pelo discurso, obtém-se um saldo
fugitivo de gozo que é @, um @ que, por definição, é inacessível
para o sujeito. Nas psicoses esta função da palavra e do discurso está
radicalmente perturbada. A coagulação ou a desarticulação dos dois
significantes, esta é a tese que aqui se sustenta, provoca como efeito
uma falha estrutural na constituição do fantasma, um transtorno na
relação entre o sujeito $ e o objeto causa de seu desejo, @. A
psicose é um processo de afetação do intervalo significante, mas seu
efeito para o sujeito é a falha na constituição do fantasma no membro
que corresponde ao intervalo no matema do fantasma, ou seja, o
losango O. A escritura do losango foi dita por Lacan de três formas
diferentes: como a) corte; b) inconsciente; e c) desejo de. A relação
do sujeito com o objeto do fantasma pode ser expresso dessas três
formas. Isso é, precisamente, o que falha na psicose. Poder-se-ia
dizer que está ausente ou rompido o losango e que por isso não há
fantasma ou o próprio termo fantasma deveria receber outra
definição se se quisesse conservar o incerto sintagma “fantasma
psicótico”.
Bem, a função do fantasma é a de distanciar o sujeito do objeto
causa de desejo que é, por sua vez, o objeto do gozo ou o gozo
276 Gozo
e S, desarticulados,
inelutável carentes
entre si. Em ambos osde casos
sintáxe, separados
deixou de omodo
de existir discurso
como vínculo social. Tomando como matriz o discurso do senhor,
cabe arriscar agora a escritura da relação do psicótico com a palavra,
desta maneira:
S, 0 S,
8 @
te um objeto
alucinação e podeestá
o sujeito submetê-lo
fundido,àconfundido,
“prova de realidade” freudiana;
com seu objeto. Não na
são dois, mas apenas um, não guardam uma relação de exterioridade
recíproca.
Nas psicoses o gozo não se localiza em uma região do corpo,
não está reprimido e limitadopelo significante fálico, representante
de -cp, daquilo que no corpo falta à imagem desejada, mas que
invade o corpo inteiro transformado em quebra-luz onde se projetam
metamorfoses arrepiantes que deixa o sujeito atônito, um sujeito que
se vê reduzido a ser o cenário passivo de transformações que
obedecem a escura vontade de um Outro onisciente que rege e
regula o acontecer orgânico. Influência, hipocondria, alucinação de
ordens, persecução, magnetismo, irradiações, transexualismo,
negação, putrefação, cadaverização de um corpo onde não impera
senão a O utra vontade, a que governa a carne do presidente
Schreber pelos séculos futuros.
Outro efeito dessa ausência de regulação do gozo pelo falo (pela
castração) é que a vertente paterna, freudiana, do supereu, herdeira
do complexo de Edipo, não se apresenta para incitar a outra mulher,
a prometida e possível. Subsiste, então, irrefreável e incoercível, a
ordem obscena e feroz do supereu arcaico, materno, kleiniano, que
comanda oGozo! impossível,gozo! ilimitado da Coisa que está antes
e aquém da castração.
Pela defeituosa integração do sujeito na ordem simbólica é que
ele não chega a se distanciar do real como impossível. E produzida
sucessivamente uma desorganização completa do imaginário do
corpo. Sobre esse fundo de fragmentação, sobre esse transtorno
radical da existência, implanta-se a função restitutiva do delírio que
pretende voltar a ligar o sujeito em uma cadeia significante e dar
conta
desta da experiência
dispersão dos vivida. O conjunto
significantes da aventura
que ficaram psicótica resulta
invertebrados^
desligados do vínculo social. A metáfora delirante pretende remendar
a falha da metáfora paterna na sua função de conferir uma
significação à falta no Outro. Pretende devolver o sujeito às redes
@-dicção do gozo 279
3. Droga-@-dicção
drogas
drogadiçse
ão.2preferem,
0 e de seu efeito permanente no sujeito que é a
A intenção de separação (do Outro), entendida como operação
oposta à alienação (no Outro), é, conforme acredito, a chave que nos
permite internarmos na selva das drogas, que é uma das
características específicas de nosso mundo e de nossas vidas
atualmente. Uma realidade cuja presença irá ganhando importância
sem que possamos contemplar qualquer limite à criação de novas
20. A níbal L enis B. de Cali publicou um artigo que intitulou “Interpelar la dro-
ga-dicción”. O hífen de seu título serviu de estímulo para estas reflexões,
assim como suaafirmação de que “o drogadito é quem ‘cria’ ou ‘adminis
tra’ sem necessidade dos outros, que o demandam como sujeito, seu pró
prio gozo”. O texto de L enis foi publicado no número 2 do Boletín de
Estúdios Psicoanalíticosde Cali, Colômbia.
280 Gozo
odiferente.
suicídio de queela
Com logo
ou falare
commos.
elasAo droga
clamoroferece uma rumor,
é apenas alternativa
a batida
toma-se um mero escorregar, a soberba se torna humildade, a pompa
se torna recôndita, a altivez suicida se faz vergonha. Uma diferença
salta para o primeiro plano: na intoxicação não há morto, mas um
“dar-se por morto” que não reivindica com orgulhoso desdém o
corpo que se entrega como uma esmola ao Outro, mas que o
degrada e o mostra na miséria de suas servidões orgânicas.
O suicídio destaca o nome, o toma próprio, o livra da entrega
ao Outro. Em contrapartida, os alcoólicos são anônimos, enquanto
alcoólicos e alcoolizados, claro.
De qualquer forma, deve-se ter cuidado de não falar leve e
superficialmente dos adictos, toxicômanos ou fármacodependentes
conforme se prefira chamá-los. O uso do álcool e das demais drogas
configura uma “conduta” e não uma estrutura clínica. Tal conduta
pode se manifestar em neuróticos, perversos ou psicóticos e a
maneira de encarar psicanaliticamente os casos não depende do uso
das drogas, mas dos reparos estruturais; são eles que permitirão
orientar a direção do tratamento. Sempre será sábio por parte do
analista que encontra o uso de drogas no lugar mais visível da
apresentação de um caso, a retroação a este modo encobridor no
qual o sujeito se mostra ou é levado a se mostrar ao psicanalista.
“Sou toxicômano” é um dizer comum para fugir à pergunta pelo ser:
o nome-do-Pai, do pai como quem nomeia o sujeito, é o da droga
da qual o sujeito está pendente (de-pende). A própria toxicomania
cobre e esconde essa questão conferindo um semblante de
identidade que não deixa de ser uma máscara que deve ser tirada
para que as verdadeiras perguntas do sujeito sejam ouvidas.
O interessante deste comportamento está no modo como o
sujeito enfrenta este objeto peculiar que é a droga. Supõe-se que sua
adicção lhe permitiria uma via de acesso privilegiada e direta, em
curto-circuito, até o gozo e que seria um modo de contestar a
exigência do Outro e da cultura de renunciar ao gozo. A droga
consegue ser o objeto de uma necessidade imperiosa que não aceita
@-dicçã'do gozo 281
provocaia
mercadcria por
queum objeto inominado
se compra no mercadoe. irrecuperável,
Neste sentido mas a de uma
a droga,
objeto d. necessidade, mascara ou substitui o desejo inconsciente
que ficanais desconhecido do que nunca ao se disfarçar como uma
exigêncii do organismo.Trata-se de uma necessidade colocada em
termos asolutos, de vida ou morte: ou há o gozo químico ou há o
nada. 0;ujeito fica abolido, reduzido ã condição de desfeito, @. A
droga nô é um objeto sexual substitutivo, carece de valor fálico; é,
pelo cor.rário, um substituto da sexualidade mesma, um modo de
afastar-s das coações relacionais impostas pelo falo. E assim que
a droga;e assemelha ao auto-erotismo da proibição srcinária: o
sujeito dministra em si mesmo uma substância que o conecta
diretamnte com um gozo que não passa pelo filtro da aquiescência
ou pelo orçamento do corpo de outro; consegue-se deste modo a
substituião da sexualidade.
E ecasso o queencontramos no ensino de L acan acerca de ste
tema, ms a escassez não é necessariamente a pobreza. E preciosa
a indicaão que deixara plantada na única oportunidade em que se
referiu droga com esse nome, no final de sua vida,21 quando
expressai que a dificuldade para nós, falantes, é tirar da castração
um goze permitir que a castração e o desejo nos liberem da angústia,
conduzido-nos até o investimento do corpo do Outro que simboliza
a falta o nosso. Pois a angústia vem para nós, homenzinhos ou
futuras nulherzinhas, de descobrir - como no caso do pequeno
Hans - |ue estamos casados com o p aito e que a difícil questão é
como dssolver esse matrimônio funesto, contraindo outro, com o
corpo d) Outro ou com o que quer que seja; daí que seja bem
recebidctudo que permita escapar dessa união, “de onde vem o êxito
da drogi”. E conclui: “Não há outra definição da droga: é o que
permiteomper o casamento com o pipi”. A droga é o companheiro
que ven depois do divórcio do homem ou da mulher com a ordem
de ar; é àdemanda
se dará de sentido
oração no uma resposta, é expectativa
gramatical de um
e no religioso. O sentido
sentido que
depende da resposta; nunca habita com autonomia no sujeito.
Procede sempre daquele que escuta, tal como é demonstrado
freqüentemente na experiência analítica. O gozo do sujeito está
284 Gozo
O sujeito
As drogas é aniquilado
queembriaga pela surdez
m e oferece do Outro
m um atalho e eleje
ao gozo sem opas
mutismo.
sar
pelo desejo, que chegam ao cérebro e atuam sem a mediação do
diafragma da palavra, permitem desprender-se dos compromissos
que unem o corpo com a cultura. Da abolição do sujeito fica, como
resto, o corpo feito objeto, @. Neste caso permitimo-nos falar de
@dicção.
Recordemos: “Que se diga fica esquecido detrás do que se
disse naquilo que se escuta”.23Temos comentado que a enunciação
do sujeito é o que se esquece no enunciado pela escuta que
corresponde
é o sentido deaodizer?
que oO Outro ouviu.
anulado E se
em tal o Outro
caso não escuta,
é o sujeito qual
da enunciação.
O gozo fálico, o do blábláblá, o que poderia abrir caminho para que,
transitando pelo desejo se chegue ao gozo, está obstruído. Sendo
impermeáveis as vias que levariam ao gozo, que está além da
palavra, resta apenas o gozo do aquém, o primitivo gozo do ser,
anterior à palavra. Sentimos a confluência de nossos três termos:
adicção, @dicçãoc Adicção, todas modalidades nas quais o sujeito
deixa de dizer e se separaKulturarbeit
do , desse trabalho da cultura
reclamado por Freud, e que pode fazer que onde o Isso estava o Eu
possa advir. A indiferença em matéria de política, a renúncia à
congregação e a aceitação da segregação são as manifestações mais
visíveis em nosso mundo desta a-@-A -dicção. A psicanálise e os
psicanalistas têm que se envolver nesta situação sem somar-se à já
dita indiferença.
O corpo em todas estas formas da sem-dicção é assento de um
gozo que desaloja o sujeito, colocando-o fora do discurso como
expressão do vínculo social. Sob o efeito das drogas o corpo é
objeto @ e não, como nos suicidas, S (A ). Neles o corpo é a
oferenda que se entrega em troca da dívida, uma libra de carne que
é toda a carne que se livra nas mãos e na vontade do Outro. Assim,
A fastar-se
ordenada do Outro,
conciliação dosdedesejos,
sua demanda (ou de que
é operação seu silêncio),
se pode da fazer de
modo barulhento por meio da passagem ao ato suicida, a forma mais
radical de fechar a porta que, sob pretexto de “não querer saber mais
nada” dos condicionamentos da vida, da completa aspiração ao
apagamento do sujeito na cadeia significante, produz paradoxalmente
uma inscrição indelével. Pois o ato suicida auxilia, com o
afastamento, uma contestação feroz e desapiedada do Outro e de seu
gozo. O suicida mata, é um “homicida tímido” conforme o definiu
o suicida Cesare Pavese. O sujeito da auto-imolação não disse, mas
coloca seu cadáver como objeto livre da decomposição orgânica.
Sua tácita proposição (sentence):“Aqui tem meus restos (corpse)”
é uma determinação que , longe de brindar ao Outro esseobjeto @
que é o corpo como desfeito, marca esse Outro, inscrevendo nele
uma cicatriz que érecordação pe rpétuade sua inconsistência. Assim,
a carne putrefatível inscreve-se de modo indelével como S(A),
justamente quando não é mais que (the rest is...)silêncio. Ao apagar
por decisão própria a vida do corpo é oa Outro daL ei que se barra.
Daí a fascinação e o espanto, daí a repulsa, a secular condenação
e culpa, eterna se fosse possível, que recai ou que se pretende fazer
recair sobre o suicida e sobre seu ato.
De qualquer forma, há um vínculo essencial entre o suicídio
e a drogadição. Recordemos o Lacan dos primeiros tempos (1938)2 4
quando falava da “formação do indivíduo” e de “os complexos
familiares”:
E ssa tendênci a psíqu ica para a morte... revela- se nos sui
cídios especialíssimos que se caracterizam como “não violentos”,
ao mesmo tempo em que neles se evidencia a forma oral do com
plexo: a greve de fome da anorexia nervosa, o envenenamento
lento de certas toxicomanias pela boca, o regime de fome das
neuroses gástri cas. A análi se desses casos mostra que, em seu
abandono à morte, o sujeito procura reencontrar a imago da mãe.
prazeres do
criadores reconheci
anônimos mentfazem
que o.26Penso,
artefinalmente
uma , na
bruta(art multidão
brut), obras de
de
tolos e ingênuos fora dos editoriais e das galerias, não dirigidas a
nenhum outro nem Outro. Deixo apenas indicado este caminho para
a investigação dos gozos adictos.
Em síntese, resumindo o movimento deste capítulo: definiram-
se três formas polares de ruptura dos laços entre o sujeito e o
discurso: a psicose, a drogadicção e o suicídio. Em todos os casos
o parentesco se estabelece pela divisão da função do discurso. Nos
três trata-se de um fato de linguagem, no campo da linguagem. A
esaída é escolhida,
forçada no sentido
no terceiro. freudiano
A relação com o ()gozo
Wahl , pelos dois primeiros;
e com o Outro da
dialética subjetiva é radicalmente diferente para cada uma destas três
posições de a-dicção. E o desafio para o analista é, em cada uma
delas, o de restaurar o movimento do desejo que se deteve. Com
poucas possibilidades; apenas conta com um instrumento, a
transferência, cujo fio está desfeito pelo próprio processo que
atravessa o sujeito. Há razões, sem dúvida, para que estas três
a-dicções não sejam o campo eletivo da psicanálise. M as se não for
a psicanálise, que outra coisa cabe eticamente tentar?
25. S. A ndré. Flac. M éxico: Siglo XX I, 1999; en francês, M arselha: Que, 2000.
26. G. Steiner.G rammars o f creation. New Haven e L ondres: Y ale 11niversity
Press, 2001. Cap. 1, p. 17-64.
V III
1. U ma prática linguageira
encontrar isso do desejo que passa para a palavra ainda que seja
incompartilhável com ele. Deve-se reconhecer nestas afirmações a
teoria do dispositivo analítico e do que se faz com ele. A regra
fundamental é equivalente ao imperativo de gozar, de transcender a
função tradicionalmente acordada à palavra. O uso “normal” da
palavra tende a “ratificar”, a “com-preender”, a confirmar na
reciprocidade do sentido consentido, as imagens especulares dos que
se “comunicam”. Na análise pretende-se atravessar a barreira
narcísica do cuidado do eu ou do self, esse fantasma organizador
em cada um da relação com o mundo, esse tampão que protege do
real. O sujeito, empurrado pela consigna de associar “livremente”,
logo se vê desalojado do terreno do prazer e é forçado a se
confrontar com o traumático e com o inconciliável para o eu, com
“isso” inominado que é o núcleo de seu ser.
Desde o princípio (cf. p. 21), reconhecemos que a repressão
esconde, mas também conserva um gozo seqüestrado, não
disponível para o sujeito, vivido dolorosamente como sintoma. O
gozo do Outro, do corpo desabitado pela palavra. A neurose é esta
defesa do gozo, defesa de no duplo sentido: uma proteção contra o
acesso a um gozo desmedido e um gozo que está protegido,
coagulado, isento do comércio da palavra. O sujeito da neurose se
defende subtraindo-se ao que percebe como um perigo na relação
com o Outro do vínculo social: o desejo do Outro. Tal desejo é
negado pelas operações de autodomínio que são essenciais na
estratégia do obsessivo e que se sustentam na insatisfação pela intriga
histérica. Com esta defesa neurótica ante o desejo como o traço que
define a estrutura clínica da neurose, compreende-se bem que o
desejo, assim, não condescenda ao gozo e que a relação com o Outro
seja o campo minado e alambrado das defesas. Compreende-se
também que o sujeito retroceda espantado ante o suposto gozo de
um Outro que pediria sua castração. Defendendo-se do Outro,
justificando-se ante ele, experimentando-se sempre como culpável,
o neurótico renuncia a fazer valer seu desejo, o dele, confunde-o
com a demanda do Outro, submete-se ou se insubordina, mas
sempre em dependência dessa demanda, retrocede ante a
possibilidade de inscrever seu nome próprio, esse nome que o
importuna e o estorva e o substitui por uma demanda dirigida ao
Outro para que o nomeie: “Como você quiser; isso e assim serei”.
Gozo e ética na experiência psicanalítica 293
(pelo menos
contornar na análise
o vazio, queorepuda
delimitar o mistcismo),
oco, r.conhecero mas para É
impreenchível.
o Oceano emSolaris e a Zona em Salker,esses filmes definitivos
de Andréi Tarkovsky que ilustram mravil hosanente a relação dos
exploradores com o inominável da Cosa centrab êxtima e os modos
nos quais o núcleo inacessível de noso ser pod: ser contornado em
uma ventura cujo saldo é o desampaD.
Frente ao cancelado e inabordáel do oriício central do toro,
o que fazer, o que fazer senão dar vetas em tono de sua alma, do
espaço vazio periférico e interior que ircunda oorifício central pelo
qual correnão
palavras, o ar semsenão
resta nunca nele pnetrar? p. asim
“pulsionar’\criando 85). um
Em novo
outras
verbo
que falta à língua portuguesa para traazir o da língua alemã,
treien
sem faltar com sua íntima conexão con o ie Freud.Pulsionar
Trieb
em relação a uma propulsão, com um ; força queestimula, indomada
e indomável, sempre para frente, satando po cima das alegrias
(.Erde Freuden) terrenas, dos prazere, caracterstica do espírito de
Fausto no discurso de M efistófeles qie serviu Freud para definir
a pulsão.3O que Freud concebeu é otalmente congruente com o
que vimos desenvolvendo. Apulsão é áustica poque o caminho para
a Coisa, “o(...)
obstruído caminho para
e então trás,
não paramas
resta satisfaça plena, em pela
do queivançar geraloutra
é
direção do desenvolvimento, todava diligene, na verdade sem
perspectivas de enclausurar a marchanem alcaiçar a meta” (idem).
Do atrás e da frente freudianos é qie passaros à complexidade
enriquecedora dos dois espaços rodados pelo‘oro, o interno e o
externo, rodeados pela superfície aa e esféri:a do toro. É esse
pulsionar interminável o que encamiiha a vida em outra clausura
da marcha que a pontuação final da rorte.
Um pulsionar que salta sobre a; valas do jrazer, que de tanto
negar se torna afirmação e que é rentente a trnsacionar com os
7. Idem. p. 119.
8. J . L acan (1967). Autres écrits (A. E.). Paris: Seuil, 2001. p. 248.
Gozo e ética na experiênciçsicanalítica 297
o próprioaberta
manter analista sejam Dmados
a questão mas como já não como para
pretexto oportunidade para
seu des-vio
(“trans-ferência”) e feche
E por isso que o anaista não se dirige para seu paciente nem
como $ nem como S, nen como S„ mas como @ —* S, como um
objeto que sustenta sempr a abertura, a não coalescência entre dois
discursos complementares O analista representa a exigência perma
nente de um dizer e de un trabalhar incessante em torno da falha
subjetiva. A história, essacoisa que L acan tanto elogiou no come
ço de seu ensino e tanto dsvalorizou ao final porque não pôde dei
xar de fazer crer que tem entido, porque está sempre disposta a se
carregar de sentido, a hisôria - dizíamos - deve voltar a se escre
ver, claro que atravessano as telas e os disfarces do sentido. Se a
neurose era o bloqueio a-iistórico, o cegamento-secamento do de
sejo (no sentido de cegar im poço, de secar um depósito de água),
a análise deverá ser reabetura das fontes e das vias interrompidas,
a ocasião oferecida à moblização do gozo sintomático, à simboliza-
ção do corpo que se torneu o reduto de um Gozo Outro, gozo que
já localizamos com o esqisma deÁ terceira(p. 110) na intersecção
do imaginário e do real foa da mediação simbólica.
Penso que isto deveser dito correndo o risco de criar a im
pressão da fixação de novis metas ideais para a experiência da aná
lise, algo que o analista, :om razão, recusa fazer (a ser),* porque
indicar metas causa uma ombra de imaginário, de neofantasmati-
zação, de prescrição do “om” caminho, inclusive a promessa que
se adianta à demanda, dealienação em um Bem que, por não pro
vir do deslinde feito pelo póprio analisante, apareceria como o fan
tasma do analista. Além desainterpretação possível, no entanto, deve
se dar conta de por que a aálise existe, por que se inicia e por que
prossegue para que se posa definir também quando e por que aca
ba. Em outras palavras, dive ser evitado o comentário do sentiflo
3. O dever do desejo
submetidos
um; à sua palavra,
é para explorar a zonapois
queEle
seestá tão castrado
estende além de quanto qualquer
seus domínios,
além do bem e do mal. E necessário, falantes, um esforço a mais;
é nesse esforço extra que se joga o destino ético da psicanálise.
4. O ato e a culpa
do desejo do Outro
Com tudo o quee, vimos,
portanto, caindoentender
podemos em falta.o dever, no sentido
psicanalítico, como duplo: edipizar-se para transcender o gozo louco
do ser fora da linguagem e, depois, transedipizar-se, ir além do
Edipo, para não ficar preso nas redes do fantasma, da impotência
e do sintoma.
A ética da análise se afirma além da culpa, na relação consubs
tanciai do sujeito e da culpa que ele/ela encontra necessariamente ao
se afirmar comodesejante. A meta não é então de bem-aventurança
e absolvição: cada um afrontará a culpa inerente ao desejo e para isso
não há regras ou mandamentos que indiquem o que e como fazer.
Neste caminho, não há “companheiros de viagem”, igrejas, partidos
ou mestres iluminados que guiem pelo bom caminho, tampouco cabe
a possibilidade de renunciar à responsabilidade de eleger, dissolvendo-
se nos interesses superiores do grupo ou da instituição. Cada um
está só e não pode esperar a ajuda do Outro. O sujeito deve jogar
quando chega a sua vez e não pode “passar” como acontece em
certos jogos. Zugszwangcomo é chamado no xadrez. Fazer a jogada
conforme o desejo e submeter-se às suas conseqüências, a uma li
mitação do gozo que lhe abre caminhos diferentes na escala inver
tida da Lei do desejo.
A neurose, um mal ético e não uma doença predestinada a
classificações e tratamentos médicos, é a impotência ou a renúncia
ante a jogada que cada um deveria fazer para chegar a ser. É a
recusa ao ato afirmativo particular em função da sujeição aos
significanles da demanda do Outro, seja por critérios normativos,
seja pela chantagem do abandono e da perda do amor. Pois o dizer,
a experiência discursiva ordenada pela regra analítica, não tem a
finalidade de compreender, de se satisfazer com um novo saber,
com
comouma “inteligência”
no conto de Borgesqualquer, mas aIsidoro
sobre Tadeo de produzir um com
Cruz, faça ato que,
que
o sujeito acate o destino que leva dentro, que escreva seu livro
proustiano, que saiba, por séu ato, quem é (p. 208-210).
A análise como “tratamento” da neurose tem uma meta ética
que é a de reabrir este campo da decisão particular que não se com
padecede ordens, ordenações eordenamentos. Atenção! Não setra
ta de encontrar, assim, mais uma vez essa ideologia da liberdade
solidária da psicologia mais obscurantista nem de recair nos cantos
laudatórios daindividualidade. “O eu é a teologia da livre empresa”.16
Por isso, acabamos de evocarZugszwang
o enxadrístico: deve-se
jogar e o saldo da ação é uma perda irreparável; deve equivocar-se.
O obsessivo que posterga sempre seu ato para não perder, sabe-o
melhor que ninguém.
“Saber para sempre quem se é”, efeito retroativo do ato, de
uma jogada que compromete o ser e o escreve como um destino,
de uma aposta cujo saldo é de abandono e de solidão. Poder~se-ia
dizer também de uma ou
identificação com a causa de seu desejo,
seja, com uma falta impreenchível que subjaz às decisões e aos atos.
Esse é, psicanaliticamente, o destino. Não é uma predestinação real,
mas uma razão que se constitui retroativamente a partir dos atos. Por
atuar, por falhar, por inscrever essa falha como rastro de sua
passagem pelo mundo, o sujeito “sabe para sempre quem é”. O novo
saber é ambíguo: desolado e desolador por um lado, mas também
“gaio saber”, fonte do entusiasmo e de um contato renovado com
o gozo, de uma curiosidade aguçada que desterra a tristeza e o tédio,
esses estados da alma que anulam as diferenças e que tiram do
mundo seu relevo.
Citando novamente Pommier,17o analisante se equipara nisto
ao herói moderno, definido não tanto por sua valentia, mas pelo fato
de afrontar sua angústia e sua culpa. Ele percorre na análise um
trajeto paradoxal:tendo vindo para apre
nder a gozar, para pe
rder as
travas de seu gozo, fica sabendo que existe apenas a possibilidade
de negociar seu gozo por meio da insistência da falta em ser que nele
habita,
mesclaseu
dedese
jo. A ambigüidade
desolação do fim da
e entusiasmo análise
que se está feita desta
experimenta
;ito acatc o destino que leva dentro, que escreva seu livro
tiano, que saiba, por seu ato, quem é (p. 208-210).
A análise como “tratamento” da neurose tem uma meta ética
íea de
deordens,
reabrir oeste campo
rdenações da decisão
e ordenamentos.particular
Atenção! que
Não não se com-
se tra
que o encontrar, assim, mais uma vez essa ideologia da liberdade
corpoíria da psicologia mais obscurantista nem de recair nos cantos
mtervtórios da individualidade. “O eu é a teologia da livre empresa”.16
estofojso, acabamos de evocarZugszwang
o enxadrístico: deve-se
respore o saldo da ação é uma perda irreparável; deve equivocar-se.
como ícssívo que posterga sempre seu ato para não perder, sabe-o
produ^r qUe ninguém.
do sujf'Saber para sempre quem se é”, efeito retroativo do ato, de
ogada
ia quecujo
aposta compromete
saldo é deoabandono
ser e o escreve como um
e de solidão. destino,
Poder-se-ia
também de uma identificação com a causa de seu desejo,ou
:om uma falta impreenchível que subjaz às decisões e aos atos.
B, psicanaliticamente, o destino. Não é uma predestinação real,
saber, ma razão que se constitui retroativamente a partir dos atos. Por
maiêu, por falhar, por inscrever essa falha como rastro de sua
Hussegempelo mundo, o suj eito “sabe para sempre quem é”. O novo
renuncé ambíguo: desolado e desolador por um lado, mas também
anterk saber”, fonte do entusiasmo e de um contato renovado com
saber t>, de uma curiosidade aguçada que desterra a tristeza eo tédio,
signifii estados da alma que anulam as diferenças e que tiram do
Co seu relevo.
mas nâCitando novamente Pommier,17o anali sante se equipara nisto
deverrói moderno, definido não tanto por sua valentia, mas pelo fato
(prescirontar sua angústia e sua culpa. Ele percorre na análise um
uma iroparadoxal: tendo vindo para parender a gozar, para perder as
“E seu; de seu gozo, fica sabendo que existe apenas a possibilidade
relaçãcgociar seu gozo por meio da insistência da falta em ser que nele
único a, seu desejo. A ambigüidade do fim da análise está feita desta
la de desolação e entusiasmo que se experimenta
18. J . L
d° lL acan (1955). Écrits, p. 335;Escritos 1, p. 324.
PetrPommier. Le dénouement d’une analyse, p. 215.
Gozo e ética na experiência psicanalítica 307
discurso
aprendeuquehá não
muitoesteja
tempoinfiltrado pelo
a indicar comsemblante e quepróprios,
certos nomes a ciênciao
de Heisenberg (incerteza) e o de Gõdel (incompletitude).
A ilusão da metalinguagem, do suposto sa ber, do discurso que
diga o verdadeiro sobre a verdade, de um Outro sem barra, Outro
do Outro e garantia dos enunciados, é fecunda e fundadora da
situação analítica. O fantasma da garantia e de um gozo ao alcance
do discurso constitui o Outro da transferência e é a esse Outro que
não existe, que é uma pura suposição, que se dirige o discurso do
inconsciente, transcrição e deciframento de um gozo do qual não se
pode nem se quer saber. E um saber sem sujeito, um saber que nos
sabe e quefaz o sujeito como efeito de seu dizer, um saber de onde
o sujeito ocupa o lugar do significado e fica em uma relação de
disjunção com relação ao objeto @, escritura do gozo, que está no
lugar da produção:
310 Gozo
o
Emenunciado
todo caso,à como
enunciação, o que se diz ao que não se pode dizer.
dizia Wittgenstein...
Que o ser se faça na retroatividade de seu ato é algo que não
concerne somente ao analisante. Está implicado aí, e em primeiro
lugar, o próprio analista. É ele quem, borgesianamente, sabe então
e para sempre o que é e quem é. Seu desejo se equipara à
interpretação, fórmula avançada por Lacan desde o sexto de seus
seminários. E sua interpretação não diz o ser, mas o faz ao modo
de um corte em uma superfície topológica que modifica suas
propriedades, quefaz algo diferentedo que havia. Não se trata de
uma frase, que
castração, maséde um atodo
bloqueio que une gozo
louco o desejo e o condição
do ser, gozo passando pela
do gozo
fálico e barreira significante interposta ao gozo do Outro de acordo
com a concepção já trabalhada sobre os três gozos (capítulo II).
A interpretaçã
o abre parao desejo, uma vez que funciona como
significante reordenador do conjunto. E, de fato, um nome-do-Pai
que abre o campo de gozo pela via do bem- dizer; deixa o sujeito
em condições de procurar a aventura do gozo desamarrando-o das
cadeias linguageiras que o continham em sua jaula de sintomas; em
outras palavras, o intima tacitamente, por sua mera presença, a atuar
além da resignação e da culpa.
A interpretação é oracular, é um dizer que se apresenta como
equivalente do real, além da articulação significante. Não é um
discurso que se agrega a outro discurso para confirmá-lo, infirmá-
lo ou desviá-lo. É uma evocação do gozo que se propõe ao
deciframento sem dizer a verdade e sabendo que o gozo não é o que
se cifra, mas o que se decifra. E oracular porque o inconsciente,
discurso do Outro, é um oráculo e a interpretação lhe é homóloga.
Na interpretação, definem-se tanto o ser do analista como o
analítico. É uma manifestação do “sou” que se convalidará pelo
“penso” que lhe seguirá. Faz-se pela presença simbólica, imaginária
e real de um analista que não se separa de seu dizer para re ser
presentado por tal dizer; ele é e está em seu dizer. O dito é a
conseqüência do ato e manifesta a posição ética, o desejo do analista.
Gozo e ética na experiência psicanalítica Ml
Não vale pela afirmação ou pela respost que lhe segue (discurso do
senhor), não é julgado no plano do safer (discurso universitário),
não responde auma cisão no sujeito (dscurso dahistérica). Uma
interpretação, um dizer traduzido :m um dito que não é a
excrescência da subjetividade deste oudaquele analista e que não
surge de nenhuma contratransferência nascarada do desejo.
5. A analogia imunológica
presente
se trata tornaram quasecom
de provocar do saber de tidos.
a anilise umaDirei, em síntese,
síndrome de que
imunodeficiência.
O sujeito, exceção feita ao psiotico, chega armado de um
sistema defensivo de anticorpos. Um aiticorpo, se escutamos isso
que o significante faz ouvir, é o que põi freio e se opõe ao gozo que
é do corpo. Façamos agora, por um mcnento, uma mistura insólita
com a ignorância provocada, as rtsistências e a repressão;
pensaremos todas elas como antiiorpos. N osso sujeito do
inconsciente, o falante, foi banhadodesde antes de nascer em
palavras e discursos que, vindo do Qtro, levaram-no a rotular
como indevidos e inconciliáveis a<ueles significantes que,
articulando-se, poderiam fazer com iuè a palavra consoasse e
ressoasse com o corpo. Com o gozo. br isso os recusa.
O organismo, diz-nos a imunologi; vulgarizada, aprende desde
o princípio a reconhecer seus próprios omponentes protéicos como
312 Gozo
uma proteína
provoca estranha,
uma reação ela funciona
de recusa, como um
um processo “antígeno”
defensivo que
que culmina
com sua assimilação ou sua expulsão. Quando as proteínas estranhas
não entram na circulação - como normalmente acontece - mas no
aparelho digestivo, elas são destruídas cm partículas elementares que
logo se usam para reconstruir outras proteínas que sejam
compatíveis com as do próprio organismo.
N ão percamos nem por um instante nosso ponto de
comparação analógica. O sistema estável reconhecimento
de dos
próprios componentes compatíveis no plano do significante é o “eu”,
o velho
com eu oficial
Fliess. indiciado desde
Os signifícantes vindosos
detempos da correspondência
fora (a palavra do Outro), não
entram no sujeito sem passar por uma alfândega “linfocitária” que
decide se essa palavra é assimilada às próprias, às que o eu aceita
por julgá-las inofensivas ou se é recusada. O destino comum é que
lhes sejam soltos seus componentes elemenlares e logo sejam
rescontruídos em compostos complexos de acordo com a
organização do Eu. Toda intervenção do saber do Outro que recaia
sobre o sujeito ativará o sistema de defesas imunológicas já
preparado. O radicalmente incompatível será recusado como vil
enxerto.
A palavraSão os efeitos
estranha dolmente
éhabitua que Freud
assimilchamou “análise
ada e neutrali selvagem”.
zada por um
sistema “protetor” onipresente. E uma função do “timo” como
dizem os médicos e também, porém com um sentido mais vulgar,
os analistas. O sujeito é ludibriado para não reagir frente aos
componentes que sente como próprios (egóicos); é induzido a
tolerar suas próprias proteínas, pela armação discursiva e imaginária
que se chama “eu”. A palavra estranha é recebida e integrada ao
aparelho defensivo. E mais; pode atuar como “vacina” que o imuniza
contra uma palavra nova e imprevisível, devastadora. Deverá para
isso ser semelhante,
“perigosos” que falammasde atenuada com que
uma verdade relação
seriaaos significantes
preferível
desconhecer.
O processo analítico foi concebido desde o princípio para
desativar esse sistema de resistências que passa ora pela assimilação
G o/o e ética na experiência psicanalítica 313
‘timo”A estratégia
iuspeitcde consiste
cumplicidade em fazer do daquilo
e encobrimento eu outro,demque;e
Outroqueixa.
D denuiciante é o primeiro suspeito; isso é algo que nm o mais
inexper;nte dos detetives pode ignorar. Deve-se fazê-lofalar para
que caiim as máscaras que ocultam suas verdadeirs razão e
identidáie. Essa identidade é a mesmaque ado sintoma, iois como
um sintoma está estruturado. A interpretação cairá obre seu
discursojma vez que se tenham desativado os processos lefensivos
habituai, as barreiras fantasmáticas. Por isso comecei :ste item
propomo que se induza uma “imunodeficiência”, una AIDS
analítica que faz o sujeito passar para uma situação de desroteção,
de desanparo, de travessia dos fantasmas da vida para mtrar em
contato om o real descarnado que se encontra além.
A sanalogias e as parábolas cativam, mas depois deexpô-las
deve-se .dvertir o público sobre sua estrutura de ficção: osssencial
que as onstitui é a diferença entre os dois termos que asintegram
316 Gozo
6. A carta ao pai
O analista se submete à exigência ética de realizar com seu
sujeito a travessia que os levará pelos caminhos perdidos do
fantasma sem se deixar deslumbrar pelas miragens do conforto
físico e anímico. Essa travessia é a que ele mesmo fez e tentará com
quem o procura para fazê-la juntos. No final encontará um último
obstáculo que não é o da castração postulada por Freud, mas a
subjetivação da morte.
Uma exigência ética para o analista. Qual? Não a dos universais
e dos da
ética preceitos, não uma
indiferença ou moral. Isso da
da apatia, é claro. M as tampouco
complacência uma do
na morte,
desdém. Uma ética anunciada desde o título de uma obra anterior
a Freud, mas que resume todo o programa ético da psicanálise quase
L
Gozo e ética na experiência psicanalítica 317
“toda ante
gozo, moralo éespetáculo
uma ampla,dauma
alma,ousada falsifiaçãi, graças à qual um
é impossív,l”?;
Em meio ao arsenal das morais crava-s o ardo psicanalítico:
“Anuncia-se uma ética, convertida ao silêndo pio advento não do
espanto, mas do desejo: e a questão é sab r c<mo o caminho da
tagarelice da experiência analítica conduza ek”.26A spirando as
palavras que se exigem do analisando e esvaiamo-as de sentido até
encontrar o silencioso núcleo pulsionahm [ue se rebaixou a
angústia para encontrar nesse além a falta feuna do ser. Não é um
além do bem e do mal, se não na medida en qe se consegue esse
objetivo indo além da angústia.
A originalidade da psicanálise nesse trreio é a de colocar o
desejo, o desejo inconsciente e não a “inteçãoque não é mais do
que umsigno e um sintomaque tem necessiadeje interpretação”,27
no lugar central da ética. Um desejo que seapôi à inércia letal, um
desejo que opta, que decide e que atua. O sieitcnão pode se evadir
dizendo que outro decidiu por ele; é um dcejocolocado por cima
dos determinismos e dos ideais, no qua nala está escrito de
antemão, ainda que, se há decisão, pode esar ecrito para sempre.
Um Wunschde Freud que em NietzscheVille é ur Macht,vontade
de poder, e um Macht de Nietzscheque errLaca éjouissance.
que
não eu
só asou
meculpado;
perdoar,e, mas
terceiro, que sendo
também, o que sblme está
é rai ou disposto
menos igual,
a demonstrar e querer crer você mesmo cuetambém eu sou
inocente; logo, contra a verdade. Isto podri; bastar-lhe, mas
não. M eteu em sua cabeça a intenção de vive tcalmente à minha
custa. R econheço que bri gamos um com oouro, mas há duas
classes de luta. O combate cavalheiresco, en |ue se medem as
forças de adversários independentes; cada un stá só, perde só,
vence só. E a luta do parasita, que não apns pica, mas que
também sorve o sangue de quem o mantém A sim é o soldado
mercenário e assim é você. É incapaz para a id; mas para poder
arrumá-las comodamente, sem preocupçês nem peso na
consciência, demonstra que lhe tirei toda ; sia aptidão para a
vida e que a coloquei no bolso. O que lheinporta agora se é
incapaz para a vida; a responsabilidade : riinha, e você se
desespera com tranqüilidade e se deixa le\»r>or mim, física e
espiritualmente pela vida. Um exemplo.h; pouco, quando
pensava em casar-se, queria ao mesmo temperío se casar, o que
admite em sua carta; mas para não ter que reover você mesmo,
desejava que o ajudasse a não se casar, proiliido-lhe essa boda
pela “desonra” que a união traria a meu nom.V Ias isso nem me
ocorreu. Em primeiro lugar, porque neste casi, omo em todos os
outros, não desejava “ser um obstáculo paras í felicidade”, e em
segundo, porque não desejo escutar jamasjma reprimenda
semelhante de meu filho. Significou-me algui; vantagem ter-me
vencido ao dar-lhe liberdade para a boda? /bolutamente nada.
M inha recusa em relação à boda não a h ad a evi tado; pelo
contrário, teria significado um estímulo pa você, já que a
“tentativa de evasão”, como se expressa, s-se-ia feito mais
co mpl eta. M eu con sentim ento para a boianão evi tou sua s
reprimendas, pois demonstra, de todas asfrmas, que sou o
culpado de que
e em todos se tenha
os outro realizado.
s casos, Para nãc
no f undo min,no entanto,ouneste
lemonstrou tra
coisa senão que minhas reprimendas se justiiavam e que entre
elas faltava uma mais, particularmente jisificada, que é a
reprimenda pela falta de sinceridade, docilidd' e parasitismo. Se
não me engano muito, também com sua cart tua como parasita
320 Gozo
Essas linhas quase finais são a razão de a carta nunca ter sido
enviada: a carta chegou antes ao seu destino, que era o próprio autor.
O parágrafo final consiste em um certo reconhecimento das razões
do pai e em uma certa insistência nas razões do filho, mas - termina
dizendo o escritor - “conseguiu-se, em minha opinião, algo tão
próximo à verdade que pode nos tranqüilizar um pouco a ambos e
nos tomar mais fácil viver e morrer. Franz”. São as palavras que um
analista espera quando ouve o longo relato do sofrimento da alma
bela até o ponto em que se produz a inversão dialética da reprimenda,
o ponto em que o analista pode resolver que as entrevistas
preliminares acabaram e que a análise pode começar. Aí onde o
sujeito alcança o limite de sua auto-expiação acusatória para aceitar
sua responsabilidade no gozo que alcança em direção ao desejo em
sua dupla função de barreira e de caminho para o gozo e o sujeito
acabará sendo, terá sido, um modo de conjugação do desejo e do
gozo que se abrirá, em meio e por meio da linguagem, de uma
relação diferente com o saber inconsciente. E a ética da psicanálise
se dará em torno do desejo, de sua cessão ou não e do bem-dizer
conforme o gozo que assim se conjuga com o desejo.
Essa é a função atribuída ao nome-do-Pai. A seu nome, que é
de um morto no aquário do simbólico onde bóiam as palavras. Não
o pai que aterroriza com seu poder aniquilador, tal como Kafka o
apresenta, mas o que pode harmonizar a lei com o desejo, o
significante com o gozo.
O desejo e o gozo, o Outro e a Coisa. A experiência da análise
se inaugura e se prossegue pela articulação dialética desses dois pares
de conceitos entre os quais se destaca o sujeito S. Razão demais para
que o dizer, o dizer que decifra, seja a articulação e o diafragma que
os liga.
Podem vir ao caso outros exemplos históricos e clínicos que
não ganham cm peso, nem em celebridade, nem em caráter
paradigmático do de Kafka: os deFreud eL acan, esses sujeitos que
se constroem em um dizer e em um escrever seu desejo que
convocam em um único ato o desejo e o gozo: isso se chamaestilo,
um estilete que deixa sua marca no Outro ao realizar a inscrição
Gozo e ética na experiência psicanalítica 321
7. Ceder o desejo?
ultrapassar o pai”.
antigo trabalho Por “os
sobre isso,que
ele fracassam
evoca na carta
ante aoRomain
êxito”. Rolland seu
Reconhece
em sua incredulidade e recusa psíquica de alcançar algo
fervorosamente desejado “a motivação universalmente válida” do
Edipo. Ante o desejo é mais seguro recuar, desvanecer-se como
sujeito, padecer de uma inibição (fading), refugiar-se no sintoma
neurótico por ação dos anticorpos que recusam o gozo como o
alheio ou paralisar-se pela angústia erigida como última barreira para
desconectar o desejo do gozo. Inibição, sintoma e angústia.
A neurose, o mal-estar na cultura, deriva da L ei que torna a
cultura possível, o sujeito desejante, o gozo transgressão e crime,
os afãs do desejante malditos, incompreensíveis, loucos. A cultura
é o mal-estar. Do gozo contido, esse ao qual não se resigna.
A psicanálise, como sedisse, é umaprática quenão se guia por
ideais ou prescrições. Sem dúvida não fica excluída a possibilidade
de julgar. A promoção freudiana do desejo (em sua relação com o
gozo) ao lugar central da ética permite uma revisão crítica de todos
os desvios impostos ao desejo inconsciente. E então cabe um juízo
e até um J uízo Final no tribunal ético, aquele em que não cabe o
perjúrio, do qual sairá uma sentença inapelável conforme a respos
ta dada pelo sujeito à pergunta:
“Você atuou conforme o desejo que
o habita?”.3'A pergunta enfatiza as conseqüências fáticas do desejo
e não o próprio desejo, questiona a ação orientada pelo desejo que
não é, como se vê, o desejode alguém, mas aquilo que habita em
alguém. Por este matiz é que este modo de colocar a pergunta é mais
preciso do que o da fórmula previamente citada e proferida por L a
can nesse mesmo dia sobre “ceder seu desejo”. Pois o desejo não
é de alguém, como se poderia entender pelo genitivo; o desejo está
do lado do Outro e “habita” em um. “A medida da revisão32da éti
ca a que nos leva a psicanálise é a relação da ação com o desejo que
35. M. Gerez A mbertín. Las voces dei superyó. Buenos A ires: M anantial,
1993 eImperativos dei superyó.T estimonios clínicos. Buenos A ires: L u
gar Editorial, 1999 (Em português: Imperativos do supereu.T estemunhos
clínicos. São Paulo: Escuta, 2006). Estas duas obras recapitulam e abordam
o essencial que a psicanálise pode dizer sobre o tema. Depois delas, já dis
semos, “o supereu nunca vo l tará a ser o que era”. A recomendação rres
i
trita de recorrer a essas obras imprescindíveis não se contrapõe às teses
diferentes,não estritamente de Freud nem deL acan, quese sustenta m neste
parágrafo.
328 Gozo
9. Do amor em psicanálise
O encontro
castração e supõe dodesprender-se
de
sejo com o gozo da sópode ter lugar
angústia sob o signo daComo
correspondente.
já dissemos no final do capítulo II (p. 117-119), entre o desejo e o gozo
há, se não o amor, o grito desaforado e dissolvente da angústia.
A psicanálise tem a mais estreita relação com o amor, pois não
há nada mais do que o amor como desfiladeiro para que se produza
essa “condescendência” tão desejada quanto defendida. O bem na
análise - deve-se superar um certo pudor pa ra dizê-lo, para não cair
ou para não sustentar uma acusação de ridicularidade pastoral da
qual L acan estava a par - tem a ver com o desejo conjugado com
o gozo e, portanto, com o amor. Não se poderia deduzir disto uma
nova idealização do amor romanesco ou um retorno às exaltações
piedosas que adornam as primeiras apologias deO banquete
platônico e que chegam ao ápice no discurso de Fedro. O amor está
consagrado a um “destino fatal” e frente a ele só cabe a forçada
valentia de assumi-lo. Não se trata do amor-paixão nem do amor dos
avozinhos fundado na reciprocidade e na compreensão piedosa;
trata-se do amor como esse mal-entendido ineludível, esse equívoco
que, bem ou mal, leva à reprodução dos corpos.
Para que possa aflorar esta condescendência é necessário que
o gozo tenha sido recusado, perdido, renunciado, separado do corpo
pelo Outro do significante e da Lei. A condição do am or é arepressão
sexual
até da provocou umSomente
pornografia. certo debilitamento
a AIDS veiodo erotismo
devolver ume,certo
ultimamente,
tempero
picante à sexualidade ao oferecer-se como um inferno prometido e
ameaçante que renova os imaginários da castração em um tempo em
real, do semblante
animado pelo desejo, eaodaqual
verdade, unidos
adormece sem; éfalta
e suplanta nem
respost perda.
a subje Está
tiva à falta a ser e é, ao mesmo tempo, o que extravia o sujeito apre
sentando-lhe essa máscara do real que é a realidade consensual, o
mundo ideológico das significações, o sentido. Adiferençafundamen
tal entre as psicoterapias e a psicanálise passa por essa opção ética
entre reanimar e corrigir o fantasma, por um lado, ou atravessá-lo
e colocar-se além de seu tamponamento do de sejo pelo outro.
E comum que a leitura da observação clí nica de L acan sobre
a relação entre o “ceder-o-desejo” e a culpa seja transformada em
uma consigna tanto insistente quanto inexistente que seria a do “não
cedas teu desejo”. Quase se confunde, de imediato, este desejo que
não há que ceder com o fantasma de uma realização imaginária do
desejo supondo alguma confluência entre o sujeito S e o objeto @,
e ignorando que o essencial da fórmula do fantasma está dado por
esta punção O que separa os dois termos. Esta leitura do seminário
Gozo e ética na experiência psicanalítica 335
atérmino da universal.
um novo análise, pois
Nãoquaisquer quesenão
pode haver sejamcritérios
implicariam
para oa término
submissão
de uma análise, infinitamente variáveis para cada análise. M elhor
ainda, critérios - como diz em seu título Gerard Pommier - de
desenlacede uma análise. E que nada permitiria assimilar o desenlace
de uma análise ao de outra. N unca se deve esquecer que, de
qualquer forma, o desejo do analista, desejo sem fantasma, “não é
um desejo puro”, mas é o “desejo de obter a diferença absoluta (...)
na qual pode surgir a significação de um amor sem limite, porque
está fora dos ilmitesda lei, em que somente ele pode viver”.42
Um amor sem limites é o amor que, de saída, renuncia a seu
objeto entendendo, como o faz a análise desde Freud, que o objeto
impõe limites ao amor e o (pre)destina à desgraça. E claro que se
trata do Freud indevidamente chamado de pessimista, o que
transcendeu aquilo que também pode ser encontrado sob sua
assinatura acerca das virtudes unitivas de Eros. A “diferença
absoluta” encontra-se no gozo, na travessia da angústia e do
fantasma dos perigos que espreitam no prosseguimento indefinido
e intransigente do desejo, a transcendência também do amor como
lugar privilegiado do reforço da imagem narcísica pelo encontro com
uma “alma gêmea”. Esta diferença absoluta que coloca se não uma
nova arte deamar, ao me nos uma con cepção do amor que vaialém
das miragens da identificação, do altruísmo, do “faça o bem sem
olhar a quem”, do “amarás a teu próximo como a ti mesmo”, do
“não faças aos outros o que não queres que façam a ti mesmo”, dos
imperativos categóricos kantiano e sadiano, da reciprocidade, da
oblatividade, da generosidade e demais belezas inscritas sob a rubrica
do “amor genital”. Sim; o fim da análise tem a ver com o amor
descarnado, sem objeto, absoluto, sem limites, sem miragens de
oharmoni
amor,a pode
ou completude
fazer , fora
com quedaolei, a particondescenda
desejo r do desejo, ali ao
onde ele,
gozo.
História
A rua comda histeria,
o espaço Etienne
clí Trillatde A.T. do Hospital-Dia A CASA (org.)
nico,Equipe
A clínica freudiana,Isidoro Vegh
O título da letra,J ean-Luc Nancy e Philippe Lacoue-L abarthe
Quando a primavera chegar, M. Masud R Khan
O Deus odioso. O diabo amoroso. Psicanáli se e representação do mal,Mareio
Peter de Souza Leite e J acques Cazotte
As bases do amor materno,M argarete Hilferding, Teresa Pinheiro e Helena B.
Vianna
Transferências, Abrão Slavutzky
Do sujeito à imagem. Uma história do olho em Ficud, Hervé Huot
O sentimento de identidade, Nicole Berry
Gigante pela própria natureza, Emilio Rodrigué
F reud e o homem dos ratos, Patrick J . Mahony
Nome, figura e memória, Pierre Fédida
A supervisão na psicanálise, Conrad Stein et al.
Perturbador mundo novo,SBPSP (org.)
Cidadãos não vão ao paraíso, Alba Zaluar (Co-cd.Edunicamp)
Casal e família como paciente, M agdalena Ramos (org.)
Mancar não é pecado,L ucien Israel
Crônicas científicas,Anna Verônica Mautner
Penare,Celia Eid e Maria Lucia Arroyo
A histérica, o sexo e o médico,L ucien Israel
Olho d'água. Arte e loucura em exposição, J oão Frayze-Pereira
Vida bandida,V oltaire de Souza
F iguras da teoria psicanalítica, Renato Mezan (Co-ed. Edusp)
Em busca da escola ideal, Neda Lian Branco Martins
A casca e o núcleo, Nicolas Abraham e Maria Tõrok
Ah! As belas lições!,Radmila Zygouris
Sigmund Freud. O século cia Psicanálise (3 vols.),Emilio Rodrigué
A dialética da falta,Alba Gomes Guerra ePatrícia Simões
A interpretação,Elisabeth Saporiti
Fato em psicanál
O corpo i se, Mode
de Ulisses. UPA rnidade e materialismo em Adorno e Horkheimer,Pau
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Considerações sobre o psiquismo do feto, Therezinha G. de Souza Dias
IsaíasMelsohn. A psicanálise e a vida.Bela Sister e Marilsa Taffarel (orgs.)
Outra beleza. Estudo da beleza para a psicanáli se,Cláudio Bastidas
Pierre Fédida
O sitio de estrangeiro,
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Psicoterapia breve psicanalitica,
O processo analítico,IJPA
Elaboração psíquica. Teoria e clínica psicanalitica, Paulina Oymrot
A linguagemdos bebês, M arie-Claire Busnel
Uma pulsão espetacular, Psicanálise e teatro,M auro P. M eiches
Freud. Um ciclo de leituras,Silvia L. Alonso e Ana M. S. Leal (orgs.)
Cadernos de Bion I,J úlio C. Conte(org.)
O estrangeiro,C aterina Koltai (org.)
Eu corpando. O ego e o corpo em Freud,L iana A lbernaz de M. Bastos
Diálogos, Gilles Deleuze e Claire Parnet
O sintoma da criançae a dinâm ica do casal,Isabel Cristina Gomes
A escuta, a transferência e o brincar,IJPA
Sexo,Rosely Sayão(Co-ed. V ia Lettera)
A prova pela fala, Roland Gori (Co-ed.UCG)
Marie-Jose Del Volgo (Co-ed.UCG)
O instante de dizer,
O desenv. kleiniano III. O significado clínico da obra de Bion,D onald Meltzer
Achados chistosos da psicanálisenas crônicasdeJ .Simão,J anedeAlmeida (Co-E duc)
A história de Tobias. Um estudo sobre o aninuis e o pai,Fabíola Luz
F reud e a consciência, Oswaldo França Neto
Putsões de vida,Radmila Zygouris
Palavras cruzadas entre Freud e Ferenczi,L uis Cláudio Figueiredo
Transferência, sedução e colonização, IJPA
Febem, família e identidade. O lugar do Outro. Isabel Kahn Marin
A criança adotiva na psicoterapia psicanalitica, Gina K. Levinzon
Mosaico de letras. Ensaios de psicanálise, Urania Tourinho Peres
Cadernos de Bion II,J úlio César Conte (org.)
Memórias de um autodidata no Brasil, M auricio Tragtemberg
L uís Cláudio Figueiredo e Nelson Coelho Jr.
Ética e técnica em psicanálise,
A arte do encontro de Vinícius de Moraes,Sonia Alem Marrach
Educação para o futuro. Psicanálise e educação, M, Cristina M. Kupfer
Política epsicanálise. O estrangeiro, Caterina K oltai
Nas encruzilhadas do ódio, M icheline Enriquez
Aids. A nova desrazão da hum anidade, Henrique F. Carneiro
O problema da identificação em Freud, Paulo de Carvalho Ribeiro
Catástrofe erepresentação, A rthur Nestrovski e M árcio Seligmann-Silva (orgs.)
Conformismo, ética, subjetividade e objetividade, IJPA
A histérica entre Freud e Lacan, M onique David-Ménard
Como a mente humana produz idéias, J . Vasconcelos
Mulher no Brasil. Nossasmarcas e mitos, Marisa Belém
A clínica conta histórias,L ucia B Fuks e Flávio C. Ferraz (orgs.)
O olhar do engano. Autismo e outro primordial, L.ia Ribeiro Fernandes
Doença ocupacional, Marina Durand
Os avatares da transmissão psíquica geracional,Olga B. R. Correa (org.)
Abertura para uma discoteca,
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A conversa infinita- l. A palavra plural, Maurice Blanchot
A morte de Sócrates. Monólogo filosófico,Zeferino Rocha
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O carvalho e o pinheiro. F reud e o estilo romântico, Ines L oureiro
O conceito de repetição em F reud, L ucia Grossi dos Santos (co-F umec)
Driblando a perversão. P sicanálise, futebol e subjetividade brasileira, Cláu
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O cálculo neurótico do gozo, Christian n I go Lenz Dunker
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Vínculos e instituições. Uma escuta psicanalítica, Olga B. Ruiz Correa (org.)
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Gérard Raulet, Henri Rey-Flaud
Personalidade, ideologia e psicopatologia crí tica,Virginia Moreira e Tod Sloan
Encontros e desencontros entre Winnicott e Lacan, Perla Klautau
Figuras clínicasdofeminino no mal-estar contemporâneo,Silvia Alonso et.al. (orgs.)
Psicopatologia psicanalítica e outros estudos, IJPA
O gozo en- cena. Sobre o masoquismo e a mulher,Eliane Z. Schermann
Anne Dufounnant elle convida J acques Derrida a falar Da hospitalidade, Anne
Dufourmantelle/Jacques Derrida
Os rumos da psicanálise no Brasil: um estudo sobre a transmissão psicanalítica,
Eliana Araújo Nogueira do Vale
Psicanálise. Elementos para a clínica contemporânea,Luís Cláudio Figueiredo
Psicologia do desempenho. Corpo pulsional & corpo mocional,J osé Luis Moraguès
Memória e exílio, Sybil Safdie Douek
Desafios para a psicanálise contemporânea,Lúcia B. Fuks e Flávio C. Ferra?, (orgs.)
Os caminhos do trauma em N. Abraham e Maria Torok, Suzana P. Antunes
Universidade e governo. Professores da Unicamp no período FHC. Mônica Tei
xeira (org.)
Envelhecer com desenvolvimento pessoal, Ana Maria S. R. Varella
Mudanças no relacionamento afetivo-sexual, Tânia da G. Nogueira (co-Fumec)
F alar em público. Experiência de mal-estar na trajetória profissional contempo
rânea,Nazildes Lôbo
TPM - Tensão, paixão e mal-estar. A subjetivação de uma mulher em tensão
pré-menstrual.J uçaraRocha SoaresMapurunga
MelanieKlein. Estilo e pensamento, M. Elisa de Ulhoa Cintra e L uis Cláudio Fi
gueiredo
Ética e finitude,Zeljko Loparic
Transferência, contratransferência e outros estudos, IJPA
A invenção
Limiares dodo L uís
psicológico,
contemporâneo, Cláudio
Rogério daMCosta
endonça Figueiredo (Co-Educ)
(org.)
A psicoterapia em busca de Dioniso, Alfredo Naffah Neto (Co-Educ)
As árvores de conhecimentos, Pierre L évy e Michel Authier
As pulsões,A rthur Hyppólito de M oura (org.) (Co-Educ)
COL EÇÃ O — TRANS VESS AS
O corpo eróge
no. Uma introdução a teor
ia do complexo'e EdipoSerge Ixclaire
CO LEÇÃO _ PLET HO !
A palavra in sensata.Suzana
Contratransferência, Poesia Alves
c psicanál
ise, Eliane For.eca
Viana
Poética do erótico, Samira Chalhub
A Escola. Um enfoquefenomenológico. Vitória Helen Cunha Espósito
Psicanálise, política, lógica, Célio Garcia
A eternidade da maçã. Freud e a ética,Flávio Carvalb Ferraz
A cara e o rosto. Ensaio de Gestalt Terapia,Ana Mari L offredo (esg.)
Pacto Re-Velado. Psicanálise e clandestinidadepolitic, Maria Auxiliadora de Al
meida Cunha Arantes
A poesia, o mar e a mulher: um só Vinícius,Guaraciah Micheletti
Psiquismo humano, M arco Aurélio Baggio
Semiótica da canç ão. Melodia e letra,Luiz Tatit
A cientificidade da psicanálise. Popper e. Peirce, Elisabth Saporiti
A força da realidade na clínica freudiana, Nelson Codio Junior
Corpoafecto: o psicólogo no hospital geral, Marilia A M uylaert
Crianças na rua.A na Carmen Martin del Collado
Um olhar no meio do caminho, Sônia Wolf
Os dizeres nas esqiiizofrenias.Uma cartola sem fundoMariluciNovaes
COLEÇÃO - FILOS OF IA NO RA SIL
F reud na filosofia brasileira, Leopoldo Fulgencio e Rioard T. Simankc (orgs.)
Kant no Brasil.Daniel Omar Peres (org.)
Título Gozo
Projeto Gráfico Diogo Angelo/.i Rossao
Diagramação Diogo Angelozi Rossao
Revisão Tereza C ristina P. T eieira
F ormato 14x21 cm
Tipologia Times New Roman (1,5/12,5)
Papel Cartão Royal 25()g (caa)
Off set 75g (miolo)
Número de páginas 344
Tiragem 1 000
Impressão Gráfica e Editora Vida: Consciência
Os sucessivos desenvolvimentos
e seus efeitos sobre a teoria do
inconsciente, a sexualidade e
a ética permitem vincular o
gozo a questões tão urgentes
como a drogadiçào, as psicoses,
as formas da angústia
contemporânea e o debate
sobre as perversões.
deste livro.
tornou Desde
a obra então, ele
de consulta maisse
citada e recomendada para
elucidar as dificuldades do
célebre conceito de J acques
Lacan, que coroa e dá sentido
ao conjunto do pensamento
psicanalítico tal como aparece
desde os primeiros trabalhos
de Sigmund Freud.
Anos mais tardes, após a
tradução para o francês, o
percurso internacional da obra
fez com que se acrescentassem
comentários, tendo sido
necessárias atualizações
bibliográficas e correções,
além de uma consideração de
novos temas que não faziam
parte da versão srcinal.
O autor efetuou uma revisão
completa do texto e, em seu
conjunto, esta edição
aumentada pode ser
considerada definitiva.
Entre a satisfação profunda e
a plenitude sexual, intelectual
ou espiritual, entre o prazer
próprio e o do outro, entre a
proibição e o desejo,
apresentadas em as noções
Gozo persistem
na tradição renovadora da
teoria e da clínica psicanalítica.
mÊm
A “diferença absoluta” encontra-se no gozo, na
travessia da angústia e do fantasma dos perigos
que espreitam no prosseguimento indefinido e
intransigente do desejo, a transcendência
também do amor como lugar privilegiado do
reforço da imagem narcísica pelo encontro com
uma “alma gêmea”.
0 auto-erotismo conduz por suas vias ao prazer e
este prazer é razão de um gozo paradoxal, o gozo da
transgressão, dos remorsos, do castigo imposto pelo
Outro que leva a contabilidade do gozo, que está
preocupado pelo que o sujeito experimenta com
seu corpo, que esgrime o chicote, a loucura ou as
chamas do inferno como argumentos de sua lei.
... o inconsciente é deciframento do gozo e seus
produtos são suscetíveis de interpretação. A práxis
da análise consiste em intervir sobre o discurso
desarmando a trama de significações para que
aflore esse gozo do deciframento de um saber que
não é saber de ninguém do qual alguém, o sujeito,
é o efeito, o filho.
Regozijo.
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escuta