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1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 2
7 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................... 59
1 INTRODUÇÃO
Prezado aluno,
Bons estudos!
2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELINQUENTE
Delinquência e prazer
Pode-se associar o ato de delinquir ao prazer psicológico de seu exercício? As
considerações seguintes propõem uma reflexão a respeito dessa questão, que não
pode deixar de ser considerada quando se trata da recuperação do delinquente. Caso
a resposta seja positiva, existem mecanismos, como a sublimação e o deslocamento,
entre inúmeros que podem ser empregados, a respeito dos quais o instrumental
teórico apresentado proporciona diversas possibilidades de aplicação.
Além dessa indagação, outras podem ser formuladas a respeito da gênese da
delinquência. A respeito delas serão também apresentadas algumas hipóteses.
O gozo na violência
O gozo na violência distingue-se da situação anterior pelo fato de o indivíduo
experimentar prazer com a violência em si, ainda que ela não necessariamente resulte
em dor de outras pessoas e o indivíduo nem mesmo se interesse, caso ela ocorra, em
avaliar sua intensidade e extensão. A violência é o objetivo, observado com
facilidade nos transtornos de caráter, como a psicopatia.
Diversos fatores contribuem para que a violência se transforme em objeto de
gozo.
O condicionamento constitui fator marcante: o indivíduo, continuamente
submetido a experiências em que a violência constitui o diferencial (no lar, na escola,
no lazer), com o tempo integra-a ao seu esquema de comportamento; o cérebro
desenvolve padrões de respostas para estímulos violentos e o indivíduo comporta-se
de maneira não apenas destinada a responder a tais estímulos, mas, também, a
provocá-los.
Submetido a ambientes não violentos, este indivíduo mostra desconforto; seu
organismo ressente-se da falta de estímulos com os quais encontra-se acostumado.
Essa situação é perceptível entre alunos irrequietos, quando se tenta forçá-los
a aulas que exigem reflexão, em situação estática e silenciosa. Ela encontra-se
presente entre ex-detentos e crianças em situação de rua. A violência torna-se lugar-
comum, conforta (!) e proporciona sensação de segurança. Ela integra uma linguagem
que lhes proporciona identidade e sentido de pertencer a um grupo distinto.
A observação de modelos atua no mesmo sentido. O indivíduo desenvolve
repertório estereotipado e automático de comportamentos violentos porque, no meio
em que vive, esta constitui a linguagem de comunicação dos formadores de opinião.
Os condicionamentos e a observação de modelos reforçam-se mutuamente
para criar um indivíduo que não distingue o comportamento violento dos demais; não
percebe quando e quanto o pratica, nem que se sente satisfeito, aliviado, ao praticá-
lo. A habitualidade, contudo, reduz a satisfação presente em cada ato. A solução
passa a ser intensificá-los, em quantidade e qualidade, até que a violência se torna
praticamente contínua – funciona como a droga: quanto mais se ingere, mais é
necessário para manter o mesmo efeito.
“Nas famílias nas quais existe violência física as relações do agressor com os
filhos-vítimas se caracterizam por serem uma relação sujeito-objeto”, assinalam
Azevedo e Guerra (Azevedo e Guerra, 1995, apud Fiorelli et al, 2017, p. 218). O objeto
aprenderá com a violência que recebe e a repetirá com outros objetos: as pessoas
que com ele interagirem. Desenvolve-se, pois, um processo de objetivação dos
relacionamentos que se propaga.
Esse “gozo na violência” adquire inúmeras manifestações:
indumentária e decoração refletem a opção comportamental;
a pessoa cerca-se de símbolos que evocam a violência, ainda que não se
disponha, em um primeiro momento, a praticá-la sistematicamente; eles
aparecem nos decalques dos vidros dos veículos, em tatuagens e outros
elementos;
o indivíduo procura o convívio de pessoas violentas; idealiza-as e torna-as
modelos de referência;
esportes, condicionamento físico e outras atividades são escolhidas e
conduzidas de maneira a exteriorizar o desejo de violência; quando
adequadamente praticadas, o indivíduo consegue conviver em harmonia com
as normas sociais (sublimação); entretanto, são conhecidíssimas as “explosões
emocionais” que produzem comportamentos extremos: assassinato no trânsito,
direção perigosa, crimes passionais, espancamento de filhos etc.
O gozo não se limita à violência física, mas estende-se à psicológica, que
possui nuances particulares nos relacionamentos conjugais, familiares e do trabalho.
A gênese da delinquência
Predisposição genética
Fonte:www.pt.depositphotos.com
A escola e a infância
A escola (colegas e professores) tem suficiente influência para criar valores ou
modificar aqueles que a criança traz do ambiente familiar. Se os pais são omissos ou
ausentes, existirão colegas mais próximos que conquistarão importante lugar como
modelos de comportamento. Na adolescência, poderão desempenhar o papel de
heróis da juventude.
Nada, contudo, retira do lar o privilégio da formação inicial dos
comportamentos. Entretanto, comportamentos e conhecimentos são acumulativos e
negar a importância das influências posteriores aos primeiros anos representa negar
a capacidade adaptativa do ser humano.
O social se impõe sobre o estritamente biológico. O fato de viver em sociedade
confere a esta notável poder sobre o indivíduo e, seja por força do todo, seja pela dos
pequenos grupos dos quais participa, as influências iniciais sofrem relativo
enfraquecimento (ou, no mínimo, uma contextualização) já no início da idade escolar.
A extensão em que isso acontecerá está diretamente ligada ao fenômeno das
fronteiras entre subsistemas do complexo familiar. Em famílias muito coesas, onde os
relacionamentos são fusionais, com graves prejuízos à individualidade, prevalecerão
sempre os valores e comportamentos adquiridos no lar; quando as famílias são mais
abertas, permitindo a cada integrante desenvolver plenamente a individualidade, as
influências da escola, dos novos amigos (e, mais tarde, dos colegas de trabalho),
ganharão importância.
A escola tem sido, insistentemente, sugerida como fonte de graves distorções
comportamentais (constata-se essa reclamação, com frequência, na clínica
psicológica), porque pode ser a porta de entrada para as drogas e para a violência.
A polícia estacionada nos portões denuncia esse quadro de miséria social.
Vidros quebrados, muros pichados, aproveitamento escolar tíbio compõem esse caldo
indigesto.
Os comportamentos antissociais iniciam-se, cada vez mais cedo, confundindo
em um mesmo ser o vitimizado e o vitimário. Evidenciam-se pelas agressões violentas
perpetradas por crianças contra seus professores e colegas, coloridas por
demonstrações de raiva nem de longe condizentes com o que se espera de um
indivíduo no início da vida.
Gravíssimos problemas familiares encontram-se na base dos delitos infantis –
as teorias já apresentadas permitem formular diversas hipóteses a respeito – e,
também, um possível pedido de socorro por serem, essas mesmas crianças que
agridem, vítimas de outras formas de agressões, dada a pungente vulnerabilidade da
criança a estímulos externos (Silva, 2003, apud Fiorelli et al, 2017, p. 227).
Do dueto bisonhamente encenado por pais descompromissados e escola
problemática resulta a estrutura psicológica que prepara a criança para a
importantíssima fase do ciclo vital em que se dá o contato com novos valores, modelos
e comportamentos: a adolescência.
Papéis
Distinguem-se três papéis diferentes e complementares entre os delinquentes:
o fomentador, o agente e o conivente.
O fomentador lidera o grupo ou atua só. Mantém as mãos limpas enquanto os
demais as maculam nas práticas proibidas; prefere o risco virtual ao físico; homem-
aranha, trabalha com teias nas quais envolve as moscas operárias, sem se enredar.
Aparece para dar o bote. Não se incomoda com o anonimato.
O agente, na atuação em grupo, inclui a absoluta maioria dos que enveredam
pelo caminho do delito. Se ao primeiro corresponde a personalidade antissocial, ao
segundo ajusta-se a dependência, a instabilidade emocional, a falta de iniciativa.
Depende do primeiro, cuja liderança aceita e reconhece.
O conivente, representado pelo cidadão comum, assume atitudes que vão de
ignorar a dar cobertura. A conivência manifesta-se, ainda, no piscar faróis na rodovia
para denunciar a presença do policial rodoviário na missão de coibir excessos e aplicar
a lei; na vergonha de exigir a nota fiscal; enfim, em um sem-número de situações que
indicam esse comportamento de benevolência em relação aos delitos. Ela decorre,
também, do medo de se defrontar com o delinquente, consequente à sensação de
vulnerabilidade ante a pouca efetividade da segurança pública a curto ou longo prazo.
O delinquente percebe esse estado de coisas e adquire a crença,
fundamentada, de que poderá dele beneficiar-se.
Fonte: www.bioforense.com.br
Crime e consequência
Sem a pretensão de esgotar o tema, mas a título de exemplo para discutir a
aplicação da legislação penal, no que concerne à pena aplicada e à efetividade da
mesma, têm-se alguns comentários a respeito de determinados tipos de crime.
Dos mais comuns, o crime da fraude ganha o estímulo da complacência e
desperta curiosos mecanismos de defesa, manifestos em comentários do tipo: “O
crime da fraude deve ser visto como fator de sobrevivência. Quem não faz ‘quebra’.”
A preservação do negócio, a salvação dos empregos que proporciona,
constituem a ladainha típica que nutre o mecanismo de defesa psicológico que
estabiliza o psiquismo do fraudador.
Há sempre, também, um caminho da absolvição pela via rápida da caridade.
Faz parte desse curioso sincretismo religioso-político-social tipicamente brasileiro.
Curiosamente, o mesmo indivíduo que advoga o relaxamento para o crime de
fraude pode solicitar maior rigor contra o crime de sangue.
Os crimes da violência, principalmente aqueles cometidos no reduto do lar, têm
grande importância pela ocultação. Incluem o incesto, a agressão física ou moral, a
rejeição e a negligência. Sabe-se da criança mantida presa no quarto ou atada ao pé
da cama, do idoso deixado à míngua, da costela fraturada da dona de casa; histórias
sussurradas ao pé do ouvido que alimentam fofocas de familiares e vizinhos; os
murmúrios do encobertamento preservam honras e interesses e impedem a
aplicabilidade da lei.
Os crimes de sangue, contudo, parecem agredir mais os sentimentos: há certa
repulsa em se acobertar o que tirou a vida de alguém, principalmente crianças. Isso,
entretanto, em conformidade com o tradicional caleidoscópio de paradoxos que forma
o comportamento social brasileiro, não vai muito além de indignações pontuais contra
este ou aquele indivíduo em casos específicos com que a divulgação choca a opinião
pública; rapidamente, o status quo retorna, a rotina se instala.
Esse estado de espírito contemporâneo, de convivência relativamente
complacente e pacífica com a criminalidade e com o extraordinário custo social que
ela representa, repete o alerta de Foucault a respeito do final do século XVIII
(Foucault, 1987, apud Fiorelli et al, 2017, p. 239): “uma crise de ilegalidade popular”.
O preconceito se encarrega de colocar um rótulo geográfico nos
acontecimentos. Pensa-se nos lares das periferias, nas favelas, nos bairros onde o
proletariado se empilha em espaços exíguos sob as lajes descobertas do casario
eternamente a concluir. Esquece-se de que o joio viceja nos trigais dos bairros
exclusivos, de entrada seletiva, cercados de muros e guaritas e ruas monitoradas.
A mão que reprime, a justiça que condena, também padecem de miopia
sociogeográfica; mostra-se mais eficaz quanto pior for a condição econômica dos
identificados na prática dos delitos, como explicitado anteriormente na teoria do
“etiquetamento”. Essa constatação inclui, significativamente, um desequilíbrio de
penalidade para os diferentes tipos de ilegalidade, conforme já apontava Foucault
(Foucault, 1987, apud Fiorelli et al, 2017, p. 239).
Não sem motivos. Enquanto furto e roubo sugerem a presença do moreno
pobre, que se presume pouco dotado intelectualmente, semialfabetizado e
marginalizado na hierarquia social, reservam-se as suspeitas sobre fraudes de todos
os tipos para o branco, rico e respeitável, o que se acentua ainda mais nos sagrados
nichos da gestão pública e do aparato legislativo.
Essa percepção viciosa faz com que as pessoas “naturalmente” percebam
comportamentos indicadores de delitos que se ajustam às suas crenças arraigadas a
respeito dos prováveis praticantes. Uma mentira que veste Armani não passa de um
lapso de memória ou uma inocente confabulação que Freud explica, enquanto o
esquecimento do desdentado Sebastião, receptador de autopeças no popular
desmanche da periferia, é visto como uma estratégia ingênua para burlar a polícia e
falsear o testemunho.
A punição, contudo, seria uma força redutora do estímulo para delinquir. Se a
intimidação resultante atingir um nível satisfatório, acredita-se que o indivíduo desista
e busque soluções socialmente ajustadas. Isso, nem sempre, segue uma lógica
cartesiana, explicam Gomes e Molina (Gomes; Molina, 1997, apud Fiorelli et al, 2017,
p. 240):
Segundo o Prof. Menelick de Carvalho Netto (Netto, 2016 apud Fiorelli et al,
2017, p. 323), o Direito tem um objeto. Esse objeto do direito não é a conduta humana,
mas a fixação de um padrão de conduta.
Para se atingir esse objeto, o Direito necessita deparar-se com a oposição ao
desejável, isto é, a situação em que ocorre exatamente o contrário do que se
preconiza. Assim, é extremamente relevante para o Direito que alguém mate alguém,
porque aí ele pode funcionar e mostrar que funciona; entretanto, também é
extremamente relevante para o direito que as pessoas habitualmente não se matem;
que haja uma previsibilidade bastante plausível de que as pessoas possam sair de
suas casas sem uma alta probabilidade de serem assaltadas, mortas, estupradas. O
Direito, contudo, não pode garantir que isso não vá ocorrer; se ele existe, é porque
isso pode ocorrer, porém, com pouca probabilidade.
O Direito, portanto, trata da conduta humana, porém, a norma jurídica não basta
para inibir, asseguradamente, os comportamentos indesejáveis.
Na busca desse objetivo, atua em um campo de intersecção com as ciências
humanas e de saúde, cujos objetos também focalizam o comportamento humano.
Fonte: criminologiaepsicologiaforense.blogspot.com.br
O fenômeno delitivo
O estudo do fenômeno delitivo tem apresentado diversas classificações ao
longo da história, ora tratando-o como manifestação individual, ora social, ou, ainda,
conjugando-se ambos os fatores. No entanto, a extensa lista de classificações denota
a persecução dos doutrinadores em catalogar tipos delinquentes que não se definem
no cotidiano, vez que indicar delinquência somente a partir do autor do fato representa
deixar de fora todas as vicissitudes sociais.
Apresenta-se a seguir, apenas para fins didáticos, a classificação proposta pelo
Prof. Hilário Veiga de Carvalho, citado por Maranhão (Maranhão, 1981, apud Fiorelli
et al, 2017, p. 326), que se refere ao indivíduo que comete o crime e as influências
para que o ato delitivo ocorra. Nesta classificação, associa-se a origem do
comportamento criminoso a dois tipos de fatores: as forças do meio e as forças
intrapsíquicas.
Tem-se, assim:
mesocriminoso: atuação antissocial por força das injunções do meio exterior,
como se o indivíduo fosse mero agente passivo; por exemplo, o silvícola;
mesocriminoso preponderante: maior preponderância de fatores ambientais;
mesobiocriminoso: determinantes tanto ambientais, quanto biológicos;
biocriminoso preponderante: portador de anomalia biológica insuficiente
para levá-lo ao crime, mas capaz de torná-lo vulnerável a uma situação exterior,
respondendo a ela com facilidade;
biocriminoso puro: atua em virtude de incitações endógenas, como ocorre em
algumas perturbações mentais.
O primeiro e o quinto tipo são considerados pseudocriminosos, por faltar ao
primeiro o animus delinquendi e ao quinto a capacidade de imputação penal. Quanto
aos demais, aplica-se o seguinte quadro:
Hipóteses
Diante da abrangência do assunto, cabe ressaltar a importância de não limitar
as abordagens a uma visão reducionista, quer pelo aspecto biológico, quer social. Os
estudos acerca da influência do meio vêm ganhando maior destaque, hajam vistas as
dimensões apontadas por autores como Baratta (1990; 1999) e Zaffaroni (1998); por
outro lado, estudos sobre o funcionamento cerebral e influências endócrinas algumas
vezes recebem proeminência.
Comentam-se, a seguir, duas dessas hipóteses.
a) O crime como resultado da privação
Do ponto de vista das teorias que privilegiam a percepção, demonstra-se que
a privação tem antes um efeito relativo do que absoluto. Trata-se, aqui, da relação
figura e fundo.
Se, por um lado, a privação, tanto econômica, quanto afetiva, pode influenciar
negativamente no desenvolvimento do ser humano, por outro, encontram-se diversos
exemplos na vida cotidiana que indicam a possibilidade de um comportamento
adaptativo e resiliente que levam indivíduos a reagir satisfatoriamente, do ponto de
vista social, mesmo quando submetidos a ela. Por exemplo, comunidades carentes
cuja adesão a comportamentos criminosos é irrelevante ou situa-se dentro dos
padrões da população.
Assim não fosse, um país com imensos desequilíbrios econômicos como o
Brasil veria a população que mais padece de privações engolida por um turbilhão de
delitos, o que, absolutamente, não acontece.
A situação oposta ratifica essa conclusão; os graves delitos cometidos por
indivíduos no outro extremo da cadeia social (que se suspeita tenham incidência
dentro da média desse tipo de comportamento) tanto sinalizam para a veracidade do
efeito da percepção sobre os comportamentos como para a evidência de que a
privação nem sempre é determinante para o comportamento delituoso.
Além disso, reconhece-se que são inúmeras as vias de solução da privação,
que não a delinquência, tais como:
a elaboração psíquica; influenciada, sobremaneira, pela aquisição de novas
habilidades e pelo desenvolvimento cognitivo, para o qual a escola contribui
fortemente;
o deslocamento ou a sublimação, como acontece com o relacionamento
amoroso, a dedicação a atividades de alcance social (lucrativas ou não), a
prática de atividades prazerosas;
procedimentos obsessivos estereotipados, socialmente ajustados, como a
concentração no trabalho e sua utilização com objeto substitutivo;
transtornos mentais como a ciclotimia, a distimia, a depressão;
a drogadição, que constitui um mecanismo eficiente (mas não eficaz) de fuga.
A delinquência, sob esta ótica, pode ser percebida como um mecanismo de
reação à privação; eficaz, quando comparada com a drogadição ou o transtorno
mental; ineficaz, quando esse mecanismo cronifica-se e acaba por afastar o indivíduo,
definitivamente, do convívio social satisfatório ou o leva a produzir males que não têm
possibilidade de reparação (como o homicídio).
As modalidades de crime
A conduta humana é tipificada como crime a partir da ilicitude e materialidade
do fato. Antes, porém, da realização do delito, esta ação percorre um caminho
subjetivo que vai da leve sugestão interna ou desejo à intenção, decisão e o efetivo
cometimento, o qual, não encontrando resistências internas e/ou externas, eclode
para o social.
Nesta seção, privilegia-se o enfoque psicológico sobre estas condutas,
relembrando que o comportamento humano é dinâmico e em constante interação com
os demais.
O sistema de crenças coloca justificativas para os comportamentos que
escapam à normalidade social. São situações de extrema gravidade, em geral
envolvendo grupo significativo de pessoas que se apoiam mutuamente, em suas
ações, em torno de motivos relacionados com suas crenças. O denominador comum
é a aderência a valores ou códigos de seus próprios grupos.
Fonte: goodmenproject.com
Delito doloso
No delito doloso, há evidência da vontade consciente; contudo, a análise, em
profundidade, das motivações que levam a pessoa à prática do delito agregará
elementos para melhor ilustrar a maneira como essa vontade se expressa.
Em primeiro lugar, é de se considerar que a consciência estabeleça um diálogo
com o inconsciente, na avaliação da vantagem de perpetrar o ato. Desse diálogo
(desconhecido, obviamente, pelo indivíduo) resultará o mecanismo de defesa que o
próprio inconsciente utilizará para justificar-se pelo comportamento.
Entre esses mecanismos, destacam-se:
a projeção: atribui-se a alguém a culpa pelo próprio insucesso ou infortúnio.
a racionalização: inventa-se uma razão para justificar o ato censurável.
O delito doloso encontra fácil justificativa no desequilíbrio emocional: ele se
apresenta como a solução que o psiquismo dispõe para dar fim à evolução de um
conflito em que o estresse se acumula e precisa de uma válvula de escape. Explode
a pólvora ou explode a mente. Esta escolhe aquela.
Em boa parte das situações, o condicionamento surge como uma explicação
razoável para o comportamento. Numa agressão no trânsito, tudo parece indicar que
os agressores são dados a comportamentos violentos, à reação impulsiva,
inconsciente em sua aparência.
Vistas mais de perto, essas reações não são assim tão impulsivas, porque elas
acontecem corriqueiramente, em inúmeras situações que pontuam a vida dessas
pessoas. Inúmeras vezes, conhecidos e familiares já lhes sinalizaram a respeito dos
problemas desses comportamentos que são mantidos por esses indivíduos.
Conforme se comentou, trata-se de uma “drogadição interna”. A mente
acostuma-se com a adrenalina em altos níveis e solicita-a. Ou recebe doses extras
por meio do mecanismo de sublimação, ou vem a explosão, dirigida ao alvo mais
próximo. Não há como debitar essa conta ao passivo do inconsciente.
Delito culposo
O Código Penal refere-se a três situações às quais aplica-se a classificação de
delito culposo:
a imprudência;
a negligência; e
a imperícia.
O caso paradigmático pode ser o do cirurgião que “esquece” uma ferramenta
no interior da cavidade, provocando a morte do paciente, ou ainda o empregado que,
contrariado com o que ele interpretou como “injusta determinação do patrão”,
“esquece-se” de trancar a porta da loja e esta é saqueada.
Sob a ótica da psicologia, todas essas situações apresentam interpretações
que roubam a responsabilidade das mãos do acaso, para transferi-la, em variados
graus, para as mãos do autor – ainda que se reconheça o caráter inconsciente do
comportamento delituoso.
Delinquência ocasional
Denomina-se “ocasional” o delito praticado por agente até então socialmente
ajustado e obediente à lei, que só chegou à ação antissocial respondendo a uma forte
solicitação externa (Maranhão, 1981, apud Fiorelli et al, 2017, p. 339). Em geral,
apresenta uma personalidade ajustada aos padrões de normalidade.
Já se tratou aqui da prática de pequenos delitos e de seu impacto na construção
de um comportamento rotineiro, principalmente quando a cada delito não corresponde
algum tipo de consequência.
Nesse caso, surge o condicionamento para o ato delituoso, cuja remissão
torna-se difícil pela frequência com que as oportunidades se apresentarão.
A delinquência ocasional, entretanto, de grande dimensão – como o homicídio
– surge como resposta a uma forte emoção e sua repetição torna-se mais improvável
pelas características do momento ou do agente.
Estas considerações têm por finalidade reafirmar a importância de se dar
atenção aos pequenos delitos porque, pela via da delinquência ocasional, eles se
tornam a porta para comportamentos delituosos persistentes e evolutivos.
Delinquência psicótica
É a prática criminosa que se efetiva em função de um transtorno mental.
São casos em que ocorre ilusão, alucinação, esquizofrenia, psicose puerperal,
etc.
Diversas psicopatologias podem conduzir a comportamento delitivo; devem ter
diagnóstico por especialista e é indispensável que o quadro seja predominante ao
tempo da ação.
Uma dificuldade, para essa comprovação, é o tempo transcorrido entre o fato e
a avaliação.
A delinquência psicótica, entretanto, ocasiona grande impacto emocional ao
observador porque:
há o temor de que o comportamento se repita;
não existe um quadro de referências que se possa considerar associado ao
comportamento; ele pode ocorrer a qualquer momento, em qualquer lugar;
há também o temor de que o indivíduo seja considerado “curado” quando isso,
de fato, não aconteceu e ele é liberado da instituição de exclusão à qual possa
ter sido recolhido, por medida de segurança e para tratamento;
finamente, tem-se também o temor de que a delinquência psicótica possa ser
uma sofisticada simulação.
Ressalte-se que o conceito de medida de segurança está ligado ao de
periculosidade e de intervenção por profissional de saúde.
A exposição de motivos do Código Penal assevera:
Delinquência neurótica
Na delinquência neurótica, a conduta delitiva é encarada como uma
manifestação dos conflitos do sujeito com ele mesmo. O que incomoda o psiquismo
reflete-se no ato, com a finalidade inconsciente (total ou parcial) de punição. Trata-se,
pois, de uma delinquência sintomática.
A punição serve para aplacar um sentimento de culpa de outra origem (o
conflito primário).
Maranhão distingue “neurose” de “personalidade delinquente”, conforme o
quadro seguinte.
NEUROSE PERSONALIDADE DELINQUENTE
Conflito interno Aparentemente sem conflito interno
Agressividade voltada a si Agressividade voltada à sociedade
Gratificação por meio de fantasias Alívio de tensões internas por ações criminosas
Admissão dos próprios impulsos e Atribuição de seus impulsos ao mundo exterior
reconhecimento dos erros
Desenvolvimento de reações emocionais positivas Desenvolvimento de defesas emocionais
Superego desenvolvido Superego desarmônico
Comportamentos socialmente ajustados Comportamento dissocial (desconsideração
para com os códigos sociais)
Reação à passividade e dependência com Tentativa de negar a passividade e a
sofrimento, mas admitindo a situação dependência com atitudes agressivas
Caráter “normal” Caráter deformado (dissocial)
Perturbações psicossomáticas menos frequentes Perturbações psicossomáticas mais frequentes
Delinquência profilática
O agente entende que estará evitando um mal maior e não revela remorso; por
exemplo, a eutanásia.
Nas situações anteriormente citadas, em que grupos atuam movidos por
poderosas crenças comuns, pode haver a interpretação de que suas ações tenham a
genuína missão de profilaxia social.
Se essa compreensão (eventualmente) não passa pelos líderes, que se
aproveitam dos benefícios econômicos dos movimentos, não se estranhe de que seja
percebida como real por substancial parte dos liderados. Isso, entretanto, não significa
que as fragilidades psíquicas e a personalidade antissocial não constituam elementos
predominantes nesses indivíduos.
As questões que envolvem a delinquência profilática são de grande
complexidade e devem ser analisadas com estreita observância dos aspectos sociais
e culturais que sobre ela exercem influência determinante.
Elas podem, por exemplo, no caso de violência doméstica, em que pai ou mãe
inflingem severos castigos aos filhos, resultar de um procedimento já convencional na
história familiar, pelo qual os progenitores mesmos passaram. Não praticar esse tipo
de procedimento significaria, sob a ótica da família, a não assunção de
responsabilidade sobre a educação das crianças.
Contornos diferentes, porém relacionados, ganham os delitos praticados por
justiceiros, presos em cumprimento de penas, e até mesmo por representantes das
forças de segurança pública. Sob a ótica da assepsia social, manifestam-se em
homicídios, sevícias e torturas. Evidencia-se um tênue limite entre o caráter
“pedagógico” que lhes imprimem seus autores, procurando evitar o “mal maior”, e um
caráter meramente vingativo.
É comum, por exemplo, que em prisões determinados delitos sujeitem aqueles
que os praticaram a também experimentá-los, praticados por outros presos. Por
exemplo, o abuso sexual; deve-se cuidar para garantir a integridade física do detento,
porque esse tipo de crime, em geral, desperta sentimentos de repugnância e desejo
de vingança para os demais sentenciados.
Indo além: há ações a tal ponto não toleradas pela população prisional que o
castigo, não havendo nada que o impeça, é a morte daqueles que a praticaram,
retomando uma forma antiga de se fazer justiça, a pena de Talião, o “olho por olho,
dente por dente”. Esse procedimento funciona como uma expiação de culpa, com a
qual os sentenciados se redimem, senão perante a sociedade, perante os próprios
psiquismos.
O processo de investigação
A investigação do crime constitui um processo por meio do qual apura-se, ou
procura-se apurar tanto quanto possível, a realidade dos fatos.
Para a psicologia, deve-se distinguir a realidade objetiva da realidade psíquica,
que é a única existente para cada indivíduo. Em uma dada situação, pode ocorrer que
a realidade objetiva não corresponda a nenhuma das realidades psíquicas dos
indivíduos nela envolvidos e, também, que a combinação dessas realidades não
resulte na mesma realidade objetiva.
Fonte: canalcienciascriminais.com.br
4 O CRIMINAL PROFILING
Fonte: i1.wp.com
Fonte: atarde.uol.com.br
A metodologia do profiling
Obviamente, todos os elementos pertinentes à cena de um crime servirão de
subsídio para a construção do Perfil. Para que estes dados permaneçam os mais
exatos possíveis, em um primeiro momento, muitos profissionais imprimem fotografias
de diversos elementos das cenas, como sua localização, a quantidade das cenas, a
arma do crime, a organização ou desorganização do local, inclusão ou a falta de
elementos nas cenas e, em certos casos, ainda, da posição do corpo da vítima (Davis,
1999; Douglas et al., 2006 apud Schmidt et al, 2013, p. 5).
O local em que um crime é cometido revela muito acerca da personalidade de
um ofensor. Lugares desertos constituem grande risco para as vítimas, ao passo que
locais com grande circulação de pessoas configuram um fator de proteção para as
mesmas. Quer dizer, um criminoso que deseja passar muito tempo com sua vítima
inclina-se a escolher locais onde possua maior privacidade para ser sua cena de crime
(Douglas et al., 1986 apud Schmidt et al, 2013, p. 5).
Em seguida, organizam-se os modelos de classificação, os quais avaliam a
presença ou ausência de motivação sexual, ferimentos pós-morte, o número de
ofensores e o grau de violência presente na(s) cena(s) do(s) crime(s) ou também no(s)
corpo(s) da(s) vítima(s) (Correia; Lucas; Lamia, 2007; Davis, 1999; Douglas et al.,
2006 apud Schmidt et al, 2013, p. 5), que abordar-se-á em um tópico adiante.
Davis (1999) e Douglas et al. (1986) caracterizam ainda os crimes quanto ao
seu tipo. Para esses autores, a avaliação de casos de homicídios, assassinatos em
massa ou seriais, podem determinar se o crime foi planejado ou aleatório.
Consideram-se assassinatos em massa ou em série aqueles cujo número de vítimas
é igual ou superior a três, em eventos isolados ou não. Nos casos de assassinatos em
série, as mortes respeitam a um intervalo de tempo e localização, que podem ser
relativos. Já nos assassinatos em massa o evento acontece uma única vez, porém
envolvendo um grande número de vítimas.
Não se descartam evidências físicas ou dados resultantes das avaliações
laboratoriais. Elementos forenses como a causa e a hora da morte, duração do crime,
presença ou não de abuso sexual, tortura e de testemunhas, juntamente com os
relatórios de autópsia constituem informações que podem, em momento posterior,
definir características importantes acerca do modo de agir e pensar do criminoso
(Douglas et al., 2006 apud Schmidt et al, 2013, p. 5), levando em conta a presença ou
não de psicopatologia. Por tratar-se de um assunto que merece atenção especial, o
exame das características das vítimas também será abordado em tópico posterior.
Assim, na fase de avaliação do crime, sintetizam-se as informações obtidas
tendo em vista a formulação de hipóteses. Para tanto, faz-se necessária a
reconstituição do cenário criminal a fim de compreender a assinatura e o modus
operandi do criminoso (Correia; Lucas; Lamia, 2007; Douglas et al., 2006 apud
Schmidt et al, 2013, p. 5), através da dedução dos comportamentos da vítima e do
ofensor.
A forma como um crime é praticado, denominada de modus operandi (MO),
permanece diretamente relacionada a aspectos da personalidade do ofensor (Canter,
2004 apud Schmidt et al, 2013, p. 6). Douglas et al., (2006 apud Schmidt et al, 2013,
p. 6) definem o MO como os comportamentos especificamente exercidos pelo ofensor
durante o crime, mas que podem se modificar conforme seu “aprendizado”. Por
exemplo, um assaltante que utilize canivetes em seus crimes e fracassa, poderá
aprimorar seu MO para empregar armas de fogo ao dominar suas vítimas.
No extremo oposto, existe o conceito de assinatura, que compreende os
elementos singulares da cena do crime e o distingue dos demais crimes cometidos
(Verde; Nurra, 2010 apud Schmidt et al, 2013, p. 6), sejam eles em série ou não.
Segundo a constatação de Douglas et al., (2006 apud Schmidt et al, 2013, p. 6), a
assinatura de um crime é frequentemente imutável e imprecisa, isto é, diz respeito a
um padrão de comportamento específico, o qual nunca se modifica, tendo por base
alguma fantasia de cunho inconsciente do ofensor.
Esses elementos reunidos, pouco a pouco revelam aspectos da identidade do
ofensor, como idade estimada, sexo, status socioeconômico, presença de
antecedentes criminais, motivação pessoal, perfil tipológico e até a natureza de
conflitos psicodinâmicos.
Por fim, com base nas hipóteses elencadas e sua posterior confirmação, a
última fase do profiling resulta em um relatório, no qual se encontram suas conclusões,
seguindo à investigação e apreensão dos criminosos responsáveis (Correia; Lucas;
Lamia, 2007; Douglas et al., 1986; Douglas et al., 2006 apud Schmidt et al, 2013, p.
6).
A interdição dos culpados permite checar se o Perfil Criminal elaborado confere
com o Perfil real do ofensor, servindo como mais um elemento a corroborar a
cientificidade da técnica, ou ainda, a eficácia do profiling.
5 A PSICODINÂMICA DA VITIMOLOGIA
CORREIA, Elisabete; LUCAS, Susana; LAMIA, Alicia. Profiling: Uma técnica auxiliar
de investigação criminal. Análise Psicológica, v. 25, n. 4, p. 595-601, 2007.
FIORELLI, José Osmir. Psicologia jurídica / José Osmir Fiorelli, Rosana Cathya
Ragazzoni Mangini. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017.
7 BIBLIOGRAFIA