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Encontro setorial GT: Gramática: história, descrição

e discurso - CNPq/ USP

A QUESTÃO DA ORIGEM DAS LÍNGUAS:


COMENTÁRIOS E NOTAS SOBRE O
TEXTO DE AUROUX (2008) – A PRÁTICA
DO HISTORIADOR DAS IDEIAS
LINGUÍSTICAS
PROF. DR. JORGE VIANA DE MORAES
(USP/GT GRAMÁTICAS: HISTÓRIA, DESCRIÇÃO E DISCURSO)

[18/11/2016]
Objetivos:

 apresentar algumas análises acerca dos comentários e notas aduzidos por Auroux (2008) na obra A questão da origem
das línguas.
 esclarecer alguns pontos importantes encontrados na superfície textual da obra, isto é, esclarecer certas referências a
obras, períodos, conceitos e a autores que estiveram envolvidos em controversas, ao longo dos séculos, sobre a
questão da origem das línguas.
 Conforme Moraes (2016, no prelo), há uma verdadeira constelação do conhecimento, quando o abordamos sob o
ponto de vista do horizonte de retrospecção, como em uma espécie de relação neural ou cognitiva do pensamento.
Pensamos de maneira plural e não a partir de um ponto específico.
 A memória nos auxilia neste sentido, ativando conceitos, objetos, funções, classes/categorias, cálculos, fórmulas,
teoremas, procedimentos, metodologias etc, que advém dos mais diversos campos mentais, por meio das sinapses ou
por meio das chamadas externalidade cognitivas: os livros, as bibliotecas, os cursos (Auroux, 2008).
 Em linha mais abrangente, a investigação do horizonte de retrospecção de um autor diz respeito à própria gestão do
conhecimento desse autor por parte do pesquisador/historiador, isto se pensarmos a gestão do conhecimento como
um processo dividido por etapas que envolvam: criação e/ou aquisição; captura, organização e armazenamento;
disseminação ou distribuição e uso ou aplicação do conhecimento.
 No caso específico por nós a ser estudado, diz respeito aos conhecimentos ativados por Auroux (2008) para abordar a
questão da origem das línguas, isto é, de onde surgiu o interesse pelo problema, de onde ele os extraiu ou adquiriu,
como os organizou, como os problematizou, assim como os utilizou ou aplicou para responder questões ligadas ao
problema da relevância ou não da questão.
Importante observação:

 Auroux não aborda A questão da origem das línguas sob a perspectiva


histórica ou dos fatos em si. Ele vai além.
 Sua abordagem é antes de tudo epistemológica, isto é, ele está preocupado
em explicar:
 Como, ao longo dos tempos, a questão da origem das línguas foi abordada:
 1. o que esteve envolvido;
 2. quais elementos foram mais e melhores explorados;
 3. o que se deixou de lado;
 4. como o “paradigma culturalista” e o “paradigma da naturalização” [das
ciências da linguagem] foram constituídos e superados;
 5. quais foram os programas envolvidos na discussão e
 6. qual a relevância do problema atualmente.
Cinco articulações importantes na abordagem de
Auroux (2008) em relação à questão:

a) Laicização da questão pelo Iluminismo.


b) Pesquisas dos linguistas do século XIX;
c) Proibição da Société de linguistique de Paris (artigo 2
dos estatutos de 1866);
d) Discussões filosóficas nos anos sessenta do século XX
no interior da comunidade francófona;
e) Conferência organizada em 1975 pela Academia de
ciências de Nova Iorque sobre “As origens e a
evolução da linguagem e da fala”.
A questão através dos mitos
Segundo Auroux (2008):
 “Como no caso da origem do mundo,
abordamos inicialmente a questão
através dos mitos. No Ocidente, é o
texto bíblico que estrutura a reflexão:
Deus chamou Adão para que ele
nomeasse os seres do mundo; com o
episódio de Babel, Deus confunde as
línguas; posteriormente, passado o
dilúvio, a dispersão dos filhos de Noé
dá, ao mesmo tempo, uma genealogia
dos povos e a genealogia das línguas
deles”.
(Auroux, 1992, p. 57)
Outras referências que não aparecem em
AUROUX (2008)

 [cf. Yaguelo, Marina. Les Fous du Langage. Paris: Seul, 1984, p. 14,
26-27; Fiorin, José Luiz. As Astúcias da Enunciação. Cap. “In
principio erat uerbum”. São Paulo: Ática, 2002, p. 10 e ss, que, na
análise que faz sobre os mitos de origem da linguagem e das
línguas em nossa civilização, afirma ter se inspirado no capítulo 1
de Yaguello, 1984, de quem ele “aproveit[ou] certas ideias,
ampli[ou] outras, acrescent[ou] outras”. Auroux (1992, p. 57)
discute a questão e apresenta a “Genealogia das nações e de
suas línguas, segundo Isidoro de Sevilha [em Etymologia, Lib. IX)”.
Auroux (tanto 1992 quanto 2008, 2009) não cita Yaguelo, que, no
domínio francês, tem abordado a questão desde os anos 80].
Época moderna: a)Laicização da questão

 “Coube à época moderna mudar


significativamente o estatuto da questão,
especialmente ao laicizá-la. Podemos fazer a
inflexão da pesquisa sobre a origem das línguas
remontar à época do Iluminismo, durante a qual
ela foi até mesmo objeto de concurso promovido
pela Academia de Berlim (1769).” (AUROUX, 2009,
p. 27)

Nunca será demais ressaltar que para os filósofos do século


XVIII a questão da origem das línguas não é histórica;
Condillac é absolutamente claro quanto a essa questão:

“Se possível observar uma língua em seus avanços sucessivos, veríamos as regras se
estabelecendo pouco a pouco. O que é impossível” (Grammaire, 1775, I. IX).
O programa de Court de Gébelin

http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1087220/f10.image
Court de Gébelin (1719-1784)

Court de Gébelin (1719-1784)

 Antoine Court de Gébelin, um ex-pastor protestante nascido em Nimes, em 1771 foi


iniciado na Maçonaria na loja parisiense Les Amis Réunis e mais tarde no lodge Le Neuf
Soeurs, onde, em 1778, ele testemunhou o início de Voltaire e de outras personalidades
notáveis, como 'astrônomo Lalande, o escultor Houdon, o naturalista Lacépède, e o
embaixador americano na França, Benjamin Franklin. Além disso, Court de Gebelin
Apollonienne fundou a Société, e foi um dos membros fundadores da Philalethes,
irmandade esotérica com laços com a Maçonaria e a seita mística ELUS Coen. Em seu
"Monde primitif, analysé et comparé avec le monde moderne" (O mundo primitivo,
analisado e comparado com o mundo moderno), Court de Gebelin tenta reconstruir e
trazer nova luz sobre as primeiras civilizações, e mostrar que esta civilização foi universal,
intelectualmente avançada, e espiritualmente iluminada em todo o mundo. Estuda
principalmente a linguística, apresentando dicionários etimológicos e discursos sobre as
origens das línguas faladas e escritas e as suas origens universais e mitológicas, discutindo
as origens de alegorias da antiguidade e da história do calendário a partir do ponto de
vista civil, religioso e mitológico.
Court de Gébelin
 COURT de GEBELIN, (Antoine). Monde primitif, analysé et comparé avec le
monde moderne; considéré dans son génie allégorique et dans les
allégories auxquelles conduisit ce génie; précédé du plan general des
diverses parties qui composeront ce monde primitif… Paris, Chez l’'auteur,
Boudet, Valleyre l'aîné, Veuve Duchesne, Saugrain, Ruault, Sorin, 1774 -
1782.
http://purl.pt/16981/4/707992_PDF/707992_PDF_24-C-
R0150/707992_0000_rosto-86_t24-C-R0150.pdf
b) Pesquisas dos linguistas do século XIX;

 Gramática comparatista:
 GRIMM;
 BOPP;
 SCHLEICHER
 “Leis fonéticas”
 “Os linguistas pensam fazer avançar a questão graças aos novos
métodos da gramática comparada. Por volta da metade do século , a
disciplina passa por uma reorientação “naturalista” (uma língua é uma
espécie natural que nasce, cresce e morre) claramente assumida por
certos pesquisadores. A. Schleicher (1821-1868) o seu carro-chefe”
(Auroux, 2008, p. 19).
c) Proibição da Société de linguistique de Paris
(artigo 2 dos estatutos de 1866)
d) Discussões filosóficas nos anos sessenta do século XX
no interior da comunidade francófona;

 Os filósofos vão acentuar essa orientação, especialmente ao seguirem a distinção


kantiana entre começo e origem. O primeiro refere-se à realidade empírica dos
fenômenos, a segunda, a sua justificação racional.

 Quando se trata da origem das línguas, isso equivale a aceitar aquilo que foi
chamado, nos anos 1960 do século XX, como a “circularidade da origem”.
Podemos dizer que essa propriedade equivale a assumir um dualismo entre a
ordem dos fatos empíricos (históricos e, eventualmente, materiais) e a esfera do
sentido. Toda coisa só tem sentido no interior daquilo que tem sentido. Isso é o que
C. Lévi-Strauss exprime perfeitamente, justamente a propósito da origem da
linguagem:

 “Quaisquer que tenham sido o momento e as circunstâncias de seu aparecimento na


escala da vida animal, a linguagem só pode ter nascido de uma vez só. As coisas não
podem ter começado a significar progressivamente. Na sequência de uma
transformação cujo estudo não cabe às ciências sociais, mas à biologia e à psicologia,
ocorreu de um estágio no qual nada tinha sentido a outro no qual tudo fazia sentido”
e) Conferência organizada em 1975 pela Academia de
ciências de Nova Iorque sobre “As origens e a evolução da
linguagem e da fala”.

 É desta conferência que se pode datar simbolicamente o desenvolvimento considerável


da pesquisa contemporânea (colóquios, publicações, sociedades doutas, apoio da
universidades mais prestigiosas e os grandes organismos de pesquisa com o auxílio de
créditos consequentes)
 Ela é orientada pela querela em torno de Swadesh e da sua glotocronologia dos anos 60,
por um lado, e pelo projeto de uma “nova síntese”, no fim dos anos oitenta, por outro.
 O renascimento da questão da origem das línguas não se concebe senão na atmosfera
de um novo contexto, que se pode nomear (com as mesmas reservas que se fez para o
paradigma cultural), o paradigma da naturalização [das ciências humanas].
 Nos anos 70 e 80 conheceram um desenvolvimento considerável da etologia, a saber, da
etologia comparada entre os homens e os animais, da qual certos aspectos referiram-se
à linguagem. Os progressos especialmente da genética e da biologia molecular abriram
válvulas de discursos nativistas de todas as espécies, como aplicação da teoria da
evolução ao estudo da sociedade. [Ver. Cavalli-Sforza, Genes, povos e línguas, 2000).
A questão da origem nas mídias atuais...
A questão da origem nas mídias atuais...
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FONTE: http://charlezine.com.br/linguas-europeias-
surgiram-na-turquia-ha-9-000-anos-diz-estudo/
A questão da origem nas mídias atuais...
Referências Bibliográficas

 AUROUX, Sylvain. A questão da origem das línguas seguido de A historicidade das


ciências. Trad. Mariângela. Pecciolli Gali Joanilho. Campinas: Editora RG, 2008.
 AUROUX, Sylvain. A Revolução Tecnológica da Gramatização. Campinas: Editora da
Universidade de Campinas, 1992.
 AUROUX, Sylvain. A Filosofia da Linguagem. [com a colaboração de Jacques
Deschamps, Djamel Kouloughli]. Trad. José Horta Nunes. Campinas: UNICAMP, 1998.
 AUROUX, Sylvain. Filosofia da linguagem. Trad. Marcos Marcionilo. São Paulo:
Parábola, 2009.
 AUROUX, Sylvain. “Les modes d’historicisation”. In : Histoire Épistémologie
Langage 28/I (2006) p. 105-116.
 AUROUX, Sylvain. Os Modos de Historicização, 2006. [Tradução, para fins de estudo,
de Jorge Viana de Moraes, doutorando em História das ideias linguística pela
Universidade de São Paulo], Inédito.
 COLOMBAT, Bernard ; FOURNIER, Jean-Marie ; PUECH, Christian. Histoire des idées sur
le langage et les langues. Paris: Klincksieck, 2010.
Referências Bibliográficas

Sites pesquisados:
 http://www.bnportugal.pt/
 http://gallica.bnf.fr/
 http://www.slp-paris.com/spip.php?article5
http://gtgramaticashdd.wix.com/gtgramaticas

Muito obrigado a todos!!!

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