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PENSANDO DIREITO

Terceirização: a capacidade econômica da empresa


prestadora dos serviços, essa desconhecida
Oito questionamentos acerca do tema

RAPHAEL MIZIARA

26/09/2019 06:31

Crédito: Pixabay

O art. 4º-A da Lei nº 6.019/74 deEne o contrato de prestação de serviços a


terceiros, a chamada terceirização de serviços, como o ajuste por meio do
qual se opera a transferência, pela Contratante, da execução de quaisquer de
suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito
privado prestadora de serviços, que possua capacidade econômica
compatível com a sua execução.

A exata compreensão do que seja “capacidade econômica da empresa


prestadora dos serviços a terceiros” é um dos temas mais polêmicos
existentes na Lei, principalmente pelo fato de o legislador ter deixado, em

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pontos cruciais, vários espaços normativos lacunosos.

Desse modo, caberá ao intérprete, à doutrina e à jurisprudência a tentativa de


buscar o verdadeiro sentido e alcance dessa expressão, bem como
apresentar as soluções mais adequadas para as situações que envolvam
essa temática. Para o alcance desse desiderato, apresenta-se e enfrenta-se a
seguir oito questionamentos acerca do tema.

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1. O que se entende por capacidade econômica compatível com a


execução dos serviços?

Trata-se de idoneidade econômica compatível com a execução do contrato


de prestação de serviços a terceiros, consubstanciada na existência de
recursos suEcientes ao atendimento das necessidades de custeio de todas
as obrigações contratuais.

Em outras palavras, entende-se por capacidade econômica compatível com


a execução dos serviços a situação econômica positiva para cumprir todos
os compromissos decorrentes da atividade contratada, pressupondo, dentre
outros elementos: (a) pactuação de preço do serviço compatível com os
custos operacionais (comerciais, trabalhistas, previdenciários, tributários
etc.); e (b) inexistência de passivo comercial, trabalhista, previdenciário e/ou
Escal, decorrente de outro(s) contrato(s), que constitua risco ao
1
adimplemento contratual.

2. A “capacidade econômica da Empresa Prestadora dos Serviços a


terceiros – EPS” é requisito para o seu funcionamento?

O art. 4º-B, da Lei nº 6.019/74 estabelece apenas três requisitos para o


funcionamento da empresa de prestação de serviços a terceiros: 1. Prova de
inscrição no CNPJ; 2. Registro na Junta Comercial; e, 3. Capital social
compatível com o número de empregados, observando-se os parâmetros
legais. Chamo-os de requisitos estáticos ou formais.

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Desse modo, a primeira conclusão que se pode chegar é a de que a
capacidade econômica da empresa prestadora dos serviços a terceiros não
é conditio sine qua non para seu o funcionamento. Em verdade, trata-se de
elemento integrante do próprio conceito de terceirização, assim entendida
como o ajuste pelo qual uma empresa (ou até mesmo, uma pessoa natural),
visando concentrar esforços em determinadas atividades, contrata outra
empresa, entendida como periférica, para lhe dar suporte em serviços
determinados, relacionados à sua própria atividade-Em (principal) ou à sua
atividade-meio, desde que com capacidade econômica compatível com a
execução do contrato (art. 4º- A, da Lei nº 6.019/74).

Nessa conjuntura, partindo-se da premissa de que a “capacidade econômica


da empresa prestadora dos serviços a terceiros” é elemento indispensável ao
próprio contrato de prestação de serviços, pode-se aErmar que, embora não
seja requisito para o funcionamento da EPS, é requisito de validade do
2
contrato, cuja ausência ensejará sua nulidade , com todas as consequências
daí advindas, tais como a formação do vínculo diretamente com a
Contratante e a responsabilidade solidária.

3. Para Ins de validade do contrato de terceirização, o capital social


compatível com o número de empregados pode ser entendido
como sinônimo de capacidade econômica da empresa prestadora
dos serviços?

Como já explicado, o capital social compatível com o número de


empregados é requisito para o funcionamento da EPS, não se confundindo
com requisito de validade do contrato. Mas, é possível questionar se o
capital social, compatível com o número de empregados, revela, ao menos, a
presunção ou, quando menos, um indício de que a EPS possui capacidade
econômica.

Igualmente, já foi dito que, subscrito regularmente o capital social e, desde


que compatível com o número de empregados, poderá a EPS funcionar, ou
seja, estará apta a lançar-se no mercado de maneira regular e, assim, Ermar
contratos. No entanto, o capital social, principalmente se não integralizado,

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nada representará para Ens de preenchimento do requisito de validade
contratual “capacidade econômica da empresa prestadora dos serviços a
terceiros”.

Aqui, torna-se importante dizer que capital social subscrito é o montante de


recursos que os sócios se comprometem a entregar para formação da
sociedade; por sua vez, o integralizado é a parte do capital social que eles
efetivamente entregam. A distinção é relevante, pois é o capital social
subscrito e não integralizado que vai deEnir o limite da responsabilidade dos
3
sócios

Conforme adverte Fábio Ulhôa Coelho, por denotar a potência econômica da


empresa, muitas vezes se atribui ao capital social a função de garantia dos
4
credores, o que não é correto. Correto será se o capital estiver integralizado.
Capital social elevado e devidamente integralizado revela solidez e existência
de recursos suEcientes.

Segundo o mesmo autor, a exemplo do que se veriEca relativamente a


qualquer sujeito de direito devedor, é o patrimônio da sociedade que constitui
tal garantia. Se ela não paga uma obrigação, o credor pode executar os bens
de sua propriedade, sendo, por tudo, irrelevante o maior ou menor capital
5
social quando não integralizado.

Portanto, entendemos que o capital social subscrito, no limite do que dispõe


a Lei (art. 4º-B, inciso III), revela apenas e tão somente o mínimo necessário
para que a EPS possa contratar, sem que isso se constitua em presunção
(ainda que relativa) de capacidade econômica.

Com efeito, somente a análise detalhada do caso concreto, com todas as


suas nuances (tais como valor do contrato, número de empregados, valor
dos salários, etc.), é que poderá revelar ou não a real capacidade econômica
da EPS.

A contrario sensu, a ausência de capital social mínimo não integralizado

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pode ser indício (e não presunção) de incapacidade econômica. Da mesma
forma, a ausência de capital social mínimo subscrito – requisito formal
prévio e indispensável ao funcionamento – gerará uma presunção absoluta
de incapacidade econômica, pois a empresa sequer poderia estar em
funcionamento.

Assim, o que de fato interessa para garantia dos créditos trabalhistas não é o
capital social subscrito, mas, o real o patrimônio da empresa prestadora de
serviços, representado ou não pelo capital integralizado.

4. Quando, ou seja, em qual momento, se deve aferir a capacidade


econômica da empresa prestadora de serviços?

A capacidade econômica da empresa prestadora de serviços, compatível


com a execução do contrato, deve ser aferida pela contratante em dois
momentos. Inicialmente, no ato da contratação, bem como durante toda a
vigência do contrato.

5. Como se pode aferir a “capacidade econômica da empresa


prestadora dos serviços a terceiros”?

Somente mediante a análise do caso concreto é que se poderá veriEcar a


existência da “capacidade econômica compatível com a execução dos
serviços”, que é, como já asseverado, um requisito de validade do contrato de
prestação de serviços a terceiros.

Na aferição da capacidade econômica da empresa prestadora dos serviços a


terceiros é indispensável que se identiEque a existência de recursos
suEcientes ao atendimento das necessidades de custeio de todas as
obrigações contratuais.

Pode ser avaliada a capacidade econômica, por exemplo, por meio da


análise do Balanço Patrimonial, que é um conEável indicador de como está o
patrimônio em determinado período. Por meio dele se pode, em regra, fazer
o cotejo entre os números do ativo e do passivo que, aliado ao patrimônio

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líquido, poderá fornecer uma visão geral da situação econômica e Enanceira
da empresa.

Faz parte dessa avaliação, a exigência, por parte da Contratante, de


documentos que comprovem a capacidade econômico-Enanceira da EPS,
tais como certidões negativas de débitos Escais e trabalhistas, certidões
negativas de ações judiciais, dentre outros documentos.

6. quais precauções deve a Contratante tomar no tocante à


capacidade econômica da EPS?

Como já dito, uma das principais precauções a ser observada pela empresa
Contratante dos serviços é a aferição quanto à capacidade econômica da
EPS, que deve ser compatível com a execução do contrato, tanto no
momento da contratação, como durante a vigência e execução do contrato.

A primeira precaução é a Contratante se cercar de documentos que


comprovem essa capacidade econômica, tais como, certidões negativas, por
exemplo. Isso deve ser feito tanto no ato da contratação (sob pena de culpa
in elegendo), como durante todo o curso contratual (sob pena de
caracterização da culpa in vigilando).

Recomenda-se que, além da mera aferição da capacidade econômica da


empresa prestadora dos serviços, a empresa Contratante poderá, para sua
maior segurança, exigir uma série de outros requisitos por parte da Empresa
Prestadora de Serviços a terceiros, como, por exemplo, caução, Eança
bancária, seguro-garantia. Trata-se, por certo, de faculdade da Contratante e
não de obrigação legal, de modo que sua presença tem o único condão de
cercar a Contratante de maiores garantias.

De igual modo, a Contratante poderá condicionar o pagamento mensal dos


valores contratuais à prévia comprovação, pela EPS, de todas as obrigações
trabalhistas e tributárias do mês anterior. Diante de eventual
inadimplemento, a melhor opção é a extinção do contrato por culpa da EPS.

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7. Qual a consequência caso a empresa prestadora de serviços
perder, no curso do contrato, a capacidade econômica?

A perda superveniente da capacidade econômica da empresa prestadora


invalida o contrato de prestação de serviços e caracteriza vínculo de
emprego entre os trabalhadores intermediados e a empresa contratante,
caso a contratante não adote posturas para preservar o adimplemento
6
contratual.

Essa perda superveniente, caracterizada pela incompatibilidade entre os


ativos da EPS e a totalidade dos custos operacionais do contrato, pode se
dar de dois modos: ou pela efetiva diminuição patrimonial da EPS ou, ainda,
pela elevação dos custos do próprio contrato, ainda que o patrimônio da EPS
continue o mesmo ou até seja acrescido.

Sobre esse ponto, importante consignar aqui mais uma cautela a ser
observada pela Contratante. Diante da perda superveniente da capacidade
econômica, deverá a Empresa Cliente postular a resolução do contrato, nos
7
termos do art. 475 do Código Civil ou, caso preEra continuar, é
recomendável que exija garantias idôneas por parte da Empresa Prestadora
8
de Serviços, conforme disposto no art. 477 do Código Civil.

Outrossim, importa também chamar a atenção para a eEcácia temporal na


invalidade em razão da perda superveniente da capacidade econômica. Tal
fato invalidará o contrato apenas com efeitos ex nunc (não retroativos), de
modo que eventual formação do vínculo empregatício diretamente com a
9
Contratante deverá se dar observado o período correto.

8. O inadimplemento salarial revela falta de capacidade econômica


da empresa prestadora dos serviços a terceiros?

Na 2ª Jornada de Direito Material e Processual da ANAMATRA foi aprovado


enunciado doutrinário no sentido de que o inadimplemento das verbas
trabalhistas por parte da empresa prestadora de serviços revela sua

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incapacidade econômica para a execução dos serviços e autoriza o
consequente reconhecimento do vínculo diretamente com a contratante
(Enunciado nº 14 da Comissão 6).

No entanto, parece-nos que o mero inadimplemento salarial não revela falta


de capacidade econômica da empresa prestadora dos serviços a terceiros e,
por isso, não há que se falar em nulidade do contrato ipso facto.

Para que o inadimplemento salarial seja apto a revelar a incapacidade


econômica, o intérprete deve lançar mão, por analogia, do previsto no
Decreto-Lei nº 368/68, que dispõe sobre Efeitos de Débitos Salariais e dá
outras providências. Com efeito, o artigo 2º, § 1º, do referido Decreto prevê
que “considera-se mora contumaz o atraso ou sonegação de salários devidos
aos empregados, por período igual ou superior a 3 (três) meses, sem motivo
grave e relevante, excluídas as causas pertinentes ao risco do
empreendimento”.

Nessa vereda, melhor entender que somente a mora contumaz é capaz de


revelar a falta de capacidade econômica da EPS e, por consequência, gerar a
invalidade contratual. De todo modo, o inadimplemento das obrigações
trabalhistas pela empresa prestadora de serviços, ainda que por apenas um
mês, atrai para a Contratante o ônus da prova da capacidade econômica da
10
primeira.

Por Em, parece-nos, de igual forma, que o pedido de recuperação judicial e a


falência são situações capazes de revelar a incapacidade econômica da
EPS.

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1 Enunciado Aglutinado nº 9 da Comissão 6 da 2ª Jornada de Direito

Material e Processual da ANAMATRA.

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2 Nos termos do art. 104, inc. III, do CC, a validade do negócio jurídico requer,

além do agente capaz e do objeto lícito, possível, determinado ou


determinável, a observância da forma prescrita ou não defesa em lei. Ainda,
segundo o art. 166, incisos IV e VI, do CC, é nulo o negócio jurídico quando
não revestir a forma prescrita em lei e/ou tiver por objetivo fraudar lei
imperativa.

3 COELHO, Fábio Ulhôa. Manual de direito comercial. 27. ed. São Paulo:

Saraiva, 2015. p. 187.

4 COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 19.

ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 183.

5 Idem. Ibidem.

6 Enunciado nº 10 da Comissão 6 da 2ª Jornada de Direito Material e

Processual da ANAMATRA.

7 Art. 475 do CC – A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a

resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em


qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

8 Art. 477 do CC – Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das

partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer


ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se
à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou
dê garantia bastante de satisfazê-la.

9 Chegou-se a essa resexão a partir das intervenções feitas pela advogada

baiana Larissa Pedreira que, em momento oportuno, expôs sua opinião


crítica acerca da problemática da eEcácia temporal na invalidade em razão
da perda superveniente da capacidade econômica.

10 Enunciado nº 15 da Comissão 6 da 2ª Jornada de Direito Material e

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Processual da ANAMATRA.

RAPHAEL MIZIARA – Mestrando em Direito do Trabalho e das Relações Sociais pela UDF. Pós-
Graduado em Direito e Processo do Trabalho. Advogado. Consultor Jurídico. Professor em
cursos de graduação em Direito. Professor e Coordenador em cursos de Pós-Graduação em
Direito. Membro da Comissão do Advogado Professor e da Comissão de Direito do Trabalho da
OAB/PI. Membro Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Membro da Associação
Norte Nordeste de Professores de Processo - ANNEP. Ex-Procurador Geral da Prefeitura
Municipal de Varjão de Minas/MG. Ex-Procurador Geral da Câmara Municipal de Uberaba/MG.
Autor de livros e artigos na área jurídica. Advogado sócio do Pessoa & Pessoa Advogados
Associados.

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