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Direito Processual Civil II - Turma A

Regência: Professor Doutor Miguel Teixeira de Sousa


30 de Maio de 2013 Duração: 2 horas

Parte I

No dia 10 de Janeiro de 2013, o mandatário de Amílcar (A.) entregou uma petição inicial em que
requeria ao tribunal da Comarca de Lisboa:

1) A condenação de Bernardo (B.) a entregar-lhe 35.000€. Na parte que dizia respeito à matéria
de facto, o Autor referia apenas que a quantia lhe era devida “a título de responsabilidade civil,
pois o Réu causou muitos danos ao Autor” (art. 2.º da petição inicial)., e quanto ao Direito
invocava apenas o art. 483.º do Código Civil (CC);

2) A condenação de B. a pagar-lhe 2.000€, que este lhe devia por efeito da celebração entre as
partes de um contrato de compra e venda do relógio da mãe de A., a 23 de Dezembro de 2012;

3) Para o caso de o pedido de pagamento do preço de 2.000€ não proceder, a condenação de B.


no pagamento de 3.000€, que este lhe havia doado no dia 24 de Dezembro de 2012, mas que
nunca tinha chegado a entregar.

Depois de ter sido citado, B. contacta o seu advogado e, aconselhado por este, opta por não apresentar
contestação, mas junta a procuração forense 15 dias depois da citação.

O juiz profere imediatamente sentença: (i) condena o réu a pagar os 35.000€ de indemnização e os
3.000€ doados a A., com fundamento no facto de B., ao não se ter defendido, ter assumido que o A.
tinha razão; e (ii) absolve o réu do pagamento do preço do relógio, com fundamento na nulidade do
contrato, nos termos do art. 892.º CC (venda de bem alheio).

Tendo sido notificado da sentença no dia 24 de Abril de 2013, B fica furioso com o seu advogado, e A.
fica furioso com o juiz, por ter absolvido o réu de um dos pedidos.

1. Analise a possibilidade de formulação dos dois primeiros pedidos de A na mesma acção. (3 v.)

2. B. tem razão em culpar o seu advogado pela sua condenação a pagar a indemnização de 35.000€,
por o ter aconselhado a não contestar? (2.5 v.)

3. Teria A. razão, se requeresse a impugnação da sentença por nulidade, na parte em que absolve o
réu do segundo pedido? Supondo que sim, que meio deveria usar para o fazer? (2.5 v.)

v.s.f.f.
Parte II (continuação)

Com a propositura da acção no início de 2013, as relações entre A. e B. crisparam-se. No dia 31 de


Maio de 2013, o mandatário de B. propôs uma acção contra A., em que pediu:

1) O reconhecimento da sua propriedade sobre a casa onde A. vivia, alegando que a havia
adquirido no início do ano, através de um contrato de compra e venda, celebrado com A..

2) O reconhecimento de que não teria de pagar a A. os 3.000€ alegadamente doados (v. Parte
I), porque se tratou de uma brincadeira na ceia de Natal, ou seja, de uma declaração não séria,
nos termos do art. 245.º CC.

Tendo sido citado, A. apresenta contestação, na qual: (i) invoca que a doação feita por B. não se tratou
de uma brincadeira, tendo antes sido dito de forma muito séria; (ii) alega que, de qualquer forma, o
tribunal não pode decidir a favor do Autor, sob pena de contrariar a decisão anterior; por fim, (iii)
confessa, na própria contestação, que vendeu a casa a B. no início do ano.

Tendo o juiz dispensado a audiência preliminar, profere despacho saneador, e termina com a fixação da
base instrutória. Na base instrutória foram incluídos apenas dois quesitos:
1. A declaração feita pelo Autor, segundo a qual ofereceria 3.000€ à ré, foi feita com falta de
seriedade?
2. O contrato de compra e venda da casa, entre o Autor e o Réu, foi celebrado?

Na sequência da notificação das partes do despacho saneador, B., que não tinha apresentado rol de
testemunhas nem requerido quaisquer meios de prova na petição inicial, pretende agora: i) apresentar
como testemunha a mãe de A., que foi a única pessoa, para além das Partes, que assistiu à conversa
sobre a doação na ceia de Natal, para provar que tudo havia sido uma brincadeira; ii) apresentar como
testemunha um amigo comum de A. e B., que tomou conhecimento de todas as negociações para a
venda da casa, para provar a celebração do contrato.

4. Qualifique os pontos (i) e (ii) da defesa do réu A., e identifique as suas consequências. (2.5 v.)

5. A invocação por A. de que a declaração negocial de B., para doar, não pode ser considerada
como “não séria” nesta segunda acção procede? (3 v.)

6. Comente separadamente cada um dos quesitos, de forma sucinta, referindo: i) se foi


correctamente incluído na base instrutória; ii) se sim, a quem caberá o ónus da prova, e qual a
consequência de não o fazer; iii) se não, de que forma pode a parte insatisfeita reagir? (4 v.)

7. Pode A. apresentar o rol de testemunhas no momento em que o quer fazer? Se fosse advogado de
B., o que diria acerca da apresentação destas testemunhas como único meio de prova para provar
cada um dos quesitos? (2.5 v.)
CRITÉRIOS DE CORRECÇÃO

1. Analise a possibilidade de formulação dos dois primeiros pedidos de A na mesma acção.

- Identificação da cumulação simples objectiva e justificação da qualificação. 1 v.


- Verificação dos requisitos da cumulação simples no caso concreto:
i. Não exclusão por lei;
ii. Compatibilidade substantiva (Art. 470.º, n.º 1 do CPC); 1 v.
iii. Compatibilidade processual (Art. 470.º, n.º 1 e 31.º, n.º 1 a 3 do CPC):
competência absoluta e adequação das formas de processo; 3 v.
iv. Conexão objectiva, por aplicação analógica do Art. 30.º do CPC (tese do
Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes) ou, em alternativa, aplicação analógica
do Art. 31.º, n.º 4 e 5 do CPC (tese do Senhor Professor Teixeira de Sousa); 1 v.
- Discutir as consequências da inexistência de conexão objectiva, apresentando as
diferentes posições acerca do tema.

Nota I: à identificação da cumulação simples sem justificar é atribuída cotação de 0,3 v (em 1 v.);
Nota II: à enumeração destes requisitos sem verificação aprofundada do seu preenchimento no caso
concreto (ex. referir a conexão objectiva sem dizer se existe no caso em análise, e porquê), não será
atribuída cotação superior a 0.2 v (em 1 v.). A verificação de alguns requisitos no caso concreto, mas não
de outros, implica uma diminuição proporcional da cotação;
Nota III: para verificar a compatibilidade processual é necessário, primeiro, determinar qual o tribunal
competente - em razão da nacionalidade, hierarquia e matéria - para conhecer cada um dos pedidos, e
determinar qual a forma de processo que cada um dos pedidos seguiria. Só após este processo é possível
verificar, com segurança, se os pedidos são ou não compatíveis. A ausência ou incompletude desta
justificação implica uma diminuição proporcional da cotação.

2. B. tem razão em culpar o seu advogado pela sua condenação a pagar a indemnização de
35.000€, por o ter aconselhado a não contestar?

- Identificação da situação de revelia e qualificação (relativa e operante); 1 v.


- Identificação do efeito cominatório semi-pleno da revelia (não conduz
0,5 v.
automaticamente à condenação do réu, ao contrário do decidido pelo Tribunal);
- Análise da ineptidão da Petição Inicial [Art. 193.º, n.º 2, al. a) do CPC] e suas
consequências e confrontação com o regime do Art. 508.º, n.º 1, al. b) e n.º 3 do
CPC e suas consequências. 0.7 v. 2,5 v.
- Concluir que o Autor não invoca os factos necessários para que o pedido de
indemnização proceda, logo, não podia haver condenação do pedido;
- Qualificação da apresentação de contestação como um ónus, pelo que B. não
tinha o dever de o fazer. 0.3 v.
- Em suma, B. não tinha razão para culpar o seu advogado pela condenação.

Nota: à qualificação da revelia sem justificar não será atribuída cotação superior a 0.4 v. (em 1 v.). A
justificação de uma qualificação, mas não da outra, implica uma diminuição proporcional da cotação.

3. Teria A. razão, se requeresse a impugnação da sentença por nulidade, na parte em que


absolve o réu do segundo pedido? Supondo que sim, que meio deveria usar para o fazer?

- Discutir a aplicação do Art. 668.º/d) do CPC (nomeadamente o conceito de


1 v. 2,5 v.
“questões de que não podia tomar conhecimento”) e suas consequências;
- Concluir que pese embora o Réu não tenha invocado a nulidade do contrato,
trata-se de uma questão de conhecimento oficioso, que pode ser sempre 0,5 v.
conhecida pelo Tribunal;
- Análise da validade de uma decisão surpresa e determinação das suas
consequências.
0,5 v.
- Aplicação do Art. 201.º do CPC e sua relação com o regime das nulidades
previstas no Art. 668.º do CPC;
- Análise sucinta da aplicação do Art. 668.º/4 e da admissibilidade, neste caso,
de interposição de recurso (ordinário) de apelação (verificação dos pressupostos 0,5 v.
do Art. 678.º/1 do CPC).

Nota: à identificação da al. d) do art. 668.º, mas justificação correspondente à al. e), e vice-versa, não é
dada qualquer cotação (em 1 v.);

4. Qualifique a defesa do réu A., e identifique as suas consequências.

Ponto i) da Contestação: qualificação da defesa como impugnação de facto


e determinação das suas consequências [Art. 487.º, n.º 2; 490.º e 511.º do 1 v.
CPC; não há direito a réplica (Art. 502.º, n.º 1 do CPC)];
2,5 v.
Ponto ii) da Contestação: qualificação da defesa como excepção dilatória e
determinação das suas consequências [Art. 487.º, n.º 2; 494.º, al. i); 497.º e 1,5 v.
498.º do CPC; há direito a réplica (Art. 502.º, n.º 1 do CPC)];

Nota I: a confusão entre consequências da invocação da excepção e consequências da sua procedência é


penalizada.
Nota II: o adiantamento da resposta à questão 5 na resposta à questão 4, embora seja penalizado por não
compreenderem o que é pedido em cada questão (qualificar a defesa nunca implica avaliar a sua
procedência), será excepcionalmente contabilizada na cotação da questão 5. Apesar disso, todos os erros
ou incongruências que o aluno revele implicarão, consequentemente, uma penalização.

5. A invocação por A. de que a declaração negocial de B., para doar, não pode ser considerada
como “não séria” nesta segunda acção procede?

Noção e efeitos da excepção de caso julgado (o pedido formulado por B. é o


contrário contraditório do pedido 2 da acção anterior): Art. 487.º, n.º 2; 1,5 v.
494.º, al. i); 497.º; 498.º e 481.º, al. c) do CPC
2,5 v.
Análise da aplicação do Art. 489.º do CPC por referência à primeira acção
que correu entre as Partes (a alegação da declaração não séria não é um 1 v.
facto novo, logo, a sua invocação precludiu).

Nota: o adiantamento da resposta à questão 5 na resposta à questão 4, embora seja penalizado por
demonstrar não ter compreendido o que é pedido em cada questão (qualificar a defesa nunca implica
avaliar a sua procedência), será excepcionalmente contabilizada na cotação da questão 5. Apesar disso,
todos os erros ou incongruências que o aluno revele implicarão, consequentemente, uma penalização
6. Comente separadamente cada um dos quesitos, de forma sucinta, referindo: i) se foi
correctamente incluído na base instrutória; ii) se sim, a quem caberá o ónus da prova, e qual a
consequência de não o conseguir fazer; iii) se não, de que forma pode a parte insatisfeita reagir?

Quesito 1 da Base Instrutória: a não-seriedade é um facto controvertido,


pelo que deve estar na base instrutória - Art. 487.º, n.º 2; 490.º e 511.º do 0,5 v.
CPC.
Consequência: cabe ao Autor provar o facto impeditivo (Art. 342.º, n.º 2 do
CCiv.), caso contrário o Tribunal deve considerar que a declaração foi feita 1 v.
de forma séria;
Quesito 2 da Base Instrutória: pese embora a celebração do contrato tenha
sido confessada pelo Réu, esse facto só pode ser provada por documento
escrito, pelo que deve estar na BI (embora haja quem defenda que não, 1,5 v. 4 v.
porque só pode ser provada por documento escrito) - Art. 490.º, n.º 2 e 511.º
do CPC. Análise do Art. 364.º do CCiv.
Consequência: cabe ao Autor provar o facto (Art. 342.º, n.º 1 do CCiv.),
0,5 v.
caso contrário o Tribunal deve considerar que o contrato não foi celebrado;
Caso o Autor discorde da inclusão dos factos na Base Instrutória, deverá
reclamar da mesma por excesso (Art. 511.º, n.º 2 do CPC) e, em caso de
0,5 v.
indeferimento, recorrer daquele despacho juntamente com a decisão final
(Arts. 511.º, n.º 3 e 691.º, n.º 3 do CPC).

Nota: As três subquestões são independentes. Assim, seja qual for a resposta do aluno ao ponto ii),
deveria responder na mesma (ainda que de forma hipotética) aos pontos ii) e iii).

7. Pode A. apresentar o rol de testemunhas no momento em que o quer fazer? Se fosse advogado
de B., o que diria acerca da apresentação destas testemunhas como único meio de prova para
provar cada um dos quesitos?

Analisar a admissibilidade do requerimento probatório e o prazo da sua


apresentação, considerando que não houve lugar a Audiência Preliminar 0,5 v.
(Art. 512.º do CPC);
Admissibilidade do Autor arrolar a mãe da Contraparte e possibilidade da
2,5 v.
testemunha recusar a prestação de depoimento [Art. 618.º, n.º 1, al. a) do 1 v.
CPC];
Inadmissibilidade da prova testemunhal para prova de declarações negociais
1 v.
que necessitem de ser provadas por escrito (Art. 393.º, n.º 1 do CCiv);

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