Você está na página 1de 20

865

Modelos de determinação social das doenças

ARTIGO ARTICLE
crônicas não-transmissíveis

Models of social determination


of chronic non-communicable diseases

Naomar Almeida-Filho 1

Abstract This essay critically revises theoretical Resumo Este ensaio revisa criticamente marcos
frameworks and models of social determination referenciais e modelos teóricos de determinação
of chronic non-communicable diseases. Function- social das chamadas Doenças Crônicas Não-
alist sociology generated sociocultural models of Transmissíveis. A sociologia funcionalista gerou
health that influenced the field of epidemiologic modelos socioculturais de saúde que influencia-
investigation of so-called “new morbidity” (basi- ram o campo de investigação epidemiológica da
cally chronic and degenerative illnesses), later chamada “nova morbidade” (basicamente enfer-
contained under the generic label of stress theory. midades crônicas e degenerativas), posteriormen-
Neo-durkheimian approaches of social inequali- te agrupados sob o rótulo genérico de Teoria do
ties, based on the social capital concept, are ana- Estresse. Analisam-se abordagens neodurkheimi-
lyzed and theoretical uses of the lifestyle notion in anas das desigualdades sociais, baseadas no con-
the health field are criticized. Models derived ceito de capital social, criticando especialmente os
from the dialectical materialism, grounded on the usos quase-teóricos da noção de “estilo de vida”
concepts of labor and social class, are also dis- no campo da saúde. Discutem-se ainda alguns
cussed as they have turned quite influential in modelos derivados do materialismo dialético que
Latin-American social epidemiology. Finally, se tornaram bastante influentes na epidemiologia
considering theoretical and conceptual gaps of social latino-americana, com base nos conceitos
such partial theories in what concerns the sym- de trabalho e classe social. Finalmente, conside-
bolic space of the social life, the conceptual bases rando lacunas teóricas e conceituais dessas teorias
of an alternative theoretical focus: the theory of parciais no que diz respeito ao espaço simbólico
mode of life and health. As a possible synthesis of da vida social, apresentam-se as bases conceituais
the models object of this critical review, it is con- de um enfoque teórico alternativo – a “teoria do
sidered as especially suitable for the elaboration of modo de vida e saúde”. Tomada como síntese pos-
epidemiologic models of social determination of sível dos modelos objeto desta revisão crítica, con-
non-transmissible chronic diseases. sidera-se esta teoria como especialmente indicada
1 Instituto de Saúde
Key words Chronic diseases, Social determina- para a elaboração de modelos epidemiológicos de
Coletiva da Universidade tion, Stress, Mode of life, Health inequities determinação social de doenças crônicas não-
Federal da Bahia. transmissíveis.
Rua Padre Feijó 29/4o andar, Palavras-chave Doenças crônicas, Determina-
Campus Canela, 40210-
070, Salvador BA. ção social, Estresse, Modo de vida, Iniqüidades em
naomar@ufba.br saúde
866
Almeida-Filho, N.

Introdução articulação dos três circuitos dialéticos funda-


mentais para a compreensão do processo saú-
O objetivo deste texto é revisar criticamente de-enfermidade em sociedades concretas: o tra-
abordagens correntes (marcos referenciais e mo- balho, a reprodução social e o modo de vida,
delos teóricos) do processo de determinação so- apresentamos as bases conceituais de um enfo-
cial das chamadas Doenças Crônicas Não-Trans- que teórico alternativo – a “teoria do modo de
missíveis, focalizando os principais modelos ex- vida e saúde” – especialmente adequado para a
plicativos e seus respectivos marcos teóricos. O elaboração de modelos epidemiológicos de
marco teórico da sociologia funcionalista propi- determinação social das Doenças Crônicas
ciou a estruturação de modelos psicossociais de Não-Transmissíveis.
saúde, posteriormente agrupados sob o rótulo
genérico de Teoria do Estresse que influencia-
ram o nascente campo de investigação epide- Modelos da epidemiologia
miológica. Incluiremos neste item as atuais abor- social norte-americana
dagens neodurkheimianas das desigualdades
sociais e as teorias do capital social em saúde, Na segunda metade do século 20, macroteorias
criticando especialmente os usos quase-teóricos de desenvolvimento econômico dominaram o
da noção de “estilo de vida”. Em segundo lugar, cenário científico latino-americano, reforçando
discutiremos alguns modelos derivados do ma- uma abordagem da saúde fundamentalmente
terialismo dialético que se tornaram bastante in- como insumo para a formação do chamado
fluentes na epidemiologia social latino-america- capital humano. A medicina preventiva, origi-
na, em especial aqueles baseados nos conceitos- nalmente constituída como solução ideológica
chave do marxismo clássico: processo de traba- para a crise estrutural do sistema de saúde nor-
lho e estrutura de classes da sociedade. te-americano, apresentava-se então como pro-
A partir dessa análise crítica, avaliaremos as jeto de transformação da realidade sanitária da
lacunas teóricas e conceituais dessas teorias par- América Latina através da reforma pedagógica
ciais no que diz respeito aos domínios funda- do ensino médico (Arouca, 1975). Data desta
mentais da vida social: o simbólico e a cotidia- época a introdução do ensino da epidemiologia
nidade. Para dar conta dessas lacunas, mais re- no continente como uma das disciplinas bási-
centemente tem se proposto uma terceira abor- cas capazes de orientar uma atitude preventiva
dagem social da saúde que se pode chamar de diante dos agravos e problemas de saúde.
“epidemiologia do modo de vida”, conforme Nas décadas de 1960 e 1970, ocorreu um
pretendemos esboçar em A ciência da saúde (Al- grande esforço de construção teórica na área da
meida Filho, 2000). saúde, desafiada pelo aumento relativo da cha-
As referências a essa linha teórica têm sido mada “nova morbidade”, constituída basica-
até agora tímidas e fugazes, sendo já tempo de mente por enfermidades crônicas e degenerati-
se buscar uma sistematização, mesmo que inici- vas (Gonçalves, 1990). Podemos citar principal-
al, dos elementos fundamentais dessa proposta. mente os trabalhos de Ruel Stallones e René Du-
Este é justamente o conteúdo da parte final des- bos, buscando a elaboração de modelos ecológi-
te texto, onde pretendemos inicialmente de- cos de saúde-enfermidade especialmente foca-
monstrar que o conceito “modo de vida” se arti- dos em doenças transmissíveis, e as contribui-
cula organicamente ao arcabouço inacabado da ções de John Cassel e Leonard Syme, entre ou-
teoria social marxista, tendo sido desde o início tros, no sentido de uma epidemiologia social das
utilizado (mas não suficientemente elaborado) Doenças Crônicas Não-Transmissíveis no qua-
para enfocar as práticas sociais cotidianas. Em dro de referência do funcionalismo sociológico
seguida, apresentaremos algumas tentativas norte-americano. Analisaremos, em primeiro
precursoras e embrionárias de utilização desta lugar, os modelos teóricos diretamente articula-
categoria para a construção teórica no campo dos a este referencial. Dentre esses modelos, des-
da saúde coletiva, além de propostas de teoriza- tacam-se a “teoria do estresse” (Selye, 1956; Cas-
ção paralelas à abordagem do modo de vida e sel, 1974) e a “teoria da mudança cultural em
saúde, com base em conceitos análogos ou saúde” (Barger, 1977). Apesar de articuladas em
equivalentes como “signos, significados e práti- seus conceitos fundamentais, trata-se de abor-
cas de saúde” e “práticas de saúde”. Em conclu- dagens bastante distintas – enquanto a teoria do
são, a partir da síntese de alguns elementos dos estresse opera no âmbito microssocial das rela-
modelos objeto desta revisão crítica e mediante ções interpessoais, o outro enfoque ou conjunto
867

Ciência & Saúde Coletiva, 9(4):865-884, 2004


de hipóteses sobre as conseqüências das trans- Os estressores podem ser de natureza indi-
formações sociais sobre a saúde se refere ao ní- vidual ou de natureza coletiva. O estressor indi-
vel macrossocial das sociedades e das culturas. vidual pode atuar de modo agudo, com ação
A teoria do estresse deriva diretamente de equivalente ao que foi designado como “even-
investigações com animais, tendo sido formula- tos de vida”, ou sob a forma de estresse crônico
da em suas condições atuais através dos traba- (Dohrenwend & Dohrenwend, 1974). Os estres-
lhos de Cannon e Selye, na década de 1930. De sores coletivos ou sociais igualmente podem
acordo com o trabalho sistematizador de Cassel implicar ação aguda, como as guerras e os de-
(1974, 1976), para esta teoria, processos de ori- sastres naturais, ou ação crônica, por exemplo,
gem social atuam principalmente como estres- o chamado “estresse social” da opressão, da mi-
sores não-específicos, aumentando a suscetibi- séria e das desigualdades sociais (James &
lidade de certos organismos diante de um estí- Kleinbaum, 1976).
mulo nocivo direto (o agente), mediante altera- Conforme a figura 1, os efeitos do estresse
ções do sistema neuroendócrino. A teoria do podem ser diretos ou indiretos (Cassel, 1974,
estresse também admite a determinação consti- 1976). Os estressores podem diretamente deter-
tucional de morbidade desencadeada por fato- minar quadros psicopatológicos (ansiedade,
res biológicos e ambientais, o que inclui doen- depressões e somatizações), comportamentos
ças infecciosas e parasitárias. Os quadros clíni- de risco e, ainda no nível biológico, imunode-
cos derivados de tal processo não seriam mani- pressão. Sob mediação de diferentes graus de
festações específicas de um tipo peculiar de vulnerabilidade, estressores podem indireta-
estressor social, mas sim do agente microbiano mente determinar desde quadros mórbidos
ou físico-químico ou da base genética à qual o chamados classicamente de “psicossomáticos” e
organismo estava exposto. Para os pioneiros as Doenças Crônicas Não-Transmissíveis, in-
desta teoria, enquanto os agentes de doença cluindo nesta lista quadros cardiovasculares
exercem um efeito patogênico direto e unívoco, (principalmente hipertensão arterial, acidentes
danificando ou alterando a estrutura e função vasculares e infarto do miocárdio), diabetes e
no plano tissular ou bioquímico, os estressores perturbações gastrointestinais, até acidentes,
operam indiretamente (ou condicionalmente) suicídios, e, mediante a queda da resistência
em virtude da sua capacidade de agir na esfera imunitária, doenças infectocontagiosas e neo-
simbólica (Hinkle Jr., 1973). plasias.

Figura 1
Modelo teórico do estresse de Cassel.

“Estressor” social x percepção social do estresse

V
Estado de fight or flight x capacidade de coping

V
Síndrome de adaptação ao estresse Vulnerabilidade Genoma
V

V V V
V

Doenças Doenças Crônicas


Psicossomáticas Não-Transmissíveis
868
Almeida-Filho, N.

Para esta teoria, os estressores não diferem cularizado” (... mas) sim altamente organizado
em essência dos seus antagonistas, os amortece- em princípios diferentes (Cassel et al., 1960). Este
dores (buffers), distinção mais na ordem do modelo, em suma, pretende que a moderniza-
contexto, significado e idiossincrasias dos sus- ção pode ou não levar a uma situação de incon-
cetíveis. Os amortecedores ou mediadores do gruência cultural, dependendo da velocidade de
estresse reduziriam os efeitos nocivos agindo na transição e do “grau de ajustamento” entre a
vulnerabilidade dos sujeitos. Isto poderia acon- cultura tradicional do contexto sujeito à
tecer, por um lado, com a mobilização de recur- mudança e a nova situação social (Wilson,
sos externos, mediante fatores genericamente 1970). Tais incongruências difusas podem cau-
denominados de apoio social (Kaplan & Cassel, sar tensão excessiva na rede de relações e, por-
1975; Kaplan et al., 1977; Broadhead et al., tanto, estresse nos indivíduos, que pode ou não
1983; Broadhead & Kaplan, 1991), basicamente ser absorvido pelos sistemas biológicos ou psi-
sob a forma de grupos de apoio e redes sociais. cológicos. Uma atualização desta teoria, siste-
Por outro lado, o aumento da resistência dos matizada por Dressler (1985), enfatiza que o
sujeitos em sua capacidade para absorver ou processo de modernização também influencia-
reagir aos estressores pode ser explicada pelo ria o conjunto de recursos econômicos, psicos-
uso de recursos pessoais (Kaplan, 1992), refor- sociais e psicológicos, disponível para os indiví-
ço da auto-estima e outras estratégias chamadas duos submetidos a processos de intensa e rápi-
de coping behavior (Antonovsky, 1979). Merece da modernização com amortecedores dos
destaque neste aspecto o trabalho de Sherman estressores ou facilitadores de estratégias de
James e colaboradores que desenvolveram a teo- coping.
ria do active coping, baseada em elementos da Como crítica de base, podemos dizer que
cultura afro-americana, aplicando-a principal- esta concepção apresenta um quadro extrema-
mente à investigação epidemiológica da hiper- mente ideologizado dos contextos sociais ditos
tensão arterial (James, 1994). tradicionais, supostamente formados por indi-
Além de contribuir para a formulação bási- víduos que compartilham formas culturais e
ca da teoria do estresse, John Cassel e colabora- objetivos sociais harmônicos e comuns. Além
dores, agrupados na Escola de Epidemiologia disso, tratam as sociedades como se fossem
Social de Chapel Hill, propuseram aplicar este agrupamentos humanos homogêneos, na me-
modelo à explicação das relações entre mudan- dida em que omitem as privações e carências
ça social e saúde, avaliando as conseqüências sociais bem como as desigualdades diante do
para a saúde do processo social fundamental acesso a recursos econômicos. Recentemente,
(no seu modo de entender) por que passam as alguns autores (Wilkinson, 1996; Kawachi &
sociedades ocidentais contemporâneas, o pro- Berkman, 2001; Evans et al., 2001; Marmot,
cesso de modernização (Ibrahim et al., 1980). 2001; Mackenbach, 2002) tentam recuperar o
Segundo essa abordagem, uma cultura popular potencial crítico da teoria do estresse, atualizan-
tradicional estabelece normas de vida apropria- do-a como instrumento teórico fundamental
das à situação social de comunidades e não de para o estudo das relações entre desigualdades
sociedades complexas, embora uma cultura sociais, pobreza e saúde, particularmente no
adaptada para a vida rural possa aumentar, em que se refere à mortalidade e morbidade por
vez de diminuir, os níveis de estresse para o pro- Doenças Crônicas Não-Transmissíveis.
cesso saúde/enfermidade resultando em maior A figura 2 apresenta de modo simplificado
risco de Doenças Crônicas Não-Transmissíveis um modelo explicativo derivado da teoria do
(Cassel et al., 1960; Tyroler & Cassel, 1964). estresse, que tem revitalizado a atual epidemio-
A coerência básica do padrão explicativo do logia social das doenças não-transmissíveis,
modelo de Cassel e colaboradores seria deter- com um foco novo em iniqüidades em saúde
minada pelas idéias de função (intraestrutural) (Wilkinson, 1996; Evans et al., 2001; Macken-
e consistência (interestrutural, porém, no siste- bach, 2002). Dessa forma, analisam-se as conse-
ma social) com divergências teóricas corres- qüências para a saúde da distribuição desigual
pondentes às noções de aculturação e adapta- de renda e de acesso a ativos econômicos e
ção (Cassel, 1967). Para estes autores, a hipótese recursos sociais, assumindo a forma geral de
de desorganização social não seria aplicável ao capital social (Kawachi & Berkman, 2001), além
estudo das conseqüências de mudanças sociais de estudar como a disponibilidade global destes
para a saúde, porque o contexto industrial mo- recursos influencia a situação de saúde das
derno simplesmente não é “desorganizado” e “se- populações (Marmot, 2001).
869

Ciência & Saúde Coletiva, 9(4):865-884, 2004


Figura 2
Modelo do capital social e desigualdades em saúde (Wilkinson, Kawachi).

Desigualdade social Pobreza

V V
“Estressor” social Capital social

V
V
Estilo de Vida
V
Capacidade de coping V Genoma

Vulnerabilidade

VV
V V V
Doenças Psicossomáticas Doenças Crônicas Não-Transmissíveis

Desigualdades sociais e carências econômi- nitária (Donnangelo, 1978). Neste sentido críti-
cas (privação ou pobreza) são tomadas como co, em oposição aos marcos teóricos da sociolo-
conceitos fundamentais do modelo. O conceito gia funcionalista anglo-saxã, o campo da saúde
de “capital social”, de inspiração neodurkheimi- coletiva tem definido como seu objeto o proces-
ana e diretamente emergente da sociologia fun- so saúde-enfermidade não em comunidades
cionalista parsoniana (apesar de sua centralida- idealizadas e harmônicas, porém no seio de
de na teoria social de Bourdieu), aparece como sociedades complexas e contraditórias, recorta-
importante mediador social entre os processos das por práticas institucionais, constituídas por
socioeconômicos de base, os estressores sociais agentes históricos. Nesse contexto, várias con-
e as estratégias de coping dos indivíduos. A cepções críticas da epidemiologia como teoria e
intermediação do conceito de vulnerabilidade é prática foram desenvolvidas em diferentes cen-
central para o modelo, tanto no que se refere à tros latino-americanos, abertamente destinadas
susceptibilidade diante de biopatógenos em do- a subsidiar a construção histórica do campo da
enças transmissíveis quanto aos determinantes saúde coletiva. Dentre as mais relevantes destas
genéticos da predisposição a Doenças Crônicas contribuições, revisaremos a “epidemiologia
Não-Transmissíveis. De todo modo, ainda que das classes sociais” (Breilh, 1991), e a teoria do
introduza um importante componente social “processo de produção e saúde” (Laurell, 1991).
que amplia o escopo psicológico individual da A contribuição de Edmundo Granda, Jai-
teoria clássica do estresse, este modelo omite os me Breilh e colaboradores foi fundamental para
determinantes econômicos da pobreza e priva- a constituição de uma vertente crítica na epide-
ção e as raízes políticas das iniqüidades sociais. miologia latino-americana. O ponto de partida
para a proposta teórica desses autores é a crítica
aos modelos epidemiológicos convencionais,
A epidemiologia social latino-americana apresentados como instrumentos do projeto de
dominação capitalista. Nessa perspectiva, inici-
O movimento da saúde coletiva, hoje hegemô- almente questionam os critérios de objetivida-
nico no Brasil e na América Latina, significou de adotados pela investigação epidemiológica,
um contraponto às propostas de intervenção que toma os fatos de saúde-enfermidade como
assistencialista sobre populações marginais essencialmente “coisas biológicas”. A conse-
incorporadas pelo movimento da saúde comu- qüência imediata, coerente com a natureza de
870
Almeida-Filho, N.

seu ponto de partida, consiste na identificação tuem uma dada formação social concreta, esta-
do ponto de vista da classe operária como refe- belecem-se classes sociais que apresentam pro-
rencial privilegiado para a construção de um cessos típicos de reprodução social em distintas
novo pensamento para a epidemiologia (Gran- fases do desenvolvimento das forças produtivas.
da, 1976). De acordo com Breilh & Granda (1985), os pro-
O modelo teórico da determinação social cessos epidemiológicos se expressam concreta-
das enfermidades elaborado pelo grupo de Qui- mente em cada classe social particular por meio
to, esquematizado na figura 3, estrutura-se em de um “perfil epidemiológico de classe”, consti-
torno de um conceito fundamental no quadro tuído de dois elementos: um que se refere à
teórico do marxismo, o de reprodução social essência, o “perfil reprodutivo”; e outro feno-
que, conforme mostraremos adiante, pode ser mênico, o “perfil de saúde-enfermidade”.
retomado dentro de um modelo mais praxioló- Finalmente, o processo saúde-enfermidade
gico e menos estruturalista. O desenvolvimento propriamente dito resulta da dialética entre as
das forças produtivas e das relações sociais de manifestações da reprodução social que consti-
produção, concatenadas em modos e formas de tuem valor de uso para a classe social e aquelas
produção, por sua vez realizados concretamen- que se contrapõem como nocivas ou pernicio-
te como uma formação social, determinam os sas para a reprodução de classe (denominadas
padrões de reprodução simples e ampliado. Em de “contra-valores”). Para Breilh (1989), o pro-
cada um dos modos de produção que consti- cesso histórico da formação social e sua estru-

Figura 3
Modelo do perfil epidemiológico de classes de Breilh, Granda et al.

MODO DE PRODUÇÃO
REPRODUÇÃO SOCIAL
CLASSES SOCIAIS
FORMAÇÃO SOCIAL

V
PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DE CLASSES

V
PERFIL REPRODUTIVO

V V
VALORES CONTRAVALORES

V V V V
PROCESSO SAÚDE-DOENÇA
Doenças Crônicas Não-Transmissíveis
871

Ciência & Saúde Coletiva, 9(4):865-884, 2004


tura de classes determina qual dos pólos da gação do próprio grupo de Quito aponta para
contradição mais se desenvolverá. Quando o esta direção (Breilh et al., 1983; Breilh, Campa-
pólo da negação ou dos contravalores predomi- ña & Granda, 1991). No que se refere à segunda
na, aumenta a enfermidade e a morte, compro- maneira, epidemiólogos latino-americanos (co-
metendo o perfil reprodutivo de classe; quando mo Mário Bronfman, César Victora e Marilisa
se intensifica o pólo dos bens ou valores de uso, Barros, entre outros) tentaram uma operacio-
potencializam-se as expressões de saúde e vita- nalização do conceito de classe social como um
lidade da classe social. O modelo de Breilh não atributo individual, verificando sua correspon-
empresta destaque especial ao tema das Doen- dência (e eventual redução) a categorias empí-
ças Crônicas Não-Transmissíveis, não obstante ricas tais como ocupação, inserção produtiva,
implicar possibilidades de acoplamento para renda, etc., buscando construir uma certa “epi-
teorias restritas de determinação desse impor- demiologia da desigualdade” (Victora et al.,
tante grupo de morbidade. 1989).
A operacionalização metodológica desse De acordo com Laurell, conforme esque-
modelo teórico tem sido tentada de duas ma- matizado na figura 4, só podemos entender a
neiras. Vejamos a primeira: tomando-se rigoro- questão da saúde na sociedade pelo conceito de
samente a dimensão coletiva da concepção de trabalho. Para isso, existem dois caminhos mais
classe social, busca-se investigar os padrões de relevantes, ambos inspirados no marco teórico
distribuição ecológica dos indicadores de saú- do marxismo. Um primeiro, proposto por Gar-
de, analisados por sua agregação espacial, pres- cía (1983), desdobra o conceito de trabalho em
supondo-se uma distribuição mais ou menos trabalho abstrato e trabalho concreto, buscan-
homogênea das classes no interior dos espaços do analisar o gasto energético e os usos especí-
socialmente constituídos. A prática de investi- ficos do corpo como produtores de atrofia-

Figura 4
Modelo do processo de trabalho de Laurell et al.

MAIS-VALIA PRODUÇÃO PROCESSO LABORAL

DIVISÃO DO TRABALHO BASE TÉCNICA


V

com materialidade externa


V

CARGA LOBORAL
com materialidade interna

DESGASTE

NEXO BIOPSÍQUICO

PERFIL PATOLÓGICO
Doenças Crônicas Não-Transmissíveis
872
Almeida-Filho, N.

hipertrofia ou de fadiga psíquica e social. Para tre saúde e sociedade na esfera do cotidiano
compreender o outro caminho, por ela escolhi- (conforme proposto adiante), nada tem a ver
do, é preciso remeter-se ao conceito de proces- com o referencial do processo de trabalho e
so de produção, com seus dois elementos: o saúde.
processo de valorização (produção de mais- Finalmente, Laurell considera a noção de
valia) e o processo laboral (produção de bens). risco insuficiente, substituindo-a pela categoria
Por sua vez, é necessário decompor o processo “cargas produtivas”, com a distinção entre aque-
de trabalho em seus elementos constitutivos: o las “cargas com materialidade externa” (físicas,
objeto e os instrumentos de trabalho e o traba- químicas, biológicas, etc.) daquelas “com mate-
lho em si. O objeto do trabalho apresenta uma rialidade interna” (ritmo, controle, tensão psí-
vertente técnica (características físicas, quími- quica, etc.). Para uma representação da relação
cas e mecânicas) e uma vertente social, incor- entre o processo de produção e o nexo biopsí-
porando as relações sociais que o tornam pos- quico, desenvolveu o conceito de “desgaste”,
sível. Os instrumentos de trabalho compreen- sendo que a combinação entre desgaste e repro-
dem a materialização das relações entre capital dução determina a constituição de formas his-
e trabalho, incorporando igualmente a consti- tóricas biopsíquicas específicas, substrato geral
tuição tecnológica dos meios de produção. que determina uma constelação de enfermida-
Finalmente, o conceito de trabalho em si deve des particulares, conhecida como o perfil pato-
ser ampliado para conter desde os processos lógico de um grupo social (Laurell & Noriega,
corporais quanto à organização e divisão do 1989).
trabalho como estratégia de exploração e pro- É possível identificar alguns problemas con-
dução de mais-valia. ceituais em ambas as linhas teóricas. Em pri-
No que se refere à problematização da saú- meiro lugar, os dois enfoques assumem implici-
de na relação saúde-trabalho, em uma primeira tamente uma epistemologia internalista e pola-
fase, Laurell (1977) adotava o conceito de “pro- rizadora, na medida em que admitem uma pre-
ceso social salud-enfermedad” tal como desen- cedência formal e funcional do objeto sobre o
volvido pelas primeiras contribuições teóricas método. Depois, e talvez em conseqüência, não
da medicina social latino-americana (García, conseguem escapar de uma atitude que se po-
1972). Entretanto, para consolidar o seu posi- deria designar como aparelhamento da investi-
cionamento sem perder a congruência com a gação científica como instrumento da luta ope-
teoria do processo de trabalho, posteriormente rária (Laurell) e de liberação das classes oprimi-
a autora propôs substituí-lo pelo conceito de das (Breilh), o que implica uma negação da sua
“nexo biopsíquico”, identificado como a mani- especificidade como modo de produção de co-
festação particular da corporeidade humana nhecimento.
dos processos históricos gerais. Nesse modelo, Em segundo lugar, tanto Breilh como Lau-
novamente não se privilegia o importante tema rell tentam uma crítica radical ao conceito de
das Doenças Crônicas Não-Transmissíveis, ape- “risco”, chave para a epidemiologia contempo-
sar de se apontar para a determinação proximal rânea. Todavia, as noções equivalentes de “perfil
desse grupo de morbidade com o auxílio de epidemiológico de classe social” e de “nexo bio-
abordagens etiológicas restritas com as teorias psíquico” são igualmente insatisfatórias. Teóri-
do estresse. ca ou metodologicamente, não se mostram ca-
Avançando mais no detalhamento do seu pazes de substituir o conceito de risco, como
modelo teórico, Laurell toma emprestado de ferramenta conceitual para expressar o caráter
Tambellini (1976) a expressão “modos de andar coletivo do processo saúde-enfermidade. Isso é
pela vida” fazendo-a equivaler ao conceito de tanto mais grave na teorização de Cristina Lau-
“estereótipos de adaptação”, por sua vez impor- rell, que chega a recorrer à noção clínico-fisio-
tado da biologia neo-sistêmica norte-america- lógica de “perfil patológico individual”.
na. Segundo ambas as autoras, tratar-se-ia de Em terceiro lugar, na base dos seus mode-
um conceito-chave originário da obra de Can- los teóricos, tanto o enfoque de Breilh & Gran-
guilhem. Contudo, em busca dos referenciais de da quanto o de Laurell operam uma redução da
base dessas importantes contribuições, não en- complexidade social a uma única dimensão da
contramos em Canguilhem a expressão “modo vida social. Nesse aspecto, ambos igualmente
de andar pela vida” ou similar; refere-se a mode têm lutado com veemência contra o monocau-
de vie que, apesar de implicar uma fascinante salismo, mas permanecem, por sua vez, presos a
abertura teórica para lidar com as relações en- duas formas distintas de monodeterminismo:
873

Ciência & Saúde Coletiva, 9(4):865-884, 2004


Breilh com a categoria de classe social e Laurell uma antropologia crítica da saúde, capaz de
com a de processo de trabalho. Mais ainda, esta- superar a dicotomia cultura-sociedade e a cor-
belecem entre si uma polêmica sobre a centrali- respondente clivagem no campo antropológico
dade e precedência de cada uma das respectivas entre uma antropologia cultural (interpretativa
categorias. Nesse sentido, o próprio Breilh apre- e fenomenológica) e uma antropologia social
senta uma crítica radical à postulação laurellia- (estrutural-funcionalista). Para esses autores, a
na. Por um lado, identifica que a raiz teórica da antropologia cultural, em suas vertentes inter-
formulação do “nexo biopsíquico” encontra-se pretativa e fenomenológica, mostra-se insufici-
na idéia originalmente gramsciana de “nexo ente para abordar a complexidade dos proces-
psicofísico” que, no entanto, teria sido empre- sos de saúde e doença e sua relação com o con-
gada de modo distorcido e inadequado. Por ou- texto cultural global (Bibeau, 1987; 1988; 1994;
tro lado, aponta que o modo de apresentar a Bibeau & Corin, 1994; 1995).
noção de “estereótipo de adaptação” permite Nessa perspectiva, Bibeau, Corin e colabo-
uma interpretação reducionista do social como radores articulam uma teoria metassintética
externo ao biopsíquico e que traz, através da que tem como pretensão integrar elementos se-
categoria “adaptação” uma noção de ajuste de miológicos, interpretativos e pragmáticos essen-
origem funcionalista, retomando a clássica teo- ciais para uma abordagem cultural da saúde
ria do estresse. De fato, Laurell (1981) conside- (Bibeau & Corin, 1994; Corin, 1993, 1995; Corin
ra que o estresse parece ser o maior risco profissi- et al., 1989, 1990, 1993). Para esses autores, as
onal no contexto do capitalismo avançado. Em experiências subjetivas formam-se a partir de
convergência com investigadores escandinavos representações culturais sobre a subjetividade,
(Gardell, 1982), analisa o estresse como resul- o corpo, o mundo e a vida, criadoras dos signi-
tante do aumento da complexidade do processo ficados que se expressam através de narrativas
de funcionamento e para o incremento da pro- individuais. Daí a necessidade de considerar a
dutividade, aliado ao reduzido grau de controle experiência do adoecimento e as narrativas so-
e autonomia dos trabalhadores no processo de bre a doença em sua relação com a rede de sig-
produção. nificações culturais. Neste sentido, os autores
Alguns cientistas de formação antropoló- inicialmente recorrem à concepção de rede
gica, como Allan Young (1980) e Gilles Bibeau semântica de Good que, conforme explicitam
(1988), há bastante tempo já questionavam as Bibeau & Corin (1994) permite identificar os
bases epistemológicas formais de tais modelos laços que unem categorias-chave culturais tanto a
teóricos, visando construir um novo marco re- sistemas de interpretação quanto a histórias pes-
ferencial por meio da crítica sistemática dos ele- soais de indivíduos.
mentos fundamentais das teorias a serem supe- Isto significa estabelecer uma conexão epis-
radas. Superando a crítica radical dos modelos temológica, teórica e metodológica entre dife-
de determinação social da epidemiologia lati- rentes dimensões da realidade, adotando-se
no-americana, cabe neste ponto considerar que uma “perspectiva global” (Bibeau, 1988). Resul-
tais teorias são rigorosas e ricas, porém parciais. tante de um trabalho de articulação entre mi-
E que se encontram prontas para articulação a cro e macrocontextos sociais, tal perspectiva
um corpo teórico que as compatibilize entre si expressa uma dupla orientação que aponta, de
e as integre a outras teorias parciais sobre o que um lado, para uma leitura historicizada e contex-
se encontra ausente de tão proveitoso e impor- tualizada da cultura [local] e, de outro lado, para
tante esforço. Trata-se dos domínios funda- uma interpretação das concepções que a popu-
mentais da vida social: o simbólico e a cotidia- lação produz sobre os problemas de saúde men-
nidade. Para isso, antes precisamos apresentar a tal (Corin et al., 1990). Na esfera particular da
Teoria dos Signos, Significados e Práticas de saúde-enfermidade-cuidado, trata-se de inte-
Saúde. grar sistemas semiológicos de significação e
condições externas de produção (contexto eco-
nômico-político e sua determinação histórica)
Teoria dos signos, significados com a experiência do adoecimento, como trans-
e práticas de saúde formação da identidade individual e do modo
de ser-no-mundo.
Desde 1980, Gilles Bibeau e Ellen Corin, herdei- Ao propor a compreensão da experiência de
ros da tradição transcultural de Murphy e adoecimento a partir dessa “perspectiva global”,
Leighton, vêm propondo o desenvolvimento de construindo uma articulação entre trajetórias
874
Almeida-Filho, N.

individuais, códigos culturais, contexto macros- das semiologias populares e dos sistemas locais
social e determinação histórica, Bibeau & Corin de significação e de ação diante dos transtornos
introduzem, no campo da antropologia médi- mentais que pode ser apropriado para o campo
ca, a problemática da causalidade em diferentes das Doenças Crônicas Não-Transmissíveis. Es-
níveis de determinação dos fenômenos (Bibe- tes sistemas enraízam-se nas dinâmicas sociais e
au, 1994; Bibeau & Corin, 1994). Neste sentido, nos valores culturais centrais do grupo e funda-
propõem um esquema analítico fundado em mentam as construções individuais da experi-
dois conceitos centrais: condições estruturantes ência de adoecimento (Bibeau, 1994; Bibeau &
e experiências organizadoras coletivas. Preten- Corin, 1994; Corin, 1995). Na prática metodo-
dem com estes conceitos representar os diferen- lógica, isso implica o desenvolvimento de uma
tes elementos contextuais (sociais e culturais) “abordagem semântico-pragmática e contextu-
que se articulam para formar os “dispositivos al”, capaz de partir de casos concretos para
patogênicos estruturais”. compreender como a comunidade percebe, in-
As condições estruturantes abrangem o terpreta e reage com relação aos problemas de
macrocontexto, ou seja, as restrições ambien- saúde.
tais, as redes de poder político e as bases de de- Nessa perspectiva, nas esferas de construção
senvolvimento econômico, as heranças históri- simbólica das comunidades, signos corporais e
cas e as condições cotidianas de vida (ou mo- comportamentais são transformados em sinto-
dos de vida). Ou seja, trata-se de condicionan- mas de uma dada enfermidade, adquirindo sig-
tes referidos ao macrocontexto que atuam co- nificados causais específicos e gerando determi-
mo elemento de modulação da cultura e como nadas reações sociais, configurando enfim o
limitadoras da liberdade de ação individual. As que Bibeau & Corin propõem denominar de
experiências organizadoras coletivas, por sua “sistema de signos, significados e práticas de
vez, representam os elementos do universo só- saúde”. No geral, o conhecimento popular local-
cio-simbólico do grupo que atuam no sentido mente construído é plural, fragmentado e até
de manter a identidade grupal, os sistemas de contraditório. A semiologia popular e os mode-
valores e a organização social (Bibeau, 1994; los culturais de interpretação não existem como
Bibeau & Corin, 1994). Desse modo, ao postu- um corpo de conhecimento explícito, mas são
lar que os sistemas semiológicos e os modos de formados por um conjunto variado de elemen-
produção articulam-se para produzir a experi- tos imaginários e simbólicos, ritualizados como
ência do adoecimento, os autores resgatam a racionais. Para esses autores, o conhecimento
pretensão de Young de considerar o contexto popular em torno da problemática da enfermi-
socioeconômico, político e histórico nos pro- dade se articula e se expressa em termos de sis-
cessos de saúde-doença-cuidado. temas semânticos construídos social e histori-
Além da influência dos fatores macrossoci- camente.
ais, Bibeau & Corin enfatizam a autonomia e a Dada a complexidade da realidade cultural,
responsabilidade dos indivíduos na modifica- as diferentes interpretações dos sujeitos oriun-
ção da história e dos fatos sociais. A concepção dos do centro ou da margem da sociedade refle-
médica de nosologia, segundo a qual cada sig- tem heterogeneidades sociais, econômicas, étni-
no patológico corresponde a um significado cas e culturais, bem como a realidade concreta
numa rede de causalidade e a procedimentos de dos diferentes atores sociais que participam das
cura-cuidado numa rede de práticas terapêuti- diversas situações. Isso deve ser levado em con-
cas, não pode deixar de ser considerada, embo- ta pelos modelos teóricos das interpretações di-
ra de forma modificada. Na biomedicina tas “nativas” que têm como objetivo traduzi-las
moderna, o sentido do sintoma é dado, portan- para outro referencial – o da linguagem cientí-
to, pelo processo biofisiológico que lhe é subja- fica, explorando as correlações com o contexto
cente e que, dessa maneira, encontra-se bloque- sociocultural mais amplo. Nessa dupla perspec-
ado ou massificado (Corin, 1993). E é justa- tiva, ao mesmo tempo em que há uma submis-
mente essa massificação/universalização do são aos textos locais, buscando respeitar os
sentido que um enfoque alternativo sobre o glossários e percepções dos membros da comu-
complexo saúde/patologia-enfermidade-doen- nidade, uma certa violência interpretativa a eles
ça precisa romper. é imposta na medida em que a produção do
Desta forma, Bibeau & Corin propõem um conhecimento científico inapelavelmente tende
quadro teórico de referencial antropológico, à universalidade (Bibeau, 1988; Bibeau & Corin,
semiológico e fenomenológico para o estudo 1995).
875

Ciência & Saúde Coletiva, 9(4):865-884, 2004


No cotidiano da vida das pessoas “comuns” da existência física dos indivíduos. Trata-se,
(a comunidade para Bibeau & Corin), o proces- antes, de uma forma definida de atividade destes
so de definição de categorias e reconhecimento indivíduos, uma forma definida de expressarem
dos casos de enfermidade não opera necessaria- suas vidas, um definido modo de vida deles. As-
mente identificando categorias nítidas de pen- sim como os indivíduos expressam suas vidas, as-
samento, mas por meio de semelhanças, analo- sim eles são.
gias e estabelecendo uma continuidade entre os Especialmente nos Grundrisse (Marx, 1973),
casos de acordo com uma rica e flutuante varie- encontramos um aprofundamento deste concei-
dade de critérios. Essa categorização remete to, às vezes referido como “condições naturais
mais a modelos do tipo “protótipos de Lakoff ” de existência” ou “modo objetivo de existência”,
– resultantes de processos de family resemblance antecipando-se de modo surpreendente ao con-
de Wittgenstein, por sua vez melhor compreen- ceito antropológico de cultura. Vejamos rapida-
didos por sistemas alternativos de lógica (como mente alguns fragmentos dessa obra que, pela
a lógica fuzzy de Zadeh ou as lógicas paracon- sofisticação da construção conceitual em pauta,
sistentes de Newton da Costa) – do que a uma exemplarmente dialética, não permitem evitar a
classificação hierárquica de categorias discretas, longa citação:
mutuamente exclusivas e estáveis, tipificadas Essas condições naturais de existência, com
através de lógicas de consistência formal. Pelo as quais ele [o produtor] se relaciona mesmo co-
contrário, as categorizações dos sistemas se- mo com um corpo inorgânico, têm caráter duplo:
mânticos são fragmentadas, contraditórias, par- elas são (i) subjetivas e (ii) objetivas. O produtor
cialmente compartilhadas e construídas local- existe como membro de uma família, de uma tri-
mente, organizadas em múltiplos sistemas bo, um agrupamento de sua gente, etc. – o que
semânticos e praxiológicos (estruturados em adquire historicamente formas diversas resultan-
práticas), historicamente contextualizados e tes da mistura e conflitos com outros (Marx, 1973
acessíveis somente através de situações concre- – grifos do autor).
tas – eventos e comportamentos – que com- A atitude em relação à terra (...) significa que
põem o modo de vida das pessoas. o homem mostra-se, desde o princípio, como algo
mais que a abstração do “indivíduo que traba-
lha”, tendo um modo objetivo de existência (...)
O conceito de modo de vida que antecede sua atividade e não surge como sim-
ples conseqüência dela, sendo tanto uma pré-con-
Originalmente, a noção de “modo de vida”, ain- dição de sua atividade, como é sua própria pele,
da como conceito em estado prático, para usar como são os seus órgãos sensoriais (...). A media-
a terminologia althusseriana, encontra-se clara- ção imediata desta atitude é a existência do indi-
mente explicitada nos escritos de Lewis Morgan víduo – mais ou menos naturalmente evoluída,
(1977[1877]), um dos precursores da antropo- mais ou menos historicamente desenvolvida e
logia no século passado, cuja obra inspirou En- modificada – como membro de uma comunida-
gels em seu Origens da família, da propriedade de... (Marx, 1973 – grifos do autor).
privada e do Estado (Engels, 1972) e Marx em A noção de “modo objetivo de existência” é
diversas instâncias de sua obra mestra O capital definida, de maneira restrita, “como as pré-con-
(Marx, 1984). dições correspondentes à individualidade” do
A expressão “modo de vida” foi empregada produtor. De modo ampliado, trata-se de todas
por Marx e Engels como elemento básico de as formas em que a comunidade pressupõe os
análise das formações sociais pré-capitalistas, sujeitos numa unidade objetiva específica com as
buscando particularmente situar a natureza não condições de sua produção, ou nas quais uma
somente material e física da reprodução social. existência subjetiva determinada pressupõe a
Em uma definição já bastante clara e elaborada, própria entidade comunitária como condição de
foi referido pela primeira vez na seção de aber- produção (Marx, 1977). E finalmente, a expres-
tura de A ideologia alemã (Marx & Engels, 1977 são “modo de vida” é empregada para designar
– grifos dos autores), da seguinte forma: as “condições naturais de existência” ou o “mo-
O modo pelo qual os homens produzem seus do objetivo de existência” das tribos pastoris
meios de subsistência depende, antes de tudo, da nômades, funcionando como conceito de nível
natureza dos meios que eles encontram e têm de equivalente ao de modo de produção. Aliás, a
reproduzir. Este modo de produção não deve ser primeira utilização do conceito, em A ideologia
considerado, simplesmente, como a reprodução alemã (ver acima), obrigatoriamente remete a
876
Almeida-Filho, N.

esta equivalência ao defini-lo implicitamente cas, conceitos, crenças, etc. de um povo (White
como “modo de produção da vida”. Posterior- 1978).
mente, esta concepção seria formulada de ma- Da mesma forma que Engels em relação à
neira distinta, articulando-a com mais precisão epidemiologia, não era intenção de Marx fundar
à questão central do Capital (1984), através da a antropologia, e muito menos se tornar catedrá-
referência aos “meios de vida” como elemento tico de uma ciência colonial. A ironia reside no
estruturante da reprodução social, buscando fato de que Marx, por um lado, cunhou um con-
certa simetria em relação ao conceito de “meios ceito que certamente daria densidade heurística
de produção”. às formulações materialistas sobre a estrutura
Pois bem, esse “algo mais”, que “antecede” das relações comunais, e por outro lado, confor-
a atividade humana e “não surge como simples me assinala Fabregas (1979), teria sido um dos
conseqüência”, “naturalmente evoluído porém primeiros a empregar, no volume I do Capital,
historicamente desenvolvido e modificado”, dez anos antes de Tylor, o termo “cultura” no
“pré-condição” da existência humana “como a sentido moderno em oposição à “natureza”.
própria pele”, esse “modo de vida” não será um Desafortunadamente, nem Morgan nem Tylor
construto de nível equivalente ao conceito an- foram leitores da obra marxista.
tropológico de cultura? De fato, quando Marx As exigências das lutas proletárias no fi-
e Engels produziram alguns escritos denomi- nal do século passado e nas primeiras décadas
nados econômico-filosóficos, entre 1845-1846, deste século determinaram quase um mono-
e quando Marx escreveu, em 1857-1858, as pólio teórico do conceito de classes sociais
anotações que depois seriam publicadas como para o entendimento da dinâmica social. So-
os Grundrisse (Marx, 1973), a ciência antropo- mente nos anos 20, com Antonio Gramsci na
lógica encontrava-se ainda na sua pré-história, Itália e Georg Lukács na Hungria, inicia-se no
naquela fase nebulosa em que os conceitos fun- seio da teoria marxista uma retomada da pre-
damentais são objeto de definição e disputa. ocupação com a dimensão do imaginário e do
Conforme comenta Hobsbawn (1964), a simbólico, aquele “algo mais” das relações so-
dupla dinâmica Marx e Engels mostrava-se ciais na vida cotidiana.
excepcionalmente bem informada sobre os A escola italiana, representada no campo
avanços dos estudos históricos, biológicos, ar- da antropologia particularmente pelo grupo de
queológicos e etnográficos da época, reportan- De Martino (1961), surge diretamente do pen-
do-se diretamente aos precursores da antropo- samento gramsciano, preocupado com a ques-
logia, como von Maurer, Spencer, Prescott e tão nacional e com as culturas subalternas. Para
Morgan. Nessa fase, a antropologia certamente Gramsci (1978), a análise concreta de uma con-
teve de produzir consensos em torno de pro- juntura histórica e social não pode reduzir-se a
blemas e definições, superando dilemas e con- um enfoque exclusivamente economicista e
trovérsias em relação à natureza do seu objeto- classista. Para compreender essa realidade sem
modelo: relações de dominação e de proprie- que seja através de um modelo abstrato, é
dade como sugeriam o historiador von Maurer necessário incorporar outras dimensões que
e o advogado Morgan ou mitos, rituais e tabus implicam hierarquias e heterogeneidades, co-
como propunham os insignes catedráticos Ty- mo, por exemplo, as diferenças étnicas, geracio-
lor e Frazer? Morgan, oriundo de uma família nais e regionais. Assim, as questões lingüísticas,
de comerciantes, vivera entre os iroqueses e os resíduos históricos, as condutas sociais, as re-
não escondia suas simpatias pelo socialismo; des de parentesco, os rituais, as manifestações
Edward Burnett Tylor e Sir James Frazer eram religiosas, enfim, tudo que além da economia e
típicos armchair scholars empenhados na con- da política possam fazer melhor entender os
solidação do império britânico. Nenhuma sur- processos de construção da hegemonia, passam
presa, portanto, que a noção reducionista de a ser interesse primordial das análises políticas
cultura prevalecesse, pelo menos na antropolo- de conjuntura. Ainda na vigência de um para-
gia anglo-saxã, tendo sido apresentada formal- digma estrutural-funcionalista na antropologia
mente no capítulo “A ciência da cultura”, aber- e sem notícia dos avanços teóricos da fase pré-
tura do livro Primitive culture de Tylor (1977 Capital da obra marxiana (dado que os Manus-
[1871]). Nesse sentido, a definição tyloriana, critos econômico-filosóficos foram publicados
dita “clássica”, efetivamente empiricista, dizia somente em 1953 e os Grundrisse tiveram maior
que “cultura” consiste em linguagem, costu- difusão somente após a edição inglesa de 1973),
mes, instituições, códigos, instrumentos, técni- Gramsci se apropriou do conceito antropológi-
877

Ciência & Saúde Coletiva, 9(4):865-884, 2004


co de cultura para aplicá-lo às condições con- ços característicos da vida cotidiana: o caráter
cretas de existência das classes subalternas. momentâneo dos efeitos, a natureza efêmera das
Com isso, iniciou no seio do marxismo uma motivações e, a fixação repetitiva do ritmo, a ri-
discussão sobre a cultura popular que ainda se gidez do modo de vida (grifos da autora). Have-
mostra fértil e atual. rá, nesta esfera da cotidianidade, uma hetero-
O conceito de modo de vida chegou a ser geneidade hierarquizada e articulada, com base
fugazmente empregado no contexto de uma na repetição, como um modo de produzir a vi-
“antropologia soviética”, conforme definido por da cotidiana, porém nunca como estrutura ou
Kelle & Kovalzon (1975): superestrutura.
El modo de vida es la esfera del consumo indi- Na concepção helleriana, o modo de vida
vidual de bienes materiales y espirituales, es la não é totalmente independente da vontade dos
esfera de la vida cotidiana fuera del tiempo de sujeitos, na medida em que o próprio indivíduo
trabajo. (...) es una parte especial de la vida soci- (...) dispõe de um certo âmbito de movimento no
al, vista la necesidad que tiene cada persona de qual pode escolher sua própria comunidade e
reponer sus fuerzas gastadas en el proceso de la seu próprio modo de vida no interior das possi-
actividad laboral. bilidades dadas (1989 – grifos da autora). Por
Entretanto, a Escola de Budapeste, criada outro lado, o caráter cotidiano da atividade
pelos herdeiros do pensamento de Lukács, será humana é levada bastante a sério, posto que o
certamente mais importante para a construção modo de vida é reconstruído diariamente. Em
conceitual que nos interessa, considerando o suas próprias palavras (Heller, 1977):
projeto coletivo de reintegrar as obras de juven- No âmbito de uma determinada fase da vida,
tude de Marx ao seio da filosofia política do o conjunto das atividades cotidianas está caracte-
materialismo histórico, resgatando categorias rizado por uma continuidade absoluta, ou seja,
essenciais para sua atualização. A mais ilustre tem lugar precisamente “cada dia”. Isto constitui
representante deste grupo, a filósofa magiar o fundamento respectivo do modo de vida dos
Agnes Heller (1929-...), em diálogo permanente homens em particular.
com as ciências sociais contemporâneas, consis- No momento atual, pós-interacionismo
tentemente desenvolve uma teoria do cotidia- simbólico e sua etnometodologia, com o adven-
no, enfim abrindo perspectivas de construção to da “nova história” e depois da virada foucaul-
de uma antropologia dialética de base não- tiana, observa-se um renovado interesse pelo
estruturalista. Em duas importantes de suas estudo dos microprocessos sociais. No plano
obras originalmente publicadas na década de epistemológico, esta tendência mostra-se con-
1970, Sociologia da vida cotidiana (Heller, 1977) vergente com as novas aberturas paradigmáti-
e O cotidiano e a história (Heller, 1989), a filó- cas, indicando um esgotamento dos macromo-
sofa apresenta reflexões sobre a cotidianidade delos estruturais e uma reavaliação das “gran-
como categoria fundamental de uma teoria des teorias”. Nesse contexto intelectual, temas
microssocial marxista, analisando a determina- como o indivíduo, a dinâmica dos pequenos
ção do modo de vida em articulação com a esfe- grupos e a cotidianidade (em suma, o modo de
ra restrita da produção econômica. produção da vida social) retornam à cena cien-
De acordo com Heller (1989), A vida cotidi- tífica, com o resgate inevitável de contribuições
ana é, em grande medida, heterogênea; (...) como a da Escola de Budapeste, além de pensa-
sobretudo no que se refere ao conteúdo e à signi- dores de grande densidade analítica como
ficação ou importância de nossos tipos de ativi- Habermas e de Certeau.
dade. Todavia, a significação e o conteúdo da
vida cotidiana não expressam apenas uma
imensa variedade de formas “de viver a vida”, Modo de vida e saúde
mas também refletem formas concretas de uma
hierarquia que não é eterna e imutável, e que se Vejamos agora como, pouco a pouco, o concei-
modifica de modo específico em função das to de “modo de vida” vem assumindo uma
diferentes formações econômico-sociais. Heller posição de destaque na construção teórica em
(1989) assim analisa o conteúdo da vida coti- saúde coletiva, revelando um grande potencial
diana: São partes orgânicas da vida cotidiana: a heurístico que poderá resultar em uma nova
organização do trabalho e da vida privada, os vertente da epidemiologia crítica.
lazeres e o descanso, a atividade social sistemati- Há quase vinte anos, ao apresentar a medi-
zada, o intercâmbio e a purificação. (...). São tra- cina hipocrática como precursora da integração
878
Almeida-Filho, N.

entre antropologia e epidemiologia, James Trost- produção” (Almeida Filho, 1987). Em Epidemio-
le (1986) fez o seguinte comentário: [Naquela logia e sociedade, Cristina Possas (1989) faz refe-
abordagem] as enfermidades eram discutidas co- rência ao conceito de “modo de vida” como am-
mo atributos de populações, com uma ênfase cau- pla e fundamental instância determinante dos
sal particular dirigida para o “modo de vida” dos processos saúde-enfermidade, mediada por duas
habitantes de uma cidade. Um outro “quase fun- dimensões intervenientes: estilo de vida e condi-
dador” desta “epidemiologia do modo de vida” ções de vida. Para Possas, as condições de vida se
foi Eduardo Menéndez, reconhecido antropó- referem às condições materiais necessárias à
logo mexicano dedicado às questões da saúde. subsistência, à nutrição, convivência, saneamen-
Em uma coletânea sobre antropologia médica, to, e às condições ambientais, que são feitas
Menéndez (1990) publicou um capítulo subti- essencialmente pela capacidade de consumo
tulado “Hacia la construcción de una epidemio- social. O conceito de estilo de vida, por outro la-
logía sociocultural”, que merece destaque aqui do, remete às formas sociais e culturalmente de-
por dois motivos. Em primeiro lugar, analisa cri- terminadas de viver, que se expressam em con-
ticamente a assimilação do pensamento gramsci- dutas, tais como a prática de esportes, dieta,
ano na área da saúde como um tipo de mani- hábitos, consumo de tabaco e álcool. Dessa ma-
queísmo ideológico-cultural-microgrupal, des- neira, Possas (1989) buscava articular o conjun-
sa maneira conectando-se a uma das importan- to respeitável de achados sobre a determinação
tes linhas de apropriação da questão cultural dos chamados “riscos sociais” na maior parte
pela teoria marxista, conforme apontado aci- das patologias a modelos explicativos fundados
ma. Em segundo lugar, reconhecendo que não em categorias do materialismo histórico, sem
só Marx e Engels, mas também M. Weber, comprometer a necessária consistência teórica.
Durkheim e uma parte da antropologia médica No entanto, ainda fazia falta um tratamen-
constituem as referências teóricas e empíricas to da questão simbólica em relação ao processo
desta produção epidemiológica, Menéndez saúde-enfermidade, ou seja, ao sistema de sig-
(1990) chega a empregar as expressões “los ‘mo- nos e significados relacionados à distribuição e
dos’ culturales e sociales de enfermar” e “las percepção dos riscos e seus fatores. Samaja
condiciones e ‘modo’ de vida” para referir-se a (1998) formula esta questão com maior preci-
questões epidemiológicas. Notem que em am- são, aplicando-a com propriedade à problemá-
bos os casos o autor põe aspas justamente na tica das relações entre método e objeto na epi-
palavra-chave “modo”, sugerindo certa relutân- demiologia, propondo-a como disciplina capa-
cia em incorporá-la em qualquer processo citada a lidar com as questões da saúde no
explícito de conceitualização. De fato, em segui- âmbito da reprodução social. Segundo Samaja,
da ele introduz “estilo de vida” como conceito não são as taxas que nos falam da saúde-enfer-
que trataria de unificar a base material e ideoló- midade das populações, mas sua distribuição
gica que opera no desenvolvimento dos padeci- na “discursividade da vida cotidiana” dessa
mentos, e constituiria um conceito mediador população (1998). Por conseguinte, ademais da
entre o nível da classe social e ou dos grupos distribuição diferencial dos riscos em populações,
intermediários (grupos étnicos, grupos ocupa- a epidemiologia terá como objeto-modelo um
cionais, grupos de status, grupos familiares, objeto que implica a produção de sentido, e suas
grupos de pares, etc.) (Menéndez, 1990). Esta variáveis deverão dar conta dessa produção ou
posição é ratificada em trabalho mais recente, fracasso na gênese de sentido. (...) a fonte mesma
em que este autor comenta que enquanto para a da significação parece derivar da dinamicidade
epidemiologia o “estilo de vida” constituiria uma das estruturas do mundo da vida (Samaja 1998
variável a mais, para a antropologia tal estilo – grifos nossos).
constitui uma forma global de vida da qual o ris- A questão fundamental da epidemiologia
co pode ser parte constitutiva (Menéndez, 1995 – do modo de vida já pode ser claramente expli-
grifos nossos). citada: trata-se de problematizar a incorpora-
Em 1987, escrevemos uma pequena bro- ção de significado e sentido ao risco, seus fato-
chura sobre o tema, onde propusemos a oportu- res e seus efeitos. Isto implica abrir a epidemio-
nidade deste tipo de enfoque na investigação logia ao estudo não só das situações de saúde,
epidemiológica em saúde mental, já indicando mas também das representações da saúde e suas
suas fontes na obra marxiana (nos termos determinações, no mundo da vida, na cotidia-
expostos acima) e identificando uma correspon- nidade, nos modos de vida, através do conceito
dência com a categoria analítica de “modo de particular de “práticas de saúde”. Curiosamente,
879

Ciência & Saúde Coletiva, 9(4):865-884, 2004


o tratamento conceitual deste problema mais cam a produção das relações que constituem o
competente e mais promissor como fundamen- fundamento da sociedade e que podemos enten-
tação para uma “teoria do modo de vida e saú- der como “as relações sociais de sociabilidade”, nó
de” sequer emprega a expressão “modo de vida”. de um dos principais debates sociopolíticos da
Trata-se da obra recente de Mário Testa, sanita- atualidade”. Em uma analogia simétrica, as rela-
rista e pensador argentino, introdutor e depois ções sociais de sociabilidade articulam o modo de
crítico do planejamento estratégico em saúde, vida assim como as relações sociais de produção o
particularmente em Saber em saúde (1997). fazem para o modo de produção.
Como princípio analítico de base, Testa A fim de cobrir um possível hiato entre a
(1997) adota a perspectiva que chama de “radi- cotidianidade e a ação humana, Testa (1997)
calismo antropológico”, como revalorização da recorre de Bourdieu (1980) a noção de habitus,
cotidianidade das pessoas, apresentando-a em aí definida como maneira singular, predetermi-
referência direta à obra de Agnes Heller, antes nada por uma estruturação das instâncias psí-
mencionada. Adota ainda desta autora a se- quicas, com que os indivíduos incorporam
guinte definição de vida cotidiana: A vida coti- ações e valores do mundo e reagem com com-
diana é o conjunto de atividades que caracteri- portamentos. Para ele, trata-se de outro concei-
zam a reprodução dos homens particulares, os to fundamental, equivalente ao conceito de
quais, por sua vez, criam a possibilidade da “usos”, com o qual é possível entender de uma
reprodução social (Heller, 1977). É importante nova maneira as contradições e conflitos nos
analisar as implicações da seleção destas (e não níveis individual e coletivo, ao propor uma sín-
de outras, dentre as inúmeras) definições de tese dialética dos efeitos integradores da prática
cotidianidade na obra helleriana. Em primeiro da vida social. Segundo Testa, é possível identi-
lugar, devemos notar aqui a dupla referência à ficar usos modais para sujeitos individuais e
esfera da reprodução, tanto na dimensão da usos positivos (portadores de positividade pu-
reprodução material dos sujeitos sociais quanto ra, como veremos adiante) para sujeitos coleti-
no sentido da reprodução das relações sociais vos. Nas palavras de Testa (1997):
de produção que se estabelecem entre esses En base a esta concepción podemos reconstruir
sujeitos. Ou seja, o modo de vida como estrutu- a noción de “usos” reinterpretándola de la sigui-
rador tanto da reprodução quanto, através des- ente manera: a contradicción es la existencia de
ta, da produção. Em segundo lugar, trata-se de por lo menos dos discursos – interiores a um indi-
uma definição derivada do conceito de modo viduo o entre grupos – que argumentan en cuan-
de vida, no sentido discutido acima. Realmente, to al significado de alguna proposición (...); el
em seguida Testa refere-se à equivalência ou conflicto no se expresa como discurso sino como
paralelo entre as mudanças na vida cotidiana acción – de nuevo en el interior de un sujeto o en-
com as mudanças no modo de produção. tre distintos grupos de la sociedad – que implica
Cuidadosamente buscando construir um el sentido de los sentimientos puestos em juego
quadro teórico sólido e rigoroso, Testa (1997) durante la misma, que pueden ser identificados
se posiciona perante o debate Heller-Habermas mediante una lógica do sentido (¿existe?) que nos
em torno do conceito lukacsiano de “mundo da hará recurrir al arte de la hermenéutica para su
vida cotidiana”. Nenhuma surpresa em reco- consideración.
nhecer que, nesta polêmica, a posição de Heller O programa teórico de Mário Testa gradu-
é mais atraente, porque ela teria introduzido a almente toma forma, revelando-se como proje-
idéia de constituição do mundo como produ- to de uma epistemologia capaz de articular a
ção, em termos materialistas, nisto equivocada- ciência com a vida cotidiana, buscando assim
mente criticada por Habermas como idealista. dar conta de duas importantes problematiza-
Isto porque a práxis (por ele definida como prá- ções contemporâneas sobre o tema: a dupla
tica global) determina formas de prática cultu- hermenêutica de Boaventura Santos (1989) e a
rais ou práticas da vida que, por sua vez, con- arena transepistêmica de Bourdieu (1983). Nes-
formam uma produção: a da vida social mesma ta articulação inevitavelmente ambiciosa, en-
(Testa, 1997). Identifica-se aí, em estado latente, tram então a objetividade, a subjetividade, a vi-
o conceito de “modo de vida” implícito no dis- da cotidiana, a ciência, os indivíduos, a socieda-
curso “testiano”, na medida em que, para a pro- de, as teorias, as práticas, os significados, o sen-
dução da vida mesma, há que existir um modo tido, a constituição dos sujeitos e as determina-
de produção desta. Mais adiante, Testa (1997) ções dos objetos, estruturados de maneira a
vai assinalar que ... as práticas culturais signifi- permitir entender como e por que desapare-
880
Almeida-Filho, N.

cem, permanecem e conformam um todo que Esta realidad, vida cotidiana, mundo de la vi-
expande nossas capacidades de entendimento e da, mundo objetivo, mundo social de la vida,
ação sobre a realidade (Testa, 1997). para mencionar sólo algunos de los términos uti-
A proposta metodológica esboçada por lizados por diversos autores, se constituye por la
Mário Testa, e que podemos adotar como linha relación señalada con la praxis (la producción, el
de base para o programa de investigação sobre trabajo, la objetivación, la acción) en lo que po-
modo de vida e saúde, particularmente no capí- dría definirse como um positividad pura, donde
tulo referente aos modelos epidemiológicos de no existen negatividades – lo cual no significa que
determinação social das Doenças Crônicas no haya negaciones – respecto de la vida en cuan-
Não-Transmissíveis, incorpora o repertório to tal (Testa, 1997).
mais atualizado das ciências sociais contempo- Esta positividade nada mais é que a ideolo-
râneas, com um forte componente lingüístico- gia que aparece, na abordagem de Testa, como
semiológico. Assumindo as idéias de Julia Kris- uma das categorias insubstituíveis da análise da
teva (1969) de uma “ciência do sentido” e incor- cotidianidade (Testa 1977). A expressão “positi-
porando o instrumental heurístico da “semaná- vidade pura”, de certo modo audaciosa, preten-
lise”, Testa aponta para a investigação histórica de implicar o caráter de saber não questionado
de um conjunto de fatos sociais, práticas da vida, da ideologia, no papel de base conceitual do
formulações críticas, procedimentos metodológi- saber fazer como fundamento material das prá-
cos, dirigidos a elucidar as relações entre a língua, ticas culturais. Apesar da ousadia de Mário Testa
a fala, a escritura, os signos, as práticas semióti- ao propor, nestes tempos neoliberais, o resgate
cas, a consciência, a ideologia... (1997 – grifos do conceito marxista de ideologia para fundar
nossos). Desse modo, o objeto privilegiado des- uma teoria do cotidiano, na sua formulação
sa linha de investigação seria o corpus de discur- observamos certa timidez teórica, demasiado
sos que se transformam em textos mediante um respeitosa do “antropologismo” helleriano. Tal-
trabalho social, no processo de construção his- vez por esse motivo é que, apesar de elaborar
tórica de fatos sociais no mundo da vida. O um sofisticado repertório de conceitos bem arti-
conjunto desses textos conforma um discurso culados em um quadro teórico, com a noção de
social comum, que no referencial original da “modo de vida” “na ponta da língua”, Testa
teoria do modo de vida tem um nome, chama- (1997) prefere falar de um “espaço das práticas
se ideologia, suas raízes – como assinalamos com da vida cotidiana” dentro do qual aparece um
freqüência – são míticas, religiosas ou históricas “conhecimento comum”. Podemos fazê-lo em
(...) porém qualquer que seja seu valor de verda- seu lugar, definindo modo de vida como con-
de, fundamentam o “saber fazer” que se encontra junto articulado das práticas da vida cotidiana.
nas práticas cotidianas (que incluem) as que rea- Parte importante da teoria geral do modo
lizamos todos os dias de nossas vidas, que confor- de vida e saúde será certamente uma teoria do
mam as atividades que podemos chamar legiti- sujeito, presente e importante na abordagem
mamente culturais (Testa, 1997). testiana, aqui apresentada de modo esquemáti-
Na proposta teórica de Testa, a concepção co. Para Testa, na cotidianidade define-se um
de ideologia como conhecimento comum é processo de constituição que implica o conjun-
chave para a construção de equivalências com o to das transformações do sujeito, de sujeito ori-
conceito antropológico de “cultura”, superando ginário para sujeito social e de sujeito indivi-
seu caráter de construto estático carente de his- dual para sujeito coletivo. O sujeito coletivo é o
toricidade. A relação entre consciência histórica resultado dos efeitos de estrutura e dos efeitos
e ideologia constitui o fundamento permanente da prática, através dos “atos do drama” (Testa
das práticas (comportamentos sociais) na vida 1995), enquanto “o sujeito da vida é um sujeito
cotidiana, que abarca tudo o que chamamos ideologizado” (Testa 1997). A constituição do
cultura técnica (a maneira com que um povo sujeito conforma então um ciclo de transfor-
ganha a vida) e cultura sem apelido (o que se mações: sujeito da vida >> sujeito público >>
faz com a vida que se ganha) (Testa, 1997). O sujeito epistêmico >> sujeito avaliador. Em um
conteúdo concreto do âmbito da vida cotidiana primeiro momento, produz-se o sujeito epistê-
será então dado por um conceito fundamental mico, senhor da técnica, através de um processo
para a compreensão do modo de vida, que é o de objetivização do sujeito. Porém essa objetivi-
de “práticas da vida cotidiana”, constituidora zação não completa a transformação do sujeito
dos “múltiplos mundos da vida” (Testa 1997). da vida em sujeito epistêmico; também muda a
Nas palavras de Testa: lógica, que passa de uma lógica que tem ligação
881

Ciência & Saúde Coletiva, 9(4):865-884, 2004


com o sentido das coisas, característica da vida ceitualização análogas e paralelas à teoria do
social, para uma lógica do significado das pala- modo de vida e saúde, especialmente a “teoria
vras, conceitos e relações, que adquirem uma dos signos, significados e práticas de saúde” de
precisão que carecem na vida cotidiana (Testa, Bibeau & Corin e a abordagem das “práticas de
1997). Enfim, o desafio da emancipação do su- saúde” de Mário Testa.
jeito implica operar o processo de constituição Um modelo teórico da determinação soci-
do sujeito da prática para transformá-lo em um al das Doenças Crônicas Não-Transmissíveis
sujeito “pós-epistêmico”. com base na relação modo de vida e saúde não
se constrói pela negação das contribuições das
diferentes teorias sociais da saúde. Ao contrá-
Modelo teórico de modo de vida rio, devemos buscar uma incorporação dos
como determinante de DCNT principais elementos dos quadros teóricos aqui
revisados para formar uma estrutura explicati-
Vimos acima como a sociologia funcionalista va mais avançada. Assim, a partir da articulação
propiciou a estruturação de modelos psicosso- dos três circuitos dialéticos fundamentais para
ciais de saúde, posteriormente incorporando a a compreensão do processo saúde-enfermida-
questão do “estilo de vida” e das desigualdades de-atenção nas sociedades concretas (o traba-
sociais e as teorias do capital social em saúde. lho, a reprodução social e o modo de vida)
Avaliamos também modelos baseados em con- apresentamos a seguir uma síntese de elemen-
ceitos-chave do marxismo clássico: processo de tos dos modelos objeto desta revisão crítica. Is-
trabalho e estrutura de classes da sociedade. A so permite lançar as bases conceituais de um
partir dessa análise, identificamos importantes enfoque teórico certamente mais adequado
lacunas teóricas no que diz respeito aos domí- para a elaboração de modelos epidemiológicos
nios simbólico e da cotidianidade que deman- de determinação social das Doenças Crônicas
dam uma alternativa conceitual que se pode Não-Transmissíveis.
chamar de “teoria do modo de vida e saúde” Assim, conforme a figura 5, mantém-se a
(Almeida Filho, 2000). Como subsídio para a concepção original da formação econômico so-
construção teórica proposta, mostramos como cial como expressão concreta do modo de pro-
o conceito “modo de vida” se articula à teoria dução, destacando-se os dois processos funda-
social marxista e discutimos propostas de con- mentais: o processo de trabalho (ciclos de pro-

Figura 5
Modelo etnoepidemiológico (teoria do modo de vida & saúde).

DISTRIBUIÇÃO REPRODUÇÃO PRODUÇÃO


CONSUMO
MAIS-VALIA PROCESSO
SIGNOS & MODO DE VIDA LABORAL
SENTIDOS
PRÁTICAS
CLASSES TRABALHO
SOCIAIS
CONSTRUÇÃO
CULTURAL V V V
CONFIGURAÇÕES DE RISCO
V

SAÚDE-DOENÇA-CUIDADO BASE
MATERIAL
V

Doenças Crônicas Não-Transmissíveis


882
Almeida-Filho, N.

dução econômica) e o processo de reprodução sensíveis às especificidades simbólicas e ao cará-


social. Dessa maneira, preserva-se o papel capi- ter interativo da relação entre os sujeitos huma-
tal da dinâmica das classes sociais e do processo nos e seu meio (ambiente, cultural e sócio-his-
de trabalho propriamente dito como determi- tórico).
nantes das condições de vida e, indiretamente, Desse modo, podemos avançar a noção de
como condicionantes dos estilos de vida defini- que qualquer evento ou processo social, para
dos conforme a formulação de Possas (1989). representar uma fonte potencial de risco para a
O processo da reprodução social efetiva- saúde, necessita estar em ressonância com a
mente informa melhor a construção teórica da estrutura epidemiológica dos coletivos huma-
relação modo de vida e saúde (Samaja 2000). O nos. Não se trata exclusivamente da ação exter-
ciclo da reprodução social (produção-distribui- na de um elemento ambiental agressivo, con-
ção-consumo), que já compartilha a interface forme indicado na metáfora de fatores-produ-
da produção propriamente dita com o processo zindo-riscos, nem da reação internalizada de
de trabalho, articula-se aos ciclos produtivos da um hóspede susceptível, mas sim de um sistema
vida cotidiana através do consumo, como vi- complexo (totalizado, interativo, processual) de
mos acima. As formas de produção da vida efeitos patológicos. A compreensão desta com-
social, expressão concreta do modo de vida, plexidade interativa, instável e dinâmica se re-
também operam uma dinâmica complexa arti- vela particularmente importante para a questão
culada aos sistemas de signos, significados e científica geral dos modelos epidemiológicos de
práticas expressos no modelo de Bibeau & determinação social das Doenças Crônicas Não-
Corin. Trata-se, enfim, dos processos (de prote- Transmissíveis (Gonçalves, 1990).
ção e promoção) da saúde relacionados aos Cremos que a referência apenas oblíqua ao
fatos sociais da vida, do crescimento, do sofri- conceito central de “modo de vida” na obra de
mento e da morte, ou seja, as práticas da vida Mario Testa deve-se ao fato de que o seu proje-
cotidiana de que fala Testa (1997). to original é eminentemente de construção
Isso significa que a análise da relação modo epistemológica. A síntese de Testa funda-se em
de vida e saúde passa necessariamente por uma uma teoria das práticas sociais na cotidianida-
semiologia e uma pragmática dos processos de, articulada a uma teoria do sujeito, por sua
saúde-enfermidade-cuidado. Ambas se reali- vez baseada em uma proposta metodológica
zam tomando-os como efeitos de um duplo derivada de teorias do sentido, do significado e
processo de construção social, tanto como pro- da ação. Não obstante, talvez por causa da sua
duto de atos concretos de exposição-proteção a origem intelectual no campo da saúde coletiva,
fatores e configurações de risco, efeito de estilos trata-se de uma perspectiva orgânica ao progra-
de vida, quanto como processos de reconheci- ma de construção de modelos epidemiológicos
mento e designação de anormalidade e presen- de determinação social baseados no conceito de
ça de patologia, etapas prévias às respostas soci- “modo de vida”.
ais diante dos problemas de saúde. Em suma, a esperada e necessária teoriza-
É nesse sentido que o conceito de modo de ção sobre as relações complexas entre “modo de
vida pode ser formulado como uma construção vida” (ou práticas da vida cotidiana, na lingua-
teórica basal, que não implica meramente con- gem testiana) e determinantes-processo-efeitos
dutas individuais ante a saúde. Tal proposição sobre a saúde individual e coletiva nesse caso se
vai mais além, incluindo as dimensões sócio- encaixa “como uma luva” aos modelos de deter-
históricas, englobando a dinâmica das classes minação social da epidemiologia contemporâ-
sociais e das relações sociais de produção, sem- nea. O desafio, neste momento inicial de cons-
pre considerando os aspectos simbólicos da vi- trução teórica, será articular esse formidável
da cotidiana na sociedade. Considerando a dispositivo teórico, portador de uma potencia-
natureza complexa, subjetiva e contextual da lidade heurística efetivamente totalizante, à
relação entre saúde-enfermidade e processos produção conceitual mais localizada no campo
constituintes das iniqüidades sociais, propomos da Saúde Coletiva, particularmente em relação
enfim substituir a clássica abordagem de fatores ao tema crucial das Doenças Crônicas Não-
de risco por “modelos de vulnerabilidade”, mais Transmissíveis.
883

Ciência & Saúde Coletiva, 9(4):865-884, 2004


Referências bibliográficas

Almeida Filho N 1987. Apuntes sobre el modo de vida co- a relationship between social support and health.
mo determinante epidemiológico. Taller sobre Condi- American Journal of Epidemiology 117(5):521-537.
ciones de Vida y Salud. Organização Pan-Americana Cassel J 1967. Factors involving sociocultural incongruity
da Saúde. Brasília – DF. (Documentos de Trabalho). and change: appraisal and implications for theoreti-
Almeida-Filho N 2000. A ciência da saúde. Hucitec, São cal development. Milbank Memorial Fund Quarterly
Paulo. 45:41-45.
Antonovsky A 1979. Health, stress and coping. Jossey-Bass, Cassel J 1974. Psychosocial processes and stress: theoreti-
São Francisco. cal formulation. International Journal of Health Ser-
Arouca AS 1975. O dilema preventivista: contribuição para vices 4(3)471-482.
a compreensão e crítica da medicina preventiva. Tese Cassel J 1976. The contribution of the social environment
de doutorado. Unicamp, Campinas. to host resistance. American Journal of Epidemiology
Barger W 1977. Culture change and psychosocial adjust- 104:127-133.
ment. American Ethnologist 4:471-95. Cassel J, Patrick R & Jenkins D 1960. Epidemiological
Bibeau G 1987. Répères pour une approche anthropo- analysis of the health implications of culture change:
logique en psychiatrie, pp. 67-76. In E Corin, S a conceptual model. Annals of the NY Academy of Sci-
Lamarre, P Mingneault & M Tousignant (eds.) Ré- ences 84: 938-49.
gards anthropologiques en psychiatrie. Editions du GI- Corin E 1993. Les détours de la raison. Répères sémi-
RAME, Montreal. ologiques pour une anthropologie de la folie. Anthro-
Bibeau G 1988. A step toward thick thinking: from webs pologie et Sociétés 17(1-2):5-20.
of significance to connections across dimensions. Corin E 1995. The social and cultural matrix of health
Medical Anthropology Quarterly 2:402-416. and disease, pp. 93-132. In RG Evans, ML Barer & R
Bibeau G 1994. Hay una enfermidad en las Américas? Marmor (eds.). Why are some people healthy and oth-
Otro camino de la antropologia médica para nuestro ers not? The determinants of health of populations. Al-
tiempo, pp. 44-70. In Cultura y salud en la construc- dine de Gruyter, Hawthorn, NY.
ción de las Américas. Instituto Colombiano de Cul- Corin E, Uchôa E, Bibeau G & Harnois G 1989. Les ati-
tura, Bogotá. tudes dans le champ de la santé mentale. Repères
Bibeau G & Corin E 1994. Culturaliser l’épidémiologie théoriques et méthodologiques pour une étude ethno-
psychiatrique. Les systèmes de signes, de sens et d’ac- graphique et comparative. Centre Collaborateur OMS
tion en santé mentale, pp. 98-106. In P Charest, F (Centre Hospitalier Douglas), Montreal.
Trudel & Y Breton (dir.). Marc-Adélard Tremblay ou Corin E, Bibeau G, Laplante R & Martin JC 1990. Com-
la construction de l’anthropologie québécoise. Presses prendre pour soinger autrement. Repères pour région-
de L Úniversité Laval, Quebec. aliser les services de santé mentale. Presses de L’Uni-
Bibeau G & Corin E 1995. From submission to the text to versité de Montréal.
interpretative violence, pp. 3-54. In G Bibeau & E Corin E, Bibeau G & Uchôa E 1993. Éléments d’une sémi-
Corin (eds.). Beyond textuality. Ascetism and violence ologie anthropologique des troubles psychiques chez
in anthropological interpretation. Approaches to Semi- les Bambara, Soninké et Bwa du Mali. Anthropologie
otics Series. Mouton de Gruyter, Berlim. et Sociétés 17 (1-2): 125-156.
Bourdieu P 1980. Le sens critique. Éditions de Minuit, Paris. De Martino E 1961. La terra del rimorso. Saggiatore, Milão.
Bourdieu P 1983. O campo científico, pp. 122-155. In R Dohrenwend B & Dohrenwend B (eds.) 1974. Stressful life
Ortiz (org.) Pierre Bourdieu. Editora Ática, São Paulo. events: their nature and effects. Wiley & Sons, Nova York,
Breilh J 1989. Epidemiologia: economia,medicina y política. Donnangelo MCF 1978. Saúde e sociedade. Duas Cidades,
Fontamara, México. São Paulo.
Breilh J 1991. La epidemiología (crítica) latinoamericana: Dressler W 1985. Psychosomatic symptoms, stress and
análisis general del estado del arte, los debates y de- modernization: a model. Culture, Medicine and Psy-
safios actuales, pp. 164-214. In S Franco, E Nunes, J chiatry 9(3):257-288.
Breilh & AC Laurell. Debates en medicina social. Engels F 1972. The origin of the family, private property
OPS/ALAMES, Ecuador. (Serie Desarrollo de Recur- and the State. International Publishers, Nova York.
sos Humanos n. 92). Evans T, Whitehead M, Diderichsen F, Bhuiya A & Wirth
Breilh J, Granda E, Campaña A & Betancourt O 1983. M (eds.) 2001. Challenging inequities in health: from
Ciudad y muerte infantil: la mortalidad infantil dife- ethics to action. Oxford University Press, Nova York.
rencial en el area urbana de Quito. CEAS, Quito. Fábregas A 1979. Antropología, marxismo y práctica
Breilh J & Granda E 1985. Os novos rumos da epidemiolo- política. Nueva Antropología 11:13-19.
gia, pp. 241-253. In E Nunes (org.). As ciências sociais Garcia JC 1972. La educación médica en América Latina.
em saúde na América Latina. OPAS, Brasília. (Tendên- OPAS, Washington. (Publicación Científica 255).
cias e Perspectivas). Garcia JC 1983. La categoría “trabajo” en la medicina.
Breilh J, Campana A & Granda E 1991. Regionalización Cuadernos Médico-Sociales 23:5-18.
de la calidad de vida y salud materno-infantil: aproxi- Gardell B 1982. Scandinavian research on stress in working
mación a la geografia de las condiciones de salud-en- life. International Journal of Health Services 12:1-12.
fermedad en el Ecuador. Geografia Básica del Ecuador Gonçalves RB 1990. Reflexão sobre a articulação entre a
II(2):91-110. investigação epidemiológica e a prática médica: a
Broadhead W & Kaplan B 1991. Social support and the propósito das doenças crônicas degenerativas, pp. 39-
cancer patient. Cancer 67(3):794-799. 85. In D Costa (org.) Epidemiologia: teoria e objeto.
Broadhead W et al. 1983. The epidemiologic evidence for Hucitec-Abrasco, São Paulo-Rio de Janeiro.
884
Almeida-Filho, N.

Gramsci A 1978. Concepção dialética da História. Civiliza- Marx K 1984. O capital: crítica da economia política. Abril
ção Brasileira, Rio de Janeiro. Cultural, São Paulo.
Granda E 1976. Epidemiología: instrumento de dominación o Marx K & Engels F 1977. The german ideology. Penguin,
de liberación. Universidad Central del Ecuador, Quito. Londres.
Heller A 1977. Sociologia de la vida cotidiana. Península, Marx K 1977. Economico-philosophical manuscripts. Pen-
Barcelona. guin, Londres.
Heller A 1989. O cotidiano e a História. Paz e Terra, Rio de Menéndez E 1990. Antropología médica. Orientaciones, de-
Janeiro. sigualdades y transacciones. Casa Chata/CIESAS,
Hinkle Jr. L 1973. The concept of stress in the biological México.
and social sciences. Science, Medicine and Man 1:34-43. Menéndez E 1995. Antropología médica y epidemiología:
Hobsbawn E 1977. Introdução, pp.13-64. In K Marx. For- proceso de convergencia o proceso de medicaliza-
mações econômicas pré-capitalistas. Paz e Terra, Rio de ción? Anais do I Congresso Latinoamericano, II Con-
Janeiro. gresso Iberoamericano e III Congresso Brasileiro de Epi-
Ibrahim M et al. 1980. The legacy of John Cassel. Ameri- demiologia. Salvador, Abrasco.
can Journal of Epidemiology 112(1):1-7. Morgan L 1977. La sociedad antigua [1877], pp. 65-123.
James S 1994. John Henryism and the health of Afro- In Darwin, Morgan, Tylor. Los orígenes de la antro-
Americans. Culture, Medicine and Psychiatry 18(2): pología. Centro Editor de América Latina, Buenos Aires.
163-182. Possas C 1989. Epidemiologia e sociedade. Heterogeneidade
James S & Kleinbaum D 1976. Socioecological stress and estrutural e saúde no Brasil. Hucitec, São Paulo.
hypertension related to mortality rates in North Samaja J 1998. Epistemologia e epidemiologia, pp. 23-36.
Carolina. American Journal of Public Health 66(4): In N Almeida-Filho, R Barata, M Barreto & Veras R
354-358. (eds). Teoria epidemiológica hoje: fundamentos, ten-
Kaplan B 1992. Social health and the forgiving heart. Jour- dências, perspectivas. Fiocruz-Abrasco, Rio de Janeiro.
nal of Behavioral Medicine 15(1):3-14. Samaja J 2000. A reprodução social e a saúde. Casa da Saú-
Kaplan B & Cassel J 1975. Family and health: an epidemio- de, Salvador.
logical approach. UNC Institute for Research and So- Santos BS 1989. Introdução a uma ciência pós-moderna.
cial Science, Chapel Hill. Graal, Rio de Janeiro.
Kaplan B, Cassel J & Gore S 1977. Social support and Selye H 1956. Stress. Basic Books, Nova York.
health. Medical Care 15(5): 47-58. Tambellini A 1976. Contribuição à análise epidemiológica
Kawachi I & Berkman L 2000. Social capital. In L Berk- dos acidentes de trânsito. Tese de doutorado. Unicamp,
man & Kawachi I (eds.). Social epidemiology. Oxford Campinas.
University Press, Nova York. Testa M 1995. Pensamento estratégico e lógica de progra-
Kelle A & Kovalzón K 1975. Cultura y formación social. mação. O caso da saúde. Hucitec-Abrasco, São Paulo-
Editorial Progresso, Moscou. Rio de Janeiro.
Kristeva J 1968. La semiologie: science critique et/ou cri- Testa M 1997. Saber en salud – la construcción del cono-
tique de la science, pp. 80-93. In M Foucault et al. cimiento. Lugar Editorial, Buenos Aires.
Theorie D’ensemble. Seuil, Paris. Trostle J 1986. Anthropology and epidemiology in the
Laurell AC 1977. Algunos problemas teóricos y conce- twentieth century: a selective history of collaborative
ptuales de la epidemiología social. Revista Centro- projects and theoretical affinities, 1920 to 1970, pp.
Americana de Ciencias de la Salud 3(5):79-97. 59-94. In C Janes, R Stall & Gifford S (eds.). Anthro-
Laurell AC 1981. Processo de trabalho e saúde. Saúde em pology and epidemiology: interdisciplinary approaches
Debate 11:8-23. to the study of health and disease. Reídle, Dordrecht.
Laurell AC 1987. Para el estudio de la salud en su relación Tylor EB 1977. La ciencia de la cultura [1871], pp. 125-
con el proceso de producción, pp. 61-94. In ALAMES. 153. In Darwin, Morgan, Tylor. Los orígenes de la an-
Anales Taller Latinoamericano de Medicina Social. tropología. Centro Editor de América Latina, Buenos
Medellín. Aires.
Laurell AC 1991. Trabajo y salud: estado del conocimien- Tyroler H & Cassel J 1964. Health consequences of cul-
to, pp. 249-321. In S Franco, E Nunes, J Breilh & Lau- ture change: II. The effect of urbanization on coro-
rell AC. Debates en medicina social. OPS/ALAMES, nary heart mortality of rural residents. Journal of
Ecuador. (Serie Desarrollo de Recursos Humanos n. Chronic Diseases 17:167-177.
92). Victora C, Barros F & Vaughan P 1989. Epidemiologia da
Laurell AC & Noriega M 1989. Processo de produção e desigualdade. Hucitec, São Paulo.
saúde. Trabalho e desgaste operário. Hucitec, São Paulo. White L 1978. O conceito de sistemas culturais. Zahar, Rio
Mackenbach JP 2002. Income inequality and population de Janeiro.
health. British Medical Journal 324:1-2. Wilkinson RG 1996. Unhealthy societies. The afflictions of
Marmot M 2001. Economic and social determinants of inequality. Routledge, Londres.
disease. Bulletin of the World Health Organization Wilson R 1970. The sociology of health. Random House,
79(10):906-1004. Nova York.
Marx K 1973. Grundrisse – Foundations of the critique of Young A 1980. The Discourse on stress and the reproduc-
political economy. Penguin, Londres. tion of conventional knowledge. Social Science and
Medicine 148:133-146.

Artigo apresentado em 20/4/2004


Aprovado em 10/5/2004
Versão final apresentada em 20/5/2004

Você também pode gostar