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Sábado, 4 de Abril de 2009 O porreirismo de Sócrates, o desprestígio das instituições e

a ruína moral do país.


Uma crónica nada porreira de Helena Matos Nunca se deve dar poder a um tipo porreiro
porreirismo de Sócrates, pela natureza do cargo que ocupa, criou um problema moral
ao país. No início, ninguém dá nada por eles. Mas, pouco a pouco, vão conseguindo
afirmar o seu espaço. Não se lhes conhece nada de significativo, mas começa a dizer-se
deles que são porreiros. Geralmente estes tipos porreiros interessam-se por assuntos
também eles porreiros e que dão notícias porreiras. Note-se que, na política, os tipos
porreiros muito frequentemente não têm qualquer opinião sobre as matérias em causa
mas porreiramente percebem o que está a dar e por aí vão com vista à consolidação da
sua imagem como os mais porreiros entre os porreiros. Ser considerado porreiro é uma
espécie de plebiscito de popularidade. Por isso não há coisa mais perigosa que um tipo
porreiro com poder. E Portugal tem o azar de ter neste momento como primeiro-
ministro um tipo porreiro. Ou seja, alguém que não vê diferença institucional entre si
mesmo e o cargo que ocupa. Alguém que não percebe que a defesa da sua honra não
pode ser feita à custa do desprestígio das instituições do Estado e do próprio partido que
lidera. O PS é neste momento um partido cujas melhores cabeças tentam explicar ao
povo português por palavras politicamente correctas e polidas o que Avelino Ferreira
Torres assume com boçalidade: quem não é condenado está inocente e quem acusa
conspira. Nesta forma de estar não há diferença entre responsabilidade política e
responsabilidade criminal. Logo, se os processos forem arquivados, o assunto é dado
por encerrado. Isto é o porreirismo em todo o seu esplendor. Acontece, porém, que o
porreirismo de Sócrates, pela natureza do cargo que ocupa, criou um problema moral ao
país. Fomos porreiros e fizemos de conta que a sua licenciatura era tipo porreira,
exames por fax, notas ao domingo. Enfim tudo "profes" porreiros. A seguir, fomos
ainda mais porreiros e rimos por existir gente com tão mau gosto para querer umas
casas daquelas como se o que estivesse em causa fosse o padrão dos azulejos e não o
funcionamento daquele esquema de licenciamento. E depois fomos porreiríssimos
quando pensámos que só um gajo nada porreiro é que estranha as movimentações
profissionais de todos aqueles gajos porreiros que trataram do licenciamento do aterro
sanitário da Cova da Beira e do Freeport. E como ficámos com cara de genuínos
porreiros quando percebemos que o procurador Lopes da Mota representava Portugal no
Eurojust, uma agência europeia de cooperação judicial? É preciso um procurador ter
uma sorte porreira para acabar em tal instância após ter sido investigado pela PGR por
ter fornecido informações a Fátima Felgueiras. Pouco a pouco, o porreirismo tornou-se
a nossa ideologia. Só quem não é porreiro é que não vê que os tempos agora são assim:
o primeiro-ministro faz pantomina a vender computadores numa cimeira ibero-
americana? Porreiro. Teve graça não teve? Vendeu ou não vendeu? Mais graça do que
isso e mais porreiro ainda foi o processo de escolha da empresa que faz o computador
Magalhães. É tão porreiro que ninguém o percebeu mas a vantagem do porreirismo é
que é um estado de espírito: és cá dos nossos, logo, és porreiro. E foi assim que, de
porreirismo em porreirismo, caímos neste atoleiro cheio de gajos porreiros. O primeiro-
ministro faz comunicações ao país para dizer que é vítima de uma campanha negra não
se percebe se organizada pelo ministério público, pela polícia inglesa e pela
comunicação social cujos directores e patrões não são porreiros. Os investigadores do
ministério público dizem-se pressionados. O procurador-geral da República, as
procuradoras Cândida Almeida e Maria José Morgado falam com displicência como se
só por falta de discernimento alguém pudesse pensar que a investigação não está no
melhor dos mundos... Toda esta gente é paga com o nosso dinheiro. Não lhes pedimos
que façam muito. Nem sequer lhes pedimos que façam bem. Mas acho que temos o
direito de lhes exigir que se portem com o mínimo de dignidade. Um titular de cargos
políticos ou públicos pode ter cometido actos menos transparentes. Pode ser
incompetente. Pode até ser ignorante e parcial. De tudo isto já tivemos. Aquilo para que
não estávamos preparados era para esta espécie de falta de escala. Como se esta gente
não conseguisse perceber que o país é muito mais importante que o seu egozinho.
Infelizmente para nós, os gajos porreiros nunca despegam. In Público, 02/04/2009 -----
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