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TEXTO 1

[453a] GÓRGIAS: “Por oratória quero dizer a habilidade de convencer, por meio do discurso, um

júri num tribunal, membros de um conselho, votantes em uma assembleia e qualquer outra

reunião de cidadãos . Pelo exercício dessa habilidade você terá o médico ou o treinador em suas

mãos e o homem de negócios ganhará dinheiro não em proveito próprio, mas para outro, para

você que de fato tem essa habilidade de falar e de convencer as massas.

[454d-455a] SÓCRATES: Que forma de convencer sobre o certo e o errado é produzida pela

oratória nos tribunais e em outros lugares, aquela que produz conhecimento ou aquela que

produz apenas crenças sem conhecimento?

GÓRGIAS: A que produz crenças, obviamente.

SÓCRATES: Parece então que o convencer que a oratória produz sobre o certo e o errado é do

tipo que resulta da crença, não o que resulta do ensinar.

GÓRGIAS: Sim.

SÓCRATES: E o orador não ensina ao júri e outras comissões sobre o certo e o errado, apenas os

persuade; dificilmente poderia ensinar a tantas pessoas em tão pouco tempo algo de tal

importância.”
TEXTO 2.

“Eis a hipótese que gostaria de apresentar esta noite, para fixar o lugar – ou talvez o teatro muito

provisório – do trabalho que faço: suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao

mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de

procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento

aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade.

Em uma sociedade como a nossa, conhecemos, é certo, procedimentos de exclusão. O mais

evidente, o mais familiar também, é a interdição. Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer

tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não

pode falar de qualquer coisa. Tabu do objeto, ritual da circunstância, direito privilegiado ou

exclusivo do sujeito que fala: temos aí o jogo de três tipos de interdições que se cruzam, se

reforçam ou se compensam, formando uma grade complexa que não cessa de se modificar.

Notaria apenas que, em nossos dias, as regiões onde a grade é mais cerrada, onde os buracos

negros se multiplicam, são as regiões da sexualidade e as da política: como se o discurso, longe

de ser esse elemento transparente ou neutro no qual a sexualidade se desarma e a política se

pacifica, fosse um dos lugares onde elas exercem, de modo privilegiado, alguns de seus mais

temíveis poderes. Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições

que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder. Nisto não há

nada de espantoso, visto que o discurso – como a psicanálise nos mostrou – não é simplesmente

aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é objeto do desejo; e visto que

– isto a história não cessa de nos ensinar – o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as

lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos

queremos apoderar.”
TEXTO 3.

“Quanto mais alguém procura o que lhe é útil, isto é, conservar o seu ser, e tem poder para tal,

mais é dotado de virtude; ocorre o contrário quando alguém desdenha o que lhe é útil, isto é,

conservar seu ser, e nisto é impotente.

DEMONSTRAÇÃO

A virtude é a própria potência do homem, que se define exclusivamente pela essência dele (pela

Definição 8), isto é, (pela proposição 7), que se define exclusivamente pelo esforço que o homem

faz para perseverar em seu ser. Logo, quanto mais alguém se empenha em conservar seu ser e

tem poder para tal, mais é dotado de virtude. O contrário acontece (pelas proposições 4 e 6), na

medida em que alguém desdenha conservar seu ser, e por isso é impotente.

ESCÓLIO

Ninguém, portanto, a menos que seja vencido por causas externas e contrárias à sua natureza,

deixa de aspirar ao que lhe é útil, em outras palavras, conservar seu ser. Ninguém, afirmo, pela

necessidade de sua natureza e sem ser compelido por causas externas, se negará a alimentar-se,

ou se suicidará, o que pode ser feito de diversas maneiras. Alguém se mata porque um outro o

obriga, torcendo-lhe a mão, que por acaso agarrara um gládio, e força-o a voltar esse gládio

contra o coração; outra possibilidade é por ordem de um tirano, como Sêneca, que o obrigue a

cortar as veias, desejando evitar um mal maior com outro menor; ou então, finalmente, é

porque causas externas ocultas dispõem a imaginação de tal forma e afetam o corpo de maneira

que este se reveste de outra natureza, contrária à primeira, e da qual não consegue fazer ideia no

Espírito (pela proposição 10). Mas que o homem, pela necessidade de sua natureza, busque não

existir, ou mudar de forma, isso é tão impossível quanto criar algo a partir de nada, como todos

podem concluir meditando um pouco.”


Texto 4.

“Uma simples observação deveria bastar contra a confusão dos ignorantes que supõem que

aqueles que defendem a utilidade como teste do certo e do errado usam este termo no sentido

restrito e meramente coloquial em que o útil se opõe ao prazer. Devemos desculpas aos filósofos

opositores do utilitarismo por confundi-los, ainda que momentaneamente, com pessoas capazes

de uma concepção tão absurdamente errada; o que se torna ainda mais extraordinário na

medida em que a acusação contrária, de remeter tudo ao prazer, e isso da forma mais grosseira,

é uma das mais comuns contra o utilitarismo... Aqueles que sabem um pouco sobre essa questão

estão cientes de que todos os autores, de Epicuro a Bentham, que defenderam o princípio da

utilidade o entenderam não como algo a ser contraposto ao prazer, mas sim como o próprio

prazer, juntamente com a ausência de dor. E ao invés de opor o útil ao agradável ou ao

ornamental, sempre declararam que o útil também significa essas entre outras coisas. E, contudo,

o rebanho inclusive o ‘rebanho dos escritores’, não apenas em jornais e outros periódicos, mas

em livros de peso e pretensão, estão perpetuamente cometendo este erro superficial. Tomam a

palavra utilidade e não sabem sobre ela nada além de seu som. Habitualmente, expressam por

meio dela a rejeição, ou o descuido, do prazer em algumas de suas formas: a beleza, o

ornamento, a diversão. E o termo não é apenas mal aplicado por ignorância em sentido

depreciativo, mas ocasionalmente até mesmo como um cumprimento, como se significasse algo

de superior à frivolidade ou aos meros prazeres momentâneos. Este uso pervetido é o único pelo

qual essa palavra é popularmente conhecida, e é desse uso que a nova geração está adquirindo

seu único entendimento desta palavra.”


TEXTO 5.

“De todas as coisas que existem, algumas estão em nosso poder, e outras não estão em nosso

poder. Estão em nosso poder: pensamento, impulso, desejo de obter, desejo de evitar e, em

resumo, todas as obras que sejam nossas. Não estão em nosso poder: corpo, propriedade,

reputação, cargos importantes e, em resumo, todas as obras que não sejam nossas. As coisas

que estão em nosso poder são por natureza livres, desimpedidas, desprendidas; as coisas que

não estão em nosso poder são fracas, servis, sujeitas a impedimento e dependentes de outros.

Lembra, portanto, que se achares que as coisas por natureza servis são livres, e as coisas que são

por natureza alheias são tuas próprias, serás impedido, lamentarás, perturbar-te-ás, queixar-te-ás

tanto dos deuses quanto dos homens; porém, se pensares que somente o teu próprio pertence a

ti, e que o que é de outro é de fato de outro, ninguém jamais te compelirá, ninguém te impedirá,

não reclamarás de ninguém, não acusarás ninguém, nem uma só coisa farás contra o teu querer,

ninguém te prejudicará, não terás inimigo, pois nenhuma coisa nociva prevalecerá sobre ti.

Atraído, então, por tão grandes coisas, deves lembrar que, para que te apoderes delas, exige-se

mais do que esforço comum; é preciso que abandones algumas coisas por inteiro, enquanto de

outras é preciso que te abstenhas de momento. Se desejas também essas – cargos importantes e

riqueza – , pode ser que fracasses em obtê-las (...) , e por certo fracassarás em te apropriar

daquelas coisas que – somente elas – trazem em consequência a liberdade e a felicidade.

Portanto, põe o teu estudo para confrontar toda impressão súbita com as palavras ‘És uma

impressão apenas, e não o que pareces ser’. Em seguida, deves colocá-la à prova com as regras

que tens, e primeiramente com esta – a prova principal – ‘Ela se refere às coisas que estão em

nosso poder ou às coisas que não estão em nosso poder?’ E, caso se refira a algo que não está em

nosso poder, sê pronto com a resposta de que ela nada é para ti.”
TEXTO 6.

“Quando há necessidade de fazer da razão um tirano, como fez Sócrates, não deve ser pequeno o

perigo de que uma outra coisa se faça de tirano. A racionalidade foi então percebida como

salvadora, nem Sócrates nem seus ‘doentes’ estavam livres para serem ou não racionais – isso

era de rigueur (obrigatório), era seu último recurso. O fanatismo com que toda a reflexão grega

se lança à racionalidade mostra uma situação de emergência: estavam em perigo, tinham uma

única escolha: sucumbir ou – ser absurdamente racionais... O moralismo dos filósofos gregos a

partir de Platão e determinado patologicamente; assim também a sua estima da dialética. Razão

=virtude=felicidade significa tão-só: é preciso imitar Sócrates e instaurar permanentemente,

contra os desejos obscuros, uma luz diurna – a luz diurna da razão. É preciso ser prudente, claro,

límpido a qualquer preço: toda concessão aos instintos, ao inconsciente, leva para baixo...

(...)

Indiquei como Sócrates fascinava: ele parecia ser um médico, um salvador. E necessário também

apontar o erro que havia em sua crença na ‘racionalidade a qualquer preço?’ – Os filósofos e

moralistas enganam a si mesmos, crendo sair da décadence ao fazer-lhe guerra. Sair dela está

fora de suas forças: o que elegem como meio, como salvação, e apenas mais uma expressão da

décadence – eles mudam sua expressão, mas não a eliminam. Sócrates foi um mal-entendido:

toda a moral do aperfeiçoamento, também a cristã, foi um mal-entendido... A mais crua luz do

dia, a racionalidade a todo custo, a vida clara, fria, cautelosa, consciente, sem instinto, em

resistência aos instintos, foi ela mesma apenas uma doença, uma outra doença – e de modo

algum um de volta à ‘virtude’, à ‘saúde’, à ‘felicidade’... Ter de combater os instintos – eis a

fórmula da décadence: enquanto a vida ascende, felicidade é igual a instinto.”


TEXTO 7.

“VII. III. 4. Mas, também ainda, embora dissesse e acreditasse firmemente que és

incontaminável e inalterável e sob nenhum aspecto mutável, tu, nosso Deus, Deus

verdadeiro, que criaste não só as nossas almas, mas também os nossos corpos, e não

apenas as nossas almas e os nossos corpos, mas também todos nós e todas as coisas,

não tinha por explicada e esclarecida a causa do mal. Fosse ela qual fosse, porém, via

que era preciso procurá-la de modo a que, graças a ela, não fosse obrigado a acreditar

que é mutável o Deus imutável, ou que eu próprio me convertesse naquilo que eu

procurava. E assim, procurava-a em segurança e certo de que não era verdade o que

diziam aqueles que eu evitava com toda a minha alma, porque os via, procurando donde

provinha o mal, cheios de maldade, em virtude da qual eram de opinião que é mais a tua

substância que está sujeita a sofrer o mal, do que a deles a fazê-lo. E esforçava-me por

compreender o que ouvia: que o livre arbítrio da vontade é a causa de praticarmos o mal

e o teu reto juízo a de o sofrermos, mas não conseguia compreender essa causa com

clareza. E assim, tentando arrancar do abismo o olhar do meu espírito, afundava-me de

novo, e muitas vezes tentava e me afundava uma e outra vez. Na verdade, elevava-me

para a tua luz o facto tanto de saber que tinha uma vontade como o de saber que vivia.

Por isso, quando queria ou não queria alguma coisa, tinha absoluta certeza de que quem

queria ou não queria não era outro senão eu. E via, cada vez mais, que aí estava a

causa do meu pecado. E aquilo que fazia contra vontade via que era mais padecer do

que fazer, e julgava que isso não era culpa, mas castigo, pelo qual, como eu logo

confessava, considerando-te justo, era castigado não injustamente. Mas de novo dizia:

‘Quem me fez? Porventura não foi o meu Deus, que é não apenas bom, mas o próprio

bem? Donde me vem então o querer o mal e o não querer o bem? Será para haver um

motivo para que eu seja castigado justamente? Quem colocou isto em mim, e plantou em

mim este viveiro de amargura, embora todo eu tenha sido feito por um Deus tão doce?
Se o autor é o diabo, donde veio o mesmo diabo? Mas se também ele, por uma vontade

perversa, de anjo bom se tornou diabo, donde lhe veio, também a ele, a má vontade pela

qual se tornaria diabo, quando o anjo, na sua totalidade, tinha sido criado por um criador

sumamente bom?’ De novo me deixava abater e sufocar com estes pensamentos, mas

não me deixava arrastar até àquele inferno do erro, onde ninguém te confessa, quando

se julga que és tu a padecer o mal, e não o homem que o pratica.”


TEXTO 08.

“E a sociedade industrial? É a subjetividade que se sobrepõe a si mesma. Todos os

objetos se subordinam a este sujeito. A sociedade industrial tem a petulância de ser a

normatividade incondicionada de toda a objetividade. Mostra-se, assim, que a sociedade

industrial existe tendo por base o estar-encerrada nos seus próprios poderes. E que dizer

da Arte no seio da sociedade industrial, cujo mundo começa a converter-se em

cibernético? Não será que as manifestações da Arte se estão a converter num tipo de

informação neste mundo e para este mundo? Não será que o que determina as suas

produções é satisfazerem o carácter processual do circuito regulador industrial e a sua

constante possibilidade de realização? E, se assim for, pode a obra continuar a ser obra?

Não será que o seu sentido moderno consiste no seu estar já de antemão ultrapassada a

favor do cumprir-se ininterrupto do processo criativo, que se regula somente a partir de si

mesmo e que, por isso, fica encerrado em si mesmo? Não será que a Arte moderna

aparece como um feedback de informações no circuito regulador da sociedade industrial

e do mundo técnico-científico? Não será nisto que a tão falada "empresa cultural",

legitimamente, se funda? Estas questões impõem-se-nos como questões. Todas elas se

juntam numa única, que é a seguinte: Que se passa com o estar-encerrado do homem

no seu mundo técnico-científico? Não será que o que vigora neste estar-encerrado é,

justamente, a clausura [Verschlossenheit] do homem face àquilo que, pelo contrário, o

enviaria [schicken] à determinação que lhe é própria, para convir com o seu destino em

Kulturbetrieb designa tanto o empreendimento e administração de tudo o que é relativo à

cultura, no sentido quer da sua gestão quer do seu ter lugar no âmbito social.”

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