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A Disputa das Ideias

Temos cada vez mais tipos de ordem e cada vez menos ordem. (…) Depois de todos os
esforços do passado, entrámos num período de retrocesso. Vê bem como as coisas se
passam hoje: quando um homem importante lança uma nova ideia no mundo, ela é
imediatamente apanhada por um mecanismo de divisão, constituído por simpatia e repulsa.
Primeiro vêm os admiradores e arrancam grandes bocados, os que lhes convêm, a essa
ideia, e despedaçam o mestre como as raposas a presa; a seguir, os adversários destroem as
partes fracas, e em pouco tempo o que resta de um grande feito mais não é do que uma
reserva de aforismos de que amigos e inimigos se servem a seu bel-prazer. O resultado é
uma ambiguidade generalizada. Não há Sim a que se não junte um Não. Podes fazer o que
quiseres, que encontras sempre vinte das mais belas ideias a favor e, se quiseres, vinte que
são contra. Quase somos levados a acreditar que é como no amor e no ódio, ou na fome, em
que os gostos têm de ser diferentes, para que cada um fique com o seu bocado.

ROBERT MUSIL
[...]

O Centro do Universo
Se todo o indivíduo pudesse escolher entre o seu próprio aniquilamento e o do resto do
mundo, não preciso dizer para que lado, na maioria dos casos, penderia a balança.
Conforme essa escolha, cada um faz de si o centro do universo, refere tudo a si mesmo e
considera primeiramente tudo o que acontece – por exemplo, as maiores mudanças no
destino dos povos – do ponto de vista do seu interesse. Ainda que este seja muito pequeno e
remoto, é nele que pensa acima de tudo. Não existe contraste maior do que aquele entre a
alta e exclusiva divisão, que cada um faz dentro do seu próprio eu, e a indiferença com a
qual, em geral, todos os outros consideram aquele eu, bem como o primeiro faz com o
deles.
Chega a ter o seu lado cómico ver os inúmeros indivíduos que, pelo menos no aspecto
prático, consideram-se exclusivamente reais e aos outros, de certo modo, como meros
fantasmas.
[…] O único universo que todos realmente conhecem e do qual têm consciência é aquele
que carregam consigo como sua representação e que, portanto, constitui o seu centro. É
justamente por isso que cada um é em si mesmo tudo em tudo.

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ARTHUR SCHOPENHAUER
[...]
Seguro Emocional
Com frequência, comento com os meus alunos da licenciatura em psicanálise e psicologia
multifocal que uma das tarefas mais nobres e relevantes do Eu é mapear, esquadrinhar os
nossos fantasmas e reeditar as nossas janelas traumáticas. De outro modo, podemos fazer
parte do rol dos que falam sobre maturidade mas são verdadeiras crianças no território da
emoção, pois não sabem ser minimamente criticados, contrariados e, além disso, têm a
necessidade neurótica de poder e de que o mundo gravite na sua órbita.

Certa vez, perguntei a executivos das cinquenta empresas psicologicamente mais saudáveis
do país: «Quem tem algum tipo de seguro?» Todos responderam que tinham. Em seguida,
indaguei: «Quem tem um seguro emocional?» Ninguém arriscou levantar a mão. Foram
sinceros. Como podemos falar de empresas saudáveis sem mencionar os mecanismos
básicos para proteger a emoção? Só fazemos um seguro daquilo que nos é caro. Mas,
infelizmente, a mais importante propriedade tem tido um valor irrelevante.

Em geral, estes profissionais são ótimos para a empresa, mas carrascos de si mesmos.
Acertam no trivial, mas erram muito no essencial. E eu? E o leitor? Ainda que possamos
dizer que a mente humana é a mais complexa de todas as «empresas»,

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AUGUSTO CURY
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O seu Instinto Leva-o mais Longe que o seu Intelecto


«Homem, conhece-te a ti mesmo» – toda a sabedoria se encontra concentrada nesta frase.
Auto-análise, depois acção – a escola da sabedoria. Quanto mais cedo descobrir os factos
acerca da sua pessoa mais fácil será a jornada da vida. Para tirar o máximo de nós, temos de
conhecer os recursos que possuímos e depois aperfeiçoá-los e utilizá-los. Pelo controlo das
emoções uma pessoa consegue superar quase todas as dificuldades que habitualmente
estragam a vida.
(…) Sem olhar à profundidade dos seus sentimentos, à vastidão dos seus conheciemntos, o
homem aparentemente completo não o é sem que tenha aperfeiçoado as suas tendências.
Quem quiser melhorar os condicionalismos externos tem de começar por melhorar os
internos. Quando as coisas não estão a correr bem há qualquer coisa em mim a dizer-mo. Às
vezes tenho de pensar muito para descobrir o erro e como corrigi-lo. Depois de resolver o
problema sinto-me novamente bem. Isto prova que «O seu instinto leva-o mais longe que o
seu intelecto».

ALFRED ARMAND MONTAPERT


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Vaidade a Qualquer Preço


Muitas vezes obramos bem por vaidade, e também por vaidade obramos mal: o objecto da
vaidade é que uma acção se faça atender, e admirar, seja pelo motivo, ou razão que for. Não
só o que é digno de louvor é grande; porque também há cousas grandes pela sua execração;
é o que basta para a vaidade as seguir, e aprovar. A maior parte das empresas memoráveis,
não tiveram a virtude por origem, o vício sim; e nem por isso deixaram de atrair o espanto,
e admiração dos homens.
A fama não se compõe apenas do que é justo, e o raio não só se faz atendível pela luz, mas
pelo estrago. A vaidade apetece o estrondoso, sem entrar na discussão da qualidade do
estrondo: faz-nos obrar mal, se desse mal pode resultar um nome, um reparo, uma memória.
Esta vida é um teatro, todos queremos representar nele o melhor papel, ou ao menos um
papel importante, ou em bem, ou em mal. A vaidade tem certas regras, uma delas é, que a
singularidade não só se adquire pelo bem, mas também pelo mal, não só pelo caminho da
virtude, mas também pelo da culpa; não só pela verdade,

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MATIAS AIRES
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O Poder que Alterna entre o Dinheiro e o Sangue


Um poder só pode ser derrubado por outro poder, e não por um princípio, e nenhum poder
capaz de defrontar o dinheiro resta, a não ser este.O dinheiro só é derrubado e abolido pelo
sangue. A vida é alfa e ómega, o contínuo fluxo cósmico em forma microcósmica. É o facto
de factos no mundo-como-história… Na História é a vida e só a vida – qualidade rácica, o
triunfo da vontade-de-poder – e não a vitória de verdades, descobertas ou dinheiro que
importa. A história do mundo é o tribunal do mundo, e decidiu sempre a favor da vida mais
forte, mais completa e mais confiante em si – decretou-lhe, nomeadamente, o direito de
existir, sem querer saber se os seus direitos resistiriam perante um tribunal de consciência
despertada. Sacrificou sempre a vontade e a justiça ao poder e à raça e lavrou sentença de
morte a homens e povos para os quais a verdade valia, mais do que os feitos e a justiça,
mais que a força. E assim o drama de uma alta Cultura – esse maravilhoso mundo de
divindades, artes, pensamentos, batalhas e cidades – termina com o regresso dos factos
prístinos do eterno sangue que é uma e a mesma coisa que o sempre-envolvente fluxo
cósmico…

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OSWALD SPENGLER
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Ninguém é Feliz quando Treme pela sua Felicidade


Ninguém é feliz quando treme pela sua felicidade. Não se apoia em bases sólidas quem tira
a sua satisfação de bens exteriores, pois acabará por perder o bem-estar que obteve. Pelo
contrário, um bem que nasce dentro de nós é permanente e constante, e vai sempre
crescendo até ao nosso último momento; todos os demais bens ante os quais se extasia o
vulgo são bens efémeros. “E então? Quer isso dizer que são inúteis e não podem dar
satisfação?” É evidente que não, mas apenas se tais bens estiverem na nossa dependência, e
não nós na dependência deles. Tudo quanto cai sob a alçada da fortuna pode ser proveitoso
e agradável na condição de o seu beneficiário ser senhor de si próprio em vez de ser servo
das suas propriedades. É um erro pensar-se, Lucílio, que a fortuna nos concede o que quer
que seja de bom ou de mau; ela apenas dá a matéria com que se faz o bom e o mau, dá-nos
o material de coisas que, nas nossas mãos, se transformam em boas ou más.
O nosso espírito é mais poderoso do que toda a espécie de fortuna, ele é quem conduz a
nossa vida no bom ou no mau sentido,

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SÉNECA
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O Nobre Patriotismo dos Patriotas


Há em primeiro lugar o nobre patriotismo dos patriotas: esses amam a pátria, não
dedicando-lhe estrofes, mas com a serenidade grave e profunda dos corações fortes.
Respeitam a tradição, mas o seu esforço vai todo para a nação viva, a que em torno deles
trabalha, produz, pensa e sofre: e, deixando para trás as glórias que ganhámos nas Molucas,
ocupam-se da pátria contemporânea, cujo coração bate ao mesmo tempo que o seu,
procurando perceber-lhe as aspirações, dirigir-lhe as forças, torná-la mais livre, mais forte,
mais culta, mais sábia, mais próspera, e por todas estas nobres qualidades elevá-la entre as
nações. Nada do que pertence à pátria lhes é estranho: admiram decerto Afonso Henriques,
mas não ficam para todo o sempre petrificados nessa admiração: vão por entre o povo,
educando-o e melhorando-o, procurando-lhe mais trabalho e organizando-lhe mais
instrução, promovendo sem descanso os dois bens supremos – ciência e justiça.
Põem a pátria acima do interesse, da ambição, da gloríola; e se têm por vezes um fanatismo
estreito, a sua mesma paixão diviniza-os. Tudo o que é seu o dão à pátria: sacrificam-lhe
vida, trabalho, saúde, força, o melhor de si mesmo. Dão-lhe sobretudo o que as nações
necessitam mais,

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EÇA DE QUEIRÓS
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A Imensa Imoralidade da Existência


Viver era como correr em círculo num grande labirinto, esse género de labirinto para
crianças que se vê em certos parques de jogos modernos; em cima de uma pedra no meio do
labirinto há uma pedra brilhante; os míudos chegam com as faces coradas, cheios de uma fé
inabalável na honestidade do labirinto e começam a correr com a certeza de alcançarem
dentro de pouco tempo o seu alvo. Corremos, corremos, e a vida passa, mas continuaremos
a correr na convicção de que o mundo acabará por se mostrar generoso para quem correr
sem desãnimo, e quando por fim descobrimos que o labirinto só aparentemente tende para o
ponto central, é tarde demais – de facto, o construtor do labirinto esmerou-se a desenhar
várias pistas diferentes, das quais só uma conduz à pérola, de modo que é o acaso cego e
não a justiça lúcida o que determina a sorte dos que correm.
Descobrimos que gastámos todas as nossas forças a realizar um trabalho perfeitamente
inútil, mas é muito tarde já para recuarmos. Por isso não é de espantar que os mais lúcidos
saiam da pista e suprimam algumas voltas inúteis para atingirem o centro cortando
caminho. Se dissermos que se trata de uma acção imoral e maldosa,

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STIG DAGERMAN
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Amizade Correcta
O sábio, ainda que se baste a si mesmo, deseja ter um amigo, quanto mais não fosse para
exercer a amizade, para não deixar definhar tão grande virtude. Ele não busca, como dizia
Epicuro, «alguém que lhe vele à cabeceira em caso de doença, que o socorra quando esteja
em grilhões ou na indigência». Busca alguém a cuja cabeceira de doente possa velar;
alguém que, quando implicado numa contenda, ele possa salvar dos cárceres inimigos.
Pensar em si próprio, e empenhar-se numa amizade com esse pensamento preconcebido, é
cometer um erro de cálculo. A empresa terminará como começou. Fulano arranjou um
amigo para dispor, um dia, de um libertador que o preserve dos grilhões. Ao primeiro tinido
de cadeias, lá se vai o amigo.
Tais são as amizades que o mundo chama de «ligações temporárias». O homem a quem se
escolhe para prestar serviços deixará de agradar no dia em que não sirva para mais nada.
Daí a constelação de amigos ao redor das grandes fortunas. Vinda a ruína, faz-se, à volta, a
solidão: os amigos esquivam-se dos lugares onde são postos à prova. Daí, todos esses
escândalos: amigos abandonados, amigos traídos, sempre por medo! É inevitável que o fim
concorde com o começo: o interesse fez de sicrano teu amigo;

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SÉNECA
[...]

A Confiança é o Elo entre a Sociedade e a Amizade


Ainda que a sinceridade e a confiança estejam relacionadas, são, no entanto, diferentes: a
sinceridade consiste em abrir o coração e em mostrarmo-nos tal como somos por amor da
verdade. Odeia o disfarce e quer reparar as suas faltas, mesmo que para isso seja preciso
diminui-las pelo valor da confissão. Quanto à confiança, esta não nos concede o mesmo
grau de liberdade, as suas regras são mais rigorosas, requer mais prudência e moderação.
Ora, nem sempre estamos livres para obedecer a estes requisitos. Não somos só nós, no que
a ela diz respeito, que estamos envolvidos, porque os nossos interesses misturam-se quase
sempre com os dos outros. Requer uma enorme justeza para não levar os nossos amigos a
entregarem-se, pelo facto de nós nos termos entregado, como para lhes oferecer um
presente, com a única intenção de aumentar o preço do que nós damos.
Fica-se sempre satisfeito com o facto de os outros depositarem confiança em nós porque é
um tributo que oferecemos ao nosso mérito, é um depósito que fazemos à nossa confiança,
são, enfim, fianças que lhes dão algum direito sobre nós, isto é, aceitamos uma certa
dependência à qual nos sujeitamos voluntariamente. Não, não é minha intenção destruir
com as minhas palavras a confiança,

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FRANÇOIS DE LA ROCHEFOUCAULD
[...]

O Ponto mais Alto da Moral Consiste na Gratidão


O ponto mais alto da moral consiste na gratidão. E esta verdade proclamá-la-ão todas as
cidades, todos os povos, mesmo os oriundos das regiões bárbaras, neste ponto estão de
acordo os bons e os maus. Haverá quem aprecie sobretudo o prazer, outros haverá que
julguem preferível o esforço activo; uns consideram a dor como o sumo mal, para outros a
dor não será sequer um mal; alguns incluirão a riqueza no sumo bem, outros dirão que a
riqueza foi inventada para o mal da humanidade e que o homem mais rico é aquele a quem
a fortuna nada encontra para dar; no meio desta diversidade de posições uma coisa há que
todos afirmarão, como soe dizer-se, a uma só voz: que devemos gratidão àqueles que nos
favorecem. Neste ponto toda esta multidão de opiniões se mostra de acordo, mesmo quando
por vezes pagamos favores com injúrias; e a primeira causa de ingratidão é não podermos
ser suficientemente gratos. A insensatez chegou ao ponto de se tornar perigosíssimo fazer
um grande benefício a alguém; como se considera uma vergonha não pagar o benefício,
julga-se preferível não existir ninguém que no-lo faça! Goza em paz o que de mim
recebeste; não to reclamo,

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SÉNECA
[...]

A Essência das Coisas


Nunca me conformei com um conceito puramente científico da Existência, ou aritmético-
geométrico, quantitativo-extensivo. A existência não cabe numa balança ou entre os
ponteiros dum compasso. Pesar e medir é muito pouco; e esse pouco é ainda uma ilusão. O
pesado é feito de imponderáveis, e a extensão de pontos inextensos, como a vida é feita de
mortes.
A realidade não está nas aparências transitórias, reflexos palpitantes, simulacros luminosos,
um aflorar de quimeras materiais. Nem é sólida, nem líquida, nem gasosa, nem
electromagnética, palavras com o mesmo significado nulo. Foge a todos os cálculos e a
todos os olhos de vidro, por mais longe que eles vejam, ou se trate dum núcleo atómico
perdido no infinitamente pequeno, ou da nebulosa Andrómeda, a seiscentos mil anos de luz
da minha aldeia!
A essência das coisas, essa verdade oculta na mentira, é de natureza poética e não científica.
Aparece ao luar da inspiração e não à claridade fria da razão. Esta apenas descobre um
simples jogo de forças repetido ou modificado lentamente, gestos insubstanciais, formas
ocas, a casca de um fruto proibido.
Mas o miolo é do poeta. Só ele saboreia a vida até ao mais íntimo do seu gosto amargoso,
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TEIXEIRA DE PASCOAES
[...]

Memória Personalizada
Não acontece apenas que certas pessoas têm memória e outras não (…), mas, mesmo com
memórias iguais, duas pessoas não se lembram das mesmas coisas. Uma terá prestado
pouca atenção a um facto do qual a outra guardará um grande remorso, e em contrapartida
terá apanhado no ar como sinal simpático e característico uma palavra que a outra terá
deixado escapar quase sem pensar. O interesse de não nos termos enganado quando
emitimos um prognóstico falso abrevia a duração da lembrança desse prognóstico e
permite-nos afirmar em breve que não o emitimos. Enfim, um interesse mais profundo,
mais desinteressado, diversifica as memórias das pessoas, de tal modo que o poeta que
esqueceu quase tudo dos factos que outros lhe recordam retém deles uma impressão fugidia.
De tudo isso, resulta que, passados vinte anos de ausência, encontramos, em lugar de
esperados rancores, perdões involuntários, inconscientes, e, em contrapartida, tantos ódios
cuja razão não conseguimos explicar (porque esquecemos também a má impressão que
causámos). Até da história das pessoas que conhecemos melhor esquecemos as datas.

MARCEL PROUST
[...]

A Face Oculta dos Progressos Técnicos


Os progressos técnicos, que toda a gente está confundindo cada vez mais com progresso
humano, vão criar cada vez mais também um suplemento de ócio que, excelente em si
próprio, porque nos aproxima exactamente daquele contemplar dos lírios e das aves que
deve ser nosso ideal, vai criar, olhado à nossa escala, uma força de ataque e de triunfo; mais
gente vai ter cada vez mais tempo para ouvir rádio e para ir ao cinema, para frequentar
museus, para ler revistas ou para discutir política, e sem que preparo algum lhe possa ter
sido dado para utilizar tais meios de cultura: a consequência vai ser a de que a qualidade do
que for fornecido vai descer cada vez mais e a de que tudo o que não for compreendido será
destruído; raros novos beneditinos salvarão da pilhagem geral a sempre reduzida antologia
que em tais coisas é possível salvar-se.
O choque mais violento vai dar-se exactamente, como era natural, nos países em que existir
uma liberdade maior; nos outros, as formas autoritárias de regime de certo modo poderão
canalizar mais facilmente a Humanidade para a utilização desse ócio; sucederá, porém, o
seguinte: nos países não-livres, porque nenhum há livre,
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AGOSTINHO DA SILVA
[...]

A Vantagem do Esquecimento
O esquecimento não é só uma vis inertioe, como crêem os espíritos superfinos; antes é um
poder activo, uma faculdade moderadora, à qual devemos o facto de que tudo quanto nos
acontece na vida, tudo quanto absorvemos, se apresenta à nossa consciência durante o
estado da «digestão» (que poderia chamar-se absorção física), do mesmo modo que o
multíplice processo da assimiliação corporal tão pouco fatiga a consciencia. Fechar de
quando em quando as portas e janelas da consciência, permanecer insensível às ruidosas
lutas do mundo subterrâneo dos nossos orgãos; fazer silêncio e tábua rasa da nossa
consciência, a fim de que aí haja lugar para as funções mais nobres para governar, para
rever, para pressentir (porque o nosso organismo é uma verdadeira oligarquia): eis aqui,
repito, o ofício desta faculdade activa, desta vigilante guarda encarregada de manter a
ordem física, a tranquilidade, a etiqueta. Donde se coligue que nenhuma felicidade,
nenhuma serenidade, nenhuma esperança, nenhum gozo presente poderiam existir sem a
faculdade do esquecimento.

FRIEDRICH NIETZSCHE
[...]

Saber Zangar-se
O que me parece é que as pessoas, em geral, como que deixaram de saber zangar-se.
Deixaram de saber zangar-se com aquilo que consideram errado – e, pior ainda, deixaram
de saber dizê-lo na cara umas das outras. A não ser, naturalmente, que haja uma agenda.

Ainda nos zangamos muito, é verdade. Mas zangamo-nos mal. Com a maior das facilidades
nos zangamos contra inimigos abstractos, como «o Governo», «o capitalismo selvagem» ou
mesmo apenas «a crise». Com a maior das facilidades nos zangamos com aqueles que
entendemos como nossos subordinados, no trabalho e na vida em geral (afinal, os nossos
«superiores» acabam de pôr-nos a pata em cima. alguém vai ter de pagar a conta). Com
aqueles que estão, de alguma forma, em ascendente sobre nós, já não nos zangamos:
amuamos, que é a forma mais cobarde de nos zangarmos. Aos nossos iguais simplesmente
não dizemos nada: engolimos e tornamos a engolir, convencendo-nos de que do outro lado
está, afinal, um pobre diabo, tão pobre que nem sequer merece uma zanga – e, quando
enfim nos zangamos, é para dar-lhe um tiro na cabeça, como todos os dias nos mostram os
jornais.
A impressão com que eu fico é que tudo isto vem dessa mania das social skills e do team
building e dos demais chavões moderninhos que os gurus dos livros de Economia nos
enfiaram pela garganta abaixo,

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JOEL NETO
[...]

Depois de Chorar
Não é a tristeza que nos faz chorar, mas o amor que enfrenta os vazios. As angústias e
desesperos são expressões de falta.

As lágrimas que de nós brotam e caem longe do olhar dos outros são as que mais força
trazem em si, as que fazem concreto e objetivo o sentir mais íntimo.

Por vezes, o coração cai nas armadilhas das tristezas antigas… outras, sentimos os espinhos
das novas adversidades cravarem-se-nos na carne. Há sempre tristezas, há sempre
sofrimento, haverá sempre dor enquanto houver amor.
As lágrimas não choradas não deixam de ser amargas, mas essas, ao contrário das que
nascem, corroem o interior de quem com elas não chega a regar a terra que lhe segura os
pés.

A vida faz-se também com as nossas lágrimas e vence-se, muitas vezes, de olhos carregados
de mar. O esforço que nos é exigido chega quase a ser impossível sem lágrimas. Chorar não
é sinal de derrota, antes sim de um amor que busca a paz merecida.

O sentido da vida cabe dentro de uma gota de água salgada… a verdadeira paixão é a dor
máxima do amor mais profundo. Aquele que faz germinar em nós o melhor…

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JOSÉ LUÍS NUNES MARTINS


[...]

O Preço da Independência
Por outro foste preterido num banquete, num elogio, na audição de um conselho. Caso se
trate de provas de consideração, que o teu coração se alegre por esse outro com tais provas
ter sido distinguido. Se coisas más são, não te lamentes por não teres sido convidado para o
banquete, não teres merecido o elogio, não terem recorrido ao teu conselho. Que não te
esqueças nunca do seguinte: se nada fazes para obteres o que não depende de nós (ao
contrário dos outros que assim procedem) de maneira nenhuma podes aspirar às mesmas
vantagens.
Na verdade, como se pode reconhecer os mesmos direitos àquele que se atreve às coisas do
mundo e àquele que as menospreza? Àquele que integra um séquito e àquele que o não
integra? Àquele que elogia e louva e àquele que não louva nem elogia? Insaciável e injusto
tu serás, se, não sendo pródigo no preço pelo qual tais coisas se vendem, essas mesmas
coisas, que regalias são, pretendas receber graciosamente.

Sabes tu por quanto se vendem as alfaces? Supõe que por um óbolo, a mais pequena das
moedas gregas. Qualquer um, então, é pródigo com o seu óbolo e sem mais adquire as
alfaces.

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EPITETO
[...]

Felicidade e Prazer
Devemos estudar os meios de alcançar a felicidade, pois, quando a temos, possuímos tudo
e, quando não a temos, fazemos tudo por alcançá-la. Respeita, portanto, e aplica os
princípios que continuadamente te inculquei, convencendo-te de que eles são os elementos
necessários para bem viver. Pensa primeiro que o deus é um ser imortal e feliz, como o
indica a noção comum de divindade, e não lhe atribuas jamais carácter algum oposto à sua
imortalidade e à sua beatitude. Habitua-te, em segundo lugar, a pensar que a morte nada é,
pois o bem e o mal só existem na sensação. De onde se segue que um conhecimento exacto
do facto de a morte nada ser nos permite fruir esta vida mortal, poupando-nos o acréscimo
de uma ideia de duração eterna e a pena da imortalidade. Porque não teme a vida quem
compreende que não há nada de temível no facto de se não viver mais. É, portanto, tolo
quem declara ter medo da morte, não porque seja temível quando chega, mas porque é
temível esperar por ela.
É tolice afligirmo-nos com a espera da morte, visto ser ela uma coisa que não faz mal, uma
vez chegada. Por conseguinte, o mais pavoroso de todos os males,

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