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Lê. Aprende. Cresce.

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Autossuficiência
Ne te quaesiveris extra

“O homem é a sua própria estrela; e a alma, que pode torná-lo honesto e perfeito,

comanda toda a luz, toda a influência, todo o destino. Nada lhe acontece cedo ou tarde

demais. Os nossos atos são os nossos anjos, bons ou maus. São as nossas sombras do

destino que caminham ao nosso lado.”

Outro dia li uns versos escritos por um pintor eminente, versos


originais e nada convencionais. A alma sempre escuta uma
advertência em versos deste tipo, seja qual for o tema. O
sentimento que eles inspiram é mais valioso do que qualquer
pensamento que eles possam conter. Acreditar em seu próprio
pensamento, acreditar que o que é verdade para você, no fundo
do seu coração, é verdade para todos os homens — isso é a
genialidade. Expresse a sua convicção oculta e ela será de senso
universal; pois o que é íntimo, no devido tempo torna-se
concretizado — e o nosso pensamento original nos é
reapresentado pelas trombetas do Juízo Final. Como a voz do
espírito é familiar para cada um de nós, o maior mérito que
atribuímos a Moisés, Platão e Milton não é de terem falado sobre
reflexões de outras pessoas, mas é o de não terem se importado
com livros e tradições e de terem falado sobre o que eles mesmos
pensavam. As pessoas deveriam aprender a detectar e a observar
o brilho de luz que, vindo de seu interior, atravessa sua mente,
mais do que o brilho do céu de bardos e sábios. Contudo, o
homem descarta sem aviso prévio este seu pensamento, pelo fato
dele vir de si mesmo. Em toda obra de um gênio reconhecemos
nossos próprios pensamentos rejeitados: eles voltam para nós
com uma certa majestade alienada. As grandes obras de arte não
nos oferecem uma lição mais impactante do que essa. Elas nos
ensinam a obedecer e a escutar nossa intuição, nossa impressão
espontânea com uma inflexibilidade bem humorada, mais ainda
quando todas as vozes e opiniões exteriores estão do lado oposto.
Caso contrário, amanhã um estranho dirá com um magistral bom
senso exatamente o que sempre pensávamos e sentíamos e,
envergonhados, seremos forçados a admitir nossa própria
opinião vindo de outra pessoa.

Existe um momento na educação de todo homem no qual ele


chega à conclusão de que a inveja é ignorância; que a imitação é
suicídio; em que ele deve aceitar a si mesmo pelo que ele é, tanto
no melhor como no pior; e que, apesar do universo ser cheio de
bondade, nenhum grão de trigo chegará às suas mãos que não
seja fruto do trabalho dedicado ao pedaço de terra que lhe foi
dado para cultivar. O poder que reside nele é original por natureza
e ninguém além dele mesmo sabe o que poderá fazer com ele —
nem ele sabe, até experimentar. Não é por acaso que um certo
rosto, uma certa personalidade ou um certo acontecimento lhe
causam uma forte impressão, enquanto outros o deixam
indiferente.

Essa escultura em sua memória não existe sem uma harmonia


pré-estabelecida. O olhar cai onde um raio de luz deveria incidir,
para que pudesse ser testemunha de sua presença. Nós nos
expressamos pela metade, e nos envergonhamos da idéia divina
que cada um nós representa. Podemos dizer que a nossa própria
idéia divina foi repartida de uma maneira correta e harmônica, a
fim de ser fielmente transmitida, mas Deus não deixará o seu
trabalho ser expressado por covardes. Uma pessoa se sente
aliviada e feliz depois de ter posto seu coração em seu trabalho,
quando deu o melhor de si, mas o que disse e fez de outra maneira
não lhe trará paz. É uma libertação que não liberta. Nessa
tentativa o seu gênio o abandona, não há musa que lhe sorria, não
há invenção ou esperança.

Existe um momento na educação de todo homem no qual ele


chega à conclusão de que a inveja é ignorância; que a
imitação é suicídio.

Confie em si mesmo: cada coração vibra nessa corda de ferro.


Aceite o lugar que a divina providência encontrou para ti, aceite a
sociedade de seus contemporâneos e o encadeamento dos eventos
que lhe trouxeram até aqui. Grandes homens sempre procederam
assim e confiaram como crianças no gênio de sua época, e assim,
revelaram sua percepção de que o que lhes era inteiramente digno
de confiança residia em seu coração, manifestando-se pelas suas
mãos e predominando em todo o seu ser. Mas agora, sendo
homens, devemos aceitar com elevação o mesmo destino
transcendente; que não sejamos fracos e enfermos em um canto
protegido, ou covardes fugindo de uma revolução, mas guias,
redentores e benfeitores, obedecendo ao Todo-Poderoso esforço,
caminhando pelo Caos e pelas Trevas.
Que belas revelações a natureza nos concede sobre este tema,
tanto no rosto como no comportamento das crianças, dos recém-
nascidos e até mesmo dos brutos! Elas não têm esse espírito
dividido e rebelde, essa desconfiança em relação a um sentimento
devido à um cálculo de nossa mente que afirma que a força e os
meios se opõem ao nosso propósito. Seus espíritos são intactos e
inocentes, seus olhos ainda não foram conquistados e quando
olhamos em suas faces nos sentimos desconcertados. A infância
não obedece à ninguém: todos se conformam à ela e assim, uma
única criança faz com que quatro ou cinco adultos a rodeiem,
conversando e brincando com ela. Desta forma, Deus armou a
juventude, a adolescência e a maturidade com sua própria atração
e charme, tornando-os invejáveis e graciosos, e suas exigências
não devem ser ignoradas se podem se afirmar como tal. Não
pense que a juventude não possui força por não poder falar
comigo ou contigo. Escute! Na sala ao lado a sua voz é
suficientemente clara e enfática. Parece saber como falar com
seus contemporâneos. Então, de forma tímida ou ousada, saberá
como tornar nós, os mais velhos, desnecessários.

O desinteresse dos jovens que estão seguros de terem um jantar e


que desprezariam até mesmo um lorde se tivessem de dizer ou
fazer algo a fim de cativá-lo, é a atitude sã da natureza humana.
Um jovem está para um salão como uma platéia está para uma
sala de teatro; independente, sem responsabilidades, observando
em seu canto as pessoas e os fatos que passam por ele,
condenando-os e julgando-os baseado em seus méritos no modo
rápido e antecipado dos jovens, estimando-os bons, maus,
interessantes, tolos, eloquentes ou problemáticos. Ele nunca se
incomoda com consequências ou interesses; ele profere uma
opinião independente e genuína. É você que deve cortejá-lo: ele
não o corteja. Contudo, o ser humano maduro está encarcerado
pela sua própria consciência. Logo que age ou fale com esplendor,
será uma pessoa comprometida e observada pela simpatia ou
ódio de centenas de pessoas, cujos sentimentos terá então de
levar em conta. Não há forma de esquecer isso. Ah, se ele pudesse
retornar à sua neutralidade de argumentos! Portanto, aquele que
consegue evitar todos os compromissos, e que depois de ter
observado, observar novamente com a mesma inocência natural,
imparcial, incorruptível e corajosa, deverá ser sempre formidável.
Ele pronunciaria opiniões sobre todos os assuntos que, sendo
considerados não como privadas, mas necessárias, penetrariam
como dardos nos ouvidos das pessoas e as encheria de medo.

As pessoas deveriam aprender a detectar e a observar o


brilho de luz que, vindo de seu interior, atravessa sua mente,
mais do que o brilho do céu de bardos e sábios. Contudo, o
homem descarta sem aviso prévio este seu pensamento, pelo
fato dele vir de si mesmo.

Estas são as vozes que escutamos na solidão, mas que se tornam


fracas e inaudíveis assim que adentramos no mundo. A sociedade,
por todos os lados, conspira contra a virilidade de cada um dos
seus membros. A sociedade é uma empresa de capital social cujos
membros concordam em retirar a liberdade e cultura daquele que
come, a fim de melhor garantir o pão de cada um de seus
membros. A virtude mais requisitada é a conformidade, a
submissão. A sociedade sente repulsa pela autoconfiança. Ela não
ama realidades e nem criadores, mas sim, nomes e costumes.

Aquele que deseja ser um homem deverá ser um inconformista.


Aquele que deseja colher louros imortais não deve ser impedido
em nome de alguma bondade, mas deverá examinar se isto é,
realmente, bondade. Nada é sagrado em definitivo, a não ser a
integridade da nossa própria mente. Perdoe a si mesmo e
receberás a aprovação do mundo. Lembro-me de uma resposta
que, quando jovem, quis dar a um ilustre conselheiro que tinha o
hábito de me importunar com as boas e velhas doutrinas da
Igreja. Quando lhe disse “O que tenho a ver com a santidade das
tradições se vivo plenamente de acordo com minhas intuições, se
vivo a partir de meu interior?” Meu amigo sugeriu: “Mas esses
impulsos podem vir de um plano inferior e não superior.”
Respondi então: “Não me parece ser o caso, mas se sou filho do
Demônio, viverei de acordo com o Demônio.” Não há nenhuma
lei sagrada que não é de minha natureza. O bem e o mal são
apenas designações que rapidamente podem ser transferidos
para isto ou aquilo; o certo é tudo aquilo que concorda com minha
constituição, errado é tudo que se opõe à ela. Na presença de
qualquer oposição, um ser humano deve se comportar como se
tudo, exceto ele próprio, fosse apenas nominal e efêmero.

Eu me envergonho quando penso na facilidade com que nos


rendemos à distintivos, insígnias, nomes, à importância das
sociedades e das instituições mortas. Qualquer indivíduo decente
e que sabe se expressar bem me afeta e me comove muito mais do
que o que é considerado como certo. Eu deveria me levantar de
forma íntegra e falar a verdade crua em qualquer circunstância.
Se a maldade e a vaidade se vestem de filantropia, deveríamos
aceitá-las? Se um devoto fanático abraçar a causa generosa do
Abolicionismo e vier até mim com suas últimas notícias de
Barbados, porque não lhe diria: “Ame o teu filho, ame o teu
lenhador; seja modesto e amável; e não disfarce tua ambição dura
e cruel com essa ternura incrível por escravos que vivem a
milhares de quilômetros de distância. O teu amor pelo que está
longe não passa pelo desprezo pelo que está perto”. Tal reação
seria dura e deselegante, mas a verdade é mais bela do que um
falso amor.

Tua bondade deve ter uma certa pureza — caso contrário, não é
bondade. A doutrina do ódio deve ser pregada como a oposição à
doutrina do amor quando esta só choraminga e lamenta. Quando
ouço o chamado de meu gênio, fujo de meu pai e de minha mãe,
de minha mulher e de meu irmão. Na porta de minha casa, eu
escreveria “Capricho”. Espero que seja algo melhor do que
capricho, mas não podemos passar o dia inteiro em explicações.
Não espere que eu explique o porquê que procuro ou rejeito certas
companhias. Também não me diga, como um bom homem fez
hoje, de minha obrigação de melhorar as condições de todos os
pobres. Por acaso são meus pobres? Digo a você, tolo filantropo,
que de má vontade dou o dólar, o centavo, à estas pessoas que não
me pertencem e a quem eu não pertenço. Existe uma classe de
pessoas que, por ter tanta afinidade espiritual, sinto-me
comprometido com elas e por elas eu iria à prisão se necessário;
mas não à sua miscelânea de caridades populares, sua educação
na faculdade de tolos, a construção de capelas que acabarão tão
inúteis como muitas hoje se encontram; suas esmolas para
bêbados e suas mil Sociedades de Socorro — embora confesso
envergonhado que às vezes eu sucumbo e dou o dólar, mas este é
um dólar perverso que, aos poucos, terei a valentia de reter.

As virtudes são, na estimativa popular, as exceções e não as


regras. Há o ser humano e há suas virtudes. Como exemplo de
coragem ou caridade, as pessoas fazem o que elas chamam de
uma boa ação, da mesma forma que pagariam uma multa para
redimir sua ausência diária em uma reunião. Suas obras são feitas
como uma apologia ou expiação por viver no mundo — como os
inválidos e os loucos por receberem refeições regulares. Suas
virtudes são penitências. Eu não quero me redimir de nada, quero
viver. Minha vida é para mim mesmo e não para exibição.
Preferiria muito mais se fosse sem graça, mas genuína e honrada
do que se fosse reluzente e oscilante. Gostaria que fosse doce e sã,
e que não precisasse de dietas e sangrias. Exijo por uma evidência
primária de sua veracidade como homem, mas nego suas ações
como resposta. Eu sei que, para mim, não há diferença se de fato
realizo ou evito aquelas ações que são reconhecidas como
superiores. Não posso pagar por um privilégio se tenho um direito
intrínseco. Por mais escassos e desprezíveis que sejam meus
dons, eu existo verdadeiramente e não preciso de um segundo
testemunho para minha própria convicção ou a dos meus amigos.

O que eu devo fazer é tudo que me interessa, não o que as pessoas


pensam. Essa regra, igualmente árdua na vida diária como na
vida intelectual, deve servir como a completa distinção entre
grandeza e mediocridade. É a regra mais difícil, porque sempre
aparecem aqueles que pensam saber qual é o seu dever mais do
que você mesmo. É fácil viver no mundo seguindo as opiniões do
próprio mundo; é fácil viver na solidão seguindo a sua própria
opinião; mas o grande homem é aquele que, no meio da multidão,
mantém com perfeita cordialidade a independência da solidão.

Conformar-se com costumes que se tornaram obsoletos para você


é o que dispersa a sua força. Isto faz você perder seu tempo e
ofusca a impressão do seu caráter. Se manténs uma igreja morta,
se contribuis a uma Sociedade Bíblica morta, se votas em um
grande partido, seja a favor ou contra o governo, que sirvas a
mesa como os anfitriões normais — por trás de todas essas telas
tenho dificuldade de detectar a pessoa que és de verdade. E,
obviamente, muita força é retirada de sua vida autêntica. Mas faça
o seu trabalho e poderei te conhecer. Faça o seu trabalho, e te
fortalecerás. Um homem deve considerar que este jogo da
condescendência é como o da cabra-cega. Se sei qual a seita que
pertences, posso antecipar seu argumento. Escuto um pregador
anunciar que o tema de seu sermão é a conveniência de uma das
instituições de sua igreja. Por acaso não sei que é incapaz de
proferir uma palavra nova, espontânea? Por acaso não sei que,
com toda sua ostentação de examinar os fundamentos de sua
instituição, ele não o fará? Por acaso não sei que está
comprometido consigo mesmo para ver somente um lado — o
lado permitido — não como homem, mas como padre paroquial?
Ele é um advogado contratado e esses ares de tribunal são as mais
vazias das simulações. Bem, a maioria das pessoas têm vendado
seus olhos com um ou outro lenço, e apegam-se a alguma dessas
comunidades de opinião. Essa conformidade as tornam autoras
de não poucas mentiras, mas de absolutamente todas elas. Suas
verdades universais não são totalmente verdadeiras. Seus “dois”
não são o “dois” verdadeiro, seus “quatro” não são o “quatro”
verdadeiro; e assim, cada uma de suas palavras nos aflige, e não
sabemos por onde começar para corrigi-las. No meio tempo a
natureza não tarda em nos vestir com o uniforme de presidiário
do partido do qual aderimos. Chegamos a usar um único tipo de
cara e corpo e vamos adquirindo gradualmente a mais gentil e
estúpida expressão. Existe uma experiência particularmente
humilhante que não deixa de esgotar-se na história em geral; me
refiro ao “tolo semblante do louvor”, o sorriso forçado que usamos
como resposta, quando estamos em um lugar e nos sentimos
incômodos escutando uma conversa que não nos interessa. Os
músculos, que não se movem espontaneamente, mas sim por uma
vontade usurpadora, travam no contorno do rosto na mais
desagradável das sensações.

Pelo inconformismo o mundo te chicoteia com seu


descontentamento e portanto uma pessoa deve saber como
apreciar uma cara amarga. Os espectadores olham-na com
desconfiança na rua ou nos salões de festas. Se esta aversão tem
origem no desdém e na resistência como dessa mesma pessoa, ela
bem que poderia voltar à sua casa com um triste semblante, mas
as caras amargas da multidão, bem como suas caras amáveis, não
possuem uma razão profunda, são colocadas e retiradas segundo
a direção do vento e segundo as manchetes de jornais. Mas o
descontentamento da multidão é mais intimidador do que o do
senado ou da academia. Para um homem resoluto que conhece o
mundo, é muito fácil tolerar a ira das classes mais cultas. Tal ira
é decente e prudente, porque são tímidos, e porque eles mesmos
são vulneráveis. Mas quando a indignação das pessoas é
adicionada à sua ira irracional, quando os ignorantes e os pobres
são provocados, quando a força bruta e ilógica que repousa na
base da sociedade é forçada a rugir e devastar, é necessário o
hábito da nobreza e da religião para tratá-la divinamente como
uma ninharia sem preocupação.

Nossa consistência é outro terror que nos amedronta de nossa


confiança pessoal; uma reverência por nossas atitudes ou
palavras passadas, porque os olhos dos outros não possuem mais
informações para computar nossa órbita do que nossas atitudes
passadas, e nós relutamos em decepcioná-los.

Mas por que deve manter-se vigilante? Por que arrastar este
cadáver de sua memória, por medo de contradizer algo que
disseste em algum lugar público? Suponha que você deva
contradizer a si mesmo, qual seria o problema? Parece que nunca
confiar somente em sua memória é uma regra sábia, muito menos
em assuntos que requeiram pura memória, mas é melhor trazer o
passado para o presente e julgá-lo com seus milhares de olhos e
viver sempre em um novo dia. Em sua metafísica, negaste a
personalidade à Divindade: mas quando chegarem os
movimentos devotos da alma, deixe-se levar por eles, com sua
alma e coração, mas que vistam Deus com forma e cor. Abandone
suas teorias, como José abandonou sua túnica nas mãos da
meretriz e escapou.
Uma consistência tola é o bicho-papão de pequenas mentes,
adorada por estadistas, filósofos e teólogos. Com consistência,
uma grande alma não tem nada para fazer. Se for o caso, é melhor
que se importe com sua sombra na parede. Diga hoje o que você
pensa com palavras firmes e amanhã fale o que pensas amanhã
em palavras firmes novamente, mesmo que contradiga tudo o que
falasse hoje. — “Ah, mas com certeza você será mal
compreendido.” — É tão ruim assim, ser incompreendido?
Pitágoras foi incompreendido, e também Sócrates, e Jesus, e
Lutero, e Copérnico, e Galileu e Newton e qualquer outro espírito
puro e sábio que tenha encarnado. Ser grande é ser mal
compreendido.

Suponho que nenhum homem possa violar sua natureza. Todos


os ímpetos de sua vontade são arredondados na lei de seu ser,
como as irregularidades dos Andes e dos Himalaias são
insignificantes para a curva do globo. Não importa como você o
avalia e o julga. O caráter é como um acróstico ou uma estrofe
Alexandrina; — seja qual for a forma da leitura, de trás para
frente, de frente para trás, continuará tendo o mesmo sentido.
Nessa agradável e penitente vida no bosque que Deus me
concedeu, permita-me registrar diariamente meu pensamento
sincero sem retrospecção ou exploração, e, sem dúvida, será
simétrico, mesmo que não seja meu propósito e mesmo que não
o veja. Meu livro teria o aroma de pinos e o som dos insetos. A
andorinha em minha janela costuraria palha que leva em seu bico
em meu enredo. Nós passamos por quem somos. Nosso caráter
fala mais alto do que uma simples vontade. As pessoas imaginam
que comunicam suas virtudes ou vícios somente por ações
evidentes e não vêem que as virtudes ou os vícios são exalados a
cada instante.

Um acordo eventualmente será feito entre qualquer variedade de


atitudes, e cada uma delas será natural e honesta em seu
momento. Sendo provenientes de uma única vontade, as atitudes
serão harmoniosas, mesmo que pareçam completamente
distintas. Essa diversidade é visível apenas a pouca distância, ou
por um breve pensamento. Uma tendência as une. A viagem do
melhor navio é uma linha ziguezague composta por centenas de
curvas. Observe a linha a uma distância suficiente e verás que ela
se endireita à uma tendência média. Sua atitude genuína se
explica sozinha e irá explicar suas outras atitudes genuínas. Sua
conformidade não explica nada. Aja individualmente e o que você
já tenha feito individualmente irá se justificar para você agora. A
grandeza apela ao futuro. Se posso ser suficientemente firme hoje
para fazer o que é justo e ainda desdenhar os olhares, devo ter
feito tanta justiça antes para me defender agora. Seja como for,
aja de forma justa hoje. As aparências devem sempre ser
desdenhadas, sempre poderás agir de tal forma. A força do caráter
é acumulativa. Todos os dias de virtude do passado insinuam sua
saúde de hoje. O que compõe a majestade dos heróis do senado e
do campo de batalha, que tanto despertam nossa imaginação? O
apoio da consciência de uma cadeia de grandes dias de virtude e
de vitórias. Juntas, elas iluminam o ator que segue adiante. É
como se uma legião de anjos o cuidassem. É isso que dá um
estrondo à voz de Chatham, e a dignidade ao porte de Washington
e a América aos olhos de Adão. Veneramos a honra porque ela não
é efêmera. Ela sempre será uma virtude antiga. A veneramos hoje
porque ela não é de hoje. Nós a amamos e a prestamos
homenagens não porque é uma armadilha para o nosso amor e
homenagem, mas sim porque ela depende apenas de si mesma,
deriva de si mesma e assim, é de uma antiga e imaculada
linhagem, mesmo que seja manifestada em um jovem.

Espero que estes sejam os últimos dias que tenhamos de escutar


sobre conformidade e consistência. Que essas palavras sejam
ridicularizadas de agora em diante. Ao invés de um gongo para o
jantar, que escutemos o sibilo das flautas de Esparta. Que não nos
curvemos ou nos desculpemos novamente. Um grande homem
está vindo à minha casa para comer. Não desejo agradá-lo; desejo
que ele deseje agradar-me. Serei um pilar para a humanidade e
embora a deseje como gentil, a prefiro como verdadeira. Que
afrontemos e reprimamos a uniforme mediocridade e o miserável
contentamento dos tempos, que joguemos na cara dos costumes,
do comércio e dos serviços o fato que constitui o desfecho de toda
a história, que existe um grande Ator e Pensador responsável
trabalhando em todo lugar onde um ser humano trabalha; que
uma pessoa verdadeira e autêntica não pertence a nenhum outro
momento e lugar, mas que é sim o centro de todas as coisas. Onde
ela está, a natureza está. Ela o mensura, mensura a todos nós e a
todos os eventos. Ordinariamente, todos os membros da
sociedade nos lembram de alguma outra coisa, ou de alguma
outra pessoa. Caráter e a existência real não nos lembram de nada
mais; tomam o lugar da criação completa. O homem deve
trabalhar para que seja indiferente a todas as circunstâncias.
Todo homem autêntico é uma causa, um país e uma era; ele
requer infinitos lugares e momentos para realizar seus projetos e
desígnios; e a posterioridade parece seguir os seus passos como
um procissão de fregueses. Nasce César e temos o Império
Romano por séculos depois. Nasce Cristo e milhões de mentes
crescem e abrem caminho para o seu gênio, por ser confundido
pela virtude e pelo potencial da humanidade. Uma instituição é a
sombra estendida de um único homem; como o Monasticismo o
é do eremita Antão; a Reforma Protestante de Lutero; o
Quakerismo de Fox; o Metodismo de Wesley; o Abolicionismo de
Clarkson. Milton chamou Cipião de “o ápice de Roma”; e toda a
história se resume facilmente nas biografias de algumas pessoas
resolutas e diligentes.

Permitamos então que cada homem reconheça o seu valor e


mantenha suas coisas debaixo dos seus pés. Que ele não espie ou
roube, ou que não fuja de seus deveres de um lado ao outro, com
o ar de um mendigo, um bastardo ou de um intruso em um
mundo que existe para ele. Mas uma pessoa nas ruas, ao não
encontrar nenhum valor em si mesma que corresponda à força
que construiu uma torre ou uma escultura de um deus de
mármore, tal pessoa se sente pobre e insignificante quando os
contempla. Para ela, um palácio, uma estátua, um livro raro
possuem um ar proibido e alienado, e parecem dizer “Quem é
você, Senhor?”. Mas todas essas coisas são suas, pretendentes de
sua atenção, suplicantes de suas aptidões que irão aparecer e
tomar posse destas coisas. A pintura espera o meu veredito: ela
não me comanda, mas vou satisfazer sua demanda por elogios.
Existe uma fábula popular de um bêbado que foi pego quase
morto em uma rua, carregado para a casa do duque, banhado e
vestido, fizeram-no deitar na cama do duque, e, ao acordar, sendo
tratado com todas as cerimônias dignas de um duque, foi
assegurado de que ele estava louco. Esta fábula é popular devido
ao fato de que ela simboliza perfeitamente o estado do homem,
que está no mundo meio bêbado, mas de vez em quando ele
acorda, exercita a sua razão e descobre que é um verdadeiro
príncipe.

Nossa instrução é miserável e bajuladora. Na história, nossa


imaginação nos engana. Reino e senhorio, poder e propriedades,
são vocabulários mais exagerados que Fulano e Ciclano em uma
pequena casa em um dia comum de trabalho; mas os assuntos da
vida são os mesmos para ambos; a soma total de ambos é a
mesma. Por que toda deferência e consideração por reis e lordes?
Suponha que eles sejam virtuosos; por acaso eles esgotaram a
virtude? O mesmo risco está associado às suas atitudes privadas
hoje como aos passos públicos e reconhecidos destes senhores.
Quando homens agirem com idéias originais, o esplendor será
transferido das ações dos reis à estes cavalheiros.

É através dos reis que o mundo tem sido guiado, magnetizado os


olhos das nações. Por meio deste símbolo colossal, foi ensinado a
reverência mútua que cada pessoa deve à outra. Pessoas em todos
os lugares suportaram que o rei, o nobre ou o grande proprietário
caminhasse entre elas com uma lei própria, que criasse sua
própria ordem de valores e invertesse a da população, que
pagasse por privilégios não com dinheiro, mas com honra e que
representasse a lei em forma física. Tal lealdade rejubilante das
pessoas foi o hieróglifo, o quebra-cabeça a ser decifrado do qual,
de forma obscura, elas se tornaram conscientes de que possuíam
seus próprios direitos e justiças, o direito de homem.

Quando o bem está perto de você, quando tens vida em si


mesmo, não viverás por alguma maneira conhecida ou
habitual; não seguirás as pegadas de mais ninguém; não
verás a face dos homens; não escutarás nenhum nome; o
caminho, o pensamento, o bem serão completamente
estranhos e novos para você.

O magnetismo que é exercido em toda atitude autêntica é


explicado quando indagamos a razão da autoconfiança. A quem é
depositada tal confiança? Quem é o Eu original, no qual é
assentada uma confiança universal? Qual é a natureza e o poder
desta estrela que frustra a ciência, sem paralaxe, sem elementos
calculáveis, que emite raios de beleza mesmo nas mais triviais e
impuras das ações, mesmo que apareça no menor indício de
independência? Tal indagação nos leva a uma origem, que por sua
vez é a essência da genialidade, da virtude e da vida, da qual
chamamos de Espontaneidade ou Intuição. Denotamos esta
sabedoria primária de Intuição enquanto que todos os
ensinamentos posteriores são instruções. Nesta força profunda,
neste derradeiro fato que não pode ser penetrado por qualquer
tipo de análise, todas as coisas encontram uma origem em
comum. O sentido da existência que surge, não sabemos como,
em horas tranquilas na alma, não é diferente de todo o resto, do
espaço, da luz, do tempo, do homem, e com eles compõe uma
coisa só, e procede obviamente da mesma fonte da qual procedem
também a sua vida e o seu ser. Primeiro compartilhamos a vida
pelas coisas que existem e depois vemos nelas as aparências da
natureza e esquecemos que compartilhamos da mesma causa.
Esta é a fonte da ação e do pensamento. Estes são os pulmões
dessa inspiração que deu a sabedoria ao ser humano e que não
pode ser negada sem impiedade ou com ateísmo. Repousamos no
colo de uma imensa inteligência que nos torna destinatários de
sua verdade e agentes de sua atividade. Quando reconhecemos a
justiça, quando reconhecemos a verdade, não fazemos nada por
conta própria, apenas damos passagem aos raios desta
inteligência. Se perguntamos de onde isto vem, se procuramos
bisbilhotar a alma que a causa, toda a filosofia está equivocada.
Só podemos afirmar a sua presença ou ausência, e nada
mais. Todo homem é capaz de distinguir entre atos voluntários da
sua mente e suas percepções involuntárias e sabe que deve uma
absoluta lealdade à estas percepções involuntárias. Ele pode errar
ao expressá-las, mas sabe que estas coisas, como o dia e a noite,
não são para serem discutidas. Minhas intencionais ações e
aquisições são errantes; mas o mais ocioso dos sonhos, a mais
fraca emoção original, exigem minha curiosidade e respeito.
Pessoas imprudentes contradizem-se tão facilmente entre a
afirmação das percepções e a das opiniões, ou pelo menos muito
mais rapidamente; simplesmente porque não conseguem
distinguir entre uma percepção e noção. Elas imaginam que eu
escolho ver uma coisa outra. Mas percepções não são caprichosas,
são fatais. Se vejo alguma peculiaridade no mundo, meus filhos a
verão depois de mim e, no devido tempo, toda a humanidade a
verá também — mesmo que ninguém a tenha visto antes de mim.
Minha percepção é algo tão certa como o sol.
As relações da alma com o espírito divino são tão puras que é
profano procurar intervir com alguma ajuda. Quando Deus fala,
devemos considerar que ele comunica não uma coisa apenas, mas
todas as coisas; preenche o mundo inteiro com sua voz; dispersa
luz, natureza, tempo, almas, do centro do pensamento presente;
e então o fecha, e o cria tudo novamente. Sempre que uma mente
simples recebe uma sabedoria divina, antigas noções
enfraquecem — os meios, professores, textos e templos, caem; tal
mente vive agora, e absorve o passado e o futuro no presente
momento. Todas as coisas tornam-se sagradas pela relação com
ela. Todas as coisas são dissolvidas em seus centros pelos
desígnios da mente e, no milagre universal, os milagres triviais e
particulares desaparecem. Se, portanto, uma pessoa alega que
conhece e fala de Deus, e te faz regressar à modalidade de
expressão, à fraseologia de alguma nação antiga e apodrecida, em
um outro país, em um outro mundo, não acredite nessa pessoa.
Seria a pinha melhor que o pinheiro, que é a sua totalidade e a sua
realização? Seria o pai melhor que o filho, a quem ele criou de
forma madura? De onde vem então, esta idolatria do passado? Os
séculos conspiram contra a sanidade e a autoridade da alma. O
tempo e o espaço são apenas cores fisiológicas criadas pelos olhos,
mas a alma é a luz; seja onde ela está, é dia; seja onde ela estava,
é noite; e a história é uma impertinência e uma injúria, não é mais
do que uma alegre fábula ou parábola do meu ser e de minha
evolução.

O homem é tímido e apologético; ele não anda mais ereto; ele não
ousa dizer “Eu penso”, “Eu sou”, mas não hesita em citar algum
santo ou sábio. Ele se envergonha diante da folha da grama ou da
rosa que floresce. Estas rosas em minha janela não fazem
nenhuma referência às rosas anteriores ou melhores que elas;
elas são o que são; elas existem com Deus, hoje. Não existe tempo
para elas. Existe apenas a rosa; ela é perfeita em todos os
momentos de sua existência. Antes que um botão se abra, toda a
sua vida se atua; na flor já desabrochada, não existe mais nada;
na raiz sem folhas, muito menos. Sua natureza está satisfeita, e
ela satisfaz à natureza, sempre da mesma maneira, em todos os
momentos. Mas o ser humano posterga ou recorda; ele não vive
no momento, mas com os olhos revirados ele lamenta o passado,
ou, ignorando as riquezas que o rodeiam, ele coloca-se nas pontas
dos seus pés para antecipar o futuro. Ele não consegue ser feliz e
forte até que viva com a natureza no presente, acima do tempo.

Insista em você mesmo; nunca imite ninguém.

Isto deveria ser suficientemente evidente e claro. Mas observe


quantos intelectos fortes ainda não ousam escutar ao próprio
Deus, a menos que ele use uma fraseologia de não sei qual David,
ou Jeremias, ou Paulo. Não deveríamos conferir um preço tão alto
em alguns poucos textos, ou em algumas poucas vidas. Somos
como crianças que repetem mecanicamente as afirmações das
avós e dos tutores e, à medida que envelhecemos, à medida que
tenhamos a chance de ver pessoas de talento e caráter,
recolhemos dolorosamente as exatas palavras que eles
proferiram; e depois, quando adotamos o ponto de vista daqueles
que pronunciaram estas mesmas afirmações, nós os entendemos
e estamos dispostos a deixar as palavras de lado, para que, a
qualquer momento, possamos usá-las quando a ocasião for
apropriada. Se vivemos de forma autêntica, veremos de forma
autêntica. É tão fácil para uma pessoa forte ser forte, como é para
uma fraca ser fraca. Quando adquirimos novas percepções,
livraremos alegremente da memória seus tesouros acumulados
como entulho velho. Quando uma pessoa vive com Deus, sua voz
será tão doce como o murmúrio do riacho ou o farfalhar do
milharal.

E por fim, a maior das verdades sobre este assunto em particular


ainda não foi dita; e provavelmente não pode ser dita; dado que
tudo que dizemos é uma memória distante de nossa intuição. Este
pensamento, do qual estou perto de expressar, é este: quando o
bem está perto de você, quando tens vida em si mesmo, não
viverás por alguma maneira conhecida ou habitual; não seguirás
as pegadas de mais ninguém; não verás a face dos homens; não
escutarás nenhum nome; o caminho, o pensamento, o bem serão
completamente estranhos e novos para você. Os exemplos e as
experiências serão excluídos. Não siga o caminho que possui o
homem como seu fim, mas sim aquele que o tem como sua
origem. Todas as pessoas que já existiram são seus ministros
esquecidos. O medo e a esperança são iguais em suas bases. Existe
algo de ordinário mesmo na esperança. Nesta hora iluminada,
não existe nada que pode ser digno de gratidão, nem
propriamente de prazer. A alma erguida sobre a paixão
contempla a identidade e a origem eterna, ela percebe a auto-
existência da Verdade e da Justiça, e se acalma ao saber que todas
as coisas estão bem. Os vastos lugares da natureza, o Oceano
Atlântico, o Mar do Sul — os longos intervalos de tempo, anos,
séculos — nada disso importa. Isto é o que sinto e o que acredito
que reforça todos os anteriores estados de vida e circunstâncias,
da mesma maneira que reforça meu presente, e o que se chama
de vida, e o que se chama de morte.

A vida é o que vale, não o “ter vivido”. O poder cessa em um


instante de repouso; ele reside no momento de transição de um
estado antigo à um novo, quando nos lançamos a um alvo. Este é
um fato que o mundo detesta, que a alma torna-se; pois assim o
passado desintegra-se para sempre, converte todas as riquezas
em pobreza, toda a reputação em vergonha, confunde o santo com
o patife, coloca igualmente Jesus e Judas lado a lado. Por quê,
então, falamos de autoconfiança? Porque enquanto a alma está
presente, não existirá poder seguro, mas poder ativo. Falar de
confiança é uma pobre maneira de se expressar. Melhor falar de
quem confiamos, porque são os que agem. Quem possui mais
autoridade do que eu me domina, mesmo que não mova um dedo
sequer. Ao seu redor devo orbitar pela gravidade dos espíritos.
Quando falamos da verdade eminente, imaginamos que é
retórica. Não vemos que a virtude é Elevação e que uma pessoa,
ou uma companhia de pessoas, maleável e permeável por
princípios, pela lei da natureza devem dominar e comandar todas
as cidades, nações, reis, ricos, poetas que não o são.

Este é o fato fundamental do qual chegamos tão rapidamente,


como em todo outro tema: a solução de tudo no sempre
abençoado Um. Auto-existência é o atributo da Certeza Suprema,
e constitui a medida do bem de acordo com a maneira com que se
envolve nas formas mais inferiores. Todas as coisas verdadeiras o
são de acordo com a quantidade de virtudes que contém. O
comércio, a agricultura, a caça, a pesca, a eloquência da guerra, a
importância pessoal são algumas dessas coisas, e merecem meu
respeito como exemplos de sua presença em ações impuras.
Observo a mesma lei operando na natureza em prol da
conservação e do crescimento. O poder é, na natureza, a medida
essencial da justiça. A natureza não tolera em seus domínios nada
que não possa ajudar a si mesma. O nascimento e a maturação de
um planeta, seu equilíbrio e órbita, a árvore torcida endireitando-
se contra um vento forte, os recursos vitais de cada animal e
vegetal, são demonstrações da autossuficiência e portanto, de
uma alma que confia e depende apenas de si mesma.

Assim, tudo se concentra: que não vaguemos por aí, mas que nos
habituemos com a causa. Que surpreendamos a multidão intrusa
das pessoas, dos livros e das instituições, com uma simples
declaração do fato divino. Ordenemos aos invasores que tirem os
sapatos de seus pés, pois Deus está aqui dentro. Deixemos que
nossa simplicidade os julgue, e nossa docilidade à nossa própria
lei demonstre a pobreza da natureza e do destino por trás das
nossas riquezas nativas.

Mas agora somos uma plebe. O homem não reverencia o homem,


nem seu gênio é recomendado que fique em sua casa para
comunicar-se com seu oceano interior, mas o recomendam que
vá ao exterior para implorar por um copo d’água dos vasos de
outras pessoas. Devemos ir sozinhos. Gosto do silêncio da igreja
antes do começo da missa, mais do que qualquer sermão. O quão
afastadas, quão tranquilas, quão puras parecem as pessoas,
rodeadas cada uma com um recinto ou um santuário. Que
continuemos assim, sentados! Por que deveríamos assumir os
erros de nosso amigo, ou de nossa esposa, ou de nosso pai, ou de
nosso filho, somente porque eles sentam ao redor de nossa
lareira, ou porque se diz que temos o mesmo sangue? Todas as
pessoas têm o meu sangue, e eu tenho o de todos. Não é por isso
que vou adotar suas petulâncias ou loucuras, fazendo com que me
sinta envergonhado por agir desta maneira. Porém, o seu
isolamento não deve ser mecânico, mas espiritual, ou seja, deve
ser uma elevação. De vez em quando, o mundo inteiro parece
estar em conspiração para te importunar com ninharias
autoritárias. Um amigo, um cliente, uma criança, a doença, o
medo, a necessidade, a caridade, todas batem à porta de sua sala
de uma vez só e dizem “Venha conosco.” Mas mantenha o teu
estado; não se junte à esta confusão. O poder que as pessoas
possuem de me irritar, eu lhes dou por uma frágil curiosidade.
Nenhuma pessoa pode aproximar-se de mim que não seja por
meus atos. “O que amamos é tudo o que temos, mas por desejo
privamos a nós mesmos do amor.”

Se não podemos nos elevar de uma vez às santidades da


obediência e da fé, que pelo menos resistamos às nossas
tentações; que entremos em um estado de guerra e acordemos
Thor e Odin, a coragem e a lealdade, em nossos peitos saxões.
Nestes tempos de hipocrisia, isso deve ser feito falando a verdade.
Contenha as hospitalidades afeições mentirosas. Não viva mais de
acordo com a expectativa dessas pessoas enganadas e
enganadoras com quem conversamos. Diga a elas: “ó pai, ó mãe,
ó esposa, ó irmão, ó amigo, até agora tenho vivido segundo as
aparências. De agora em diante pertenço à verdade. Quero que
saibas que a partir de agora não obedecerei nenhuma lei inferior
à lei eterna. Não terei nenhum convênio, mas estarei por perto.
Me esforçarei para alimentar meus pais, para apoiar minha
família, para ser o recatado marido de uma esposa, — mas essas
relações devo cumprir diante de uma maneira nova e sem
precedentes. Renuncio aos seus costumes. Devo ser eu mesmo.
Não posso mais me renunciar por você, nem você por mim. Se
podes me amar por quem eu sou, seremos muito felizes. Se não
podes, ainda procurarei merecer o seu amor. Não esconderei
meus gostos ou minhas aversões. Por isso, confiarei que o que é
profundo é sagrado; que farei, sob o sol e a lua, tudo que me alegre
internamente e o que o meu coração apontar. Se fores um nobre,
te amarei; se não fores, não machucarei nem você nem a mim
mesmo com atenções hipócritas. Se fores verdadeiro, mas não da
mesma verdade que a minha, adira ao seus companheiros; eu
buscarei os meus. Não faço isso de forma egoísta, mas com
humildade e verdade. É do interesse, seu e meu, e de todos os
homens, viver com a verdade, por mais que tenhamos vivido na
mentira. Isso soa severo hoje? Em breve amarás o que é ditado
por sua natureza, bem como a minha e, se seguimos a verdade,
sairemos seguros no fim”. “Mas agindo assim, causarás dor a
estes amigos”. Sim, mas eu não posso vender minha liberdade e
meu poder para salvar a sua sensibilidade. Além disso, todas as
pessoas possuem seus momentos de razão, quando olham e
examinam a região da absoluta verdade; e então me darão razão,
e farão o mesmo.
“O que amamos é tudo o que temos, mas por desejo privamos a nós mesmos do amor.”

A população acredita que a sua rejeição das normas populares é


uma rejeição de todas as normas e que é um mero
antinomianismo; e o sedutor ousado usará o nome da filosofia
para embelezar seus crimes. Mas a lei da consciência resiste.
Existem dois confessionários, e em algum deles devemos nos
confessar. Poderás cumprir teu conjunto de deveres ao absolver-
te em uma maneira direta ou reflexiva. Considere se satisfizeste
as suas relações com seu pai, sua mãe, seu primo, seu vizinho, sua
cidade, seu gato e seu cachorro; ou se algum deles pode te
repreender. Mas também posso negligenciar esta norma
reflexiva, e absolver-me a mim mesmo. Tenho minhas próprias
exigências inflexíveis em um círculo perfeito. Ele nega o nome do
dever a muitos ofícios que são chamados de deveres. Mas se posso
me libertar de suas dívidas, poderei renunciar ao código popular.
Se alguém imagina que esta lei é indulgente, que tente seguir seu
mandamento um dia.

E sinceramente, é exigido algo de divino naquele que renuncia às


causas e aos motivos comuns da humanidade, e que se aventura
a confiar em si mesmo para ser o seu capataz. Seu coração será
elevado, sua vontade será fiel, sua visão será clara, para que possa
com boa determinação ser a doutrina, a sociedade, a lei, para si
mesmo, que um simples propósito possa ser para ele tão forte
como a necessidade é para os outros!

Qualquer homem que considera os aspectos presentes daquilo


que por distinção é chamado de sociedade, verá a necessidade
desta ética. A fibra e o coração do ser humano parecem ter sido
retirados, e nós nos tornamos tímidos e abatidos chorões. Temos
medo da verdade, do destino, da morte e temos medo de nós
mesmos. Nossa era não produz grandes homens. Queremos
homens e mulheres que renovem a vida e nosso estado social, mas
vemos que a maioria das naturezas dos indivíduos são
insolventes, incapazes de satisfazer suas próprias necessidades,
que elas possuem uma ambição desproporcional em relação à sua
força prática e se apoiam ou imploram pelo dia e pela noite sem
parar. Nossa vida doméstica é mendicante, não escolhemos
nossas artes, nossas ocupações, nossos casamentos, nossa
religião, mas foi a sociedade que as escolheu para nós. Somos
soldados de salão. Esquivamos a áspera batalha do destino, local
onde a força é concebida.
Se nossos jovens falham em seus primeiros empreendimentos,
perdem toda a esperança. Se um jovem comerciante falha, as
pessoas dizem que está arruinado. Se o maior dos gênios estuda
em uma de nossas universidades e, no ano seguinte, não estiver
trabalhando em um escritório nas cidades ou subúrbios de Boston
ou Nova Iorque, parece a ele e aos seus amigos que ele está correto
em estar desanimado e em lamentar-se pelo resto de sua vida.
Entretanto, um resoluto rapaz de Nova Hampshire ou de
Vermont, que por sua vez experimenta todas as profissões, que
lidera, cultiva, vende, mantém uma escola, prega sermões, edita
um jornal, vai ao Congresso, compra um distrito e por aí em
diante, em anos consecutivos, e sempre como um gato, cai sobre
seus pés, vale por uma centena desses bonecos urbanos. Ele anda
lado a lado com sua época e não se envergonha por não “estudar
uma profissão”, porque ele não posterga a sua vida, mas sim a
vive. Ele não tem uma única chance, mas centenas delas. Que um
Estóico descubra os recursos do ser humano e diga às pessoas que
elas não são salgueiros curvados, mas que podem e devem
desapegar-se; que com o exercício da autossuficiência, novos
poderes aparecerão; que o homem é a palavra em forma de corpo,
nascido para espalhar a cura às nações, que ele deveria se sentir
envergonhado pela nossa compaixão, e que no momento que ele
age a partir de si mesmo, jogando as leis, os livros, as idolatrias e
os costumes pela janela, não sentimos mais pena, mas o
agradecemos e o reverenciamos — e este mestre restaurará a vida
em esplendor, e fará com que seu nome seja estimado por toda a
história.
É fácil ver que uma maior autossuficiência causará uma revolução
em todos os ofícios e relações entre os homens; em sua religião;
em sua educação; em suas buscas; em suas maneiras de viver; em
suas associações, em suas propriedades; em suas visões
especulativas.

1 —As preces que os homens deixaram-se levar! Aquilo que


chamam de ofício religioso não é algo tão valente nem tão viril. A
prece almeja o exterior e pede para que algum acréscimo
estrangeiro venha por meio de uma virtude exterior, e se perde
nos labirintos sem fim do natural e do sobrenatural, do mediador
e do miraculoso. A prece que almeja por um benefício em
particular, — qualquer coisa que seja inferior do que o bem geral
— é perversa. A prece é a contemplação dos fatos da vida sob o
mais elevado ponto de vista. É o monólogo de uma alma
observadora e jubilante. É o espírito de Deus afirmando a
bondade de suas obras. Mas a prece como meio de conquistar um
fim privado é uma mesquinharia e um roubo. Supõe um dualismo
e não uma unidade na natureza e na consciência. No momento
que uma pessoa é uma com Deus, ela não implorará. Ela então
verá a prece em toda a sua glória. A prece do fazendeiro inclinado
em seu campo para capiná-lo, a prece do remador inclinado pelo
movimento do seu remo, são verdadeiras preces escutadas por
toda a natureza, mesmo que suas consequências sejam
ordinárias. Caratach, na Bonduca de Fletcher, quando é
advertido para que investigue a mente do deus Audato, responde:

“Seus propósitos ocultos se encontram em nossos esforços;


Nossos valores são nossos melhores deuses.”

Nossos arrependimentos são outra forma de falsa prece. O


descontentamento é a falta da autossuficiência; é a debilidade da
nossa vontade. Lamente calamidades, se puderes de algum modo
ajudar a vítima; caso contrário, concentre-se em seu trabalho e
logo o mal começará a ser reparado. Nossa piedade é igualmente
desprezível. Nos sentamos com os que choram tolamente e
choramos com sua companhia, ao invés de comunicar-lhes a
verdade e a saúde em bruscos choques elétricos, os colocando
novamente em comunicação com sua própria razão. O segredo da
fortuna é a alegria em nossas mãos. O homem que ajuda a si
mesma será sempre bem recebido por deuses e homens. Para ele,
todas as portas se abrirão: todas as bocas o saúdam, todas as
honras o coroam, todos os olhos o seguem com desejo. Nosso
amor vai ao seu encontro e o abraça, porque ele não o necessita.
Com solicitude e apologia, nós o mimamos e o celebramos,
porque ele se mantém em seu caminho e menospreza nossa
desaprovação. Os deuses o amam porque os homens o odiaram.
“Ao mortal perseverante,” disse Zoroastro, “os abençoados
Imortais o ajudam com rapidez.”

Da mesma maneira que as preces das pessoas são a doença da


vontade, os credos são as doenças do intelecto. Dizem, da mesma
forma que aqueles tolos Israelitas: “Que Deus não fale conosco,
para que não morramos. Fale você, ou qualquer outro, e
obedeceremos.” Em todo o lugar, sou impedido de me encontrar
Deus em meus irmãos, porque eles fecharam as portas de seus
templos e recitam fábulas de seus irmãos, ou do Deus de seus
irmãos. Toda mente em uma nova pessoa é uma nova
classificação. Se tal mente prova ser uma mente de poder
incomum, uma mente de Locke, de Lavoisier, de Hutton, de
Bentham, de Fourier, ela impõe sua classificação a outras pessoas
e ah! aqui jaz um novo sistema. Sua bondade é proporcional à
profundidade do pensamento e ao número de objetos que ela toca
e que põe ao alcance do pupilo. Mas principalmente nos credos e
nas igrejas isso é superficial, pois também são classificações de
alguma mente poderosa que atua sobre o pensamento elementar
do dever e a relação do ser humano com o Superior. Assim é o
caso do Calvinismo, do Quakerismo, do Swedenborgianismo. O
pupilo tem o mesmo prazer em subordinar tudo à essa nova
terminologia, como uma jovem que acabou de aprender botânica
e que vê um mundo novo e estações novas a cada passo. Chegará
um momento que esse pupilo notará que seu poder intelectual
cresceu ao estudar a mente de seu mentor. Mas em todas as
mentes desequilibradas, a classificação é idolatrada, tomada
como um fim e não como um meio rapidamente esgotável,
fazendo com que os limites do sistema e os limites do universo se
unam no horizonte remoto; a estas mentes, as luminárias do céu
parecem estar sustentadas pelo arco criado por seu mentor. Elas
não conseguem imaginar como vocês, os estrangeiros, têm algum
direito de ver o que elas vêem; “De algum modo, vocês nos
roubaram a luz.” Estas mentes ainda não perceberam que a luz,
não sistemática, indomável, invadirá qualquer espaço, inclusive
ao seus próprios. Deixe que gritem por um instante e a chamem
de sua. Se fores honesto e se praticares o bem, em breve seu lindo
e novo curral será muito estreito e baixo, ele irá quebrar, entortar,
apodrecer e sumir e a luz imortal, jovem e alegre, de milhões de
corpos, de milhões de cores irradiará por todo o universo como se
fosse a primeira manhã.

2 — É pela necessidade de uma auto-cultura que a superstição de


Viajar, cujos ídolos são a Itália, a Inglaterra, o Egito, segue
fascinando todos os Americanos instruídos. Aqueles que fizeram
a Inglaterra, a Itália ou a Grécia serem veneráveis na imaginação
das pessoas, o fizeram mantendo-se exatamente onde estavam,
como um eixo terrestre. Nas horas mais viris, sentimos que o
dever é o nosso lugar. A alma não é nenhum viajante; o sábio está
quieto em sua casa; e tornará as pessoas sensíveis pela expressão
de seu semblante, e será o missionário da sabedoria e da verdade,
e visitará cidades e pessoas como um soberano e não como um
intruso ou um criado.

Que um Estóico descubra os recursos do ser humano e diga


às pessoas que elas não são salgueiros curvados, mas que
podem e devem desapegar-se; que com o exercício da
autossuficiência, novos poderes aparecerão.

Não tenho nenhuma objeção grosseira às viagens ao redor do


globo, com propósitos artísticos, de estudo e de benevolência,
contanto que o ser humano seja primeiramente domesticado, ou
para que não viaje ao exterior com a esperança de encontrar algo
maior do que ele já conhece. Aquele que viaja para se divertir, ou
para conseguir algo que não possui, viaja para longe de si mesmo
e sendo jovem, envelhece entre coisas antigas. Em Tebas, em
Palmira, sua vontade e sua mente envelheceram tanto como estas
cidades. Ele carrega ruínas às ruínas.
Viajar é o paraíso dos tolos. Nossas primeiras viagens nos
mostram a indiferença dos lugares. Em casa, eu sonhava que em
Nápoles, em Roma, eu poderia ser intoxicado com a beleza e que
perderia minha tristeza. Fiz minhas malas, me despedi de meus
amigos e embarquei, e enfim acordei em Nápoles, e lá, ao meu
lado, se encontrava a dura verdade e o meu triste eu, implacável,
idêntico àquele do qual me despedi. Busco o Vaticano e os
palácios. Busco me intoxicar com lugares e sugestões, mas não
fico intoxicado. Meu gigante me acompanha em qualquer lugar
que eu vá.

3 — Mas este furor de viajar é um sintoma de uma profunda


insolação que afeta todas as ações intelectuais. O intelecto é
preguiçoso, e nosso sistema educacional fomenta a inquietação.
Nossas mentes viajam quando nossos corpos são forçados a ficar
em uma sala. Nós imitamos; e o que é a imitação se não a viagem
da mente? Nossas casas são construídas com um gosto
estrangeiro; nossas prateleiras são enfeitadas com ornamentos
estrangeiros; nossas opiniões, nossos gostos, nossas faculdades,
tendem e seguem o Passado e o Distante. Foi a alma que criou as
artes, não importa o lugar que elas floresceram. Foi em sua
própria mente que o artista buscou seu modelo. Foi uma
aplicação de seu próprio pensamento ao que deveria ser feito e às
condições a serem observadas. E porque precisamos copiar o
modelo Dórico ou Gótico? A beleza, a conveniência, a grandeza
do pensamento e a expressão exótica estão tão perto de nós como
de qualquer outro, e se o artista Americano estudar com amor e
esperança exatamente o que deve fazer, considerando o clima, o
solo, a duração do dia, a necessidade do povo, o hábito e a forma
do governo, ele criará uma casa da qual todas essas coisas se
encaixarão perfeitamente, e o gosto e o sentimento também serão
satisfeitos.

Insista em você mesmo; nunca imite ninguém. Podes expor seu


próprio dom em qualquer instante, com a força acumulada de
uma vida inteira de cultura; mas do talento adotado de outra
pessoa; tens somente uma posse pela metade. Aquilo que cada um
o faz de melhor, ninguém além do seu Criador pode lhe ensinar.
Nenhuma pessoa sabe ainda o que é, ou do que é capaz, até
demonstrar. Onde está o mestre que poderia ter ensinado a
Shakespeare? Onde está o mestre que poderia ter instruído
Franklin, ou Washington, ou Bacon, ou Newton? Todo grande
homem é único. O cipionismo de Cipião é exatamente a parte que
ele não pode tomar emprestado. Um Shakespeare nunca poderá
ser criado pelo estudo de Shakespeare. Faça aquilo que lhe foi
atribuído, e não poderás esperar muita coisa ou ousar por
demasiado. Neste momento há para você uma declaração valente
e grandiosa como a colossal talhadeira de Fídias, a espátula dos
Egípcios, a caneta de Moisés ou de Dante, mas completamente
diferente de todas elas. Provavelmente seja impossível que a alma
que for por completo rica e eloquente, seja digna de repetir a si
mesma; mas se puderes escutar o que esses patriarcas dizem,
certamente poderás responder no mesmo tom de voz; porque o
ouvido e a língua são dois órgãos de uma mesma natureza. Habite
nas regiões mais nobres e simples de sua vida, obedeça seu
coração e reproduzirás o Mundo Antigo.
4 — Assim como nossa Religião, nossa Educação, nossa Arte se
espelham no estrangeiro, nosso espírito de sociedade também o
faz. Todas as pessoas vangloriam-se pela melhora da sociedade,
mas ninguém de fato a aprimora.

A sociedade nunca evolui. Ela retrocede tão rápido em um lado


como avança no outro. Ela sofre mudanças contínuas; é bárbara,
é civilizada, é Cristã, é rica, é científica; mas esta mudança não é
aperfeiçoamento. Para cada coisa que se agrega, algo é tirado. A
sociedade adquire novas artes e perde velhos instintos. Que
grande contraste existe entre o Americano bem-vestido, que lê,
que escreve e que pensa, com um relógio, um lápis e uma conta
de câmbio em seu bolso, e o Neozelandês nu, cuja propriedade é
um porrete, uma lança, uma manta e um décimo de uma cabana
para dormir! Mas compare a saúde destes dois homens e verás
que o homem branco perdeu a sua força aborígene. Se o que os
viajantes nos contaram é verdade, golpeie o selvagem com um
machado e, em um dia ou dois, a ferida se curará como se o golpe
fosse um sopro suave, e este mesmo sopro mandará o homem
branco para o seu túmulo.

O ser humano civilizado construiu a carruagem, mas já não usa


mais os seus pés. Se apoia em muletas, porque não pode apoiar-
se em músculos. Possui um bonito relógio Genovês, mas não
consegue calcular a hora pelo sol. Possui um almanaque náutico
de Greenwich, e por isso está seguro de ter a informação ao seu
alcance, mas não pode reconhecer uma única estrela quando sai
às ruas. Ele não observa o solstício; sabe pouco do equinócio; e o
brilhante calendário anual carece de um indicador em sua mente.
Suas agendas enfraquecem sua memória; suas bibliotecas
sobrecarregam sua inteligência; o escritório de seguros aumenta
o número de acidentes; e poderíamos perguntar se as máquinas
não o restringem; se não perdemos alguma energia pela
sofisticação, por um Cristianismo impregnado em formas e
instituições, pelo pouco vigor da virtude selvagem. Como cada
Estóico foi um Estóico; na Cristandade, onde está o Cristão?

Não há maior desacordo na norma moral do que nas normas de


grandeza. Não há mais grandes homens hoje como havia antes.
Podemos observar uma igualdade singular entre grandes homens
dos primeiros e dos últimos séculos; toda a ciência, a arte, a
religião e a filosofia do século XIX não podem educar homens
maiores do que os heróis de Plutarco, três, quatro ou vinte séculos
atrás. A raça humana não progride com o tempo. Phócion,
Sócrates, Anaxágoras, Diógenes, são grandes homens, mas não
nos deixaram nenhuma classe de pessoas como eles. Aquele que
realmente é de sua classe, não será chamado por seus nomes, mas
sim por seu próprio, e por sua vez fundará uma seita. As artes e
as invenções de cada era são somente costumes e não revigoram
as pessoas. Os danos das máquinas podem compensar seus
benefícios. Hudson e Bering conquistaram tanta coisa com seus
barcos de pesca, que impressionaram Parry e Franklin, cujos
equipamentos esgotaram os recursos da ciência e da arte. Galileu,
com um óculos para a ópera, descobriu uma série de fenômenos
celestiais mais esplêndida do que qualquer outro desde então.
Colombo descobriu o Novo Mundo com um barco descoberto. É
curioso observar a destruição e o desuso periódico das máquinas
e dos meios que foram criados com amplos elogios alguns anos
ou séculos atrás. A grande genialidade sempre retorna às
essências das pessoas. Reconhecemos as melhorias da arte da
guerra entre os triunfos da ciência, mesmo assim, Napoleão
conquistou a Europa na base do bivaque, consistindo em
recorrer-se apenas à vontade e exonerá-la de todos os auxílios. O
Imperador acreditava ser impossível criar um exército perfeito,
como diz Las Casas, “sem abolir nossas armas, armazéns,
comissários e carruagens, a menos que, imitando o costume
Romano, o soldado recebesse sua porção de milho, para moer em
seu moinho e cozinhar seu próprio pão.”

A sociedade é uma onda. A onda se move para frente, mas a água


que a compõe, não. A mesma partícula não se levanta do vale em
direção à crista. Sua unidade é apenas fenomenal. As pessoas que
constroem uma nação hoje, morrem amanhã e suas experiências
se vão com ela.

E assim a confiança na Propriedade, incluindo a confiança nos


governos que a protege, é a necessidade da autossuficiência. As
pessoas têm desviado o olhar delas mesmas para coisas externas
por tanto tempo, que acabaram por estimar as instituições
religiosas, eruditas e civis como guardas da propriedade, e
desaprovam que as ataquem, porque sentem que são ataques à
propriedade. As pessoas medem seus apreços pelas outras pelo
que elas têm, e não pelo que são. Mas um homem cultivado
envergonha-se de sua propriedade, já que sente um novo respeito
por sua natureza. Especialmente, ele acaba odiando o que possui,
se vê que é um acidente, se o obteve por herança, ou presente ou
crime; então sente que não o possui; porque não lhe pertence, não
possui raízes pessoais e simplesmente repousa ali, porque
nenhuma revolução ou ladrão irá levá-lo. Mas aquilo que um
homem é, sempre o adquire por necessidade, e o que ele adquire
é propriedade viva, propriedade que não espera acenos de
governantes, das massas, de revoluções, do fogo, da tempestade
ou da falência, mas perpetuamente se renova onde quer que o
homem respire. “Tua porção ou parte da vida”, disse o Califa Ali,
“é a busca de si mesmo; portanto não se esforce buscando outras
coisas.” Nossa dependência desses deuses exteriores nos levou ao
respeito escravizador pelos números. Os partidos políticos se
reúnem em imensas convenções quanto maior for a concorrência
e com cada novo grito de proclamação “a delegação de Essex! Os
Democratas de Nova Hampshire! Os Whigs de Maine!”, o jovem
patriota se sente mais forte do que antes diante de mil novos olhos
e braços. Da mesma maneira os reformistas convocam
convenções, votam e decidem em multidão. Amigos! Não é assim
que Deus se fará digno a habitar em você, mas sim de forma
completamente oposta. Somente quando o homem deixar de lado
qualquer ajuda externa, e manter-se de pé, que o vejo como
alguém forte e que prevalece. Ele enfraquece com cada novo
recruta sob sua bandeira. Um homem não é melhor do que uma
cidade? Não exija nada de ninguém, e em meio às infinitas
mudanças, seus princípios serão a única coluna que sustentará
tudo que te rodeia. Aquele que sabe que o poder nasce
internamente, que ele é fraco porque tem procurado pelo bem
fora de si em todos os lugares, e ao perceber isso, joga-se por
completo em seus pensamentos, imediatamente coloca-se de pé,
domina seus membros e faz milagres; da mesma maneira que um
homem que ergue-se sobre seus pés é mais forte que um homem
que para sobre sua cabeça.

Assim, use tudo o que for abençoado pela deusa Fortuna. A


maioria dos homens tentam a sorte com ela, ganham tudo,
perdem tudo, enquanto sua roda do destino continua girando.
Mas considere estes ganhos como ilícitos, e lide com a Causa e o
Efeito, os chanceleres de Deus. Trabalhe e adquira coisas com a
Vontade, trancarás a Roda da Fortuna, e já não terás medo de
seus giros. Uma vitória política, um aumento de rendimentos,
uma recuperação de uma doença, um retorno de um amigo
ausente, ou se algum outro evento favorável eleva teu espírito e
pensas que bons tempos estão a caminho. Não acredite
nisso. Nada pode te trazer paz além de você mesmo. Nada
pode te trazer paz além do triunfo dos princípios.

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