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Não seja um pão com ovo, mantenha a constância e a disciplina: Uma vocação não se

satisfaz com leituras vagas nem com pequenos trabalhos dispersos. Requer penetração
continuidade e esforço metódico, no intuito duma plenitude que responda ao apelo do
Espírito e aos recursos que lhe aprouve comunicar-nos (p.6).

Sobre a vocação intelectual: Não é coisa que se dê. Vem do céu e da natureza primeira.
O ponto está em ser dócil a Deus e a si próprio, depois de ter escutado estas duas vozes
(p.7).

E conhecereis a verdade, e a verdade vos liberatará (Jo 8, 32): Todos os caminhos,


excepto um, são maus para vós, visto que todos se apartam da direcção onde se espera e
se requer a vossa acção. Não sejais infiel a Deus, nem a vossos irmãos, nem a vós
próprios, rejeitando um apelo sagrado Isto supõe que se abraça a vida intelectual com
intenções desinteresseiras e não por ambição ou vã gloríola. Os guisos da publicidade só
tentam os espíritos fúteis. A ambição, que quisesse subordinar a si a verdade eterna,
ofendê-la-ia. Brincar com as questões que dominam a vida e a morte, com a natureza
misteriosa, talhar-se um destino literário e filosófico à custa da verdade ou fora da
dependência da verdade, constitui um sacrilégio. Tais intentos, sobretudo o primeiro, não
conseguiriam manter o investigador; depressa o esforço esmoreceria e a vaidade haveria
de entreter-se com bagatelas, sem curar das realidades (p.8).

Persevere: Obter sem gastar, eis o desejo universal; mas desejo de corações cobardes e
de cérebros enfermos. O universo não acorre ao primeiro sussurro e para que a luz de
Deus baixe a vossas lâmpadas, é necessário que as vossas almas a peçam instantemente.

Recompensa da perserverância: O trabalhador que no esforço novo encontra a


recompensa do esforço antigo, que dele faz o seu tesouro, é de ordinário um apaixonado;
não há meio de o desapegar do que assim é consagrado pelo sacrifício. O seu andar, na
aparência mais lento, dispõe de recursos para ir por diante. Pobre tartaruga laboriosa, não
perde o tempo em ninharias, porfia, e ao fim de poucos anos, ultrapassa a lebre indolente,
cuja marcha desimpedida lhe causava inveja, enquanto se arrastava lentamente.

Solidão apaixonada: Quando S. Tomás de Aquino se dirigia a Paris e descobriu ao longo


a cidade, disse ao irmão que o acompanhava: <<Irmão, de bom grado trocaria tudo isto
pelo comentário de S. João Crisóstomo sobre S. Mateus>>. A quem vive destes
sentimentos pouco importa o lugar onde está ou os meios de que dispõe; esse é um eleito
do espírito e, como tal, só lhe resta perseverar e entregar-se à vida consoante o Plano
divino. Escuta-me, ó jovem que compreendes esta linguagem e a quem os heróis da
inteligência parece chamarem misteriosamente, mas que receias encontrar-te desprovido.
Tens duas horas por dia? Podes obrigar-te a reservá-las ciosamente, a empregá-las com
ardor e, depois, destinado também de antemão ao Reino de Deus, podes beber o cálice de
sabor esquisito e amargo, que estas páginas quereriam dar-te a prova? Se a tua resposta é
afirmativa, tem confiança, mais do que isso repousa na certeza. Obrigado a ganhar a vida,
ganhá-la-ás sem lhe sacrificar, como tantas vezes acontece, a liberdade da alma.

Motivação para seguir os estudos: Queres contribuir com a tua quota para perpetuar a
sabedoria entre os homens, para recolher a herança dos séculos, para fornecer ao presente
as regras do espírito, para descobrir os factos e as causas, para orientar os olhos
inconstantes na direcção das causas primeiras e os, corações na dos fins supremos, para
reavivar a chama que se apaga e organizar a propaganda da verdade e do bem? É esse um
quinhão que vale, sem dúvida, sacrifícios suplementares e o cultivo duma paixão
absorvente.

A verdade medra na mesma terra que o bem; as raízes duma e doutro comunicam entre si.
Desligados desta raiz comum e, por conseguinte, menos ligados à sua terra, ambos vêm a
sofrer: ou a alma se torna anémica ou o espírito se estiola. Pelo contrário, alimentando a
verdade, ilumina-se a consciência; fomentando o bem, guia-se o saber.

Como querereis pensar bem com a alma doente, com o coração trabalhado pelos vícios,
solicitado pelas paixões, desorientado por amores violentos ou culpados? Há um estado
clarividente e um estado cego da alma, dizia Gratry, um estado são e conseguintemente
sensato, e um estado insensato. “O exercício das virtudes morais”, afirma por sua vez S.
Tomás de Aquino, “das virtudes que refreiam as paixões, importa sobremaneira para a
aquisição da ciência”.

Vamos prosseguir nossa reflexão. Quais são os inimigos do saber? Obviamente a


ininteligência: tanto que o que estamos dizendo dos vícios, das virtudes e de seu papel na
ciência pressupõe sujeitos em pé de igualdade no restante. Mas, além da estupidez, que
inimigos os senhores receiam? Não pensaram na preguiça, onde ficam soterrados os
melhores entre os dons? Na sensualidade, que enfraquece e entorpece o corpo, embaça a
imaginação, estupidifica a inteligência, dispersa a memória? No orgulho, que ora ofusca,
ora entenebrece, que acata tão plenamente nossos próprios pontos de vista que podemos
perder de vista o universal? Na inveja, que renega obstinadamente a luz aqui ao lado? Na
irritação, que repele as críticas e se finca no erro?

Bem-aventurados os corações puros, disse o Senhor, porque eles verão a Deus. “Abraça a
pureza de consciência”, diz Santo Tomás a seu estudante; “não cesses de imitar o
comportamento dos santos e dos homens de bem”.

As grandes intuições pessoais, as iluminações penetrantes provêm, em igualdade de


valor, do aperfeiçoamento moral, do desapego de si e das banalidades habituais, da
humildade, da simplicidade, da disciplina dos sentidos e da imaginação, da entrega à
busca dos grandes fins. Já não se trata aqui de demonstrar sua habilidade, de fazer brilhar
suas aptidões como uma joia rara. O que se quer é entrar em comunicação com a origem
da luz e da vida; aborda-se esse foco central em sua unidade, tal qual ele é; fica-se em
adoração a ele, e renuncia-se ao que se mostra seu inimigo para que sua glória nos
inunde. Não será isso tudo que significa em parte a famosa expressão: “Os grandes
pensamentos vêm do coração”?

Dois dos dezesseis conselhos de Santo Tomás em matéria de estudo são a eles dirigidos:
“Altiora te ne quæsieris – não procures acima de teu alcance”. “Volo ut per rivulos, non
statim, in mare eligas introire – quero que decidas entrar no mar pelos regatos, não
diretamente”. Conselhos preciosos, proveitosos para a ciência tanto quanto para a virtude
por equilibrarem o homem.

Mas, primeiramente, que o estudo não tome o lugar do culto, da oração, da meditação
direta sobre as coisas de Deus. [...] Estudar tanto que não mais se pratique a prece, o
recolhimento, que não mais se leia nem a palavra sagrada, nem a dos santos, nem a das
grandes almas, tanto que se caia no esquecimento de si mesmo e que, de tão concentrado
nos objetos do estudo, se chegue a descuidar do hóspede interior, é um abuso e uma
enganação. Supor que assim se progredirá e se produzirá mais equivale a dizer que o rio
fluirá melhor se sua fonte secar.

A ciência é um conhecimento pelas causas, dizemos nós constantemente. Os detalhes não


são nada; os fatos não são nada; o que importa são as dependências, as comunicações de
influência, os laços, as trocas que constituem a vida da natureza. Ora, por trás de todas as
dependências, há a dependência original; no nó de todos os laços, o Laço supremo; no
topo das comunicações, a Fonte; sob as trocas, o Dom; na sístole e na diástole do mundo,
o Coração, o imenso Coração do Ser. Não deve o espírito a ele voltar-se continuamente e
não perder por um minuto sequer o contato com o que é deveras o todo de todas as coisas
e por conseguinte de toda ciência?

ANALISAR "A DISCIPLINA DO CORPO".

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