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CAPÍTULO I - Da vocação intelectual

I - O intelectual é a pessoa consagrada. Falar de vocação equivale a designar aqueles que


pretendem fazer do trabalho intelectual a sua vida, seja porque dispõem de tempo livre para se
dedicar ao estudo, seja porque no meio das ocupações profissionais se reservam, como feliz
complemento e recompensa, o desenvolvimento profundo da mente. Uma vocação não se
contenta com leituras vagas ou pequenas obras dispersas. Requer penetração, continuidade e
esforço metódico, em vista de uma plenitude que responda ao chamado do Espírito e aos
recursos que ele escolheu para nos comunicar.

Esta chamada não deve ser adivinhada. Quem se aventura por um caminho que não pode
percorrer, com pé firme, espera de antemão as decepções. O trabalho pesa sobre todos e,
depois do sempre custoso primeiro treinamento, seria uma loucura deixar a mente afundar na
indigência primitiva. Este último estado de espírito é o da vocação.

Implica uma resolução séria, porque a vida de estudo, sendo austera, impõe fardos pesados.
Atletas inteligentes, como atletas esportivos, devem planejar testes, longas sessões de
treinamento e, às vezes, tenacidade sobre-humana. Devem entregar-se de corpo e alma à
conquista da verdade, porque a verdade só presta serviços a quem a serve.

Nossas disposições são como as propriedades químicas que determinam, para cada corpo, as
combinações em que ele pode entrar. São Tomás, afirmando que o prazer qualifica as funções e
pode servir para classificar os homens, deve naturalmente concluir que o prazer também pode
trair as nossas vocações. O estudo de uma vocação intelectual envolve, além da vantagem
incalculável da plena realização do homem por si mesmo, um interesse geral a que ninguém
pode renunciar. A humanidade cristã é formada por diversas personalidades, e nenhuma delas
pode abdicar sem empobrecer o grupo e privar o Cristo eterno de parte de seu reino.

Todos os caminhos, exceto um, são ruins para você porque todos se desviam da direção em
que sua ação é esperada e necessária. Isso pressupõe que se abrace a vida intelectual com
intenções desinteressadas e não por ambição ou vanglória. A ambição, que subordinaria a
verdade eterna a si mesma, o ofenderia. Jogar com questões que dominam a vida e a morte, de
natureza misteriosa, traçar um destino literário e filosófico em detrimento da verdade ou por
dependência da verdade, constitui um sacrilégio.

Mas isto supõe também que a aceitação do fim esteja unida à aceitação dos meios, caso
contrário, a obediência à própria vocação não deve ser levada a sério. Uma vaga aspiração
empurra as multidões para horizontes que mais admiram de longe, como a gota admira, da
planície, as neves eternas que cobrem os cumes das montanhas. Que belas colheitas poderiam
ser feitas nos primeiros anos de liberdade após os estudos, quando a grama intelectual ainda
estava revirada com as sementes confiadas ao solo! É este tempo que nunca mais voltará, o
tempo que viveremos depois. O que quer que ele tenha sido, assim será o homem, pois não há
como reverter o caminho que ele percorreu.

Se vives superficialmente, sofrerás o castigo de ter negligenciado, no teu tempo, o futuro que
vive sempre na esperança. Pense em cada um deles quando a reflexão puder ajudar. Quantos
jovens, que acalentam a pretensão de se tornarem operários, perdem miseravelmente os seus
dias, as suas forças, a sua seiva intelectual! ou não trabalham, quando têm tempo para o fazer,
ou trabalham mal, caprichosamente, sem saber o que são, para onde querem ir, nem como
andar. O ascetismo particular e a virtude heróica do trabalhador intelectual devem ser seu pão
diário.

Se o gênio não é necessário para produzir, muito menos a plena liberdade, até porque esta tem
suas armadilhas, e estar sujeito a obrigações estritas pode contribuir imensamente para superá-
las. O homem, constrangido, concentra-se mais, aprende a valorizar o tempo, refugia-se com
ardor nas raras horas em que, cumprido o seu dever, reencontra o ideal e goza da calma da
ação escolhida, depois da ação imposta pela dura existência. Pobre tartaruga industriosa, não
perde seu tempo em trivialidades, em trapaças, e depois de alguns anos alcança a lebre
indolente cujo andar desimpedido invejava, arrastando-se lentamente. Pense no mesmo do
trabalhador isolado, sem dons intelectuais, nem facilidade de reuniões para estimulá-lo,

Aqui também, a força pode vir da dificuldade. Obrigado a ganhar a vida, você o ganhará sem
sacrificar, como tantas vezes acontece, a liberdade da alma. Na opinião de muitos, as duas
horas que peço são suficientes para traçar um destino intelectual. Queres fazer a tua parte para
perpetuar a sabedoria entre os homens, recolher a herança dos séculos, fornecer ao presente as
regras da mente, descobrir fatos e causas, dirigir os olhos em movimento para as causas
primeiras? dos fins supremos, reacender a chama apagada e organizar a propaganda da
verdade e do bem? É uma parte que sem dúvida vale os sacrifícios extras e o cultivo de uma
paixão absorvente.

O estudo e a prática aquilo que o P. Gratry chama a Lógica viva, isto é, o desenvolvimento do
nosso espírito, ou verbo humano, pelo contato direto ou indireto com o Espírito e o Verbo divino,
este estudo grave e esta prática perseverante franquear-te -ão a entrada no santuário
admirável. II – O intelectual não é um isolado. O trabalhador cristão, em virtude de sua vocação
intelectual de consagrado, não deve se isolar. Seja qual for a sua situação, julguem-no
abandonado ou retirado materialmente, não deve deixar-se tentar pelo individualismo, imagem
deformada da personalidade crista.

Porque vive com Jesus Cristo, não pode separar dele nem os tempos nem os homens. O
verdadeiro cristão terá sem cessar diante dos olhos a imagem do globo onde está plantada a
cruz, onde os pobres seres humanos erram e sofrem, e onde o sangue redentor procura
encontrá-los através de meandros sem conta. Toda a verdade é vida, orientação, caminho em
ordem alcançar o fim humano. Trabalhai, ervilhas, sempre, em espírito de utilização, como
recomenda o Evangelho.

Só as verdades redentoras são Santas e as palavras do Apóstolo – -aplicam-se ao nosso


trabalho como a tudo o mais. Jesus Cristo especificado do nosso espírito, como necessário,
enquanto viveu na terra, do seu próprio espírito humano.

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