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TOLERÂNCIA
A tolerância sendo uma virtude é, portanto, um valor. Valores, como é sabido, não
podem ser definidos, entretanto, podem ser descritos e analisados de acordo com
comportamento dos integrantes de uma sociedade.
A idéia de tolerância somente pode ser analisada, com certa precisão, se estiver
interada socialmente, pois está indissoluvelmente atrelada ao agir das pessoas nesta
mesma sociedade.
Para abordar esse tema tão subjetivo por se tratar de uma virtude e também, sendo
um dos valores da nossa Ordem, deixo duas perguntas para a nossa reflexão: "Julgar
que há coisas intoleráveis é dar provas de intolerância?" Ou, de outra forma: "Ser
tolerante é tolerar tudo?" Em ambos os casos a resposta, evidentemente é não, pelo
menos se queremos que a tolerância seja uma virtude.
Partindo da afirmação que Filosofar é pensar sem provas, somente espero não ter
indo longe demais nas minhas divagações filosóficas.
A definição acima aborda a tolerância maçônica no seu aspecto religioso e político que,
sendo um valor é muito mais abrangente, discutível e contestável do que os
apresentados.
Tolerar é aceitar aquilo que se poderia condenar, é deixar fazer o que se poderia
impedir ou combater? É, portanto, renunciar a uma parte do nosso poder, desejo e
força! Mas só há virtude na medida em que a chamamos para nós e que ultrapassamos
os nossos interesses e a nossa impaciência. A tolerância vale apenas contra si e a
favor de outrem. Não existe tolerância quando nada temos a perder e menos ainda
quando temos tudo a ganhar, suportando e nada fazendo. Tolerar o sofrimento dos
outros, a injustiça de que não somos vítimas, o horror que nos poupa não é tolerância,
mas sim egoísmo e indiferença. Tolerar Hitler é tornar-se cúmplice dele, pelo menos
por omissão, por abandono e esta tolerância já é colaboração. Antes o ódio, a fúria, a
violência, do que esta passividade diante do horror e a aceitação vergonhosa do pior.
É o que Karl Popper denomina como "o paradoxo da tolerância": “Se formos de uma
tolerância absoluta, mesmo com os intolerantes e não defendermos a sociedade
tolerante contra os seus assaltos, os tolerantes serão aniquilados e com eles a
tolerância”.
Uma virtude não pode ocultar-se atrás de posturas condenáveis e contestáveis: aquele
que só com os justos é justo, só com os generosos é generoso, só com os
misericordiosos é misericordioso, não é nem justo, nem generoso e nem
misericordioso. Tão pouco é tolerante aquele que o é apenas com os tolerantes. Se a
tolerância é uma virtude, como creio e de um modo geral, ela vale, portanto por si
mesma, inclusive para os que não a praticam. É verdade que os intolerantes não
poderiam queixar-se, se fôssemos intolerantes com eles. O justo deve ser guiado
"pelos princípios da justiça e não pelo fato de o injusto poder queixar-se". Assim como
o tolerante, pelos princípios da tolerância.
Estando diante de mais um paradoxo sobre a tolerância, para entende-la entramos por
um caminho não muito claro e como não poderia deixar de ser exato, Karl Popper
acrescenta: “Não quero com isto dizer que seja sempre necessário impedir a expressão
de teorias intolerantes. Enquanto for possível contrariá-las à força de argumentos
lógicos e contê-las com a ajuda da opinião pública, seria um erro proibi-las. Mas é
necessário reivindicar o direito de fazê-lo, mesmo à força, caso se torne necessário,
porque pode muito bem acontecer que os defensores destas teorias se recusem a
qualquer discussão lógica e respondam aos argumentos pela violência. Haveria então
de considerar que, ao fazê-lo, eles se colocam fora da lei e que a incitação à
intolerância é tão criminosa como, por exemplo, a incitação ao assassínio. Democracia
não é fraqueza. Tolerância não é passividade”.
Um outro ponto a ser considerado prende-se mais com a conduta política do que com
a moral, mais com os limites do Estado do que com os do conhecimento. Ainda que
tivesse acesso ao absoluto, o soberano seria incapaz de impô-lo a quem quer que
fosse, porque não se pode forçar um indivíduo a pensar de maneira diferente daquela
como pensa, nem a acreditar que é verdadeiro o que lhe parece falso. Pode impedir-se
um indivíduo de exprimir aquilo em que acredita, mas não de pensar.
Para quem reconhece que valor e verdade constituem duas ordens diferentes, existe,
pelo contrário, nesta disjunção uma razão suplementar para ser tolerante: ainda que
tivéssemos acesso a uma verdade absoluta, isso não obrigaria a todos a respeitar os
mesmos valores, ou a viverem da mesma maneira. A verdade impõe-se a todos, mas
não impõe coisa alguma. A verdade é a mesma para todos, mas não o desejo e a
vontade. Esta convergência dos desejos, das vontades e da aproximação das
civilizações, não resulta de um conhecimento: é um fato da história e do desejo dessas
civilizações.
Não temos razão de pensar o que pensamos? E, se temos razão, os outros não
estariam errados? E como poderia a verdade aceitar - senão, de fato, por tolerância - a
existência ou a continuação do erro? Por isso damos o nome de tolerância àquilo que,
se fôssemos mais lúcidos, mais generosos, mais justos, deveria chamar-se de respeito,
simpatia ou de amor. Se, contudo, a palavra tolerância se impôs, foi certamente
porque nos sentimos muito pouco capazes de amar ou de respeitar quando se tratam
dos nossos adversários.
"Enquanto não desponta o belo dia em que a tolerância se tornará amável", conclui
Jankélévitch, "diremos que a tolerância, a prosaica tolerância é o que de melhor
podemos fazer! A tolerância é, pois uma solução sofrível; até que os homens possam
amar, ou simplesmente conhecer-se e compreender-se, podemos dar-nos por felizes
por começarem a suportar-se”.
A tolerância, portanto, é um momento provisório. Que este provisório está para durar,
é bem claro e, se cessasse, seria de temer que lhe sucedesse a barbárie e não o amor!
É apenas um começo, mas já é algum. Sem contar que é por vezes necessário tolerar
o que não queremos nem respeitar e nem amar. Existem, como vimos, coisas
intoleráveis que temos de combater. Mas também coisas toleráveis que são, no
entanto, desprezíveis e detestáveis. A tolerância diz tudo isto, ou pelo menos autoriza.