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Como tolerar?

A palavra tolerância, vem do latim tolerantia, “constância em sofrer”, mas não


é necessário sofrer para tolerar. Isto porque tolerar não é aceitar o que não é
no nosso estrato social, étnico ou religioso considerado regular, é sim procurar
compreender a sua origem e entender que esta ultrapassa a coerência moral
do outro e se deve na verdade a fatores externos muitas vezes históricos,
tolerância é o esforço da compreensão, é o oposto da ignorância, da recusa ao
aprendizado, tolerar é ler, é estudar, é dialogar e não aceitar.

Um bom exemplo de tolerância é como agir em relação à mutilação genital


feminina: Achar que qualquer mulher africana a considera como boa ou usual
é falso e é precisamente isto que permite que continue, o pensamento de que
para os outros isto é normal e o seu tratamento como tema tabu impede as
vítimas de a discutirem, temendo serem acusadas de promiscuidade por
sobressaírem.
Tolerar a mutilação genital feminina não é aceitá-la e sim entender que a
única forma de a parar é permitir que os estratos sociais jovens e menos
conservadores dos países afetados a discutam, com educação e estímulo ao
debate, tolerar a mutilação genital feminina é saber que esta não acontece
porque as vítimas querem e sim porque é normalizada pela sociedade que não
a discute, como na teoria do panóptico de Foucalt, a sociedade tem a ilusão da
vigilância e que se agir de maneira a sobressair da multidão será por isso
julgada.

A tolerância só pode, pelos motivos acima citados florescer onde floresça


também a educação e o estímulo ao diálogo, sem discussão esta não existe e
é por este mesmo motivo que a intolerância cresce, quando dizemos a um
grupo de alunos numa sala que devem aceitar as tradições do outro sem as
questionar, com o objetivo de serem tolerantes fazemos o oposto de
tolerância, não devemos ter medo das discussões e sim alimentá-las, já que é
exatamente a sua inexistência que faz crescer os conservadorismos extremos
e estabelece os tabus sociais.

Podemos também falar do relativismo moral, dizendo que o que para uns é
correto pode para outros não o ser, mas depois de reflexão eu que também
dessa forma pensava, discordo. A moralidade assenta nos valores morais
universais, os valores da vida, da liberdade e da igualdade, ora a partir do
momento em que um comportamento, seja ele tradicional ou não os viola, ele
é imoral, para todos. O que acontece é que os povos por eles afetados não
possuem consciência de que este pode sequer ser questionado ou a coragem
para o questionar. É função do tolerante garantir-lhes o espaço em que
possam discutir o que tomavam como dogmático.

Tolerar passa por nos colocarmos na posição do outro e compreender o porquê


de viver dessa forma, passa por criticar de forma saudável, por entender as
origens dos credos alheios e procurar ajudar as comunidades a ultrapassar os
estigmas sociais que as impedem de progredir, não as forçando a
homogeneizar-se em relação à nossa.

Todo o tolerante deve lutar contra a assimilação cultural, entendendo que


embora esta nos permita um caminho fácil ao anguloso da multiculturalidade
(a existência de variadas culturas numa só região) , destrói a diversidade
apenas pelo medo de dialogar, é o ato ignorante de considerar que somos
iguais e por isso devemos ser tratados da mesma forma , quando na realidade
é exatamente por todos sermos diferentes que nos devemos procurar aceitar.
Multiculturalismo é não ter medo do que se destaca, do diferente, é aceitar o
novo e progredir em conjunto, é permitir que culturas prosperem em conjunto
sem a necessidade de submergirem numa só, enquanto-se permite que todos
a elas se juntem, independentemente de qual delas originam.

Em suma,

Sem debate e livre circulação de ideias não existe a tolerância e o único que
não deve ser tolerado é o intolerante, como nos ilustra o paradoxo da
tolerância de Karl Popper.
Todas as culturas são diferentes, mas assentes nos mesmos valores que
ultrapassam a religião ou estratificação social, os valores morais, não existem
povos menos avançados ou primitivos, apenas povos amordaçados e
reprimidos, muitas vezes pelas próprias sociedades que se intitulam
tolerantes.

Rodrigo Coelho, 10ºI, Nº23, 17/03/2022

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