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Adulto:
O Paradoxo da Tolerância
Não quero pessoas com receio de expor ideias porque existe um castigo.
Principalmente se essas ideias forem notoriamente falsas. Porque só
através da crítica é que elas podem ser refutadas e alteradas
É compreensível que este parágrafo possa ser interpretado da forma que os cartoons acima o fizeram. Mas
certamente não foi essa a intenção de Popper e qualquer leitura atenta de toda a obra o comprova.
O cerne da questão está na frase “não pretendo dizer que devamos sempre suprimir a verbalização de
filosofias intolerantes; conquanto que possamos contradizê-las através de discurso racional e combatê-las
na opinião pública, censurá-las seria extremamente insensato”.
Ou seja, enquanto possuirmos a liberdade política e a segurança para combater discurso que achamos
abominável com argumentos que toda a gente pode ouvir, então usar coerção vai ser errado. Talvez a
descrição de um episódio que Popper viveu, poucos anos antes de escrever o texto que aqui discuto, ilustre
melhor este ponto, e talvez dê algum contexto às palavras de Popper.
Pouco tempo antes do partido nazi subir ao poder em 1933, Popper entabulou conversa com um jovem
membro do partido Nazi, e após uma breve exposição de ideias, Popper pergunta-lhe qual é o seu contra-
argumento, ao qual o jovem responde “o meu argumento? É este o meu argumento”, mostrando-lhe a
arma que transportava.
Aí está. Um excelente exemplo de uma situação em que “o tolerante não pode tolerar o intolerante”.
Mesmo que o Estado o tolere.
Outra perspectiva do problema parte da teoria política de Popper, que vê a democracia como um sistema
que permite retirar um mau governante do poder sem ser necessário violência. É esse o mecanismo
fundamental de “correcção de erros”, de falibilismo e de progresso, aplicado à política. E a sua perda é mais
desastrosa do que qualquer outra coisa que um governante possa fazer. Consequentemente, uma situação
na qual esse mecanismo está iminentemente ameaçado deverá suscitar a tal resposta coerciva/violenta dos
“tolerantes”. Não antes.
É interessante avaliar algumas situações actuais através deste prisma popperiano. Por exemplo, é por
demais óbvio que o Sr. Trump não vai continuar no poder após os seus dois mandatos (talvez até nem ao
fim de um). Mesmo que ele tenha esse impulso, tal falha das instituições democráticas dos EUA é uma
miragem. Apesar de todas as críticas justas que lhe são feitas, os EUA possui tradições e instituições
democráticas cuja resiliência não deve ser menosprezada. Não foi por acaso que em 250 anos de existência
os EUA nunca esteve perto de sucumbir ao autoritarismo. Portanto, neste caso, reacções violentas por
parte dos “tolerantes” não se parecem justificar. Por outro lado, parece-me também óbvio que a situação
na Hungria, membro da EU (convém lembrar), é uma em que o tal mecanismo fundamental de democracia
está sob ameaça mortal, que deve motivar, segundo a minha interpretação de Popper, “intolerância para
com os intolerantes por parte dos tolerantes”, porque de facto a tolerância corre o risco de desaparecer na
Hungria. Com isto não pretendo fingir que sei o que deve um cidadão húngaro fazer nesta situação. Mas
continuar o dia-a-dia habitual como se nada se passasse parece-me demasiado passivo.
Queria ainda mencionar o falibilismo (que por si só merece um texto) no que toca a esta problemática.
Sucintamente, falibilismo é a posição de que todo o conhecimento é conjectural e susceptível de conter
erros (assim como verdade), não havendo fontes ou autoridades possuidoras de verdade absoluta (ou
“provável”). Esta posição epistemológica leva-nos a uma postura humilde sobre a imensidão da nossa
ignorância (mas que de forma alguma debela o entusiasmo pelo progresso real já feito e pelo progresso
que podemos alcançar). O falibilismo aplicado à política e à liberdade de expressão leva-nos a uma posição
de abertura para ouvir ideias e críticas, independentemente da origem ou das putativas intenções de quem
as profere. Porque não somos donos da verdade absoluta. Ninguém é. E se existe, por exemplo, um
sentimento anti-imigração na nossa sociedade, eu quero ouvir os melhores argumentos dessa posição. E
quero ouvir as melhores críticas à minha posição de pró-imigração. Quero essa oportunidade para “testar”
as minhas convicções, quero essa oportunidade para quiçá rever ou alterar algum dos meus argumentos
que afinal não era assim tão bom. Mas não quero pessoas com receio de expor ideias porque existe um
castigo. Principalmente se essas ideias forem notoriamente falsas. Porque só através da crítica é que elas
podem ser refutadas e alteradas. Não as devemos querer escudadas e protegidas por uma paliçada de
silêncio. Porque esse sim é o caminho para o fim da sociedade aberta. Talvez seja tempo de aprendermos
isso.
3. Há limites à intolerância?