Você está na página 1de 4

Caruaru, _____ de ____________________ de 2023

Aluno (a): ____________________________________________


Ano: Turma: “____”
Prof.º Jonas Batista
Apostila – Atualidades – Recuperação
 Tema 1: Paradoxos, argumentos e experimentos para citar no Enem

O que é um paradoxo? À primeira vista, o paradoxo é uma contradição. Observe a frase: "Ernesto adora
estudar, mas detesta ler." Os dois fatos declarados neste enunciado ("Ernesto adora estudar." e "Ele detesta
ler.") são contraditórios entre si. Afinal, é necessário ler para se poder estudar.
Não só na linguagem comum, mas também na lógica, que é um campo da filosofia, o paradoxo é um
raciocínio que encerra uma oposição

Paradoxo da Tolerância – Karl Popper


A liberdade de expressão é um dos pilares de uma sociedade democrática. Em sua essência, ela garante a
todo indivíduo o direito de exprimir sua opinião. Para sustentar tamanha multiplicidade de pensamentos, no
entanto, é primordial que essa sociedade democrática conte com um outro ingrediente: a tolerância. É ela
quem dita que devemos estar dispostos a ouvir, respeitar e conviver com opiniões divergentes das nossas.
Mas e quando essa opinião divergente tem como pano de fundo justamente a intolerância? Quando ela
prega que determinado grupo étnico deve ser segregado ou que as pessoas precisam ser punidas por sua
orientação sexual? E quando uma opinião, na verdade, incita à violência e ao ódio? Nestes casos, devemos
ser tolerantes ao intolerante?
São esses questionamentos que levam o filósofo contemporâneo Karl Popper (1902-1994) a definir o
chamado “paradoxo da tolerância”. O termo apareceu pela primeira vez em seu livro “A Sociedade Aberta e
Seus Inimigos”, de 1945, resultado das observações do filósofo frente aos movimentos totalitários do século
XX. Ele defende que uma sociedade que se declara tolerante deve ser intolerante à intolerância.
 Tolerar ou não tolerar?
Para o filósofo, ao aceitar os intolerantes, os tolerantes – e a chamada sociedade tolerante – podem ser
levados a destruição. Isso porque uma tolerância ilimitada se torna vulnerável a qualquer tipo de ataque
intolerante que se disfarce sob o discurso da liberdade de expressão. “A tolerância ilimitada leva ao
desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não
estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes
serão destruídos e a tolerância com eles”, escreve Popper em seu livro.
Se, então, para ser tolerante, deve-se em alguma medida ser intolerante, não há espaço para o debate
dessas ideias ou mesmo para a existência de opiniões divergentes? Não é bem assim. Karl Popper explica que
a prioridade deve ser sempre combater ideários intolerantes com argumentos sólidos. “Nessa formulação, não
insinuo, por exemplo, que devamos sempre suprimir a expressão de filosofias intolerantes. Desde que
possamos combatê-las com argumentos racionais e mantê-las em xeque frente à opinião pública, suprimi-las
seria, certamente, imprudente”
O combate mais incisivo às filosofias intolerantes, no entanto, não deve ser uma opção descartada –
sobretudo quando a única resposta desse grupo é a violência. “Devemo-nos reservar o direito de suprimi-las,
se necessário, mesmo que pela força. Pode ser que eles [intolerantes] não estejam preparados para nos
encontrar nos níveis dos argumentos racionais, ao começar por criticar todos os argumentos e proibindo seus
seguidores de ouvir argumentos racionais, porque são enganadores, e ensiná-los a responder aos argumentos
com punhos ou pistolas”, explica.

1
Dessa forma, o paradoxo da tolerância questiona até que ponto ideias intolerantes devem ser toleradas se
infringem, ofendem ou incentivam algum tipo de violência às liberdades de um indivíduo ou um grupo. Pode
ser confuso, mas é um paradoxo justamente por isso.
Se você lembrou das aulas de Língua Portuguesa sobre figuras de linguagem, está certíssimo. O termo se
chama “paradoxo” por ser, à primeira vista, contraditório. Assim como na figura de linguagem, um paradoxo
vai apresentar uma ideia bem fundamentada e coerente, mas que não necessariamente segue uma ordem
lógica. Para Karl Popper, sustentar uma sociedade tolerante requer, por vezes, não tolerar.
 Mas e a liberdade de expressão?
Vejamos um exemplo. Você está andando por uma praça e de repente se depara com um grupo de jovens
fazendo um discurso intolerante em um pequeno palanque. Talvez um dos seus primeiros pensamentos seja
que eles estão apenas exercendo a sua liberdade de expressão, como garantido na própria Constituição
Federal. É preciso lembrar, porém, que liberdade de expressão é diferente de discurso de ódio. Todos são
livres para discordar, mas assaltar a existência, a índole ou a liberdade do outro deixa de ser uma opinião e se
torna um ataque.
Um exemplo é quando, em 2016, o livro “A Minha Luta”, escrito por Hitler sobre os ideais nazistas, foi
impedido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro de ser comercializado, já que a obra incentivava práticas
intolerantes contra determinados grupos da sociedade.
 Argumentando com o paradoxo da tolerância
O paradoxo da tolerância e o próprio Karl Popper não são citados com tanta frequência nos grandes
vestibulares – talvez você não se depare, por exemplo, com uma questão pedindo para definir esse conceito
nas provas.
Apesar disso, a ideia do filósofo austríaco pode ser uma ótima carta na manga para argumentar nas
redações. Afinal, o paradoxo da tolerância atravessa qualquer tema relacionado à liberdade de expressão,
discurso de ódio e intolerância. Um exemplo é a proposta de redação do Enem 2016. Naquela edição, os
candidatos deveriam dissertar sobre “Os caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”. Foram
fornecidos textos motivadores que tratavam da legislação sobre o assunto e dos efeitos da intolerância
religiosa. Um desses excertos afirmava:
“O direito de criticar dogmas e encaminhamentos é assegurado como liberdade de expressão,
mas atitudes agressivas, ofensas e tratamento diferenciado a alguém em função de crença ou
de não ter religião são crimes inafiançáveis e imprescritíveis.” STECK, J. Intolerância
religiosa é crime de ódio e fere a dignidade. Jornal do Senado. Acesso em: 21 maio 2016
(fragmento)
A partir deste tema, o estudante poderia mobilizar a teoria da intolerância de Karl Popper para afirmar
que, em casos extremos, onde a segurança e a dignidade de pessoas que praticam determinada religião são
colocadas em risco, a intolerância aos intolerantes é cabível – prevendo medidas no campo penal, por
exemplo.
A Fuvest também abriu caminho para esse argumento no vestibular de 2001, quando propôs que os
candidatos desenvolvessem uma redação sobre o crescimento do neonazismo e do neofascismo. Um dos
textos de apoio era uma reportagem da revista Isto é de 2000, que relatava uma marcha nazista realizada na
cidade de São Paulo. A manifestação culminou no envio de bombas para defensores de Direitos Humanos e
pessoas pertencentes a minorias sociais.
O candidato poderia mobilizar este e outros registros históricos acerca do nazismo, como o próprio
holocausto, para exemplificar os efeitos práticos de não combater discursos intolerantes. Na Alemanha
nazista, a tolerância a Hitler e às suas ideias resultou na morte de milhares de pessoas e na completa
erradicação de uma sociedade tolerante.

Paradoxo de Aquiles e a Tartaruga - Zenão


Aquiles e a tartaruga Um dos mais célebres paradoxos da história da filosofia é aquele que conta a
história do herói grego Aquiles e da tartaruga. Conta-se que Aquiles, disputando uma corrida com uma
tartaruga, num ímpeto de generosidade, resolveu dar a ela uma pequena vantagem, deixando que o bicho
partisse alguns centímetros à sua frente. Segundo o filósofo grego Zenão, por mais rápido que Aquiles se
movesse, ele jamais conseguiria ultrapassar a tartaruga. O paradoxo formulado por Zenão é o seguinte: cada
vez que Aquiles percorre determinada distância num espaço de tempo, a tartaruga já percorreu uma outra
distância.

2
Se Aquiles se movimentar mais um tanto para alcançar a tartaruga, terá que se defrontar com o fato
de que a tartaruga já terá percorrido mais um tanto, por menor seja. Esse fato se repetirá indefinidamente.
Por mais que Aquiles corra, sempre haverá um espaço a separá-lo da tartaruga. As conclusões de Zenão
contrariam o senso comum, que aponta para uma vitória esmagadora de Aquiles, é claro. Mas o que Zenão
estava fazendo era demonstrar que o movimento dos objetos é um fenômeno irreal e contraditório,
consistindo sempre em mera ilusão dos sentidos.

Paradoxo do Conhecimento – Frank Jackson


Em 1982, em seu artigo Epiphenomenal Qualia, o filósofo australiano Frank Jackson propôs um
experimento mental que ficou conhecido como o “argumento do conhecimento” (the knowledge argument
ou Mary’s Room), e cujo objetivo principal, à época, era o de questionar o fisicalismo; ou em outras
palavras, a ideia de que tudo o que há no universo, inclusive a mente, é de natureza física, e passível de ser
completamente explicada pela ciência. Os fisicalistas consideram que a ideia abraçada pelo senso comum de
que a mente é algo especial, seja porque é autoconsciente, ou porque pode pensar e sentir, ou, ainda, porque
tem livre-arbítrio, é uma ilusão.
O experimento mental proposto por Jackson, resumidamente, pode ser descrito da seguinte maneira:
imaginemos uma cientista chamada Mary, que é tão brilhante que consegue acessar todas as “informações”
físicas possíveis sobre a visão. Ela aprende todo o possível sobre como os vários comprimentos de onda de
luz afetam e estimulam a retina; sobre as minúcias do sistema neurológico do processamento visual; além de
como esse sistema interage com a fala para produzir descrições orais das imagens; e assim por diante.
Entretanto, há um porém, nos diz Jackson: Mary vivera toda a sua vida em uma sala em que absolutamente
todas as informações visuais são em preto, branco e tons de cinza, inclusive seus livros e o monitor de TV
através do qual ela tem acesso ao mundo. Certo dia, Mary é libertada desse quarto, e, pela primeira vez em
sua vida, ela enxerga as cores com seus próprios olhos.
A pergunta que Jackson faz é: Mary aprendera algo novo com isso? Sem que precisemos pensar
muito, nosso primeiro impulso parece ser o de admitir que, sim, Mary aprendera algo novo sobre o que são
as cores do e no mundo, ou seja, aprendera sobre o vermelho de uma maçã, sobre o verde das folhagens, ou
sobre o azul do céu por meio de seus próprios olhos. Entretanto, não podemos nos esquecer de que Mary já
conhecia previamente tudo sobre a visão e as cores.
O que podemos concluir a partir disso? Que, provavelmente, então, existiriam propriedades não-
físicas envolvidas no conhecimento sobre a visão que só poderiam ser descobertas quando experienciamos
conscientemente o mundo. Neste caso, por mais que Mary fosse uma cientista treinada, e que soubesse tudo
sobre a visão, ou mesmo sobre as cores, ela nunca havia experienciado as cores do mundo com seus prórpios
olhos. Em assim sendo, podemos concluir que, sim, há algo sobre a mente que experimentamos em primeira
pessoa e que, portanto, o fisicalismo estrito não consegue responder. A isso se dá o nome de qualia. Os
qualia são, portanto, propriedades qualitativas das experiências subjetivas conscientes.
O argumento do conhecimento de Jackson constitui-se, portanto, num desafio à pretensa completude
das explicações físicas sobre a mente defendida pelos fisicalistas. No entanto, por mais plausível que possa
parecer seu argumento, toda e qualquer questão relacionada à mente, às suas relações com o mundo, ou à
cognição não é simples nem de ser compreendida, nem de ser explicada; e, por mais contraintuitivo que
possa nos parecer à primeira vista, o fisicalismo é, atualmente, a tendência dominante entre físicos, biólogos
e filósofos da mente.

3
 Tema 2: Conceito de Banalidade do Mal – Hannah Arendt

O polêmico conceito criado pela filósofa alemã judia Hannah Arendt, aluna preferida de Martin
Heidegger, foi apresentado no livro Eichmann em Jerusalém. O livro, publicado originalmente em 1963, a
partir dos artigos que publicara como correspondente na revista The New Yorker, discutia o julgamento de
Adolf Eichmann, iniciado em 1961, em Jerusalém, e que resultou na pena de morte por enforcamento,
ocorrida em 1962, nas proximidades de Tel Aviv. Arendt discutia a perspectiva do mal provocado por
ninguém, ou por pessoas destituídas da capacidade do pensar, visto que ela não atribuiu o mal ao nazista
julgado, mas via nele tão somente o burocrata zeloso, incapaz de pensar por si.
A banalidade do mal é, para a filósofa, a mediocridade do não pensar, e não exatamente o desejo ou a
premeditação do mal, personificado e alinhado ao sujeito demente ou demoníaco. Como postura política e
histórica, e não ontológica, a banalidade do mal se instala por encontrar o espaço institucional, criado pelo
não pensar. Em Eichmann, Arendt via não alguém perverso ou doentio, sequer alguém antissemita ou
raivoso, mas tão somente alguém que cumpre ordens, incapaz de pensar no que realmente fazia, mantendo o
foco somente no cumprimento de ordens.
Diante de destratos e violências físicas e verbais a que testemunhamos, e que certamente alguns leitores
protagonizam, cotidianamente, em redes sociais e pelos jornais, não há como negar que daríamos farto
material para a discussão da filósofa, nesses momentos críticos da eleição presidencial brasileira. Ao
extremismo não falta apenas alteridade - a capacidade de se colocar no lugar do outro -, mas falta o pensar.
As posições políticas e históricas assumidas banalizam o bullying, a violência e a ação, sejam elas uma
replicação de post, um compartilhamento de fake news ou a realização de comentários agressivos contra seus
opositores políticos, que se sobrepõem a amizades, à família e a crenças religiosas.
Tais quais movimentos da manada, a horda faz fugir o pensamento, deixando o espaço necessário para
que a banalização do mal se instale. Relatos de amizades desfeitas, grupos de família e de bairros em crise
diante de posições políticas acirradas em que não há respeito, mas despeito, pelas posições contrárias, a
proliferação do bullying, político, histórico, é farto material para a discussão central de Arendt.
Embora a mídia tecnológica seja, de fato, pós-massiva, a massa continua sendo uma perspectiva de
manipulação, inclusive e principalmente por ações acríticas, motivadas por consenso institucional: os
exemplos de violência parecem ser regra nas relações entre eleitores, tal qual entre torcedores. A massa
incapaz de pensar age, acéfala, não enxergando o mal que comete, socialmente. Mas ressente-se, quando
igualmente agredida, o que a impele a responder, com maior violência ainda. Cria-se o círculo vicioso da
banalidade do mal.
Ainda que não se queira comparar os contextos utilizados pela filósofa e neste artigo, não há dúvida de
que vivemos uma banalização da violência, por motivações políticas. Por sorte, eleições passam, e a maior
parte dos eleitores esquece seu ardor de defesa, suas posições políticas inquebrantáveis, provando que a tese
de Arendt tem sua aplicação: a mediocridade do não pensar não é ontológica, mas política é histórica.

Você também pode gostar